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AssocIação para o Desenvolvlmernto da Imprensa Alternativa - ADIA í1
Ano 1 - Edição N° 1 Abril 2005 - R$ 15,00
Classes
",",.PORTAL POPULAR.ORG.BR Política Debate Movimento Mundo Economia Meio Ambiente Amazônia Opinão Quem Somos
Em novembro de 1996, um grupo de militantes criou a ADIA como opção política, objetivando contribuir para a divulgação de idéias, no âmbito da diversidade de pensamentos da Esquerda Brasileira, e que possam servir não só para reforçar as lutas do Movimento Popular contra o neoliberalismo, como também estimular e enriquecer o debate sobre o Socialismo no país e no mundo.
A ADIA, estatutariamente é uma Associação Sem Fins Lucrativos (não somos uma ONGl, cuja potencialidade é a militância no setor informativo. Neste sentido, começamos em 1996 publicando mensalmente o JORNAL NAÇÃO BRASIL, cujo nome era, ao mesmo tempo, herança e uma homenagem ao combativo semanário Nação Brasil que havia deixado de existir em 1995 por motivos, sobretudos, financeiros. Em maio de 1998, transformamos o jornal em REVISTA NAÇÃO BRASIL e em junho de 1999, publicamos CONJUNTURA INTERNACIONAL, nosso primeiro suplemento trimestral de política internacional.
Em maio de 2000 publicamos a edição especial "BRASIL: Os Outros 500", e em setembro foi a vez do "Dossiê Meio Ambiente". Estas edições foram ampliadas, em dezembro de 2002, com a versão em CD-Rom.
Em Fevereiro de 2001 lançamos este Portal Popular que pretende continuar sendo uma janela crítica e de análise da política nacional e internacional atualizada semanalmente e uma biblioteca com mais de 3.000 matérias. Agora o Portal já tem a edição ON Line de Revista Nação Brasil, Conjuntura Internacional e Critica Social.
Finalmente em Abril de 2003 publicamos o trimestral CRíTICA SOCIAL - uma revista com 120 páginas - pretendendo dedicar esta publicação ao debate teórico e a análise política da esquerda. CRíTICA SOCIAL é um banco de ensaio para quem estuda e quer trabalhar as ferramentas do socialismo no contexto brasileiro e latino-americano. Sem censura, sem centralização, apenas uma pauta e muitos colaboradores ligados ao Movimento Popular.
Esta é a ADIA, este é o www.portal popular
Atualizado em 06/03/04 Ed ição: 122
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ASSINATURAS
REVISTA História & Luta de Classes N° 1 - Abril - 2005
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Sumario
4 - Apresentação
Marcelo Badaró Mattos
7 - Os trabalhadores e o golpe de 1964 um balanço da historiog rafia
Nildo Viana
19 - Acumulação Capita lista e Go lpe de 1964
Felipe Abranches Oemier
29 - A "Lega lidade" do Golpe: o controle dos trabalhadores como condição para o respeito às leis
Carla Luciana Si lva
43 - Imprensa e ditadura militar
Gilberto Calil
55 - Os integralistas e o golpe de 1964
Má rio Maestri
75 - O Escrav ismo Co lon ial: A revolução Copern icana de Jacob Gorender
Roberto Ramirez
101 - Os m ovimentos piqueteiros e o "Argentinazo"
Francisco Domínguez
11 1 - Blair, Bush y la guerra de Irak
RESENHAS
123 - Os quilombos na dinâmica social do Brasil (Adelmir Fiabani)
131 - A historiografia envergonhada (Mário Maestri e Mário Aug usto Jakobskind )
Organizadores ge ra is desse númcl"o: Mário Mal:S lri c Marcelo Badaró
Conselho Editoria l Provisório: Florcncc C:lrbon i, C:lr1a S il va, Gilberto Calil , Marcelo Badaró, M~írio Maestri , Théo L. Piiiciro
CUlIscllw d e M cm hrus F und:uJOI"cS
AdalhcrlO P;lr:ulhos (U FU) : Adclmi r Fi;lbnni (RS): Adriana F;u.: ina (UFF): A lvcllir de Almeida (FAC c l DEAU. RS);
Antonio de P:lclu<I nosi (U N IOEST E) : BC;llri z Loncr (UFPcl) ; Carla Lucianil Silva (UNIOEST E): Carlos Antônio G()J\allligo (Unipar): C buuir;! C lrdoso (UFI~GS) ; Ed ílsolJ
José Gradolli (UrU); Enriquc Serra Padr6s (UFRGS); Eu rel ino Cl lel lll) (UEr S- BA); Euzébio A ssurnpç;io (Facul dade de Osório) : Felipe Demicr: r emando Zelllor(RS); Flon':l1I.:e Car!lon i (U PF): Frilllcisco Dominguez (Midd lcscx Uni vcrsit y); Gilherto Cal i l (UN IOEST E): Isahel Grill i (URI); J:li l1le Cioro (U PF): Jorge Magasich (Bélgica): Jorge Nt'l voa (UFUA): K;l t i .. P:lranhos (UFU): Lu] ,. Carlos Amaro (RS): Luiz S;ív io de A lrneida (UFAL); Marcelo Bad:mí (U FF): rvl:trcclo Dorneli ... Cl rv ,tllwl (Unioeste); Maria Aparecida Ch;l ves Riheiro Pap:di (Uni vilp); Maria do C:lrmo I3razil (UFM S - DOlH"ados); M :tria José Acedo
Oel'Ol lllo (Un lvap): M ;írio M :lestri (UPF): Nildo Viall;t
(UEG); Noeli Woloszyn (Uni vcrsi(l<ldc do COJl tcstildll): Olg:írio Vogt (Uni se) ; Pau lo A . Z artli (Uniju í): Pedro Paulo Funa!'i ( Unic ilmp); Phi lomena Gcbr:Hl ( USS) ; I~obcrto
I~adllnz (Unisc- UCS) ; Rodolfo Borqucz Bustos (M éx ico) ; Romu,ddo Portela de Oliveira (USP): Soleni rressato (BA); Tlwís Janaillil WC/1t:zcnovicz (URJ ); Théu L . Pi iici ro (UFr); Valéria Zellclli de Almeida (Uni v;lp): Vi rgínia Fontes (UFF).
Distrihuição : his loriaclutadccJasse @uol.co ll1 .br ADIA, Pça Pio X, n"7 - 9" andr ·Sala Projctoad iaCEP20040-020- Rio de Janeiro - TcleFax - (02 1) 2263-0 I X7 port;[ I@portalpopular.ocrg.hr
Pmjcru Gr:í ll cu, Oiagnllll:.l\·i"i u c III1IU'cssãll: A ssociação para o Desenvolvime nto d:1 Imprensa Alt e rnativa - ADIA
ror:lI11 iln pressos 1.000 exemplares 110 dia OX/04/2005
4======================================== REVISTA História & Luta de Classes. N° 1
Apresentação
Em tempos de domínio social da barbárie neoliberal e de hegemonia conservadora no pensamento acadêmico, com destaque para a área da História e das Ciências
Sociais, a REVISTA História & Luta de Classes procura servir como ferramenta de intervenção daqueles historiadores e produtores de conhecimento que se recusam a aderir e se opõem a essa dominação.
As diferentes manifestações dos conflitos sociais ao longo do tempo; a história social do mundo do trabalho; as propostas e processos revolucionários; os temas políticos e as contradições econômico-sociais atuais e passadas; a cultura vista por uma perspectiva materialista são alguns dos temas e áreas de estudo que serão abordados nos artigos publicados por REVISTA História & Luta de Classes.
Diante do atual predomínio das anódinas e pacificadoras histórias narrativas desprovidas, ao menos em forma explícita, de referenciais conceituais, REVISTA História & Luta de Classes pretende também servir de canal para reflexão teórica , particularmente para aquela orientada pelos ventos constantemente renovados do marxismo. Nesse sentido, um dos seus objetivos será a retomada do debate sobre os sistemas, formas e modos de produção conhecidos através da história, tema semi-abandonado após a vitória da contra-revolução neoliberal de fim dos anos 1980, que proclamou prepotente o "fim da história" e o domínio atemporal do modo de produção capitalista.
Nosso público alvo privilegiado é o dos estudantes e dos professores de História, bombardeados constantemente, em suas salas de aula, nas bibliografias de cursos, nos manuais, revistas e textos historiográficos pelos arautos de uma História reduzida à narrativa do pitoresco e em geral reprodutora de uma história oficial, em que pitadas de culturalismo, de subjetivismo e episódios picantes formam uma receita valorizada no mercado cultural, mas descartável pelos critérios acadêmicos científicos rigorosos e pela irrelevância social de suas propostas .
================================================== 5 REVISTA História & Luta de Classes - N° 1
Inte ressa-nos, igualmente, ating ir outros universitários, não apenas dos d iversos ramos das Ciências Sociais, que cono sco compartilhem essa perspectiva crít ica . Pretendemos, também, que a REVISTA His tória & Luta de C/asses sirva de instrum ento para os militantes engajados em movimentos e organi za ções comprometidas com a confrontação co m o mundo do capita l.
A REVISTA His tória & Luta de C/asses possuirá editor iais, dossiês, artigos de temas livres, resenha s, transcrição de docum entos , entrevistas e notíc ias. Como em qualquer outro periód ico c ientífico, haverá procedimentos de aná lise dos artigos por parece ristas e de adequação às normas editoriais da revista. Po rém, trata ndo-se de periód ico com comprom isso s po líticos e sociais explíc itos, os artigos devem adequarse à p ropos ta político -editoria l sintetizada nessa ap resentaçã o .
Ini c i al m e nte , REVISTA História & Luta de C/asses organizou -se em to rn o de um pequeno núcleo de historiadores e c ient istas socia is que assumiram, tran sitor iamente, as funções de ed itores . A partir desse núcleo organizou-se grupo de m embros fundadores sobre o qual repousa grande parte da responsa bilidade dessa iniciativa, através da proposta de artigos, da formu lação de parec eres, da divulg ação e ve nda da revista, da gestão de seus rumos e organização.
Esse p rim e iro número é dedicado, em forma dominante, ao debate do Go lpe de Estado de 1964, devido à ce leb ração, em 2004, d os quarenta anos daquele aco ntec imento.
Conselho Editorial Provisório
História&. LnllLdc _CljlSS\'Ji
A proposta deste artigo é, primordialmente, acompanhar
a trajetória do debate sobre o golpe, comentando algu
mas das principais formulações sobre aquele processo
produzidas ao longo dos últimos quarenta anos.(1)
O caminho escolhido para isso não foi o de uma análise
exaustiva de tudo o que foi publicado, mas concentrou-se
a atenção nas discussões sobre o papel da classe traba
lhadora e suas organizações no período anterior à implan
tação da ditadura, uma chave de entendimento valorizada
por diversos ângulos entre os que estudaram o período.
Os trabalhadores e o golpe de 1964:
um balanço da historiografia Marcelo 8adaró Mattos
Marcelo Baúaró Mattos é prores~or de História
do Brasil da Universidade Federal Fluminense.
instituiç:ío pela qual se doutorou.
omeço por situar-me em relação ao tema. O golpe milití1r surgiu como um problemí1 em meu trabalho de pesquisa, quzmdo da elí1borí1ção de uma tese sobre o sindicasmo cariocano no período 1955-1988(2). Procurei en
tender o novo sindicalismo, fenômeno surgido a partir de 1978, mas para isso julguei necessário investigar as representações que ele fí1zia do período anterior a 1964, em confronto com uma análise mJis precisJ daquela fase, o que levou a um recuo do recorte cronológico dil investigJ
pilra melhor compreensão do pré-1964. Depmei-me com uma profunda desilusão
em relação ilO papel dil classe trabalhadora no momento do golpe, por parte de muitos líderes sindicais e políticos que atuavilm na época, milS
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8· Os IraIJ all,QtlQrei' c o golpe de /964: um halal/ ço da hütoriografia
também de autores que escreveram nos primeiros anos da ditadura e procuravam explicar porque o projeto das o rgani zações vi nculadas à classe hav ia sido derrotado pela implantação do regime milita r.
Tais autores acabaram por construir uma análise da classe operária brasileira no nega tivo, caracterizada pelo que ela não era: não era consciente, nem autônoma, nem mobili zada e
organizada, etc. Por issó, para eles, apesar de muita expectativa em torno do Comando Geral dos TrabaU1adores (CGT), do poder s indical, da capacidade de res istência da classe trabalhadora, o golpe fora dado com muita facil idade.
Locali zemos en tão melhor a lite ratu ra especia li zada sobre o assunto, produzida du rante a ditadura, começando por situar a própria discussão sobre o gol pe militar.
As análises sobre o golpe nos primeiros anos da ditadura
A té a década de 1970, as interpretações acadêmicas mais comuns sobre o golpe gira
vam em torno de do is pontos. De um lado, a questão econômica da crise de acwnulação. O modelo econômico dependente, montado principalmente com JK, vivia urna crise, cuja superação exigiria do Estado urna intervenção que garantisse maior abertura para o capital es trangeiro e wna políti ca dirigida a privilegiar ainda mais o grande capital, que passava, inclusive, por garantir tota l controle sobre as organizações e lutas dos trabalhadores, de fo rma a viabilizar o arrocho salarial. (3)
Muitas vezes ap resentada de forma combinada à prilneira, aparecin a tese que deri vava o golpe da cri se do populi smo. Este era entendido corno a base política da dominação de classes naquela fase, sustentada n o equilíbrio instável que garantiu a incorpo ração das massas à política pela via controlada do pacto popu li sta. Tal pacto entrara em crise, pois as massas queriam ir além dos limites estabelecidos pelas classes dominantes para suas concessões.
Nas palavras de Otávio lanni, o popul ismo envolvia diversas dimensões daquela etapa da trajetória brasileira, associadas em especial às contrad ições do desenvolvi mento capita li sta urbano-industria l e da entrada das massas no plano das d isputas de poder. "Assim pode-se afirmar que a entrada das massas no quadro
das estruturas de poder é legitimada por intermédio dos movimentos populistas. Ini cialmente, esse populi smo é exclusivamente getuli sta. Depois adquire outras conotações e também denominações. [ ... 1 No conjunto, en tretanto, trata-se de urna política de massas específica de urna etapa das transformações econômico-sociais e políticas no Brasil. Trata-se de um movimento político, antes do que um partid o políti co. Corresponde a uma parte fundamental das manifes tações políticas que ocorrem numa fase determinada das transformações ve ri ficadas nos setores industriais, em menor escala, í.1g rário. Além disto, está em relação dinâmica com a urbanização e os desenvolvimentos do selor terciá ri o da economia brasileira. Mais ainda, o populismo es tá relac ionado tanto com o con sumo em massa como com o aparecimento d~l cultura de massa . Eln po ucas pala vra s, o popu li smo brasileiro é a fo rma políti ca assumida pela sociedade de massas no país." I')
A crise do populismo seria ent50 deri vada da exacerbação das con tradições do reg ime no governo Gou lart, com a amp liação da pa rticipação popula r. Segundo lan ni , GouL:!rt "t ra z consigo todos os compro"missos e ambigüiebdes da política de massas. Governa sempre sob as vári as pressões que caracteri zam (] hi stória do populismo. Agora essas pressões estão concentradas, em fo rça e profundidade". Por isso
1 - Uma primeira versão deste texto fo i produzida para o Seminário 40 anos do golpe mil itar no Brasil. Pelotas-AS, Instituto Mário Alves/uCPEl , 01/04/2004. Uma alualização em dezembro de 2004 procurou incorpo rar novas contribuições ao deba te publicadas rec entemente. 2 - 2 Mattos, Marcelo Badaró. Novos e velhos sindicalismos no Rio de Janeiro: 1955-1988. Aio de Janeiro: Vício de leitura, 1998. Retomei algu ns aspectos dessa discussão em duas obras de síntese posteriores. Trabalhadores e sindicatos no Brasil. Aio de Janeiro: Vício de leitura, 2002; O sindicalismo brasileiro 8pÓS 1930. Rio de Janei ro: Jorge Zahar, 2003. 3 - Uma excelente síntese das discussões que adotaram tal ponto de vista enco ntra ·se em Mendonça, Sonia Regina de. Estado 8 economia 1/0 Brasil: opções de desenvolvimento. 2 ed. Aio de Janeiro:Graal, 1985. 4 - IANNI, Otávio. O colapso do populismo no BraSIl. 4 ed. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1978.p. 207.
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1 ' .\·tÚ.,.it, & 1, 1f/ft (1(' C /a .H I'.I'
mesmo, foram os conflitos sociais que desnudaram aquelas ambigüidades "O populi smo terá s ido apenas uma etapa na histó ri a das relações entre as classes sociais. Nesse sentido é que se pode dizer que no limite do populismo está a luta de c1asses."{')
De uma forma gera l, esse marco inte rpretativo permanece importante, por enfatizar d imensões econômicas, políticas e sociais do golpe, entendido em meio à aná lise de um processo mais amplo. Lei turas reducionistas, que deram exagerado peso a apenas um desses conjuntos de fatores, foram criti cadas com razão, mas não constituíam o padrão das análises, que costumaram apontar para a nlúltipla causalidade na explicação do processo que culminou com o golpe. No entanto, algumas das de rivações dessas interpretações para os estudos da classe trabalhadora eram ~astante problemáti cas.
Confo rme aquele marco, as organizações dos trabalhadores foram analisadas através do conce ito de s ind ica li smo populista. Numa s intese esquemática, o "s indical ismo populista" seri a caracteri zado po r: a) inconsistência organizatória (orga ni zações de cúpula - oficia is ou para lelas - seriam pri vil eg iadas em relação às O rganizações po r Loca l de Trabalho); b) falt a de ques ti onamento à estrutura s indica l, inclus ive po r parte da direção comunista; c) falta de s intonia entre lideranças (com discurso e reivi ndicações nacionais e politizadas) e suas bases (mobil izadas apenas por questões sa la ri a is); d) pod er de mobi li zação concentrado nos trabalhadores do Estado e escasso entre os empregados do seto r privado, em especial nos setores de ponta da grande indústri a; e) pri v ilégio ao Estado como interl ocul-or principal dos sind ica tos, subo rd inação aos políti cos po pulis tas e secunda ri zação d o conflito capital e traba lho(6). Na defi ni ção mais conhe-
5 - Id.ib. pp . 109·113.
cida, de Francisco Weffort, o s indica li smo populi sta "no plano da or ientação, subord ina-se à ideo logia nacionali sta e se \'o lta para uma políti ca de reformas e de co laboração de classes; no plano da organização, caracteri za-se por uma estrutura dual em que as chamadas 'organizações paralelas', formadas por ini ciativa da esquerda, passam a servir de complemento à estrutura sind ica l oficial , inspirada no corporativismo fascista como um apêndice da estrutura do Estado; no plano político, subordina-se às viciss itudes da ali ança fo rmada pela esquerda com Coulart e outros po lí ticos fi éis à tradição de Vargas." (7)
No estudo que desenvolvi sobre o s indicali smo carioca, como em viÍ ri os traba lhos produ zidos a partir do fim dos anos J990(8), tal concei to de "sindica li smo po pulista" era ques ti onado, po is fo ram enco ntrfJdZls ev idências mui to fortes que caminhavam em direção bem d iferen te. Encontrei na pesquisa com as fontes do período, orga ni zações sindica is com "índi ces elevados de s indica li zação, va ri adas e a tivas o rganizações por loca l de trabalho, di ve rs idade de áreas de atuação I ... ] e só lidos laços de representati v id ade entre dirigen tes e bases. " Observe i também g reves "participativas, o rgan izadas a part ir do loca l de traba lho e com uma in teg ração viável entre demandas po lí ti cas gerai s e bem sucedidos encaminhamentos de reivindicações econômicas". (9)
Isto não s ignifi ca que a es trutura sindicaln50 impusesse limites, como as in te rvenções fei tas pela Ditad ura logo em seus primeiros dias deixavam claro. Porém, apesa r desses limites, havia ação sindi ca l o rientada pelos inte resses da classe, com im pacto efet ivo na conjuntura . Ou seja, os traba lhadores agiam para si e com força. Por isso o go lpe fo i necessário pa ra a classe dominante.
O momento do golpe é fundamenta l para este debate, po is a produção acadêmica o ri en-
6 - Para dois exemplos deste tipo de uso da noção de sindica lismo populista, ver Rodrigues, Leôncio Martins. fll(Juslriafizacão e aritllfcles operár")s. São Paulo: Brasiliense, 1970; WEFFORT, Francisco. Origens do sindica lismo populista no Brasil · a conjuntura do após ·guerra. Estllc/;s Cebrap. n 4. São Paulo. abri jun. 1973. Consi deramos as caracterizações feitas pelos autores convergentes , mes mo trabalhando o primeiro com explicações para o comportamento sindical baseadas na origem de classe dos operários e o segundo centrando sua argumentação nas opções políticas das direções. 7 _ WEFFORT, F. MO rigens ... M, p. 67. 8 - Ver por exemplo a obra coletiva de FORTES. Alexandre (e outros) . Na lura por rlireiros. Campinas : EdUnicamp, 1999 . 9 - MAnOS. M. B. Novos e velllOs (, .. ). ob. cit., pp, 21 8·9.
10 - Os trablllltatlorcs c o golpe de 1964: ,,,,, balaltço da IlislIl riog r(/fitl
tada pelo modelo d o sindicali smo populis ta chegou a questionar a resistência dos trabalhadores a tal po nto que n egou a té mesmo a concretização da g reve geral convocada pelo CGT para o dia d o golpe. Constate i que, no Rio de Janeiro, como Fernando da Si lva também observou em San tos(lO> (outros exemplos dependem de novas pesquisas), a g reve ocorreu e foi tão o u mai s a mpla que a s a nter io rmente convocadas pela intersindical. Mas, de fato, foi insufi ciente para conter o go lpe, até porque, como des tacou Lun dos principais líderes do sindicalismo brasile iro à época - Batis tinha - os trabaUladores agu ardaram a res istência nljlitar,
que não aconteceu: "Não tinha porque o trabalhador, que nunca pegou em arma, pegar. [ .. . ] Não havia trabalho de res is tência armada dos trabalhadores. Havia a í ilusãode que as Forças Armadas iriam funcionar dem ocra ti camente e impedir o golpe [ .. . 1. A classe operária fez o seu papel, parou o Bras il(II>."
Assim situada a questão, em relação ao peso da aval iação negativa sobre a ação da classe no momento no período d o gove rno Goulart e no episódio do golpe, passo a comen tar a lgumas teses posteriores, com o compromisso de voltar com mais atenção, adiante, à questão da res istência no momento da derrubada de Coulart.
o golpe 20 anos depois. as teses de René Dreifuss
Não enfrente i na é poca em que produzi minll a tese (1996) um debate COm a hi s torio
g rafia especifi camente dedicada à an áli se d o golpe, publicada por volta de seus v inte anos (quando a ditadura aind n ex is ti a, clllbora abaladO) pela mobi lização redemocra ti zante). Até po rque concordava com as linhas gerais do trabalho m a is impo rtante daq ue le momento (e podemos d izer do conjunto d a prod ução sobre o golpe), escri to por René Dre i(uss1'.
Drei fu ss d em ons trou que os empresá ri os brasileiros agiam politicamente de fo rma o rganizada e documentou o papel decisivo d o g ra nde capital na a rti cul ação do golpe. Estudando o complexo lPES-l BA D - Instituto de Pesquisas Econômicas e Superi o res e Instituto Brasileiro de Ação Dem ocrática -, mostrou que seus participantes es taVaJll "no centro dos acontecim e ntos co m o h o m e n s d e li gação e co m o o rgan izadores do m ovimento civil -milita r, dando apoio materi a l e preparando o cli ma para a in te rvenção mil itar ! ... J. O ocorrid o em 31 de março de 1964 não foi um mero go lpe m ilitar. Foi [ ... ] UJll movi mento socia l civ il-mil itar(" >."
O ca ráter d e classe do go l pe e dos govern os
da ditadura é o centro de sua an á lise. Segu ndo ele: "As classes d ominantes, sob a lide rança do bloco mu ltinacional e associado em preenderam uma campanha ideo lógica e po liti co-mil itar em frentes di versas, a tra vés de uma série de institui ções e organi zações de classe, mui tas das quai s eram parte integrante do s is tema polít ico populis ta." (" >
No pós-1964, "essa ve rd adeira e lite das classes dominantes 1 ... 1 preservou a natureza ca pitO) li sta do Estado, uma tarefa que envo lvia sérias restdções à orga nj zação autônoma d~s classes trabalhadoras e a consolidação de 1 . .. 1 um tipo de ca pitalis mo tardi o, dependente, des ig ual, m as também extensamente industri ali zado, com uma economia principalmente dirigida pat'a um alto g rau de concentração de propriedade na indústri a c integração com o si s tema bancário." (1.")
É possível a rgumentar que a ex is tência de uma arti cul ação tão am pla quanto a demonstrada por Dreifuss não era s ufi ciente para exp lica r o go lpe em s i, que foi deslanchado por iniciativa imedia ta dos milita res e, como demonstra a precipitada sa ída de Mourão Filho
10 - SI LVA. Fernando Teixeira da. A carga e a culpa: operários das docas de Santos: direitos e culWra de solidafÍedada. 1937-1968. São Paulo: Hucitec/Pref. Municipal de Santos, 1995. 11 - FIGUEIREDO, Betânia G. (o rg .). Balistinha: o combatente dos trilhos. Rio de Janeiro: CMFIAMORJ, 1994, p. 45. 12 - DREIF USS, Renê A. 1964: a co nquista do Estado. Petrópolis: Vozes, 1981. 13 -Id.ib .. p. 397. 14 - Id.ib., p. 48 3. 15 - Id.ib., p. 485.
...
J-l islÚria & {. /l/a tI l! Ch, .<ixc.{ -li
com suas tropas de Minas Gerais, não possuía luna única frente de conspiradores. No entanto, o trabillho de Dreiffus tem um sentid o bem mais profundo do que a análise do acontecimento golpe enquan to fen ômeno imed iato.
Seu estudo nos posiciona sobre as condições que viabilizaram o sucesso da tomada do poder pelo movimento civil-mi litar c (1 natureza das políticas postas em prática nos anos seguintes.
A despeito desse acordo geral com a inte rpretação de Dreiffu s, ressa lto que, como sua obra não se propôs a tratar o outro lado - O da res istência dos trabalh adores - em várias pas-
sagens seu livro acaba reforçando as formulações anteriores sobre a inex istência ou inconsistência da capacidade de intervenção organizada da classe, dados os limites do sindica lismo de então.
Ass im, ainda que seu trabalho avançasse em relação à discussão de como fo i articulad o o golpe, qua l o caráter de classe dessa articu lação e dos govern os militares, mantinha-se em sua análi se o quadro geral do modelo interpretativo do "s indicalismo populista" para defin ir as re lações entre Es tado e trabalhadores e as organizações e lutas destes.
A historiografia do golpe nos seus trinta anos
Em meados dos an os 1990, porém, já se apresentavam também as novas teses sobre o
golpe, produzidas em torno de seus trin ta anos. Há algumas dessas que v i com grande preocupação e retomo aqui O ponto em que estávamos quando, citando Batistinha, me referi à expectati va de res istência ao golpe entre os militares.
Mesmo que não fosse esse meu objeto centra i de pesquisa, ques ti ona va aspectos daquelas análises que se construíam a part ir exclusivamente do depoimento dos militares go l pistas, agora di spostos a fa lar mais (embora suas v isões sempre tenham tido espaço dominante, via imprensa, pub li cações de memóri as e biogra fias), e que ap resentavam a visão de que o golpe fora dado sem ma iores resistências.
Pesquisando a greve contra o golpe, era possível constatar a arti culação efetiva de lideranças s indi cais com mi litares que estavam dispostos a res istir para garantir o governo e as institu içõcs consti tucionais, mas que não O fi zeram
porque lhes falto u O que é fundamenta l em sua instituição: ordens e comand o. Como demonstrava a ponte estabelecida por Paulo Mello Bastos, coronel reformado da Aeronáuti ca, d irigente da Federação dos Traba lhadores em Transportes Aéreos, do Sindicato dos Aeronautas e do CGT, com uma série de li deranças milita res da base de susten tação de jango, incl us ive no momento do golpe, mas que n50 resultou em
nenhuma ação concreta. (") Pelo lado dos militares que apoiavam jango, o illmirante Aragão, dos Fuzileiros Nava is, afi rmou "Eu não prendi o Lacerda porque não tinha ordens nesse sen ti do, embo ra fosse a favor da invasão do Palácio Guanabara". já o então corone l av iado r Rui Moreira Lima, que comandava a aviação de caça na base de Santa Cru z, sobrevoou a co luna de Mourão Filho que se des locava para o Ri o, mas não ataco u as tropas go l pistas por falta de ordem para tal. "Não res istimos ao go lpe porq ue é ramos d isciplinados. Ex istiam uma cadeia de comando e uma hie rarqui a. 1 .. -] Só atirar ia com ordens. Sou um militar, atiraria se es ti vesse cumprindo uma ordem." (17)
Partindo das análises que ganharam maior destaque nos anos 1990, destaco os resultados da pesquisa de um grupo do CPDOC da FGVRj a partir de depoimentos com militares. Dois tex tos publicados em 1994 podem ser tomados como exemplos de como os resultados dessas pesquisas caminhava m num sen tido inverso ao do que eu constatava, ao discutir a res istência possível ao golpe. Em reforço ao argumento dos militares go l pistas entrev istados, tenderam a afirmar que inexis tiu qua lquer poss ibilidade de res istência, já que o dispos itivo militar de j8ngo ca iu como um cas telo de cartas. Cabe aq ui, entretanto, confe rir maior atenção aos objeti vos gera is daquelas an áli ses, do que ao aspecto es-
16 - BASTOS, Paulo Mello. Salvo conduto. Um vôo na história. Rio de Janeiro: Garamond, 1998. 17 - Depoimentos regis trados por Moraes, Dênis de. A esquerda e o golpe de 64. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo. 1989, pp. 163 e 165.
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12· Ox trrlb(tfIJntllJrl!.~ e (J golpe tle 1964: 11111 balanço tia histuriografia
pecífico da possibilidade de resistência ao go lpe. O primeiro texto é de Gláucio Ary Soares, "O golpe de 64".(18)
O objetivo central do artigo é contestar as teses que atribuem a precedência expli cativa do golpe aos fatores econômicos mais gerais (resolução da crise de acumulação capitalis ta) . Para o autor, buscar os atores seria essencial e entre eles, privilegia os militares, que afi nal de contas deram o golpe. A análise se faz quase que exclusivamente a partir do di scurso dos militares, o que gera um grave risco de queda na armadilha da "i lusão biográfica" e de falta de críti ca da fonte o ral, que como qualquer outra fonte necess ita ser contextualizada. il9) O autor, em muitas passagens, toma aqueles depoime ntos como d ados, tr a táveis inclu sive quantitativamentc. C ontrapõem-se 3 5S Lnl, sem maiores problematizações, as memórias dos gol pis tas com as análises acadêmicas sobre o golpe e conclui-se pela correção das primeiras, identifi cando diretamente dos depoimentos os "motivos do golpe" como sendo: "]". Caos, desordem, instabilidade; 2". Perigo comunista e subversão; 3". Crise hierárquica militar; 4". Interferência do governo nos assuntos, na llierarquia e na disciplina militar; 5". Apoio popular ao golpe; 6". Corrupção, ro ubo de verba públi ca; 7". Sindicalismo, república sindica l." i2O)
O autor reconhece a conspiração militar para dar o golpe desde a saída de )ânio, mas enfati za que ela não possuía um comando orgânico. A partir dos depo imentos, tomados quase que como o es tabelecimento da versão definiti va sobre a participação militar, contesta as teses da historiografia, para ele resumidas às seguintes combinações: de uma conspiração dos grupos econômicos bras il eiros; de wna conspiração dos grupos econômicos brasile iros com apoio do governo ameri can o; de uma conspiração dos grupos econômicos brasileiros com
apoio dos milita res e das multi nac ionais e de wna conspiração dos grupos econômicos brasileiros com apoio das multinacionais. Escolhe a opção, apontada pela grande maioria de seus entrevistados militares de Lun a "conspiração dos militares com apoio dos grupos econômicos brasileiros." (2 1)
Trata-se de uma contrapos ição ~ s teses de Dreifuss de que o golpe fo i movido pela ação organizada do grande capital nacional e associado, com apoio militar e da política externa dos EUA .. Mas, o trabalho de Dreifuss é tratado com respeito, apesar de questionado. Para Soares, os "grandes avanços, como o li vro hoje clássico de Dreifuss a respeito da part icipação dos grupos econômicos organ izados, requerem pesquisa detalhada, cuidadosa e cansativa". (22)
Sistematizava-se ali algo que aparcc il:l no' primeiro li vro com as entrevistas do mesmo projeto, segundo tex to a considerarmos. i") Na introdução desse último, aparece a idéia de que hav ia não um grupo dirigente, mas pelo menos dois grandes pólos go l pis tas entre os mil itares: o da "Sorbonne" e o da tropa. A ponta-se que os líderes (Costa e Silva e Cas telo Branco) só aderiram à cons piraç50 no últinlo momento. Faz-se também a s uges tão de Crí ti Gl b hi storiografia a partir da posição dos mili tares, em pelo menos dois pontos centrais.
O primei ro deles fi xa que a "op in ião milita r dominante define o go lpe corno resu ltado de ações di spersas e iso ladas, embaladas, no entanto, pelo clima de inquietação e incertezas que invadiu a corporação. Esta visão se cont ra põe à interpretação predominante entre os anal istas que até agora examinaram o episódio. PiJ ra estes, o golpe teria s ido produto de um amplo e bem-elaborado plano conspirató rio que envolveu não apenas o empresa ri ado naciona l e os militares, mas também as fo rças econôm icas nlultinacionai s". (2-1 ) Já o segund o íJrgumCnl"o
18 --:- SOARES, Gláucio Ary . o golpe de 64. In SOARES, GJáucio Ary & ARAÚJO, Maria Celina O' (orgs.) 21 anos de regime militar: balanços e perspectivas. Rio de Janeiro: FGV, 1994. 19 - Sobre a HiJusão biográficaH, ver o texto com esse título de BOUROIEU, Pierre em FER REIRA, Marreta de Moraes & AMADO, Janaína. Usos e ablJsos da hislória oral. Rio de Janeiro: FGV; 1999. 20 - SOARES, G. A., O golpe de 64, oh.cit., p. 30. 21 - Id.ib .• pp.34·35. 22 - Id.ib .• p. 37. 23 - ARAU JO. Maria Celina O', SOARES, Gláucio Ary Oilon e CASTRO, Celso. Visões do golpe. A memória militar sobre 1964. Rio de Janeiro: Relume Durnará, 1994.
2
U ;.\,ttíria & [. /lla de CtaHes -13
centra-se na constatação de que os "depoentes concordam que não havia um projeto de gove rno entre os vencedores: o movimento foi contra, e não a favor de algo". (25)
O primeiro ponto sugere o questionamento das análises hi stóricas baseadas em fontes que revelam as articulações e a partici pação do grande cap ital (e de milita res) numa conspiração gol pista, usando como única ev idência os depo imentos dos que participmam do go lpe. Tais depo imentos, mesmo que fossem "sinceros", foram dados por oficiais que em 1964 ocupavam postos de segunda ordem (ca pitães, coronéis) e, portanto, tinham papel secundá ri o na conspiração, como os próprios auto res ressa ltam: "Os militares que aq ui depõem em sua maiori a não tiveram lima lideran ça dcstacadJ nos preparativos do go l pe." (26) Cabe en tão a pergunta: se não tiveram li derança, como podem se r fon te usada pa ra contrapor-se às análi ses dos regis tros dos seto res que tiveram papel de liderança nesses "preparati vos"?
O segundo ponto também é ques ti onável quand o se consta ta que, logo nos primeiros meses de governo militar foi aprovada uma série de medidas que tinham s ido estudadas e s istemati zadas pelo IPES antes (como demonstra Dre ifuss). E quem as executou foram ministros e outrns auto ridades que integravam, com destaque, os quadros do mesmo IPES. Ou seja, ainda que se possa ad mitir o ca ráter fragmentado da direção golp ista em 31 de marçoj]0. de ab ril de 1964, é difícil não perceber que o go lpe vinha sendo prepa rado de muito antes, por uma a rti cul ação que ia além dos militares, envo lvia os interesses de classe do grande capita l e isto se demonstra pela própria linha de inte rvenção do Estado nos momentos segu intes.
Dessa mesma época (cerca de 30 anos após o go lpe) é o traba lho de Argelina Figueiredo l'7).
A autora também es tá preocupada em conl'es-
24 - Id.ib .• p. 16. 25 - Id.ib .• p. 18. 26 - Id.ib., p. B.
tar as análises anteriores, baseadas em exp licações "estruturais" (econômicas, mas também políticas - como a idéia de crise institucional) e, principalmente naquelas interpretações "intencionais" - leia-se Dreifuss. Pa ra Argelina: "Este tipo de análise [ ... 1 falha em fornecer uma expli cação real, pois toma a mera existência de uma conspiração como condição suficiente para o sucesso do golpe político. Os conspiradores são vistos como onipotentes. Conseqüentemente a ação empreendida por eles não é ana lisada em re lação a outros grupos, nem vista como sendo limitada po r quaisquer constrangimentos ex ternos(28l."
Sua opção de análi se, em contrapos ição, é privilegiar os momentos críti cos do governo Goulart, empregando a teo ria da esco lha racional. Tal refe rência teóri ca pode ser ava liada, numa leitura críti ca, apesar de sua anunciadJ relação com O nlarxismo, como uma va ri ante do individualismo metodológico, que toma o compo rtamento dos agentes sociais como O dos indivíduos dotados de margens ampl as de escolha c racionalidade direta na sua ação social. (2'.1)
A autora tenta prova r que hav ia um caminho parn refo rmas moderadas dentro da ordem democ ráti ca c que os "a tores" esco lheram maximiza r suas possibilidades, em detrimento dessa ordem: os reformistas querendo reformas amplas e os con trários às reformas d ispostos a tudo para ba rrá-Ias. Sua conclusão é explícita: "A lém dessas razões lum c6 lculo o portunis ta de van tagens em tencionar pelas reformas amplas l, um outro fato r contribuiu para impedir a rea li zação de qualquer das duas poss ibilidades de combinar reforma e democracia, ou seja, j]
visão instrumentaJ de democracia, mantida tanto pela direi ta como pela esquerda . De fato, os grupos esquerdi stas e pró- reformas buscavam essas reformas ainda que ao cus to da democracia. Para obte r as refo rmas, propunham e es l'a-
27 - FIGUEIREDO, Argelina C. DCIIIOCf<1ci,1 ou reform.1s? Alternativas democráticas à crise política: 1961 -1964. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. 28 - Id .ib .• p. 28 . 29 - A teoria da escolha racional é defendida, entre outros, por Adam Przeworski, orientador da tese de Argelina Figueiredo. Dele, em português, pode-se ler Capitalismo c social-d~mocracia. São Paulo : Cia. Das Letras, 1989 . Para uma critica desse tipo de concepção ver SENSAIO, Daniel. Marx, o jntempcsfivo. Gra ndezas e misérias de uma aventura crítica. Rio de Janeiro: Civilizaçáo Brasileira, 1999.
r 14 - Os Iraballl adore.\' e o go lpe de J 964: um balall ço da hüloriog raf ia
vam dispostos a apoiar soluções não democráticas. Aceitavam o jogo democrá tico somente enquanto fosse compatível com a reforma radical. A direita, por outro lado, sempre esteve pronta a quebrar as regras democráticas, recorrendo a essas regras apenas quando lhes eram úteis para defender interesses entrincheirados. Aceitavam a democracia apenas como meio que lhes poss ibilitava a manutenção de privilégios. Ambos os grupos subscreviam a noção de governo democrá tico apenas no que servisse' as suas conveniências'. Nenhum deles aceitava a incerteza inerente às regras democráticas(JO)."
Se as pesquisas sobre os militares acima citad as tinham os mesmos alvos de críti ca à his toriografia ante rior que Figueiredo, o faz iam sem caricaturar an álises como a de Dreifuss e parti am do pressuposto de que os responsáveis pelo golpe fo ram os que o deram, procurando explicá-lo a partir daquele ator que teve a visibilidade do poder - os próprios militares. Foram importan tes, por apresentar as razões que militares alegaram para mover-se nessa direção, embora possamos achar que não tenham ido "além da aparência para explicar a essência" do processo. Já Argelina Figueiredo atribui a responsabilidade pelo golpe tanto aos que o deram quanto às fo rças que defend iam as reformas e foram atingidas pelo golpe.
Essa explicação é insustentável, porque, do ponto de vista teó rico, parte do pressu posto de que o Estado é um ator neutro, que paira acima das disputas da sociedade, podendo caminhar movido pelos dirigentes eleitos ou pelos que o assa ltam, como se es tes tivessem o papel de condutores de um veículo, uma máquina bu rocrática cujo rumo é ditado pelo seu operador. Além d isso, toma a democracia como um tipo ideal, que atende a todos os interesses (mesmo que parcialmente ou periodicamente), se todos os atores concordarem com suas regras. (31)
Por outro lado, empiricamente, despreza o fato de que as reformas propostas não eram radica is, embora a retórica às vezes fosse, pois a reforma agrária - a principal reforma de base
30 - FIGUEIREDO, Argelina, Democracia ou { ... }., ob. cit., p. 202 .
proposta - foi uma tarefa cumprida pelos governos burgueses na maior parte do mundo e o que se propunha no parlamento, sem encontrar espaço para negociação com a maioria, era apenas garantir as condições para a indenização em prazo mais largo (sequer a expropri ação) dos latifundiários.
A Reforma Universitá ria concentrava-se em democratizar a gestão das instituições e ampli ar o acesso, tarefas já cumpridas em out ros países da América Latina desde o in ício do século xx. Já O controle da remessa de lucros poderia ser parte de um plano econômico de qua lquer governo menos comprometido com os interesses das multinacio-nais, sem signi fi car necessari amente um fechamento do mercado.
Além disso, não se leva em conta que as forças mais importantes da esquerda naquele período defendiam caminhar dentro da ordem democrática. O PCB, por exemplo, defend ia a tese terceiro-internacionalista da revolução democráti co-burguesa, ou seja, da aliança com a burgues ia nacional para viab ili zar a primeira etapa capitahsta das transformaçôes pelas qua is o país deveria passa r, aceitando "as regras do jogo democrático" nos limites em que elas se apresentavam então.
Lúcio Fláv io Almeida demonstrou o quanto de equívoco haveria em, ao "avali ar os programas do Partido Comunista frente 11 questão democráti ca, atribui r-lhe uma concepção de democracia que não era a dele", como as concepções de Norbe rto Bobbi o, o u a con cepção procedimental de Schumpeter, que parecem orientar algumas análises.
Ainda ass im, toda a linha política da "Decla ração de Março", de 1958, do PCB, estava centrada na defesa de wna frente única, em que os comunistas apoia riam os "elementos nacionalistas e democráti cos" da burguesia brasil eira e das políticas de Estado.
Isto, mesmo sendo possível d iscern ir naq uele contexto que o nacionalismo de algumas das lideranças apoiadas pelos com un istas estava longe de ser antiimpe-ria lista, sendo suas con-
31 - Sobre os limites da democracia contemporânea e a incompatibilidade entre o conceito clássico de democracia e o capitalis mo, ver WOOO, Ellen. Democracia contra capitalismo. São Paulo: Boitempo. 2003.
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vicções e prá ti cas democráti cas de "baixíssi ma intensidade".
A mobi li zação das classes populares no governo Coulart colocavam "na ordem do d ia três fortes itens da revo lução burguesa - as questões agrária, naciona l c democrática".
O prob lema, po rtan to, não cst~H i a na falta de compromisso democrático da esqu e rd a identifi cada com essa mob il ização, mas ao contrário, !li] cOlllp lcta ausência de sentido na proposta de uma revo lução burguesa pa ra uma burguesia que não precisaria de nenhuma revolução para fazer va ler seu projeto de classe.!'2)
Na prática, a opção pela atuação nos marcos do s is tem" se ria demonstrada também pelos princi pais sind icatos li gados ao CCT, quando es tes rejeitaram, em fins de ]963, a tentati va de Jango de implanta r o Es tado de Sítio. O pró-
prio Jango, com apo io dos comand os militares, encaminhou a so lici tação do Es tado de Sítio ao Congresso Nac ional, aguardo u a resposta -negativa - e desistiu dn idéia, dClllonstra ndo que mesmo quando aind(l con tava C0l11 sustentação nas Forças Armadas, não es tava disposto a ro mper com a lega lidade vigente.
Não se toma em conta também que aquc la democra ci21 era res trit a até mCSlllO parn os
parâmetros daquilo que bs vezes é adjetivado corno democracia "burgucsa-rcpresentati va-liberal". O PCB não possu ía regis tro lega l, a estrutura s ind ica l era a herdada da d itadu ra varguista, a polícia políti ca t~lInbém era uma pe.rmanência daquela fase e mostra va-se Gldi1 vez mais especinli zZldZl e atuante, apenas pJ rll listarmos alguns elementos que dizem respeito às organizações dos traba lhadores.
o debate em 2004
Nestes quarenta anos do go lpe, para quem acompanhou os seminár ios, cadernos es
peciais da imprensa e publicações especia li zadas, parece ser ev idente que a lgumas teses de cerca de dez Zl nos Zl trás foram supervalori zadas, enquanto o acúmu lo anteri or de pesqui sas foi s is tematicamente negado. O que acabou por ge ra r uma reação, que revela a ex is tência de um debate forte entre setores uni vers itá ri os, alguns dos quais an tes caminhavam no mesmo sentido e hoje pa recem trilhar rumos opostos.
As aná lises produzidas em to rno de 1994, nas pesquisils do CPDOC sobre mil ita res foram exacerbadas po r traba lhos recentes, como O de El io Cas pari , que não SÓ nega qualquer mo tivação econõmi co-socia l, e qu al CJ uer n ível de co nsp irilç50 a rti culilda ("o exé rcito dormiu janguista e acabo u revolu cionário"), como at ri bui o gol pe e os caminhos da dil'adura ao jogo das indi v idualid"des dos pe rsonagens - Ja ngo vac il an te ou os militares ma is moderados o u mais du ros por pe rsona-
lid ade - e às contin gências fac tu a isP3) Sem menosprezll r sua reda ção ca ti vante e a ap resentação de algumas fontes que confi rmam o u ncgam propos ições antes mal fundamentadils, trata-se da recuperação do melhor es tilo da hi stória "acontecimental" do século XIX, cr iti cada pelos Al7alles.
Anólises e explicações causa is são substituídas po r descrições de acontec imentos, movidos pelo sabor do acaso, desaguando em conclusões que beiram o paradoxo: "O levante se ap resentara como um mov imento em defesa da ordem constitu cional, mas a essência dos acontecimentos negava-lhe esse caminho".I") O que é "a essênc ia dos acontecimentos"?
O mesmo senti do de aná lise centrada excl usivamen te nas poss ibilidades de ação e reação dos chefes políticos a limen ta a biografia de Jango escrita por Marco Antonio Villa.
Neste caso, um personageI11 ao qual se at ri bui uma responsabilidade nega tiva, po issegundo o auto r, João Coubrt "pela posição que ocupava poderia te r imped ido" que se chegasse ao
32 - ALMEIDA, Lúcio Flávio Rodrigues de. Insistente desencontro: o PCB e a revolução burguesa no período 1945-64 . In MAZZEO, Antonio Carlos & LAGOA, Maria Iza be l (orgs .). Corações Vermelhos: os comunistas brasileiros no século XX. São Paulo: Cortez, 2003. pp. 88,116,121 -2. 33 - GASPARI, Elio . A ditadura cnvcrgonhada. São Paulo: Cia das Letras, 2002. 34 - Id.ib" p. 111.
r J tí • 0.1' 1f(lI}(lfll(uf(}re,~ e fI ga{JlC lle /964: .11/11 IJOlall ço da IJi sloriografia
impasse cuja saida foi o golpe. I~'I Caspari também retomou as teses de Argelina Figueired o, radicalizando-as. Não apenas inex istia o C0I11-
promisso da esquerda com a democracia (tanto quanto o da direita), como para ele "hav ia dois go lpes em marcha. O de Jango viria amparado no 'dispositivo militar' e nas bases sindica is, que cairiam sobre o Congresso, obrigando-o a aprovar um pacote de reformas e a mudança das regras do jogo da sucessão presidencial." I"1
Ta l radicalização dessas teses - não apenas inexistialn cOlnprolni ssos com a denlocracia, como também esquerda e direita caminhavam para o golpe - parece agora ter se tornado a tônica das análises que receberam maior destaque nos debates dos últimos meses. Jorge Ferrei ra, por exemplo, em mtigo para uma revi sta de d ivu lgação que repetia argumentos de um texto de maior fô lego,!"1 anali sando os últimos dias do governo Coulart, afirma o seguinte: "O conflito político entre esquerdas e direitas tomou novos rW)l OS. Não se tratava mais de saber se as reformas seri am ou não implemen-tadas. A questão central era a tomada do poder e a imposição de projetos. Os partidári os da direita tentariam impedir as a lterações econômicas e sociais, sem preocupações de respeitar as instituições democráticas. Os grupos de esquerda ex igiam as refornlas, Ina5 tanlbéln scnl vLl lori zar a dClllocracia. [ ... 11 Passa a citar Argelina Figu eiredo, e conclui] . Entre a radicali zação da esquerda e da di reita, uma parcela ampla da populaç50 brasil eira apenas assistia aos conflitos - em s il êncio." 1"'1
Ou seja, segundo esse autor, esquerda e dire ita lu tavam naquele momento pela tomada do poder, por vias não democráticas, como que nWl1a corrida em que largavam em igualdade de condições e objetivos idênticos, tratava-se de observar apenas quem fo i mais forte ou chegou antes para definir o rumO do país. Além disso, defende que o momento era de radica li zação, mas o povo assisti u a tudo bes ti ali zado.
Centenas de milhares nas ruas com Jango, centenas de milhares com "Deus pela Li berdade" contra Jango, greves em quan tidades cada vez maiores (38 greves em t rês meses só no Rio de Janeiro em 1964, quatro vezes mais que no mesmo período do ano anterior), levantes dos baixa-patentes das forças ilnnadas, mil itares em marcha ... e "uma parcela ampla da popul ação" em silênci07 Ao acreditarmos nessa hipótese estaremos concordando que a di n5mica política é dada por esquerda e di reita em seu jogo pelo poder, pela via democrMica ou não. Esquerda, direita, "povo"; onde estão os empresários, os trabalhadores, os setores intermediários: onde es tão as classes e seus confl itos?
Além d isso, também aqui onde encontramos o mesmo argumento de Argelina Figueiredo (ta lvez um pouco mais simplificado), podemos levantar as mesmas pondcmções. Além de alguns d iscursos mais radica lizados, de lideranças como Bri zo la, Ju lião ou Prestes, onde estari am as evidências concretas de tal "golpismo" das esq uerdas, se os trabalhadores não pegaram em óJr J11as, os mil itares fiéis a CouJart evitaram o combCl te aguardando as ordens lega is e o próprio prcs idente reti rou-se ev itnndo a confrontação7
Caio Nnvar ro de ToJcdo, criti cando ta is forIlllll ~çõcs, assin.:lla com prccis50 que j) "afirmação de golpislllo das esquerdas tem efeitos ideológicos precisos; de imed iato, aj uda a rcfol\'"r as versões difundidas pelos apologetas do go lpe político-militar de 1964. Mais do que isso: contribu i para legitimar a ação go l pista vito ri osa ou, na melhor das hipóteses, atenua as responsabilidades dos militares e da direita civil pela supressão da democracia política em 1964.
A direita gol pista não pode senão aplaudir esta ' revi são' hi stori ográfi ca proposta por alguns intelectuais progress is tas e de esquerd a".!"'1 Referind o-se a in telectu a is de esqu erda, Caio Navarro com certeza mira naqueles com passado de luta contra a d itadura que ago ra defe n-
35 - ALMEIDA . lúcio Flá vio Rodrigues de . Insistente desencont ro: o peB e a revolução burguesa no período 1945·64. In MAZZE O, Antonio Ca rlos & LA GOA, Maria Izabel (o rg s.) . Corações Vermelhos: os comunistas brasilei ros no século XX. São Paulo: Cortez, 2003 . pp . 88 , 116, 121-2. 36 - GASPARI, Elio. A ditadura envergonha(la. São Paulo: eia das l etras , 2002 37 - VlllA. Marco Anto nio. Jango: um pe rfil (1945-1964). São Paulo . Globo. 2004, p.2 41. 38 - Gaspari, Elio . A ditadura r .. I . . ob. cit., p. 51. 39 _ FERREIRA, Jorge. Sexta-feira 13 na Central do Brasil. Nossa História. N° 5. Rio de Janeiro, Bibliot eca Nacional, março de 2004. As idêias centrais são apresentadas com maior vag ar em FERREIRA, Jorge. O governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964. In FERREIRA , Jorge & DRAGADO, l ucília de Almeida Ne ves (orgs.) . O Brasil Republicano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2003. V. 13.
lIi .alÍr;a & /. /11(/ (Ir C/aHp' - 17 I
dem a tese da resposta de direita ao go lpe planejado pela esquerda. Algo que atraiu a atenção a té mesmo da grande imprensa, po is o debate ganhou as páginas dos jornais.
Dando foro de maior legitimidade à nova proposta interpretativa, por seu passado na luta armada, Daniel Aarão Reis Fi lho, conforme a reportagem do jornal O Globo, teria caracteri zado as esquerd as na res istência à ditadura C0l110 anti
democráticas e afirmado que se vitoriosas fossem, poderiam ter gerado um confron to ainda pior e um regime de exceção mais violento: "Falava-se em cortar cabeças, essas palavras não eram metáforas. Se as esquerd as tomassem o poder, h8vcria, provavelmente, a resistência das direitas e poder ia acontece r um confro nto de grandes proporções no Brasil. Pior, haveria o que há sempre nesses processos e no co roamento del es: fuzilamento e cabeças cortadas". I"')
Para que não tomemos como aná li ses do a utor a síntese de um jornal di á ri o, podemos reco rrer a um texto em publ icação acadêmica recente. Re is Fil ho pa rte do obje tivo de demo nstrar que a atri buição de wn caráter de "resistência democrática" à ação das esquerdas no período da ditadura militar é uma invenção datada da fase da redemocratização, pois as esq uerdas da luta 3nl1ada seriam antidclllOcráticas c vi sarialn a im plant'ação do socialis
mo - por e las e nte ndid o co mo incompatível com a democracia - pela via revolucionári a. E
isso não seria, segundo o autor, ama novidade,
po is já n o in ício dos anos 1960 o des prezo pela democracia se manifestara nas esquerdas que " ineb ri adas pela v itó ria de agos to de 196:1 [a posse de Cou lart, após a re núncia de Jâni o Quadros l, passaram à ofensiva polí tica, e desafiavam abertamente a legal idade ex istente".
Dava-se assim o argumento que faltava para que a direita assumisse o discurso da defesa da legal idade, consegu ind o mobilizar um mov imento civ il de grandes proporções " para legitimar posições favoráve is à in tervcnç50 milit·Llr golpista" .I41 ) Desse ponto de vista, que confunde o objetivo estra tégico da cons trução do so-
40 - FERREIRA, J. Sexta·feira I ... ]. Ob. cit ., p. 35.
ciali smo, compartilhado pelos militantes de esquerd a, com um suposto uso cínico das bandeiras de res istência democráti ca cont ra a ditadura, acaba-se por reforçar O discurso dos militares de que o motor do golpe foi a ameaça de uma ditadura comunista, permüindo a matérias jornalísticas aproximar acadêmicos "de es
querda" e defensores d o golpe, na pcrspectiva de que ev itava-se um mal Inai or.
Tem razão neste sentido Marcelo Ridenti, que cri ticou a concepção de Reis Filho, defendendo a idéia de que havia um componente assumido de resistência nas proposições de v6r ias d as organi zações de esqucrda daquele período e que ainda que muitas delas não prio ri zassem a "resistência democrática", o resultado de s ua ação foi o de uma Juta de resis tência contra a ditadura. Para Ridenti, o que os pesquisadores nem sempre aval iam é que "nos anos 60, antes e depo is do golpe de 1964, a ques tão da democracia es tava no contex to da guerra fria, em que os Estados Un idos não hes itavam em apo iar golpes militares para garantir o poder de seus aliados na Amér ica Latina, ditos libe rai s e defensores da democracia ... "
Em seu argumento, se os es tud iosos não podem controlar o uso de suas pesquisas h;stór ias nos embates políticos do presente, devem ao menos "estar conscientes de que o realce ana líti co de alguns aspectos, em detrimento de outros, pode leva r a interpretações equivocadas da realidade hi stórica como um todo".
As inte rpretações da "fa lta de democracia das esquerdas" acabaram por ser incorporadas "por aqueles que isentam seto res s ignifi ca ti vos da sociedade civil de cumpli cidade com a ditadura - e até pelos que chegam a justificá-Ia", ainda que essa não fosse a intenção daqueles estudiosos. I") O que está em jogo nessa guinada à direita de uma parte da historiografia aca
dêmica sobre o go lpe de '1964, não pode se r di sso-ciado d e um processo maio r de d o míni o conse rvador nas aná li ses hi stó ri cas e no pensamento universi tário em geral, fruto em gran
de medida do contexto neo libe ral de ava nço
41 - TOLEDO, Caio Navarro de. 1964: golpismo e democracia. As falác ias do revisionismo. Crítica Marxista. No. 19 . Rio de Janeiro, 2004, pp. 44-45. 42 - O Globo. Rio de Janeiro, 29/03/2004. 43 - REI S FILHO, Daniel Aarão . Ditadura e sociedade: as reconstruções da memória. In REIS FILHO, D. A. ; RIOENTI, Marcelo & MOTIA, Rodrigo Patto. O 90lpe e a ditadura militar 40 8110S depois (1964-2004). São Paulo: EdUSC, 2004. pp. 38-9. 44 - RIOENTI, Marcelo. Resistência e mistificação da res istencia armada contra a ditadura: armadilhas para pesquisadores. In Id. ib., pp . 62 e 64 ..
18 - Os trabalhadores e o golpe de 1964: 11m balanço da historiografia
da ordem do capital nos anos 1990 e na década em curso. Pode ser interessante pensar também como é importante para certos setores intelectuais, neste momento do governo Lula, absolutizarem a dimensão formal da democracia representativa e o caminho da moderação nas reivindicações populares - mesmo as reivindicações de reformas limitadas são perigosas e o único caminho é a paciência dos de baixo para que, através das urnas, do parlamento e das leis, se desperte a possibilidade de concessões leves e graduais dos de cima.
Não deixa de ser triste observar como, neste seu vôo revisionista, aCJbam por somar-se ao coro dos que, desde 1964 querem absolver os golpistas para condenar os atin,gidos pelo golpe. Assim, nesta versão, o golpe não se deu
para controlar os trabalhadores e garantir o projeto empresarial, mas foi decorrência de uma intransigência mútua, senão de wna maior responsabilidade "das esquerdas".
No fundo, é a matriz mesma de explicação da história que se coloca em questão. Não apenas se quer apagar, ou estigmatizar como inexistente (por descompromisso com wna democracia modelar, de resto distante da realidade política do Brasil na época) a resistência contra o golpe militar e a ditadura por parte das organizações da classe trabalhadora e de outros setores sociais. Pretende-se mesmo afastar de vez o fantasma das classes e da luta de classes como centro da explicação da trajetória dos homens no tempo. Mas, o espectro não se cansa de rondar. _
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la de Classes -=-,
A história do golpe de 1964 possui vários aspectos que são abordados sob os mais variados pontos de vista. A questão
da relação entre acumulação capitalista e golpe de 64 já
recebeu alguns estudos mas sob perspectivas que deixam
de lado o essencial, isto é, o processo de luta de classes a
nível nacional e internacional. É desta perspectiva que
analisaremos esse fenômeno no presente artigo. Para isto,
discutiremos o desenvolvimento capitalista e os regimes de
acumulação que estão na sua base e as lutas de classes
nacionais e internacionais. Assim feito, apresentaremos
nossa hipótese de que foram as lutas dos trabalhadores, no
contexto de crise internacional de um regime de acumula
ção e busca de aumento da taxa de exploração, que pro
moveram o golpe de estado de 1964.
