Post on 20-Oct-2015
Loucura/ Delrio
Prof Melissa R. de Almeida
Psicologia e Sade I DEPSI-UFPR
A boa sade Em uma parada qualquer, um enxame de garotos invadiu o nibus. Vinham carregados de livros e cadernos e bugigangas diversas; e no paravam de falar nem de rir. Falavam todos ao mesmo tempo, aos gritos, empurrando-se, sacudindo-se, e riam de tudo e de nada. Um senhor encrencou com Andrs Bralich, que era um dos mais ruidosos: -O que h com voc garoto? Est com a doena do riso? Uma simples olhada bastava para comprovar que todos os passageiros daquele nibus j tinham sido submetidos a tratamento e estavam completamente curados.
(Eduardo Galeano)
Loucura e misria
A loucura indiferenciada da misria:
Caridade: indigncia doente leprosrios e asilos
Punio: desrazo ameaadora convivncia civil priso
A loucura no tem voz porque as necessidades do homem, so ou doente, esto privadas de voz.
A face da fome no est distante da face da loucura, e as vozes de ambas se confundem quando ningum as escuta ou quando elas no tm direito palavra. (Basaglia, p. 261)
Loucura e misria
Quando a misria reclama os seus direitos
Separa-se/ fragmenta-se as diversas vozes que a povoam
Para que no se tenha que responder globalidade desses apelos
Pinel: separa desrazo do mundo da misria (Iluminismo)
Razo e loucura
Razo burguesa A razo humana
-dominante-
Desrazo torna-se objeto da razo
Razo determina o modo como a desrazo deve se exprimir, a linguagem da racionalidade do poder
Doena aparece como mediao entre a razo dominante e a misria que deve ser fracionada organizada, subdividida
Loucura como doena
Loucura medicalizada: transforma-se em doena
Passagem do crcere ao manicmio
Invalida voz da loucura ao reconhecer sua voz como enfermidade
Dar um nome a essa linguagem confusa e separ-la
Significa salvaguardar a racionalidade do poder
Loucura como doena
(...) a psiquiatria comea a erigir o labirinto de suas classificaes (a subdiviso dos seus diversos quadros clnicos, as nuanas entre analogias e diferenas, a definio da qualidade dos delrios, as diversas especificaes sobre os contedos), j sem preocupar-se, ou preocupando-se cada vez menos, com o que loucura, com o que ela exprime e o que ela representa. Assim como comea a erigir suas instituies com as respectivas prticas de punio, de controle, de tortura, agora avalizadas pela cincia sem considerar o profundo nexo entre a ideologia da norma que a constitui, e que ela tutela com sua prtica e teoria, e uma organizao social estruturada sobre a diviso do trabalho e das diversas disciplinas, a fim de apropriar-se do indivduo que deve aderir quela norma. (Basaglia, p. 271)
Periculosidade social
Loucos, criminosos, delinquentes eram antes uma possibilidade humana: seu ato era punido
Quando separa-se loucura da misria, seu ato desresponsabilizado
A responsabilidade pelo ato imputada desrazo
No se pune mais o ato reprovvel, mas o indivduo inteiro, por meio de processos de controle e modificao da conduta = tratamento
Periculosidade social
Se o crcere punia o delito do insensato, o manicmio chegar sobretudo a punir as ameaas, as intenes, os perigos presumidos num comportamento que no apresente claramente o carter da racionalidade. (BASAGLIA, p. 266)
Medidas jurdicas so justificadas em termos cientficos
1838: 1 lei sobre alienados aprovada no parlamento francs
Tarefa do corpo mdico: conter a periculosidade social e a potencial subverso da ordem
Norma e corpo
Norma:
Limite imposto individualidade (corpo orgnico) pelos interesses e necessidades da coletividade (corpo social).
Se a norma imposta para defesa do grupo dominante, impede aos dominados qualquer expresso subjetiva.