Acumulação Capitalista e ~olpe de 1964
Nildo Viana
Nildo Viana é Professor da Universidade Estadual de Goiás; Doutor em Sociologia/UnB. E-mail: nildoviana@tcrra.com.br
ra compreender a relação entre anunulação capitalista e golpe de 64, é necessário entender a dinâmica do capitalismo mundial do pós-Segunda Guerra Mundial e a inserção do Brasil nesse contexto. A periodização do capitalismo
proposta por Benakouche [1980], fundada nos regimes de acumulação, é uma contribuição fundamental paia tal.
Esse autor considera que as fases do capitalismo são marcadas por diferentes regimes de acumulação: "A mudança de formas é uma das características do modo de produção capitalista. De fato, os modos c as formas da acumulação do capital e, portanto, os modos de extração da mais-valia e as formas que assumem as
20 - ACII"w!açiio (.i./püalhlt/ f! Golfll! lle 6.J
re lações sociais (inclusive as relações salariais) mudam em função de evolução do capitali smo. E, se os modos e formas de acumulação de capital mudam com o tempo, seus elementos de articu lação, tais como os modos de extração da mais-valia, as fonnas das re lações sociai s, as formas da es trutura de produção ou a hierarqui zação d o s is tema produtivo nacional, os modos e as formas de organização do processo de trabalho, o nível e o tipo de desenvolvimento das forças produtivas, as formas do Estado, a estrutura social ou os modos e as formas da luta de classes, os tipos e as fo rmas de dominação nas relações econõmicas internacionais I ... ] evoluem Ou mudam em função do grau atingi d o pelo desenvolvimento do ca pitali smo." IBenakou che, 1980, p. 24].
A periodização de Benakouche funda-se nos regimes de acumulação, que são produtos da internacionalização dos ciclos do capital. Concordamos com a idéia de que o capitalismo atravessa várias fases que caracterizam diferentes reg imes de acumulação. No entanto, não consideramos esse processo como sendo caracterizado por uma evolução linear e s im sob uma dupla arti culação entre o que podemos denominar de desenvolvimento espontâneo do capitalismo, por um lad o, e luta operária, por outro. No primeiro caso, temos o movimento do capital, is to é, a ação do capital expressando o predomírtio do trabalho morto sobre o trabaUl0 vivo; no segW1do, temos o movimento operário, isto é, a ação do trabalho vivo contra o trabalho morto. A concepção feticl1ista da ciência econômica enxerga apenas o primeiro momento, isto é, o trabalho morto, o desenvolvimento espontâneo do capital, deixado ao seu bel-prazer. Na verdade, is to pode ser expresso como luna luta de classes, embora nessa luta haja o predontinio do capital, o que reforça a concepção feti chista que não ultrapassa a aparência do fenômeno.
Assim, o desenvolvimento capitalista é marcado pela ação do capital e pela luta operária com a primazia do primeiro, na maior parte do tempo, mas sempre sob a resistência proletária e as irrupções revolucionárias que aba lam tal desenvolvimento. Assim, existe tuna tendência do desenvolvimento capita li sta, que é espontâ-
nea, desde que se pense na ação do capital, sem a irrupção do movimento operiÍrio para além de suas lutas co tidianas. Essas leses são importantes para compreendermos que as mudanças de regime de acumulação não são apenas produto da concentração e centrali zação do capital, mas também resul tado da Juta operári a.
A passagem de um regime de acumulação para outro é produto das lu tas de classes, não sendo portanto resultado de mera ação do capital. Essa passagem dá-se na percepção das mutações do capitalismo, enquan to estratégias do capital, para manter sua reprodução, e da ação proletária, no sentido de impedir a vo racidade exploradora deste último, ntun primeiro momento, e buscar sua abolição, em um segundo.
A partir destas considerações gerais, podemos iniciar uma análise do descnvo lvinlento capita li sta. A conceituação dos reg imes de acumulação torna-se necessá ri a. Para nós, um regime de acumu lação caracte ri za-se por uma determinada forma de organização do processo de trabalho - uma determinada estratégia do capital para ex tra ir mais-va lor e uma configuração estata l dada - que define, por um lado, a ação do Estado e sua fo rma de organização e, por outro, UI11a deterllli néJda articul ação das relações internacionais, ou seja, Ulll determinado modo de exploração cap ita lis ta mundial.
Partindo desta defini ção inici;:li , podemos seguir a periodização de Sam ir Amin (1977) e Rabah Benakouche, para expor as fases do capitalismo. A fase de surgimento do capitalismo é marcada pela acumulação pr imiti va de capital, que fornece as bases da acumulação capitalista propriamente dita. Com o processo históri co, surge a fase de consolid ação e expansão do mesmo, que vai da revolução industri al até a metade do século :I 9, formando o regime de acumulação ex tensivo, fundad o na extração de mais-valor absoluto como elemento central da acumulação capita li s ta.
Este regime de acumu lação é marcado por uma alta taxa de explo raç30 e entra em crise com a ascensão das lu tas operárias que provocam a diminuição da jornada de trabalho e culmina com a Comuna de Pa ri s, em 1871 . A reação do capita l assume a forma de reorganização do processo de traba lho, com a implanta-
1I i.((fÍr;f1 ,f.: 1. ,,((1 fi e C l aHeç · 21
ção do tay lorismo, que se caracteri za por utiliza r um processo de racionalização da organização do traba lho objetivando o aumento da extração de mais-va lo r rel ativo. Esse período é aba lado com as tentati vas de revolu ção, no início do século 20 (Rúss ia, em 1905 e 19]7; Alemanha, no fina l da década de 10 e início da década de 20; na Hungria, em 1919; na Iti.Í lia, em 1920; etc) e cu lmina com as Guerras Mundiais, em 19]4-]8 e 1939-45.
A fase seguinte do capitalismo é constituída após a Segunda Guerra Mundial, com a hegemonia norte-ameri cana e com o fordismo, que utili za a tecnologia para JUlnentJr a extração de mais-valor rela tivo, combinado com O aumento da exploração mundial, através da expansão transnaciona l. Esse novo regime de acumulação, intensivo-ex tensivo começa a entra r em crise nos anos 1960, tentando se reproduzir mas acaba sendo substi tuído pelo atual regime de acumulação, o integra l.
O regime de acumu lação integral funda-se na reestruturação produtiva, no neolibcralismo e no neoimperia lismo, e busca aumentar a explo ra-
ção tanto a ruvel nacional quanto internacional, intens ificando simultaneamente a ex tração de mais-valor abso luto e mais-valor relativo.
Esses regimes de acumulação se caracterizam não apenas por determinadas formas de organização do processo de trabalho, mas também por fo rmas estata is e de relações internacionais. Por exemplo, o Estado I ibera l foi a forma estata l do regime de acumulação ex tensivo; o regime de acumul ação intensivo teve como forma estata l o Estado Iibera l-democrMico; o regime de acumulação intensivo-extensivo poss uiu como forma es ta ta l o Estado integracionis ta ("bem estar social", "intervencion ista"); o regime de acumu lação integral, po r sua vez, adota o Es tado neoliberal.
As mutações dos regi mes de acumulação também determinam mudanças cultura is, sociais, entre outras. Devido aos objeti vos do presente trabalho, deixaremos de lado as determinações de cada regime de acumulação, pa ra foca lizar apenas o que tem importância crucial para nossa análi se do golpe de 64, ou seja, o regime de acumulação intensivo-extensivo.
A crise do Regime de Acumulação Intensivo-Extensivo
O regime de acumulação intensivo-ex tensivo marca uma nova etapa da exploração
internacional. No início do sécu lo vinte, o resultado das lutas o perárias nos países imperialistas determinou um recuo da classe capital ista no processo de exploração in terna, compensada pelo au mento da explo ração ex terna.
O fordismo expressou uma tentati va de aumento de extração de mais-valor relati vo através do uso da tecnologia objeti vando aumentar a produ tividad e. No entanto, o uso da tecno logia avançada também significa cus tos mais a ltos, o que faz com que os ganhos não fossem tão e levados. Além d isso, dev ido ao aumento da composição orgâni ca do capital (uso crescente de tecnologia e forças produti vas; uso decrescente de força de trabalho, geradora de mais-va lor) e a conseqüente tendência decli nante da taxa de lucro, se lançou mão da estratégia de desv iar a acu mulação de cap ital para a p rodução de bens de consumo, em detrimento de meios de produção.
Sem dúvida, a ex pansão tecnológica fo i extremamente elevada, mas isto fo i propo rcionado pela expansão da produ ção de bens de consumo - que aumenta o mercado consumidor de bens de produção. Caso o investimento não tivesse sido pri orita riamente desv iado para a produção de bens de consumo, a composição orgânica do capital seda mais elevada c a taxa de lu cro teri a caído ainda mais rapidamente.
A expansão da produ ção de bens de consumo produz a necess idade de ampliação do mercado consumidor, o que provoca a integração de camadas cada vez mais amplas do proletari ado ao cí rculo do consumo, gerando que alguns denominaram "sociedade de consumo".
O Estado integracionista visa amortecer os conflitos de classes, com sua po lítica de bem es ta r socia l e cooptação da burocracia sindical, e desviar os investimentos para seto res de consumo e serviços. Entretanto, isso não é sufi ciente pa ra a reprodução do cap itali smo nos países imperi alistas c por isso a intens ifi cação da
22 - Acumulação CapiJali.fta e Golpe de 64
exploração internacional torna-se fundamental. O processo de desco lonização foi acompanhado pela expansão transnacional como ponto forte da exploração mundial .
Neste contex to históri co, temos no capitalismo subordinado uma forma de acumulação capitalista diferenciada. Esse é o caso do Brasil, que possuía uma acumulação capitalista subordinada. Nos países imperialistas, além da exploração inte rnacional, ternos o predomínio do capital nacional. No capitalismo subordinado, temos a chamada "tríplice aliança", isto é, a associação entre capital estatal, capital nacional e capital transnacional [Gorender, 19881.
A diferença entre a acumulação capitalista dos países imperiaJjs tas e a dos países subordinados encontra-se na transfe rência de mais-valor que aumenta o processo de acumu lação em uns e diminui em outros. O Estado e o capital nacional são aliados subordinados do capitali smo impe ri a li s ta e, portanto, do capita l transnacional. Assim, a acumulação capitalista subordinada é mais lenta do que a acumulação dos p aíses imperialis tas, pois, no primeiro caso, temos uma parte da acumulação transferida para o ex te rior e, no segundo, um incremento da acumu lação de capital, dev ido à transferência para o interior.
Essa situação faz do regime de acumulação nos paises capita lis tas subordinados um elemento propulsor da acumulação imperialista e ao mesmo tempo faz com que ele seja deficitário e mais lento do que nos países imperialistas. Após a Segunda Guerra Mundial, a implantação do regime de acumulação intensivo-extensivo nos países imperialis tas se fez com alterações nos pa íses subordinados. No Brasil, mais especificamente, ocorreu um processo de reconversão capitalista, denominado por alguns autores como "modelo de substituição de importações", marcada pela expansão industrial e por uma forma subordinada de integracionismo, ou seja, o populismo. Desde Vargas, o populismo brasileiro realizou uma certa concessão ao movimento operário, tal como expresso pe la CLT, além de outras ações e elementos ideológicos, cultu.rais, entre o utros.
O desenvolvimentismo foi o complemento do populismo e o Governo Juscelino Kubitschek
11956 - 1961J cumpriu o papel de incentivado ' do capital transnacional e da expan são ind"strial. Esse processo marcou a inserç50 do Brasil na divisão internacional do trabalho sob a forma do desenvolvimento subordinado, mantendo seu papel na engrenagem do ca pitalismo mundial. O denominado "modelo de substituição de importações" fo i a expressão da constante reconversão capitali sta, reproduzindo a subordinação mundial dos países de capitalismo retardatário, subordinação essa caracte rizada pela modernização e reprodução da exploração internacional.
"As medidas adotadas em 1955 pelo governo de Juscelino Kubitschek redunda ram de fa to na anu lação das limitações que se impun.ham à p enetração do capital es trange iro no Brasil. Com base nos decretos gove rnamentais e n a Instrução nU 113, a Superintendência da Moeda e do Crédito - SUMOC - concedeu às companhias estrangeiras o direito de leva rem ao Brasi I equi pamento obsoleto.
O governo bras ile iro assumia o compromisso de considerar novo esse equipamento, tomálo na qualidade de investimen to direto em di visas, como valor declarado pela empresa investidora estrangeira, que dava direito a quaisquer vantagens: à isenção do imposto alfandegário para a entrada no país, dos impostos federais e locais durante vários anos, a uma taxa especial e vantajosa para a troca do cru zeiro por dólar para efeitos de remessa de lucro para o exterior e assim por diante." [Michin, 1973, p.75J.
A reconversão capitalista expressa a moderni zação subordinada. Nesta últi ma, se reproduz a relação de explo ração internaciona l através de irradiação de mudanças dos países imperi alistas para os países subordin ados, em forma retardatária e reproduzindo a subordinação. Um exemplo clássico é o da índ ia, que produzia e vendia algodão para a Inglaterra, comprando tecidos da mesma. Posteriormente, a índia passou a produzir e vender tec idos e comprar máquinas para realizar esta produção e assim sucessivamente. [Emanuel; J981; Dowbor, ]987; Viana, 2000J
O populismo expressava uma forma subordinada de integração da classe o perária. No
lIi slIi r;a & 1,lI ra tl (' CJnsH' .f - 23
entanto, no caso brasileiro, a integração da cl asse operária e de outros seto res sociais sempre foi débil, pois, nesse caso, o processo de extração de mais-valor era mais intenso, devido à transferência de mais-valor para o ex teri or. Além disso, as re lações de produção não-ca pita listas ainda ex istentes tinham que se inserir na nova dinâmica do país no interi or do capita li smo mundia l. Ass im sendo, desencadeouse o acirramento das lutas de classes, que gerou o golpe de :1 964, caracteri zado, por um lado, pe la a ascensão das lutas sociais e, por outro, pe la crise do regime de acumulação intens ivoex tensivo.
Embora atinja todo o bloco imperialis ta, a cri se do regime de acumulação intensivo-ex tens ivo ocorre exemplarmente na g rande potência imperialista mundial, ou seja, nos Estados Unidos. Entre 1950 e 1957, a balança comerci al no rte-americana apresentou um défi cit de dezesseis
bilhões de dólares, agravando-se essa situação a partir de 1958. IGranou, ]9741 A partir dos anos ] 960, inicia-se a tendência mundial de aumento dos preços e da inflação IBenako uche, ] 9811·
Certamente que esse processo é apenas a antecâmara do que virá a partir da segunda metade da década de 60 e na década de 70. IMande l, :1 990; Benakou che, 1981; GrilllOu, 19741 No entanto, essa cri se marca a necess idade do aumento da exploração inte rn ac ional, que começa a se r gerado nesse momento e se intens ifi ca co m a forma ção da Co mi ssão Tri latcra l, culminando com a impl antação do regime de acumulação integra l, a partir dos anos 80 IVi ana, 20031·
O processo inicial de crise dos Estados Un idos e em todo o mundo capitalista, teve g rande importância no desenvo lvimento da soc iedade brasileira, sendo determinação fWldamental do go lpe de 1964, como proporemos adiante.
As lutas Sociais no Brasil e a Acumulação Subordinada
Já no final dos anos 50, as lutas dos trabalhadores no Bras il exp ressam um ques ti ona
mento do Estado popu lis ta. O desenvo lv imen tismo do Governo Kubitschek com a expansão da in fra-estrutura e a atração de capita l estrangeiro marcou um processo de desenvolvimento capitalista fundado no crescimento do capital transnacional e no aumento da exploração da fo rça de trabalho, ao lado de várias outras mutações que s ignifi cavam W11 avanço do ca pita lismo no país.
A expansão ca pitali s ta promoveu um a politi zação das lutas pela terra, pois as relações de produção não-capitalis tas eram destruídas devido à va lori zação das terras, motivada pela cons trução de rodovias lMartins, :1 986; Dowbor, "19871 e va lo ri zação do açúcar. Es te processo gerou a expu lsão dos foreiros e vári os mov imentos contestado res no campo, ta l como as revoltas e li gas camponesas da segunda metade da década de 50 IMartins, 1986J. Também ocorreu uma ascensão das lutas estudanti s, que promoveu uma mobili zação maior do que a de períodos precedentes IPoerner, 19791.
O movimento operá rio também atravessou um período de mobili zação crescente. O movi-
mento grevista cresceu a partirdo final dos anos 50 e continuou se fortalecendo no iníci o da década seguinte. liA esca lada in flacionária leva a umiJ esca lada das greves. Ano após ano os recordes de horas perdidas são batidos.
Em 1958, destaca-se a paralisação po r 7 dias da marinha 111ercante em todo o país, C0l11 a parti cipação de centenas de milhares de marítimos. Malgrado a il egalidade da greve, JK acabo u concedendo à maioria das reivindicações. Nos transportes urban os, a greve dos canis do Rio de Jane iro, apoiada por fortes e vio lentas manifestações es tudantis, também te rmina vitoriosa." ICastro, :1 980, p. 691.
Ai nda em 1958, o movimento o perári o arran cou 53(},;) de aumento salarial do govern o JK, aumento co rro ído pela infl ação que em dez meses chegou <l oitenta por cento. "Em 1959 não somente as greves se intensificaranl, como a desesperação pel a contínua erosão dos salá ri os provocou a mult ip licação de manifes tações de rua com choques vio lentos com as fo rças po li ciais. Protestos con tra a alta dos preços seguiam-se freqüentemente de pilhagens de a rmazéns. Em vários casos as forças poli ciais uti liziJ ram armas de fogo ou biJionetiJs pariJ repri -
24 · AculIlulação Capitalista e Golpe de 64
mir OS manifestantes, provocando ferimentos e a morte de dezenas destes". [Castro, 1980, p. 70]
O ano de 1960 foi marcado pela continuidade da luta operári a. Em 1959, ocorreram 954 greves e, em 1960, um milhão e meio de trabalhadores aderi ram ao movimento grevista, sendo que a greve geral da cidade de Santos foi o momento mais fo rte dessas lutas. No fina l de 1960, aumentaram os confrontos entre o governo e os trabalhadores do setor ferroviário, marítin10 e portuário.
A ampla mobilização continuou e, em 1962, várias g reves foram desencadeadas pelos aeroviários e es tivadores, juntamente com greves parciais, o que leva o Governo Goulart 11961 - 1964] a conceder aumentos sa lariais. Em outubro de 1962, setecentos mil trabalhadores entram em greve em São Paulo, obtendo aumentos sa lari ais. [Castro, 1980]. Assim, a ascensão das lutas 'operárias, bem como das lutas estudanti s e camponesas, difi cultava a concretização dos interesses da classe capitalista: o aumento da taxa de exploração.
Por wn lado, o processo de ascensão das lutas sociais a temorizava as fo rças políti cas institucionais conservadoras e, por outro, provocava a intensifi cação da aproximação dos setores popu li stas com a população, radica l izando na medida do poss ível o seu discurso.
A história do salário mínimo dos operários (excluindo outros setores sociais) aponta para uma lógica de aumento da exploração revezada com diminuição da mesmo, segund o a força de pressão dos trabalhadores.
"Pode-se perceber claramente três fases no comportamento do salário-mínimo real: a primeira, entre os anos 1944 e 1951, reduz pela metade o poder aquisitivo do salári o; a segunda, entre os anos 1952 e 1957, mostra recuperações e declínios alternando-se na medida do poder políti co d os trabalhadores: é a fase do segu ndo Governo Vargas, que se prolonga a té o primeiro ano do Governo Kubitschek; a terceira, iniciando-se no ano de 1958, é marcada pela deterioração do sa lário-mínimo real, numa tendência que se agrava pós-anos 64, com apenas um ano de reação, em 1961, que coincide com o in ício do Governo Goulart". [Olive ira, 1987, p. 51-52]
Assim, temos wna alta taxa de exploração que possui momentos de ascensão e queda. Esta alta taxa de exploração é algo constante na história bras ileira, pois a exploraç50 visa sustentar não somente a acumulação interna como também rea li za r trans ferên cia de mais-valor para o exterior.
A ascensão ou queda ocorre no interior de um contexto permanente de alta taxa de exploração. É necessá rio ressaltar isto paTa não se cair na ilusão es tatística que utili za a comparação de um dado período com outro sem apresentar o que significa o período que é ponto de parti-o da, isto é, que ele já tem embu tido dentro de si uma alta taxa de exploração. No entan to, a lguns autores, como Moraes, questionam a segw1da fase apontada por Oliveira, co locando que os ,úveis salariais são mais elevados do que este autor afi rma. [Moraes, 19911·
Sendo assim, seja como coloca Moraes, seja como coloca Oli veira, há um revezamento entre altos e baixos salGrios dependendo das lutas dos trabalhadores. Isto sign ifica que temos uma taxa de exploração que não cresce linearmente e ainda encontra obstáculos [ta l comu no caso de 1961, citado por Ol ive ira].
A partir de 1961, há uma expans50 do processo inflacionário e do défi cit es tatal, começando as dificuldades no processo de acwnu
' lação capitalista subordinada no Brasil. Antes de continuar, seria interessante ca racteri zaT essa acumulação subordinada, tendo em vis ta que alguns autores procuram dar res pos ta a essa questão. Para eles, o grande problema da acumulação capitalis ta no Brasil res id ia no problema da real ização, pois o processo de acumulação tornaria necessá rio uma "terceira demanda". Essa é a posição de, entre ou tros, TavaTes e de Salama, citado por Moraes. [Tavares, 1973; Moraes, 1991]
A terceira demanda seri a constituída pelas camadas médi as, consumidoras de bens de consumo duráve is. Essa tese pa rte de uma incompreensão da dinâmica da aCLLmulação capitalista, iso lando e tornando um setor de consumo centro da reprodução do capital. Na verdade, houve uma expansão da produção de bens duráveis, que teve como pr incipais consumidores as classes auxiliares da burguesia
l/i .Ç (lír ill & LU/li (/(' C/tl.\'.{/'x • 25 I
("classes médias" ) que aumentaram quantitativamente. Porém, pa rte desse processo de acu mu lação era reve rtido pa ra os países imperi alis tas e essa expansão proporcionava o cresc imento, ainda que em menor medida, de outros seto res.
A tese complementar presente em Tava res é de que o g rande problema, ao lado da demanda, foi o financiamento. "A inex istência de um volume adequado de investi mentos, capaz de assegura r a man utenção de uma alta taxa de expansão econônücél, não se relaciona es tritamente com limi tações da capacidade produti va [ ... 1, mas s im com problemas relacionad os com a estrutura de de ma nda e com o financia mento". [Tavares, 1973, p. 168 1
Para essa tese, o problema da demanda é complementado pe lo problema da incapacidade de fina nciame nto. Para Tavares e José Serra, co-autor do capí tulo em que a autora aborda a prob lem ática, o problema d a demanda é deri vado do alto grau de concentração de renda e da escassa capacidade aq uis iti va dos "grupos médios". A solu ção seri a mudar a compos ição da demanda em favo r das "camadas médi as" e a ltas, beneficiadas com a redistribuição da renda pessoa l. Ass im, ocorre ri a um processo de "compressão, até mesmo absoluta, das remunerações à m assa de traba lhadores menos quali ficados"- [Tavares, 1973, p. 1691
Neste contexto, comprometi a-se o financiamento de novos investimentos pri vados. A relação exceden te-salários comprometia esse processo, já que a escalada inflacionária do período anteri or proporcionava um amo rtecimento das "tensões sa lári os-lucros" e urna taxa ilusó
ria de lucros, que proporcionou novos investimentos, mas que acabou perdendo a funcionalid ade.
"Com o descontrole de seus mecani smos de propagação, a inflação se ace lerou, perdendo s ua funciona lidade; nem as a ltas ta xas de crescimento poderi am diminuí-Ia . A maio r so lidariedade d os preços relati vos imped ia uma transferência intersetorial dos custos, desmistifi cava os lucros ilusóri os, es trangulava fin ~l1lcc iramen
te as empresas. O acelerado ritmo do aumento d os preços
levou à intensificação das pressões trabalhis-
tas, enquanto os sa lár ios seguiam de perto os preços, limitando, ass im, as poss ibilidades de redistribui ção forçada". ITavmes, 1973, p. 1691
Por sua vez, o invcs titnento es tatal estava comprometido pela relação gas tos-carga fiscal. Ass im, o problema da demanda era re forçado pelo problema d o investimento público e privado, gerando as causas da crise d o início da década de 60.
Essa tese apresenta vár ios probl e mas. A ques tão da demanda ganha a importân cia atr ibuída devido ao fato de Tavares setoriali zar e autonomizar os elementos componentes da produção. Nessa abordagem, o seto r de prod ução de bens duráveis é iso lado e autonomizado, ao contrário do que oco rre na realidade concreta .
Podemos di zer que, como propõe Tavares, o capital transnaciona l era o principal, mas 1150
único, produtor de bens duráveis, e que as classes au xili ares da burgues ia eram seu principal mercad o consumid o r. No entanto, o consumo de ben s duráveis ta mbém e ra rea li zado pela classe dominante, inclusive com um poder aqu isiti vo 111uito mais elevado, e, em menor grau, por setores das classes ex ploradas com melhores condições financeiras.
É necessá rio lembrar que há diferentes tipos de ben s duráve is, com preços mais e menos acess íveis. Além di sso, para comprovar o problema da demanda, seria necessá ri o demonstrar que houve uma diminuição quantitati va das classes auxil iares ou, então, uma queda d e seu nível de renda, o que Tavares não fez . No entanto, a relaç50 salarial aponta para uma distri buição de renda fa vo rável às classes auxi li ares em detrimento do proletariado.
"A relação entre os sa lá ri os médios d os burocratas e o dos operári os é de 1; 18 em ]949 e 2,23 em 1969, pa ra o total da indús tria de transformação. Da Inesma maneira, a taxa de cresci
mento do salár io médio dos buroc ra tas supera em mais de duas vezes c meia a dos operári os
em ·1949-58 e em quase quatro vezes no períod o ]958-69 (o índice do va lor abso luto do salário médi o dos operários passa de 100 em 1949, a 136 em 1969, enquanto que o dos burocratas passa do índ ice ]05 para 320, no mesmo pe ríodo)." [Moraes, 1991. p. 361.
Além di sso, O p rocesso de buroc rati zação
26· AClIlIlulaçiio Capjttlli.~t(l e Gol/JC de 64
crescente faz parte da dinâmica do desenvol vimento capita li sta, o que determina aumento quantitativo das classes auxiliares da burguesia. Como Tavares não apresentou nenhuma informação sobre a diminuição quantitativa dessas classes, não existe comprovação para o cllamado "problema da demanda".
Por sua vez, ao contrário do que di z Tavares, o processo inflaci on6rio não beneficia os trabalhadores, criando taxas ilusórias de lucro. Isso só ocorreria caso se comprovasse que os aumentos dos preços foranl inferio res aos aumentos sa lariais, o que é desmentido pelas informações ap resentadas por outros autores . [Oli veira, 19871 Assinl, o suposto problema de demanda revela-se uma hipó tese não comprovada e que possui muitas informações que a contradizem.
Por conseguinte, o problema do financiamento privado é inexistente, pois as taxas de 'lucro do período não eram "ilusórias" e sim rea is. O financiamento estatal derivado da re-
. lação custos-carga fiscal também não recebeu comprovação. E mesmo que os investimentos estatais tenham diminuído no período posterior ao Governo Kubitschek, seria necessá ri o demonstrar que tal diminuição foi s ignificativa e, ainda, que ela provocaria efeitos poderosos no processo de acumu lação.
O problema geral da acumulação capitalista subordinada é a convivência de uma alta taxa de exploração com a transferência de mais-valor. Isso proporciona, por um lado, uma acu-
. mulação mundial elevada e, por outro, uma acumulação naciona l limitada, já que parte da acumulação é enviada aos países imperiali stas.
O principal entrave é a dificuldade em aumentar a já intensa taxa de exploração e não problemas de demanda e financiamento, emborn eles possam difi cultar a reprod ução da acumu lação em determinados contextos.
Uma outra tese explica a crise do início da década de 60, não como de realização, mas a partir das lutas dos trabalhadores. Na época, teri a ocorrido um aumento da taxa de exploração que deprimia relativamente o consumo, sobretudo de bens não-d uráveis - vestuário, alimentação, ca lçados, etc. - dos trabalhadores e dos setores mais empobrecidos da população. Esse fenômeno era acompanhado pelo crescimento da
"classe média", consumidora de bens duráveis. [Oliveira, 1987]
A cri se teria s ido gerada pel o ro mpimento com do pacto populista e pela luta dos trabalhadores: "A luta que se desencadeia e que passa ao primeiro plano político se dá no coração das relações de produção.
Pensar que, nes tas cond ições, poder-se-iam manter os hori zontes do cálculo econômico, as projeções de investimentos e a capacidade do Estado de atuar med iando o conflito e mantendo o clima institucional es tável, é vo ltar ao economicisnlo: a in versão cai não porque não pudesse reali zar-se economica mente mas sim por que não poderi a reali za r-se institucionalmente." [Oliveira, 1987, p. 63J
Sem dúvida, a luta dos trabaUladores foi fundamentai para o desencadeamento do golpe de 64 e para as dificuldades de reprodução do capitaLismo bras ile iro no in íc io da década de 60. Porém, essa abordagem esquece a especificidade da acumulação capitalis ta no Brasil, que res ide em seu ca rá ter subordinado.
A luta dos trabalhadores difi cultava a intensificação da taxa de exploração e, ao mesmo tempo, atemorizava os setores nlais conservadores. No entanto, isso não era suficiente para explicar o gol pe de J 964.
A rlificuldade na acumulação capitalista brasileira do inJcio da década de sessenta está Ligada, por um lado, ao seu caráter subordinado e, por outro, à luta dos trabaLhildores .
A acumulação subordinada exige uma superexploração dos trabalhadores que se intensificaria natura lmente, caso não houvesse res istência. Mas C0l110 a res istência ex iste €, naquele contexto histó ri co, tornou-se mais forte, o processo de acumulação encontrou dificuldade para prossegui r.
A grande ques tão é que, naquele período histórico, não apenns a aClIlllU lação subordinada no Brasil atravessava d ificuldades, pois este processo era mundial, tal como colocamos anteriormente.
Essa crise do regime de acumulação intensivo-extensivo provocava a necessidade de au
mento da exploração em escala mundial, o que significava aumentar o processo de exploração sem alterar o regime de acumulação.
lIi.çt ti r itl ...I.'- 1. 11 ((1 dt~ C /(I.u ·cs . 27
Assim, as lutas dos traba lhadores criavam um obstácu lo ao processo de intensifi cação da exploração necessári a, por um lado, à acu mulação subord inada brasileira e, por outro, à acumulação norte-ameri cana. Assim sendo, os setores conservadores, ou seja, o ca pi tal no rtemnericano c transn3cional, a burguesia brasileira e suas classes auxiliares, etc., un iram-se para combater essa res is tência. Ass im o fazendo, poss ibil itariam uma intensificação do processo de exploração nacional, como efetivamente ocorreu, nos anos pos teriores ao go lpe de 1964, e o crescimento da exploração internacional, que gerou, na década de setenta, a Co missão Tri latera l.
Des taque-se que a grande preocu pação da Comissão Trilateral e ra o controle internacional, I Asmann, J 979] que procu ra, por um lado, il so lu ção dil crise do regime de ilcumulação no seu interi or c, por outro, ao mesmo tClnpo, já ilIlu nciavil elementos que seri ilm desenvolvidos no regime de ilcumulação poste ri or, ex pressil ndo, assim, um período de transição.
Não fo i sem razão a ampla participação dos norte-americanos no desencadeamento do golpe de 64. Ela era uma necess idade do capita li smo norte-americano em crise, que precisava aumentar a exploração internacionLlI para compensar suas di ficu ldades de reprodução.
Desta forma, o golpe de 1964 foi p roduto da ofensiva cilpitalis ta rea li zada pelas potências imperia lis tils, com des taque aos EUA, com o apoio da burguesia brasileira e de out ros setores, que conseguiu produzir um amplo aparato repress ivo e desa lojar do governo setores populi stas e reformistas que tinham dificuldades em atacar diretamente os trabalhadores e aumentar o processo de exploração.
Portanto, o discurso segundo o qual o golpe foi realizado para evitar a formação dc luna "república s indica lis ta", para combate r o comunismo, para acabar com a corrupção, não passíl de pretex to visando justifi car e legitimar um processo intensivo de repressão que procurava possibilitar processo igualmente intensivo de ex ploração.
Tud o isso pa ra aumentar o processo de acumulação capita li sta no Bras il , a fim de sus tentar as necessidades da burguesia brnsilcira e ;] transferência de mais-valor ex igidas pe los p.lÍses imperiali stas, principalmente pe los Estados Unidos. Em síntese, fo i a ascensão da luta operá ri a e de outros setores socia is que promoveu a necessidade de trans ição da democracia burguesa para a ditad ura, pois apenas esta última poss ibilita ria a ampliação da taxa de exploração naquele contexto hi stóri co, O que e ra necess idade vita l do capital no período. +
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dtldanitl . Rio de J:lIleiro: Achialllé. 2003.
is lú ',1 & Lulól de
o último governo populi sta da história da república bras i
leira foi marcado por fortes cr ises na esfera pol ítica.
Os anos em que João Gou lart ocupou a Presidência da
República, seja sob o molde parlamentarista (setembro
1961 /jane iro 1963). seja sob o presidencia lista (janeiro
1963/março 1964), se rão sempre lembrados como um
período no qual diversos sujeitos soc iais encontraram-se
envolvidos em uma ferre nha d isputa política pautada por
distintos projetos de nação, com co nsequências
" fratric idas" para a estabi lidade social do país.
A "Legalidade" do Golpe: o controle dos trabalhadores como condição
para o respeito às Leis!!)
Felipe Abranches Demier
Pclipc Abranches Demier é gr~dll ado em Histúria pela
Universidade Pederal do Rio de Janciro. Organizou (J
l ivro "A.,' (rflfls!Ol"/I/{/rt}es do PT e os mil/os da Esq/U'r
t/{/ 1/0 amsi/".
m dos componentes d esta g rave crise social e política que que ati ngiu em d,eio o governo João Coulart. fer indo-o de morte, foi o embate entre dois dos seus m ais importantes sustentáculos: uma par-
cela significati va da oficialidade "legali sta" das Forças Armadas e o movimento s indical organizado, principalmente suas entidades "paraIclns", como u Cumando Gera l dos Traba! hudo res (CCT), Fórum Sindi ca l de Debates (FSD), Pacto de Unidade e Ação (PUA) etc.
Criadas em desobed iência à leg is lação sindica l de 1946, estas en tidades não se encontrava m, portanto, tuteladas pelo Min istério do Traba lh o, como ex ig ia a es trutura s indi ca l co rporativista então v igente.
Os estudiosos do Governo João Goulart, tendo sempre em mente o fim trágico do mesmo c
)0 . A "Lcgalültule "do Golpe
sua substituição por uma ditadura militar através de um golpe, empenharam-se - e empenham-se - em apontar, de formas diferenciadas, as razões do fracasso do último governo populista brasileiro. Todavia, entendemos que nenhum deles se dedicou prio rita ri amente a esse conflito entre os dois alicerces de sustentação do governo Jango, que acabaria por ocas ionar o enfraquecimento do mesmo. Tentaremos nes te artigo, de forma sintéti ca, di scutir essa cri se político-milita r que consideramos ftmdamental para os interessados em se debruçar sobre a crise do regime popuJis ta, e em especial, do governo Goulart.
A importância da chamada "corrente"(2) " legalista" nas Forças Armadas enquanto vital alicerce do governo Jango é faci lmente perceptível aos olhos dos que se detém sobre esse período. Bas ta n os remetermos ao episódio da posse do pres idente Goulart para concluirmos que esta se deveu em grande parte ao papel desempen.hado pelos militares "lega li stas" após a renúncia de jânio Quadros (25 de agosto de 1961), quando os três minis tros militares - o general Odílio Denys, o brigadeiro Grünn Moss e o almiran te Sílvio Heck - empenharam-se ferozmente para impedir que Jango ascendesse ao posto de pres idente da República, apresentando um veto no Congresso Nacional a sua posse.
O empenho da oficialidade " legali sta", de sentido contrário aos dos ministros militares, somou-se ao de entidades como a União Nacional dos Estudantes (UNE), partidos de esquerda, sindicatos, inteJectuais c arti stas e, mesmo,
setores políticos conservad ores, poss ibil itando ass im que João Goulart assumisse o luga r que lhe cabia constitucionalmente - embora Goulart tenha assumido sob um regime parlamenta ri sta, solução "encontrada" para a crise, que lhe re ti rou parte de seus poderes como chefe da nação.
Além deste aspecto que remete às "origens" do governo Goulart, a importância da oficial i-
dade "lega li s ta" pode se r indicada por urna colocação mais estrutural, do ponto de vista da análise Estado-sociedade. A o fi cialidade "legalista" é, naturalmente, parcela integrante e constituti va das Forças Armadas. O papel das F.F.A .A. enquanto agente mantenedor da ordem política estabelec ida é notório ao longo da história contemporânea mundial, sejam essas ordens políticas basead as em d itad uras ou em democracias liberais. No caso do Brasil, a importância desse garanti dor da o rdem - ainda mais de uma pa rce la confi ável aos oLhos do chefe da nação, como era o caso da relação Goulart-"legaJ istas" - potencial iza-se enormemente, tendo em vis ta o número alto de tentativas gol pistas - fracassadas ou não - na nossa recente histó ria política -1945, 1954, 1955, 1956, 1959, ]961 e, finalmente, 1964.
A importância do mov imento sindical, através de suas enti dades "pma lelas", enquanto alicerce do governo Gou lart era também cruciaL Tal como fi zemos no caso da o fi cialidade "legalista", podemos nos remeter ao papel do movimento sindical no episód io d a crise da legalidade em agosto/setembro de 1961. Através da constante palavra de o rdem "greve geral", importantes líd e res s indi ca is, como Dante Pelacani, Hércules Correia, Oswaldo Paclleco, Roberto Morena, constitu íram um Comando de Greve dos Trabalhadores, fazendo com que uma parcela substancial da classe traba lhadora se aglutinasse, em :1961, na "Campanha da legalidade" que objetivava a posse de jango. (3) No ano seguinte, d uran te o IV Encontro Sindical Nacional, o Comand o de Greve dos Trabalhadores se transformaria no Comando Geral dos Trabalhadores (CGT),14) mais importante entidade "paralela" do movimento s indica l brasileiro e principal inimigo da oficialidade "legalista".
Podemos afirmar que a base socia l mais fie l ao presidente Gou lart era o movi mento sindicaL Isso se devia não só ao fato de os interesses "nacional -reformistas" do último período de
1 - Este artigo tem como base o capítulo ~""'legaHsmo na política bras ileira (1954 -1964): um breve histórico· de minha monografia de gra duação na UFRJ (finalizada em 2004) intitulada ~Soldados x Or~ rários: o general Peri Constant Bevilaqua no Comando do 11 Exército em São Paulo (1962·1963f, orientada pelo professor Renato lemos. 2 - PEIXOTO, Antônio Ca rlos . -Exército e Polít ir:a no Brasil. Uma crítica dos modelos de interpretação~.ln: ROUaUIÉ, Alain (coord.) Os partidos militares no Brasil. Rio de Janeiro: Record, s. d. , pp. 34-35. 3 - VICTOR, Mário. Cinco anos que abalaram o Brasil: de Jãnio Quadros ao Marechal Castelo Branco. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. p. 436. 4 - MAnOS, Marcelo Badaró. TrabalflOclores o sindl~ · .. t f1<; no Brasil. Rio de Janeiro: Vício de leitura, 2002 . p.SS.
/J ÜltÍr itl & I , llla de Clq\'\'es - 31
Jango - "reformas de base" - "coincidirem" com os interesses das entidades" paralelas" - esses porém, de tom mais extremado - , mas também il própria trajetória do políti co João Goula rt. Devemos lembrar que, desde os tempos em que fo ra min istro do Trabalho de Getúli o Vargas (1953-1954), Jango já estabelecera boas relações com os s indicalistas loca lizados mais à esquerda - li gados ao Partido Comunista do Brasi l -PCB -, estimulando inclus ive a formação de entidades "paralelas", como a União Geral dos Trabalhadores (UGT).!') Durante seu governo, Jango chegou a fazer decla rações do tipo: ''[. .. 1 procurei assegurar a liberdade a todos os traba lhadores bras il ei ros [ ... ] p rocure i organ izar os s indicatos"!6\ : o "Comando Gera l dos Trabillhadores é o organismo superior da classe trabillhadora no Brasi l". (7) Essa re lação bastante p róx ima entre os quadros s indicais e o poder executivo foi chamada por Francisco Weffort de Uintimidade palilci,.na". (8)
o embate entre esses dois importantes sustentácu los do governo João Coulart contribuiu para o en fraquecimento das suas es trutu ras socia is e políticas de sustentação, já que os militares "legalistas" não toleravam, em hipótese algu ma, a ex is tênóa e a pro li feração dessas entidades "para lelas", consideradas por eles COlno Ui legais" e "subversivas", nCln as constantes greves provocadas por elas, qua li ficadas da mesma forma. Acred itamos que as alterações ocor ridas no s istema sindical brasileiro na primeira metade dos anos sessenta, dev id o ao surgimento s ignificativo de ent idades "pa ra lelas" - CGT, PUA, FSD etc. - e da estreita relação que elas mantinllam com o governo Gou lil rt, cond uzi ram a uma mudança no sentid o po lítico nas intervenções de pa rte da o fic ia li dade "legalista", que passaram então a possuírem um
cará ter "reacionárj o", diferentemente do qLle ocorrera em ] 954,1955 e 1961, como veremos a seguir.
"Legalistas" contra os golpes do imperialismo
Sem sombra de dúvida, a ideo logia "legalis ta"!') é mais complexil do que pode apa
f(~ntar. Sabemos que, em última instância, ela pro tege e assegura juridicamente a propriedade, a "mais-valia", a reprodução do capita l c das relações sociai s de produção. !iO)
Todavia, reduzindo-se - ou amp liando-se -o escopo il nalíti co para a influência da ideolog ia "lega lista" no processo político brasi leiro, isto é, para a sua uti l ização em meio às disputas entre classes, frações e subfrações soc ia is pela hegemonia do aparelho estatal, nos deparamos com situações hi s tóricas d istintas, em fun ção dos diversos inte resses políticos e sociais perseguidos pelos personagens que dela fi-
5 - VICTOR, Mário. Cinco tinos { . ..}. Oh. cit., p. 436. ; 6 - Idem, p. 486. ; 7 - Idem, p. 453
zeram uso. Certa vez, Francisco Weffort ind agou: "[ ... [ que outro modo haveri a para dec ifrar a estrutura real das ideo logias senão indo às prát icas po líticas que elas inspiram?"!]])
Caso s igamos o método científico proposto por Weffort com O intui to de "decifrar a estrutura rea l" da ideologia "legalista", no que diz respeito a sua inse rção no cenário político bras ileiro, encontraremos, decerto, algumas d ifi cu ldades.
Tomand o o plano genérico da organização prod uti va - lato senso - da sociedade bras il eira, sabemos que a ideologia "legali sta" funcionou sempre como mantcnedora da nlesn13, isto é, inspirou práticas po lít icas que assegura ram,
8 - WEFFORT, Francisco Oemocracia e movimento operário: algumas questões para a história do período 1945/ 1964 . in Revista de Cultura Contemporânca, ano I, nO 2, pp . 3·12 (2~ parte), janeiro de 1979, p. 4. 9 _ Tratamos legalismo como uma forma de ideologia, no sentido atribuído por Marx, mais precisamente quando se dedicou à análise concreta das relações capitalistas adiantadas (os GrU/ldrisscs e O c.1pital, mais especificamente ). Ver lARRAIN, Jorge. Ideologia. i/l BOnOMORE, Tom (Org.). Dicionário do pcnsamento marxista Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 19 88. pp 183 ·7. Ver também GOODRICH, Peter. Positivismo jurídico. in BOnOMORE, Tom & OUTHWAITE, Willian. OiciOllârio do pCnSamfJllto social do século XX Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 597. 10 - ALTHUSSER, louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado: notas para uma investigação . il/ ZIZEK, Slavoj (Org.). O mapa da ideo/ogitl. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. pp. 105·2. 11 - WEFFORT, Francisco . Democracia e movimento operário. (3~ parte). Ob.cit., p. 14 .
32 · A "Legalülade"tllJ Golpe
de uma forma ou de outra, as relações de produção do sistema capitali sta nacional. Entretanto, no que diz respeito às formas politicas pelas quais a produção capitalista se organizou a partir dos anos 50, a ideologia "legalista" demonstrou que foi um importante elemento nas disputas que acabaram ora por manter (1954, 1955, 1961), ora por substituir (1 964), os regimes políticos que comandavam o Estado burguê, bra, il eiro. Passando os olhos por um período recente da história politi ca do país (1954-1964), percebemos que a "defesa da legalidade" fo i utilizada por grupos socia is distintos, e. até mesmo antagônicos.
No episódio do suicídio de Getú lio Va rgas, em 24 de agosto de 1954, capítulo final de uma crise po lítica que afligiu seu segundo governo, oriunda das crescentes contradições entre as novas formas de acumulação imperi a lista e o regime populis ta nacional, a defesa da ordem lega lmente co nstituíd a adquiriu um caráter "progress ista", encampando a luta pela manutenção do modelo econômico industri al de tipo nacionalis ta con tra o afã go l pista dos grupos ligados mais d iretamente ao capital estrangeiro, associados a Carlos Lacerda e aos militares organizados no "Movimento 24 de Agosto". É necessários ressaltarmos que quando utilizamos o termo "progressis ta", em h ipótese alglUna lhe atribu ím os uma conotação positiva, no que diz respeito aos anseios da classe trabalhadora por elnanci pação.
Entendemos por "progress istas" as forças nacionali stas e populistas de esquerda que, inegavelmente, nes te período, possuíram contradições com o imperi ali smo e suas tentati vas de go lpe. Todav ia, não podemos trata r "nacionalismo" e "liberalismo" de fo rma antitéti ca, estabe lecendo uma "separação radi ca l" entre ambos, já que, em questões es truturais, de classe, ambos estiveram de braços bem dados.
Em meio a outro ambiente gol pista, a 11 de novembro de 1955, um mov imento militar, que ganhari a como nome a data do mesmo - "Movimento 11 de Novembro" -, liderado pelo marechal Henrique Teixeira Lo tt, então ministro da Guerra demiss ionári o, ocupou prédios pú-
blicos, jornais e estações de rádio com o fito de garantir o cumprimento das normas constitucionais. Acusando o então presidente Carlos Luz de estar Li gado aos gol pistas, mais uma vez liderados por Lacerda, que objeti vavam impedir a posse de Jusceli no Kubitschek e seu vice Goulart - eleitos em 3 de outubro do mesmo ano (1955) -, sob o pretexto de que ambos desfrutavam do apoio dos comu nistas, o "contragolpe preventi vo", para usa rnl 0S a terminologia de Lott e seus segu idores, dos "legalistas" fez com que no mesmo dia a Câmara do Deputados Federais transferisse, por 185 a 72 votos, o poder presidencial para o presidente do Senado, Nereu Ramos, possibilitando ass im que o resultado eleitora l acabasse por ser respeitado e que JK e Jango chegassem a Presidência e Vice-Presidên cia, respectivamente, pouco tempo depois. (12
)
Referindo-se ao fa to, aparen temente paradoxal, de que a preservação da ordem legal foi assegurada a pa rtir de atitudes il egais, como cercamento de prédios públicos, SkicLmore escreveu: "A intenção de Lott e ra ga rantir as regras do processo eleitoral, porém, a ironia de sua devoção à ' legalidade' repousava no fato de que esta mesma 'legalidade' teve deser garantida por um ato arbitrário de um golpe militar."(13)
Contudo, mais uma vez, uma intervenção de cunho "legaJis ta" encerrava uma feição #progressis ta", defendia com armas a permanência do regime populis ta contra a ameaça gol pista dos antigetuli stas libera is. O in teressante é que o próprio JK em seu governo, at ravés de sua política econômica de abertura ao grande capital internacional, forta leceria os mesmos setores burgueses que articulariam o go lpe final contra o populismo em 31 de março de 1964 -inviabilizando, inclusive, a provável candidatura de J K à Presidência em ] 965.
No entan to, a in tervenç50 "lega lista" mais emblemáti ca a inda es tava por v ir. Em 25 de agosto de 1961, o recém-empossado presidente da República, Jâni o Quadros, renunciou, provocando uma grave crise institucional, política e milita r no país. Os três ministros militares anunciaram seus vetos à posse do vice-presi-
12 - SKIDMORE, Thomas. De Getúlio Vargas a Castelo Branco 11 930- 1964). 12 ed . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. pp. 194-7. 13 - Id. ib. p. 197.
lI i.I"l ,íri(/ & 1./lla de ClanH - 33 I
dente João Goulart, que se enco ntr~v~ na República Popular da Chi na, contrar iando assim o artigo 79 da Constitui ção Federal de ·1946.
Herdeiro do período mai s nacional ista de Vargas (]951-1954), no q ual fo ra minis tra do Trabalho, Jango e ra líder do Partido Trabalh ista Bras ileiro (PTB) e, pela segunda vez, vicepresidente da República . Pelos mili tares conservadores, er(l identificildo C0 l110 U Ill nacionalista radical próxinlo aos cOITIun islas.
Após o veto da cúpula militar à posse de Jango e a ameaç~ de prisão do líder trabalh is ta, caso João Goulart pusesse os pés no p,lÍs, os grupos soóais favo ráveis à manutenção dd or
dem cons titu cional , isto é, à posse de Jango, org~n i zmam-se rap idamen te. Liderados pe lo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel de Moura Brizo la, as forças "lega listas" o rganizaranl UIll movi lncnto que fi caria conhecido como "Campanha da Lega lidade". Brizob , que havia ocu pado militarmente a Rád io Guaíba e a Rádio Far ro upi lha de Porto Alegre pa ra transmiti r mensagens em p ro l da posse de Gou la rt - a chamada "Cadeia da Lega li dade" chegou a contar com até "104 es tações de ródio entre gaúchas, pamnacnscs c ca tarinenscs (1 4) -
dispunha apenas da Brigada Mi lita r gaúcha e de seto res da popu lação civi I que se armavam deficientemente para o provável conflito, a lém dos apoios "lega li stas" dos governadores de Goiás, Mauro Borges, e do Paraná, Nei Braga.
No entanto, desobedecendo às ordens do ministro da Guerra Denys de pôr fim ao mov imento de res istência " lega lis ta", bombardeando, "se nccessill:io", o Pal6cio PiríJt ini, o C0J11andante do 111 Exército, general Machado Lopes, nfirmando que só acataria ordens pJutadtls peln Constituição, aderiu ao mov imento "legalista", proporc ionando a este um sa lto qua li tativo. Devido ao apoio bélico do 111 Exército, a co rrelação de forças en tre "lega li s tas" e go l p is tas sofreu substanciais alterações.
O gene ra l M~ch~do Lopes contav~ com O
~poio do genera l Oromar Osó rio, da ·1" Divisão de In fanta ria,do genera l Benjamin Ga lhardo, da 5" Região Mi li ta r sediada no Paranó, a lém do general Peri Cons tant Bev il aqua, então co-
14 - VICTOR, Mario. Cil/co anos {. .J. Ob. cit, p. 355. I? - ldclII, p. 403.
mandante da 3!! Div isão de Infantari a sed iLld3 em Santa Maria, no Rio Grande do Su l. Este estado transfo rmou-se assim no grande bastião da legal idade, e seria por lá que João Gou lart chegar ia ao Brasil para, no d ia 7 de setembro de 196] , ser empossado como pres id ente da República, porém, sob um regi me p~r1amen ta
ri sta ins tituído pela emend~ constituciona l n" 4, so lu ção aceita por Jango e pelos ministros militares para pôr fim à crise.(I;;)
O caráter " progress is ta" do mov imento civil -milita r de agosto/setembro de 1961 foi claro. Amplos setores da popu lação, mi lit~res, trabalh~d o res, estud antes, intelectu ais e arti stas posicionaram-se contra ma is U1nél tentativa de der ru bada do populi smo po r pa rte do grande c~pital estrangei ro arti culado com li be rais burgueses, setores méd ios conse rvado res e militares go l pistas que, como não poderia deixar de ser, contavam com o apoio de Carlos L~ce rda,
cnt50 governad or dLl Guanabara. Como em 1954 e "1 955, a defesa da Constit·u i
ç50 c da democracia contrariava, no nível das
estruturas de poder, os interesses da burgues ia "cosmo pol ita" br~s ile i r~. De ·1 954 a ] 96·1, os movi mentos "lega li stas" possuíram, de forma gerai, um sentid o "progressista", pró-popu l i s t~,
o que possibi li tou a ex tensão desses governos de "colaboração de classes" e de ímpeto nacionali sta - moderados ou radicais - por mais tempo.
Somente nos anos do governo João Goul art é que começamos a ass istir a lima d iv isão subs
tanc ial nas forças " lega li st~s", no que di z respeito ao sentid o político da utili zação de bandeiras como "defesa da lega lidade" e "defesa da Constitu ição". este momento, nos deparamos com notó ri os "legali s tas" passando a se ~grupa r com seto res po líticos que aspiravam ao fim do reg ime populi sta . No en tanto, antes de passarmos ~o lega lismo à época do governo João Goulart, devemos ressa ltar que, mesmo no período ]954-196 1, o ~ rtifício da "defesa da leg~ li dade" fo i também utili zado pe los gru pos li gados ao capital est rangeiro e setores canse rvL1dorcs em gcrnl.
An teri ormente, na v itóri a de Va rgas nas eleições de ]950, a Un ião DemocrMica Nac i o n ~1
34 - A "Legalidade"do Golpe
(UDN), liderada pelo deputado Aliomar Baleeiro e contando com o apoio do jovem jornalista Lacerda, buscou impedir a posse do presidente eleito alegando que este não alcançara a maioria absoluta dos votos (50% + 1 voto), condição essa, segundo os partidários da UDN, necessária para obter uma vitóri a respaldada pela Consti tuição vigente. Todavia, segundo as normas constitucionais relativas ao processo eleitoral, bnstaria apenas a maioria s imples dos votos para que o candidato fosse declarado presidente. Ou seja, o candida to que possuísse o maior número de votos entre os demais seria eleito presidente da República.
Cumprindo a Constituição, O Tribuna l Superior Elei tora l (TSE) proclamou em dezembro Getúl io Vargas presidente (que hav ia obtido 48,7% dos votos) e Café Filho vice-presidente.
A alta hierarquia militar comandada pelo general Canrobert Pereira da Costa, ministro da Guerra do presidente Eurico Gaspa r Dutra, rb pei tou normalmente a decisão do TSE.
Em outubro de 1955, quando da vitória de JK nas urnas, a UDN chegara a votar internamente o intuito de contestar o resu ltado eleitoral, alegando mais lUll a vez o fato de o candidato mais votado não ter alcançado a maioria absol uta dos votos. No entanto, como este método gol pista, apresentado como uma "interpre tação fiel da Constituição", já se mostrara fracassado, a tentativa não foi levada à frente.'l')
Grada tivamente, as forças antigetulistas perdiam as esperanças de alcançar o poder por caminhos eleitorai s, is to é, a partir das normas constitu cionais vigentes. Contud o, o discurso "legalista", mesnlQ que cOlno fachada, continuaria a ser a lardeado por estes setores conse rvadores.
Até mesmo em Wll momento no qual a Constituição não deixava dúvidas quanto às medidas a serem adotadas, como no episódio da renúncia do presidente Jânio Quadros, em agosto de 1961- o artigo 79 da Constituição de 1946 deixava claro que o vice-presidente deveria assumir - , a tentativa gol pista dos grupos antigetulistas liderad os pelos ministros militares ca lcou-se no di scurso da "defesa da legalidade" pélfa justificar suas atitudes arbitrárias.
16 - SKIDMORE, l hamas. De Getúlio Vargas f. . .]. Ob. cit. , p. 189.
Em uma situação na qual a divisão entre "legal istas" e gol pistas estava claramente delimitada, tendo inclusive o movimento de resistência ao veto dos ministros militares garlhado o nome de "Campanha da Legalidade" e o conjunto de estações de rádio que defenderam a posse de Jango o nome de "CadeiG da Legalidade", os construtores da empresa gol pista não se furtaram de invocar parâmetros legais que "legitimariam" suas posições. O então lninistro da Guerra, Odílio Denys, um dos expoentes do movimento "legal ista" de 11 de novembro de 1955, explicaria seu veto à posse de Jango recorrendo a artifícios "Ieg;:lis".
Considerando Jango uma anleaça aos poderes constitucionais, devido ao caráter "subversivo" do líder do PTB, e pauti1l1 do-se no ar tigo 177 da Constituição que atribuía aos militares o papel de defensores desses poderes, Denys, a o :r de W'l verdadeiro mali:lba rismo teórico realizado quase vinte anos depo is do ocorrido, afirmou ter s ido a posição tomi:lda pelos ministros militares dotada de conteúdo "legal":
"Tudo se exp lica dentro dos mais rigorosos princípios da boa fé. É só raciocinar com clareza e ânimo patriótico. Com efeito, João Goulart, quer conduzindo o seu partido, o PTB, para a extrema-esquerda, quer admitindo infiltrações de notórios comunis tas nos seus quadros e no seu comando, ou, ainda, promovendo alianças partidárias com os esquerdistas de todas as matizes, desde a esquerda moderada e democrática até a esquerda extremadi:l e revolucionária, tornou-se presa dos seus aliados, que por certo dele se utili zar iam, como o fize ram depois, como instrumento de seus pl i:lnos de implantação no Brasil de um Estado estrangeiro [ ... ].
Aliados aos com unistas, vinculado a compromissos que assumiu com eles, Goulart tornouse tão perigoso, do ponto e vista da vivência das instituições democráticas quantos os comw1Ístas mesmos, de ta l maneira que sua investidura na Presidência da Republici:l podia, na verdade, ensejar a investidura de com unistas, por via oblíqua, nos altos postos do governo [ ... J.
Ora, é sabido que a Constituição Federal de 1946, no seu art. J41, § :13, proíbe a organização, o registro ou o fu ncionGmento de qualquer
lIis t tida & I.I/Ia de Cla.f.H! .~ - 35
partido ou associação cujo o programa ou ação contrarie o regime democrático, e que o art. 58, da Lei n.2.550, de 25.7.1915, que alterou dispos ições do Código Eleitoral, o rdena que se negue o registro a candidatos que, pública ou ostensivamente, façam parte ou sejam adeptos de partido político cujo registro tenha s ido cassado com fundamento no art.141 § 13, da Constituição Federal.
Vale dizer que, no Brasil, o Partido Comunista está fora da lei, e que a lei eleitoral não permite sequer o registro de candidato comunista a cargo eletivo. Pois bem, a Constituição e a lei ordi nária que expressam essas proibições não podem permitir que exerça qualquer cargo e leti vo o cidadão que, embora eleito como democra ta r como não-comunista, veio a tornar-se comunista depois de investido no ca rgo para o qual foi eleito.
Se os tex tos lega is expressam uma proibição, é ev idente, dentro dos mais rudimentares princípios ju rídicos, que a inobservância da norma proibitiva conduz à nulidade o ato proibitivo.
Em outras palavras: se João Gou lart decl inasse sua convicção comunis ta r sua vinculação ao Partido Com unista, não seri a admitido a candidatar-se à Vice-Presidência, e portanto não teria ensejo de suceder a Jânio Quadros. Assim também, embora eleito vice-presidente da República, embora na posse do direito de assumi r a Pres idência quando Jânio Q uadros renuncia, imped ido estava e le de exercer o cargo, pelo fa to de haver-se, depo is de eleito, vincu lado aos comuJli stas e ao Partid o Comunista, tornandose ele mesmo um comunista, o que ev identemente o tornou incompatibilizado para exercer a Presidência. I ... ]
E porque na Cons tituição não se encontra remédio para tal aberração jurídica, O normal é que as Fo rças Armadas, que se des tinam, como expressa o art. 177 da Constituição Federa l, a defender a Pátri a e a ga ranti r os deveres consti tucionais, a lei e a ordem, o normal é que as Forças Armadas, na emergência de um comunis ta se investir na Presidência da República, a isso se oponham, a isso desaconse lhem 1 ... 1.
Assim sendo, quando as Forças Armadas, em agosto de 1961 , desaconselharam a posse de Goulart na Presidência da República, nada mais fi zeram que cumprir o mandato cons titucional do artigo 177, já invocado, pois na verdade, nessa emergência, elas só fizeram defender a Pátria, garantir os poderes constitllcionais, a lei e a ordem." 117)
Podemos perceber como até mesmo as ações mais inconstitucionais c ilegais tinham a necessidade de serem expostas pelos sujeitos promotores das mesmas enquanto atitudes legais e constitucionais. O primado da lei no plano ideo lógico da sociedade contemporânea, e mais especificamente, no da política brasi leira da época, tal como hoje, constitui-se em algo facilmente observável nes te caso, da mesma forma que a maleabilidade e a inconsistência da doutrina "legalista", passível de ser utili zada concomitantemente por grupos políticos rivais, pode ser verificada sem muitas dificuldades.
É bom lembrarmos que essas utilizações do di scurso "legali sta" enquanto promotoras de atos gol pistas por parte do grande capital estrangeiro e dos setores conservadores nacionais até o inicio do governo Jango não ocuparam, senão, urna posição marginal dentro daquilo que poderíamos chamar de "campo legalis ta", isto é, daqueles que, de alguma forma, "fundamentavam" suas atitudes na defesa da lei e da Constitui ção. De forma geral, os membros deste" campo" tiveram seus posicionamentos políticos ligados a interesses "progressistas", nacionalistas, direcionados para a defesa d os governos populistas legalmente eleitos entre 1954-1961.
No caso das Forças Armadas, a ligação dos "legalistas" aos interesses "progress is tas" pode ser percebida nas composições das chapas para a disputa da presidêncb do Clube Militar, nas ali anças que se fo rmaram entre "lega lis tas" e nacionalistas com o fito de derrotar os antigetulistas liberais e gol pistas. A composição da chapa que teve como candida to a presidente do Clube Militar o general Peri Bevi laqua, em 1962, é exemplar des ta organização das fo rças po líti cas no interi o r das Forças Armadas. I I'>
17 - DENYS, Odílio. o ciclo revolucionário brasilciro, Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1993, pp . 79 -8 1. Grifo meu. 18 - Ver PEIXOTO, Antônio Carlos. ·0 clube militar e o confronto no seio das Forças Armadas (1945-1964)- in ROUQUIÉ. Alain (coord). Os partidos mililarcs no Brasil. Rio de Janeiro: Aecord, s. d., p. 108.
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36 - A "Legalidade"do Go/pe
Se, nas Forças Arm adas, a aliança entre "legalistas" e nacionalistas pode ser entendida pelo fato de que a primeira corrente estava estruturalmente ligada, desde sua gênese, à segunda;!(9) no plano politico gera l - incluindo obviamente também os militares -, o sentido "progress ista" das intervenções "legalistas" explica-se pelo fato de que, em todos os momentos de cr ise instituciona l do regime populista no país (1954, 1955, 1961), a Constituição estivera ao lado dos nacionalistas e "progressistas". Em 1954 e 1961, cabia, segundo as normas constitucionais vigentes, aos vice-pre-
sidentes, Café Filho e Coul art, respectivamente, assumirem a Presidência da República, enquanto que em 1955, cabia ao candidato eleito, JK, tomar posse. Faz-se necessário destacar, para compreendermos o apoio dos "legalistas" aos nacionalistas nesses episód ios, que em nenhum desses momentos críticos da institucionalidade esteve colocado, substan tivamen te, como o se~ ria durante o governo Jango, uma ameaça por parte dos trabalh adores de extrapolação da estrutura sindical corpora ti va e do papel submisso que lhes era destinado pelas classes dominantes brasileiras.
"legalistas" e golpistas contra os trabalhado res
Seria somente durante o governo João Coulart que a relação entre "legalistas" e "nacio
nalis tas" começaria a se modificar. Insatisfeitos pela aprox imação do Poder Executivo com as organizações sind icais "paralelas", consideradas ilega is, alguns representantes do "campo legalista" passaram a fazer sucessivas críticas ao governo federal e estabelecer relações mais cord iais com conhecidos conservadores gol pistas.
A proliferação de entidades sindicais que escapavam à tutela do Ministério do Trabalho, como o CCT, o PUA e o FSD, fez com que setores "legalistas", tradicionalmente identificados com posturas "progressis tas", considerassem que a ordem, a lei e a Constituição encontravam-se ameaçadas. Sendo o "legalismo progressista", mencionado anteriormente, identificado e compatível com a estrutura sindical corporati vista, ou seja, com o controle legal da classe operária pelo Estado burguês, em um momento no qual as organizações sindicais dos trabalhadores livravam-se, ainda que débil e incomple tamente, das amarras dessa estrutura, começava a se desnudar o conteúdo anti-operário do "legalismo" .
O chamado" Poder Sindical", adjetivado pelos "legalistas" e conservadores como o "quarto poder", numa referência aos três poderes da nação: Execu tivo, Legislativo e Judiciário, surg ia como um elemento novo e desestabilizador
19 - Id.lb. pp. 103-4.
da estrutura social vigente na mente de muitos que se consideravam "defensores da legalidade". Segundo os "lega li stas", seri a através do "Poder Sindical" que Jango, insatisfeito com as posturas p olíticas dos outros poderes, em ·especial, o Legislativo, tentaria levar a cabo as chamadas" reformas de base" .
Nesse contex to, ser "legal ista", no sentido de defender a Constituição vigente, significava, para os "legalistas", uma ruptura com o governo legalmente co nstituído. O governo COulart, segw1do os "defensores da lei", ignorava a Carta Constitucional de ] 946, permitindo a manifestação do proletariado por sobre a legislação sindical corporativista que o engessava. Em outras palav ras: enquanto os sindicatos encontraran1-se sob o controle da estrutura corporativista de matriz fa sc ista, criada pelo Estado-Novo e preservada intacta pela Constituição "liberal" de 1946 - o que demonstra sua utilidade e efiCiência para atender aos interesses da burguesia brasileira, mesmo sob um regime democrático -, a lei, a ordem e a tranqüilidade estavam assegu radas.
Todavia, a par tir do momento em que a classe trabalhadora começou a se organ izar mais livremente por intermédio das o rganizações "paralelas", funcionando estas como instrumentos de mobilização política para a defesa dos interesses "nacional-reformistas" de Jango, a legalidade, para os "legalistas", encontrava-
I/i .a,;rill & f . /lta (/e C (tlnes - 37
se fer ida de morte. Como bem sa lientou Peixoto, ser "legalista" sob o governo )ango, no sentido de defender o governo lega lmente existente, "representava, até certo ponto, defender o nacio nali s mo rad ica l. Quando o governo Coulart começa a ex igir uma revisão dos quadros constitucionais e a exercer seu poder fazendo aprova r as "refo rmas de base", a defesa da lega l idade constitucional é transferida para as mãos dos antigos 'golpistas'. "(20)
Os antigos gol pistas, que mais uma vez v isavam a de rrubada de um governo democrati camente elei to, tinham agora a seu lado a companhia de antigos "legal istas". Se no que diz respeito aos gol pistas, a bandeira da "defesa da lega lidade" significava apenas a manutenção de uma pa lav ra de ordem de grande apelo con tra os naciona li stas e populis tas de esquerda, no relat ivo aos "lega listas", ela não representava nada mais do que a agonia de setores sociais dian te do estado críti co do mecanismo de controle dos trabalhadores por parte do Estado que até então hav ia funcionado re lativamente bem.
A ofensiva do movimento s indical contra os limites impostos a sua a ti vidade pelas amarras da legis lação s indica l vigente deu-se com enorme intensidade sob o govern o de )ango. As organ izações "paraJelas" passaram a ser atores de primeiro plano na cena política nacional, protago nizando di versos episódios nos quai s demonstraram tanto sua ca pacidade de reagir aos ataq ues do empresa ri ado qu anto suas perspectivas programáticas referentes ao país.
Para Marcelo Badaró Mattos, estudioso do movimento s indica l brasi leiro, essa ofensiva do movimento sindi ca l s ignificava uma tentativa de superação, ainda que de forma incomple ta, da estrutura sindical co rpora ti va: "A força peiI íti ca, a trajetóri a g revista ascendente e o cresci mento no nível de mobili zação a lcançado pe lo s indicalismo entre 1955 e 1964 expli cam-se, em grande parte, pelo surgimen to de orga ni zações para lela ao s indica li smo oficial. Organizações paralelas de base (como as comissões sind ica is por empresa), inte rs indica is (como os pactos e
20 - ldelll, p. 109. 21 - MATTOS. Marcelo Badaró. Trabalhadores {...}. Ob. cit.. p. 60
as comissões regionais), ou de cúpula (como O
CGT), que representavam a tentativa de criar canais de mobilização para além dos limües da es trutura s indica l montada pelo Estado nas décadas de 30 e 40." (21)
Neste contex to, as greves adquiriram uma importân cia fundam ental enqu a nto pa pel conturbado r da ordem soci al. Constantes no governo )ango, assumiam um caráte r cada vez mais polít ico e menos "economicis ta".(22) Fomentadas em sua maioria pelas o rganizações "paralelas", as greves serviram de instrumentos políticos de agitação por parte dos "na cional-rcformistasU e comunistas em vários momentos críticos da institucional idade bras ileira, como na troca de ministéri os e na polêmica criada em função da data do plebiscito. Em julho de 1962, o movimento s indical combati vo, tendo à frente o CCT, construiu uma sign ificativa pa ralisação dos trabalhadores contra a posse d o prime iro-mini s tro Auro de Moura Andrade, político conservador do Partido Social Democrático (PSD) e então pres idente do Senado. (23)
A mobili zação organizada pelo CCT foi um dos componen tes da crise política que fez com que Auro Andrade apresentasse, em menos de 48 horas, sua renúncia ao presidente Goulart. Em setembro do mesmo ano, uma greve geral foi convocada pelo CCT com fito de press ionar o Congresso para que o pleb isci to que decidiria sobre a continuidade do regime pmlamentar fosse rea li zado em outubro de 1962, como queri a Coulart. Inicialmelite, o plebiscito estava marcado para 1965, todavi~ )ango almejava realizá-lo ainda em 1962, o que foi v isto pelos conservadores como uma tentativa de go lpe.
O general Jair Dantas Ribeiro, comandan te do 1\1 Exército, sediado em Porto Alegre, telegrafou ao ministro da Cu erra, general Nelson de Melo, av isando-o que não poderi a conte r o povo do Ri o Grande do Sul caso o plebiscito não fosse rea li zado até outubro de 1962. Após uma séria ameaça à ordem ins titucional do país devido às pressões vi ndas da esquerda e da direita, o
22 - WEFFORT. F. C. Os sindicatos na política: Brasil: 1954-1964. in Ensaios de Opinião, 1978, pp . 18-27, p. 26. 23 - Ver MAnOS, M. Badaró. Trabalhadoms I .. ,], Ob. cit., p. 59.
38 - A "Legalidade"do Golpe
plebiscito realizou-se em 6 de janeiro de 1963, restabelecendo o regime presidencialista. (24)
A interferência rotineira na vida política do país por parte dos grevistas contribuiu para o aumento do temor, bastante difundido nos meios militares, de que ]ango, tal como fizera Perón na Argentina, poderia estar construindo uma "República Sindicalista" na qual os sindicatos comporiam o alicerce central do governo em detrimento das Forças Armadas. Este temor, destacado por Skidmore(25) e Campos Coelho,(26) entre tantos outros autores, encontrava-se presente nas Forças Armadas desde o segundo governo Vargas, no qual ]ango fora ministro do Trabalho, e crescera consideravelmente durante o governo Gou lart.
A experiência revolucionária cubana de 1959 constituiu-se em mais um elemento para o aumento do receio por parte dos militares, entre eles os "legal istas", de serem desalojados de seu papel na sociedade. Esse medo por parte de alguns setores das Forças Armadas de serem substituídas por milícias operárias, tal como ocorrera em Cuba, já se en contrava expresso no "Manifesto à nação" dos ministros militares em agosto de 1961: "Na Presidência da República, em regime que atri bl.li ampla autoridade e poder pessoal ao Chefe de Governo, o Sr. João GouJart constituir-se-á, sem dúvida alguma, no mais evidente incentivo a todos aqueles que desejam ver o País mergu lhado na anarquia, na luta civil. As próprias Forças Armadas, infiltradas e domesticadas, transformar-se-iam, como tem acontecido noutros países, em simples milícias comunistas". (27)
Parecendo aterrorizados com o papel desempenhado pelas orgarLizações sindicais "paralelas", suas greves e sua íntima ligação com o Poder Executivo, tradicionais "lega listas" começaram a passar para o campo dos críticos aos governos populis tas, entretanto, carregando nos braços, como não poderia deixar de ser, a Carta Constitucional de 1946.
o epicentro desse conflito entre "legalistas" e sindicalistas deu-se em São Paulo nos anos em que o general "legalista" Peri Constant Bevilaqua ocupou o Comando do II Exército (1962-1963), quando ocorreram violentos <:lto-,
ques entre as tro pas federa is paulistas e as organizações sindicais. Defensor ardoroso da posse de ]ango na crise sucessória de 1961, Perl Bevilaqua assumiu o 11 Exército, em setembro de 1962, mal visto pelos setores conservadores pauli stas. Todavi a, invocando a "ilegalidade'" das organizações inters indicais que escapavam ao controle do Ministério do Trabalho, aproximou-se imediatamente da burguesia industrial paulista, do governador Ademar de Barros e dos setores anticomun istas d o estado.
O general "legalista" fez declarações e baixou notas de instrução aos seus subordinados condenando o CGT, o PUA, o FSD e demais entidades sindica is, dlamadas por ele de "ajuntamentos, il ega is e espúrios, serpentários de peçonhentos inimigos da Democracia, traidores da consciência democrática". (28)
Com a repressão militar contínua do 11 Exército sobre as mov imentações operárias, com destaque para as greves, Bevilaqua caiu nas graças das classes dominantes e dos setores gol pistas das Forças Armadas. Por conta de sua Nota de Instrução n" 7, que teve por fito atacar o levante dos sargentos em Brasil ia, ocasionado por acórdão do Supremo Tribunal Federal que confirmava a inelegibilidade dos mesmos, apoiado pelo CCT, Bev ilaqua recebeu uma quantidade infindável de congratulações por intermédio de cartas, telegramas e visitas ao II Exército. Industriai s, como José Ermirio de Moraes (FI ESP), pol íti cos, como A rmando Falcão, e militares, como Eur ico Gaspar Dutra,
. Álvaro Fiúza de Castro, Antõnio Carlos da Silva Murici, João Batista Figueiredo e Augusto Magessi, seu antigo adversário nas eleições para o Clube Militar, foram alguns dos que se solidarizaram com Bevilaqua.
24 - Ver SKIDMOAE, Thamas. De Getúlio Vargas f. . .j. Ob.cit. pp. 271 -272 . 25 - SKIDMORE. lhamas. De Getúlio Vargas [...] Ob.cit. p. 257. 26 - COelHO, Edmundo Campos. Em busca de identidade: o exército e a politica na sociedade brasileira. Rio de Jane iro: Fo re nse Universitária. 1976. pp. 138-140. 27 - Ver VICTOR, Mário. Cinco anos { ... }. Ob. cit., p. 348. 28 - Nota de Instrução n07. baixada por Bevilaqua em 15 de setembro de 1963. Arquivo Peri Constant Bevilaqua, depos itado no Museu Casa de Benjamin Constant (1PHANI, localizado no Aio de Janeiro.
lI i.l'l/írill & LIIllI de C/unes · 39 I
Considerando-o um "traidor", o movimento sindical exigiu de Goulart seu afastamento do Comando do 11 Exército, o que acabou por conseguir em dezembro de J 963, dando uma clara demonstração do peso pol ítico que possu ía no cenári o político nacional. A inflexão política do general Bevilaqua nos reve la muito sobre o desenvolvimento da prótica "legalista" ao longo dos momentos críti cos do regime democrático instaurado em 1946.
Sua "virada" política é sintomáti ca da "v irada" do legali smo nos anos do governo Goulart. De combatente da legalidade em 196J, lado a lad o com o movimento sindical, passou, em pouco tempo, a inimigo intransigente dos traba lhadores organizados, cerrando fi leiras com notórios gol pistas traves tidos de "legalistas".
O agrupamento destes últimos com figuras como Bevi laq ua é demonstrativo de que o anseio de liberdade política e organizativa dos trabalhadores brasileiros foi capaz de provocar alterações s ignifica tivas no jogo político nacional, fazendo com que os inimigos de ontem se tornassem os am igos de hoje.
Parte significa tiva dos "legal istas" não mais se chocava com os antivarguistas, liberais burgueses, setores conservadores e go lpistas em ge ral, mas s im, com as organ izações sindi cais "paralelas" c o governo "nacional-reformista" que lhes dava suporte. Es te arco de alianças em
que se viram envolvidos os "legalistas", tal como as conseqüências concretas acarretadas por este nos destinos do regime populista brasile iro, forneceram ao lega lis mo um sentid o político "reacionário" nos anos Goulart.
Acerca di sto, René Dreifuss afirmou: "Os políticos não chegaram a rejeitar as regras do pacto populista que proporcionava o terreno no qual eles existiam, mas condenavam o governo por ter inutilizado a ação política de rotinização econcil iação dos partidos ao permitir queas dasses trabaUladoras fossem mobilizadas além dos seus métodos trad icionais de controle.
A radicali zação da cri se, isto é, sua transformação em uma crise de domínio, provocou significativas mudanças no un iverso ideológ ico das Forças Armadas em direção a uma atitude intervencionis ta respondendo a di spos ições constitucionais e, conseqüentemente, dent ro do que era considerado um marco ' legal'.
O abandono de pos ições leais ao gove rn o e ao próprio pres idente por parte dos oficiais militares, bem como a genera li zação da atitude intervencionista dentro dos altos e médios escalões, dependiam de vá ri os fatOl·es [ ... Iuma grande parcela dos militares sent ia que o gove rno deixara de se comportar adequadamente em termos constitucionais, justificando sua própria intervenção como sendo "dentro dos limites da lei". I")
... Aos inimigos a lei
No caso da participação política dos "legalistas" dUril nte o gove rn o João Goulart,
não se tratou mais sonlcntc de figu ras claramente identificadas com o capita l estrangeiro e propostas políticas conservadoras fazend o uso da bandeira da "defesa da legalidade" para alcança r fins políticos e econômi cos previamente determinados, e s im, de renomados "lega li s tas" que, aterro ri zados pelo avanço político e organiza tivo dos trabalhadores, passa ram a chocar-se com um governo populista de cunho "nacional-rcformi stj)" que, de ccrti] forma, perm itia este avanço.
A defesa dos códigos jurídicos significava,
para os adeptos do legali smo, um fim em si mesmo, fornecendo as suas práticas políticas -referenciadas única c exclusivamente em lUllél
defesa intransigente das normas constitucionais - um aspecto tautológico. No caso de Bevilaqua, fora ass im, em J961, na "Campanha da Lega li dade", e ass inl fora de novo nos anos em que ocupara o Comando do 11 Exército.
A tentativa dos ministros militares de evi tar a posse de Jango em 1961 era, para Bevilaqua, por exemplo, tão absu rda e incons titucional quanto a ex istência de entidades como o CGT e as greves provocadas por elas.
Sem parecer importar-se com quem ganha-
29 - DREIFUSS, René. 1964: A conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes, 1981 . p. 142.
40· A "LegaJiJade"do Golpe
ria ou perderia com essa defesa inconteste da ordem legal vigente, parcela significati va da oficialidade "legalista" confrontou-se com um importante sustentáculo do governo Cou lart, o movimento sindical e suas organizações "paralelas", atacando-o com os porretes da lei.
Este embate teria como resultado a "deserção" do campo governista de um importante contingente de militares "legalistas", que em um primeiro momento, por questões legais, eram favoráveis a j ango.
O tão falado "dispositivo militar" de jango, esperança de muitos reformistas da esquerda, mostrara-se sem nenhuma consistência. Enfraquecido militar e politicamente, Coulart parecia contar somente com o "Poder Sindical", poder este que se mostraria mais fraco do que os próprios militares "legalistas" imaginavam.
Diferentemente de 1954, 1955 e 1961, a atuação dos "legalistas", ou pelo men os de parte substancia l destes, não mais corroborou a manutenção de um governo de "colaboração de classes", populista. Seus aliados durante o governo jango não foram os mesmos de en tão, isto é, nacionalistas e até mesmo comunistas - refiro-me ao PCB, partido que nos momentos críticos da legalidade de 1954 a 1961 cerrou fileiras com nacional is tas e "legalistas", com o objetivo de que a ordem constitucional fosse preservada. Liberais, militares anti-varguis tas e demais porta-vozes do imperialismo, grupos esses que finalmente em 1964 sairianl vitoriosos, constavam agora na lis ta dos "companheiros de viagem" dos "legalis tas".
A participação política dos militares "legalis tas" nos anos 1962-1964 encerrou um caráter indubitavelmente reacionário: proporcionou o enfraquecimento de um governo democrático e nacionalista e sua substituição por outro de cunho econômico liberal, favoráve l ao capital estrangeiro e politicamente ditatorial.
Com efeito, por mais que as práti cas políticas dos adeptos do legali smo aparentem, em um primeiro momento, ser frutos da consciência "li vre" de sujeitos que decidem sobre suas ações independentemente das condições estruturais e conjunturais da sociedade, sabemos que as verdadeiras motivações destas práticas políticas - e de quaisquer outras - podem ser en-
contradas nas cond ições objetivas da sociedade, ou seja, no patamar em que se encontra, em determinado momento, a luta entre as classese frações de classe pelo poder do Estado.
O processo de "inflexão" sofrido pelo "campo legalista", isto é, a sua passagem a uma posição reacionária durante o governo João Coulart, explica-se, objetivamente, pela correlação de força entre as classes sociais no Brasil a partir dos anos sessenta, principa lmente no que tange ao fortalecimento da classe trabaUladora e sua transformação em ator político de maior peso, aspecto que impulsionou um enorme temor subjetivo nas classes dominantes brasileiras.
A autonomia organizativa d a classe trabalhadora, expressa pela construção das entidades "paralelas", como o CCT, constituiu-se em fator substancial para a composição do novo quadro político no país. Associa-se a isso, o fato de que a classe trabalhadora organizada passava a servir de importante instmmento político para os interesses "reform istas" do populismo de Coulart, populismo que, enquanto modelo econômico, político e social, lutava ingloria-mente contra interesses de parcela significativa da burgues ia brasileira. A estrutura política republicana bras ileira não poderia suportar a classe trabalhadora livre dos grilhões d a estrutura corporativista sindical criada por Vargas.
A "defesa da Consti tuição" foi utilizada pelos "legalistas" - t50 confi áveis aos olhos da esquerda reformista - contra um governo legalmente consti tuído, demonstrando assim que o controle da classe trabalhadora era condição necessária para o respeito às le is. •
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ano I , n° 2, pp.3- 12 (segunda parte). janeiro de 1979 WEFFORT. Fr~lI1 c i sco C "Oell1ocraci;\ c movi mento openírio: algu mas qucs tões IKlfa a hi s tóri a do período 194511964" in Rel!ista de Cullllm (' Política. ano I. n" I . pr. 11· 18 (terceira p:lrt e). agos to de 1979 WEFFORT, Fr:ltlcisco "Os sindi c:lLOS n:1
política" ( 13 r:15iI:l954 - 1(64) in EI/.mios de Opillliío. 1978. pp. I R·27
UisllÍr ia & Lula de Classes - 43 1
Buscaremos neste artigo") apontar elementos sobre as re la-, ções entre a grande imprensa brasilei ra e a ditadura mi litar.
Esse fo i um momento de co nso lidação de uma tendência no
jorna lismo: a dos padrões norte-america nos que se vi ncula à
progressiva dependência do capital exte rno.
Fo i estabelec ido um " padrão de qua lidade", fazendo com que
o próprio trabalho jorna lístico se tornasse subm isso aos
interesses dos veículos de comun icação .
Imprensa e Ditadura Militar padrões de qualidade e construção de memória
Carla Luciana Silva
Carla Luci;lIw Si lvo\ é Professora do Curso de H istória da
Universidade Estadual do Oeste do Paran;í, Campus de M,ll'c(;/lill Candido Rondoll . É doutora em Hi stória pela
Universidade Fl uminense. carlal ss ilva @uol .com.br.
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fato de que os principa is veícu los da imprensa brasileros foram censurad os na ditadu ra não implica e m que eles não tenham de diferentes formas apoiado e legi timad o o regi me. Além disso, rcescrc--creveram sua versão sobre sua própria atuação
no proccsso, querendo se mos trar como críti cos da d itadura. No caso de Veja, a rcv ista tcm investido ainda em construir uma nlemória sobrc o go lpc que procura ame-nizá-Io, banalizálo c justificá-lo.
Um modelo de imprensa
U m marco histó ri co na imp rensa brasile ira é o pcríodo dos anos 1950, que possui dois
aspectos fundamenta is: a entrada de empresas Illu ltinacionais c do ciJ pita l es trangeiro, e as conseqüentes influências d os padrões norteamericanos de jo rna l ismo.
Naquela década, "o modelo norte-americano se implantou no jornalismo nacional, provocando n50 só a modernização das empresas e dos tex tos, mas também a profissionalização
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dos jo rna li s tas e a cons titui ção de tod o um ideá rio sobre o que e ra o jornalismo e qual era a sua função social"P)
Com as reformas oco rridas nesse pe ríodo, demarca-se "a passagem do jornalismo po líti co-li terári o pa ra o jornalismo in fo rmati vo",!') o que se dá sob os parâmetros norte-a meri canos. A questão maior que estava em jogo e ra que "J
imprensa deixa de ser defin ida como um espaço do comentári o, d" o pinião e da experimentação esti I ística e começa a ser pensada como
I . d d " (5) um ugar neu tro, 111 epen ente. Talvez melh or seria d izermos q ue o pad rão
da suposta neu tra lidade passa a ser v isto como moderno, e to rna-se modelo para a im prensa em gera l buscando-se cons titui r como g rande empresa e empregadora de jormJ!is tas profissionais mas isso acaba abri ndo campo para sua a tuação pa rti dá ri a. Ao mesmo tempo, essas mudanças tornam as empresas jorn alísti cas progress ivamente dependen tes do capita l ex terno.
Não se pode di zer que anterio rmente os jornais não possuíam víncul os com o capita l. Mas, o que os caracterizava era o vínculo à socieda
de po lítica, sem preju ízo de sua ação de classe. O u seja, eram jo rnais ligados expl icitamente a partidos ou grupos políticos. A partir daqu i, o d iscurso d e que seria "info rmat·ivo" pe rmitiria ocultar sua ação partidária concreta_
As influências das concepções empresar ia is na imprensa brasileira passam a ser muito fortes e incentivadas não apenas pelos jornais bras il eiros, mas também po r ó rgãos da imprensa norte-americana, que pagavam cursos para que jorna li s tas bras il eiros fossem em suas sedes conhecer sua fo rma de prod uzir jo rnal is mo, inclus ive o ferecend o bo lsas de es tud os para jorna listas brasileiros(6)
Essas influências permitiam oculta r a organ icidade da imprensa. Se o modelo anterior "de opinião" seri a relegado ao passado, o jornal esta ria livre para se co locar como "uma empre-
sa" . Isso implico u em criar a aparência de obje-tiv idade e neu tra lidade, partindo da desvinculação d ire ta com a sociedade p o lítica, mas ficando l ivre pa ra agir partidariamente no sentido de classe, embora os jorna is busquem sempre ocultar essa sua face_
A desvincu lação fo rmal de um partido políti co atende exa tamente a esse inte resse, pois o jornal não de ixa de ser portado r de "opiniões", mas pode ass im di zer-se "independente".
O caráter empresar ial e ideológico do mode-lo norte-americano é ev idenciad o por Nelson Werneck Sod ré, que conclui po r uma crise da imprensa, naquele período: "Na medida em que os monopólios norte-americanos se instalam e se expandem no Brasil, têm a necessidade, também, de estabe lecer, aqui, o contro le da opinião: esse controle deriva da penetração daqueles monopólios. O imperi a lismo, depois de dominar o mercado de coisas materiais, p rocura domina r o mercado da opinião e, ass im, depois que se ins tala, ins tala a sua imprensa_ E come-ça essa imprensa a di fundir que ' a solução dos nossos problemas está nos Es tad os Unidos",. (1)
Não po r acaso, os exemplos dessa expansão citados po r Sod ré são as revis tas de histórias em quad rinho da ed itora Abril e a rev is ta Reali
dade, que são a po rta de entrada desse modelo de fragmentação ed itoria l e de dominio ideológ ico. J. S. Fa ro vê também vá rios as pectos positivos no lançamento des ta revis ta, bem como de todo esse processo em curso de profissionali zação. Para ele, a " nova organização empresa ri a l', que pe rmi te "a imprensa es tar moder!lamente vincul "da à d inâmica cultural", e a qu alifi cação técn ica e fo rmação unive rs itária do profi ss iona l de im prensa, seriam fato res positivos daq uele momento" )
Mas, no seu traba lho, f'1f' mos tra que mesmo Realidade, que passa a se Is ta como um mode-lo de jorna lismo investig. 'o ·- ' ra a imprensa brilsileira, não fo i imune ao C' chamaríamos
• - Este artigo é uma adaptação do primeiro capítulo da Tese de Doutorado so bre a revista Veja de fendida junto ao Progran _ de Pós Graduação em História - UfF ~Vcja: o inde spensável partido neolibetal (1989-2002).
3 - RIBEIRO, Ana Paula Goulart . /mprcnsa e história no Rio de Janeiro nos anos .1 ('. Tese de Doutorado, UFRJ, Escofa de Comunicação, 2000. p. 8. 4 - Id.ib., p. 25. ; 5 - Id.ib., p. 26.
6 - SILVA, Carlos Uns. O adiantado da hora: a influência americana so bre o jornalismo brasileiro. São Paulo: Summus, 1991. pp . 79 e 86 . 7 - SODRÉ. Nelson. História da imprensa no Brilsil. 4 ed. Aio de Janeiro : Mauad, 199 9. p. 438. Grifas do original. S - FARO, J. S. Revista Realidade. 19 66 -1968: tempo da reportagem na imp rensa brasile ira. Porto Alegre: Age / Ulb ra, 1999. p. 75.
f
His lária & Lula de C'aHe .ç . 45
de cons trução da hegemonia capitalista, que naquele momento era profundamente marcada pe lo anti comuni smo. Esse posic ionamento pode ser localizado no que o autor chama de "padrões de modernidade ocidental que o pósguerra havia instituído" .(9)
O processo de transformação em grandes empresas acaba prevalecendo sobre as eventuais posições progressistas dos jorna listas, o que não ocorre sem conflitos nem acaba definitivamente com eles, mas estabelece limites bem definidos. Na medida em que a empresa cresce, as máqllinas e o próprio papel para impressão são importados, e cada vez mais caros, pois s50 mais so fisticados, aumenta cada vez mais a dependência de fatores exte rnos como investimentos, emprés timos, incentivos fisca is, que muitas vezes acabam levando a comprometimentos políticos de todo tipo.(IO)
Aq ui entram também as agências publicitárias, que te rão papel fundamental para mante r esse padrão jornalísti co. Some-se a isso as agências internacionais de notícia, que fazenl sua parte no sentido da unifi cação ideo lógica das diversas publicações, gerando urna verdadeira es trutura transnacional : "Só recentemente começou a emergir com clareza a dimensão comunicação/publicidade/cultura como parte do ins trumental transnaciona l.
É cada vez mais ev idente que o s istema transnaciona l de comunicação se desenvolveu com O apoio e a serviço dessa es trutura transnacional de poder. É parte integrante do s istema, e por meio do qu al é contro lado o instrumento
fundamenta l que é a informação na sociedade con temporânea".(II) O pano de fundo é a entrada de empresas multinacionais, também na área da comunicação, no Bras il.
A partir do final dos anos 1950, acelerou-se a expansão dos grupos Time Life, Reader's Digest, Washington Post (proprietário da Ncwsweck), em toda a Europa e também na Améri ca Latina.
Essa expansão se deu ou pelo lançamento de revistas ou pela associação com ed itoras locais. Como resu ltado, temos a entrada no Brasil de revistas como Marie-Clairc, Elle, Cosmopolitan, HOll se & Gnrdcn, Forbcs, BlIsiness Weck, Plnyboy e rev istas infantis de Walt Disney, sendo que viÍ rias fo ram editadas no Brasil pelo Grupo Ab ril. (" )
Segundo Mattelart, citando os editores norte-americanos, havi a uma aliança internacional, cujo objetivo se ri a "unir os homens que tomam as decisões no mundo empresa rial e os d irigentes políticos de todas as nações".(1 3)
Po rtanto, nada hav ia de casual ou de puro "entretenimento". Dois elemenl-os vêm junto com essa expansão: o padrão tecnológico que leva à dependência técnica externa; a dependência de financiamentos e de palTocínios das empresas multinacionais. E· também;] relação com os órgãos estatai s é dada por inte resses mútuos, pois os jornais e rev ist;]s se co loc;]m como neu tros, possibi litando sua atuação p;],tidiÍria na defesa dos inte resses de ambos. E se considerarmos o atreldmento do Estado também ;]OS
interesses externos, indica remos uma simbiose entre imprensa, Estado brasi leiro e inl·e resses trnnsnacionais.
Multinacionais, cultura e ideologia
O acirramento da Guerra Fria nos anos 1960 ocorreu junto com a abertura das empre
sas jorna lís ticas e de mid ia para o capital norteameri cano. Isso é demonstrado no trabalho de Ana Figueiredo sobre a pub li cidade das multi-
• nacionais no Brasil naquele pe ríodo, que arti-
9 - Id.íb. p. 209.
culnvam valores C0 l11 0 trabalho, ord em, família, propriedade, para vender gcladcirus, Ci1rros, telev isores, etc. Ao mesmo tempo em que anunciavam o produto, agiam no sentido d ;) produção de consenso acerc;) de certas idéias arl"icu la-d ' . - d ·d d d (") as a cnaçao as necessl a es c consumo.
10 - Ver, por exemplo: WAIN ER, Samuel. Minha razão da viver. 6 ed. Rio de Janeiro: Record, 1987. 11 _ SOMAVIA, Juan. A estrutura transacional de poder e a informação internacional. In: MAnA, Fernando Reyes fOrg). A informação na flova orrIem inI(!fflacional. Aio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. p. 35. 12 _ MATIELART, Armand. Multinacionais e sistemas de comunicação: os aparelhos ideológicos do imperialismo. São Paulo: Ciências Humanas, 1976. p. 200-9. 13 - Idem, p. 204. 14 - FIG UEI REDO. Ana. Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada. São Paulo: Huc itec, 1998.
46 - Imprl!llJll e lJittUlllra MiliJar
As propagandas faziam, num primeiro momento, com que a população se identifi casse com as multinac ionais e qui sessem que e las fossem implementadas, para o bem do "desenvolvimento nacional" . As empresas fariam, de acordo com a propaganda, com que " o progresso chegasse ao fim do mundo".
Em seguid a, agiram no mundo do trabalho, promovendo a divisão entre tmba lho x laze r, abrangendo um cí rCLLio da produção capital ista: "O indivíduo, ansioso por al cançar a sa tisfação que não encontrava em seu trabalho, esforçava-se pam ascender dentro da fábri ca ou empresa em que traba lhava a fim de obter melhor renlunernção e, com ela, tanto o acesso aos
bens de consumo de massa que encerrariam os signos de s ua ascensão, quanto as cond ições para o desfrute de seu lazer. Desse modo, ele se tornava unl traba lhador ideal c, ao .n esmo tem
po, um consumidor padrão - tudo o que o s istema capita li sta precisava para garantir indefinida e ininterruptamente sua reprodução,, (IS)
Finalmente, essa publicidade, e a imprensa de forma gera l, agiam no sentid o de não deixar dúv idas dos ri scos que a população "ordeira e pacífica" correria diante do "peri go comunista", e que aba laria a possibilidade inali enável de p oder consumir, que seri a o marco da " li berdade" capita li sta e "p ro ibida" no mundo comu nista. Segundo Anamaria Fadu l, "as agências de notícias cri adas especia lmente para trabalhar na con tra-ofensiva ideo lógica foram outro importan te elemento da Guerra Fria. 1 ... 1 Os países altamente industri alizados controlavam não somente a produção de mercador ias e sua dis tribui ção, como também a produ ção e distribuição de notícias"''''
Mas, a encampação e di vulgação desses ideai s mais amplos ab rangem todos os grandes grupos de mídia. Com justificações semelhan-
15 - Id.ib. p. 86.
tes - padrão de qu alidade, desenvo lvimento témico, objetividade -, crescem e se desenvolvem outros órgãos com fll1lções semelhantes: a Rede Globo e o Grupo Folha. Dentro dos pIanos de Médici, esses avanços temológicos trazidos no período da ditadura con tribuíam para a " idéia de que a vocação brasileira é tornar-se potência" 'I7) Tais idéias provinham de estados maio res. É re levante que lembremos da criação nos Es tados Unidos de uma forte lI1lião empresa ria l que a té hoje age como estado maior, o COll ncil Df Forcign Rc/ntions, e o COllncil for Latia Amcrican, que possuía entre seus planos, respectivamente, a criação de um projeto para os anos 1980, e a organização da atuação na Améri ca Latina. Desses grupos partici pavam o própri o g rupo Times In c.(l8)
Tinha como seus divulgadores no Brasil a Fundação Getúlio Vargas}'?) e como representantes brasileiros em algumas de suas reuniões Mario Henrique Simonsen(20). Roberto Campos("),
que seriam recu perados pela rev is ta Veja nos anos J 990 como seus conselheiros e colll1listas, e também João Paulo dos Re is Vell oso}") ideali zador e coordenador do Fó rum Nacional no final dos anos 1980.(23)
É o estado maior em ação concreta: "Ao lon
go de quase 20 anos de atuação em diversos países da Améri ca Latina, o COll1lcil utilizou um verdadeiro arsenal de recursos, inclus ive os da mídia oral, escrita e visual, definidas de acordo com O público a ser ating ido e o tipo de propaganda - gera l o u seletiva - na telev isão, nos jornais diários, nas revistas semanajs, nos pro
gramas de rádio, panfl etos, liv ros, revis tas especia lizadas, outdoors, etc. Dependendo do tipo de a lvo, a mensagem podia ser preparada nas estufas ideológicas do Council e p lantada nos meios de di vulgação, ou até encomendada às empresas especiali zadas, às elÜes congêneres
16 - FADUL, Anamaria . A inte rnacionalização da mídia brasileira. Comllnicação & Sociedade. Identidades comunicacionais. N. 30, 1998. p. 76 . 17- WAINBERG, Ja cques. Casa Grande c senzala com antena parabólica: telecomunicação e o Brasi l. Porto Alegre, EdiPUCRSSIFamecos, 2001 . p. 51. 18 - DREIFUSS, René . A Intcmacional Capitalista: estratégias e táticas do empresariado transnacional. 1918-1986. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1986. p. 111. 19 - Id.ib. p. 117. 10 - Id. ib. p. 165. 11 - Id.ib. p. 167. 22 - Id.ib., apêndice HQH.
23 - Dados em DREIFUSS, A Internacional Capitalista. Ob.cit. O Fórum 1em agido como intelectual coletivo das publicações da Editora Abril, conforme demonstra a investigação de minha tese de doutorado.
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f-1i. .. ttÍrit, & 1, /lIf1 til' C l a .\'Se .\' - 47
ou às associações empresa riai s vinculadas ao C LA"_(") Até o fina l dos anos 1980, a articulação se dava em torno da idéia de Guerra Fria. E nesse sentido, também Mattelart aponta dados que nos perm item estabe lecer ligações entre grupos norte-americanos e a realização de pesquisas e publicação de publicidade de "combate ao comunjsmoN
,
Um exemplo é um questionário de pesquisa "pli cado a "formadores de opinião", pelo grupo Gallup, no Chile às vésperas das elcições de 1970: 'l .. ] em sua opinião, porque o presidente João Gou lart foi demi tido (s ic] de suas fun ções? a) porque fora longe demais com suas medidas de nacionalização das riquezas naturais do país; b) po rq ue n ão res peitou os pr incípios cons ti tucionais e trad icionais da nação; c) porque identificou-se com os part idos políticos de esquerda, particu larmente com o partido comunistaO yS)
Esse material se relaciona com um conjunto de o utros provindos da publicidade, que scgun-
do o autor, passa a ser um apêndice ideológico do Estado, inclusive através d" espionagem, que é sofisticado "quando o inim igo deixa de ser exclusivamente o concor rente industrial, para tornar-se mais político. Como sempre, esse inimigo é identificado com a etiqueta de 'terrorismo' e 'extremismo'. Uma vez diagnosti cado, trata-se de neutralizá-lo COtn os meios mais adcquados". (2Ü)
Ou seja, demonstra-se que a publ icidade e o mater ial editorial não estavanl desvi nculados da li nha estratégica Inais Zlmplü norte-ameri cana,
naquele momento, o controle da Guerra Fria nos países latino-americanos. Têm implicaçõcs no mercado de comunicação brasil eiro e do padrão de qu"lidade, que passa ria " ser mais uma fo rma de estabelec imentü de consenso pel a gr"nde imprensa. E que, com isso, consol ida sua posição empresa rial. Já nos anos 1990, o consenso passaria a ser busc"do em torno de outras questões, ll1iJis "modernas", c esses grupos ütuür50
juntos nesse sentido. A "globalização" pilssa a ser a grande arti cu ladora desses ideil is.
Os padrões de qualidade e a "nova ordem" , E também no contexto de Ditadura e de abcr
tura ao capital externo que se dá a inlp lantilção da Rede Globo de Te lev isão, com a entradil direta de capita l estrangeiro e ges tão pelo grupo norte-american o Time- Lifc. A ilega lidilde desse fato gerou a Comissão Parlamentar de Inquérito, que acabo u inocentando a Rede Globo, depois de vários vícios no processo.
Em q ue pesem as inLuneras i rregu laridades, a em presa foi abso lvida po r decreto do pres iden te Costa e Silva, em 23/11/]968, com o arquivamento do processo. Isso ocorreu porquc os interesses estavam bem delineados: "A superficialidade com que os minis tros da área econômica trataram os problenlâs levantados n50 era, por certo casua l. O governo implantado em '1964 tratava de contornar as res istências que surgianl, inclus ive na área mi li tar, !nas manobrava Rara garantir a implantação da TV Globo, que se ria um inst rumento fundamenta l na
24 - Id.ib., p. 173 . 25 - MATIELART. Multinacionais e sistemas de com/Jnicação Oh. cit, p. 225. 26 - Id., Ib., p. 266.
política de intcrnaciona lizaç50 d<l econom ia através da criação de um mercado nacional de
produtos industri ai s sofisti cados. Robe rto Ca mpos e ra figura noto riamcn te
idcnt ifi cada com os intcrcsses do ca pital estrangeiro e também Octav io Gouvêa de Bu lhões, gue mais ta rde chegar ia a se r pres idente da poderosa l11ultinLlciollLl I Eri cson, d Ll indúslTi Ll
quc, juntamente com Standart Elctric e a Ni ppon Electric Company, contr o laram o mcrcado brasileiro de telccomun icLlções, criLld o com I11 Llciços investimentos do Governo após '1964".(")
Essa conjun t'ura foi dec is iva para gue a Abril pudesse abr ir-se pa ra os investimcntos neccss;:í rios pa ra uma rev ista do po rte dc Vcjn . Va le retomar Daniel Herz, que sc util iza como base O livro negro dn invnsão vrnncn, de João Calmon quc: "Falava também da chegada de Victo r Civita que cs ta va ins ta lando no Bras il ague la que hoje é a maior empresa ed ito ria l el a Amé ri -
27 - HERZ. Daniel. A história secreta da REDE GLOBO. 14 ed. Pono Alegre: Ort iz. 1991. p. 169.
48 -IlIIprcl/Sa e Dit(ldllra Militar
ca Latina, a Edito ra Abri l: 'O Grupo da Editora Abri l edi ta esta rev is ta 'Rea lidade', que é a décim a nona que lança no Brasil. O dono deste grupo chama-se Victor Civita _ Este homem nasceu na Itá lia, natura lizou-se norte-allleri cano. 1 ___ 1 Quando procurei apura r o que ele fazia nos Es tados Un idos, antes de vi r para o Bras il , soube que ele era empregado do grupo Time-Life_ Chegou ao Brasil sem dispor de recursos finan -
o • - • A t"" (28) ce,ros e o seu Hmao part,u para a rgen ma -Além djsso, ele aponta para o crescimento da Ed itora, em consonância com O que ocorria no México e na Argenti·na, onde a ligação com os grupo Time era apontada: "Dentro de pouco tempo o grupo da Edi tora Abril lançou dezenove revistas no Bras i I, dezenove rev istas na Argentina e dezenove rev istas no México. Outro detalhe interessante: a Editora Abril na Argentina ed ita UI11a revista chanlada 'Panoranla' .
Em baixo do títu lo da rev is ta lê-se: ' um a rev ista do Edi tori al Abril e de Til1l c-Lifc'.
Na Itália, ex is te U111 él ou tra rev ista, com o mesmo tí tu lo, 'Panorama' embai xo do títu lo lêse: ' uma edição de Tim e-Life e Monda tori '. O ra, é m ui ta co incidência. E é o grupo Civita na Argent ina e o grupo da Edito ra Abri l que opera em três países. Creio que nenhum grupo brasi-
leiro terá capacidade finan ceira para manter dezenove rev istas, no Méxjco, na Argentina e no Brasil". I'" Herz caracteriza o grupo Time como sendo "da linha mais reacionária e mais retrógrada do Partido Republicano, exclusivamente interessado em manter, em pillses como
b . . 11 (30)
o nosso, ases antJcomUnlstas -A justi ficação ideológica muda ao longo dos
anos, pois desde os anos 1980 se inicia uma tendência de usar na ideologia da "globalização" as novas definições dos rumos que aparecem como inexoráveis. Além de negar alternativas, justifica positivamente os avanços do capital na sua reação à crise de acumulação vinda desde os anos 1970. O sentido a ser preservado é o da acumulação. Ademais, é através dessas ligações que a Rede Globo recebe altos investimentos tecnológicos, garantindo um elevado padrão de qualidade técnica, que é vista muitas vezes como avalista de uma suposta credibilidade, e tem como conseqüência o aumento das dividas das empresas da rrúdia brasileira, e seu progressivo atrelamento aos mecanismos de finan ciamento ex ternos e in ternos, estatais ou não. Em conseqüência, as relações políticas se dão também levando em conta essas necessidades, sendo este um dos elementos principais da ação partidária da imprensa.
Folha de São Paulo : padrão de qualidade e ação política
Além d a Rede Globo, teve v ida longa de destaq ue, com LUTI projeto editorial e uma or
ganização eln presari al "nl odern os", o jorna l Folha de São PaI/ lo. Gisela Taschner es tudou o conglomerado do qu al faz parte o jorna l, mostrando que nos anos 1960 a empresa tomou uma série de medidas no senti do da centralização de capi tal, ao mesmo tempo em que se ampliaram os inves timentos no seu setor produtivo.
Daí nasceu a junção entre Folha da M anhã,
Últill1a Hora e Notícias Pop l/lares: "O novo complexo fo i abordado a parti r do binômio centraI ização-diversi ficação.
18 - Id.ib. p. 91.; 29 - l oe.cit. ; 30 - Id.ib. p. 93.
A centralização englobou, em di versos graus, todas as operações que fosse possível centralizar: produção e reprodução da me""';agem, distribuição, vendas, publicidade, administração, serviços de apoio. A diversificação fo i feita com
I - d t ,, (31) re açao aos pro li os. O grupo não se restringe ao setor jo rnalístico,
seus proprietá rios têm investimentos em diversos tipos de atividade, "só a títu.lo de exemplo, Frias é um dos maiores g ranjeiros, se não O
maior, do país" .(J2) Mario Sergio Conti também cita investimentos do grupo na área rodoviári a. I'" Ou seja, são mu ito diversi ficados os in vestimen-
31 - TASCHNER, Gisela. Folhas ao vento: análise de um conglomerado jornalístico no Brasi l. Aio de Janeiro: Paz e Terra, 1992 . p. 156 . 32 - Loe. cit. 33 - CONTI , Mario Sergio. Notícias do Planalto. A imprensa e Fernando Collor. São Paulo: Companhia das l etras, 1999. p. 185.
lI jqti ria & LI/ Ia de ClaHf\' - 49
tos e interesses do grupo que publica o maior jorna l impresso nacional. E isso deve se r levado em conta para entender seu posicionamento político. O caso da Folha de São Palllo é bas tante ilus trativo da relação oportunis ta com a Ditadura, pois o jornal foi censurado, posteri ormente apoiando o movimento das Diretas Já Com isso cons truiu uma aura em torno de s i que até hoje lhe p ermite ser vis to como um jornal progress ista. E é nesse mesmo contexto que o jornal cria e desenvolve o "projeto Folha", que estabelece o padrão de qualidade como premissa, em de trimento da au tonomia jorna lísti ca.
O mais relevante é que oculta, relega ao esqueci mento o apoio que deu ao go lpe e às med idas repressivas já sob julgo militar. A Folha se adaptou aos rumos dn abertura, no 1l10mcnto cnl que a democracia se colocava como necessária ao seu projeto de "modernização". O jornal buscou se construir como O "jornal das diretas". Mas com isso, oculta que não apenas Llpoioll a Ditadura, mas também ex igia ed itor ia lmente que o governo de Jango fosse der rubado. Sua postura fo i anti comunista, antipopu lista, elitis ta e, por conseqüência, pró-capitalista .(")
Vár ios editoriai s buscavam associar po puli smo a comunismo, e se buscavam coloca r O le itor em uma postura de superioridade diante das "massas" que apo iavam o governo. Além di sso, o jornal teve muitos lucros com O golpe, chegando no ano de 1965 a aumentar seu patrimônio vin te vezes com relação ao ano de 1964, o que se deveu b aquis ição dos demais jornais que perd iam razão de ser com O fim do governo Coulart''')
Foram comprados os jo rnais Folha da Manhil, Últi/lla Hora e Notíc ias Poplllares. Es te ú lt imo "após o go lpe perdeu sua razão de se r, posto que havia s ido criado pa ra se opor à Úll irlla Hora". O crescimento trou xe também o end ividamento, o que levou o g rupo a uma posição fragilizada com relação ao governo. Além di sso, o utro ins trumento essencia l naquele período recebeu especia l atenção da publi cid ade es-
tatal e de Illultinacionais. Os editori ais passavanl a versar sobre temas
amenos, que n~o comprometessenl sua posição po lítica. E, na versão criada pela direção do jornal, a mudança enl prol da abertura ocorreria por "ex igência do público", como se antes não tivesse indicado a necessidade de apontar a d ireção intelectua l de seus le itores.
Fo i no contexto de abertura que o jornal implemento u o Projeto Folha, que traz uma nova forma de enquad ramento jornalístico bras ileiro. Os avan ços tecnológicos permitem que a comunicação se dê de lima forma muito nlais rápida, o quc não impl ica necessarinmcnte em 1l1elhori a de qualidade e fided ign idade. A tecnologia é uSJda como Ullla form Ll de reforça r a idéia de credibilidade. Em algu ns casos, torna di spensável LI própria funç50 do jornalista, a Li , como di z Ramonct, " rebaixando-os ao n ível de rerocadores de transmissões de agência" .{:\(')
Um dos e fe itos disso é a auto-censura por parte dos jornalistas, que se tornam cada vez
mais alinhados à linha editori al, ameaçados de perderem seus empregos se ass im não O fi zerem. José Arbex Junio r que foi jorna li sta da FoIIIa de São Pall lo, se refere ao Projeto Folha dessa fo rm a: "1 ... 1 sua implan tação introd uziu no Bras il , em ritmo acele rado, .wna lóg ica empresa ri al que a moderna imprensa cLlp ita l ista constru iu ao longo de vá rias décadas nos Estados Unidos e na Europa", adotando um "discurso para o J11ercado", adequa nd o-se à "cxp an s50 do neo liberali smo". O projeto, segund o A rbex:
"1. ". 1 caracterizava a notícia como lllerc.Jdo ri n, destinada a gerar lucros. Essa pe rspectiva ex ig ia, obviamen te, o fim da ' polit·izaç50' da redação, urna das característi cas mais fortes, do jornali smo até então prati cado no Bras il. 1 ... 1 A adoção do Projeto Fo lh a impunha, po rtan to, um 'saneamento ideo lógico' da redação""') Po rtanto, nesse novo período, outras c rt:l lll LlS inovcJções para que o jorna l atuasse po liticamente.
A justifi ca ti va de ser "prog ress ista", a lém do
34 - Esse material é discutido em: DIAS. Luiz Antonio. O poder da imprensa e a imprensa do poder: a Folha ele São Paulo e o golpe de 1964. Dissertação de Mestrado em Histó ria, UNESP. Assis. 1993 . 35 - Id. ib. p. 95. 36 - RAMONET, Ignácio. A tirania da Com/lnicação. Petrópolis: Vozes. 1999. p. 51. 37 _ ARBEX JA . José . Showffla/ismo: a noticia co mo espetáculo. São Paulo: Casa Amarela, 2001. p. 142-3 e COSTA, Caio Tt'l lio. O relógio de Pascal: a experiência do primeiro ombudsman na imprensa brasileira . São Paulo: Siciliano, 1991 .
50· Imprel/.m e Ditlldura Militar
fa to de ser a ltamente desenvolvido tecnologica- I 11lente, seri am as grandes Tn arcas que penllltt-
ri am desviar das implicações políticas desse novo programa para o jornalismo brasileiro.
Veja na abertura
A revista Veja passou por um processo bastante semelhan te, embora o grande ele
mento que a permitiu se colocar propagandisticamente como um veículo críti co tenha sido o impcachment de Fernando Collor. Veja fez o que es teve ao seu alcance para incentivar uma saída conci li atória, e apenas depois di sso se mostrar imposs ível é que comprou a briga pelo il1lpeachl1lcnt, buscando dar a linha para que o processo se desse com o mínimo de fi ssuras sociais poss íveis. O fato de ter sido censurada na Ditadura contribuiu de forma decisiva para que ela não tenha fal ido nos seus pr imeiros anos, ela "benefic iou-se da censura, porque sem censura seri a mais di fícil d iferenciar-se das outras publi cações existentes no país", fo i com isso que se "firm ou a imagem de independência" (3M'
No governo de Figueiredo, a abertura políti ca se apresentava como inevi tável, devido às pressões socia is. Veja teve urna postura nl uHo coerente, apostando, ainda que timidamente, na possibilidade de eleição de Aure li ano Chaves, que m anteri a a coerência de seu antigo partido, a UDN(39'
Em edito ri al, no contexto da decisão de quem seri a o candidato, di zia que "enqu anto Maluf e Andreazza exibem bases di feren tes e programas semelhantes, Aurelian o parece buscar uma tri lha capaz de fazer renascer as velhas raízes de seu partido de ori gem, a UDN, Glvél lgando uma mistura de realidade com defesa das liberdades públicas. Por isso, dispõe de uma biografia. Foi um admin istrado r de contas respeitado pela oposição e o primeiro político do PDS a defender a anis ti a, em 1977". Como aponta Gazzotti, que cita o editorial, "a revista mante-
ve sua posição centrista, proclamando mudan· ças sem se chocar com o governo", mesmo que fosse uma posição derrotada.
O elo de ligação teórica entre o programa de abertura econômica e o regime militar parece es· tar vinculado à figu ra da "iminência parda" de Golbery do Couto e Silva, que viria a ter ligaçãe; estreitas com Elio Gaspari, editor da revista. E relevante que, na eleição de Tancredo, mesmo no contexto de abertura, a revista abriu espaço para Médici C40, e a Golbery, com a intenção de recuperar "momentos positivos" da ditadura(4J,
Freitas cita um editorial de 1974 em que se dizia que "quando a his tória oferecer seu juízo sereno à administração Médici, muitos haverão de ser os acertos e os erros [ ... ] ta lvez ele venha a ser o governante que, mantendo a política na geladeira, impediu que ela fosse a tirada ao quintal [ ... ]".c", As entrev istas fo ram publicadas "às vésperas de o Colégio eleitoral escolher para a presidência entre Paulo Salim Maluf (PDS) e Tancredo Neves". Médi ci falara "com exclusi· vidade para Veja, concedendo uma entrevista formal ao repórter que freqüentava sua casa e conhecia seu pensamento ao longo dos anos sem publicar uma só palavra para o conheci· mento do leitor" .c",
Quanto a Golbery, a entrevista já es tava pron· ta para ser publ icada quando a revis ta quises· se, também por influência do editor Élio Gaspari que "freqüentava o ex-minis tro poderoso, mas que até então não havia escrito nenhuma linha de matéria com informações atribuídas ao exchefe da casa civil de dois governos militares e mentor intelectual da revolução de 1964".c" ,
Mesmo ass i.m, a revista apoiou a Canlpanha
38 - FREITAS, Jorg e Rob erto Mart ins. A entrevista nas pâginas amarelas da revista Veja: a imagem do milagre econômico sob o ponto de vista do prime iro IIcwmagazine brasileiro. Mestrado em Comunic ação, UFRJ, 1989, p. 151 e 152. 39 - GAUOTTI, Jutiana. Imprensa e ditadura: a revis ta Veja e os governos militares (1968 ·1985) . Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais. São Carlos, UFSC, 1998 , p. 39, 40. 40 - Citado por FREITAS, p. 117. 41 - E, segundo Freitas, Mdcmolls trou euforia com os msultados anunciados pelo então presidente~ . (p. 11 5). FREITAS. A entrevista /. ./. Ob.ciL 42 - Carta ao l eitor, 9/1/1974, p. 24. 43 - ld.ib. p. ' 12.; 44 - Id.ib. p. 115.
lli.çl /ír in & I.ula d e C ta Bu - 51
pelas Diretas, em clara oposição à Rede Globo de Televisão. Para Veja se tratou do "maior movimento po pular da Histó ria do Brasil", ind icando que para ela, o importante neste momento era o p rocesso "democrático" para possibil itar aprofundar as reformas liberais. Mas é altamente relevante a complementação: "1 ... 1 jll stamcntc por tcr amadurccido nes tes vin te anos, o país sc acha pronto para escolher seu presidcntc. ,,(<5)
É evidente que, dessa forma, o próprio golpe de 1964 fica jus tificado, pois se tratava de um país "imaturo". Em inúmeros momentos se trata do Golpe com amenidade a pa rtir das referências de desprezo ao governo de Jango. A ci tação em des taque é de uma entrev is ta de Ne lson
Rodrigues: "Tomaram o poder e esse poder lhes foi imposto pela inépcia, pela burrice, pela imbecilidade das esquerdas. As esquerdas fizeram tudo isso e co locaram as Forças Armadas na obrigação elementa r de intervir sWl1ariamente porque o Brasil de Jango foi o Bras il do caos, de caos mais idiota, mas estéri l, mais infecundo, que não cond uziria a nada a não se r ao próprio caos".<46) Esta é a "express iva passagem que encerra a primeira amarelinha",(47)
A edição aponta para um sentimen to que seri a repetido ao longo dos anos sobre a "inépcia" de um governo de esquerda e os "riscos pa ra o país", que são associados à figura de Jango como fraco e portado r do caos.