Indivduo dominado, alienado, explorado
Corpo orgnico e corpo social so reduzidos ao corpo econmico
Antagonismos entre necessidades do corpo e do corpo econmico no so entendidas e apresentadas como choque de classes
Razo/Estado e norma
Eficincia
Produtividade
incapazes
deficientes
retardados
velhos
desempregados
Norma social:
Marginalidade improdutiva:
Instituies adequadas
Ideologias cientficas especficas
Capitalismo
Impe graus cada vez mais altos para chegar ao mundo produtivo
Improdutivo: margem do contrato social
Para tutelar e salvaguardar a liberdade de
quem age dentro do contrato
Produo do sofrimento
O desencontro entre um corpo que no aceita ser tal e um corpo econmico cujas necessidades no podem deixar de ser antagnicas s do indivduo e da coletividade o que produz os conflitos e, assim, o que produz sofrimento. A presena do sofrimento o indcio da fracassada identificao entre corpo e corpo econmico, donde o sinal de uma subjetividade que reage e recusa o confinamento de que objeto. (BASAGLIA, 2005, p. 281)
Sofrimento e Delrio
Sofrimento
Resultado da represso da subjetividade e do corpo, da impossibilidade material e psicolgica de o indivduo expressar seus desejos e necessidades.
Delrio
a linguagem da loucura
Expresso de necessidades e desejos que no tm a possibilidade de se exprimir seno por meio da irracionalidade e da desrazo.
A palavra loucura?
Delrios para a psiquiatria
So a constatao das suas diversas manifestaes [dos delrios] e a confirmao de sua incomunicabilidade, de seu desvio diante da razo dominante
Torna-se erro de juzo, que a psiquiatria apenas constata e descreve, sem colocar em questo o outro plo da contradio: o juzo e sua razo
D-se a palavra ao irracional, mas em um espao separado onde ele possa ser expresso
Reabilitao e tratamento dos doentes mentais parecem possveis quando so socialmente teis e economicamente necessrios
Loucura/necessidade
Loucura como um problema de espao
fsico e psicolgico, que o indivduo encontra dentro do grupo.
Sociedade de classes
sobrevivncia de um grupo baseia-se na explorao e no domnio do outro.
Necessidades
nesse mundo generalizado de misria econmica e psicolgica que as necessidades se exprimem de modo confuso e indiferenciado: necessidades que nascem da urgncia da vida, de um corpo que no aceita ser mutilado e mortificado, de uma subjetividade que no quer ser reprimida e violentada, e que acha demasiado estreito o espao que lhe concedido. (BASAGLIA, 2005, p. 296)
Necessidades
No conseguindo se expressar em formas organizadas de luta, podem encontrar vazo em comportamentos irracionais e
incontrolveis.
Nos momentos de crise do sistema cresce pedido pelo retorno ao grande enclausuramento
Problemas com aumento do desemprego, mendicncia violenta, marginalidade, uso de drogas etc.
Hoje, vivemos um desses momentos?
Loucura/necessidade
S vim telefonar Gabriel Garca Mrquez
O Alienista Machado de Assis
E agora prepare-se o leitor para o mesmo assombro em que ficou a vila ao saber um dia que os loucos da Casa Verde iam todos ser postos na rua. De fato o alienista oficiara Cmara expondo: 1 que verificara das estatsticas da vila e da Casa Verde que quatro quintos da populao estavam aposentados naquele estabelecimento; 2 que esta deslocao de populao levara-o a examinar os fundamentos da sua teoria das molstias cerebrais, teoria que exclua da razo todos os casos em que o equilbrio das faculdades no fosse perfeito e absoluto; 3 que, desse exame e do fato estatstico, resultara para ele a convico de que a verdadeira doutrina no era aquela, mas a oposta, e portanto, que se devia admitir como normal e exemplar o desequilbrio das faculdades e como hipteses patolgicas todos os casos em que aquele equilbrio fosse ininterrupto.
Referncias
BASAGLIA, Franco. Loucura/delrio. In: BASAGLIA, Franco. Escritos selecionados em sade emntal e reforma psiquitrica. Rio de Janeiro: Garamond, 2005