Veja reconstruindo a memória do golpe
O principal marco recente da reconstrução da memória sobre o golpe de 1964 é o con
junto da obra de Élio Gas parj/") que fo i ed itor de Veja. E a base de sua inte rpretação é utili zada pela revis ta, em idéias como: a fraq ueza de Jango; a possibilidade de um golpe comunista; a grandeza do país sob o regime. Pinço em segu id a alguns exemplos de como isso se dá nas páginas de Veja, embora o tema mereça ainda maio res pesquisas. Idéias repetidas em matérias como: "O golpe na estrada: deflag rado n 11 1'1'1
rompante dc dois generais de segundo cscalão, o golpe dc 1964 sc consolido ll por inércia c sem cnfren tar resistência. ,, (49)
Q uando foram publ icadas obras que comprovavam o envolvimento da C1A com O golpe milita r no Brasil, Veja abriu espaço para o d ireto r da CIA e embaixador dos EUA no Bras il apresenta r sua versão. Reitera-se a tese sobre a ameaça de um golpe comunista, ao que Lincol n Gordon responde: "1 ... 1 para mim, a melhor solução era mesmo a subs ti tuição do pres idente Goula rt. Temia mu ito que ele fosse engolido pelos comunis tas, a quem d e dava as maiores
45 - Carta ao l eitor, 18/4/1984. APU D GAZZOTII, op. cil. p. 43 .
liberdades".(·" ) A seqüência é atribui r as atroci dades da d itad ura aos excessos de a lguns oficiais descontrolados: "1 ... 1 o Exército cometeu excessos vergonhosos no Recife e no Rio ele Jane iro. I ... 1 Uma vergonha. Mas, pa ra quem acllava que uma guerra civil era iminente, posso considerar como pacífico o go lpe que derrubo u Goulart,, -'51)
Po rtan to, primeiro ele cria o a rgumento de um go lpe iminente, depo is, utili za-o para di zer que as coisas não teri am sido t50 ru ins, embora aponte a lguns supos tos desvios. Está clara a posição que Vcja quer p riv ilegiar, não a das víti mas da Ditadura, mas dos pró prios a lgozes. A concl usão é explici ta: "Veja: Mesmo ass im o senho r aclla que a queda de Goula rt fo i um bem para o Bras il ? Gordon: Como amigo do Bl'asil, acho s inceramente que s im. Goula rt certamente daria o autogo lpe. Como era um sujeito fra co, a Histó ri a mostra que logo o poder se ri a surrupiado pelos seus ali ados comunis tas, por a lgum líder mais capaz do que ele, a lgum marxista, sehTUidor de Fidel Castro". (SO)
Ass im se encerra a entrev is t'a, fixando as
46 _ Nelson Ro drigues entrevistado por Fernando Mercadante. na primeira entrevista das páginas amarelas da revista, 4/6/1969. op . cit., p. 125. 47 - loe .cit. 48 - Ver resenhas no presente numero de História e luta de classes. 49 - Veja. 30/3/1994, p. 38 a 45. 50 _ Uncoln Go rdon. Entrevistado por Eurípedes Alcântara. O embaixador e o go lpe. Veja. 15/1 0/ 1997. p. 42 . 51- ld. p. 43. 52 - (d ..
52 - Imprellsa e Ditadura Mjlitar
1l1Csn13S idéias-chave: a fraqueza de Jango, a ameaça comunista. Em sintonia, há LIma idé ia muito batida, de que a Ditadura, quase sempre dlamada de regime, caiu por anacronismo, c que, portanto, haveria sempre uma ameaça velada de que voltasse, como se depreende da ci tação: "Era moda, no velho regime, falar da d istância entre o governo e a sociedade. O apare lho governamenta l v iv ia num mundo e a população do país vivia em outro, em conseqüência, basicamente, do g rande defeito de fabricação do regi me - o fato de não ser legítimo nem representativo. Pura verdade. Só que, devolvida a democracia ao Bras il se verifica que muitos ocupantes de ca rgos públicos da Nova República conseguem 1 ... 1 mante r-se tão distantes da sociedade quanto os seus antecessores da VeUla".I"1
Portanto, teriam sido os militares, por sua própria ação que "devolveram a democracia", o que pode ser vi sto como uma forma de co rrigir O "defe ito" da d itad ura, redu zida b falta de representati vidade. Naquele contexto aumentava o embate da revista contra O funciona lismo
público. Ela completava, su postamente em nome de "todo o pais": I ... ] ta lvez tenha chegado a hora de fazer alguma coisa. Chegou mesmo - como chegou, um dia, "o descrédi to qlle mandoll o velho regime para casa".l541 O clima de insegurança e a necessidade de planejar uma ação futura es tavam co locad os~ c a Ditad ura apa recia vcladamente como algo que poderia ai nda voltar. Nos dois momentos em que se refere à Ditadura, o seu fim aparece como algo alheio aos movimentos sociais que a abalaram: a democracia foi devo lvida" o descréd ito mandou-o para casa". Fi ca assegurad o, além disso, que ele não "desapa receu", es tá fiem casafl
, c pode voltar à cena se vo lta r a " te r créd ito" , Assi m, "embora a vo lta ao governo não fosse intenção da maio ria dos militares, a publicação periód ica de reportagens deixando entrever o contrário produzia grande im pacto e lançava suspeitas quanto aos rumos da
53 - Carta ao leitor. Veja. 1/3/1 989, p. 17. 54 -Id.
· _ I'·" (55) translçao po Itlca . Na seqüência, ao falar do que considerava
absu rda g reve de funcionários públicos, eles são associados à selvageria. I561 E completa que "esses absurdos, cometidos p o r um sindicalismo irresponsável, representam um abuso selvagem do legítimo d ireito de greve,,{57)
A ameaça vinha em seguid a: 'l .- ] a selvageria não leva à conquista de re ivindicações salariais e muito menos ajuda na consolidação da democracia. Em setores vitais, com o o do transporte e da saúde, ela apenas penaliza ainda mais os traba lhadores de renda mais baixa, além de ad icionar um perigoso elemento de tensão na vida bras il eira".I"'1
Há uma ameaça aos movimentos sociais: o regime " foi para casa", mas pod eria voltar a qualquer momento se não houvesse a "colaboração de todos". Veja está alertando e contribuindo para a manutenção do medo. Sua posição no período da abertura fo i de sempre ameaçar que os militares "podiam voltar", se a "sacie-dade civil" não se comportasse.
Para justifi car o golpe, se apresenta a imagem de João Goulart como um "incapaz", um "fraco". Essa pos ição pode ser percebida nesse tre-cho em que Veja reitera seu apoio a Fernando Henrique Ca rdoso, cujo governo é considerado um "elevado momento nacional": "Faça-se a crítica que se deseja r ao presidente da República, mas reconheça-se que ele imprime um rumo ao seu governo, coisa que parece banal mas não é. Jânio Q uadros, um alucinado na Pres idência, nunca teve rumo algum, a não ser p romover pirotecnia política. JoãoGoulart, um homem fraco, governou dividido no seu intimo e também dividiu o país. Nada há a dizer sobre os governos militares, que devem ser avaliados por outros critérios. Seu rumo era o da ditadurau(
59)
A ditad ura apmece como a lgo indiscutível, como se ne la não ex istissem re presentações de classe e interesses defend idos inclusive pela
55 - AGUIAR, lei la Bianchi. ~Não se trata de uma ameaça, mas .. H, Um estudo das declarações dos ministros militares durante o governo Sarney. Te x-Ias CPDDC, n. 34, 1999, P. 3. 56 - As greves que só prejudicam. Ca rta ao leitor. Veja. 12/4/1989, p. 27 . 57 - loc.cit. 58 - l oc.cit. 59 - Um ano depois. Veja. 17/1 / 1996, p. 31.
lIi .\"ttÍria & Lllta de çla ue~ - 53
imprensa. Neste momento acnda se rea firmava qu e quanto a C ard oso, "desde jusce lin o Kubitschek, nenhum pres idente deu mais esperança ao Brasil". (60) O conjunto d o tex to é tra nsparente: apenas Cardoso teria s ido bom para o Brasil, " reconheça-se". Todos os outros são desqualificados. jango, a exemplo do que diria também sobre Lula nas campanhas pres idenciais, é v i sto como a lguém que " dividiu o país", o u seja, não se ria alguém que es tava numa s ituação em que o país estava de fato div idido. Com isso também se pe rmite atribuir à sua " fraqueza", o próprio Golpe.
Ao ana lisar a candidatura de Lula, de novo a associação: "1 ... ] não dá para comparar nem com Getúlio Vargas nacionalis ta de 1950, nem com O João Goulart aventureiro levado ao Planal to depo is da renúncia de jan go em ]96] ".(61)
Repare-se a fo rma com que jango, que fo i e leito vice-presidente é tratado: um "aventureiro levado ao Planalto". Essa afirmação serve claramente para legi timar o go lpe mi lita r de 1964.
A frase permite descartar o fato de que os d o is casos remetem a presidentes e le itos em processos democrá ticos - regra supostamente defendida pela imprensa liberal. E a remissão aos do is presidentes que foram vítimas de go lpes não era ocasional, ficava um alerta para o
caso de Lula se mostrar um "aventureiro". Insiste-se mais uma vez na v isão sobre jango: fraco e incapaz, portanto, está implíci to que ele não teri a mesmo condições de governar o país.
Por outro lado, os homens da Ditadura, e mais especialmente, o general Geisel recebe adjet ivos opostos: "[. .. 1 o ditador esclarecido: num li vro excepcional, Geisel conta como vi veu, amou, conspirou e exerceu o poder,, (61) Os elogios e o ponto de onde se fala, justi ficando a Ditadura, são claros: "1 ... 1 é um li vro extraordinário, feito por um homem cônscio de ser diferente da maiori a, que tem a co ragem de atacar as eleições diretas e justificar a tortura em alguns casos". ".1)
A idéia a incutir era que se jango era cova rde, Geisel seri a o seu oposto, e justamente pela sua capacidade e "coragem" de justifi ca r a tortura, permitindo-nos inferir que para Veja, Geisel fez "o que tinha que ser feito": "1 ... 1 c/c era o general mais bem preparado para o cargo e o que tirlha lllais clareza do que queria"/'" e ainda ma is: "1 ... 1 o mais esclarecido dos ditadores: um general poderoso, autoritári o, bem fo rmado e complexo, co rajoso no seu reacionarismo, di vertido em a lgumas opiniõcs, e cuja obra presidencial foi desfeita pe lo tempo e pel a sociedade". Portanto, caberia a obras como es ta resenhada, e à própria revista, recuperar essa memóri a.
A censura ocultando a ação política
N ão ex is te qua lquer dúvida de que a imprensa brasil eira fo i du ramente censura
da d urante o período militar. Várias foram as fo rmas de exercício da censura, desde a presença de censores na redação, a censura prévia, a ap reensão de jorna is e revistas nas bancas, ou mesmo o empaste lamento de bancas inteiras. Mas a censura ex istiu n1uito mais por atuação dos profissionais jornalistas(65) do que pela linha ed ito ri a l dos grandes veículos de comunicação.
O que há de efet ivo é a pos tura de jornalistas que se colocaram contrá rios ao Golpe, e não a pos tura s is temáti ca de seus jo rnais. Estes não
60 - Loc.cit..; 61 - Id.ib. p. 44.; 62 - o ditador esclarecido. Veja. 22/10/ 1997, p. 42 . 63 - Loc.cit.
tinham intenção de contestação ao regime militar, sua forma ção, suas implicações e sobretu do, seu sentido econôm ico. Mas, pos teriormente os grandes jorna is usaram o fato de seus jorna listas terem s ido pe rseguidos como forma de atestar sua suposta independência, ocu ltando as formas de apo io ao go lpe e à Ditadura.
Portanto, a ccnsurn não pode serv ir pil ra oculta r a o utra face do processo q ue foi a transfo rmação de alguns jo rnais e rev istas em verdadeiros mitos, como se fossem até "de esquerda" por terem sido censurados. A censura atingiu a todos os jornais e revi stas, fossem identi -
64 - Id.ib. p. 44.; 65 _ JORGE, Fernando. Cale a boca, jornalista! 3 ed. Petrópolis: Vozes, 1990; MARCONI, Paolo . A censura política na imprensa brasileira. 1968-1978. 2 ed. São Paulo: Global, 1980. Também sobre o tema: KUSHNIR, Beatriz. Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. São Paulo : Boitempo, 2004.
2
S4. Imprensa e Dilatlura Militar
d d· . (66) fi cados com esquer a ou com a >relta.
No entanto, o que chama atenção é que somente os g randes, identificados com O projeto da Ditadura, sobrev iveram, c ai nda lucraram com O fato de terem s ido censurados. Já os pequenos, os alte rnativos, estes n ão conseguiram sobrev iver às investidas da censura, que os desestru tu rou economicamente.
te-ame ri cano, vem sendo usado com o justifi· ca ti va de uma suposta credibilidade da imo prensa. Mas a exis tência dos g randes jo rnais e rev istas só é poss íve l com o es tabe lecimen· to de relações entre empresas jorna lísticas e ó rgãos fin anciado res, sejam privados ou esta tai s, inte rnos ou externos.
As re lações en tre imprensa e Ditadura apenas in iriam a ser questionadas e estudadas de forma slo temática. É necessá ri o que sejam feitos trabalhos de fundo, que analisem as pos ições editoriais para além das manchetes e das capas, o que permitirá encontrar as efetivas pos ições desses veículos/empresas.
Essas relações desencadeiam uma atuação política partidária concreta da imprensa para a manutenção dos interesses conjuntos (de quem a financia) e de suas empresas.
A relação com a Ditadura tem que ser compreendi da para a lém da cens ura e prejuízos pontua is que os g randes veículos sofreram. É necessário que o pesquisador atente para a per· manente construção de memória sobre a histó' ria, pois esses órgãos a reescrevem, ocultando que apoiaram e sustentaram a Ditadura. Por se colocar como portadora do " rascunho da história", essa imprensa permite que sejam igno· rados fatos sobre seus posicionamentos concretos nos embates políticos. •
Há que ir além do texto ed ito ria l e, partindo dele, descobrir as relações de classe que sustentam a g rande imprensa brasi leira. Ela tem sido o ma is ativo e e fi ciente partido político atu ante na democracia existente no Bras il.
O padrão de qua li dade, legado da pro fi ss iona li zação, da tecnologia, do padrão no r-
66 - AQUINO. Maria Aparecida. CensurIl, imprensa, Estado Autoritário (1968-1978 ): o exercíc io cotidiano da dominação e da resistência. O Estado de São Paulo e Movimento. Bauru: EdUSC, 1999 ..
AQ UINO, Maria Aparecida. Cellsura, imprens{/, Estado A IItoritfÍri o ( 1968-1978): o exercício cotidiano da dominaçiio c da resistênci a. O J:;,I"f(It!O de Süo Pall lo e Movimentu. Bauru. EDUSC, 1999. ARIlEX JR . José. Slwl\lrIlalismu: a notícia como cspct.Íl: ulo. Suo Paulo. Casa Amarela,200 t. CONTI. Mario Sergio. Notícia.\" do P/a fI {f(tO. A imprcnsa e Fernando Collor. Suo Pau lo. Companhia das Lctras. 1999. DIAS, Lu iz Antonio. O poder da imfJrell
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o objetivo deste artigo é discutir a participação do movi
mento integralista no processo de mobilização política e de
articulação civil e militar que desencadeou o golpe de Esta
do de 1964_ De início, ressalta-se a perspectiva de compre
ender o golpe de 1964 não como mera conspiração militar,
mas como produto de uma vasta mobilização e articulação
que envolveu os principais segmentos da classe dominante
brasileira e suas mais destacadas organizações no âmbito
da sociedade civil e da sociedade política, com apoio direto
dos Estados Unidos_
Hislória & Lula de Classes - 55 1
Os Integralistas e o Golpe de 64' Gilberto Calil
Gilberto Calil é Proressor Adjunloda Univers idade Estadual do Oeste do P;uaná c Doulor em Históri a pela Universidade Federal Fluminense.
ertamente não é possível aqui discutir O sentido hi stórico mais geral do golpe, sua relaç30 com a crise de acuIllulaç50 ca pital ista no Bras il e com o desenvo lvimento da luta de cl asses. Ainda ass im, é impo rt ante des tacar o
acirramento da luta de classes durante o período do governo Coula rt, com ev identes desdobramentos nas diferentes organizações da sociedade civil.
Desta forma, se por um lado as mobil izações operárias adq uiriam crescente autonomia, os trabalhadores furais avançavZl nl em sua organização enfren tando os ditames do latifúndio e aS mobi li zações es tud an ti s po liti zava m-se crescentemente, por outro, também a burguesia, em suas d iferentes frações, se movimentava, agia poli ticamente c constituía instru mentos de in tervenção - como O IPES Il ns tituto de Pesquisas Econõmicas e Superiores] e o IBAD Ilnstituto Brasi leiro de Ação Democrática J-, contando com financiamento norte-americanoPl
É neste contex to que se inseriu a intervenção gol pista do movimento in tegralista, constituído na década de 1930 através da Ação lntegral ista Brasileira (1932-1937) e atuando desde 1945 através do Partido de Representação Popu lar.
56. o~· IlIlegrali~'las e (J Golpe de 64
o integralismo no processo político brasileiro
O mov imento in tegra li s ta foi lançado em 1932 por Plínio Salgado com a publica
ção do "Man ifes to de O utubro". Constituiu-se como um movimento fascista de mélssas, registrando-se como partido político em 1934 e chegando a contar com mais de quinhentos milmilitantes. Cons tituía-se como o rganização altamente centralizada, lnantendo treinatncnto mjlitar, uniforme própri o e uma vasta ritualísti ca.
Seus militantes juravam fideli dade absoluta e incondicional él Plíni o Salgado, "Chefe Naciona l" dos integra li stas. Defendia uma reo rganização corporativi sta do Estado, de acordo com os moldes fascistas, utili zando-se de um di scurso radi ca lmente anticomunista, antilibcml c ultranac iona lista, com fo rte conteúd o es piri tualista.
O movimento integrél li sta teve importante pa rtici pação no processo que desencadeou o go lpe que ins taurou o Es tado Novo em novembro de 1937. Ainda ass im, a Ação Integralistél Bras il eira teve seu registro cél ncelado jun to aos demai s partid os políticos, pélrél decepção da direção integrél lis tél. Após uma frustradél tentativa de acordo, os integrali stéls paSSélram él conspirar contra Vargas, culminando na chamada " Intentona In tegrali sta" de maio de 1938, quan do tentaram tomar o Pal ácio do Catete.
Após a de rro ta do movimento, di versas liderél nças integralis tas foram presas e Salgado partiu para o exíli o, não sem antes lança r um manifesto aos integra lis tas ped indo-lhes que se élbsti vessem de élgitações e hipotecassem apo io ao gove rn o Vargas. Salgado pe rmaneceu em Lisboa entre ] 939 e 1946.
Co m a redemoc rati zélç50, o mov imento integrali sta rea rti culou-se e organizou-se como pélrtido po lítico, através da fundação do Partido de Representélção Popular, em setembro de '1945. Em consonância com O novo contex to político, Salgado passou él nega r o caráter fascista do movimento, apresentando-o como "democráti co". O PRP abandonou a característi ca abertamente insurrecio nal da AIB e os aspectos
s imbólicos que mais claramente denunciavam seu caráter fascista - uniforme, saudação, juramento de fid elidade ao "Chefe Nacional", etc.
Manteve-se, ainda assin1, como movimento fortemente anti comunista, propugnador de um conceito abe rtamente e liti sta de democraci a, segundo o qual o regime democrático deveria fundamentar-se nas "verdades reveladas" do cri stianismo, as quais não poderiam ser submetid as ao sufrágio universa l, qualificado como "arbítrio das massas inconscientes".
A adaptação ao novo contexto político modifi cou o papel desempenhado pelo movimento . Enquanto nos anos trinta o integraJismo se constituía como propugnador da ins talação de um Estado fascista e concretamente contribuiu para o processo de centralização política, ainda que a opção de Vargas te n11a s ido po r uma cent rali zação que descartava a mobili zação poI ítica de massas através de um partido único, a parti r de 1945, impossibilitados de propugnar abertamente ta l perspectiva, os integra listas passaram a desempenhar claramente um papel de "cães de guarda" da ordem es tabelecida, seja através da defesa de restri ções ao exercício da democracia, seja através da propagand a e mobili zação anticomunista.
A ace itação forma l da "democracia representati va" não impedia os integralistas de defenderem posições abertamente repressivas - censura política e moral, intervenção em entidades sindicais e estudantis, res trições às liberd ades públicas, etc. Ao contrário, consistia em um recuo tático que se tornara necessário em vista do novo contexto político, mas não implicava em uma efetiva él lteração do ideá ri o integ ralis ta, a inda que dete rminasse alterações nos métodos e ins trumentos de sua intervenção.
Em termos gerai s, durante todo o período da chamada Quarta República (1945-1964), os integralistas desempenharam um papel de "cães de gua rda" da o rdem estabelecida, através da intervenção do Partido de Representação Popular e também de ou tras organizações voltadas à
1 - Este artigo foi produzido a partir de material integrante da tese de doutoramento NO integralismo no processo político brasileiro (1945-1965) ", defendida junto ao Programa de Pós Graduação da Universidade Federal Fluminense, sob orientação da Prota. Ora. Virginia Fontes . 3 - Ver a respeito DREIFU SS, René Armand. 1964: A conquista do Estado. Ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes , 1981.
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lI i.\' t ó r ja & Luta d e çla .\'.\·e~ - 57
juventude, às mulheres e aos trabalhadores, e ainda de jo rnais de circulação nacional, regiona l e municipal e de wna editora. O as pecto mais destacad o dessa interven ção e ra o anti comunismo. O combate ao comunismo pelos integralistas d ava-se de diversas fo rmas: di sseminação de pro paganda anticomunis ta através de panfle tos, folhe tos, programas radiofônicos; discursos pa rlamentares e comícios públicos; produção e publicação de obras anticomun.istas; campanha s is temáti ca de denúncia de supostas atividades comunistas e manute n.ção de um vasto serv iço de espionagem da ação dos comunistas, socialis tas e militantes s indica is, estudan tis e sociais.
Sua base social era cons tituída fundamentalmente po r segmentos da pequena burgues ia urbana e rural (entendida de acordo com as proposições apresentadas por Poulantzas, englobando tanto a " pequena burgues ia tradicional" -pequenos comerciantes, pequenos proprietários rurais, artesãos -, quanto a u nova pequena burguesia" - traba lhadores assa la ri ados improdu tivos, d o setor públ ico ou privado).(')
Dentre os e le ito res do Partido de Representação Popula r destacavam-se os pequenos proprietários ru ra is, particula rmente das regiões de colonização germânica e italiana no Ri o Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Espírito Santo, comerci antes, trabaUladores do comércio e serv iços e p rofi ss ionais li berais. Seu núcleo dirigente nacional e e ra predominantemente constitu ído p o r p ro fi ss ionais libera is (advogados, méd icos, engenheiros), a inda que também contasse com integrantes de outras frações da pequena burg uesia.
A participação de setores operá ri os e ra pouco express iva e a de trabalhado res rurai s assala ri ados, pra ti cam ente inex istente. Também a pa rt ic ipação direta de integrantes da burguesia nos ó rgãos dirigentes integralistas era pouco exp ress iva, embora não tota lmente irre levante. A composição majoritariamente pequeno-burguesa d as diversas instâncias da direção
partidária, da militância e do eleito rado integ ra lista, ainda que em proporções di ferenciadas, nos obriga a refl etir acerca das condições que envolvem sua atuação política, em especial sua tendência à heteronom.ia, ou seja, SUZl incapacidade de produzir e sustentar um projeto próprio e autônomo frente às classes fundamentais.
De acordo com Gramsci, a pequena bu rguesia "se caracteriza precisamente pela inCZlpiJcidade orgânica de criar para si uma lei, de fundar um Estado", muitas vezes levando a uma subse rviência frente à burgues ia: "A pequena burguesia, meSlllO nes ta sua última encarn iJção po lítica que é o 'fascismo', revelou definitivamente sua verd adeira natureza de serViJ do Cil
pita li smo e da p ro priedade agrá ri a, de agente da cont ra-revolução. Mas revelou também que é fundamenta lmente incapaz de desempenhar qualquer tarefa histó ri ca". (' I
A pequena bLUguesia define-se sempre, portanto, "enl liltilTIiJ instância, em fun ção do conflito principa l", po is "os g rupos médi os não constituem um dos agentes sociais da oposição entre as classes; assim, sua prática polítiCJ deve aceita r a defin ição, es tabe lecida pe las classes antagônicas, das linhas gerais do conflito principa]",(6) em virtude da "contradição ideológica pró pria da classe méd ia: enquanto expressão privilegiada da di visão capitalista do traba lho, tende a ser atraída pa ra o campo ideológico da burgues ia: enqu anto classe traba lhado ra, tende a se solida riza r com o pro leta ri ado".(7)
Ta l constatação não s igni fica que sua inte rvenção po lítica seja pouco relevante, mas apenas que es ta se dá sempre arti culada ou subordinada a lima das classes fundamenta is. Assim, a intervenção de um 1l1ov iment"o que arrcg imenta e mobi l iza seto res da pequena bu rgues ia pa ra um projeto antio perório e subordi nado à o rdem vigente é um fenômeno da maio r importância nZl luta de classes, em um contexto no qual, a despeito da situ ação de clandes tinidade do PCB, ocorri a uma aproximação entre
4 _ POUlANTZAS, Nico s. As classes sociais fi O capitalismo hoje. Rio de Janeiro: Zahar, 1975; POUlANTZAS, Nicos. As classes socia is. In: ZENTENO, Raul Benítez. As classes sociais na América Latiaa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 91 ·116. 5 _ GRAMSCI, Antonio. O povo dos macacos f2.1. 1921). In: Escritos políticos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. V. 2. p. 32-33. 6 _ SAES, Décio. Classe média e sistema político no 8rasil. São Paulo: T. A. Que iroz, 19 79. p. 18. 7 _ SAES, Décio. Classe média e política. In: FAUSTO, Bóris forg). História geral da civilização brasileira. Tomo 111 : O Brasil republicano. V. 3: Sociedade e Política 1930-1964. 5 ed. Rio de Janeiro: Bertand, 199 1. pp. 449-506, p. 452.
58 - Os IlI tegralistas e o Golpe de 64
setores da pequena burguesia e o proletariado em alguns setores, como era o caso do movimento estudantil e o si ndica lismo do setor terciário (bancários, comerciários, etc).
A subordinação dos in tegra listas aos gru pos dominantes também é evidenciada pelo es tabelecimento de vínculos orgânicos com grupos e entid ades de classe representativos de di ferentes frações da grande bu rgues ia.
O seman ário integralista de âmbito naciona l A Marcha, que circu lou entre 1953 e 1965, teve dentre seus princi pais anuncian tes regulares grandes insti tuições financeiras - Banco Mauá, Banco Hipotecário Gramacho -, companhias aéreas - Cruzeiro do Sul, Varig, Pan air - e lojas de depar tamento - Lojas Drago, Casa Va lentim . Ressalte-se o ca ráter abertamente partidário do jornal, o que permite que se compreenda a publicação desses anúncios como forma de apoio político. Ainda mais direto fo i o apoio de integrantes da bu rgues ia na constitu ição da editora integralista Livraria Clássica Bras ileira, destacando-se o banqueiro Gas tão Vidigal e o industrial Euva ldo Lodi dentre seus principais acionistas.
A Livra ri a Cláss ica Brasil eira publicou as principais obras de Salgado e dos demais autores integralistas e trad uziu e ed itou dezenas de obras an ti comunistas, reunidas na Coleção Estrela do Ocidente. Algumas destas obras eram compradas em grande quantidade pelo Serviço Social da Ind ústria pa ra distri buição entre seus associados. A existência des tes vínculos não significa que o PRP fosse a opção preferencia l de qua lquer fração da burguesia bras ile ira, mas apenas que cum pria um papel que atendia aos seus interesses, particularmente pela disseminação do anticomunismo.
Em termos mais estri tamente pa rl amentares e eleitorais, o PRP teve im portantes oscil ações
táti cas dman te o período de sua intervenção, ainda que mantendo os aspectos centrais de seu projeto. Durante os primeiros anos, es tabeleceu alia nça preferencia l com o PSD, apoiando a candidatm a e o governo do general Eurico Dutra. Em 1950, co ligou-se à UDN, apoiando a candid atura pres idencial do brigade iro Edu ardo Gomes, recebendo em troca o apo io u denista à candidatura de Salgado ao Senad o pelo Rio Grande do Sul.
Nas eleições estaduais, o apoio do eleitorado integralista, que oscilava entre cinco e oito por cento no Ri o Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo, Bahia e São Paulo, era muitas vezes decis ivo, e os integralis tas o negociavam em troca de secretarias de estado, recursos financeiros para campanha eleitoral ou apoio em eleições municipais. Entre 1952 e 1955, o PRP seguiu uma linha de "independência pa rtidária", lan çando candidaturas próprias, inclusive a cand idatura de Plínio Salgado à presidência da República em 1955, a qual obteve 714.379 votos (8,3%).
Em 1957, passou a apoiar explicitamente o governo de Kubitscheck, recebendo em troca a pres idência do In stituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC), que conservaria a té 1962.
Neste período, rea li zou diversas coligações com O PTB, com destaque para a coligação que elegeu Leonel Brizola governador do Rio Grande do Sul e o integralista Guido Mondin para o Senado, tendo integrado o governo Brizola entre 1959 e 1961, ocupando as secreta rias da Agricultura e das Obras Públicas e a presidência do Banco do Estado do Rio Grande do Sul .
Em 1960, apoiou a cand idatura pres idencial do Br igadeiro Lott (PSD-PTB). Ainda ass im, passou a apoiar o governo de Jân io Quadros, permanecendo na pres idência do INIC.
o PRP e o governo João Goulart
Durante a crise política aberta com a inesperada renúncia de Jânio Quadros, a 25 de
agosto de 196] , os in tegra listas man ifes taram publicamente suas posições e buscaram intervir na sua resolução. No mesmo dia da renún-
cia, Salgado d iscursou no Congresso Nacional defendendo o "apoio a todas as med idas propostas à Casa no sentido de preserva r a d ignidade do Poder Legislativo" .(8) Três dias depois, após o pronunciamento dos ministros mi lita-
8 - SALGADO, Plínio. Defesa do Congresso Naciona l, 25 .8. 1961. In: Discursos Parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados, 1982. p. 165.
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/lis t ó r;a « l.uta d, C/anu - 59
res vetando a posse de João Coulart, Salgado escreveu urna longa carta ao Ministro do Exército, marechal Odylio Denys, sus tentando que um golpe de estado deveria ser evitado, pois serviria aos propósitos do Partido Comunista:
"No atual momento bras ileiro, vejo o Partido Comunista organizado de forma a poder atuar no sentido de uma desordem generali zada, cujos efeitos não podemos prever em toda a sua plenitude. Senão vejamos: 1) Do ponto de vista politico: levam os comunistas a vantagem de desfraldar a bandeira da legalidade e de pugnar pelo cumprimento da Constituição. 1 ... 1 Isto pode criar um dima dos mais propícios à ação dos agentes de Moscou, dada a tendência do nosso povo para examinar as ques tões superficialmente e para submeter ao seu incorrigível superficialismo todas as questões que se Lhe oferecem ; 2) Sob o ângulo das dife renciações regionais: o caso da posse, ou não, do atuai Vice-Presidente da República, será certamente transformado numa reivindicação do Rio Crande do Sul, inflamando as paixões regiona listas 1 ... 1; 3) 1···1 Há cerca de cinco anos e com o recrudescimento desde a instalação d o comunismo em Cuba, estão funcionando no Brasi l escolas de guerrilhas, segundo a técnica e a sis tematização de Mao Tsé-tung r ... ); 4) Em re lação à situação social: não se pode negar o descontentamento popula r, pelo encarecimento do custo de vida, o que gera d isposição para o ingresso de grandes massas em qualquer movimento de desordem; 5) Apreciando o ato de renúncia: vê-se daramente, quer na alegação das causas ('vencido pe los g rupos reacionários'), quer no apelo ('operá rios e estudantes'), que o ex-Presidente, conhecedor da aparelhagem política acim a enumerada, sabe quais os efei tos de suas palavras". (9)
Alegando sua experiência de "velho lutador contra o comunismo", sugeria ao Marechal que permitisse a posse de Coulart para evitar uma "revolução comunista", impondo- lhe como condições O estabelecimento de uma política
externa anticomunista, a formação de um "minis tério de concentração nacional do qual participem todos os partidos políticos" e a ace itação das Forças Armadas como fiadoras de tais compromissosYO)
Salgado acrescentava que "em relação à pessoa do atual Vice-Presidente da República, dou meu testemunho pessoa l de que se trata de um homem equil ibrado, que muitas vezes manifestou sua índole e pensamento conservadores" . (11 )
Esta carta foi lida po r Salgado na Tribuna da Câmara dos DeputadosY2) A posição então assumida por Salgado visava garantir a manutenção da ordem institucional vigente, e com ela os espaços de intervenção conquistados pelos integralistas, além de ga rantir a participação do PRP em um eventual minis tério de conci li ação.
Naquele contexto, uma ruptura ins titucional rad ical não parecia necessá ri a nem se apresentava vantajosa aos integralistas, sendo preferível obter compromissos de Coula rt. Ass im, é compreens íve l o apoi o entus ias mad o dos integralistas ao golpe parlamentarista, limitando os poderes de Cou lart, mas preservando a ordem ins titucional vigente. Com a posse de Coulart, os integralis tas sa íam forta lecidos, sustentando que Salgado foi um dos autores da proposta de emenda parlamentarista, o que era confirmado em decla rações de parlamentares de outros partidos. Ao mesmo tempo, enquanto via a ascensão de João Coulart à presidência, não perdia oportunidades de lembrá- lo que os votos integralistas foram decisivos para sua eleição em 1960, bem como da carta enviada por Salgado ao Ministro do Exército, assegurando que Coulart seri a "democrata e anti comunista" .
Efetivada a posse de Cou lart, a 7.9.61, e constituído seu primeiro Cabine te, chefiad o po r Tancredo Neves, no dia segu inte, o PRP tratou, mais uma vez, de buscar a conquista de postos governamentais. Em entrevista ao Correio I3ras ili ense, Salgado voltou a refutar as vinculações de Coulart com o "comunismo": ''[. .. 1 acaso o vice-pres idente da Repúbli ca, hoje presidente,
9 _ Correspondência de Plínio Salgado a Odyio Denys. sJd. IArquivo Público e Histórico de Rio Claro - Correspondências Políticas: Pprp 62.00.00/94) . IO- ld.ib. II- Id.ib. 12 _ SALGADO. Plínio. Carta ao Marechal Odylio Oenys sobre a posse do Vice-Presidente da República João Goulart. 28 .8.1961. In: Discursos Parlamentares. ob.cit .• p. 168.
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• 60 - Os I ntegralistas e o Golpe de 64
é um agitador perigoso? Não. E dissemos não porque o sr. João Goulart é um homem de bom senso, tem a mentalidade patriarcal dos estancieiros do Sul e que muitas vezes revelou sua capacidade para contornar crises e tranqüilizar o Pa ís. Mas, nesse caso, podemos ainda perguntar: o s r. João Coulart adota a ideologia comunista? Também não, pois todos o conhecemos".cI3)
Ao mesmo tempo, c riticava a "a mbição desordenada dos chamados 'grandes partidos', deixando à margem e descontentes os chamados 'pequenos partidos"'.!")
A indicação de làncredo Neves era entusiasticamente aprovada: "A escolha do sr. Tancredo Neves para o cargo de Primeiro Minis tro do novo regime que se inicia foi uma das mais acertadas. Homem reservado, de atitudes comedidas e pronunciamentos serenos, dignos e oportunos, inspira a confiança de todos. Pelas suas qualidades de jurista e virtudes de caráter está predestinado a um desempenho condigno com o alto cargo para o qual foi indicado"Y')
Em 23 de setembro, o PRP formalizou seu apoio ao novo governo, reafirmando a proposta de formação de "uma concentração naciona l em que participassem todos os partidos".(16)
A diretriz afirmava que o pa rtido deveria "adotar a linha do bom senso neste período de transição [ ... 1, não pretendendo se pratique no momento um rigoroso parlamentarismo clássico, cerceando demasiadamente o Presidente da República"; denunciava os que pretenderiam "implantar no País uma s ituação de desordem"; reafirmava que uno atual instante a maior ameaça contra nossa Pátria é o comunismo"; e deterIninava que unão devemos nos manifestar isoladamente em relação ao Governo Central, aos Governos dos Estados ou aos partidos".CI7)
A pre tensão em ampliar sua pa rticipação no governo fo i frustrada, mas o partido conseguiu conservar a presidência do INIC, considerado estratégico pela sua importância política e pelos
inúmeros cargos de Bvre nomeação que possuía. Parcialmente contra riados em suas expectativas, os integraBstas diminuíram o entus iasmo de seu "apoio" ao governo, passando a ve icular algumas críticas. Em novembro, editorial do jornal integralista registrava: "o novo Governo vai entrar no seu segundo mês de exeró cio e o povo já começa a dar mostras de impaciência quanto à parcimônia exagerada de sua atividade"Y')
Um mês depo is, o integra li s ta Raimundo Barbosa Lima fo i nomeado presidente do lnstituto de Previdência dos Servidores Públicos (IPASE). Em resposta, os integraBs tas passaram a elogiar Cou lart e seu governo, embora ressalvando a política exte rna independente por ele adotada . No decorrer de 1962, no entanto, os integra li stas enfrentaram crescentes dificuldades, com a não liberação de ve rbas às autarquias que d irigiam e a divulgação de denúncias de corrupção contra os dirigentes do INIC.
Este descontentamento incentivou-os a acirrarem suas críticas à política externa. Ainda em 1961, um Conclave Nacional do PRP definiu que o partido deveria desencadear mais uma "vasta campanha anticomunista nacional", tendo como primeiro ponto "prossegu ir, com maio r intensidade, a campanha já deflagrada durante o governo do sr. Jânio Quadros, contra a po lítica exterior, continuada pelo atual Gabine te, cujas conseqüências se evidenciam no entusiasmo e no su rto interno do comunismo em todo o Brasil". CIO)
A campanha seri a desenvolvida a través de comícios confe rências, mani fes taçôes públicas, discursos parl amenta res e denúncias contra a "infiltração comunis ta" na adminis tração pública. A cam panha fo i inaugu rada com um discurso proferido por Salgado na Câma ra, tratando do "mais grave de todos os assuntos de que tomou conhecimento esta Câmara na presente legis latu ra": "o reatamento das relações di p lomáticas do Bras il com a Rússia Sovié tica".(20)
Salgado a rgumentou que "no plano ve rme-
13 - Entrevista concedida por Plínio Salgado ao Correio Brasilicnsc. sJd. Original Datilografado IAPHRC·FPS 091.003.004). 14 - A palavra de Plínio Salgado em Palestras com o Povo. A Marcha. Rio de Janeiro, 15.9.196 1, p. 2. 15 - O premier. A Marcha, Rio de Janeiro, 15.9.196 1, p. 1. 16 - Diretrizes da Presidência Nacional do PRP, 23.9. 196 1 (APHRC·Pprp 23 .09.61/3). Grifos meus. 17 - As Diretrizes foram public adas no jornal partidário; Diretrizes do PRP sobre o regime parlamentarista. A Marcha, Rio de Janeiro, 5.10.196 1, p. 3. 18 - O Governo existe? A Marcha, Rio de Janeiro, 2.11 .196 1, p. 1. 19 - PRP comanda ofensiva anticomunisla no país. A Marcha, Rio de Janeiro, 9. 11 .1961 , p. 1. 20 - SALGADO, Plínio. Reatamento de relações diplomáticas com a URSS, 29.11 .1961. In; Discursos parlamentares, ob. cit., p.411.
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H; \· ttÍr; a & I.ula (/e C l a.uc .\· - 61
lho para as Américas, o Brasil ocupa lugar de especia l destaque", concluindo que "o reatamento das re lações diplomáticas com a Rússia revelou a existência em nosso País de um pensamento digno dos acomodados, dos negligentes, dos o po rtunistas e dos fatali stas".!2I)
Na Câmara, o deputado integralista Oswaldo ZanelJo (PRP-ES) acirrava a crítica, pedindo abertamente às "classes armadas" que impusessem uma mudança na política externa: "Restanos nesta ho ra de luto nacional, ape lar para o patriotismo d e n ossas classes armadas, a fim de que resguardem nossas maís puras tradições de bras ilidade, procurando reprimir e da fo rma mais viril a infiltração comunista no Brasil e nas Amé ricas, ex ig indo do governo, como responsável pe la manutenção da o rdem interna e da segurança da Nação, que o Brasil se integre novam ente no s istema pan-ameri cano, rompendo su as re lações com O regime sanguiná ri o, tirânico e opresso r de Fide l Castro. O Brasil confia nas suas classes armadas e sabe que elas não lhe fa ltarão".(22)
Em novo di.scurso, Zanello afirmou que "o governo está mancomunado e orientado pe los comunis tas", " facili tando-lhes a ação subversiva, criando n o pa ís uma ambiência periculosa Is ic] de d omínio vermelho ou amarelo", e ex igia a demissão d os comunis tas do governo, dos cargos públicos, d as cátedras, das classes armadas, dos s indicatos, do Pa rlamento e do meio estudantil, a p roibição da venda de livros "subvers ivos" , e a pró pria qu ed a d o governo: "Derrubá-lo é a maior obra de patriotismo que a Câmara poderá fazer. Que os deputados providenciem isto antes que esse governinho que está a í tenha tempo de d es tru ir nossas ins titui ções democráti cas". (23) O de putado Abel Rafael (PRPMG) quali ficava o reatamento com a União Soviética como um "crime contra o Bras il " e afirmava que "os russos estão fazendo o que querem em nosso pa ís". (24) Esta tese era difund ida por A M archa, que denunciava a entrada em
21 - Id .ib., p. 423, 432 e 425.
massa de agentes soviéti cos no Bras il, apelando para "o pres idente da República e o Conselho de Ministros cham arem à razão este irresponsável chanceler San Tiago Dan tas". 12')
A críti ca à po lítica ex te rna do governo Goulart, que em termos gerais seguia e aprofundava a "política externa independente" inaugurada no governo Jânio Q uadros, teve uma função relevante para o PRP no período em que ele parti cipava do governo, po is e ra utilizada como uma compensação oferecid a aos seus militantes que di scord avam do apo io àquele governo e, ao mesmo tempo, visava impedir que a UDN monopoli zasse a críti ca de dire ita contra o comunismo e sua suposta "i nf iltração" no governo. No entanto, a pa rti cipação do partido no governo, à frente do INIC e do IPASE, to rnou tal discurso cada vez mais contrad itóri o e insustentável, gerando um impasse crescente, só resolvido com O rompimento definitivo, às vésperas das eleições estaduais de ·1962.
A partir de junho de 1962, quando o Gabinete chefiado por Tan credo Neves entrou em crise, o PR P passou a criti car abertamente o governo como um todo, não se restringindo mais à políti ca externa, embora ainda tenha conservado os cargos que detinha no governo por mais três meses. No in ício daq uele mês, Abel Rafae l defendeu a queda do Gabinete: "Eu quero derrubar O Gabinete. A casa não quer. Cada qual tem um emprego a ped ir, uma verba a li berar, uma estrada a abrir. Enquanto houver institu tos, houver empregos, etc., não se derruba nin guém".!" ) Com a demissão do Gab inete chefiado po r Tancredo Neves e a ind icação de San Tiago Dantas para o ca rgo de Primeiro Ministro, os integralistas radica li za ram sua oposição. Salgado discursou criti cando o "esquerd ismo" de sua gestão no Minis té rio das Relações Ex teriores e encaminhou a decla ração de voto do PR P con tra a aprovação de seu nome, ass inada pe lo cinco deputados federais do pa rtido.(27)
De acordo com A Marcha, "não é de hoje que
22 _ Apelo de Oswaldo Zanello às Forças Armadas. A Marcha, Aio de Janeiro, 1°.3. 1962, p. 2. 23- Discursos Parlamentares. A Marcha, Aio de Janeiro, 15.3. 1962, p. 2. Grifo meu. 24 _ Discursos de Ab el Rafael, Oswaldo Zanello e Arno Arnt.A Marcha, Aio de Jane iro, 24 .5 .1 962, p. 2. 25- Política de San Tiago trampolim para a invasão bolchevista no Brasil. A Marcha, Aio de Janeiro, 3t.5.1962, p. 1 e 6. 26 _ Discurso de Abel Rafael sobre a Moção de Censura ao Ministro San Tiago Dantas. A Marcha, Aio de Janeiro, 7.6.1962, p. 2. 27 _ Declaração de voto da bancada do PAPo 28.6.1962. In: SALGADO, Plínio. Discursos parlamentares. ob . cit., p. 197-198.
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62 - Os IlIlegraljslas e o Golpe de 64
o deputado Plínio Salgado, coerente com a doutrina integra lista, vem ad vertind o a Nação para o peri go que representa, em potencial, este homem que até hoje nada fez pelo Brasil a não ser causar-lhe prejuízos morais e materi ais" .{2B)
O voto pela rejeição da indicação de Dantas represento u um passo importante na articulação do PRP com o conjunto das forças de dire ita, reunidas na Ação Democrática Parl amentar, a qua l, contando com 158 deputados federais, dentre os quais os cinco do PRp, fechou questão na rejeição de seu nome.(29)
A formação dos dois g randes blocos pa rlamentares que polari za ri am a d isputa política no Pa rl amento nos do is anos seguintes - Ação Democráti ca Pa rlamenta r e Bloco Pa rl amenta r Nacionalista - levou ao a linhamento natural dos integra li stas ao bloco de d ireita - ADP -, tornando irreversível seu afastamento do governo Goula rt. A rejeição da ind icação de San Tiago Dantas pela Câma ra deu ori gem a urna crise política, cujo passo seguinte foi a indicação, por Goula rt, do nome do deputado conservador Auro Moura And rade (PS D-S P) para o ca rgo de Primeiro Ministro, apoiada pe los pa rlamentares integra li stas . A aprovação do nome de Andrade fo i recebida com grande sa ti sfação pelos integrali stas, pois determinaria uma guinada conservadora do governo Go ulartPO)
No entanto, a fo rte reação po pular levou à renúncia de Andrade e apro fu ndou a crise política. Goulart retomou a iniciati va, indicando Francisco Brochado da Rocha (PTB-RS) à Chefia d o Gove rno, pa ra descontentamento dos integra li stas. A ap rovação do Gabinete por ele chefiado, contra o voto de apenas 58 deputados, fo i uma derrota para o PRp, levando ao seu rompimento definiti vo com Goubrt.
Dias depo is, A M archa res ponsabil izava Goula rt e Brodlado pela "subversão da ordem", supos tamente confi gurada na campanha pela antecipação do plebiscito: "O plebiscito, de reivindicação ju sta, passou, nas bocas e nas mãos dos ag itadores, a mero pretexto de con fu são,
demagogia e le i to rei ra e abe rto convite à baderna, à mazorca, à convulsão nacional". ~I)
Confirmada a an tecipação do Plebiscito, marcado para 6 de janeiro de 1963, os integralistas passaram a defender o não reconhecinlento do Plebiscito e o voto nulo: 'l .. ] debaixo de pressões de todos os gêneros e modos, o Congresso capitulou, marcando a consulta ao povo para 6 de janeiro. E os integralistas? Só têm uma maneira para se conduzirem em tal plebiscito, não se manifestando nem por urna forma nem por outra. Apenas escrevendo na cédula a palavra I nteg ralismo". (2)
O últinlo gabinete parlamentarista, liderado por Hermes Lima, também teve acirrada oposição dos integ ralistas. No decorre r do segundo semestre de 1962, os integralistas questionavam diretamente a legitimidade daquele governo e denunciavam a existência de um su posto" plano golpista" que seria executado pelo governo ou com sua cumplicidade, argwnento que seria desenvolvido durante o ano seguinte e até o golpe de Estado em ]964. Naseleiçãesestaduais de ]962, os integralistas alinharam-se daramente com os demais grupos conservadores nos principais estados, apoiando as candidaturas de Adhemar de Barros (PSP/SP), lido Meneguetti (PSD/ RS), Lomanto Júnior (UDN/ BA), Pau lo Fernandes (PSD/Rj), Virgílio Távora (PSD-CE), João C1eofas (UDN/PE), todos contrários a Goulart.
Em São Paulo, Rio Grande do Sul e Bahi a, a votação proveniente do eleitorado integrali sta foi decisiva para a vitória dos candida tos apoiados pelo PRp, pois a d iferença de votos foi inferior à votação recebida pe la bancada parlamentar do partido. Especialmente expressiva do rompimento com os setores governi s tas era a partici pação do PRP na coligação conservadora constituída no Rio Grande do Sul para enfrentar o candidato do então governador leone l Brizola, de cujo governo o PRP pa rti cipara por quase três anos, posição mantida nas eleições municipais de ]963, sob a diretriz de "manter a Ação Democrática Popula r e só em último
28 - Com Jànio e depois com Jango o PAP sempre ficou contra San Tiago Dantas. A Marcha, Rio de Janeiro, 28.6 .1962, p. I. 29 - Por que a AOP velou San Tiago. A Marcha, Rio de Janeiro, 28 .6.1962, p. 2. 30 - Comunistas derrotados com a vitória de Aura. A Marcha, Aio de Janeiro, 28 .6. 1962, p. 1. 31 - O Brasil precisa andar. A Marcha, Rio de Janeiro, 13 .9. 1962, p. 1 32 - O plebiscito. A Malcha, Rio de Janeiro, 22 .11.1962, p. 3.
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caso, realizar coligação com o Partido Trabalhista BrasiJeiro".(33) O PRP participou do govemo lido Meneguetti, assumindo as secretarias da Administração e da Fazenda, as pres idências do Banco do Estado do Rio Grande do Sul e do Instituto de Previdência do Estado, e diretorias da Comissão Estadual de Silos e Armazéns, do Departamento de Imprensa Oficial, da Junta Comercial do Estado e da Caixa Econômica Estadual.(34) Em São Paulo, o apoio a Adhemar de Barros era justificado em nome do anticomunismo: "A vitória eleitoral de Adhemar de Barros em São Paulo [ ... ] significará um golpe de morte no processo de bolchevização por que passa O país", sustentando que" com Jânio eleito, o Brasil correrá perigo de sangue". (.1$)
O PRP participou do governo Adhemar ocupando a Secretaria do Trabalho, lndústria e Comércio e a presidência do lnstituto de Previdência do Estado, mas teve sua participação redu zida no decorrer do governo. Em junho de 1962, os integralistas lançaram um Manifesto criando
o "Movimento de Reconstrução Nacional", já anunciando uma mobili zação mais agressiva contra o governo Goulart: "Considerando que não se pode mais perder tempo com a política med íocre dos partidos I ... J propomos neste instante à Nação Bras ileira um movimento no sentido de reconstruir tudo o que sentimos destruído em nossa Pátria, lançamos o Movimento de Recons trução Naciona l. I ... J Conclamamos O
povo de nossa terra principalmente os pais de famíl ia, que pela sua formação cristã são dlamados ao bom combate para ev itar, enquanto é tempo, as desgraças iminentes que ammçam o Brasil e ver cerrar fil eiras em torno da nossa bandeira em que inscrevemos a trilog ia sagrada: Deus, Pátria, Fam.Ília ." (.\6)
Este Movimento não prosperou, mas o tom de seu InanHesto de lanç.:uncllto marcarin a i.llte rvenção integralista a partir de então, quando os integra listas passa ri am a propugnar abe rtamente pe la derrubada v io len ta do (;ove rn o Goulart, através de um go lpe de Estado.
A campanha anticomunista e a defesa do golpe de Estado
O PRP teve uma intervenção relevante no processo que conduziu aO go lpe civi l-mi
litar de 1" de abril de 1964, ainda que esta seja praticamente descons iderada pela hi s toriografia. Esta intervenção se efetivou tanto através das manifes tações públicas do partido nos meses que antecederam o golpe, utilizando-se de manifestos, notas públicas e discursos parlamentares, quanto pela articulação concreta de lideranças integralistas com outros grupos go l pistas, sempre tendo como tônica principal o anticomunismo.
A restaUIação do presidencialismo, determinada pela esmagadora vitória obtida pelo governo no plebiscito de jane iro de 1963, constituiuse em marco para a adoção de um novo patamar de radicalização do oposicionismo integralista.
A partir d e então, o governo Goulart seria tratado como um inimigo perigoso, sempre as-
sociado ao comunismo, mot ivo pelo qual jamais se poderia conciliar com ele, tornando progressivamente exp lícita a opção dos inte(; rali s tas pela alternativa gol pista . Reunido em Convenção Nacional em maio de ·1963, o PRP produziu uma Nota Oficia l "considerando ext remamente grave a situação bras il eira", propondo "uma alta política de bom senso e de equ il íbr io", para evitar "que o País venha a ca ir nas mãos da desordem ou na de uma o rdem que suprilll a as liberdades democráticas" e permitir que (ossem restaurndas "a ordem econômica, n ord em financeira, a ord em social, a ordclll política, n ordem adminis trativa, a ordem moral, a disciplina e iI hie rarquia dos va lores".!")
Em setembro do mesmo ano, a Ba ncada do Partido na Câmara Federal lançou o utra Nota, apelando diretamente pa ra a inte rvenç50 das Forças Armadas: "A Bancada do Partido de
33 _ Orientação sobre as eleições municipais de 1963, 9.12.1962 (Centro de Documentação sobre a Ação Integ ralista Brasileira e o Partido de Representação Popular- Documentação do Diretório Regional) . 34 _ Participação do PRP no governo gaúcho. Boletim do PRp, Porto Alegre, out. 1963, p. 1. 35 _ Adhemar e Lacerda unidos contra o comunismo. A Marcha, Rio de Janeiro, 26.7.1962, p. 1. 36 _ Plínio em Bauru preconiza a reconstrução do país. A Marcha, Rio de Janeiro, 14.6.1962, p. 1 e 3. 37 _ Nota Oficial da Convenção Nacional do PRP, 21 .5.1963 (Centro de Documentação sobre a AIB e o PRP - Documentação do Diretório Nacional).
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64 . Os IlIlc/:Ta!istnJ e o Golpe de 64
Representação Popular na Câmara Federal denuncia à Nação Brasile ira a ex istência e funcionamento de um Sovict em nosso País, nos moldes exatos do que se instalou em Petrogrado em 1917, aqui sob o pseudõnimo de CCT. [··· 1 Nestas condições, a bancada do Pa rtido de Rep resentação Popular apela para o pundonor, o brio, a honra, o patriotis-1110, das Forças Armadas, para que evitem, a todo o tran se, as desgraças que se prefig uram para a Nação brasileira e alerta o povo de nossa Pátria para que em união sagrada levante nesta última oportunidade de que depende a salvação nacional" .(38)
A partir de então, as manifestações dos integralistas contra o govern o Coulart sucederamse em ritmo ace lerado. Na semana seguin te, Salgado d iscursou na Câmara, responsabilizando o pres iden te pe lo clima de "agitação" e "desordem": "Desde que Sua Exa. assum iu a Presidência da República, recrudesceram as agitações políticas de estudan tes, comícios promovidos pelo próprio Pres idente da Repúbli ca e ga rantidos po r forças do Exército pa ra lançar o País no campo das paixões, da confusão e da ruína, ou temos greves sucessivas que trazem prejuízos de bi lhões à Nação. 1 ... 1 Se ex iste alguém responsável pela desordem reinante, alguém responsável peLos preju ízos acarretados ao País, pelas greves sucess ivas a que estamos assistindo, esse responsáveL é o Pres idente da República. [ ... ] Fa lta autoridade no "tual momento naciona l, falta ordem, fa lta sentido de responsabi li dade. 1 ... 1 Falta ao Chefe da Nação autor idade mora l para p retender aco rdos entre patrões e empregados ou para intromete r-se na v ida do Legis lati vo".I")
No d ia segui nte, Sa lgado encaminhou o voto contrário da Bancada do PRP ao projeto governamen ta l de reforma agrárin, qua lificando-o como ten tativa de destru ição da agricultu ra e da pecuária brasileiras: "Esta é uma horiJ dolorosa em que o princíp io de auto ri dade es tá completamente combalido; em que já não há mais
hierarquia e nem di sciplina; em que assistimos a inversão dos valores; em que ouvimos teóricos e doutrinadores, metafísicos ou românticos, trazendo mais achas à fogueira em que arde a Nação. Esta ho ra em que v emos a dissolução completa da o rgânica brasileira e, agora, ainda se pretende, depois de sucessivas greves alimentadas pelo pró prio poder constituído, ainda se pretende destruir a única coisa que ainda tem alguma organização no Bras il; a nossa lavoura e a nossa pecuária. Este é um momento doloroso da nossa Nação".I'O)
O deputado Oswaldo Zanello protestou contra a concessão da condecoração do Marechal Tito, apontado como "o n ovo Nero, o maior perseguidor da Ig reja", e apresentou um projeto de Lei declarando-a sem efe ito.14I) Na mesma semana, Salgado posicionou-se contra a solicitação governamental de decretação de Estado de Sítio, qualifi cando-a como "preci pitação dos Ministros Militares", "mesmo amenizado por essa ado rável Irmã Paula que aparece em todas as ocasiões em nossa Casa Legislativa, com suas fó rmulas conciliatóri as, ou trazendo o esparad ra po para cura r fe ridas - o PSD" .(42) Os deputados pe rrepistas se revezav am nos discursos contra Coula rt. Zanel lo acusava que "nunca, jamais, em tempo algum, hou ve nesse país governo faccioso, medíocre e irresponsável como esse que aí está a infelici ta r a Nação e desesperar o povo brasileiro"I") e Abel Rafael Pinto considerou a administração de Coulart "n u la" .!")
Salgado, po r sua vez, sustentava que "o que se está passando no Brasil é abso lutamente idêntico ao que se passou na Rússia em 1917", agrava d o pela "presença em nosso Pa ís de uma embaixada cujo governo tem, como ponto de programa, a im plantação do comunismo no mundo".I") Ainda em outubro de 1963, Salgado enviou uma "Mensagem ao Povo Caúcho", sustentando que ex istiri a uma "ampla infiltração comu nista" no governo federa l: " Homens
38 - Nota Oficial da Bancada do PRP na Câmara Federal. 24 .9.1963 (APHRC-FPS 018.004.002). Grifo meu. 39 - SALGADO, Plínio. Pronuncia-se contra a demagogia governamental, 30.9.1963. In: Discursos parlamentares, ob. cil., p. 234-235. 40 - Discurso de Plínio Salgado na Câmara dos Deputados em 10 .10.1963. Anais da Câmara dos Deputados, 1963, p. 163. 41 - Discurso de Oswaldo ZanelJo na Câmara dos Deputados em 1°. 10. 1963. Anais da Câmara dos Deputados, 1963, p. 7495 (APHRC-FPS 015.029.009) . 42 - SALGADO, Plínio. A desordem no sistema presidencialista e o Estado de Sítio, 7.10.1963. In: Discursos Parlamentares, ob. cit., p. 236-237. 43 - Discurso de Oswaldo ZanelJo na Câ mara dos Deputados em 10. 10.1 963. Anais da Câmara dos Deputados, 1963, p. 7662. 44 - Discurso de Abel Rafael Pinto na Câmara dos Deputados em 10.10.1963. Anais da Câmara dos Deputados, 1963, p. 7669-7672. 45 - SALGADO, Plínio. Advertência às esquerdas, 24.10.1963. In: DiscUfsos Parlamentares, ob. cit., p. 239-247;
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reconhecid am ente comunistas ocupam altos postos no Governo, desde os auxiliares di retos do Presidente da República, aos ministros e presiden tes d e autarquias. O meio estudantil está dominado pela União Internacional dos Estudantes, com sede em Praga, e subord inada ao Consom ol, uma das mais importan tes seções do Kominform. O operariado está dominado pela ditadura de um sovie te que entre nós tem o nome de CGT. A infiltração na imprensa de elementos vermelhos é notória. Nos cí rculos do professorado su perior e secundário é tão grande a influência de elementos de Moscou, que recentemente num manifesto vibrante de patriotismo, urna centena de professores uni versitários denunciou à Nação as ativ idades de mestres no sentid o de formarem em seus a lunos uma mentalidade comunista". (46)
A tese de que havia um a revolução em curso fundamentava a argumentação em fa vor do golpe, tornando necessário o forjamento de um "perigo revolucionário iminente", ainda que para isto fosse necessário denunciar conspirações inexistentes, como fica evidente em um episóruo relatado pelo perrepista Anton io Pires, então Secretário da Administração do Rio Grande do Sul: o C hefe da Casa Civi l, Plínio Cabral denunciou à imprensa, em janeiro de ] 963, que "estava em marcha um movimento revolucionário, tendo seus articuladores até marcado data para ecIodi-lo, adiando-o por duas vezes", sustentando que "o Governo do Estado havia abortado o golpe com medidas que tomou de forma secreta, m as que os aventu reiros pretend iam levá-lo a cabo no inido de janeiro".''')
A declaração gerou uma crise política, já que a Assembléia Legis lativa convocou os secretários da Justiça e da Segu rança Pública para prestarem esclareci mentos, o que foi recusado pelos mesmos, visto que sabiam que a denúncia era forjada. Mesmo assim, Pi res ofereceu-se para responder pela Secretaria de Segurança
Pública e comparecer à Assembléia, junto com José Antonio Zuza Aranha, que passou a responder pela Secretaria da Justi ça, confo rme relata Pires: "Fui preparar-me para o embate que ocorreu dia 8 de janeiro. Os subsídios fornecidos por Plínio foran1 apoucados. Hav ia tiros de festim e escassa munição. O importante era aproveitar a oportunidade para agitar idéias e pregar na ofensiva. Assim procedi, como relataram os jornais da época. 1 ... 1 No Lm ico e Ligeiro encontro entre eu, José An tonio Zuza Aranha e Plínio Cabra l para ajustamento dos ponteiros, acordouse que se fosse necessár io nominar o chefe da conspiração, este seria chamado de Otáv io. Zuza, no seu depoimento que antecedeu o meu em um dia, confundiu-se e nomeou Osvaldo em vez de Otáv io. Tive de confirmá-lo ... O certo é que rIllYI
ca existi" nem Oswaldo nem Otavio. Foi coisa de fértil imaginação ... O relevante é que termos ap roveitado a oco rrência da opin ião públi ca para o que se passava Is icl. Foi um alerta".''')
Nos três primeiros meses de ·1964, os deputados federais do PRP proferiram dezo ito discursos anticOlllunistas c antijanguistas, de acordo com levantamento da Assessoria Parlamentar do PRP' (49) Em fevere iro, Salgado seguia afirmando que "no Bras il se processa a preparação de uma guerra civil" ."O)
O Diretório Regional do PRP no Rio Crande do Su l reagia, em Nota Oficia l, contra os dec retos pres idencia is anunciados por Coula rt no comício da Centra l do Bras il, conside rados peças "de um terrível esquema de aniqui lação da Nação Brasileira": a encampação d~s refinari as de petróleo visaria "da r aos subvers ivos as condições necessá ri as à para lisação do pa ís em 24 horas e entregá- lo à sanha revolucion6ria dos esquerdistas de todos os mati zes", enquanto o Decreto da Superi ntendência da Refo rma Agrária te ria "como objetivo essencia l a agitação, o atropelo da propriedade privada e o desmantelamento da produção". ''')
46 _ Plínio Salgado ao Povo Gaúcho. Boletim do PRP, Porto Alegre, out. 1963, p. 1. 47 _ Citado por PIRES, Antonio . Pelo PRP na politica gaúcha: Depoimento para o CDAIBPRP. Porto Alegre: mimeo, 1997, p. 92 . 48 - Id.ib., p. 93. Grifos meus. . 49 _ Discursos parlamentares anticomunistas da banca da federal do PRP na crise antecedente à Revolução de março-abril de 1964 (20.1 a 31.3. 1964 )
IAPHRC·FPS 015.026}. 50 _ SALGADO, Plínio. O Povo Brasileiro, a reforma agrária, o voto do analfabeto, a Guerra Revolucionária e a legalização do Partido Comunista, 28.2.1964. In: Discursos Parlamentares, ob. cit., p. 252. 51 - PRP abre baterias contra os decretos presidenciais. Diário de Notícias, Porto Aleg re, 13.3.1964 (CDAIBPRP-Recortes) .
....
.,....
66 - Os IlI legrtllÚ'lfU' e o Golpe de 64
Uma manifestação especia lmente impo rtante no contexto do imediato pré-golpe fo i o Manifes to da Bancada do PRP, lançado dez d ias antes do desencadeamento da ação militar, "denunciando" "o agravanlcnto da s ituação política nacional, tornada mais aguda pelos episódi os que se desenrolaram no Estado de Guanaba ra no dia "13 do co rrente", e dirig indo-se à Nação para "a le rtá-Ia sobre os perigos que a allleaçam c informá-Ia sobre a inequ ívoca posição que adota em sua defesa e das instituições por que se rege": "O Bras il se encontra em estado de semi-ocupação pe lo Pa rtido Comunista, organi zação intern ac iona l a servi ço do ilnperiali smo s ino- russo, de caráte r ideológico, econômico e mi litar. Os agentes das potências estrangei ras comandam o assa lto fina l ao Poder. [ ... 1 Denunciamos ao Povo Brasile iro, ao seu juízo e ao ju ízo da His tó ria, o atual detento r do Poder Executi vo da Repúb li ca, s r. J050 Goulart, como o principa l responsável pela s ituação aciIn;] descrita c pelas conseqüências trágicas que dela decorrerão para o Povo Bras il eiro. É hoje o pres idente da República e lemento dlave uti li zado pe lo Pa rtido Comunis ta ao assalto ao Poder. A B do mês corrente, no Estado da Guanabara, o detento r do Pode r Executivo da Repúb li ca, comparecendo a um conúcio organ izado por agitado res, em loca l proib ido, pratico u ato c<lp itul<ldo como crime contra a Segurança do Estado, por lei em p lena vigência. É a segunda vez que o faz. Ali o uviu , ap laudiu , aprovou e secundou, com suas próprias palav ras, pro nun ciamentos sedi c iosos cont ra a Consti I·u iç50 e a o rdem juríd ica es tabelec ida nas leis votadas pelo Povo, leva nd o a intranq üilidade, a angústia e o pânico aos lares bras ileiros. 1 ... 1 Não reconhecemos no atual detentor do poder Executivo, auto ridade a qualquer título, pa ra nos im por, como pre tende, a sua VOI1-
tade, no que tange à solução de problemas da mais alta complex idade com que se defronta a Nação; nem lhe reconhecemos credenciais próprias ou induzidas. Já não há, portanto, uma dúvida razoável. Os atos e procedimentos do detentor do Pode r Executivo da República não se condicionam mais à Constituição, seja como Lei Orgânica, seja como ins trumento de governo, seja como limitação do Poder. I· ·· ] À violência arbitrária, responderemos com a força do Direito, que legitima a força no Direito. Por isso mesmo advertinlos: ao lado do povo brasileiro, defenderemos até o últinlo alento a liberdade que pretendem roubar-nos. De cidade em cidade, de rua em rua, de casa em casa, palmo a palmo, di sputaremos o mão deste pa ís. A qualquer preço e por todos os meios. I ... I Nem o terror de uma ditadura comunis ta, nem caudilho algum tripud iará sobre o brio, a honra, o sangue e as lág rimas desta Nação". !")
Desta forma, em nome da manutenção da "democrac ia", que esta ria ameaçada pela permanência de Goulart no poder, os integralistas construíam uma justi ficação para a ruptura institucional, através da "força legítinla", o que foi refo rçado no dia 31 de março, em um discu rso de Abel Rafael Pinto, jus tificando e solicitando abertamente o uso da força para a de-posição de Gou lart. !"')
A cons tante e crescente manifes tação dos integrali s tas nos últimos meses d o governo Goula rt inseriam-se, certamente, em um contexto mais amplo de mobilização e manifestação dos diferentes g rupos de direita. Ainda que muitas vezes as críticas dos integralistas se confundissem com as de outros gru pos, em especial, a UDN, deve-se, no múúmo, reconhecer que a intervenção do PRP contribuiu pa ra a obtenção do apoio ao golpe em parcelas da sociedade civil, em especial junto à pequena burg uesia.
A participação integralista nas articulações e mobilizações golpistas
PtH81Cla mcntc aos discursos parlamentares, proclamações e notas públicas contra o go
verno Gou lart, os integra l istas procuravam estabe lecer laços e se arti cularem com outras fo rças go l pis tas, visando uma ação conjunta.
No que se refere especificam ente aos parti -
dos políti cos, a e leição de 1962 nos estados foi um momento decis ivo do estabe lecim ento desta arti culação, não apenas através do apoio a cand.idatos da UDN e dos setores antijanguislas do PSD para os governos da m a io r pa.rte dos estados, mas, a inda, com o finan ciamento de
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/fi ó ia ~ ul d as - 67
candida turas parlamentares do PRP pelo complexo I PES / IBAD, que financiaram candidaturas antijanguistas nas eleições de 1962 e coordenaram a articulação gol pista na sociedade civ il. Em junho de 1962, uma longa carta confi denciai e n ão assinada, dirigida a Teixeira Coelho, chefe d o "Gabinete Militar" de Plinio Salgado, re latava as a tividades do complexo IPES / IBA O, sugerindo que o PRP tirasse proveito do esquema: "Agora vau lhe contar O 'mapa da mina' e admiro que vocês aí no Rio não saibam disso. Po r isso, este assunto é confidencial. Logo que foi aprovado, na Câmara dos Deputados, o chamado projeto de remessa de lucros (que contém dis pos itivos a rroch ados), as chamadas 'classes conservadoras' ou forças da produção (Ass. Comercial, Centro das Indústri as, Federação das lndústrias, etc) daqui de São Paulo se a larmaram e se entenderam com as congêneres daí do Rio e de Belo Horizonte. Reuniram-se aqui e deliberaram enfrentar o problema, estruturando entidades, pa ra o público, de estudos e pesquisas sociais. Aqui em São Paulo é o IPES (lnstituto Paulista de Estudos Superiores), aí no Rio, O INES (Instituto Nacional de Estudos Superiores) e em Minas o IMES (Ins tituto Mineiro de Est. Sup.). Para uso externo, convi dam m aiorais, políticos, governadores, etc. para palestras e confe rências e fazer-lhes senti r as suas preocupações, em face da Frente Parlamentar Nacionali sta, de nítida tendência esquerdista e, daí, os receios deles, dessas classes conservadoras. Entretanto, há lima atividade in terna: financiar candidatos, de quaisquer legendas, desde q1le seja 100% anticonwnistas. A principio, e na primeira reunião, desses capitães de empresas, daqui, eles fizeram uma 'vaca' que rendeu 300 milhões, e os planos são para atingir um bilhão . Estabeleceram me io po r cento, taxa tivo, sobre os lucros líquidos apurados nos respectivos ba lanços dessas empresas, desses empresá rios e maiorais da indús tria e do comércio, daqui . Aqui, o ' homem', encarregado de centralizar essa atividade reservada é o banquei.ro Leopoldo Figueiredo. Aí no Rio é O ci-
dadão Ruy Gomes de Almeida. Em B. Hori zonte, é um cidadão Pierruti, ou nome parecido. [ ... 1 Eu mesmo tive oferecimento de uns 3 ou 4 milhões, para disputar por Mato Grosso. [ ... J O homem (de certo cumprindo orientação geral deste grupo reacionári o, de direita), exige que o candidato assine um compromisso escrito, de seguir a orientação que eles querem ... [ ... 1 Pelas minhas ligações, estava eu tentando um auxílio substancial, da ordem de 10 a 20 milhões, para o IJ.QS5Q homem, candidato a federal, por aqui, neste pleito [Plínio Salgado l. Acontece que este chefe fez uma brilhante expos ição, peJa televisão, há cerca de dois a três meses I ... ] e saiuse, para nós, brilhantemente. Mas, - acred ito -não foi brilhante para essa turma reacionária de direita, pois o nosso candidato declarou, claro e sinceramente que o projeto (respondendo pergunta) de remessa de I ucros teve a votação de nosso partido ou melho r, dos deputados do nosso partido 1 ... 1 Isso, por certo, abespinhou a turma reacionária de direita que está esfri ando quanto às poss ibilidades de auxílio. 1.·. 1 Aí no Ri o, também há o ' homem', Ruy Almeida, maioral do INES que, internamenl"e, tem os mesmos propósitos de combate an ticomunista, auxiliando candidatos. Também em Minas, o IMES tem os mesmos propósitos. E, assim, em conclusão, sugiro que você entre em ação aí, - arranje uma ligação dire ta com O cid ad ão Ru y de Almeida (há um companhe iro nosso, do Diretório Nacional que é vice-pres idente da Associação Comercial, e ele lhe poderá abri r a porta, para este assunto). Aliás, em Minas, você poderá ter uma conversa séria com O deputado Abel, qu e, como deputado, tem credenciais para apresentar-se, e deve conhecer, melhor que eu, a posição do IMES, de Belo Horizonte. 1··· 1 É preciso descobri r ri I chave' do problema c como abrir
a porta; conseguido isso, julgo que a Ma rcha terá um amparo financeiro regular, séri o, por via de aux ílio ou de recomendações de publicidade. O momento é oportuno, pois a infiltração comunista que tanto os atemori za, e que estó levando nosso país a um pl ano in c lin ado pa ra o
52 _ Bancada do PRP lança manifesto sobre a gravidade da situação nacional. Diário Popular. São Paulo, 21.3 .1964. p. 1 (APHAC·FPS 114 .005.REC 64).
Grifos meus. 53 _ Discursos parlamentares anticomunistas da bancada federal do PRP na crise antecedente à Revolução de março-abril de 1964 (20.1 a 31.3 .1964)
IAPHRC·FPS 015.0161.
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p
(iH . Os IlIfcgralisl(l.~ e o Golpe de 64
esquerdismo proporciona recursos idôneos Isic1, com que A Marcha poderá contar, para um combate ideológico, sério, à penetração vermelha".I")
Ainda que tal correspondência revele que naquele momento o PRP ainda não tinha uma vinculação maior com o complexo IPES/IBAD, indi G10 rumo que seria buscado pela liderança integralista em busca de financiamento, além de ev idenciar que uma I iderança integral ista de S50 Paulo estava bas tante entros<.1da no esquema, sugerindo v árias possib ilidades para que o PRP fosse beneficiado. Uma delas, pelo menos, produziu resultado efetivo: o financiamento da candidatura à reeleição do deputado federal Abe l Rafael, pelo IBA D, que se tornou públ ico em agosto de 1963. Abel Rafael. em face de provas irrefutnveis, admitiu as ligações com o IBAD, e tentou cxplicá-Itls, de fonn3 "crintivn", IIdizcndo que estas se limitaram ao recebimento de uma iljuda em sua campanha eleitora l, a fim de poder enfren lar o predomínio econômico de cerlos capilalislas Isicl e de uma turma de pelegos que sempre usou o governo e as nomeaçôes do governo, o Banco do Brasil, a LBA e os institutos, a seu ta lante".I")
Admitiu ter recebido "o auxílio de cédulas, cartazes, fai xas, poucos programas de rádio", C
ainda acrescentou que o lBAD "n50 é tão poderoso assim, porque se o fosse já teria comprudo seus acusadores Isic]" .ISG)
Não encontramos registros de outros candidatos do PRP financiados diretamente pelo complexo IPES / IBAD, mas deve-se ressa lva r que é pouco provável que eventuais reg istros de outras transilçõcs ti vessem subsistido na documentilç50. Além disso, provavelmente são provenientes do complexo IPES/ IB AD as ex press ivils verbil s pagas por Adhemar de Barros em troca do apoio integralista a sua cand idatura em 1962, verbas que foram empregadas para a reeleição de Salgado à Câmaru dos Deputados. Adhemar
pagou CR$ 3.000.000,00 (57) e o dleq~e nominal a Salgado foi publicado pelo jornal Ultima Hora.
Os integralis tas tentaram minimizar sua importância, afirmando que tal va lor cobria apenas parte de seus gastos eleito rai s: "Era natural e lógico que o candidato a governador precisasse da propaganda da nossa agremiação, pelo que ela representa como força política e moral.
Acontece que, para uma propaganda de relativa envergadura, o PRP não dispõe de grandes recursos. A despesa to tal d e propaganda para governador, vice-governador, senadores, deputados fed erais e estaduais, efetuada pelo nosso Comitê, foi de CR$ 8.527.650,00. Era compreensível que o sr. Adhemar de Barros, como candidato ao ca rgo cuja publicidade era a mais cara, contribuísse com alguma coisa. Assim, recolheu à caixa do comitê, em prestações, a quantia de 3 (três) milhões de cruzeiros, parcela insignificante em face do vulto da campanha".~
Também em outros estados candidatos conservadores, apo iados pelo IPES/ IBAD, direcionaram recursos ao PRP, sem que isto tenha se tornado público. É o caso da Guanabara, onde candidatos apoiados pelo PRP a vice-governador (Lapa Coelho-PSD) e ao senado (Gilberto Marinho-PSD e Juracy MagaUlães-U DN) pagaram CR$ 515.000,00 ao PRP, o que representava 65% do total arrecadado pelo partido para a campanha (CR$ 794.250,00), conforme relatório finance iro interno do Partido. IS9)
Em maio de 1963, Salgado esc revia a Egon Renner, deputado estadual do PRP no Rio Grande do Su l e um dos maiores industriais do estado, prevendo o desenvolvim ento de um confronto armado: "O momento bras ileiro é de extrema grav id ade. A pretexto duma reforma agrária demagógica e sem nenhum senso prático, prepara-se uma revolu ção armada".I60-
O combate aberto ao projeto de reforma agrá-
54 - Correspondência sem remetente para Teixeira Coelho, 7.6. 1962 (APHRC, Pprp 62 .06.07/ 1) . Grifos meus. 55 - Deputado diz que o auxilio do IBAD ajudou-Q a enfrentar os pelegos. Folha da Tarde. Porto Alegre, 9.8.1963 (COAIBPRP _ Recortes) 56 -Id.ib ..
57 - Aproximadamente RS 160.000,00 em va lores dezembro de 2004, conforme conversor disponível em www.fee .lS.gov. brlsftefee/pt/content/servicos/pg atualizacao valores. php. Este conversor realiza atualização de valores de acordo com a inflação acumulada segundo o índice Geral de Preços _ Disponibilidade Interna (lGP-Dl) da Fundação Getúlio Varg as. 56 - PRP explica o cheque de Adhemar a Plínio. Última Hora. São Paulo, 23. 1.1963 (APHRC-FPS 114.004.REC 1963). 59 - Resumo do Relatório Financeiro correspondente às eleições do dia 7 de outubro de 1962 no estado da Guanabara fAPHRC-FPS O 17.009.002 ). Seg undo o relatório, l opo Coelho teria pago CR$ 100.000,00; Juracy Magalhães CR$ 215.000,00 e Gilberto Marinho 200.000,00. 60 - Correspondência de Plínio Salgado a Egon Renner, 5.5.1963fAPHRC-Pprp 63.05.05/4).
f
Uist úria & I. u la d , e lQ sser - 69
ria de Goula rt v iabilizou que Salgado fosse tratado como interlocutor respeitável por setores do latifúndio, como exemplifica o telegrama de Paixão Côrtes, Presidente da Associação Rural de Bagé (RS), uma das mais importantes do Ri o Grande do Sul, a Sa lgado: "Apelamos eminente homem público espírito cívico e patriótico sentido evitar com vossa influência seja a lterado texto Cons tituição impedind o através da já pro palada re fo rma agrá ri a a modifi cação do nosso regime democrático onde produtores do campo fi cariam mercê dos partidos políticos"fGl )
Os integra listas voltaram a receberam expressivo apo io de integrantes da grande burguesia para a sus tentação de um programa semanal de televisão e o relançamento do jo rnal A Marcha, cuja circulação fora suspensa em 1962.
O programa te levis ivo fo i ao a r, semanalmen te, entre maio e agosto de 1963. Seu a lto custo te ri a s ido financiado pelas "classes conservado ras", embora o apo io tenha sido insuficiente para mantê-lo no ar: " Resolvi parar o programa. C us ta a quantia de600 mi l cru zei ros por mês, para dez minutos por semana. Um amigo daí es tava a rrecadando fund os pa ra man ter o programa. Mas a sabotagem no estúdio é incrível. [ ... ] Além disso, O amigo que est<:Í promovendo os me ios financeiros não tem tido as facilidades que supunha".(·')
Em jane iro de 1964, Salgado re latava a um corre ligionário que "como nossos companheiros não compreendem a importância do nosso jorna l estoll providenciando amigos estranhos nosso movimento allxílio mensal para poder tirar nosso semanário", (63) o que pode indica r re lações com o complexo I PES/ IBAD.
Em carta a um militante, Salgado defendeu veementemente a ação do IBAD, mesmo afirmando que não tinha recebido nenh um financiamento do ó rgão: "Um dos objetivos [dos comunis tas ] é desmora liza r o u destruir todas as organ izações que dificultam a caminhada ver-
melha. Vem daí a guerra contra o IBAD. Posso fa lar insuspeitamente e de cabeça erguida, pois não recebi auxílio algum dessa entidade para a minha eleição. Essa fo i custeada por um grupo de amigos e ajl/dada pelos candidatos majoritários ql/e o nosso partido apoiol/ . Posso, pois, falar a verdade sobre essa infame campanha contra o IBAD. A finalidade é apresentá-lo como corruptor, pelo fato de ter ajl/dado homens pobres, mas de bem, inimigos do com l/nismo. Eu penso que isso foi serviço à Pátria, numa hora em que os candidatos comunistas esbanjavam dinheiros públicos, dos Institutos de Previdência, da famigerada SUPRA, da Novacap, da moscovita Petrobrás Isic]. Isso, s im, é corru pção, é roubo dos dinheiros do Povo, é desavergonhada maroteira".(64)
Ao mesmo tempo, hav ia a preocupação em acompanhar a movimentação dos setores milita res que se opunham a Gou lart, bem como esta be lece r ligação co m os mes mos, co mo explicita uma ca rta recebid a po r Sa lgado em fevereiro de 1964: "Confirmo minha Carta de 23 do mês passado e envio-lhe com es ta um exempla r de um Man ifesto que recebi de amigo. [ ... 1 Pelo que ouvi de um Capi t50 do Exército - católico, anti comun ista, fi lho de integra lista e nosso sim pa ti zante - pa rece haver dentro do Exérci to, um como que arrobmento dos ofi cia is que não vêem com bons olhos a atitude do Governo e certamente pa ra um fi m determinado, talvez dentro do p lano do Man iFesto de que lhe fa lei acima" .(~')
Em discurso profe ri do dez anos depois, Sa lgado sustentou que a inda em '1963 "con Ferencie i com O General O lympio Mour50, combi nando um mov imento milita r apoiado pe la opinião conservado ra do Brasil".("") No entanto, não encontramos comprovação des te con tato na documentação partidári a. A parti ci pação de Mourão na conspiração gol pista - muitas vezes considerada anedóti ca ou irre levante pela hi s to ri ografia - é considerad a decis iva po r
61 _ Correspondência de Paixão Cortes a Plínio Salgado, 6.5.196 3 (APHAC-Pprp 63.05.0Sn!. 62 _ Correspondênc ia de Plínio Salgado a Paulo Paulista de Ulhôa Cinlra, 26.8.1963 (APHRC, 63.08.26/15) . 63 _ Te legrama de Plínio Salgado a João Voltarelle, 22. 1.1964 (APHRC-Pprp 64.01 .22/91. Grifos meus. 64 _ Co rrespondência de Plínio Salgado a João Zulian, 23.9.1963 (APHRC-Pprp 63 .09 .23/ 181 . Grifo meu. 65 _ Correspondência de Caetano Souza a Plínio Salgado, 6.2.1963 (APHRC-Pprp 63.02 .0613). _ 66 _ SALGADO, Plínio. Despedida do Parlamento: Discurso proferido na sessão de 3.12 .74 pelo Deputado Plínio Salgado. Brasília: Centro de Documentaçao e Info rmação - Coordenação de Publicações , 1975, p. 15.
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70 - Os IlIlet:rtl[is tas e o Golpe de 64
Hélgio Trindade: "O o rganizador, ex-chefe da mil ícia integralista, autor do Plano Cohen e excapi tão do serviço secreto do Exército, Olympio Mourão Filho, é a figura chave do processo de conspiração e do desencadeamento do go lpe mil itilr. Sua conspirilção soli tári a e obsessiva começou em Silnta Maria (RS), desde in ício de 1962, quando assumiu o comando do 3" Regimento de In fantaria, após a posse de Coulart como presidente. I ... ] A partir daí começa o processo de conspiração, denúncia e articulação junto a setores militares e empresariais que prosseguiria, durante o ano de 1963, em São Paulo e Minils Gerais, até o desenlace do golpe a partir de Jui z de Fora. Em suas Melllórias, não hesita em afirmar que 'meu verdadeiro e principa l papel consis tiu em ter articulado o mov imento em todo o país e depois ter começado a revolução em Minas. Se nós não O ti véssemos feito, ela não teriil sido jilmais começadil'."I(,7)
Out ril ev idência dil relevante parti cipilção integra li sta no desencadeamento do go lpe apresentada por Salgado é o fato de que fo i "outro oficia l ex- integrillis ta que desencadeou a pri meira ação armada no contex to do go lpe". Tratil-se do almirante Hasselman, que enfrentou, "em 25 de março, de metralhadora em punho, um grupo de marinheiros revoltosos que, com a bandeira nacional à fren te, se dirigia ao portão de saída do Ministério da Marinha com O objetivo de aderir aos seus colegas de armas que estavam no Sindicato dos Meta lú rgicos".I'"1
Embora os eventua is contatos entre Salgado e os conspirado res militares não es tejam documentados, pa rece cla ro que ao menos nas semanas an terio res ao golpe a direção integralista estava info rmada, acompanhava de pe rto c se inseria na articulação c mobilização go l pistas. Em 20 e 21 de março ocorreu uma reuni ão secreta do Di retório Nacional: "Grupo pil ul is ta va i pagar passagens líde res Estados sem recursos norte c no rdeste. Além disso pilssagens es-
tados Sul fi carão mais baratas. Re união indispensável entretanto informal para simples troca idéias sobre grave momento atravessamos. Comunique es tas expli cações di zendo també m reunião convocada tem caráter secreto evitando qualquer repercussão pública". IGO)
A reunião deu-se em circunstâncias suspeitas: as passagens te riam sido pagas por um "grupo piluJista" não identificado; não consta registro algum da reunião no livro de atas do Diretório Nacional, além d o fato que parece absurdo de que uma reunião convocada em caráter secreto fosse paril "simples troca de idéias" . Todos es tes indícios refo rçam a hipótese de que es ta reunião tenha debatido abertamente a iminência da intervenção militar e efetivação do golpe de estado, e articu lado o apoio e participação dos integra lis tas para s ua consumilção. Estil hipó tese é reforçad a, ainda, por uma matéria publicadil meses de pois pelo Boletim do PRP do Ri o Grande do Sul, que rememorava: "Em conseqüência da gravidade do momento, o Diretório Nacional do PRP, sob a pres idência de Plínio Salgado, convocou, nos dias 20 e 21 de março do corrente ano, uma reunião da Bancada Integralis ta n o Senado e na Câmara Federal, bem como dos Presidentes dos Diretórios Regionais e integrantes dos Legislativos Estad uais. A s ituação bras lle ira foi amplamente debatida, deliberando-se lançar um manifes to que, pela sua s ignifi cação e o portunidade, obteve intensa repercussão em todo o território nacional".(70)
Outra rewlião do Diretório Nacional, desta vez convocada oficia lm ente, ocorreu a 30 de março. A brevíssima ata deve ser inte rpretada com precaução, pois há indícios de que tenha s ido redigida posteri ormente, po is, ao contrári o do hab itual, as interven ções pessoais não forilm transcritas e a discussão foi s umariamente res illllida: "O s r. Presidente em a lo ngada exposição abordou a atual conjuntura nacional,
67 - TRINDADE. Hélgio. o radica lismo militar em 64 e a nova tentação fascista. In: SOARES, Gláucio Ary Dillon & O'ARAÚJO, Maria Ce/ina (org5.). 21 anos de regime milirar: balanços e perspectivas. Rio de Janeiro: FGV, 1994. p. 123-141, p. 130-1. A participação de Mourão na conspiração é discut ida também em DRE IFUSS, oh. cit .. 373·396 (~A maior conspiração das Américas~ do Genera l Olympio Mourão Filho). 68 - Id.ib., p. 132. 69 - Telegrama de Plínio Salgado a Sebastião Navarro, 15.03.1964 (APHRC-Pprp 64.03. 15/ t 1 I. Grifos meus. 70 - PRP previu o desfecho da crise e a vitória da Revolução Democrática - Manifesto Integralista de Março. Boletim do PRP, Porto Alegre, jun. 1964, p. 4. O manifesto. transcrito na seção anterior, foi assinado pela Bancada federal. já que a reunião não tinha caráter oficial e, portanto, não podia produzir deliberações.
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[Us / ó r ia & Luta de C /anu • 71
apreciando-a de todos os ângulos e concluindo apresentar-se ela em termos de ex trema grav idade, parecendo mesmo, no seu entender, ser imposs íve l fi xa r quaisque r previsões válidas para o próximo pe ríodo, eis que nos encontramos em m om en to de defini ção de rumos, tudo indicand o que esta definição não se faria tardar, o rientando-se ou no sentido de uma tota l cubanização d o Pais, ou na rota de uma reação fulminante contra o s tatus quo atual. Solicitava, em conseqüência, de todos os companheiros, especialme nte daque les que participava m das altas resp onsabilidades de integrar O D.N. do Partido, urna a titude de vig il ân cia, di scrição e di sciplina, pa ra bem servirem ao Bras il em qualque r em ergência que se lhe afigure próxima. Nad a m a is havendo a trata r, o s r. pres idente decla ro u ence rrada a sessão às vin te e quatro ho ras"- (71)
Como a reu.nião foi iniciada às 21 horas, parece pouco pla us íve l que tenha se resumido à "a longada expos ição" de Plínio Salgado, embora não h aja nenhum outro re lato. Ressa lte-se a ênfase na tese de que havia um go lpe em curso ("cubanização do país") e na conseqüente caracte rização d o go lpe como um sendo um "contra-golpe", exa tamente confo rme a versão difundida pelos go l pistas, tan to durante a preparação do golpe como em sua jus tifi cação posterior. Esta tese é propalada a té hoje, como se verifi ca, p o r exempl o, na pos ição de Élio Gaspari : "Havia do is golpes em marcll a. O de Jango viria amparado no dispositivo militar ' e nas bases s indicais, que cairiam sobre o Congresso, obrigando-o a aprova r um paco te de reformas e a mudança das regras do jogo da sucessão presidencial. [·· ·1 Se o golpe de Jango se destinava a mantê-lo no poder, o o utro destinava-se a pô-lo pa ra fora. A árvore do regime cstava caindo, tratava-se de empurrá-Ia para a direita ou para a esquerda". (72)
A intervenção dos integral is tas fi ca evidente na articulação d as "Marchas da Família po r
Deus e pela Liberdade", que mobilizaram parcelas da sociedade civil em defesa do golpe de Es tado. A própria denominação das marchas remete ao lema integra lista " Deus, Pátria e Famíli a". As passea tas de Belo Horizonte e São Pau lo fo ram as duas maiores mani fes ta ções públ icas contra Coul art rea lizados antes do go lpe, já que as marchas no Rio de Janeiro e outras cap itais ocor reram depois de consumado O golpe.(7J)
Em ou tras cidades, como por exemplo Porto Alegre, a Marcha fo i suspensa, "a pedido das autoridades loca is", po is conforme a Ação Democrát ica Feminina, teri am "desaparecido os moti vos para sua efeti vação, com vista;) v itó
ri a das fo rças democrá ti cas Is icl". Da a rticul ação da marchí.l m inci rn parti cipar.J1ll di rett:l nlcn
te o deputado federa l Abe l Rafae l e os depu t-ados estaduais do PRP Aníba l Teixeira e Sebasti ão Nava rro. Já em São Pau lo, Sa lgado foi um dos oradores principais da marcha, tend o em seu discurso ape lado pe la in tervenção do 11 Exé rcito para a depos ição de Coula rt, o que, segundo ele, "causou pasmo nos homens responsáve is, m as v ibr()n tcs ap lnusos n íJ mult idão", (74)
Ainda antes da rea lização d<:l m arch a, SiJ lga
do lançou um "mani fes to às mu lhe res pau-listas", elogiando a iniciativa a c!as atri buída c conclamando pa ra a pa rticipação no ~to.
"Eu vos cnvio esta 1l1cnsagcm de ca loroso ent·usiasmo. É um entusiasmo conscqücnt·c da leitu ra do vosso mani festo ao povo, conel amando-o para a grandc mardlél das FalÍlí lias, por Deus e pela Liberdade. Ass inam este documento histó ri co tri nta e três associações femi ninas, O que representa belíssima vit·ória de Lllna arregimentação cxecutado, acima de tudo, pelos vossos corações. 1 ... / Os audaciosos agentes do comunismo, in filtrad os nos órgãos gove rnamentais, dominando os sind icatos operá rios e as organi zações es tu dant is, va lendo-se das franquias das li berdades, q ue e les mesmos pre-
11- Ata do Diretório Nacional, 30.3. 1964 - l ivro de Atas do Diretório Nacional e do Conselho Nacional do PRP (APHRC-Pprp 021 .002.002). n _ GASPARI, Élio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das l etras, 2002, p. 51-52. 73_ Cf. FlACH, Ângela. ~Os vanguardeiros do anticomunjsmo~: o PRP e os perrepistas no Rio Grande do Sul(196 1-1966). Dissertação em His tória do Brasil. Porto Alegre: PUCRS. 2003. p. 71. 14 _ Correspondência de Plínio Salgado a Oswaldo Sá, 24.5.1964 (APHRC-Pprp 64.05.24/38).
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72- Dl' Jlltegralisul.\' e o Golpe de 64
tendem abo lir, chegaram a extremos des respeitos a tudo quanto representa a honra e os brios nacionais. Atingindo o clima propício ao desencadcamcnto da "guerra revolucionária", nlinLlciosamente planejada por Moscou, resolveram não mais se conter nos limites dos debates do Pa rl amento; ou das polêmi cas de Imprensa: foram para as praças públicas propor O fechamento do Congresso, a convocação de u ma Consti tuinte, exatamente C0l110 Len ine fez !li] Rú ss ia;
ex igi r o vo to dos analfabetos para desmorali zar o sufrágio democrático e subverter a hierarquia dos va lores; reclamar a lega li zação do Partido Comw1is ta; pos tular reformas que praticamente extinguem os dire itos à pro priedade; lança r ind iscipl ina nos quartéis, e tudo com o prestígio do próprio Chefe da Nação. Imensa foi a perplex idade do povo brasileiro, do ver
dadeiro povo brasileiro [s ic], que não é rep resentado pelas assembléias dos comícios subvers ivos, mob ili zados, condu zidos e a li mentados à custa dos dinhe iros públicos, mas s im pelas fam ílias cri stãs que no labor das cidades e na faina rura l, sustentam o teor hi stóri co das virtudes da raça e dos sentimentos do cri stianismo. Mas eis que ouvinlos urna grande c1ari
nada. São as mu lheres paulis tas que se levantam. São as intérpretes de um sentimento que não é apenas dos paulistas, mas de todos os brasileiros. A significação do vosso des fi le va i se r compreend ida por todo O Brasil, quando se ap rox ima a hora em que deve se r decidido o desti no da PMria". (75)
Em 28 de março, Salgado remeteu a Alfredo Buzaid, out ro in tegra li sta com destacada pa rti cipação na a rticu lação do go lpe, o "Manifes to às Mulheres Brasileiras", c afirma viJ estar con
cluind o o utro man ifesto, que se ria pub li cado como se tivesse sido escrito por es tudantes de Direito: "O outro Manifes to já es tá escrito, mas depende de correções datilográficas e ligeiras alterações, pelo que lho envia rei dentro de dois dias. I··. ] Creio que ficou wn bom trabalho, à altura de W11 documento de alunos de Direito, não abastardados pela subm issão ao CG1: às med iocridades da UNE e à demagogia de semi-ana l-
fabetos que empestam o País. Com o disse, dentro de 2 dias remeterei. Não será preciso dizer que tudo is to deve ficar em absoluto sigilo, entre nós dois. É possíve l também que lhe envie um esquema da organ ização feminina." (76)
Sa lgado escreveu outros documentos cuja autoria foi atribuída às mulheres. Consumado o golpe, sua intenção e ra apropriar-se do movi mento para constituir uma entidade integralista, denominada Confederação das Familias por Deus e pela Pátri a.
Manifesto da entidade publicado logo após o golpe, a 5 de abril reivindicava "o poder da mulher quando se ameaçam os fundamentos do Lar, da Religião, dos Dire itos Humanos e da Soberania Nacional", reproduzindo claramente a concepção integra li sta sobre as "diferenças" entre Homem e Mulher, ressa ltando a "intui ção feminina", e p ropondo uma "ação permanente" das mulheres: "Nossa intu ição feminina [sic] precedeu a tomada d e posição hoje ev iden te, dos homens de nossa Pátria. A intuição possui sua lógica pró pria, superior quase sempre à do raciocínio em seus asp ectos formais. Por isso, podemos dizer que os homens, em face dos fatos ocorrentes e das circllilstâncias que os rodeiam, formulam pensamentos dos quais procuram deduz ir conclusões, ao passo que as mulheres, por uma sensibilidade inerente ao seu modo de ser, não precisam recorrer à arti cu lação de premissas e construir silogismos: a verdade lhes vem ins tantânea, por um processo direto de inte rpre tação. Não precisam de argumentos demas iados, provas concretas, evidências excess ivas; suprem-se de impressões e percepções e com estas e laboram, subjetivamente, um quadro de rea lidades que escapa ao dominio da lógica formal. Podemos dizer que o homem é objetivo e a mulher subjetiva . O homem rea li za, mas a mulher o desperta para a real ização. E fo i isso o que vimos a partir do início des te ano de ] 964. [ ... ] Devemos organizarm o-nos para uma ação permanente, uma cons tante vigília, uma campanha de escla recimentos do Povo Bras il e iro, incitando, cada vez mais, nossos maridos, nossos filh os,
75 - SALGADO, Plínio. Mensagem às mulheres brasileiras. Diário de São Paulo, São Paulo, 19.3. 1964, p. 7 (AP HRC·FPS 114 .4.REC 64 ). 76 - Correspondência de Plínio Salgado a Alfredo Buzaid, 28.3. 1964 (APHRC·Pprp 64.03.28/ 1 I.
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U i ritÍ r;a & Luta d~ Cla urs - 73
nossos p a is, nossos irmãos, para que não d urmam, para que se conservem alerta na defesa da Pá tri a. Com es te mani fes to, lançamos a Confederação d as Famílias po r Deus e pela Pátri a. É uma e ntidade de âmbito nacional. Conelamamos nossas patrícias pa ra que venham coopera r nesta o rganização, que es tabelecerá tarefas e missões específi cas às associadas e grupos femininos que irão constituí-Ia em todos os Es tad os." (77)
O d ocumento es tá datado como " Domingo da Ressurre ição de ]964" . O estilo de redação e o conteúdo d o m anifesto indicam que pode ter sido escrito p o r Salgado. Além di sso, se ri a estranho que t ivesse s ido rea lmente escrito por mulheres, po is a rgumenta que as mu lheres "não precisam d e a rg umentos" e expõe premissas para afirma r que as mulheres "não precisam recorre r à a rticulação de premissas".
Outro manifesto, que também parece ter sido escrito por Salgado, sustentava que "a revolução das armas está finda; mas a revolução das almas, encetada pelos movimentos femininos de Minas, de São Paulo, da Guanabara, do Ri o Grande do Sul e de outros estados, há de prossegu ir". r 'l
Formad a a Confederação das Famílias por Deus e pela Pá tria, seus Estatutos definiam como fi nalidade principal "fortalecer os sentimentos da fa mília e promover-lhe a defesa como grupo natural da socied ade bras ile ira". (7'1
A participação dos integra lis tas na a rticulação go l pis ta p ode se r observada também pela sua movimentação no Ri o Grande do Sul, em especial através d o então Secretário da Administração Antonio Pires, que desempenhou funções tanto d e a rticulação nacional das fo rças anti-Goulart, com o na organização do movimento conspira tó rio no es tado: "Um dos mais acérrimos lutad ores que conheci contra a situação política e mpo lgada pelos esquerd is tas radicais fo i Linha res, líder do PRP do Paraná. Tomando conhecimento da minha presença na Assembléia n as cond ições antes refe ridas, convidou-me para um contato pessoa l com o Ge-
11_ Sem título . Orig inal Datilografado, 5.4.1964 jAPHAC·FPS 006 .007.005) .
neral Aldév io Barbosa, Secretário de Segurança de São Paulo, com quem ele mantinha ligação. Lá esti ve. Trocamos idéias.
Aj ustamos os ponteiros. São Paulo tornarase, efeti vamente, um centro de res istência. Pouco depois - sempre no início de 1964 - Plín io Salgado convocou-me à capital pauli sta para um encontro com O Governador Adhemar de Ba rros, na mesma l inha contra a possíve l bolchevização do Brasil. 1 ... 1 Fui recebido por Adhemar de Barros, no Palácio dos Bandeirantes, imed iatamente após ele ter conferenciado com O Governad or Carlos Lacerda, encontro pa ra O qual, diga-se de passagem, Plí nio muito se empenhou, por entender que, apesar da ri va lidade entre ambos, suas posições contrá ri as ao quad ro naciona l os aprox imavam. Aqui chegando, fu i logo convidado pelo Dr. Oscar Carne iro da Fontoura, então presid ind o a FA RSUL, pa ra um almoço no reservado do restaurante do Pa lácio do Comércio, com a presença de Fá bi o de Ara új o Sa n tos, pres id ente d a FEDERASU L; de Coelho Borges, representando a direção da FARSUL; e do pres idente do Sindicato dos Bancos, cujo nome não lembro mas recordo que e ra Diretor do Banco da Provín clLl .
Declinando a razão do encontro, Dr. Oscar di sse que os presentes e suas entidades es l·ava m preocupadíss imos com O pano rama po líti co e d ispostos a faze r a lguma coisa. Pensavam em criar Uln a entidade para se opor à onda esquerdo-comunis ta, e pa ra tanto di spensari am o necessá rio apoio fi nanceiro. A res pe ito dessa idéia, queri am ouvir-me, dada a min ha conhecida a tuação. 1 ... 1. Ponderei que cria r uma enti dade n50 era o melhor caminho. Seri a um ent'e s u s pe ito , pe ra nte a s oc ied ad e, d <l es ta r labo rando apenas em defesa de seus pró prios interesses, nem sempre bem vistos por ce rtos segmentos socia is. O idea l, segund o meu entend imento, seria que as entidades a li representadas apoiassem, de fo rma eficiente mas d iscreta, aq uelas pessoas e aq ueles organismos que
18 _ Manifesto da Confederação das Famílias por Deus e pela Pátria, sJd. Orig inal datilografado jAPHRC·FPS 019 .013.003). 79 _ Estatutos da Confederação das Famílias por Deus e pela Pátria, sido jAPHAC·FPS 019.01 3. 01 3). aO- PIRES, ob. cit. , p. 96-9B.
a
F
I 74- Os 1llfegra!ülas e o Golpe de 64
já es tavam em ação. Como exemplo concreto e imediato citei as providências preliminares que estavélll1 send o articuladas para rea lizar aqui a 'Marcha da Familia' - à semelhança do que ocorria em São Paulo e outros lugares. Os representantes das Três Federações concordaram com minhas ponderações e prontifica ram-se a recolher o numerário necessário. [ .. . ] Fui autorizado a transmitir às organizadoras da 'Marcha da Fa mília' o conveniente respaldo finan ceiro, ponto de partida para outros apoios. Só que a 'Ma rcha' não chegou a reali zar-se, porque antcs as tropas de Olímpio Mourão Filho marcharam sobre o Rio de Janeiro e a Nação toda lcvantou-se em 31 de março para F de abril." (BO)
A escolha de Pires para a intermediação do repasse das verbas dimcnsiona a importânda quc desempenhou na arti cul ação go lp ista naquelc estado.
O integrali sta Dolmy Tarasconi, que então e ra Diretor Gera l da Secretaria da Administração, relata a participação integraJi sta na organização das marchas, ind icando que Pires foi seu coordenador estadual : 'l .. ] antes da revolu ção teve o movimento da 'Marcha da Família', o Pires coordenava aqui no Rio Grande do Su l. Aquelas mard1as no intcrior, eu mcsmo fui coordenar em Es teio, Sapucaia" .(81)
Ainda de acordo com Tarasconi, Pircs fo i elcmento chave da articulação golpista no interio r do gove rn o, chegando a acumular várias secrctarias de estado: "Antôni o Pires, que era secretário da Administração, foi obri gado a assumir a Secre taria da Segurança Pública, [ ... 1 a Secretari a d a Fazendn e mais a Secretaria da Agri cultura no governo do Mencguetti. Ele assum iu quatro sec retarias cOlno inte rino, mais a Ad mini stração. [ ... 1 Aí elc foi defcnder o gove rno, durante o movimento revolucionário" .<t~2)
Consolidado o golpe, Pires foi ÍJ1dicado para in tegrar a Comissão de Expurgos no estad o, o que evidencia quc seguia contando com a confiança dos se tores gol pi s tas . O integrali s ta Umbcrto Pergher, que era Engenhei ro-Chefe de
80 - PIR ES, ob. cit., p. 96-98 .
uma empreiteira, na cidade de Bagé, colocou à disposição do exército caminhões, dinamite e gasolma, e participou da formação de uma milícia, que deveria enfrentar a Brigada Militar caso esta mterviesse em favor de Goulart.{&l)
Outro integra lista da mesma cidade relatava a Salgado sua participação na conspiração e na formação daquela milicia: "Foi realizado em Bagé um Movm1ento de Resistência Democrática, em princípios de Março, para cujo Movimento fomos convidados. Este Movimento era dirigido por 18 membros, a fim de fazermos através da I mprensa escrita e falada o combate ao comwusmo e ao passado desgoverno de João Goulart. Com grande satisfação, tenho a informar ao Chefe que os dois elementos que mais se destacaram pela sua combatividade ao comunismo e ao desgoverno passado foram justamente os doi s mtegralistas que dele faziam parte: dr. Telmo CaJ1diota da Rosa, por smal convidado para presidir o Movin1ento, e este seu modesto mas sincero e leal seguidor. [ ... ] Durante os dias da Revolução, estive de arma na mão, no aquartelamento feito na sede do Jóquei C1ub, pertencente à Associação Rural de Bagé. A coisa aqui esteve muito feia com o caso dos sargentos, e os quartéis não tendo segurança interna, nós que estávamos armados na Rural era quem fazíamos a revi são nas estradas das saídas e chegadas da cidade, revisaJ1do todos os veículos que por lá passavam. Foi um graJ1de serviço prestado pela Associação Rural de Bagé à Revolução. [ ... ] O companheiro Pe rgher, inclusive, pôs os caminhões da Rodopav à disposição do Exército, o que feLizmente não foi necessá rio. Éramos um total de apenas 80 homens, mas constava que éramos 500,1000 ou mais. [ ... ] Passamos 3 dias e 3 noites sem do rmir, de vigília permanente, até que chegou a tão almejada vitória." (8')
Consumado o golpe, Salgado passou a veicular uma versão fantasiosa, sustentando que toda a mobilização e articulação que redundou no golpe foi conduzida pelo integralismo. Esta
81 - CAlIL, Gilberto, SILVA, Cát ia e BATISTA, Neusa. Depoimento de Dolmv Tarasconi. Porto Alegre : COAIBPRP, 2000, p. 45. 81 - Id.ib., p. 46. 83 - Cf. CALJL, Gilberto, SILVA, Carla l ucia na & BATISTA, Neusa . Depoimenfo de Umberto Pergher, Porto Alegre, CDAIBPRP, 1998, p. 41 . 84 - Correspondênc ia de Antonio Carlos Belló a Plínio Salgado, 26 .5.1964 (APHRC-Pprp 64.05.26/1) .
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UÜl ór;a & L uta d e C laHu . 75
versão está presente em di versas cartas e telegramas, trazendo a lgumas informações plaus íveis mis turadas a evidentes exageros. Segundo ele, "tudo o que foi feito salvação nacional teve origem integralismo". I&') Os eventos de Minas Gerais eram ressaltados, tan to no que se refere à construção de um ambiente favorável, como ao desen cadeamento da ação militar: "Nosso companheiro integralista Mourão tomou iniciativa Minas onde te rreno preparado companheiros Abel Rafael e Anibal Teixeira".IIJ6)
Os trechos d e uma correspondência aba ixo exemplificam seus principais argumentos: "Antes de mais nada, falem os da revolução vitoriosa. Foi obra· exclusivamente dos integralistas. Faz mais de um ano que venho tendo entendimentos com o nosso companheiro general Mourão, que foi o chefe do estado maior da milícia dos camisas-verdes, quando capitão. Ele preparou tudo n o Rio Grande do Sul, quando comandava naquele estado. Transfe rido para São Paulo, como Comandante da 2" Região Militar, encontramo-nos numerosas vezes, tudo preparando em nosso Estado. Tendo o Jango transferido Mourão para Jui z de Fora, ali arti culou todas guanuções d e Minas. Ao mesmo tempo, os deputados Abel Rafael e Aniba l Teixeira, com discursos e conflitos de rua, cri a ram o clima propício entre os mineiros.
Concomitantemente, nossos companheiros Pi res e Hoffmann, secretários de Estado no Governo Meneguetti, agita ram o Ri o Grande do Sul, arti culando o movimento. Na mesma ocasião, agiam os companheiros do Paraná, de Pernambuco e do Ceará, com g rande êx ito.
osso companhe iro Coronel Astrogildo, da reserva do Exército, viajou por todos os estados, articulando.
Na Marinha, o nosso companheiro Almirante HasseIman trabalhava a tivamente, ali se extinguindo as dissensões oriundas dos acontecimentos de novembro de 1955, unindo-se todos os grupos inclus ive o do Almirante Heck, que se tornou nosso aliado. Conversei com os governadores Meneguetti e Adhemar, que es-
tavam firmes em suas decisões, assim como com Juscelino e Carl os Lacerda. Quando Coulart cometeu a insensatez do comicio de 13 de março, a Bancada do nosso Partido na Câmara Federal fo i a única que lançou um Manifesto à Nação, de tal maneira corajoso e violento que nos arri scávamos a ser incursos na Lei de Segurança. Em seguida fui a São Paulo, e na mardla de um milhão de pessoas, quando todos os oradores falavam em termos vagos, pronunciei um discurso apelando para as Forças Armadas e parti cularmente para o 2° Exército. Segui para o Ri o, onde fi z a articulação dos sargentos, valendo-me da circunstância de serem os três pres identes dos Clubes de Sargentos (Ma ri nha, Exército e Aeronáuti ca) nossos companheiros, bons integra listas. Isso de tal so rte que, ex is tindo no Rio 12 mil sargentos, só compareceram na homenagem ao Jango 150. Fa ltava a iniciativa. Quem a tomou foi O Genera l Mourão, nosso compan heiro de idea l. Arriscou sua ca rreira e sua vida. Levantou Minas Gerais em peso. Cumpre dizer que o comandante da Força PÚblica em Minas, co ronel Geraldo, é velho camisa-verde". (87)
A despeito dos exageros, diversas in formações arroladas no relato de Salgado expressam a efeti va participação dos integralistas na arti culação do golpe. Os diversos militares citados por Salgado - Mourão, Hasselman, As trog ild o -, eram efetivamente integralistas e é provável que esti vessem de fa to em con tato com Salgado.
Da meSma fo rma, a pa rti cipação de integralis tas nas mobilizações em favo r da depos ição de Goula rt fo i relevante, em especia l em Minas Gerais, São Paulo e Ri o Grande do Su l, da mesma forma que a intervenção dos integ ra lis tas no debate parlamentar contribuiu para o acirramento do confron to.
A participação dos integrali stas no processo de des legitimação do governo Goular t, nas articulações gol pistas e nas mobilizações que criaram um clima propício ao desencadeamento do golpe militar é um e lemento a mais a ser considerado na análise da ampla coali zão for-
65 _ Telegrama de Plínio Sa lgado a Tarquinio, 14.4.1964 (APHRC-Pprp 64.04.14/ 17). 86 _ Telegrama de Plín io Salgado a Ra imundo Rubes, 14.4.1964 (APHRC·Pprp 64.04. 14/ 131. 87 _ Correspondência de Plínio Salgado a Castorino. 23.4.1964 (APHRC·Pprp 64 .04.23/2).
c
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76 - Os IlIlegra/istas e o Golpe de 64
mada para a derrubada do governo Coulart e imposição de uma nova ordem ditatorial, contand o com ramificações na soc iedade civil , envolvimento de grupos po líticos diversos e conspiradores militares, além do apoio financeiro, político e diplomático estadunidense.
mente pouca visibilidade e seja normalmente desconsiderada pela rustori.ografia, foi relevante e efetiva, cumprindo importantes funções na conspiração gol pista. •
Embora tal intervenção tenha tido relativa-
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H"stil "a &
Em 1978, em O escravismo colonial, Jacob Gorender apresentou as leis
tendenciais do modo de produção escravista colonial a partir da crítica
categorial-sistemática da formação social escravista brasileira, pondo fim
à dicotomia feudalismo-capitalismo.
A concomitante retomada das lutas sociais no Brasil abriu espaço para a
forte repercussão nas ciências sociais daquela obra. A flexão do movi
mento social e a posterior vitória da contra-revolução mundial deu-se no
contexto de ofensiva objetiva e subjetiva contra o mundo do trabalho.
No mundo acadêmico, empreendeu-se ataque sistemático àquela inter
pretação que teve como ponto nodal o debate sobre a brecha camponesa.
o Escravismo Colonial A Revolução Uopernicana de Jacob Gorende
Mário Maestri
Agradecemo s a leitura e crítica da lingüista Florence Carboni, do jornalista Duarte Pereira,
do historiador Théo Lobarinhas Pineiro e o apoio documental do dr. Antônio Ozaí da Silva ..
Mário Macstri , 56 . é doutor em hist6ria pela Ue L, Bélgica, c professor do Programa de Pós-Graduação em História da UPF, RS.lIlaest ri @v ia-rs. nct
acob Gorender nasceu em 20 de jan eiro de 1923, em Salvador, onde viveu sua infância nos co rti ços habitados pe la comunidade pobre daqu ela cid ade. Seu pai, Nathan Gorender, judeu ucraniano socialista e anti-s ionis ta, emigrara após as jornadas revolucioná ri as de 1905 para a A rgentina, onde vivera por
cinco anos. A seguir, talvez atraído pe la pequena comunidade judaica de Sa lvador, parti u pa ra a Bahia, onde viveu e trabalhou humildemente como vendedor a pres tação.
Após concluir os es tudos primári os na Escola Is raelita Brasileira Jacob Dinenzon, de ] 933 a 1940, Jacob Gorender prosseguiu os estudos g inasiais e o preparatório no Ginásio da Bahia, esco la pública de grande prestígio, freqüenlada habitu almente pelos filh os da elite ba iana.
Em 194], matri culou-se na Faculdade de Direito daquela cidade, onde se manteve até "1943. Militante da União de Es tudan tes da Bahi a, em inícios de 1942, foi cooptado para pequena célula unive rsitária comunista fundada po r Mário Alves e Ariston Andrade, que secund avam no meio es tudantil a rearti culação do PCB na Bahia empreendida po r Giocondo Dias.
4
r 78 - o Escravismo Colonial
Os jovens estudantes comunistas part iciparam ativamente da mobilização pela entrada do Brasil na II Guerra, que cresceu fortemente com os torpedeamentos de navios brasileiros. Seis décadas após os fatos, Gorender lembra a emoção despe rtada pelos cadáveres de passageiros que chegavam às costas baianas. Nesses anos, trabal hou como repórter nos jornais O Imparcial e O Estado da Bahia. (2)
Em 1943, Gorender, Ariston Andrade e Mário Alves arrolaram-se na FEB, em resposta ao desa-
fio lançado pelo general Demerval Peixoto, comandante da VI Região Militar, aos estudantes que exigiam nas ruas a declaração de guerra. Mário Alves foi, porém, reprovado no exame médico. Na viagem para o Sul, Gorender conheceu a bordo de pequeno navio transporte a despreocupação acintosa dos oficiais com os praças, obrigados literalmente a alimentar-se com carne crua, motivo de uma quase revolta em alto mar, que Gorender contornou ao interceder junto aos oficiais pela melhoria no tratamento alimentar.
Partindo para o front
Com 21 anos, em Pindamonhangaba e no Rio de Janeiro, Gorender recebeu treinamento
mil itar como membro do corpo de comunicações, partindo a seguir para o porto de Nápoles, no su l da Itáli", onde chegou em setembro de :1944. No fronte de batalha, participou dos ataq ues ao Monte Castelo e a Montese, no outono-inverno de 1944, acompanh"ndo a ofens iva ai iada até o fim da guerra.
Gorender lembra que, durante a campanha, não raro, era acordado, com seus companheiros, à noite, sob o frio in vernal, para elllprCCnder operações na chamada terra de ninguém, estendendo ou remendando cabos de comunicação part idos. Estacionado em Pistóia, freqüentou a sede do Partido Comunista I taliano, presen ciando d iscurso de Palmiro Togli atti, secretário-gerai do PC! e ho mem de confiança de JosefStalin na Itália. De vo lta ao Brasil, na Bahia, retomou o CLl[SO universi tário, que abandonou muito logo para militar profiss ionalmente no PCB, lega lizad o em 1945. Em fins de ·1946, já no Rio de Janei ro, Gorender ingressou na redação do semanário comunista A Classe Operária e
no secretariado metropolitano do PCB. A Guerra Fria ensejou o abandono da política de colaboração do PCB com as elites nacionais, por I inha semi-insurrecional de confronto direto com o Estado e co m O governo conservad o r de Eur ico Gaspar Dutra [1946-50J - Manifesto de Luís Ca rl os Prestes, de agosto de 1950.
A o ri entação esquerdista prosseguiu, aos menos reto ricamente, mesmo após a v itória de Getú li o Vargas, em fins de ]950. Em :1951 -3, Gorender transferiu-se para São Paulo, entrando no Comitê Estadual do PCB, novamente na ilegalidade, desde maio de 1947. (3)
De vo lta ao Rio de Janeiro, em 1953, parti cipou da organização dos "cham ados C/lrsos Stalin", destinados a militantes e dirigentes co-1l1unistas. (4) Nesses anos, trabaU1 0U no diári o
comunista Imprensa Popular e conviveu com a geração de ferro stalinista brasileira, 11" qual destacavam-se Carlos Marighella, João Amazonas, Diógenes de Arruda Câmara e Pedro Foc
mar, que se entregavam sem reservas e grandes inquietações teórico-intelectuais à revolução, como lembrar ia anos mais tarde. (:;)
Nova Política
Em novembro de 1954, Gorender foi eleito membro suplente do comitê central, no lV
Congresso do PCB, rea lizado em São Paulo, que reaf irm ou o caráter do Bras il conlO "país
semicolonial e semifeudal " e a " luta por Ulll
govern o democrático e popular" dirigid o por "Frente Democrát ica de Liberação Nacio nal". Apesar da linha dura, o PCB apoiou nas cle i-
2 - Cf. TOlEDO, Caio Navarro de. Natas sabre Jacob Gorender: a engajamento intelectual SEM IN ÁR IOS, No. 2, São Paulo, Arquivo do Estado/lmprensa Oficia l do Estado, maio 2003; MAESTRI, Mário. Da Europa, o ollJar crítico sobre o Brasil. IEntrevista a J. GorenderJ. DIÁRI O DO SUl. Porto Alegre, Rio Grande do Sul. 91 10/1987; Entrevista em 7/12/2003, na residência de J. Go render, em São Paulo. 3 - Cf. MAESTRI. Entrevista cita da.
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/-fi çt ó ria & Lu ta tl e ClOUH - 79
ções de outubro de 1955 a aliança PDS-PTB que apresentou Juscelino Kubitsd1ek e João Coulart à presidência e vice-presidência [1956-61 l.
Em 1955, Corender integrou a segunda turma brasileira a cursar a escola superi or de formação de quadros do PCURS, em PUSd1kino, na antiga sede da Inte rnacional Comunis ta, a Lms trinta quilôm etros de Moscou. A pesar do seu baixo nível teórico e cultural, O curso permitiria-lhe dominar o russo e, mais tarde, traduzir ao português a lguns dássicos do marx ismo stalinista. Durante a escola, iniciou seu relacionamento com a companheira de toda a sua vida, uma das dez comunistas que seguiam a escola. Idealina da Silva Fernandes era fi lh a do operário eletricista Hermogênio da Silva Fernandes, um dos fundad ores do PCB, em 1922.
Em Moscou, os comunis tas bras ileiros foram notificados p a rc ia lm ente d o rela tó ri o de Kruschev sobre Stá liJ1, em 1956, que Corender pode ler, na su a totalidade, em edição reservada aos funcionários do PCURS. As revelações de Kruschev lançaram o movimento comunista na confusão e apressaram o retorno dos brasileiros de M oscou, em meados de 1957. (6)
De volta ao Bras il, no Rio de Janeiro, di rigiu a Imprensa Popular e, a seguir, o semanário Voz Operária, onde hav iam sido abertas co lunas de debates sobre a s ituação do PCB, algo inusitado até então. Em 1958, com a aprovação de Prestes, C iocondo Dias reuniu pequeno g rupo de diri gentes -A lberto Passos Cuin1arães, Mário Alves, Armênio Cuedes, Jacob Corender - para redigiram documento substil·uti vo à orientação ofi ciai, à margem do Comitê Central, onde tinham fo rça stalinistas como João Amazonas, Dipognes Arruda, Pedro Ped ro Pomar e Maurício Crabois.
Publicado na Imprensa Popular e a seguir como li vrelo, o documento conhecido como a "Decla ração de Março" materi ali zou a definitiva subs tituição da po líti ca esquerdi sta que regera o pa rtido após sua ilega lização por propos ta de direita, de ali ança com a bllrgllesia nacional e progressis ta. Por pr imeira vez, propunhase a poss ibilidade da conquista pacífica do poder, materi al ização no Brasil da nova oricn tll
ção mundial da burocracia soviéti ca de coex istência pacífica. O carMer da revolução bras il eira, diz ia o documento, era antiimpcri <:l l ist·a c antifeudal, nacional e democr5tico.
Burguesia progressista
A nova política es tava sendo aplicada des de o apoio do PCB à candid atura Jusce li
no Kubitsd1ek. Apoio que, segund o Corender, teria tido impo rtância talvez decis iva na eleição de JK, devido aos quinhentos mil votos decisivos advindos d o PCB. A nova guinada levou à saída de Maurício Crabois e João Amazonas da Comissão Executiva e ao ingresso na mesma de Giocondo Dias e Mário Alves.
Em setembro de 1960, no V Congresso, realizado na Cinelândia, no Rio de Jane iro, em semi-legalidade, Jacob Corender, com 37 anos, fo i eleito m embro pleno do Comitê Central do PCB e Má rio Alves e Ca rl os Mari ghella, des ignados para sua Comissão Executi va. O encontro aprofundou a po lítica de apo io à "burguesia nacional": "As tarefas fundamentais I···J são
4 - Cf. TOlEOO. Ob.cit. 5 _ Cf. MAESTAI. Entrevista citada.
a conquista da eman cipação do país do domíni o imperialista c a climinaç50 da cstrulul"il agrár ia atrasada 1 ... 1 o estabelecimento de amplas liberdades democráti cas e a melho ri a das condições de vida das massas pO]JLli ares." (7)
• Com a renúncia de Jânio e a posse de João
Coulart 11961-641. ap rofundou-se radica lmente o atrelamento da direção do PCB, comandada por Prestes, à política po pu lista e il pro posta de mod ifi cação da Constituição, para a reeleição de Jango, em um momento em que se precipitava a crise política e social. Ao contrári o do ocorrido durante o gove rno JK, era d ireto e freqüente o contato da d ireção po lít ica do PCB, em geral, e de Pres tes, em parti cu la r, com João Coulart e com seu governo. Nesse contexto, fortaleceu-se no PCB seto r defendendo mai-
S _ DIAS, GiocondoA vida de um revolucionário: meio século de história política no Brasil. 20 ed. Rio de Janeiro: Agir, 1993. p. 190. l- DIAS. Ob.cit. p. 210 .
4
xo - o E.\'cral'ismo Colonial
or aprofundamento da lu ta social e au tonomia diante do bloco social dominante no governo.
Em 1962, na N Conferência, Marighell a, Mário Alves e jover Telles, da Comissão Executiva, criticam os "desvios de direita" da d ireção, propondo a "substituição do f ... 1 governo por outro nacionalis ta e democrático, do qual esti vessem excluídos os elementos conciliadores". (")
Em 1959-61, a vitória da revolução cubana ga lvanizara a esquerda revolucionári a latino-
americana com sua proposta de conquista imed iata do poder através da formação do foco guerrilheiro.(') No mesmo ano, a modificação da designação de Partido Comunista do Brasil para Partido Comunista Brasileiro [PCB), com o objetivo de facilitar a legalização do Partido, ensejou que João Amazonas, Pedro Pomar e Mau rício Grabois comandassem fracionamento do partido e fundação do Partido Comunista do Brasil.
Virada à esquerda
Nesses anos, o PCB era a única organização de esquerda com rea is raízes no mov i
mento social. Num sentido sociológico gera l, no contexto e nos limi tes da cu ltura política stalinista, sua facção de esquerda sofr ia a influência dos segmentos class istas da classe trabalhadora em contradição com a política de colaboração de classes da direção do PCB.
Em jane iro de 1958, Jacob Gorender publicara os ensa ios "Correntes socio lógicas no Bras il", na rev ista ESTUDOS SOCl A IS; em janeiro de 1960, "A ques tão Hegel", na mesma rev ista e, em janeiro de 1963, "Contradições do desenvo lvimento econômico no Brasi l", na Revista PROBLEMAS DA PAZ E DO SOCIA LISMO. (lO)
Em 1961 , trad uziu, com Mário Alves, o Manllal de economia política, da Academia de Ciências da URSS e, no ano segu inte, Fundamentos do marxismo-leninislIIo, obra coletiva de sta lini stas soviéticos, ambos publicados pela Ed itora Vitó ri a, do PCB. (li)
Em 1964, a grande desmora li zação da d ireção do PCB, dev ido à vitória do go lpe militar, em 1 de abril, sem resistência, fo rtaleceu a opo-
sição de esquerda do PCB, na qual participavam Apolônio de Carvalho, Carlos Marighella, Jacob Gorender, Joaquim Câmara Ferreira, Manuel jover TeIles, Mário Alves, Miguel Batista do Santos, entre outros. Porém, em 1965-6, a disputa pelo controle da direção do partido seria vencida pelo grupo prestista. (12)
A oposição de esquerda foi expulsa do PCB, sem nem mesmo poder defender suas posições no VI Congresso, em dezembro de 1967. A direção comunista tomara a "decisão de proibir a participação dos delegados e suplentes da oposição: Carlos Marighella, Mário Alves, Manoel Jover Te lles, Joaq uim Câmara Ferreira, Apolônio de Carvalho, Jacob Gorender e Miguel Batista dos Santos." (13)
A política recessiva implementada pelo governo Castelo Branco, em respeito às exigências do grande capital financeiro, ensejou forte reação e rea rti culação popular, sobretudo a partir de 1967, aprofundando a crise e o fracionamento do PCB em organizações, em geral influenciadas pela vitória da Revolução Cubana e pela revo lução vietnamita.
Renovação revolucionária
Em abril de 1968, no Rio de Janeiro, o Pa rti- I PCBR-foifundado,sob a direçãodeMárioAlves, do Comun.ista Bras ile iro Revolucionário - Apolônio de Carvalho, Jacob Gorender e outros
6 - Id.ib. p. 111.
9 - Cf. Oebret, Reg is. Revolution dans la réva/urion? Lutte armée ef luue politique en Amérique Latine. Paris: Fra nçois Maspero, 1967. 10 - Cf. GORENDEA, Jacob. Correntes sociológicas fiO Brasil. ESTUDOS SOCIAIS, n. 3-4, Rio de Janeiro, 1958; -A questão Heger. ESTUDOS SOCIAIS, n. 8, Rio de Janeiro, 1960; Contradições do desenvolvimento econômico no Br8sil. PROBLEMAS DA PAZ E DO SOCIALISMO, n. 2, Rio de Janeiro, 1963. 11 - Cf. PEREIRA, Duarte. Marxis mo sem classe operária. Princípios, nO 56, São Paulo, fevereiro/abril de 2000, pp. 12-21. 12 - Cf. Mário Alves de Souza Vieira. Secretário-Geral do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). www.torturanuncamais.org.br/mtnm morl mor desaparecidos/mor mario vieira.htm . -13 ~ CI. DIAS. Ob .c it. p~ 166. -
His t tÍ ria & Luta d e C/aoUf' .ç - HI
comunistas de esquerda . A nova organização propunha "renovação" revolucionária do antigo PCB, como sugeri a o nome que assumia . 1141
Marighella e Câmara Ferreira, ao contrário, hav iam fundado aALN, grupo guerrilheiro que se afas tava de qualquer versão político-partidári a le ninis ta e marxis ta. Diversos comunistas abandonaram o PCB para ingressar no PC do B., ou para fund ar e pa rticipar em outras o rganizações militaristas - VPR, Var Palmares, MR8, POC, etc.
O PCBR constituiu o rganização híbrida, com alguma força no Rio de Jane iro, no Paraná, no Espírito Santo e no Nordes te. No plano político, rejeitava a aliança com a burguesia, mas negava a luta direta pe lo socia li smo. No plano táti co-o rganizacional, defendia a luta soc ia l e s indica l, que fora desprestigiada pela derrota da esquerda diante dos militares em 1964, associada à luta armada no campo, fo rtemente pres ti giada pela recente vitó ri a cubana, em 1959-61, e pela luta vietnamita, então em curso.
o caráter híbrido do PCBR contribuiu para que fosse rapidamente destru ído, já que manti nha a organização anterior, necessária à intervenção no movilnento de massas, seln assutllir estrutura organizacional ri gidamente estanque dos g rupos mi litaris tas, impresc indível para resistir por maior tempo aos ataq ues policia is. Em 12 de janeiro de 1970, iniciaram-se as quedas que desorganizaram a direção histórica do PCBR. Mário Alves, secretário-geral do PCB R, caiu no Rio de Jane iro, sendo executado após torturas inomináveis.
No dia 20, em São Paulo, depois de seis anos na clandestinidade, Jacob Gorender era preso e igualmente torturado. Na ofensiva policia l foram detidos Apolônio de Carvalho e outros d irigentes da "velha guarda", ensejando que a nova direção aprofu ndasse a via militarista definida na fundação do grupo. Em abri l de "1 969, o PCB R iniciara operações de "propaganda armada urban a", sob a pressão de m.ilit5ncia que dcixavJ J
organização por gru pos Inilitaristas 1l1ais ati vos.
Fora da linha
JaCOb Gorender divergira da o rientação guerrilheíra, apoiada por Mário Alves, mantendo
se à margem das ações armadas, apontando a "hemo rragia" em que vi via a esquerda armada, envo lvida n o ciclo vicioso ações armadas-quedas que lhe esgotava as forças e os quadros. Já então, Gorender dedicava-se à investigação sobre o caráter da formação social brasileira e da revolução brasi lei ra. (I;;)
Na prisão, Gorender apresentou, sob forma de curso, primeiro plano de sua interpretação da formação social brasileira que defendia a transição da sociedade brasileira, do escrav ismo ao capita-
lismo, sem passagem pelo feudalismo. Essa interpretação, se corrctJ, determinava ti nccessidJ
de da luta direta pelo socialismo, desca rtando conseqüentemente a etapa anti feudal, apoiada na burguesia progress ista, defendida pela Decla ração de Março, de 1958, que o próprio Corender ajudara a produzir. Em outub ro de ·197"1, Jacob Corcndcr concl uiu os dois .:111 05 de cnCll l"ccra
menta a que fora con'denado. Fora da prisão, ja-111ais vo ltou à m.ilitância rcvolucion6ri o orgânica, tendo se inscrito tard iamente no PT, em meados dos anos :1 990, sem participar ativa mente da sua vida interna ou de alguma de suas tendências. 1"1
A redação de O escravismo colonial- Uma Revolução Copernicana
E m fin s de ] 97"1, em libe rd ade, Jacob Gorender manteve-se com o traba lho de
traduto r, dedicando-se na medida das possibilidades a sua investigação sobre a formação social bras ileira. Em 1974, aos 51 anos, com o apo io
econômico de a lguns amigos, entre e les José Adolfo Cranvill e e Jacq ues Brey ton, francês e ex-resistente, ded icou-se plenamenle à redação de O escravismo co lonial, qu e comple tou do is anos mais tarde, em 1976, a inda em plena di ta-
14 _ CARVALHO, Apo lônio. Vale a pena sonhar. 2a ed. Rio de Ja neiro: Roeco, 1997. p. 200. 15 - Id.ib. 203. , 16 _ GORENDEA, Jacob. Combate nas trevas. 5(1 ed. Ver., ampliada e atualizada. São Pa ulo: Atica, 1998. pp. 20 1 el seq. ; PEREIRA. Ob.cil.
t
s
82 - o Escravismo ColOllial
dura mil itar [1964-85]_ (17) Em 1978, depois de demorado exame, O escravismo colonial era lançado pela Edjtora Ática, de São Paul o_
Para surpresa do autor e dos editores, tamanho foi O sucesso da volwnosa obra no mundo acadêmko que a edição esgotou-se rapidamente após o lançamento, ensejando W11a segunda ed ição illnda no mesmo ano. A tese com cerca de se iscentas páginas e fetuava revo lu ção coperrucana nas ciências sociais brasileiras. Efeti vamente, ao apresentar exaus tivamente a defesa do caráte r escravista colonial do passado brasileira, superava a falsa polêmica passado feudalpassado capitalista que dividira por décadas as ciências sociills e a esquerda brasileira. AIgw1s dos mais ásperos debates político-ideológicos no
Brasil haviam se centrado sobre essa questão. A origem do impasse teórico era antiga e ti
nha raízes complexas. A hegem onia stalirusta sobre o marxism o e o movimento operário ensejara que as sociedades extra-euro péias fossem necessariamente enquadradas em um dos estágios da linha interpretativa marxiana do desenvolvimento europeu - comunismo primitivo-escravismo cláss ico-fe ud alismo-capi talis tamo-socialismo. Em 1928, quando do VI Congresso da Inte rnacional Comunis ta, esse procedimento teórico dogmático transformouse em política oficial para o mundo colorual e semicolorual, sendo implementada no Brasil e na América Latina pelo Bureau Sul-Americano da IC, sed iado em Montevidéu. ( 18)
Diplomacia soviética
Essa leitura não constituía erro ou desvio de aplicação de método marx ista. Era orienta
ção política da burocracia soviéti ca que impulsionava a pacificação do movimento social dos países do Terceiro Mundo, submetendo-o às burguesias nacionais e às necess idades conjunturais da diplomacia do Estado soviético.
Expressava e apo iava-se também em segmento sociais proprietários, das classes méd ias, da burocracia sindical e da elite operária interessados nessa colaboração. A defini ção do caráter co lonial, semi-colonia l, feudal e semi-feudal das nações de capita lismo atrasado justifi cava a po líti ca de alian ça e de s ubmi ssão programática dos trabalhadores as suas burguesias nacionais, em frente anti impe riali s ta e anti latifu ndiária que excl uía a luta anti-capitalis ta.
Apenas vencida a etapa democrát ica da revo lu ção, se ria empreendida, a lgum di a, ago ra sob a direção opcrór ia, a lutiJ pela superação socia lis ta do capita lismo. No Bras il, para corroborar essa v isão, a intclcctualidadc orgânica comunis ta in te rpreto u a luta socia l no passad o bras ile iro a partir do confronto entre o camponês pobre sem te rra e o latifundiário semi-feudal.
17 - GORENDEA. Jaco b. o escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1978 .
O intelectual e militante comunista Alberto Passos Guimarães criou arbitrariamente uma sociedade camponesa desde o início da colonização, forma tando literalmente o passado e a história nacionais às necessidades dessa interpretação_ Em seu livro Quatro séculos de latifúndio, de grande repercussão, o pensado r comW1ista propunha: "Jamills, ao longo de toda a história da sociedade brasileira, esteve ausente, por um instante sequer, o inconci li ável antagonismo entre a classe dos latifundiári os e a classe camponesa, tal como igualmente sucedeu em qualquer tempo e em qualquer parte do mW1do." (191
Entretanto, no Brasil, por séculos, dominaria a produção escravis ta co lonia l e a qu ase inexistência de um campesinato propriamente dito. ~Ol
Em lº de abril de 1964, a política de aliança anti imperialista e anti-lati fundiária mostrou sua inconseqüência objetiva quando, sem qualquer prurido, a burguesia nacional, delllocrática e progressista integrou a vanguarda social do movimento militar que impôs seus interesses estratég icos de super-exploração e destru ição de conquistas históricas do mundo do trabaUlo, em associação com o imperi alismo, com o capital financeiro e com o latifúndio.
18 - LAPA, José ~oberto do Amara l [Org .] Modos de Produção 8 (ealidade brasileira. Petrópo li s: Vozes , 1980. p. 11 . 19 - Cf. GUIMARAES, Alberto Passos. Quatro séculos de latifúndio: 3 ~ ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, sd. p. l la. 20 - Cf. MAESTRI , Mário. A aldeia ausente: índios. escravos e imigrantes na formação do campesinato brasileiro.
4
/J i .ç tÚria & l.ula de C laHes - 83
Esquerda marxista
Grupos m arxistas revolucionários frágeis -Organização Revolucionária Marxista-Po
lítica Operária, pequenos grupos trotsldstas, etc. -, em oposição ao projeto nacional-desenvolvimentista burguês, propunham programa socialista para a revolução brasileira. Porém, deduziam a corre ta caracterização capitalista do Brasil da cons ta tação sumária de determinações gerais da ordem mundial e da sociedade bras ile ira. Evacuava-se a questão do caráter da antiga formação social com definição sumária do domínio de relações capitalistas desde a Colônia. (21)
Em "Programa Socialista para o Brasi l", de 1967, a OMR-POLOP deduziu o caráter socialista da revolução no Brasil da situação mund ial da luta de classes, pautada pela contradição entre o capital imperialista e a revolução socialista, que definia em fase sua conclus iva. "Vivemos na é poca do confronto final entre o velho regime capitalista e as forças que lutam pelo
. I· [I " (22) socla lsmo .... Mesmo nos "países subdesenvolvidos", "par
te do mercado capitalista munclial", "onde não"
estava "suficientemente amadurecida a contradição" capital-trabalho, impunha-se a lu ta socialista, dev ido à contradição maior e estarem essas regiões imposs ibil itadas "de repetir o processo de desenvolvimento trilhado pelas nações capitalistas avançadas". Portanto, pouca importância tinham as "diferenciações sensíveis" existentes entre nações ameri canas que "passaram por fases de industrialização, possuindo um proletariado desenvolvido" e os "países que continuam a viver praticamente da monocultura de produtos tropicais". A dominação imperialista, o geral, determinava para qualquer nação, o particular, a luta anti-capitalista direta.
O Brasil era definido como "país cap itali sta industrial", de "desenvolvimento, bloqueado", "em processo de integração com o sistema imperialista", com contrad ições com a "exploração latifundiá ri a do campo", às quais se hav ia "acomodado", já que o latifúndio "nLlda" Hnha de "feudal", já que "desde o período co lonial" fornec ia bas icamente "arti gos para o mercado", a fim de obter "lucro" .
Passado capitalista
O corte integracion is ta (23) da aná li se da OMR-PO não deixava espaço para refle
xões sobre a formação social brasileira, no passado e, portanto, suas tendências dominantes no presente. No docu mento há referências à "herança colonia l" e regis tro que, "pelo menos a pa rtir de 1930", a burgues ia não e ra mais "classe marginalizada do poder". Era muito sumária a abordagem d o golpe de 1964, "decorrência necessária da crise do regime burguês-latifundiário", certamente porque a luta socialista c armada independia deste e de outros sucessos contingentes.
Nesses a nos, para a q uase totalidade dos militantes revolucionários, a história do Brasi l
iniciava praticamente com a Revolução de 1930, já que apenas então se podia cons tatar intervenção nacional, ainda que frági l, da c1ilsse o perária do Bras il. Evacua vam-se os períodos colonial, imperia l e a Repúb li ca Velha como questões teóri cas, so lucionando-se ass im il impossibilidade de análise daqueles séculos com categorias próprias à produção capitali sta .
Em contexto de g rande pragmatismo, em pi rismo e propagandismo, militantes das o rganizações brasileiras com prog rama socia lis ta ou de li bertação nacional, em geral mu ito jovens, estudavam e d iscuti am com dedicação as experiências sov iéti ca, cubana, chincsiJ, vicl"rlamitLl,
argelina etc., despreocupados com a hi stóri a e a
21 _ Cf. PRADO JÚNIOR, Caio. A revolução brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1966; FRANK, A. G. Capitalismo e o miro do feudalismo 110 Brasil. Revista Brasiliense, n. 51. São Paulo, 1964. 22 _ REIS FILHO, O.A. & SÁ, J. F. de. IOrg.1 Imagens da revolução: documentos políticos das organizações c/andestillas do esquerda dos alias 1961 -1971. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1985. p. 89-117. 23 _ "1 .. . 1 Lógica do Integracionismo: A operação se efetua segundo o axioma de que as relações de dominância são sempre relações de integração idemificadora' o termo subordinado integra-se no termo dominante e, desde logo, tem a mesma identidade substantiva dele. ~ GORENDER, J. O escravismo Colonial. 401 ed. Rev. E ampl. São Paulo: Ática, 1985. P. 307
..
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84- o Escra vÚ'mo ColOllia l
rea.lidade brasileiras. Boa parte dessa mili tância permaneceu à margem da d iscussão que se estabeleceu, em 1978, em torno de O escravismo colonial, inconsciente do sentido e das decorrências profundas daquele traba lho.
Em O escravismo colonial, Jacob Gorender superava a tradicional apresentação crono lóg ica de cunho hís tor icista do passado do Bras il para definir em fo rma categori al-s istemá ti ca sua estrutu ra escrav ista colon ial. O u seja, empreend ia es tudo "estrutural" daquela rea lidade, para pene trar "as aparências fenomenais e revelar"
sua "estrutura essencial" . Isto é, seus elementos e conexões inte rnos e o movimento de suas contradições. (24)
Ao apli car cri ativamente o método marxista ao passado brasile iro, o auto r demarcava igualmente a necessidade de investigação exaustiva que rea lizasse a exegese de seu cará ter singular e, po rtanto, dos ritmos objetivos de seu desenvolvimento, a partir das suas contradições objeti vas inte rnas. Propunha, ass im, superação epistemológica radica l da interpre tação da formação socia l brasileira.
Contradições interna
Dor primeira vez, empreendia-se em fo rma .1.- s is temáti ca a inte rprct;:,ção do passado pré-Abo li ção a pa rtir de suas con tradições fund amenta is, a o pos ição entre o tr;:,b;:,lhad or escra v izado c o cscrav izad or. A té então, as mais e l;:, bo rad ;:,s inte rpretações d ;:, antiga fo rmação soc ial brasi le i ra apon ta vam co mo demi urgos soc ia is o senhor-de-engenho - na le itu ra de Gilbe rto Frey re, de 1933(") - e o e m p resá ri o cap i talis ta d o ca fé, d o oes te pa ulis ta. Essa ú ltima inte rpre tação, da Escola Pauli s ta de Socio logia, de 1950-60, pro punha o despo ti smo d a esc rav idão, uma fo rma de "capita li smo incomple to" e a impotência histó rica do traba lhado r escrav iz;:,d o. (2(,)
Fernando Henrique Cardoso s inte ti z;:, a v isão da impotência socia l servi l: "A libe rdade desejada e imposs íve l ap resent;:, va-se, po is, como mera necess idade subjeti va de a firmação, que não encontrava condi ções pa ra rea li -za r-se co nc re ta me nte. f ... 1 houve fu g;:,s , manumissões e reações. [ ... 1. A li berdade as-s im consegu ida o u outo rgada não imp licava em nenhum momento, porém, modificações na estrutura bás ica que definia ;:,s rel ações entre senho res e escravos f ... I." (27) O u seja, ao me-
nos n a escrav idão e no Brasil, a his tó ri a não fora p roduto da luta de classes .
Um dos pontos altos da inte rpretação de Gorender e ra a apresentação do traba lhador escrav izad o como "agente subjetivo do processo de trabaUloN, e não como Umáquinas" ou "outro bem de capital", ao igua l do formulad o po r a uto res co m Ca io Pra d o Júni or, Werneck Sodré, Fe rnando Henrique Cardoso e Ciro Flamari ón. Po rém, esse último autor, ao contrário dos ana lis tas ante rio res, propôs em fo rma cl a ra a domin ân cia n o Bras il de modo de produ ção escravis ta colonia l e jamais desco ns ide ro u o ca rá te r s ubje ti vo do agi r serv i I. (28)
O caminho para a interpre tação radical e sistemáti ca d o passad o bras ile iro d e Gorender não se de ra em espaço vaz io. Ele fo ra aberto po r m ovimentos teó ri cos em desenvolvimento no plan o nacional e in ternaciona l, anteri ores e contemporâneos àquela inves tigação.
No Brasil, interpretações his to ri cis tas ou sistemáti cas sumári as defendiam a exis tência de sistema escravista e a oposição entre o senhor e o cati vo como a contrad ição fund amental na pré-Abolição, com destaque para os trabalhos
24 - GOREN OER, Jacob. HO conceito de modo de produção e a pesquisa histÓricaH
• LAPA, José Roberto do Amaral lOrg.J HModos de produção e realidade brasileiraH
• Petró polis: Vozes, 1980. p. 45. 25 - Cf. FREYRE, Gilberto. ~Casa grande & senzala: formação da falllilia brasileira sob o regime de economia patriarcar . I 4a ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1969.2 v.
26 - Cf. FERNANDES, Florestan. ~M!Jdanças sociais fiO Brasir. São Paulo: Difel, 1960; HA integração do negro na sociedade de classcs H• 3a ed. São Paulo:
Ática, 1978; IAN NI , Octávio. ~As metamorfoses do escr.1vo~. São Paulo: Dife l, 1962; CA RDO SO, EH. -Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do s ur . São Pa ulo: Difel, 1962. 27 - Cf. CARDOSO, f. H. Ob .cit. p.14D-2. 28 - Cf. GORENDER, Jacob. -Questionamentos sobre a teoria econômica do escravismo cofoflial. ESTUDOS ECONÔMICOS~ , Instituto de Pesquisas Econõ. micas, IPE, São Paulo, 1311/. jan. -abril 1983, p. 16.
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H i,t llíria &: Lula de C/auu - 85
de Bejarnin Péret, de 1956 (29), de Clóvis Moura ~O), de 1959, J. Stanley Stein (31), de 1961, de Emi li a Vio tti da Costa, de 1966 (32), de Décio Freitas, de 1973 . (33)
No cen á rio inte rnacional, desempenhou papeI essen cia l na interpretação de Gorender o renascime nto d a discu ssão sobre a plurali dade de mod os de produção das formações sociais não européias, ensejado pelo enfraquecimento d a hegem onia mundial do stalinismo,
pe rmitida pe la forte retomada da revolução mundial. Essa discussão cen trou-se iniciahnente na proposta de Marx e Engels de "modo de produção asiático", com explo ração classista e sem apropriação privada dos meios de produção. (34)
Quando do lançamento de O escravismo colonial, havia muito que se consolidara no Bras il a di scussão sobre a divers idade de modos de produção na história e na América La tina. (35)
Economia política da escravidão
Em sentido mais específico, no contex to da d iscu ssão d as razões da guerra de Seces
são, Eugene D. Genovese apresentou estudo sobre o escravismo no sul dos USA onde defendeu a análise dessa realidade social a parti r de su as dinâmi cas, es truturas e contradições inte rnas. (36)
Nesse traba lho germinal, Genovese apontou a existência no sul dos USA de sistema social escravista que subordinava as outras formas de trabalho, d estacando seu caráter necessariamente colonial . Com pertinência, ressaltou a impropriedade d e definir como capitalista qualquer sociedade d ominada po r relações mercantis. Essas propostas fo ram ampliadas e aprofundadas em O escravismo colonial.
O histo riado r estadunidense jamais propõs a existência de modo de produção escrav is ta colonial no su I dos USA e vaci lou entre interpretação m ate ri ali sta e ideali sta da realidade. No momento em que defendia que o mundo escravista possuía sua lógica, moral e ideo lo-
gia próprias, deduzia mais de uma vez a d inâmica essencial dessa sociedade da visão m'islocrática dos escrav izadores.
Na introdução de seu magis tra l t raba lh o, Eugene D. Genovese propunha: "Tenho consciência que, em fim de contas, os verdadei ros problemas são de o rdem ideológica e ps icológica. Não se morre por nenhum in teresse m;)teri a l, suponde-se que algum o mereça, o que não é evidente." (37)
A seguir, o histo ri ado r abandonmia g rande pa rte das pro postas revolucionárias q ue enunciara em Economia política da escravidão. Porém, elas foram re tomadas ou estavam sendo desenvo lvidas por outros estudiosos, com destaque para O historiador Ciro Flamar ion Cardoso, já citado, que publicou em ]973 do is ;)rti gos germinais sobre as fo rm ações socia is escrav istas ameri canas, escritos no con tex to do desenvo lvimento de sua tese de do uto ramento sobre a Guian a Francesa, rcdigidíl na França, em 1967-7"1. (38)
29 _ Cf. PÉRET. Benjamin. Que loi o quilombo de Palmares? Revista Anhemb i, São Paulo, abril e maio, 1956; __ o O quilombo de Palmares . Org .. ensaios e comentários de Mário Maestri e Robert Ponge. Po rto Alegre: EdUFRGS, 2002. 30 _ Cf. MOURA. Clóvis. Rebeliões na senzala: quilombos. insurreições. guerrilhas. São Paulo: Zumbi. 1959. 31 _ Cf. STE1N. J. S. Grandeza e decadência do café no vale do Paraíba: Com referência especial ao município de Vassouras . São Paulo: Brasifiense. 1961 .
IOriginal em inglês 1957) 32 _ Cf. COSTA. Emília Viotti da. Da senzala à colônia. 2a ed. São Paulo: Ciências Humanas. 1982. 33 _ Cf. FREITAS. Décio. Palmares: a guerra dos escravos. Porto Alegre: Movimento. 1973. lPrimeira edição espanhol, 1971.) .. 34 _ Cf. SOFRI. Gianni. fi modo diproduzione asiático. Torino: Einaudi, 1969; SOFRI. ~O modo de produção asiático: história de um cOlllfovérsia lIU)rxlstn-. RIO de Janeiro: Paz e Terra. 1977; GOOEUEA/MARX/ENGElS, Sobre el modo de producción asiOfico. Barcelona: Martinez Roca, 1977. 35 _ Cf. ASS AOOURIAN. C.S. et ai. Modos de producción en América Latina. Buenos Aires : Siglo XXI, 1973; GEBRAN, Philomena 10rg.) Conceito de //Iotlo de produção. Rio de Janeiro : Paz e Terra , 1978; MEll lASSOUX, Claude. L 'esclavage en Afrique precoloniale: dix-sepr études présemées par. . . Paris: François Mas pero. 1975; MIERS, Suzanne & KOPYTOn, 19or. SIavery in Africa: historica! and anthropo!ogica! perspectivas. Wisconsin: Unlverslty of Wisconsin. 1977; GODEUER. Maurice. Sobre as sociedades pré-capdalistas.lisboa: Seara Nova, 1976. . 36 _ Cf. GENOVESE, Eugene. The po/itica! economy Df slavery. New York : Pantheon Books, 1965; GENOVESE. Economie po/itique de I' esc/fJVag . Paris: Ftançois M aspero, 1968; ,G ENOVESE. A economia política da escravidão. Rio de Janeiro : Pallas~ 1976. 37 _ Cf. GENOVESE, Eugene. Economie politique de "esc/avage. Ob.cit. p. 20. ITraduzimos do frances I . . . 38 _ Cf. CARDO SO, Ciro F. S. fI modo de producción esc/avista colonial en América. Assadourian et AI. C.S. et a!. Modos de producción en Amenca l atma. Ob.cit.; CA RDO SO, Ciro F. Escravo ou camponês? O protocampesinato negro nas Américas. São Paulo: Brasi liense, 1987. p. 31 ..
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r K6 - o Escra~islllo Col(Jflial
leis Tendenciais da Produção Escravista Colonial
Em O escravismo colonial, Jacob Gorender empreende crítica ca tegorial-sistemática da pro
dução escravista americana considerada como modo de produção hi stori camente novo, dev ido ao seu caráter dominantemente mercant il, que extremou qualitativamente determinaçõcs secundo:írias ou pouco desenvolvidas da produção patriarca l e pequeno-mercanti l do escravismo greco-romano. [.19) Gorender propõe que a escravidão co lonial tenha determinado essencialmente todas as sociedades americanas onde assumiu
papel dominante. Portanto, a fundamentação de sua investigação no caso bras ileiro deve-se também ao (ato de ter si do a li que a prod ução escravista colonial alcançou o mais acabado desenvolv imento - longevidade, espaço geográfico, variedade de produtos, número de cativos importados, influência na formação social, etc.
Ao empreende r a aná li se crítica da li teratura teó ri ca e da historiografia sobre o Br<Jsil escravista, através de rigorosa ap li cação do método marxis ta, associa criativamente os níveis históri co, lóg ico e metodológico de análise. Utili za como paradigma a apresentação das le is ten-
denciais da produção capitalis ta, em O capital, por Karl Marx, sem se negar a refutar referências marxianas ao escravismo moderno consideradas incorretas ou pouco desenvo lvidas.
Em capítulo dedicado a "refl exões metodológicas", Gorender inicia sua tese cUssociando-se da leitura a lthusseriaJl a da história e do ma DOS
mo, então em voga. (<<l) Dedica a "Primeira Parte" à definição do escrav ismo colonia l como categoria hi s to ri camente nova, no contexto da impu lsão do mercado inte rnacional e dos avanços materiais da época - transpo rte, moendas, etc. A seguir, apresenta as "categorias fundamentais" desse modo de produção, destacando a "categoria escravidão" e a "forma plantagem de organização da produção escravis ta". (<l)
Na "Segunda Parte", aborda a gênese históri ca da formação escravis ta luso-brasileira, através da crítica do espaço sócio-geográfico português, nativo e colon ial. Portanto, trata-se de processo de exposição que v io lenta conscientemen te a o rdem de investigação para empreender apresentação que parta do geral, para o parti cular, do abstrato para o concreto.
leis tendenciais
A longa "Terceira Parte" é dedicada 11 discussão das leis "monomodais", excl usivas do
modo de produção escravista colonial, em opos ição às leis "plurimodais", comuns a diversos modos de produção. As leis específ icas do escravismo colonial seriam: lei da rcnda monetária; lei da inversão inici<lJ da aquisiç50 do tra
balhador escravizado; leis da rigidez da m50 de obra escrav izada; lei da correlação entre economia mercanti l c economia natural na plantagcm escravista e lei da população escravizada. (42)
Nas quarta, quinta e sexta partes e em adendo final, discute respectivamente o "regime territorial c rcnda da terra", as "formas parti culares de escravidão", a "circulação e reprodução" no escrav ismo moderno e "as fazendas
escravistas do oeste de São Pau lo". A definição do caráter escrav is ta da cafeicultura do Oeste paulista constitu i refutação da proposta do caráter empresa ri al capita lista dos cafe icultores dessa região apresentados, como vimos, como dem iurgos da revolução burguesa no Brasil.
Apesa r do caráter multifacetad o da produção esc ravista colonial, pa ra Gorender, seu pólo dominante encontrava-se na g rande plantação escrav is ta - plantagel/l -, cujas ca racterísti cas descreve em fo rma minuciosa, ass im como as parti cularidades e as forças p rodutivas que a sustentaram. Nesse processo, destaca a coexistência estrutural na plantagem de correlação d ialética ent re esfera de produção, na tural e subordinada, e outra, mercantil e dominante.
39 - Cf. MAESTRI, Mário. Breve história da escravidão. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988. 40 - Cf. GORENDER. O escravismo colonial. Ob.cit. pp. 1-30 . 4i - Ci. id.ib. pp. 37·98. 42 - Cf. Id .ib. pp. 45·370.
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J1 isltÍria & Lula d e Cla \'.f f \' • S7
Era antiga na hi storiografia da escravidão a discussão sobre o ca ráter benigno ou despótico do escravismo americano. Durante decênios, a interpre tação patricarcalista de Gi lberto Frey re, que re tomava interpretações das próprias classes escravistas, fora vi são his toriográfica semi-oficial no Brasi l, tendo s ido o brilhante sociólogo agraciado pelo Estado com fundação para melhor desenvolver e pe rpetrar sua visão pacificadora e consoladora do passado c do presente brasileiros. (43)
Jacob Gorende r apresenta so lução teó ri ca estrutural para essa questão, ao lembrar que as característ icas patriarca is, consid eradas por Gilberto Frey re como a essência do escravi smo luso-bras ileiro c brasileiro eram, ao contrário, secundárias, já que se originam sobretudo na esfera natural de produção, sempre subo rdinada aos ritmos e sentidos da es fera mercantil, comandada essa última pelas inexoráveis ex igências e determinações da produ ção para o mercado mundial.
o geral e o particular
Essa compreensão de Gorender ressa ltava a imperiosa necessidade da aná lise dos fenô
menos sociais e hi stó ri cos no contex to da totalidade das est ruturas e form ações sociais em que se apresentam, para que se desvelem corretamente seus nexos e de terminações gerais e essencia is. Ou seja, a necessidade de não generaliza r o fenômeno histórico particular ou particu larizar o fenômeno geral.
O escravismo co lon ial nã o co ns ti tu ía monografia acadêmica iso lada, parte de divisão e especialização e rudita d o saber que se frustra ou se reaJl zâ, ao suprir, mais ou menos plenamente, as exigências de plano semi-anárquico do avanço do conhecimento, sempre determi nado pe las necess idades objetivas e subjetivas dos inte resses sociais hegemônicos. PIano em geral exterior ao processo de produção do investigador e, não raro, mais ou menos à margem de s ua consciência.
A inquirição sociológica de Jacob Corender, em O escravismo colonial, desenvolvi a-se "na perspectiva d o marxismo crí ti co e dialético" que considera, no contexto de sua "autonomia relativa", "o trabalho intelectual" como "d imensão das lutas políticas e ideo lógicas que perpassam a sociedade capita lista".I" ) Portanto, um
trabalho teóri co profundamente influenciado pela co rrelação objetiva de forças entre o Ill undo do trabalho e o mundo do ca pital.
Estritamente, trata vLl-SC de invcsti gaç50 com O objetivo de es tabe lece r bases Illetodológicas sólidas para a interpretação da lnodcrn a formaç50 social brasileira, para podcr transform<J ·la em sentido revolucionár io. Essa reflexão teve seguimento sobretudo em dois outros estudos fundamentai s, desenvo lvidos apenas sob fo rma de ensaios s intéticos - Gênese e desenvolvimento do capitalismo 110 campo iJrasileim e a Burguesia brasileira.!'''' Port~nto, toda essa refl ex50 desenvolveu-se no contexto da ·1 F Tese el e Marx, sobre Feuerbach, de J 845, o u seja, par~ "interpretar" O mundo social c, ass im, iljudar a "transfo rmá-lo", ao agir no sentido das fo rças tendenciais libertadoras. I"')
NUIll sen tido mais amplo, ao empreende r eco nomia po líti ca do modo d e prod uç50 escrav ista co lonial , Corcndcr contribuía para a construção de economia po lítica dos modos de produção pré-capitali sta s, capitali stas c póscap it ~li sta s, ao lado de obras como ~ Novo economia, do econo mis ta sov iéti co trotski sta E. Preobrazhensy, de Mulheres, ccll'iros & capitois, de C1~ude Meillassau x, entre outras. I")
43 _ Cf. MAESTRI, Mário. Gilberto Freyre: da Casa grande 80 Sobrado: gênese e dissolução do patriarcalismo escravista no Brasil. CADERNOS IHU, ano 2, n. 6,2004, Instituto Humanitas Unisinos, Unisinos, São Leopoldo. 31 pp . 44 - Cf. rOLEDD. Ob.cit. 45_ Cf. GORENDER. Gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro. Porto Alegre: Mercado Aberto, 19 67; GO RENDER. "'A burgue si a bra sile i·
ra". São Paulo: Brasiliense. 1986. 4S _ MERKER Nicolao. 10rg.) MARX & ENGELS. E2 ed. ia concezione materiaJisticadella storia. Roma: Riuniti, 1998. p. 52 . 41_ Cf. PREOBRAZHENSKY, E. 119261. ia IIuava economia. -México: Era, 1971-; MEIllASSOUX, Claude. Mulheres, celeiros & capitais. Porto: Afrontamento, 1917; OAllA VECCHIA. Agostinho Mário. As lIoites e os dias: elementos para uma economia política da forma de produção semi-servil filhos de criaçlio. Pelotas: EdiUfPEl, 200 1.
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88 - o Escravismo Colollial
o escravismo colonial - apogeu e crise
OS importantes sucessos sociais, políticos, culturais e ideológicos gerais ocorridos no
Brasil e no mundo em fins da década de 1970 permitem compreensão mais precisa do SI/cesso científico e acadêmico de O escravismo colonial, no momento de seu lançamento, e durante o decênio segu inte, e a radical reversão de sua receptividade e legitimação acadêmica, nos anos 1990.
Em 1977-8, O Milagre Brasileiro pertencia ao passado e a sociedade nacional ingressava na depressão econômica tendencial na qual ainda se mantém. Naquele então, a inda no contexto do afluxo do movimento social mundial, a violellta decadência das cond ições da vida da populaç50, devido à expropriação salarial - inflação e arrocho - , determinada pelo início do pagamento incondicional da dívida financeira, ensejava o renascimento do ativismo sindical, pondo fim ao longo período depressivo que o movim ento social ingressara em 1969.
Em 1979, muito duras mobilizações populares na cidade e no campo agitaram o Brasil, assinalando objetivamente o caráter social e político protagonista dos traball1adores, negado pelo
nacional-desenvolvimentismo burguês do PCB, antes de 1964, e pelo militarismo pequeno-burguês - VAR, PCBR, ALN, VPR, etc. - nascido sobretudo nas fi las comunistas e entre os segmentos de classe média radicalizados, após 1967.
No mundo das representações, O escravismo colonial materializava as necessidades das mobilizações classistas dos traballladores de interpretação radical da formação sodal brasileira, a partir da ótica do mundo do trabalho, que su perasse as falsas visões do passado, nas quais se haviam apoiado as estratégias populistas, d i rei tis tas e esquerdistas, derrotadas em meados dos anos 1960 e nos inícios de 1970. (48)
O forte avanço dos trabalhadores de fins de 1970 - greves operárias e ocu pações de latifúndios, com ápice em 1979; fundação do PT anticapitalista, em fevereiro de 1980; fundação da CUT class ista, em agosto de 1983 - abria espaço social para o reconhecimento acadêmico e científico de obras como O escravismo colonial, de 1978, que empreendiam e apoiavam leituras radicais da formação social brasileira exigidas pelo desenvolvimen to da luta social.
Hegemonia conservadora
Entretanto, a ofensiva do mundo do trabalho brasileiro, de fins dos anos 1970, sofreu ime
diatas e múltiplas respostas, de todas as ordens, de parte das forças sociais proprietári as ascendentes e descendentes, que jamais deixaram de manter a hegemonia nacional e internacional. Essas respostas abran geram igualmente as expressões daquele impulso social no mundo das representações.
Nessa operação destacou-se vasto movimento de deslcgitimação científi ca e acadêmica de O escravislllo colonial, inicialmente em forma ind ireta e transversal, mais tarde em forma direta e frontal, que se mobilizou para soldar a fratura causada pela apa ri ção de obra que colocava o traba lhado r e a luta de classe no centro da interpretação da formação social brasileira.
A campanha processou-se sobretudo através
48 - Cf. KORSH, KarL Marxismo e filosofia. Porto: Afrontamento, 1977. p. 79.
de dois movimentos. Enquanto procurava-se s istematicamente argumentação que questionasse, nem que fosse no mundo das aparências, elementos essenciais daquela interpretação, esforçava-se para manter à margem do mundo acadêmico os defensores do novo revisionismo historiográfico, em geral, e Jacob Gorender, em especia l.
Quanto ao segundo movimento, é exemplo paradigmático a trajetória profissional do pensador marxis ta baiano, após o lançamento de sua obra. Apesar da profunda erudição registrada em O escravismo colonial, as portas da academia, espaço ideal para a atualização, correção e ampliação daquela interpretação do passado mantiveram-se fechadas pa.ra ele, sob a justificativa de não possuir título univers itário.
Nesse sentido, o pensador radical foi indis-
U ist6rla f.I!: "/lta d e C la .He.f - 89
cuti velmente punido por te r preferido combate r militarmente o naz i-fascismo, como pracinha, em ]942, e o capitalismo, como militante profissional, após 1945, e ter-se, ass im, descu-
rado de formação superi or, que lhe teriam garantido as exigências formais para ingressar na Academia ou carreira burocrática respe itadora das ins titui ções e da simbologia do poder.
Finalmente doutor
N os anos segu intes à publicação de sua tese, pa ra manter-se, Jacob Gorender trabalhou
na Abril C ultural, coordenando a coleção "Os Economistas", que apresentou mais de meia centena de autores e vendeu, inicialmente, um milhão e meio de exemplares. 1491 Nessa co leção, pubücou uma "Introdução" e uma "Apresentação" a dois volumes de obras de Marx. 1!i()1
Em 1989, escreveu longa "introdução" à Ideologia alemã, de Marx e Engels. 1"1
Apen as em 7 de abril de 1994, dezesseis anos a pós a publicação d e O escravismo colonial, Gorender foi agraciado com o títu lo de Douto r Honoris Ca l/ sa, pe la Universidade Fede ra l da Bahia, quando da reito ri a do dr. Luiz Fclippe Pe rret Serpa, em obediênc ia à reso lu ção do Conse lho Unive rsitário de 27 de outub ro de 1992. 1"1
Em ] 994-6, atuou como professor vis itante no Instituto de Estudos Avançados da US I~ redigindo o ensaio "Globali zação, tecno logia e re lações de traba lho". IOJI Em 29 de agos to de 1996, por propos ta do Departamento de I-Iis tória da USP, recebia o título de especia lista de
Notório Saber, pela Congregação da Facu ldade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da mesma uni versidade, o que lhe permitiu parti cipar como examinador de bancas de mestrado e doutorado.
Em 1997, ministrou discipli na em curso de pós-graduação do Departamento de His tória da mesma instituição - "Históri a c marxismo: a prova prática no século XX (aná li se científica e aspirações utópicas)." Esse limitado reconhecimento científico institucional muito honra as institui ções e os promoto res que se desdobraram para efetivá-lo .
A exc lu são a cad êmi ca o b rigo u Jaco b Gorcndcr a empreender, em form a quase isolada, sem apoio instituciona l, i.1 pÓS suas at ivid ades profissionais, nos momentos roubados ao lazer, a resposta aos va ri ados questi onamentos de sua interpretação do passad o, p rodu zidos em gera l por intelectua is ded icados p ro fi ss iona lmente à produção inte lectua l, sus tentados e apoiados po r suas institui ções, po r bo lsist;:,s, por seu orientandos, pe la g r;:,nde im prensa naciona l e regiona l, etc.
Escravismo Colonial: Ouestionamentos
A pós a publicação de O escravismo colonial, Jacob Gorender inte rve io sobretudo com
d o is e nsa ios -- na imp o rtante di scuss ão ensejada por sua obra - "O conceito de modo de produção e a pesquisa his tórica", de 1980, e "Questionamentos sobre a teoria econômica do
49 - Cf. MAESTRI. Entrevista.
escrav ismo colonia l", de 1983. 1ó41 Em 1985, publicou uma quarta ed ição revista e amp li ada de O escravismo colonial. Em 1990, um ano após a consolidação da contra-revo lução mundi a l - Q ueda do Muro el e Berlim -, po rtanto, em uma conjuntura po líl i-
50 _ GOAENDER, Jacob. Mlnt rodução~. MARX, Karl. Para a cdrica da economia política: salário. preço e lucro; a rendimento e suas fontes. São Paulo: Abril Cultural. 1982. pp. VIJ -XXtJI; GORENDER MApresentaçãoM. MARX, Karl. O capital: critica da economia política. São Paulo: Ab ril CuHural, 1983. pp. VII ·LXX II ; 51 _ Cf. GORENDER, Jacob. Mlntrodução-. O nascimento do materialismo histórico . MARX & ENGElS. A ideologia alemã. São Pa ulo: Martins Fontes, 1989; 52 _ Cf. Diploma expedido em Salvador, 07 de abril de 1994 lxeroxl . 53 _ GORENDER, Jacob. Globalilação. tccnologia e relações de trabalho. ESTUDOS AVANÇADOS, IEA-USp, São Paulo, 11 (291 , janei ro-abril de 1997, pp .311-361. 54 _ GORENDER. O conceito de modo de produção e a pesquisa /Jistórica. LAPA, José R. do Amara llOrg.1 Modos de produção c realidacle brasileira . Petrópolis: Vozes, 1960. pp. 43·63. GOAENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. São Paulo: Ática, 1990. 55 _ GORENDER. "Que stionamentos sobre a teo ria econômica do escravismo colonial
M. ESTUDOS ECONÔMICOS, Instituto de Pes quisas Econômicas, IPE,
São Paulo, 13 111 , jan. -abriI1983, pp . 7·39.
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90· o IJscroviHl/O Colollial
ca, cultural e ideológica rad ica lmente adversa, esc reveu o li vro A escravidão reabilitada(~'I, resposta exaustiva à criticaria organizada em torno de O escravismo colonial. Em forma gera l, essa produção demarcou as diversas fases da poderosa operação revisionista es tabelecida em torno de sua tese.
Em 1980, o artigo "O conceito de modo de produção e a pesquisa histó ri ca" 1561 registrava o impacto de O escravismo colonial sobre a comunidade intelectual. Na " Introd ução", José Roberto do Amaral Lapa ass inala que a coletânea pretendia retomar debate interrompido havia "quinze anos", reunindo os textos "mais representativos" da "in terpretação da realidade his tórica brasileira através do conceito de modo de produção". Portanto, constitu ía tentativa de organização da polêmica entre interpretações que utili zavam "conceito teó rico marxista axia l" em fornla, no ugeral, discord ante",
apesar de "substanciais aproximações" em alguns casos.
Pretendia-se que se desse no "universo conceitual" do "modo de produção" e "formação social", correlacionado com "suas categorias básicas [ ... ], relações de produção, forças produtivas, classes sociais, luta de classes, consciência de classe, etc" 1571
O texto de Gorender abre o ensaio, seguido por ensaios de Antônio Barros d e Castro, Flamarion Cardoso, Werneck Sodré, Octávio lanni, Peter Eisenberg e Theo Santiago, apresentados em ordem alfabética.
O organizador lembra a ausência de autores essenciais para a polêmica como Caio Prado, Celso Furtado, Fernando Novais, Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes e José de Souza Martins, por motivos "perfeitamente compreensíveis". (SB)
Teoria geral
Em seu texto, Gorender empreende a defesa da proposta da construção de uma teoria ge
rai dos modos de produção singu lares; reafirma as categorias sociais como expressão da real idade empírica; assinala a dominância da esfera econômjca, necessariamente associada à esfera extra-econômica; lembra a necessidade do desenvolvimento de teoria da formação socia l, em geral, e da formação social capitalista, em especia l.
Na terceira parte do texto, retoma a defesa do caráter hi storicamente novo do modo de produção escravista colonial, em relação à produção escrav ista patriarcal da Antiguidade, ressa ltando sua dependência ao mercado externo nãoescravista. Daí seu caráter colonial, "na acepção econôlllica do termo".
Fenômeno do qual não decorreria - como pretend iam as visões integracionistas, entre elas a Teoria da Dependência - a detenninaç50 e integração do modo de produção escravista colon ial pelos modos de prod ução dominantes
mundialmente. Dedica a parte final do texto à propos ta de um amplo processo de investigação, geral e s istemático, exig ido pela caracterização da gênese da produção capitalis ta no Brasi l, não a partir do feudalismo, mas do escravismo colonial, sobretudo após a Abolição, com particularidades no que se refere ao desenvolvimento de quatro grandes regiões: São Paulo, Rio de Janei ro, Sul e Nordeste.
Avança igualmente a defesa da não d ominância imed iata da produção capitalista "no final e o escravismo e após a Abolição", devido à gênese e à expansão, de "formas camponesas pré-capita li s ta co mbin adas à es trutura da plantagem e do latifúndio pecuário".
Essa interpretação seria apresentada no ensaio "A gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro", transcrição de conferência à 31 Reunião Anual da SBPe, em 13 de ju lho de 1979, em Fortaleza, que conheceu diversas edições. 1"1
56 - GORENDER. o conceito de modo de produção e a pesquisa hist6rica. Ob .cit. GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. Ob.cit. 57 - LAPA. Int rodução ao redimensionamento do debate. LAPA. Modos de produção 1 ... 1. Ob.cit. p. 15. 58 - Id.ib. pp. 10 e 3.
59 - Cf. GORENDER. Gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987; ~A gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro H STÉDILE, João Pedro IOrg .l. NA questão agrária hojeH
• Porto Alegre: EdUFRGS, 1994. pp. 15-44 .
• Ui.ftÚia & I.u.ta dr ÇJanes • 91
Burguesia conservadora
D a transição da produção escravista colonial. portanto mercantil, apoiada em for
mas alodiais da propriedade da terra, à produção capitalista, Gorender deduz o caráter conservador da burguesia nacional, que jamais encon trou "obstáculo para adquirir a propriedade de terra e teve na especulação fundiária uma das suas fontes de acumulação original do capital". Lembra q ue ela não aprofundou sua "contradição com os latifundiários", incorporando, ao contrário, "o latifúndio à estrutu.ra do capitalismo no Brasil, onerando", assim, seu "desenvolvimento ( ... 1 com O peso exorbitante do preço e da renda da terra [ .. .]". (60)
Quanto à dinâmica social e à trans ição interrnodal, propõe que são "as variações nas forças produtivas (na medida em que progridem ou, mais raramente, na medida em que retrocedem) que estabelecem uma não-correspondência com as relações de produção ex istente e conduzem, no final de contas, à sua substituição por
outras relações de produção e ao surgimento de um novo modo de produção." (61 )
Proposta correta do ponto de vista da epistemologia marxista, na medida em que se compreenda o impulso à variação ascendente das relações sociais de produção, sempre no contexto de forças produtivas histori camente dadas, como determinação da solução da contradição entre produtores diretos e controladores, detentores ou proprietários dos meios de produção. Como em O escravismo co/.onia/, nessa apresentação geral e na proposta de investigação sistemática sobre a formação socia l bras ileira não há referência s is temáti ca e explícil·a à luta de classes como determinação principal do devir social. A abordagem mais s istem6tica dessa ques tão pelo autor daria-se em resposta iI acusação de ignorar essa instância do devir hi stórico, lançada por autores em gera l defensores da indeterminação objetiva da aç50 subjCli va das classes sociais.
Refutação sistemática
Salgo engano, no artigo "A economía política, o capitalismo e a escravidão", Antônio
Barros de Castro apresentou a primeira tentativa de refutação estrutural da proposta do modo de produção escravista co lonial, ao retomar a defesa da singularidade do capita lismo como modo de produção capaz de ser apreendido sob a forma de economia política, pois apenas nele a "lógica econômica" determinaria o socia l. ((,2)
Apoiada em apresentação superficia l do feudalismo e do escravismo clássico, a tese de Barros de Castro choca-se com as determinações econômicas do escravismo colonial, anal isadas com maior rigor, paradoxo argumentativo evacuado com a proposta de que "o moderno escravismo" leria "importantes traços em comum com O capitalismo" e "o escravo" constituiria "antecipaç50
do moderno proletário". Essa visão rea lizava verdadeiro retrocesso analítico, ao retomar o enfoque
60 _ GORENDER. o conceito de modo de produção [ ... ). Ob.c it. p. 64. 61 - Id.ib. p. 51.
da Escola Sociológica Pau lista de um "capitalismo escravista" ou de um "escravismo capit"alista". ((~1)
Portanto, para o autor, o escrav izador es taria "submetido a uma engrenagem econômicJ", enquanto o trabalhad or escravizado n50 teri a o "caráter social efetivamente moldad o pelo regime de produção". Ou seja, segund o o analista, as condições servi s de ex istência n50 ser iam condicionadas pelas condições de produção. O que ensejaria que pouco importasse ao cativo ser deslocado da coz inha da casa-grande para o cito açucareiro '
Mero "cativo", o traba lhado r escravizado seria ajustado, "bem ou mal", "ao aparelho de produç50 ( ... 1 por uma combinação mais ou menos eficaz de violência, agrados, persuasão, ele" Em contexto de "classes explicitamente antagôni cas", sobretudo "na passagem do século XV III para o XIX", quando a produção assumiu ori-
62 _ CASTRO, Antônio Barros de. A Economia Política, o Capitalismo fI a escravidão. LAPA . . Modos de produçáo 1 ... /. Ob.cit. pp. 67-107. 63 - Id.ib. p. 91. ;
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92· o Escravismo C% fl ial
entação merca nt il, as sociedades escravistas avançariam a partir do confronto social explí- I
cito e da consciência dos senhores d o das g randes massas servis. (fi4)
perigo
o escravo que negocia
Essa lei tu ra dua lista propunha não assentar a dev ir histórico da escravidão na oposição
mas sobretudo na acomodação entre escravizadores e escravizados, já que a orientação social dependeria "da intensidade, direção e êx ito da resis tên cia e/ou luta aberta dos escravos, bem como das respos tas encontradas pelos proprietários C homens livres eln gemi, para assimilar,
acomodar e abafar a presença hostil e o potencia l de rebeldia" serv il. «(")
Os atos de "de rebe ld ia declarada e aberta" SerialTI "como O vapor que escapa ruidosamen
te da maquina", " índi ce de pressão" no interior da sociedade escrav is ta. Conscientes desse fato, os senhores adaptariam-se "social, polítiGl c militnrnlcntc à conv ivêncin" con1 os cat ivos, "busczmdo meios e med idas para atenuar a combativ idade, ou desviar" sua "agressiv i
dade", ensejando que "o regime social" tenha cedido aos cativos "transformando-se sob O impacto de sua presença." (fi (,)
O autor concl ui propondo investigações sobre fenômenos que não ter iam despertado "grande atenção" na hi stor iografia brasi leira, como os registrados pela proposta do "Tratado
de Paz", dos cati vos do "Engenho Santana de Ilhéus", em 1789 (fi7), a concessão s istemática de glebas servis no Brasil (fi8), o aproveitamento das "oportunidades mercantis" pelos trabalhadores escrav izados, etc. , que consti tuiriam expressões das lutas servis para "construir um espaço próprio" na escrav idão. Segundo ele, a importância desses atos encontrariam-se no fato de que não expressariam "apenas o esforço dos escravos no sentido de negar as condições que os oprimem", mas sobretudo o processo de "acomodaç50" à escravidão que se mobilizaria pela conqu ista por pa rte dos ca ti vos do "reconhecimento da sua existência e lugar na sociedade." I&!)
Desde esses anos, até hoje, com ma ior ou me-nor sucesso, centenas de his to riadores esforçaram-se pa ra seguir as recomendações de Barros de Castro sobre a necessidade de assentar a interpre tação do devir da sociedade escravista na acomodação ao s istema escravis ta e não nos ritmos e determinações da produção e da resistência servil. Em 1989, Eduardo Silva e João José. Reis tenta riam uma s istematização dessa visão em Negociações e conflitos: a resis tência negra no Bras il escravista. (70)
A brecha camponesa
Em J983, Jacob Corender apresentou respos ta sistcmáticZl aos principJis "Questiona
mentos sobre a teoria cconôm.iGl do cscrav islllo
colonial", em artigo publi cado na Revista Estlldos Econômicos, do IPEA da USP
Mais uma vez, ab ria o doss icr dedicadu in tei ramente à esc rav idão, que con to u com a p rese n ça de Flam a ri on Cardoso, Pe te r
64 - Id.ib .. p. 94. 65 - Id.ib. p. 105. 66 - Id.ib. p. 98.
Eisenberg, Manu el Corre ia d e Andrade, entre outros es pec iali s ta do te m a. (71)
Esse tex to ensejaria debate his to riográfico, articulado em torno da "brecha camponesa" que, dev ido ao seu caráter pa radjgrnático, será ana lisado em fo rma m ais s is tem ática.
Na parte três do ensaio - "Escravismo colonial e economia camponesa" - , Corender abor-
67 - Cf. SCHWARTZ, Stuart 8. Resistence and accomodation in eighteenth-century 8r81l1: lhe s/aves' view af sfarevy. The Hispanica American Historica} Review, Duke Univers ity Press, 57(1); fev. 1977; 68 - Cf. CARDOSO, Ciro F. Agricultura, escravidão e capitalismo. Petrópolis : Vozes, 1979. ca po 4. 69 - Id.ib. p.IOO 70 - Cf. SI LVA, Eduardo & REIS, João. Negoc;ações e conflitos; 8 resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das l etras , 1989. 71 - GOAENDER. Questionamentos I ... J. pp. 7·39.
Ri ... tiiria & Luta de Classe~' . 93
da esse fenômeno na escravidão, apresentado em forma ampla por Flamarion, em 1979, em capítulo do livro Agricultura, escravidão e capitalismo. (72)
Em "A brecha camponesa no sistema escravis ta", Flamarion retornara a proposta de Tadeusz Lepkowski da "economia independente de subsistência" dos quilombos agrícolas e dos "pequenos lotes de terra concedidos em usufruto, nas fa7.endas, aos escravos não-domésticos", corno "atividades que, nas colônias escravistas, escapavam ao sistema de plantation".
Para o autor, no caso do Brasil, aos qui lombolas e cativos devia-se agregar os "lavradores arrendatários das 'fazendas obrigadas'" dos en-
genhos e os "moradores" e os "parceiros"- No século XVII, no caso das Antilhas, o mesmo devia-se fazer com os "indentured servants" e "engagés", que obtinham nesgas de terras ao terminarem os contratos, mesmo que a expansão da plantagem corroesse essa economia camponesa. No ensaio, apenas se refere à agricultura quilombola, centrando a discussão no fenômeno do "protocampesinato esc ravo", conceito proposto por Sidney Mintz, de quem se dissocia no que se refere à di sso lução das categorias "escravo" e "modo de produção escravista", já que defende que o cativo poderia ser escravo e campones, ao viver, em forma alternada, as duas "relações de produção".
Um só modelo
I nicialmente, Flamarion propõe sua visão geral do fenômeno: o domínio das re lações
escravistas sobre as "atividades camponesas" servis; o objetivo escravista de "minirnizar o custo de manutenção e reprodução da força de trabalho" com a concessão; o recuo da agricultura autônoma dos cativos nas "épocas de colheita e elaboração dos produtos"; a importância "econômica e psicologicamente" para o "escravo"; a compreensão do escravizador do cará ter "revogável" da parce la, "destinada a ligar" o cativo "à fazenda e evitar a fuga".
A pós reconhecer a existência" de um SÓ modelo de sistema escravista na América" e propor a abordagem do fenômeno a partir do "conjunto dos casos observados", mesmo reconhecendo que ele " não foi pesquisado igualmente a fundo em todas as regiões escravistas", propõe que "a atribuição aos escravos de parcelas de terra e de tempo para cultivá-las" constituísse" característica universal do escravismo americano" e queo "acesso dos escravos aos meios de produção e ao tempo" tenha tendjdo "a transformar-se em um d irei to de fato e, em certos casos, fixados pela lei".(7J)
Essa última proposta apoiava-se substancial m ente na concepção do caráter contratual do Hescrav ismo" onde, u como em qualquer regi-
me econômico-social, se estabelece entre a classe dominante e a classe explorada um acordo contratual - lega l ou consuetudinário - que garante para a classe dominada, pe lo menos de fato, certos direitos cuja infração traz consigo O
perigo de alguma forma de rebeLião"- (74)
As decorrências da proposta de "brecha camponesa" na escravidão americana eram claras. Propunha-se a existência de relações de produção camponesas sistêmicas, isto é, nccessórias
e universais, no inter ior do escrav ismo colonial, determinando, corroendo e dissolvendo esse modo de produção. A apresentação da documentação probatória das proposições avançadas inicia-se pelo reconhecimento de que, no Bras il, "a pouca atenção prestada I ... ! pelos historiadores à 'brecha camponesa' pareceria indicar certo ceticismo relativo à sua importância" f")
Entretanto, apesa r dessa constatação objel·iva, o autor não retém a poss ibilidade de a escassa Uatcnção" nascer de escassa importância do fenômeno ou de suas decorrências diretas e indiretas no escravismo bras ileiro. Ao contrário, antepõe-se, s implesmente, crença oti mista ao "ceticismo" gera l: "Acredit·amos que, ao desenvolver-se, o estudo [ ... 1 reve lará o grande peso do que chamamos aqui a 'brecha campo-
7Z - CARDOSO, Ciro F: -A brecha camponesa no sistema escravista~. Agricultura, escravidão e capitalismo. Petrópolis : Vales, 1979. pp. 133·54 .72 -
73 -Id.ib. p. 138. 74 - Id.ib. p. 137. 75 - Id.ib. p.13B.
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94. o ESCTUI'Ü'1II0 Colollial
nesa' 1 ... 1." (16) Confiança desmentida pelos es- I últimas décadas que reafirmaram o caráter retudos hi stori ográficos especiali zados das duas sidual e não estrutural do fenômeno no Brasi l.
Documentação sumária
A sumária documentação probatória apresentada sobre o Bras il reduz-se a pouco
mais do que referências a André João An toni l, Jorge Benci, Luís dos Santos Vilhena e a es tu do de Stuart Schwartz, o mesmo ocorrendo para o sul dos USA, onde se afi rma que "estava bem assentado" o "hábito de conceder aos escravos lotes de terra em usufruto e o tempo pa ra trabalhá-los" e que existiriam "algu ns indícios de que a posse sobre a parcela e a ga rantia do trabalho li vre eram direitos amplamente reconhecidos 1 ... 1"
A abordagem do fenômeno nas Cuianas francesa e inglesa e nilS Antilhas, feita il partir de informnção relativamente mais rica, ass inala LI
existência de dois lotes se rvi s, um perto da cabana, o ou tro em geral em terreno montanhoso, mais afastado. Regis tra-se igualmente o movimento dos cativos, em algumas regiões, quando dil abolição da escravatura, pela compra-aluguei dos lotes servi s. Referências esparsas são apresentadas para a Venezuela, Cuba, Porto Rico, etc
A partir da comprovação da existência qua nto muito lacuna r e des igual desse fenômeno na América escravista, conclui-se afirmando a uni-
versalidade do fenômeno e, paradoxalmente, desa utori zando re lativame nte seu caráter s istêmico: "1 ... 1 em todas as colônias o u regiões escravista - embora em proporção variável -, muitos dos escravos dispunham de lotes em usufruto e do tempo para cultivá-los [ .. .]".(77)
Nas pág inas finais do ensaio, Flamarion ap resenta o timi s ta ava li ação d e corte impressionista da produtividade da produção da agricultura autônoma servil, sobre a qual não se tenta es timativa con cre ta . Em "SaintDomingue" IHaiti], "na horta próxima" à "cabana, plantavam árvo res frutiferas e legumes, além de criar galinhas e ocasionalmente também perus, po rcos e cabras. Nos te rren os comuns, plantavam bananas, milho, raizes (mandioca, batata-doce, inhame, etc )."
A avaliação positiva é estendida também ao seu caráte r e rentabilidade mercantil Propõese que na Jamaica "os escravos também culti vam, por sua conta, café, gengibre e alguns p rodutos meno res de ex portação" que, na Venezuela, além de produtos de subsis tência, os ca tivos "preferi amN plantar "cacau", constituindo verd ad e iras "pequenas fa zendas -haciendillas - dentro da fazenda maio r" .(18)
Pequenos banqueiros
N a "Gu iana Francesa", os cativos "monopoli zavam quase totalmente o mercado inter
no de cassave (preparação da mandioca) e aves, tendo em seu poder grande parte da moeda que circulava na colônia". Na Jamaica, os cativos teriam chegado a "possuir 20'Yo da moeda em circu lação, e a legar, em seus testamentos informais, até duzentas libras esterlinas!". (19) Após reafirmar que "em todas as colônias a inserção dos escravos nos circuitos mercantis era seme-
76 - Id.ib. p. 139. 77 - Id.ib. p. 145. Destacamos. 78 -Id.ib. p. 146. 79 - Id.ib. p. 148. 80 - Id.ib. p. 14 7.
Ihante", propõe-se como "finalidade primordial" dessa produção "obter suplementos de alimentação e vestimenta de melhor qualidade (induindo jóias [sicl e sapatos), tabaco e bebidas". (111)
Uma rea lidade que se estende ao Brasil, ao acei ta r-se sem retenção a proposta d e Stuart Schwartz de que os trabalhadores escravizados do engenho de Santana "eram capazes de produzir um excedente comerciali záve l" e "participar diretamente na economia de mercado [sicl
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Ui .f(Úria & L/llt! de C'a .HU - 95 I
e acumular capital [s icr'! Produção serv il que eventualmente negaria a proposta histori o-g ráfica da inexistência de um verdadeiro "mercado interno" colonial apontando em direção do "desenvolvimento industrial" !('!)
Na "conclusão", propõe-se retenção nas conclusões sobre o fenômeno totalmente ausente no
corpo do texto: em geral, as parcelas" não chegavam a garantir a total idade" da subsistência servi l; muitas vezes prevalecia lia forma ex trema da lógica" plantacionista; "nem todos os cativos se bcncficiaran1 com O sistema"; nenl todos os cati
vos tinham energia ou d isposição para empregar SlIas pOLlG1S horas de repouso nessa ati vidade.
Crítica metodológica
I nicialmente, em "Questionamentos sobre a teoria econ ômica do escra vismo co lonia l",
Jacob Gorender propõe que Flamarion aborde aquela questão "sem recorrer às catego rias de formação social e de modo de produção"_ Ou seja, que assimile modos de produções diversos, dominantes e dominados, coex is tcntcs em uma mesma formação socia l. Lembra que nas formações sociais escravistas da Antiguidade e dos Tem pos Modernos, ao lado do modo de produção escravista dom.inante, subs ist iram "variados tipos de atividade camponesa", "dependen tes o u não"_
Assina la que definira em O escravismo colonial a ex is tên cia de "modo de produção dos pequenos cllltivadores não-escravistas", "secundário na
formação socia l escravista", "no qua l se agrupavam os s itiantes minifundiários, os posse iros e os agregados ou morado res". Esses trabalhadores ficariam excluídos "de todo" na "conside ração da chamada ' brecha camponesa"'. 112
Quanto aos " lavrado res, p roprietários ou a rrenda tários, que se incumbiam de plantar canade-açúcar pa ra fornecê-la a engenhos alheiros" "eram escravi stas, e até grand es escrav istas",
"organicamente integrados no modo de produção escravis ta co loniaJ" .
Q uanto aos quilombos, ass inala que se s ituavam "fora" do âmbito do escrav ismo colonial, apesar deeventualmente manterem "vínculos de
intercâmbio" com ele. Não introduzindo "qualquer al teração no modo de produção escravista colonial em si mesmo", os quilombos não eram, conseqüen temente, "a rgumento em fa vo r da suposta 'brecha camponesa'." (1l1) Pa rI-anta, "as fo r
mas camponesas n50" representl.1ril.1 1n "brecha alguma no modo de proelução escravista domi nante, sejZl pZltriarcZl I corno coJoniZl I, 1I11U/ vez qlle
YlI70 fnziml/ /7I1r /c de SI/a estm tl/rn "(l'l)
Ao contriÍrio, "o cul ti vo autônomo el c lot·es de terra pel os esc ravos dentro do âmb ito da plantagem" constituía fenômeno da "es trutura do modo de produ ção esc ra vista co lonia l" sujeito à necessári a nn6 lise. Sobre essZl rcnl idade, Corender afirma : "Ca rdoso resume as refe rências da bibliog rafia secund6ria sobre o assunto e conclui que sc tral"Ou de práti ca gencml izZldZl nZlS d iversas regiões do cscravismo amcricano",
"com d iferença de amplitude para cada região". Pa ra Co rendcr, esse "cu Il ivo de gêneros", "ati
vidades de co letoras", "criação de pequenos ~111i mais", etc, para au to-consumo" ou, eventual
mcntc, para a venda, tcri ZIITI sido reduzidZ\s nos USA, "pois as plantagens mantinham culti vos própri os a fim dc ali mcntzlI·" os cativos, c "móJ i
ar desenvo lv imento" no C"ribe, onde se reg istraria "apreci6vel parti cipação cOll1 cr}:i al dos próprios escravos com a venda ele seus prod utos e um g rau de estabilidade no usufruto dos lotes, que pe rmiti a mesmo IegiÍ-los".
Deb ate ant igo
Gorende r lembra que ao con trá ri o do proposto por Flamarion, vários "histo ri ado-
81 - Id.ib. p. 148. 81-83-l d.ib. p. 19 . 84 - Id.ib. p. 18.
res e sociólogos abordaralll, conquanto, elll cer
tos casos, apenas de passagem" " questão. As-
a
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o E SC fllVÜlt/O Colonial
sinala que tratara igualmente em O escravismo colonial o fenômeno, a partir de uma dezena de fontes pri márias e quase o mesmo número de estudiosos. Em 1978, naq uela obra, refutara amplam ente a tendência a universali zar e a superestimar a produtividade das roças servis e, sobre tud o, a proposta de Passos Gu imarães, dos anos '1960, em QlIatro séclIlos de latiflíndio, do trabalhador escrav izado se r em parte esc ravo e em parte servo-camponês, devido ao contro le de glebas servis. Aquele autor defendera também a extensão da concessão de terras ao cati vo. (8.")
Gorender resenha a seguir a visão apresentada em O escravisrno colonial sobre a questão. A prática teria sido transportada pelos portugueses da ilha de São Tomé, nas costas da África, no século XV, para o Brasil, sendo aplicado em forma "extremamente irregular na área da produção açucareira"- Engenhos não concediam lotes e outros avançavam no tempo livre dos cati vos durante a safra, "quando as jornadas de trabalho podiam prolongar-se até dezoito horas e os dias de desGlJlso eram muito espaçados". (86)
Em 1996, João José Reis confirmaria a proposta de Gorender. Para O conhecid o his toriador baiano, "no Brasil o sistema [brasileiro] aparentemente não foi assim tão difundido [ .. -l". Nos engenhos açucareiros, após o grande "boom" do produto, escravis tas teriam passado a alimentar os trabalhadores. Reis lembra: "Um estudo recente de B. Barickman conclui que, entre 1780 e 1860, nos engenhos a alimentação esc ra va fi cava principalmente por conta do senhor." (87)
A prática da plantação de gêneros alimentícios ou, até mesmo, comerciáveis, em pequenas parcelas, nos " domingos e dias santos de guarda", teria sido maior nas plantagens de algodão e café, possivelmente devido a menores ex igências do "processo produtivo" nessas explorações, em relação ao açúcar. Sobretudo na cafeicultora, lembra estar documentado "a alimentação" servil, "no fundamental, pelas plantações e criações dos próprios fazendeiros", contribuindo a exploração dominical de lotes com "recursos acessórios" aOs cativos.
Direito ao descanso
C obre a origem última da prática, COl'ender Uaceita que pode ter s ido iniciativa dos cati vos, mas ass inala que sua introd ução constituiu um retrocesso em relação à conqu ista da "dispensa do trabalho nos dias feri ados, durante o escravismo antigo", "favorilvcl (l O senhor, uma vez que obrigava o escravo j] trnbzt1har mesmo no d ia consagrado ao descanso a fim de suprir uma parte do produto necessá ri o à auto-subsistência", elevando o "grau de exploração do traba lho escravo".(")
Fenômeno que determinava o entrosamento orgânico dessa prática "na estrutura do modo de prod ução escravis ta colonial, não se tratando de dois s istemas, porém de um ún ico". Uma integração semelhan te a ex is tente no feudali s-
85 - GORENOER. o escravismo colonial. 4u ed. São Paulo : Ática, 1985. p. 263.
mo entre o trabalho para o senhor, na reserva senhorial, e do servo para si, na g leba que detinha. "A concessão de um lote ao escravo não passou de uma forma variante, i nessencial e condicional, do segmento de economia natural, podendo inexistir ou ocupando apenas uma parte desse segmento." (89)
Mesmo acei tando que os cativos esforçavamse para ampliar o "espaço de autonomia que o usufruto do pequ eno lote lhes co ncedi a", Gorender ressa lva o grau elevado de exploração do cativo na produção de açúcar, na América escravista, com jornadas infernais de trabalho que ensejavam uma "extrema estreiteza e a precariedade do culti vo autônomo do escravo". (?J)
Lembra que o direito à formação de pecúl io
86 - Id. ~Que s t ioname ntos ] .. . ] .~. p. 20. REIS. João José. -Escravos e coitei ros no quilombo do Oitizeiro: Bahia, 1806-, In REI S & GOMES. 10rgl . Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das l etras, 1996 . p. 336 . 87 - REIS, João José. Escravos e coiteiros no quilombo do Oitizeiro: Bahia, 1806. In REI S & GOMES. ]Org l. liberdade por um tio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das letras, 1996. p.336 . aa -Id.ib. p. 11. a9 - Id.ib. p. 24. 90 -Id.ib. 23.
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lIistária & Lula de Cla Hes . 97
pelo trabalhador escravizado, comum na Antiguidade européia, fora tardio e limitado no escravismo brasileiro. Rejeitando as visões gentis da escravidão, assinala que no escravismo
ameri cano "dev ia preva lece r, em proporção esmagadora, a massa de escravos agríco las condenada à impiedosa ex ploração e sem outra perspectiva que não a morte na escravidão" . (9I)
Ouinta edição
Como assinalado, em 1985, nove anos após ter concluído a redação de sua tese, Jacob
Gorender revisou e ampl iou, "em cerca de dez por cento", o texto original quando da quarta edição de O escravismo colonial, que se tornaria sua segunda e definitiva versão. Em depoimento a José Tadeu Arantes, que o entrevistara, em 1978, para o semanário Movimento, após o lançamento de O escravismo colonial, assinalou que a revisão reafirmava a Uestruturau c as "teses" essenciais da obra através de "fundamentação mais profunda, mais fl ex íve l e mais ricas de várias" de suas "teses". (92)
No "Prefácio à quarta edição", enfatiza igualmente que as "modificações introduzidas" mantinham e reforçavam "em conjunto todas e cada uma das teses da primeira edição". Os temas ampliados foram "trabalho escravo e alto custo de vigilância", "plantagem escravis ta e prog resso técni co", "características d o tráfi co afri cano" "escravismo patriarcal c antigo", "a lei da po pulação escrava", "a a lforri a", o "tratamento dos escravos", "lavradores e evolução da renda da te rra", "a escravidão em Minas Gerais", "escravidão e industrialização", "os pequenos escravistas", a "escravidão no setor cafeeiro". (93 )
Na entrevista, Gorender refe riu -se à influ-
ência, "nos últimos vi ntcs anos", "das co rrentes his toriográfi cas estad unidenses no Brasil", com destaq ue para a inte rpretação do neopratiarca lismo representada pelo "ex-marxista" Eugene Genovese que, inspirando-se em "Gi lbe rto Freyre", apresentava "os escra vos amcri czmos como a cl asse trabalhadorn melho r tratada do mund o, do ponto de vista mate ri al, em s ua é poca". Sobretudo e m Sobrados c 11Il1cmnbos : decadência do pntriarcwdo rur,1I e desenvolvimento urbano, publicado têm ]936, Frey re empreend e verdade i ra apo log ia das condições de v id a dos traba lhadores escr;w izados do No rdes te, tran sfo rmando a Aboli ção em verd adeiro drama social para os traba lhadores escrav izad os. (1)4 )
Nesse cenário hi stori og ráfico nac i o n~ l onde dominava a "revivescêncin da in fluência de Gil berto Freyre", sobretudo a tr~vés d ~ his to ri og rafia estadunidense, propunha que n50 "seria de estranhar que chegássemos ao cen tenó ri o da Abolição" "com uma rmb ilit~ ção também do escravismo brasileiro". Tese que serin desenvolvida, em forma sistemática, em 1990, em A escravidão reabilitada, que teve influência mmcnnte na inte rvenção de Go rend er na d iscuss ão do escravismo, como veremos opo rtunamente.
A brecha camponesa
Em 1987, Escravo ou camponês? O protoca mpesinato negro nas Américas, C iro
Flamarion Cardoso retomou O debate sobre a proposta de brecha camponesa, em resposta extremamente ácida à refu tação de Gorender, de quatro anos antes, em "Questionamentos sobre a teo ria econõmica do escrav ismo colonial".{"')
91 - Id.ib. p. 224, 26 .
No li vro, descreveu a crítica como eivélda de "erros" hi s to ri ográ fi co e produto de "vi são monolítica" e "c1assificatóri a" da história, ";) miJ
neira dos velhos manuais do marx ismo". Como assinalado, Gorender traduzira manua is d ~ Academia de Ciência da URSS nos anos 1960. rX,)
Escrito por um dos primeiros e mais bril han-
92 _ AR ANTES, José Tadeu. ~O esc ravismo colonial revisado· [Entrevista a Jacob Go rende r.llE1A, dezembro de 1985. p. 22 -3. 93 _ GO RENDER. Jacob. ·Prefácio à quarta edição·. O escravismo colonial. 5a ed. ver. e ampliada. Ob .cit. p. IX - X. 94 _ FREYRE, Gilberto . Sobrados e mucambos: decadência do patriarchado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Ed ito ra Nacional, 1936. 405 pp. 95 _ GORENDER, Jacob. -Questionamento [ ... 1: · : 96 _ Cf. CARDOSO, C. F. Escravo ou camponês? Ob.cil. p. 111.; 97 - ld .ib. pp. 97, 109. ; 98 - Id.ib. p. 63 ; 99 - Id.ib., p. 64.; 100 - Id.i b. p. 65
a
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9X . o E.\·crll~i.HIIO C%"ial
tes defensores da categoria escravislllo colonial, a resposta de Flamarion obteve grande repercussão acadêmica. O breve ensaio Escravo 0 11 calll pOllês?d iv ide-seem três partes. Na primeira, desenvolve-se proposta de apresentação, explicação e correção de sua leitura sobre o escravismo americano. Nas duas seguintes, empreende-se defesa geral da propos ta da brecha camponesa como fenômeno "estrutu ral", de orientação mercantil, no Brasil e na América escrav is tas. (97)
Para tal, apresentam-se incidências da "bred la camponesa" no sul dos USA, no Caribe britânico, francês e espanhol, apoiado sobretudo enl relato de viajantes, tratadistas co loniais c trabalhos hi storiográficos isolados, o que faci lita a descrição de paisagens otimistas sobre aquele fenômeno e as condiçôes de existência servil.
No relativo à Carolina do Norte, o autor escreve: "A lém do que produzissem em suas parcelas, os eSCravos recebiam abundantes rações
de a limentos, provenientes da prod ução da própria plantation pertencentes a Pettigrez: peixe, ca rne, arroz, milho, farinha de trigo, eventual -
mente frutas ." 98 Sobre a Virg inia: "Muitos [ ... ] ev itavam tal traba lho extra e viviam só das rações. Estas eram tão abundantes que os negros negociavam com partes delas, comprando aos domingos, a brancos pobres da redondeza, uisque que consumiam às escondidas [ .. .]."(99)
A situação no sul algodoeiro seria a mesma: 'l .. ] também lá os negros e ram bem alimentados, além de possuírem parcelas, galinhas e chiqueiros, cujas produções vendiam (comprando, entre outras coisas, farinha de trigo), além de venderam o produto da caça." (100)
No mesmo sentido, supervaloriza-se a produtividade e a o rientação mercantil da "economia autônoma" dos trabalhadores escravizados, sem apoio de d ocumentação conclus iva: "O produzido nas parcelas (às vezes incluindo algodão), criando animais e em atividade extrativis ta, era, normalmente, vend ido: com O dinheiro obtido, os escravos compravam roupas, fumo tecidos e outros objetivos (jó ias [s ic], brinquedos para as cri anças, anzóis, utens ílios de cozinha, etc.)." (101)
Lotes minúsculos
Cenário que contradita com o reconhecimento de que os lotes eventua lmente concedi
dos aos cativos eram 1l1inúsculos - "não eram g randes" -, possuindo, habitualmente, no Caribe francês dois ares per capita. Ou seja, quarenta metros quadrados l No Car ibe britânico, o te rreninho podia ser de 25 a 30 pés quadrados: uns oitenta metros quadradosl (102)
A limitZlda ex tensão de tcrri:.1, os rú sti cos instrumentos de trabalho e o pouco tempo livre que gOZi:lVam os cativos delimitavam materia lmente a produção possível dessas g lebas. O que recomenda retenção no que se refere a generali zações de casos exempl ares de cativos, para que não di storçam a descri ção essencial do fenômeno em discussão. En tretanto, o auto r não opta pela retenção, em sua inte rpretação.
Em Escravo 011 call/ponês?, citam-se traba lhadores escrav izados que lega ram "a té duzentas
101 - ld.ib. p. 66. 102 - Id.ib. p. 69. 103 - Id .i b. p. 75,81. 104 - Id.ib. p. 84.
libras esterlinas!" e reafirma-se que "graças às suas atividades comerciais, [ .. . ] cI1egaram a possuir 20% da moeda em circulação". Afirma-se que" os negros exerciam, em Saint-Domingue, um grau cons iderável de poder econômico". (103)
A sugestão de a ltíssima produtividade dessas parcelas é rei terada em afirmações como: "Num caso, um hecta re e meio de te rra, cultivado por três homens e três mulhe res, rendia, em média, vi nte francos por di a! O ganh o méd ia anual que se podia esperar de um lo te individuai era estimado va riavelmente entre 200 e 800 fra ncos." (lU')
A apresentação otimista da p rod ução possível dos micro-lotes, nas escassas ho ras de trabalho pennitidas, com meios de traba lho precár ios é viabilizada comumente por descrições impressionistas produzidas com a aglutinação de atividades de diversas micro-glebas, através do uso de
-II Ú/âr;a & I.II/a d e C/il HU - 99
vírgula substituta da preposição aditiva "e", ali o nde devia de rigor usar-se a conjunção alternativa "ou". "Os cativos plantavam em seus lotes mandioca, bananas, batatas, inhames, legumes d iversos, árvores frutiferas. Criavam galinha, coelhos, porcos, ovelhas, às vezes mesmo vacas e cavalos I .. ,), Também praticavam O artesanato, cortavam madeira e fabricavam carvão, coletando forragem para vender, pescavam, etc" (I "')
Paradoxalmente, após as longas apresentações otimistas, lembra-se que "Tomich chama a atenção, sensatamente, para o peri go do exagero: eram poucos os escravos realmente prósperos; havia muitos vivendo na penúria mais extrenla; existiam, ainda, aqueles que recusavam a continuar trabalhando nas horas e di as livres, ou não agüentando fa zê- Io, pre fe rindo receber rações dos senhores." (1IJ6)
Sem avançar
A réplica de Flamarion limita-se a reafirmação e radicalização do proposto, sem
re futação dos questionamentos metodológicos a presentados por Gorender. Não há também ampliação sistemática do m a teria l empíri co apresen tado. Boa parte da documentação na q ual se apoiara fora já utilizada e ci tada po r Jacob Gorender em Escravismo colonial.
No relativo ao Brasil, os poucos casos reg istrados de concessão de nesgas de terras referem-se sobretudo à economi a açucarcira e à p ropriedades rurais de ordens reli giosas.
Mais comumente, eles reafi rOlam o caráte r aleató rio e não sistêmico da prática. Em 1700, Jo rge Benci registra que "alguns senhores" dava m "u m dia" aos cativos para produzirem mantimentos. Em 1711, Antoni l afirmava tamb é m que" alguns senhores" cos tumavam conceder "um dia em cada semana pa ra plantarem para s i". No final do sécu lo 18, Vi lhena reafirma o caráter não orgânico da prática e, em meados do século seguinte, em Vassou ras, fa zende iros "recomendavam " a su a ad oção como fo rma de diminuir a res istência servil. (107)
No relativo ao Bras il, não se empreende a super-es timação da produtividade dessas pa r-
ce las rea li zada pa ra os Es tad os Unidos e o Caribe . Po rém, co mo ass inalad o, ace ita-se acriticamente a pro pos ta de Schwartz de que os cativos do engenho de Santana "eram capazes de produzir um excedente comercializável" e "participar diretamente na economica de mercado Isicl e acumu la r capital Is icl'"
Proposta que não compreende a economia servil como miserável poupança moncl"á ri a,
capaz, no melhor dos casos, de, após décadas, vi abili zar a alforr ia de um produtor enve lhecido, como registra ad nall sean a documentação, mas sugere, ao contrári o, uma dinâmica economia que ensejaria verd adeiro "mercado in
terno" e apontaria, quem sabe, em direç50 do "desenvolvimento industri a l", através da p rodução de "capital", como já ass in <:l lado! (JIlK)
Em alguns casos, ao contrári o do de fendi do/ a documentação aprcscntLld <J ilponta pLlra íJ prática extrao rdiná ri a daquele hábi to . Como é O caso do es tudo da escrav id50 em Goi6s, em que Eurípides Funes encontrou registro documentai de roças de cativos em menos de dez por cento das propriedades regis tradas ' O u seja: mais de noventa po r cento poderiam n50 conhecer esse fenõmeno. ( I ~J)
Generalização do singular
Dortanto, baseado em documentação Incunar ... - que não raro in firma o proposto, sem di scuti r as refutações metodológ icas apresentadas,
105 - Id .lb. p. 83 ldestacamos l. 106 - Id.ib. p. 84 . 107 - CARDOSO. Escravo I ... ). Ob.cit. p. 108 - (d.ib. p. 109. 109 - (d.ib . p. IOZ.
propõe-se que o fenômeno teri a se co nve rtido "cm costume cadil vez majs íJ rra igado e difun
d ido", "indispensável" ao escrav ismo bras il ei-
a
«
p
100 - o Escravismo C%nial
ro_ Em inversão arbitrária da realidade objetiva, afirma-se terem s ido "casos individuais" e "conjunturas variáveis" aqueles nos quais "certos senhores puderam preferir e impor O s istema de rações"! (110)
Flamarion e, salvo engano, nenhum autor que defendeu na época a alta produtividade, o caráter mercantil e a generalização da brecha camponesa no Bras il tentou responder sistematicamente as questões incontornáve is decorrentes da proposição. Entre elas, por que os escravi zadorcs não distribuíram as terras entre os trabalhadores escravizados e limitaram-se à cobrança de renda, repetindo nas Américas a trans ição do escravismo ao feudali smo, através do colonato, já que era tão elevada a produção desses "pedacinhos de terra" explorados com instrumentos rústicos e escasso gasto de tempo?
Transição que seria também aconselhada reforçada pelo fato de que essas prMicas contri bu iriam para a paz na senzala, reduziriam os gastos marginais de segurança, poriam fim à hemorragia de recursos ex igida pela renovação das esc ravarias di z imadas na produção, através do tráfico. Como se sabe, o camponês, com alguma terra e autonomia, pare filhos como coelhos! Finalmente, se, nas últimas décadas da escravidão, a concessão de parcelas
de terras e a consolidação do controle servil sobre ela cresceu - e não diminuiu -, por que não se conheceu no Brasil mobilização multitudinária po r seu controle, no contexto da luta abo licionis ta, como em regiões da América escravista onde o fenômeno assumiu importância?
Ou seja. Por que os cativos abandonaram as fazendas em que viviam, com tanta facilidade, procurando comumente a libe rdade nas cidades ou relações assalariadas em outras propriedades, não empreendendo res is tência aberta ou velada pelo controle das hortas que, segundo se propõe, explorariam maciçamente, com tanta felicidade? (1 11)
Nos últimos quinze anos, as investigações sobre o escravismo colonial no Brasil te rminaram solucionando pela negativa as questões em discussão. Hoje, não há mais dúvidas sobre o caráter não sistêmico da concessão de hortas aos cativos, o Limite da produtividade dessa p rodução e sua orientação dominante para a satisfação das necessidades de subsistência dos produtores . Em ge ra l, como propusera Jacob Gorender, em 1978, em O escravismo colonial: "No regime escravista, a economia pró pria do escravo nunca representou peça indispensável, sempre foi acessória e condicional." (112)
Ninguém é inocente
e mo sugere o título, A escravidão reabilita a, de 1990, constituiu duríssima resposta
às críti cas contra a interpretação escrav ista colonia l do passado brasileiro que alcançavam então verdadeiro apogeu, caracterizadas explicitamente como "reabilitação" da escravidão e refinamento das teses patria rcalis tas de Gilberto Freyre. Partindo do princípio que o "trabalho histo riográfico nunca é inocente", o autor apontou as raízes ideológico-socia is profundas das obras que analisa, caracterizando o forte viés social-democrata do revis ionismo historio-gráfico sobre a escravidão então em curso: "1 ... 1 se foi poss ível e viável a conciliação de classes
110 - ld.ib. p. ll0.
entre senhores e escravos [ ... 1 muito mais possível e viável, vem a ser a conciliação entre capitalista e assalariados." (1 13)
Como já assinalado, quando da edição de A escravidão reabilitada, em 1990, vivíamos a ápice da vitória histórica da contra- revo lução mundial, da dissolução da URSS e dos estados o perári os degenerados do l .es te euro peu e da vaga neoli beral que varreria conquistas hi stó ri cas do mundo do trabalho em todo o mundo, através de avassalador movimento de privatizações, destruição de conquistas sociais, dissolução de partidos e organizações operárias, etc. Ou seja, processava-se já o dramático re trocesso do
111 - Cf. CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura fiO Brasil: 1850-1888. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília, INl, 1975. 112 - GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 4~ ed. rev. e amplo São Paulo: Ática, 1985. p. 258-9; 254-64; 2363. 113 - Cf. GORENOER. Jacob. A escravidão reabilitada. Ob.cit. p. 43.
«
lIi lõ 16ria & l.ula de C[au o · IIH
mundo do trabalho diante das forças do capital, no qual vivemos até hoje.
A crítica de A escravidão reabilitada, apresentada sem nuanças formai s em momento em que se aprofundava abismalmente o dominio das fo rças sociais nacionais e internacionais que apoiavam as tendências irracionalistas nas ciências sociais, ensejou a formação de ampla e sólida frente de oposição acadêmica contra o auto r e sua interpretação, num momento em que se vivia refluxo quantitativo e qualitativo das pesquisas historiográficas nacionais sobre
sobre o mundo social, em geral, e sobre a escravidão, em particular. (114)
A "resenha" de Sidney Chalhoub A escravidão reabilitada é exemplo pa rad igmáti co desse movimento. O autor procura dep"rar o debate sobre o escravismo de qualquer sentido polí tico e ideo lógico, tornando-o mero tema acadêmico, despido de transcendência epis temológica e social. Nesse sentido, registra não compreender "o porquê" da "histori a da escrav idão" ser para Gorender "uma questão e importância tão transcendental" .
Complô escravista
N a resenha, Gorender é acusado da mesma "monomania classificató ria" do "médico
alienista, de Machado de Assis "que com suas expe riências científi cas lançou o terror entre os habitantes da vila de ltagual" . Apenas no presente caso, as vítimas seriam os "histori ado res que se atreveram a escrever sobre a hi stóri a da escravidão e da abolição", contra os quai s o autor utilizaria o mesmo método "abrangente e a te rrador" do alenista-alienado.
A escravidão reabilitada seria produto da mente de um autor que se tomava po r "vítima de um co mplô urdido nas hostes rev is ion is tas". Gorender não teria autoridade cientifica e ética, já que "nunca" teria feito "uma pesquisa histórica prolongada nos arquivos da escrav idão brasileira - limito u-se, até hoje, a ler alguns documentos [s ic) impressos c livros de viajantes". Seguindo no mesmo sentido, Gorender é acusado de fundamental "seus proced imento de críti ca historiográfica no truque e na pilhagem."
Pra ticamente limitando sua referência ao li vro resenhado ao "si c" pospos to após o Wulo, Chalhoub conclui o arrazoado retomando ~ crítica de Gorcnder defender em O escravismo colonial a visão do "escravo-coisa" - ureprescntdção acadêmica segundo a qual os escravos só conseguiam pensar o mundo, c atuar sobre e le, a partir dos s ignificados socia is impostos pelos senho res" -, de ixando-se assim "sedu zir" "completam ente pela lógica dos escravocratas". Ou
seja, além de maluco, seria negreiro! No longo e árido contex to social caracte ri
zado pelas propostas de fim da história, encerraram-se praticamente as d iscussões so bre a multiplicidade de modos de produção, já que a própria proposta de compreensão tendencial do passado foi anatcmati zada C01110, no nlín imo,
visão ideológica de uma prá tica h istoriogrMi ca dirigida para campos mais gentis e menos tensos, como a hi stó ri a da v ida privada, da cultu ral, das menta lidades, das festas, dos scntimentos, dos costumes, dos háb itos, do scxo como desvio, etc., sobretudo das elites do passado c do presente.
Na décad a seguin te, reduzido a um mcro campo de estudo dos fcnõmcnos s ingula res da formação socia l bras ileira, desconcctado de intc rpretação totali zante dos fenõmenos cm discussão, a historiografia da escrav id50 cl ecli couse sobremaneira i:l aniÍ li sc das propus tas dos pa ctos e consensos entrc cati vos c scus escravizadores e da defesa da exis tência s istcmáti ca da família escravizada no Brasil, fJ S últi nlfJS estratégias de reconstit-uiç50 do consenso cstrutural da escrav idão proposto pel os cscravis tas, quando da escra vidão, e pelos inte lectu a is o rgânicos das e litcs bras il e iras, após a Abolição.
Nos anos novcnta, comumcnte, DS bibliografias de dissc rtações e teses sobrc a esc rav idão brasilei ra não mais arrolaram O escravislIlo colo-
114 _ Cf. CHAlHOUB, S. Gorender põe etiquetas nos historiadores. Jornal Folha de Sao Paulo, 24 novo 1990.; GORENOER, J. Co mo era bom ser escravo no Bras il. Folha de São Paulo. (réplica), 15/ 12/90; lAAA, S. Gorender esc raviza a História. Folha de São Paulo (tréplica). Caderno letras, jan. 199 1.
t
-
102. o Escrall;slIIo C%lljal
nial, numa prepotente tentati va de comprovação dn superação fina) da fratura ocorrida no
mundo das representações dominantes ocorri· da no já dis tante ano de 1978. •
Algumas obras de .Jacob Goerender
GORENDER, Jacoh. "Correntes soci ológicas no Bras il ", ESTUDOS SOCIAIS, n. 3A. Rio de Janeiro. 1958. GORENDER. " A questão Hegel", ESTUDOS SOCIA IS, n. 8, I~io de Janei· ro. 1960. GOR EN DER. "Contradições do desen
vo l vimento econômi co no Brasil", PROBLEMAS DA PA Z E DO SOC IA· LlSMO. n. 2. Riu de Janeiro. 1963. GOREN DER. Jacob. O {'.w.:ravislllo 1:0-
IOl/ial. SJo Paulo: Aliea , 1978. GORENDER. Jacob. " Int rodução", MARX , Karl. J-'ora (I (: ,-ílico da l!l:O
flOmia polít i ca; salário, pn'('o {' II/cm;
O rel/dimcllIu e .\'U{u !ullles. São Paulo: Abril Cul tural. 1982. pr. VII-XXI II.
GORENDER "A prese nta ção", MARX. Karl. O (;0l' il(1/: crítica da economia polít ica. São Paulo: Abril Cultural. 19X3. pp. VII -LXX II. GORENDER, Jacob. Questionamentos sobre ~l teoria econômica do escrav ismo colonial. ESTUDOS ECONÔM ICOS, Institulode Pesquisas Econômicas, IPE, São Paulo, I3 rll , jan.-abri l 1983. GORENDER. Jacoh. O escravismo co
IOllial. 4 cd. rev. e ampl. São Paulo: Ática , 1985 . GORENDER. A Imr}:lIt:sia brasileira. S:in Paulo: Brasi liensc, 1986. GORENOER. Gêllese (' dOt:flvot.J;-
11/(' 1110 do capitalismo /lO campo bra.\'ÍIc:im. Porto Alegre: Mercado Abcrto, 19~7.
GORENOER, Jacob. " Introdução. O nasc imcnto do materiali smo hi sI6rico·'. MARX & ENGELS. A id('ologia alemÜ. São Paulo: Martins Fontes. 1989. GORENOER. J'lcol1. A t:.Kmvit!iio re(I!Jililm!a. São Paulo: Áticil. 1990. GORENOER, Jacob. Com/mie lias Ire\ltl.\'. 5 ed. ampliada e atua lizada. São Paulo: Ática, 199X. GORENDER , J . Como era hom se r cscravo /lO Brasil. Folha dI: Silo Paulo. (rép li ca). 15/ 12/90;
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êne ias soc iais. São Paulo: Xamã, 2003 . pp. 130· 149.
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& branco: O passado escra vis ta que não passou. São Paulo: Ed iSENAC, 2004. f Li vre pensar, 4 j.
=
is ú o',
Nos anos de 1990, a Argentina começou a se r co nhec ida
no mundo por uma palavra diferente das corriquei ras
" tango" ou "Maradona". A palavra "piqueteros" , que deno
mina os movimentos de trabalhadores desempregados,
atingiu uma identidade finalmente internac iona l quando em
19 e 20 de dezembro de 2001 aconteceu o "Argentinazo", a
grande rebelião que provocou a queda do presidente
Fernando de la Rua e abriu uma crise do regime po lítico e
de suas instituições, principiando também uma nova etapa
po lítica no país.
Os movimentos piqueteiros e o U Argentinazo" Situação, problemas e debates de um movimento social do século XXI
Roberto Ramírez
(Tradução de Adrián Pablo Fanjul)
Roberto Rarnircz é editor da rev ista Socialismo o Barbaric
(www.socialismo-o-b • .ubarie.org) c militante do Movimicnto
ai Socialismo - Argentina.
ucles momcntos, os olhMcs d <l A méri CLl Llltina e do mund o inteiro volt<l rtJ m-sc pLl ra a A rgcnti -ní:l. Ambos, o Argenli n<lzo C os piq uelcros, for<lm produlos, po r uma parte, de UIllZl ct)
tástrofe econômico-soci<ll, e por outra p<l ,t e, eb resposta de mobili zação que der<lm os sctores mais gra vemente prcjudi C<ld os.
Embora, como expJjc<lrcmos, ambos rcfletcm combinaçôes peculi ares da formação econômico-social da Argentina c d<ls tr<ldi çôes de org<lnização e de lu ta dos setores sociais envo lv idos,
também expressaram e exprcssam situaçôes comuns da Améri ca Latina e dos países da peri feria. Nessa margem habita 85% da humanidad c. Porém, não somente ela recebe apenas v intc por
I
104 - Os I/Iovimentos piqllcteiro.\' e o "A rgclllitw!.O"
cento da renda mundial bruta, mas também essa miserávcl fatia ainda tende a diminuir [dados do World Bank, 20021·
É devido a esse contexto que tanto as rebeliões que inauguraram o século XX I (na Améri ca Latina, sucess ivamente as, do Equador, da Argentina e da Bolívia) quanto os diversos tipos de movimentos sociais emergentes, não devem ser considerados como fatos "excepcionais".
Na verdade, sc no capitalismo globalizado con tinuam dominando as atu ais tendências à
polarização social e ao empobrecimento, fenômeno que se percebe nos próprios USA, essas rebeliões e movimentos dizem muito respe ito às perspectivas para o atual século. Nesse sentido, são de alguma maneira um " laboratório" político e social, onde esforçados ensaios de "tentativa e erro" têm sido efetuados.
Portanto, em relação ao Argentinazo e aos piqueteiros, há de se levar em conta que são parte de uma história que ainda está sendo escrita ... por vezes, com sangue.
"Bem-vindos à América latina"
Até há pouco menos de duas décadas, a formação econômico-social da Argentina
apresentava uma peculiaridade importante em comparação à maioria dos países latino-americanos: nunca houvera, nesse pais, wna grande percentagcm de população "excluída": "Durante décadas, a Argentina foi uma sociedade relativamente bcm integrada do ponto de vista social. Em termos gerais, cssa integração aconteceu em um contexto de abundância de emprego, a tra vés dc um conjunto de instituições que poss ibi li ta ram a incorporação de um amplo setor de traba lhado res urbanos cm tcrmos dc dire itos sociais, proteção socia l c es tabilidade no trabalho." [Svampa e Pereyra, 20041
Muitos a rgcntinos, espccia lmcnte da classe média po rtenha, ou seja, da capital, região de maior riqucza re lativa no pa ís, tinham sido educados sob a idé ia de quc scu pa ís fosse uma fi li al, embora um pouco mais pobre, da Europa, e não uma ruinosa scmi colônill latino-ameri cana. Essa ideologia condizia, no entanto, ZI
certos n íve is da rca lidadc. A industriali zação por substituição dc importaçõcs tinha sido, a té ]976, is to é, até o começo da última ditadura militar fina li zada em 1982/3, "a ati vidade centraI e d inâmi ca da cconomia" . IBasualdo, 20021 Esse prcdomínio poss ibi litou a constituição de um fo rtc proletariado industrial c também de UJ11a éUllpla "classe 1l1édia" de aparência "européia", identificação cu ltu ra lment·c facilitada pela sua origem nas migrações do vclho continente.
No entanto, essa indus tri a li zação, cujo ciclo, com altos e baixos, tinha começado nos anos de ]930, carecia de alicerces sólidos. Já na déca-
da de sessenta, quando estava no seu apogeu, o hi storiador marxista Mildades Pena caracterizava-a acertadamente como uma "pseudo-industrialização", frágil e profundamente dife rente daquelas dos países centrais. [Pena, 19641
A ditadura militar instaurada em 1976 principia uma mudança que nos seus inícios seria evolutiva, para finalmente, nos anos 1990, sob a "democracia", sofrer um salto de qualidade, provocando uma "explosão de pobreza" semelhante à do resto do continente. [Katz, 20021
A indústria por substituição de importações foi sendo prog ressivamente esmagada, estabclecendo-se um "novo padrão" de acumu lação com "central idade do endividamento ex te rno" e uma concentração e centralização do capita l em um reduzido conjunto de "grupos cconômicos". [Basualdo, 2002; Inigo Carre ra, 2002, Azpiazu, 20001 Tudo isso acabou gerando lml
vcrdadei ro te rrcmoto socia l. Como afirmávamos em um trabalho nosso
já publicado IRamírcz, 20011, praticamcntc desdc antes da Scgunda Guerra Mundia l, depois da crise dos anos de ]930, a Argentina não conhecera um alto índice de desemprcgo, apesar de os traba lhadorcs empobrecercm a cada al1 0, a partir da década de setenta, COI11 cresci
mento da exploração e degradação do sa lá ri o e das condições dc trabalho. Havia osc ilações, mas o desemprego gerado em cada conjuntura recess iva era depois reabsorvido, cmbora um grandc seto r dc trabalhadores começassc a fi car exduído, rel egado ao trabalho autônomo.
Na década de 90, tudo mudou . O processo deixou de ser 'evolutivo' e, bruscamente, mi-
U h/lírio & l I/ta de C I({uc\' - 105
lhões perderam o emprego, dessa vez sem esperanças de recuperá-lo . As primeiras cifras já antecipavam o desastre. Enquan to a economia crescia quase nove po r cento ao ano, o desemprego também começava a aumenta r em ritmo acelerado, uma co isa que teria s ido m concebível em outras épocas.(I)
O desemprego foi alimen tado por várias fontes: pela falência da ant iga indús tria e de outras empresas, que não se 'adaptaram' à J~bertura econ õ mica'; pelas pr ivatizações das empresas públicas, com demissões em massa de seu pessoal; pe la ' reconversão' das indú stri as sobrevjventes, que reduziranl vagas; pela bancarrota da maiorja das dlanladas "economias regionais" em províncias do interio r do país, etc.
Assim, em ou tubro de ] 991, a taxa de desemprego era de seis po r cento. No mesmo mês de 1994, ano em que ho uve crescimento de oi to por cento, ela tinha subido para quase treze por cento. Em maio de 95, chegava a 18,4%. Desde aquele ano, depo is de ca ir alguns pontos, vo ltou a subir com a depressão econõmica de 2001 . A taxa de subemprego era igual ou maior.
Devido ao desemprego e ao subemprego, em
escala ainda mais anl pl il por afetar também os "autônomos" supostamente "ativos", a ma ioria da sociedade afunda bruscam ente sob níveis de pobreza e indigência nunca antes conhecidos na Argentina. Um estudo reali zado pouco depois do Argentinazo, aponta que: "I ncorporaram-se 3,4 milhões de novos pobres e ],5 milh ões de novos indigentes à massa preexistente de 14 mi lhões de pobres 1 ... 1 que incluem 4,9 mi lhões de ind igentes (que n50 podem adquirir uma cesta bás ica de alimentos). A Argentina tem a metade de sua populaç50 (37 milhões em 2000) afundada na pobreza e está entre os 15 países com pior di s tribuiç50 da riqueza do mundo I ... ] A depressão acrescentou um milhão de novos desempregados à medon ha percerttagem de 40% dil popu lação desempregada ou subempregada. Desde a cri se de :1 930, n50 se viil uma ciltástrofe semelhante em um país que n50 passou por gucrríJs ou CLltaclismos naturais." IEDI , 2002, I
É nesse contexto que nascem e se desenvolvem os movimentos "piqueteros", e que em 19 e 20 d e dezemb ro de 200:1 es to u ra o JlArgentinazo".
Várias rebeliões em uma só r
E tema de um debate não concluído entre os marx is tas argentinos a "defin ição" do
Argentmazo. Por exemplo, na época, mu itos o caracterizaram cOln o uma "revolu ção operária
e socialista". Do nosso ponto de vis tas, cremos que precisamente o g rande p rob lema é que não chego u a ser um processo desse ca ráter.
Socialmente, a 1l1a ioria da classe trabalhadora
empregada, como tal, não entrou em luta, à exceção d e setores m inori tários, mo lecularmente, na qualidade d e "vizinhos" e outros como ocupantes de empresas fal idas que os própri os traba lhadores co locavam em funcionamento. [Cruz Bernal, 20031 Por sua vez, po liticamente, não houve uma radica lização de se to res de massas em direção a pos turas socia listas. Cremos que é mais pertinente definir os fatos como uma rebelião que indicou O começo de um processo revo lucionário.
Como todo aco ntecimento dessas dimensões, o A rgenünJzo apresentLl UnlJ combin a
ção desigual e peculi ar de causas, processos e suje itos sociais e políticos. A "exp losiío de mi sério" já descritLl, ogra vodLl pcl~ depress50 do economio, combinou-se com o inud im plêncio
do pró pri o Es tado, com a ex prop riação das pau panças da classe méd ia pelos bancos, por decreto do próp ri o governo, e com uma grave "cri se de leg itimid ilde" do regime .. i emocrMi co-burguês e de suas institui ções - Poder Executi vo, Legislativo, Judicijrio e partidos po líti cos. Assim, O A rgentinozo combinou, simultoncamcnte uma "rebel ião dJ fomc", um<1 "rebc
li ão por trabalho", uma rebel ião de seto res médios defraudados pelos bancos e, no conjunto, uma "rebel ião demacriltica cantro II 'democrll
ciil ' e contra o poder polít ico" ISáenz e C ru z Bernal 2002' 1.
1 _ SaNO indicação contrária, as cifras referidas ne ste artigo são do Instituto Nac ional de Estadística V Censos (IN DEC l, centro estatístico do Estado argentino.
2
I
106 - Os lIIovimcnlOJ piqueteiros e o "Argenti1lazo"
Esta rebeli ão democrática das bases sociais contra a If democracia" expressou-se na famosa palavra de ordem "que se vayan todos" (todos fo ra l ). Ela resumiu, à vez, a abrangência e os limites do Argentinazo. Era muito certa como fó rmula de rejeição contra a "democracia para os ri cos", mas carecia de uma perspectiva que indicasse como transcendê-Ia, como passar para além dela. Isso implicava que, "para poder sustentar suas ini ciais mo tivações democráticas sem que invo lucionem ou sem que sejam traÍdas, a rebe li ão popular deve progredir para a lém delas, ir em um sentido anticapitalista e socialis ta [ ... 1. É avançar ou recuar". [Sáenz e Cru z Bernal, 2002'1·
E, ·efetivamente, O recuo aconteceu. Ao não "avançar", quer dizer, ao não entrarem na Juta os setores ocupados da classe trabalhadora e também ao não ocorrer urna radicalização política maciça, mas apenas de sectores de vanguarda, começou um processo de "lenta reabsorção democráti co-burguesa da crise". [Sáenz, 2004J
A vi rada nessa direção aconteceu depois de uma outra data importante para a hi stória do A rgen tinazo: a feroz repressão aos movimentos piqueteiros, em 26 de junho de 2002, quando da chacina da Ponte AveJlaneda, em Buenos Aires. Os se is meses anteri ores tinham sido conturbados. O gove rno "inte rino" de Duhalde, que tomara posse em 10 de janeiro daquele ano, nomeado pelo Congresso, depois da queda de três pres identes em doze dias, pensou que reverte ria o processo reprimindo o núcleo "d uro"
do Argentinazo, os movimentos piqueteiros. Houve um resultado já "clássico". A repressão, em lugar de amedrontar, foi estopim de grandes protestos e mobilizações. À beira do abismo, o "presidente interino" fez uma virada política: anunciou que adiantaria sua saída e convocou eleições.
As urnas conseguiram aquilo que as balas não puderam. A chave desse sucesso está nos limites que já apontamos como traço do processo em geral. Por parte da ampla vanguarda mobili zada no Argentinazo, majoritariamente piqueteira, mas também de trabalhadores de empresas ocupadas, assembléias de bairros, etc., não chegou a haver, como expljca Yunes, "urna alternativa própria para a crise global em um terreno também global, de projeto de pais, quer dizer, politico [ .. .]. Se isso não começava a vingar, a pura negatividade do 'que se vayan todos' acabaria dissolvendo-se na esperança de 'que venha o menos ruim'. A política, sabe-se, sente horror do vazio". [Yunes, 2003)
Diga-se de passagem que essa modabdade de desenvolvimento "em tesoura", entre a magnitude das lutas sociais, e a limitação e fraqueza da representação e influência política das vanguardas que lideram as mobilizações, vem sendo um problema comum dessas rebeljões do século XXI na América Latina. Não nos deteremos aqui na análise desse importante fenõmeno, mas apontamos que ele é comum não apenas ao Argentinazo e às rebeljões do Equador e da Bolívia, mas também aos movimentos e lutas de outros países.
Os piqueteros antes e depois do Argentinazo
O processo eleitora l combinado com um ciclo ascendente da economia depois da
depressão de 2000-2002 ab riu um período de cstabilizaç50 e de retorno ir "norma li dade" do regime democráti co-burguês. I RamÍrez, 20031 Como apontara Sáenz, Ll "cri se ilguda" tinh<l s id o encerrada . ISáenz, 20041 No entanto, isso n50 significou lima volta à década de noventa, nem no que tange à s ituação geral, nem quanto às relações socia is de fo rça. Não estamos já no pe ríodo "convulsivo", de cri se e mobilizações quase que diár ias dos primeiros seis meses do Argentinazo. Mas, em um sentido mais amplo,
não foi fechada a etapa política aberta em J 9 e 20 de dezembro de 200J.
Essa continu idade da etapa se expressa de diversas maneiras, como caracteriza Sáenz: "[ ... 1
ad ministração de um mecanismo de conquistas, concessões e armadi lhas sobre setores amplos das massas e da vanguarda (na maio ria dos casos, migalhas). Esse é um fenômeno tremendamente contraditório que expressa a pressão das massas sobre o governo e sobre a burgues ia. E, ao mesmo tempo, sua utilização por parte do governo como ins trumentos de domínio e de domesti cação." [Sáenz, 20041
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II Ü·tlÍr;a & 1. 1110 (l I! C/auer . 107
Diferentemente disso, a década de 90 não foi um tempo de "concessões" enganosas, muito pelo contrário, de esmagamento direto dos setores da classe trabalhadora que tentaram enfrentar as privatizações e os planos neo ljberais.
É que existe um importante elemento de continllidade do Argentinazo que, segundo pa lavras de Kirchner, faz com que a Argentina ain d a não seja um pills "normal". É a ex istência de uma vanguarda ampla, que, em sua grande ma ioria, está organizada nos diversos movi mentos piqueteros, mas que agora também tem expressão crescente em setores de trabalhadores empregados. Há estimação de ex istirem, no país, mais de cem mil ativistas, espalhados em uma diversidade de agrupações.
O que a burguesia e a mídia ex igem perm anentemente ao governo é terminar com essa "anormalidade", que se manifesta, por exemp lo, no fato de Buenos Aires fi car, "vira e mexe", parada, devido à interrupção do trânsito em pontes e avenidas. E vale esclarecer que essa ci dade é a capital de um país centra li zado, não fed e ral como o Brasil, e que, para a Argentina, e la representa qualitativamente mais do que a so ma econ ôm ica e po lítica de São Paulo e Brasília representa para o Bras il.
'A palavra "piquetero", de "pique te", começou a ser utilizada a partir da explosão social de Cu trai Co, cidade da provincia de Neuquén, e m junho de 1996. Era um povoado da Patagô ni a , d e dicado à ext ração de pe tróleo. A privatização da empresa nacional de petró leo, a YPF, deixou grande pa rte de sua popu lação sem emprego. Depois, houve rebeli ões semelha ntes em outras cidades petro le iras do su l -P laza Huincu l - e do norte da Argentina -Mosconi e Tartagal -, na província de Salta . De s uas o rigen s naquele dis tante interior, os mov imentos piqueteiros foram des locand o seu centro de ação para a Grande Buenos Aires, periferia urbana da Capital Federal.
Ass im descrevem Svampa e Pereyra a form ação do movimento: "O movimento piqueteixo reconhece duas fontes afluentes fundam e ntai s : por uma parte as ações abru ptas, efêmeras e por momentos unifi cadoras, dos
piquetes e insurreições do interi or, resultado de uma nova experiência SOCill l conlunitária vinculada ao co lapso das economias regionais e à privati zação das empresas públicas rea li zada na década de 90; por outra parte, remete à ação territori al e organiza ti va ori ginada na Grande Buenos Aires e relacionada às lentas e profundas transformações do mundo popu lar, produto de um processo de des industriali zação e de empobrecimento crescente da sociedade argentina que começou na década de 70."
Os mesmos autores prosseguem a apresentação do fenômeno: "A primeira dessas fontes nos co loca na perspecti va da ruptura, tanto quanto a segunda tende a marcar a perspectiva da continu idade. Em ri go r, poderíamos dizer que o movimento piquete iro nasce a li onde a desa rti culação dos contex tos sociais e de trabalho acontece de maneira abru pta e verti g inosa, ali onde a ex periência da descoleti vização adquire um ca rLÍtcr mass ivo, iJ li onde o dcsLlrra i
go e o desemprego reúnem, em um feixe só, um conglomerado heterogêneo de ca t·egorias sociais 1 ... 1. Nesse sentido, é necessá ri o destacar que os primeiros piqueteiros provinham dos (ex) traba lhadores melho r pagos do (ex) estado de bem-estar, com uma ca rreira es tável que incluía famílias e gerações completas sociali zadas no contexto da estabilidade e do bem-esta r social. Os primeiros bloqueios de estrada, ini ciados em 1996-97, l"i ve ram um caráter multi seto ria l e a posteri or repressão 1 ... 1 deflag rou verdadeiras insurreições popula res. Dia nte do reclamo de cri ação de emprego genuíno, o governo nacional respondeu a través de uma série de políticas que combinam - at·é hoje - a repressão di spersa e se le t·iva com a cooptação política e, de modo mais genera li zado, a atri bui ção de "planos sociais'" ilss isLencill is." (2)
ISvampa c Pereyra, 20041 É possível, então, entender por que a Argen
tina fo i e é, na Améri ca LD l"ina C mund it:l lmcntc,
O país dos grandes movimentos de desempregados. Não surgiram a partir de seto res secularmente "pobres" e/ou "excluídos", nem de "multidões" como as que pro põe Toni Negri ou de "identidades" sem sexo defin ido, ao esti lo
2 _ Os referidos planos consistem em entrega de comida e pagamento de um auxílio ao desemprego. IN. do rI
lOS - Os movimelltos piqueteiros e o "Argcnlilwzo"
de Laclau, mas de uma classe trabalhadora que ficou maciçamente desempregada faz relativamente pouco tempo. Essa classe traz poderosas tradições de organização e lu ta s ind ical, com milhares de antigos ativ istas e ex-representantes de seção ou de oficina. Além disso, embora nas bases predomine politicamente a consciência atrasada peronis ta(J), no ativismo sempre exis tiram fortes correntes localizadas mais à esquerda, entre elas, o trotskismo.
A emergência dos movimentos piqueteiros, espec ia lmente no seu desenvolvimento na Grande Buenos Aires, refletiu também o desabamento parcial da colossa l estrutura políticoorganiza tiva do "peronismo" como rede de contenção da miséria e da protesta social.
Com efeito, sob a "democracia", o Partido justicialista (peronista) desenvolveu um gigantesco complexo organizativo territorial nos bairros pobres da Grande Buenos Aires_ Articulada
I d . d /I 11(4) . pe os enomma os punteros ,essa orgam-zação clientelista é, à vez, um aparato eleitoral, um aparato de controle social e político, e também um órgão de assistencialismo miserável .
A irrupção dos movimentos piqueteiros abriu uma fenda no controle territorial desse aparato com traços mafiosos. A luta dos movimentos piqueteiros obteve do Estado diversas concessões, principalmente, auxílios econômicos e cestas básicas. Mesmo sendo parcas, essas concessões ficaram por fora do controle dos "punteros" do aparato peronis ta.
Heterogeneidade, reivindicações e política
A partir de diferentes co rrentes, foi desen volvendo-se o que a lgu ns caracterizam
como um "movimento de movimentos" pa ra fazer referência à heterogeneidade do movimento piqueteiro. ISvampa e Pereyra, 2004]
Essa heterogeneidade obedece a vários fatores. E sobre eJa também age o governo para coopta r dirigentes e domesticar os movimentos. Não se trata de uma origina lidade argeJ1tina. Mutatis mutand is, acontece a mesma coisa com o res to dos movimentos sociais latinoamericanos que emergiram c/ou entraram em cena na década de 90.
A heterogeneidade tem d iferentes causas. Por uma parte, nos mov imentos en trecru zamse todo tipo de pressões e problemas socia is e políticos. Por outra parte, os movimentos não são a lheios aos g randes debates estratégicos que atravessam a vanguarda na Argentina e em todo o mundo - reforma, revolução, autonomismo, partido, movimento, etc. É que esses movimentos, a inda que reúnam dezenas de milhares de desempregados, n50 deixa ram de ser movimentos de uma g rande vanguarda, embora às vezes localmente mobilizem setores de massas.
In icialmente, os movimentos nasceram como
movimentos de Juta de trabalhadores desempregados. Como caracteriza Sáenz, são movimentos "reivindicativos" na m edida em que juntam seus integrantes, pelo menos no come-ço, em torno da satisfação de suas necessidades mais imediatas, principalmente a fome que ameaça milhões de trabalhadores. [Sáenz, 2003] Porém, dife rentemente do que acontecia em outras épocas do capitalismo argentino e mundial, essa Juta reivindicativa vira política quase sem mediações: o afastamento entre a lu ta reivindica tiva e a política tem muitas menos possibilidades materiais do que no passado.
As demandas não se encaminham, geralmente, a um patrão, mas ao poder político. O principal método de luta é fazer piquetes para impedir pontes, estradas e avenidas, gerando ass im um fato político: desafiando o estado, é interrompida a "livre circulação" de mercancias e de pessoas, essencial para o funcionamento "normal" do capitalismo.
Quase "automaticamente", o movimento adquire ass im um caráter reivindicativo-político, sócio-político ou político-social. Mas, a partir disso, abre-se um Jeque de opções, que tem a ver com as diferentes respostas a uma sim-
3 - Os referidos planos consistem em entrega de comida e pagamento de um auxílio ao desempreg o. (N . do T.) 4 - Em termos gerais, consciência herdada do Hperonismo·, movimento populista de origem na década de 40 (N. do 1) 5 - lideres de pequenos territórios urbanos. dedicados à promoção de ca ndidatos nas eleições, e cujo reconhecimento na · freguesia· provém dI! sua possibilidade de obter e distribuir assistencialis mo. O nome ·puntero· remete à liderança na obtenção de votos . (N . do T.)
a
L
lIi ~ / ória & I . /t ltl f/ e C/a Hp - 109
p ies pergunta: que política adotar? Isso, que poderíamos denomi nar como o Os movimentos também são, s imultanea- cará ter que assume o movimento como ta l,
mente, "uma ' cooperati va' de reparto e micro- entrecru za-se com a questão política (!acrescen-prod ução [ ... 1. Uma 'cooperati va de di stribui- ta fo rtes tensões pró prias; já q ue, contra as ção' do obtida mediante a luta. E de produção, idea li zações feitas especialmente pelo autono-em pequena escala de mÍcro- empreendimen- mismo, cremos, que, em verdade, organiza-se tos. " [Sáenz, 20031 a "distri buição da miséria".
Movimentos e problemas em debate: cooptação, marginalidade autonomista,
"pobrismo", "piqueteirismo" e unidade de classe
Pa ra u.m observador que acabasse de chegar a Buenos Aires, esse "movimento de movi
nlcntos" apresentaria uma primeira imagem caótica. Seguramente, poderia pe rder-se nos labirintos das dezenas de sig las. No entanto, não há caos nenhum, mas uma lógica que tem a ver com as "coo rdenadas" que acabamos de apontar.
Essas "coordenadas" determinaram um ri co debate teórico e estratégico sobre o mov imento p iq ue te iro . Da mesma maneira, é em função das mesmas que pode estabelecer-se uma classifi cação desses movimentos. A relação de organizações e d e correntes que faremos a seguir n50 será exaus tiva, já que seria longa demais, mas inclu irá as principais. 1. Há, em primeiro lugar, os que optaram por entrar na cooptação-domesticação que promove Ki rchner Qunto com a repressão seletiva contra os refra tá rios) para ir acabando com a vangua rd a h e rdada do Argentinazo. Esse se to r pode ri a ser caracteri zado como de " piqueteiros fi s io lógicos". Não apenas recebem fund os do go verno, mas também seus dirigentes fo ram recompensados com cargos públi cos.
As d uas principais correntes nesse seto r s50 a Fede rac ión de Tierra, Vivi end a y Hábita t (FTV), diri g ida pel o ago ra d e putad o Lui s D' Elía, e Barrios de Pie, cujo principa l d irigente, Luis Ceballos, hoje é um alto funcioná ri o do Min is té ri o do Trabalho. A FTV é a ag rupação de d ese mpregad os da CTA (Centra l de los Trabajad o res Argentinos), uma das três centrais traba lhi s tas, que mantém estreitas relações com a C UT brasile ira e com o PT, com os que se identifi ca po líti ca e ideologicamente. "Barrios de Pie" é um movimento orientad o po r " Patri a Libre" , U.ma o rganização política de esquerd i;1 que, d o " nacional.ismo popular revolucionári o" de r ivo u n o apoio incondicional a Kirchner.
Nesse seto r "fi s iológico", loca lizam-se outras co rrentes menores, a lgumas qu e provém do autonomismo, que ana lisa remos depois. 2. Com um pé no apoio ao governo c outro na oposição a Kirchner, encontra-se um outro movimento piqueteiro importante, a CCC (Corriente Clasista Combati va). Ela é orientada por uma tendência maoíst·a, o PCR (P.1 rhdo Comun ista Revolucionari o). As posições oscilantes da CCC têm a ver com as esperanças incri velmente alen
tadas pelos maoístas em um~ "bu rguesia nncional progressista", da que Kirchner seria representante. A concl usão po líti ca é n50 fazer opos ição frontal ao governo, mas press50 para que "enfrente" o imperi alismo e o FM I. 3. As co rrentes autonomistas que, sob o nome de MTD (Movimiento de Trabajadores Desocu pados) foram possivelmente maiori a na Grande Buenos Aires, nas vésperas e nos p rimei ros meses do Argentinazo, merecem um trecho especial.
É importante constZlta r que, como aconteceu
com O autonomismo em outros lugares do mundo, depo is de um rápido e importante cresc imento, houve uma crise c uma d ispers50 igualmente velozes e ev identes. Hoje, fazer uma relaç50 de todos os MTDs ex istentes e suas sucess ivas divisões de d ivisões scri<J U ll1 iJ tarcfeJ intermin ável.
O autonomismo piq uete iro levou ao mov imento as teo ri as de John Ho lloway e do zapati smo, sobre "muda r O mund o sem tomar o poder", o antipartidi smo e também a idea lização do "micro empreend imento". Como já apontamos, os movLmcntos 550 uma espécie de "cooperati vas" de di s tribu ição de " pl anes sociales" (auxílio) e de alimentos, e tam bém de pequena produção. Isso, que é conseqüência da lamentável necess idade de não morrer de fome, transforma-se em virtude para os autonomis tas.
«
lJO - Os IIIovimclllos piqueteiros e o "Argefl/illazo"
Assim é fi rmada, como define Sáenz, "a u topia reacionári a da construção de relações sociais 'paralelas', de 'economias alternativas', que se considera que signifiquem bases materiais para a emanei pação dos trabalhadores, enquanto as principais alavancas das forças produtivas são deixadas em poder dos capita li stas." ISáenz,2003J
A orien tação do autonomismo leva o desempn.:gauu LI aceitar como definitiva sua mélrgi- I11.1-
ção da produção e portanto da classe traba lhadora. Ela tenta a construção de uma economia da marginalidade, da qual faz acirrada defesa.
Mas a explosão do autonomismo teve a ver mais com uma "redução ao absurdo" de suas concepções "anti política" e "anti partido". Osca r Wi lde fa lava sobre "o amor que não se atreve a dizer se u nome". As organizações autonolllistas costumam ser, em verdade, partidos, organizações políticas, que não se atrevem a reiv ind icar-se como tais. Dessa moncirLl,
cada um dos MTDs e/ou suas frações, como partidos "de fato", foram adotando posições políticas enfrentadas. Assim, por exemplo, parte do autonomismo, como é o caso do MTD Ev ita, aderiu ao governo de Kircluler.
Em gera l, hoje os diferentes MTDs, onde se encontra um arco-íris de posições do autonomismo radical e o anarco-socia lismo até variantes populistas-peronistas e guevaristas, têm uma atitude que não é de apoio, mas também não é de enfrentamento em relação ao governo.
O Movi miento Territorial de Liberación (MTL), cujos dirigentes pertencem ao Partido Comunista, loca li za-se no campo da o pos ição ao governo. A pesar de não ser autonomista, o MTL também estimula e idea l iza a micro- produção. Isso tem a ver com a orientação política do Partido Comunista de um "frente amplo" que inclua as PMES (pequenas e medianas empresas). Mas a conversão dos desempregados em "pequenos e medianos empresá ri os" não parece atingir mais sucesso do que as "economias a lternativas" p romov idas pelos d isdpulos de Holloway e pelo comandan te Marcos.
O Movimiento lndependiente de jubi lados y Desocupados - IAposentados e desempregadosJ (Ml j D) é hoje uma das mais importantes co rrentes piqueteiras. Colocado na oposição ao
governo, seu d irigente, Raúl Castells, foi recentemente preso duran te vári as semanas. O MIJD reúne e reflete os seto res socialmente mais m ar
ginais do movimento, isto é, os desempregados que já perderam seus v ínculos com a p rod ução e com a classe traball1adora. Em conseqüência, Castells substitui as catego ri as de classe pelas de "pobres" e "ri cos". Essa espécie de "pobrismo" assume como absoluta a tendência ao empobrecimento que hoje existe na Argentina e em grande parte do mundo.
Sem reconhecer-se como membros d esempregados de uma ún ica classe trabalhadora, o Mlj D não desenvolve uma politica de unidade com os trabalhado res hoje empregados. Também não dá relevância ao reclam o de novos empregos, menos a inda à reivindicação de di minu ição da jornada de trabalho. O movimento de Caste IJs limita-se quase que exclus ivamente ao reclamo de auxílio econômico e de alimentação na sua po líti ca tanto em relação ao governo quanto a empresas como supermercados, cass inos ou McDonalds.
O Po lo Obrero é também um importan te movi mento. É o rien tado pe lo Partido O brero (PO), organ iz ação trotskista que tem afinidade com O PCO brasile iro. O PO desenvolveu uma co ncepção co nhecid a n a Argentina como "piqueteirismo", tema de po lêmica tanto nos movimentos de desempregad os qu an to n o movimento operá rio em geral e na esquerda.
Trata-se da teoria da "classe o perária piquetei ra". Melh o r, de que os piquete iros cons tituem, por si, a "vanguard a política" da classe traba lhadora. Parafrasean do um d os seus principias ideó logos, seri am inclusive " um guia histórico para a classe operári a do mundo todo" e "a expressão histórica mais profunda que produziu o mov i.mento operári o argentino". Para
essa concepção, os pique teiros passarão a representar, sem poss ibi lidade de nenhuma concorrência, a d ireção do movimento, já que são "os operár ios com consciência de classe". IAltami ra, 20021
Cremos que os movimentos de trabalhadores desem pregados tiveram e têm uma im portância imensa. No en tanto, nem na Argentina nem seguramente em nenhum outro lugar do planeta, a classe trabalhadora ocu pada va i ad-
.. lI isI6ria & Lllla c/c C / llUI'I' - III
mitir os desempregados como direção política, social e de suas lutas. A s ituação da classe traba lhadora argentina é de fragmentação, em primeiro lugar entre empregados e desempregados, e depois, entre as clive rsas categorias de e mpregados - servidores públ icos, precá ri os, te rce irizados, etc. Na sua consciência cncontrase profundamente fincada essa fragmentação, e por isso, é difícil, para muitos, reconhecer-se como urna classe só. O problema n50 reso l vido d a unidade de classe faz-se, em conseqüência, c ru cial. E os piqueteiros são parte, também, de u.ma vanguarda que se encontra a grande d istân cia das massas trabalhadoras.
O governo e a mídia têm tirado hóbi l proveito d essa brecha. Há uma campanha permanente que mostra os piqueteiros como lumpens q u e querem viver sem trabalhar, vagabu ndos q u e, com seus bloqueios de pontes e de estradas impedem os bons traba lhad o res de irem para o serv iço. Essa campanha teve grande sucesso nas classes méd ias e entre muitos trabalhadores. A verd ade é que, longe de se rem a "vanguarda" ou a "direção" do mov imento operá rio, os piqueteiros estão hoje perigosamente isolados. E logicamente, a auto-procl amação p iqueteiris ta não contribui para superar essa g rave s ituação.
O utros dois importan tes movi mentos com d ireção d e co rrentes trots kistas s50 o MST (Mov imiento Sin Trabajo "Teresa Vive"!"), diri gido pelo Mov imi ento Socia lis ta de los Trabajadores e a Frente de Trabajadores Combativos (FTC), ori entada pe lo MAS (Movim iento a i Socia lismo). Dife rentemente das outras co rren tes reformi stas, autonom istlJ$, maoístas,
trots ki s tas, e tc. que agem entre os piqueteiros, o MST não desenvolveu uma reflexão sobre os problemas estratégicos e mesmo teó ri cos que se a presentam nes tes novos mov imentos soc ia is. E le adota, então, um curso cr r6ti co, que na
p r á tica re du z esse m ov ime nto à lu ta "corporativa" por auxíl ios e comida.
A FTC e o MAS, pe lo contrári o, desenvo lve
ra m uma concepção "antipiquete rista", que tem com o e ixo o prob lema da luta pe la uni dade de classe, começando pela unidade dos traba lha-
6 _ por Teresa Rodríguez, piqueteira assassinada pela repressão em Cut ra l Co.
dores com e sem emprego. Partem do pressupos to "cláss ico" de qu e se os setores fu ndamentais da cl asse operári a ocupada não cntrnrem em movimento, nenhuma "vanguard Ll piqueteira" pode subs titUÍ-los. Nesse sentido, fo i e é uma preocupação central do FTC a luta por emprego genuíno e não meramente po r auxílio ao desemprego e po r comida.
Ass im, a FTC é a principal organização piqueteira que apóia o Mov imicnto Nrlcional por la Reducción de la Jo rnada de Trabajo a 6 horas. Esse mov imento fo i constituíd o neste ano, em to rno dos melrov i6ri os de Buenos Aires. Mediante uma greve que pa rali sou o Iransporte duran te ccrCíJ de umn scnKlna, conscgu irnm
impor a jornada de 6 ho ras sem redu ção sa la rin!. A conseqüênciLl imedinl-LI foi LI cri Llç50 de 500
novos empregos no mClrô. Depois desse triunfo, os traba lhado res do
melrô, junto com oulras exp ressões do s ind icalismo class ista, organizações de desempregados e pa rti dos de esquerd n, chamaram a desenvo lver uma campanha nacion;)1 pelas 6 horas. O fato é que enquanlo qu ase a metade dos Iraba lhad o res argentinos es tá desempregada ou subempregad a, a maio ri a dos que lêm emprego cumprem jo rnad;)s absurdas de doze e até dezesseis horas.
A g rande massa de desempregados é um rato r de pressão sobre os que a in da têm emp rego, para e les não rec lamarcm pelo sa lário (que jil so freu uma perdn rCiJl de mLlis de Iri ntll po r
cento desde a desva lorização do peso em 2000 1), nem pe las cond ições de semi -esc ra,vid50 trrlbLll histrl . É uma iniciutivLl llluito impor
tante de um se to r da vanguard;) oper6r ia de form ul rl r uma dcmLlnd Ll comulll tLl nlo pnrLl os traba lhadores com emp rego q uanto pa ra os desempregados. Se esse mov imento gnnhZl f
impulso, poderó começa r a se r reso lvida a pcri gosZl situnç50 dc iso lnlllcnl o LI que chcgLl rLl m
os mov imentos piqueteiros. •
~ __ ~ ____________________________________________________ ~C
J 12-
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• História & Lula I , .. 'S -
Se as razões de Bush para invadir o Iraque são mais que
conhecidas, os motivos de Blair para apoiar as aventuras
im periais americanas são m enos óbvios.
Este artigo busca explicá-los, a partir das transformações
recentes no trabalhismo britânico.
Blair Bush y la guerra de Irak Francisco Domínguez
Francisco Domínguez cs Jcfc de I Deplo de Estud ios Lali noil lll c ri canos Y dirige eJ Ce nt ro de Est udio s
13rasilciios de In Univcrsidad de Middl escx.
17 Octubre de 2004, peri ódi co inglés n/c IndcpcndclIl publi có el artículo " EI juicio fina l" donde se inform" cI resul t" do de las cxhaLl sti vLlS invcstig<lC iones dei I raq Su rvcy C rou p, la comisión designada por e1 presidente Bush encargada de
determinar si había o no nrmtlS de dcsl ru ccit'l n lll i1si va en I rak.
La conclusión cs !Zlpid Zl ri a: no scenconlraron
!li Zl rm as biológicLlS, ni quÍmiG1S, ni n~lcl cLlreS, !li sistelllas pa ri] dctollarl t.1 s o lJll ziJ rl as, !li pro
g ri.l1nas para dcsarroll<:n l<J s, !li ningún lipo de armas prohibidas por las decisiones dei Consejo de Seguridad de b s Naciones Unidas. Como se d ice en Cran Bretafía: "Not a sausage'" (iN i siquiera una salch icha!). Es deci r, la guerra rue total mente innecesa ri a, se justifi có sobre b"ses totalmente b isas, y tanto Bush como Blai r y sus respectivos sccuaccs, sinlplclllcnte Ic minticron a sus parlamentos, a los ciudadanos de sus países, a las Naciones Unidas, "I mundo todo.
EI daiío político de es tas ' revclilcioncs' para Blair, guien repiti ó majadera y l11end azmenle
«
114· llIoir 1311 .\'" Y /a guerra de /rak
que las inex is tentes arm as d e d es tru cc ión mas iva de Saddam podían ser des plegadas y d isparadas a los centros nerviosos dei Occidente como Londres en 45 minutos, es irreparable.
Blair se ha conve rtido en un cadáver políti co cn busca de Ull ataúd nlás o menos cÓmodo. Las verdaderas razo nes de Bush para invad ir I rak son conocidas, apoderarse de una de las fu entes de petróleo más importantes dei mund o co mo parte dei obje ti vo d e hegemo nía norteameri cana mundial to tal que fu e fonnulada en el "Proyecto para el Nuevo Siglo Norte-ameri cano" y publicada en 1997 y firmada por los fa náti cos n eocon servad ores de la adm ini s trac ión Bu sh como Dic k C he ney, Donald Rums feld, Pau l Wolfowitz, jeb Bush, Ell io t Abrams, Dan Quayle y Francis Fukuya ma e ntre o t ros. La cues ti ó n es Lcuá les son las razones d e Tony Blair, líde r Laboris ta, para plegarse tan entus iastamente a la cru zada de la extrema dcrecha norteameri cana contra Irak?
Para res ponder a esta pregunta es necesa rio comprende r a Blair y sus actos políticos en el contexto de la evolución dellaborismo britá ll.i co en los últimos anos. EI proyecto de Bla ir se inscribe en la lógica de derechi zación sos tenida de la bu rocracia política y s indi ca l labori s ta luego de las consecuti vas derrotas ideo lógicas y c1ectorales que el laborismo sufrió en ·18 afios de d o mini o co nse rvador d es d e ]979 co n Margaret Tha tche r y su sucesor, John Major, hasta la e lecc ió n de Blair en 1997. Es ta derechi zac ión acumulati va ha prod ucido una especie de contra rrevo lución ideo lóg ica en la que c l labo rismo se ha desecho incluso de los ropajes fo rma les que lo hadan una co rriente 'socia li sta' como la Cláusula IV de los estatutos dei pa rtid o que le compro melía a "nacio-
nalizar todos los m ed ios de producción, di s tribución e inte rcambio", y que implicó, además, el abandono de las tímidas políticas de redistribución de la renta con las que ellaborismo ha estado asociado historicamente en el pais.
Es este proceso e l que produce a Tony BI a ir. Bla ir no es laborista. Por sus instintos, s us predilecciones, su ideología y sus reflejos, Blair es un conservador casi de extrema derecha.
En esencia, e l 'b lai ris mo' cons is te e n la adopción g loba l de las concepcion es dei ' th atche ri s mo' d e recha zo a las políticas redistributivas dei pasado que financian e l estado de bienestar y que inc1uyen el derecho universal de la población a la atención de saJ ud gratis, el derecho a la educación prima ria y secundaria gratis, además de una ampLia variedad de beneficios sociaJes para los jubilados, las madres solteras, los minusváLidos y otros grupos sociales.
EI 'blairismo' acepta la dicotomia reaccionaria que considera la empresa privada eficiente y a la empresa pública ineficiente y despilfarradora, y que está a la base deI ceIo privatizador de Blair. Por último, el 'blairismo' consiste en una capituJación total - genuflexiva - ai imperialismo más fuerte en política internacional.
Para lograr esto último Blair cuenta con la relación militar especial entre Cran Bretana y Es tados Unidos que se remonta a los fines d e la Segunda Guerra Mundial cuando fue es tablecida por Winston Churchill y FrankJin Delano Rooseve lt. Los voceros d e i blairismo reconocen y admiten esta de rechización pero se apresuran a senalar que fue la que logró que e1 laborismo re tornara a i gob ie rno con una abrum adora mayoría parlam e ntaria qu e aumentó en la elección de 2001 .
Antecedentes: razones dei triunfo electoral
Un ti tul a r de The Econom is t, vocero dei capital financiero británico, resumió con exactitud el momento político de la elección de Tony Bla ir yel Pa rtido Laboris ta ai gobiern o en 1997: " Los Tor ies me recen pe rder, cl Labori smo no mere
ce triunfar" (7 Mayo, 1997). Es decir, los Conse rvadores se habían d esacreditad o tanto y es taban tan divididos inte rna mente que e ra
impos ible que gana ran la e lección general de ]997. El descrédito provenía de tres fuentes. Los altos niveles d e corrupción s imbolizados por los juicios contra altos dirigentes dei partido Tory como jonathan Aitken, Minis tro d e Adqu isiciones de Defensa, quien te rminó con un a condena de cá rce l de 18 meses p o r corrupción, O jeffrey Archer, extravagan te Vice
.. f-lixtária & I . ltla d e Cla s .H:.~ - 115
Presidente dei partido, ferviente thatcherista, candidato a Alcalde por Londres y otros importantes puestos en ai partido y gobierno, e inveterado mentiroso, que está todavía en la cárce l por perjurio. En segundo lugar, las colosales divisiones dei gobierno y dei partido respecto de la integración británica en la Unión Europea llevaron ai gobierno de John Major prácticamente a la parálisis.
En realidad, las divisiones por causa de Europa son tan profundas que exis te hasta ahora un estado de guerra civil inte rno larvado en aI partido, y que aflora toda vez que el asunto de Europa salta a la palestra. La tercera razón, p robablemente la más importante, era la enorme impopularidad de las políticas económi cas derechistas deI gobierno de Jonh Majo r en relación al estado de bienestar, la educación, la salud, los impuestos, y casi todas lo demás á reas de la vida nacional.
Retrospectivamente, el factor decis ivo que selló la derrota electoral conservadora de 1997 fue el Miércoles Negro, el 16 de Septiembre de 1992, cuando Norman La.mont, Minis tro de Econonnia de Major, con una pai idez mortal en e l rostro anunció ante las câmaras de TV que G ran Bretaiía se veíaen la obligación de retirarse d e i Mecanismo de Tasas de lntercambio (Ex change Rate Mechanism) de la Unión (entonces Comunidad) Europea (Times O nline, Septiembre 16, 2003). Desde ese mom e nto, los días de gobierno Co nservador es tuvieron contados.
A s í en Mayo de 1997 e l regocijo popular llenaba las calles de Gran Bretaiía con la notici a dei tri unfo abrumador deI Laborismo no tanto por la excitación de la L1egada de Tony Blair aI gobierno, sino fundamentalmente por la derrota de los Tories. EI último de los gobie rnos lab o ris tas antes de Blair había terminado estrep itosamente como consecuencia de i lI amado "Invierno deI Descontento" en 1979 en el cua l e l pais estaba dominado por huelgas obreras q ue se oponian a la política de austeridad que e l gobierno de James Callaghan trataba infructuosamente de imponer (Blake: 1997).
EI Laborismo se pasó toda la década de los 1980 repensándose estratégicamente y autoenmendándose políticamente a fin de recu pe-
ra r lo que a juicio de sus líderes era una e lus iva e lcc tabilidad. G ran parte de ese pro fund o examen de conciencia Iabo ris ta apuntaba a b creación de pactos electorales, principalmente con los Liberalcs, partido burgués de centro, hi s tó ri camente hegemóni co en la burgues ía has ta 1913, fecha deI fin de su supremacía políti ca y elcctoral (Dangerfi eld : 1997).
Se trataba de crea r una ali anza lo sufi cientemente amplia que no só lo ga ranti zará e l triunfo electora l sobre los conservado res, s ino que su amplitud debía ev itar la ' ro tah va' en el gobierno entre Conservadores y Laboristas que supues ta mente habría predominado desde la segunda guerra mundial.
Thatcher lIega a i gobierno con una inmensa mayo ría parbmentar ia y enfrenta a un Laborismo desmorali zado, deso ri en tado ideo lógicamente, a la defens iva en e l terreno políti co, y con una p ro po rció n s ignifi ca ti va d e la clase trabajado ra ca lificada que no só lo lo ha abandOllndo clcctoralmclHc sino que adcmás íJpOyD aI Conservadurismo.
Por otro lado, debido a la desastrosa políti ca económi ca de rechis ta de Ca ll aghan, los sectores tradicionales de i mov imicnto obrero y s indi cal - mineros, s iderúrg icos, empleados púb li cos y de la salud, por ejempl o - ti enen en 1979 una profund a d esco nfi an za hacia el
Laborismo y se han desplazado, críti camente, a la izquie rda. Thatcher recibe un es tado con una profunda cri s is fi sca l.
Montada en eI caba llo ideo lógi co monetarista, T hatchcr llcva rl:.í a céJbo una contrZl rrcvolución económica que tendrá profu ndos y retróg rados efectos en la distribución fi sca l entre las c1 ascs, la relación entre empresa est-ata l y privada, el financiamiento dei estado de bienestar y la protección tradiciona l dei es tado hacia los sectores más desva lidos de la población como pens ionados, madres so lteras, desemplm dos, inmigrantes y los pobres en general.
Las políticas dei gobierno de Thatche r son, asimismo, enormemente benefic iosas pa ra el capita l nacional e internacional. Se trata de apli car el Marxismo ai revés, a saber, lograr una transferencia substancial de la riqueza y deI poder político desde los pobres a los ri cos. Lógicamente, el di scurso de Thatche r expresa
c
116 - Blair IJush y la guerra de lrak
esta contrarrevolución e n la ideología que promueve y que se puede resumir en dos frases que ella emitió e n sendos congresos dei Conservadurismo inglés: "EI derecho a ser desigual" y "Ia sociedad no ex iste, so lo e l individuo existe".
Los cambios estructurales introducidos por Thatcher y la facilidad con que los logra implementar son asombrosos. EI ceIo contrar-reformador de su gobierno es intenso: todo lo que se puede p rivatiza r se privatiza, desde los ferrocarr iles, hasta la compaiiía d e te léfonos, induyendo el gas, eI agua potable, la elcctricidad, parte dei transporte público, el acero, indusive la vivienda barata estatal, una de las conquistas más importantes de la dase obrera y de los pobres de Cran Bretafia (Hall & jacques: 1983).
Las reducciones presupuestarias a los gobiernos locales fueron bajo su primera magistratura también extremadamente drásticas, ai mismo tiempo que se introducía legis lación para aplicar severas penas financieras a las municipalidades que intentaran compensar los deficits presupuestarios, así ocasionados, con impuestos locales. Simultáneamente, el gobierno imponía reducciones a los subs idios a las industrias en declinarniento y buscaba cerrar todo empresa que pudiera.
Coherentemente con lo anterior, cl gobierno introdujo legislación que res tringía draconianamente la acción de los s indicatos, entre las cuales se destaca la prohibición específica de hacer huel ga en so lidaridad co n otros trabajadores en confli cto. Thatcher triunfa decis ivamente en sus esfuerzos por debilitar ai mov imiento obrero organizado en 1984-85, fecha en que logra derrotar ai contingente más combativo, más radica l y mejor organizado dei si ndicalismo británico, los mineros dei carbón (Cambie: 1994).
Las consecuencias, como era de esperarse, fueron devastadoras. Amplias ca pas de trabajadores vieron su futuro completamente arruinado debido a un aumento in crescendo deI desempleo. Para mediados de 1980 la cifra dei desempleo bordeaba los 6 millones.
Como ' incentivo' a los desempleados a encontrar empleo, se redujo drásticamente los beneficios d ei estado de bienestar a los oficial-
mente registrados en las listas de parados. EI objetivo declarado de las políticas y la acción deI gobierno explicado por teóricos Conservadores como Keith joseph, mentor político-intelectual de Thatcher, era lograr el aumento de la riqueza producida a través de la reducción de los impues tos, lo que lIevaría a un incremento de la inversión productiva.
En otras palabras, se argumentaba que el país estaba en crisis debido a los altos niveles impositivos por causa deI gasto estatal, definido como improductivo. En breve, para que eI país saliera adelante era necesario sino desmantelar e l estado de bienestar por lo menos reducirlo s ignificativamente. Es decir, la solución estriba en que el rico fuese más rico y cl pobre más pobre. Una vez que el crecimiento económico ocurriera, el chorreo y las oportunidades ofrecidas ai individuo por el funcionarniento deI mercado haría mas próspera a toda la sociedad.
Sin embargo, para 1996-7 la total falta de cred ibilidad de los conservadores se aprecia en la descripción hecha por un perspicaz observador que describió el momento deI triunfo de Blair: "Cerca de un millón y medio de duefios de vivienda se encontraban comprimidos por los saldos negativos resultados de la caída dei valor d e sus casas más abajo que eI dei creciente valor de sus hipotecas. Por lo menos otro mi lIón han descubierto que sus privatizadas pensiones era un muy mal negocio. Muchos otros se preocupaban por sus perspectivas personales en un mercado de trabajo a medio tiempo crecientemente informalizado, o veía impotente la descomposición de la sa lud pública y la educación.
La arrogancia y la corrupción de los diputados Conservadores, la auto-induJgencia de los patrones de las industrias recientemente privatizadas y, lo más importante de todo, las p rofundas divis iones sobre la unión monetaria europea, exp li can también la hemorragia dei apoyo electoral Conservador." (B1ackburn: 1997, 4).
Por eilo, no sorprende que en la elección de 1997, los conservadores hayan obtenido apenas e132% dei voto popular, su peor resultado d esde 1832 (Blackburn: 1997,3).
Blair hereda una nación completamente
• lIiíllíria & I rlla de CltlHt! .~ - 117
transformada en la cua! el peso dei paradigma neoLiberal tanto e n lo ideológico como en lo económ.ico es abrumador. Las transformaciones
estructurales resultantes de 18 afios de gobierno Conservad or han metamorfoseado la sociedad, la políti ca, y la economia.
Principales componentes intelectuales dei 81airismo
L a idea central que ha animado la propagan da y gran parte de las políticas de Blair en
e l gobierno ha sido la de que el crecimiento eco nómico basado en e l funcionamiento dei mercado producirá los recursos que financ iarían una deseada, pe ro nunca definida, modernización .
Tal postura rompe con la tradi ción intelectual dei Laborismo. Ya en 1996, algunos observadores indicaban cómo la adopción de la herencia neolibera l Tory por parte de Blair y s us partidarios iba a significar la matención de la su premacía dei mercado por sobre cualquier con s ideración social a objeto de aumentar la eficiencia productiva dei capital británico y as i incrementar su competitividad e n la a rena internacional. Para esa fecha daba la impresión de que Bla.ir hada esfuerzos infructuosos para diferenciarse de los Tories y se argumentaba por algunos críticos de la izquie rda que e l Laborismo se auto-imponía restricciones en el ámbito económ.ico lo que resultaría en la no implementación de s u programa d e modernizac ión (Coates: 1996, 3).
Si la modernización basa da en el libre funcionam iento dei mercado iba a producir el d eseado crecimiento económico que la financia ría, ello no reduciría la enorme brecha entre ri cos y pobres nj las agudas diferenciaciones regionales, especialmente en tre el Norte y el Sur dei país. Este es otro aspecto de la ru ptu ra con los princ ipios tradicionales dei Laboris mo británi co, a saber, inte rvenci ó n es tata l para aminorar las diferencias sociales ex is tentes, mucho más necesarias y urgentes luego de cas i dos décadas de políticas económicas y sociales Con servadoras.
La verdad es que la adopción de la herencia Tory no resultó por force majeure s ino por que el equipo d.irigente que rodea a Blair concue rda profundamente con esos principios. Ya en 1994 los partidarios dei 'b lairismo' preparaban las bases intelectuales de la contrarrevolución en
e l pen sa mi e nto eco nó mi co so cia l d e i Labo ri smo. EI 'think-tank' Ins tituto para la In ves ti gación de las Politi cas Públicas (IPPR Instituto for Public Po li cy Research), preparó, e ntre mu chos o tros, d os d ocumentos, The justi ce Cap (EI Tamafio de la Injus ti cia) y Social justi ce in a Chang ing Wo rld (La justi cia Social en un Mundo Cambiante) en los cuales se comb ina los conceptos de 'comunid ad ' y de ' oportunidad ' a objeto d e trata r d e hace r los principios dei 'Nuevo Laborismo' o ' blairi smo' co mpa tibles con aqu é ll os de i thatche ri s mo (Cohen: ·1994, 7).
En estos panfl e tos se consid em la opo rl·unidad de un Irabajador de conseguir un empleo bien pagado (algo cada vez mós raro para la inmensa mayoria de los prolcl"arios dei mundo) con la de un capitali sta o in vcrsioni s t~ p~r3 quicn
'una oportunidad' pucdc significiJr la ganzmcia de millones de libras esterlinas o dólares, como idénti cas. Los resultados d es ig ua les d e es ta ' igualdad de oportunidades' se justifi ca a los ojos de los blairis tas porque depende de las dec isioncs ' Iibres' dei indi viduo. Por e llo, nadie, especialmente el eSI·ado, debe inmiscuirse en esle asunto tratando, po r ejemplo, de redislribuir d ingrcso pucsto que Zlten taría grLIvclllcnlc conlTil
el principio de la libertad . Aunque por caminos tortuosos y des pués de
aso mbrosas co nto rs io ncs inte lcc tuales los blairi s ta s lI egan a las mis mas conclus io nes reaccionarias que los partidari os de Von Hayc k o de Milton Friedmann : cua lquier inlenlo de redistribución a fa vor y como consccucnci" de la pres ión políti ca de los g rupos soc ia les c n desventaja quc crca la economia de mcrc"do, pone en peligro la li bc rt"d indi vid ual.
Por dlo, el Nuevo Laborismo rechaza un" política de impuestos progres ivos a fin de mantener, mucho menos aumenta r, los servi cios y prestacioncs dei estado de bienestar. Subyacc en este argumento la idca de que, como en una economia de mercado la libertad y la igualdad
IIK · IJla ir JJll.~")' la guerra de Imk
es tán en contradicción constante, eI principio más importante es la li bertad por lo que no todas las desigualdades son injustificadas. Así, los prime ros g ru pos en se r atacados por las reducciones presupuestaria de Blair fueron los minusvá lidos y los pensionados, a los primeros de los cuaJcs eI gobierno quiso dejar sin beneficios socia les por medio de una redcfinición lega i de lo que es la incapacidad y, a los segundos, por medio de la abolición dei vínculo entre ingresos c inflación, lo que ha signifi cado una reducción drástica en sus pens iones (Jones: 1999).
Frank Fie ld, minis tro nombrado por Btnir para hacerse cargo de este aspecto de la lI amada moderni zación, es un admirador público dei sistema de pens iones privados en Chile, ai que regul a rmente elogia (Marquese: 1997, J27). EI Nuevo Laborismo de Blai r "es ta l vez mejo r entendido como thatcherismo 'suav izado' por eI Old Labour (Viejo Laborismo). Acepta, cas i enteramente, las po líti cas de i gob ie rno de Thatcher: la privati zación, des regu lación, mercados de trabajo ' f1 ex ibles', baja ca rga impositiva, ' re formas' s in fin dei s istema educacional, la caza de ' parás itos' de la seguridad social - más o menos la totalidad dei programa neolibera l, en verdad, en a lgunos aspectos New Labou r ha ido más Iejos que los Conservadores" (McKibbin: 2000).
Blair recibió aclamación cuando en uno de sus discursos electora les antes de "1 997, anunció que en su gobie rno hab ría tres pr io ridades "educa ti on, ed uca ti on and educa tion, in that o rde r" ("educación, educación y educación, en esc orden"). Sin embargo, ya en 1998, había presentado proposiciones detalladas a fin de e li minar la gra tuidad de la educación uni vers itari a, incluyend o la abo li ción de las becas universa les a la que los ciud adanos tenían de recho por ley. Ni s iq uie ra Thatche r, qu e tambi én rechaza ba la gratu id ad en toda la educación, no sólo la univers itaria, se atrev ió a cambiar es te principio igualitario por eI cual los individuos, independientemente de su ingreso, pueden tener acceso a la educación superi or. Ta les propuestas creadan dos tipos de sistemas univers itarios: uno elitista, en donde univers idades ta les como Oxford y Cambridge podrían cobra r los prec ios que quis iesen, mientras
muchas de las restantes uni vers idades de i país entrarían en un proceso inexorable de decadencia financiera que terminará en su quiebra total. (Watts: J 998)
Además, desde sus inicios e l gobierno de Blair adopta una política económica 'pruden te' bajo la dirección dei ministro d e econ omía, Gordon Brown, quien en ]997, anunció que de allí cn adelante la tasa bás ica de interés sería decidida por el Banco Central renunciando con ello a un instrumento clave para determinar la política económica de la nadón. Eddie George, Jefe dei Banco, nombrado durante e l pe ríodo Conservado r, se inclina po r una tasa de interés que beneficie a i capital financiero, lo que opera en perju icio de todas las dem ás dase sociales dei país, incluyendo el capita l industrial, y con consecuencias económkas negativas ya muy conoc id as de des in centiv o invers or, baj a tecnología y debilidad industrial .
Brown también se comprometió a mantener los planes de gasto de Kenneth C larke, ministro de economía dei gobierno Conservador de John Major (Blackburn: 1997, 9). Además, desde antes de la elección, Blair se había comprometido a no aumenta r los niveles de impues tos ni s iqu iera para aq uéllos individuos de ingresos exorbitantes, porque supuestarnente garantizaría la lea ltad e lecto ral de los trabajadores calificados que habían emigrado e lecto ralmente a los Tories y que en 1997 votaron masivamente por el Laborismo. En real idad, es apenas una velada excusa para mantener niveles impositivos escandalosamente favorables a los ricos.
Intelectualmente entonces, e l bla irismo es un intento de reacomodo ideológico deI labo rismo a i neo-l iberalismo thatche ris ta . No es más que una ' thatcherización' de las a ltas cúpulas dei Partid o Laboris ta . Es ta ope rac ió n po lí ti ca reacc io na ri a ha tenido va rios hitos entre los cua les es tán e l abando no de la pos ición de desarmamiento unilateral. Durante la década de 1980, la administración Reagan desplegó una nu eva generac ió n de mis il es ba lís ti cos in tercontinentales en Eu ropa Occidental a objeto de pone r presión económico-miLitar contra la URSS y el bloque sovié tico lo que creó un movimiento de masas g igantesco: la Canlpaiia por e l Desarmamien to Nucl ear (C ND),
T l-f iqtÍri" & L U((l (h CIO H l' .f
fuertemente apoyada po r el grueso dei Laborismo . Sin embargo, a objeto d e ha ce r a i labo ris mo 'elegible', Ne il Kinnock, líder entonces y que había sido un ferviente unilaterali s ta, logró que e l Laboris mo a poya ra la posición norteameri cana de despliegue de los mis iJ es. La pos ición 'multilate ra lista' - desa rrnamiento nuclear sólo cuando todos los demás se desarmasen - fue formulada por la corri ente laborista conocida como 'atlantiei sta', es dec ir, pro-norteameri cana. He aquí uno de los anteceden tes d e i pro norteamericanismo de Tony Blair. Por supuesto, no es e l úni co.
Tra dicionalmente, la je rarquía labo ris ta británica, especialmente cuando ha estado en cl gobierno, h a a poyad o a i impe ri a li s mo nortcamericano, como por ejemplo con el sólido a poyo que otorgó la admin is tració n de Haro ld Wilson a la guerra de Vielnam en los ·1970 aunq ue nunca ai nive l que lo ha hecho Blai r.
Parte dei programa blairis ta de ' moderni zaeión' es la "devolution", es deei r, el auto-gobiemo de los países (o regiones) que conforman el Reino Unido, a saber, Ing la terra, Escocia, Gales y eJ Norte de Irl anda. Luego de muchísimas propuestas y planes, se ha logrado un parlamento en Gales en y Escoeia con poderes bas tante lirnüados en el terreno fi sca l, educaciona l, político y econÓmico.
Pese a su timidez, no se puede desconocer el progreso logrado por las demás nac ionalid ades dentro dei estado-nación. En parte la razón de estas reformas cons titucio na les - que se asem ejan a la regionali zación dei estado esp,,!'io l con las Autonomias en Gali cia, Cata luíia y el País Vasco - e ra el desafio electo ral representado por el Partido Nacionalista Escocés (Scotti sh Nationalis t Party) y po r e l Partido Nacionali sta Ga les (Plaid Cymru) a las fo rtun as parl amen tarias de i Laborismo.
En re lación a Gales debe destaca rse que Tony Bla ir impidi ó la expresión dem ocráti ca de i Laborismo e impuso su propio candidato, Allun Michacl, quien cas i pierde la eleceión de pres idente d e la asamblea parlamentaria de Ga les debid o al ausenti sm o e lectoral d e las bases laboristas, indi gnadas con la inte rfe rencia blairis ta, y que luego fue obligado a renuncia r. Finalmente, ellaborismo galés logró que su can-
didato, Ro rhi Mo rga n, re presentante de la izqu ierel a, fu ese elegido como presidente de la asamblca ga lesa, pos ició n que ocupa h"sta hoy día. En Irlanda dei Norte pese a la creación de una Asamblea Guberna ti va, poco progreso se ha log rado deb id o funda menta lm ente a la int rans igencia de los protes tan tes.
De todas fo rmas, la "devoluti on" en Irlanda de i No rt e la comenzó e l go bi e rno el e John M"yor, no el de Tony Blair. As i y todo, pese a rc form~H llSpcctos ccntralcs de la constitución el el Reino, la moderni zación de Tony Blai r en este aspecto es basta nte moderada pues el poder gubcr namcnl Ll I real co ntinú LI cn Wes tmin s te r, es dec ir, en la Cas" de los Comunes, donde ha res id ido tradiciona lmente. Por élltimo, en e l terreno de la re forma constituciollJI, cl gobic rn o hLl cumplid o con $ U
co mpromiso de crca r UIl Ll AS Llmb lcLl y UIl
Alca ide elegidos po r voto d irecto en Lo ndres. EI candidat o mós popular para este impo rt·ante puesto po lít ico e ra (y es) Ken Livi ngsto ne, labo rista de izquierd a, que ocupó una pos ición s imila r en la Municipa lidad de Londres bajo el gob ierno de Thatcher desde la cual reali zó una labor de efecti va o posición a las po líticas consc rvadorZl s, di scriminLltor ias, rZlci stZl s y ele aus te ridad thatchc ri stas (en rcalidad, precisamente po r esa labo r es que Livingstone es tan po pu lar hoy). Blair dirigió una feroz campalía po líti ca pa ra imp ed ir que c l lab o rismo nombrara a Livin gs lone como s u cand idato para Londres, hasta cl punto de manipular los resultados, imped ir votos, prohib ir m()ciones de nt ro d e i parti do lab o ri s ta e n Londres, obligando a Livi ngstone a presentarse como independientc cn una elección en que triu nfó <:lm pli':lIn cntc. Su rcc lccción en 1Z1s pr6x ill1<:ls clcccioncs cs cas i segou rL"L
La 'devolution' de Bla ir busca terminar la rcs po nsab il idad el el gobi erno cen tra l " n las cuesti ones económ icas y presupuestarias relacionadas con la ca pital y las regioncs. Afortu nadamente, en la cap ital, es tos objehvos han s id o fru s trad os g rac ias a la e lecc ió n co mo Alcaide de Ken Li v ings tone, pos ición desde la cua l ha hecho una oposición sostenida a i conjunto de los fines neo li be ra lcs de i gob ic rno incluyendo S ll S esfue rzos pa ra pri vatizar el
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12n - mair Dush y la g/l erra de lrak
transporte público. Los esfuerzos privatizadores de Tony Blai r ya se expresaba n en 1999 cuand o intentaba que e l Labo ri smo y e l gobicrn o aprobJran sus In iciativas de Financiamiento Pri vado (Priva te Funding Initiatives) que apuntaban a obtener invers ión privada en los servic ios púb li cos, hos pitalcs, escue las, empresas, etc (Mortimer: ·1999).
Debid o a la impopu laridad de las PF I, Blair d ec idió reno mbrar las y lI ama rl as 'P PP ', Sociedad Púb li co-Pri vada (Pr iva te- Publi c Partnership), que cl mov imiento obrero organi zod o y el prop io Labor ismo co ntinúan rechozando (véase "London Lobour says no to PPP for tube", Socia lis t Campaign Croup News N"160, December 2000).
No l"Odo e l prog rama modern izado r de Blai r es rcaccionari o, sin embargo. BIJir anu nció la democra ti zac ión de i s is tema pa rl amentorio británico proponiendo la abo li ción de los "Iores hereditarios" de lo Casa de los Lores, la cámara a lta, no e lecta, dei parlamento .
La inme nso mayo rí<1 de los "Io res he redita rios" son Conservado res y rC<1ccionari os y han tradi cionalmente bloque<1do toda legisl<1ción progresista o radical proveniente de la Casa de los Comunes, la cámara de los dipu t<1d os elegidos en elecciones democrntic<1s.
El pl<1n origi na l apunt<1ba <1 que luego de la aboli ción de los "heredita ri os", la Casa de los Lores fuese com pletamente elccta en elecciones norma les. Sin emb<1rgo, Blair no hizo abso lu tamente nada a i respecto hasta eI 2001 cuando la pres ión de las bases labo ri stas se hi zo t<1n in tenso que le obligó a present<1r la leg isi<1 ción prometida, pe ro lo h izo de tal manera, que resulto en um fars<1 . EI gobie rno dejó en li bert<1d de acc ión <1 los d iput<1dos para vot<1 r como quis iesen y pefm itió que se presentaran varias propuestas de cómo real iza r la reforma si n recomendar ninguna, producicndo una increíblc confusión paro deleite de los Conservadores y de los "Iores heredi tarios" y sus partidarios.
I ncl uso con promesas enormemente populares ta les como la abol ición de la caza de la zo rra - un 'deporte' no sólo bruta l y sanguinario sino que profundamente reaccionario y feudal, incluid a en e l progra ma electoral de 1997 - el gobierno di ó tantas volteretas y esqui vó el tema
po r tantos anos, que la ley que terminó su primiendo esta práctica antediluviana sólo se logró pese, y no gracias, ai gobierno. Cuando de trata de cuestiones progresistas el ceio modernizador de Blair deja mucho que desear.
Con respecto a Europa Blair se comprometió a un referéndum a objeto de adoptar la moneda única, el Euro. También se prometió adoptar los estándares ecológicos de la Unión Europea así como los principios y normas dei Capítulo Social de la Unión Europea. Como en otras áreas, la política dei gobierno con respecto a la Unión Europea no ha hecho mucho progreso, todo lo contrario. Blair, no se ha atrevido a o rganizar el anunciado referéndum y, aunque ha anunciado la rea li zac ión de tal refe réndum, lo h a hecllo, en nuestra opinión deliberadamente, en eI peor momento político posible.
Luego de la guerra de Irak y las diferencias con Francia y Alemania ai respecto y su postu ra servil hacia el gob ierno Bush, es improbable que la integración de Cran Bretana en la Unió n Eu ropea ocurra antes de la próxima e lección general en 2005. En Europa, Blair ha apoyado las pos iciones más reaccionarias com o s u oposición a esquemas franceses de creación de empleos en J 997 acusándoles de Euroesc1erosis (Marquese: 1997, J 27) Y promocionando la fl exibi lización de los mercados dei trabajo ai resto de Europa. Su de rechismo se notó tambié n en la alianza con Azna r y Berlusconi, representantes de la extrema derecha europea, con quien es Blai r se s iente mucho más a tono que con s us camaradas socialdemócratas.
En lo que respecta a los inmigrantes tanto dei Tercer Mundo como de Europa Oriental, la política dei gobierno Blai r se ha ido d e reclli zando en la misma medida en que la res is tencia dei movimiento obrero ai desmantelamiento dei estado de bienestar se ha ido endureciendo, a i punto de que en muchos aspectos es difíci l distinguiri a de la política dei National Front o dei British National Party, organizaciones fascistas y racistas de extrema derecha, cuya principal acti vidad es organizar ataques fís icos en contra de individuos o famiJias de colar y hacer campa;;a para que los inmigrantes, especia lmente los de piei oscura, sean repatriados.
Co mo e n Francia bajo e l mini s te ri o d e
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lJiçl ó ria & Lu /a d I! Cfaueç -12Il
Pasqua, el cabaJlo de batalla deI gob ierno ha s ido e l 'gravísimo' problema de la inmigración 'masiva' _ Activistas anti-racistas como Kumar Murshid, concejal laboris ta y dirigente de la Asamblea Nacional Contra el Raci smo, ya en 1998, con apenas un afio de gob ierno Bla ir, denunciaba los intentos legislativos dei gobie rno de limitar los derechos de los extranjeros que solicitaban as ilo en el país (Murshid: 1998).
Desde entonces, la línea dei gobierno se ha drechizado sos tenidamente hasta el punto de que el min.istro de I interior, Dav id Blu nkett, propone que los extranjeros que soliciten asi lo en Gran Bretaiía fuesen enviados lejos dei pa ís, probablemente a Marruecos, Argelia, M oldova o Albania, a campos de detención especialmente creados para este efceto (The Gllardinn, Octubre 11,2003).
La democracia inte rna deI partido laborista que, aunque d e ninguna manera perfec t·a, existía y era bas tante vigorosa y vibran te. A su lIegada aJ lide razgo dei partido en 1994 Bla ir introdujo cambios estructurales cuyo objetivo era exti rpar y e rradicar las ins tancias de democracia inte rna que se remontan aI ori gen hi stórico deI Laborismo. Según un observador, " Ia dirección labo ris ta parece decidida a establece r un grado de contro l dentro de su partido s in precedentes en la historia moderna británica". Peter Mair (2000, 21)
EI control burocrático de Elair sobre el partido Laborista es tal que Mair lo equipa ra en forma, a la concepción mussol ini ana de "un parti to, una voce" (op.cit., 26), y ha ll evado a algunos de sus ex partida rios a sugerir que 13lair es un "control freak", que traduce más o menos como "fanático anormal de i co ntro l" (Hutton: 2000), y a los partidarios dei peri ód ico de la izquie rda laboris ta, Socia li st Campaign Gro up News, a d en unciar la pe rsec ució n 'macarthys ta' de Blair en contra de concejales, diputados y miembros de la izquierda dentro dei partido (N"133, Junio de 1998).
En los h echos, Blair ha logrado bu rocrat izar el funcionamiento deI partido en áreas cruciales ta les com o la e lección de I Comité Ejecuti vo
adonal, tradicionalmente foco de opos ición a la djrección debido a que tiene representantes de los sindicatos afiliados a I partid o, de
va ri os g rupos de p res ión (muje res, mino rías étni cas, gays), y de los grupos loc<lles dei part ido, y que previo a la 'modern ización' tenían el derecho de cues ti o na r las propues tas de la dirección, presentar propuestas a lte rnativas y defenderi as en el congreso anua l. Los grupos loca1cs, adc!11 ás, tenían cl dcrccho excl usivo ~
e legir el candidato a diputado de su di strito. La dirección ha también reforzado la d isci
plina de los d i putados labori stas cuanel o se trata ele vo tos importantes rela c io nados co n reducciones de i gasto público a la educación, saluel, o pensiones. La impo rtancia y cJ peso de los s ind icatos afiliad os en el funcionam iento inte rn o dei pa rtielo y el peso ele su voto en el congreso anua l han s ido reeluciel os. Esto es decisivo en la lcgitimación ele elccis iones relacionilelas con el estaelo ele b ienestilr y c1 sector pú bli co en general.
EI gab inete tilmbién estó sometido a una di sc iplin a de hierro y no hil y es paci o pa ra la di sens ión, eleba tes e incluso dudas. 13lilir exige lea ltad tol"a l y absolu ta. Hasta hace poco, e l contro l el e Blai r sob re el gab ine te era Wn absoluto que las reun iones semana les de gab inete dUfwban norma lmente jl11cdia horw!
EI p rog rama ele Blai r, s in e mbargo, hacc necesaria no só lo el estrangulamiento de la democracia interna dei Labo ri smo, s ino que la democracia libera l en el estado mismo. EI objetivo de Blai r y sus secuaces es la des- ideo log izació n el e \;] po lí ti ca britónica as í como la marginali zación el el Labo ri smo mismo el e lils deci s iones po líti cas y económicas cruciales (entraela a la Unión Europea, elesman telamiento eld Estaelo ele 13ienes tar, la alianza milita r es trat égica con los Estaelos Unidos, el ecis ioncs sobre s i apoyar O no la polít ica guerrcris ta de i imperi o nortcameri cano, etc). Se trata el e hacc r lo mós bo rrosas pos ibles las diferencias ieleo lóg icils Y políti cas entre los partiel os. EI éx ito el e es ta cstrateg ia pcrmitirÍíJ gilranti z.Jr nlayo ríil s pa rlamcntarias de rechi s tas que c ru cen las barrcras partidariLls tradiciona lcs.
Blair busca obviar la o posició n elel Laboris mo Inismo a su progriJ lnZl dcrcchistLl )'Z1 sca cn su forma parlalncntZlriJ, sindical o de I;) b<lsC dei partido. Sigu ienel o la misma lógica derechista y anti -elemocráticJ, Blair trató el e ev ita r
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122 . Biair /Jus" y la guerra de lrak
por todos los medios la di scus ión parlamentaria sobre s i apoyar o no la g ue rra contra Irak. Fue ron solamente las masivas manifestaciones de oposición, tan to dentro como fuera dei parlamento, las que le obligaron a ello.
Como se sabe, más de 2 miUones marcharon contra la guerra contra I rak el 15 de Febrero de 2003, en la marcha más grande de la historia dei país; la o posición parlamentari a sobrepasó los 200 d ipu tados y fue sólo gracias a los votos de los diputados Conservadores que Bla ir logró rnayoría. Además, 81air - hasta ahora sin éx itoha propuesto que los pa rtidos sean financi ados centralmen te por el estado y no por sus afi liados. Significaría cl fin de los partidos políti cos de masa bajo algún tipo de control y escrutínio democrá ti co que es la consecuencia lógica (y conscient'e) de i objetivo perseguido por Blair: el surg imiento de un s is tema políti co d espoliti zado y des-ideo logizado (Abbolt: 2002).
Los med ios de comuni cac ión bri tánicos se han a ulo-convencido y proyeclan la imagen de que pese a i derechismo de Bla ir cl electorado nacional continúa apoyándo le, o, temiendo una vuelta de los Conservad o res y prefi ere aceptar más o menos pas ivame nte la po líti ca d e i
gobierno actual. La verdad, como lo demuestra la oposición a la guerra contra lral<, es bastante diferente. Partes importantes dei electorado tradi cional laborista en los bastiones obreros d ei norte dei país o en los distritos pobres d e las grandes ciudades, combate ai blairismo absteniéndose de votar. EI número de votantes en la elección que eligió a Blair en 1997 fue más o me nos un 50%, tota l dei cual e l labori s m o obtuvo apenas el 43%.
Estas cifras no refl ejan una aprobación e ufóri ca de la política o ideología de Blair. Más aún, en las e lecciones a i parlame nto europeo dei 10 de Junio de 1999, el Laborismo recibió só lo e l 28% d e los votos en una e lección en donde apenas el 23'Y., de i e lectorado se d ig nó votar.
Peor aún, en la e lección complementaria a diputado por Hartlepool, en el norte de Ing laterra, en Octubre 2004, e l candidato laboris ta triunfó con una mayoría inmensamente reducida d e 2003 votos. Hartlepool es un bas tión obre ro d e i laborismo cuya mayoría e ra de '14 .571 votos (Ande rson: 1999). La razón fundame ntaI es e l des pres tigio d e Blair y s u gobierno por la guerra contra I rak.
EI Blairismo, Europa y los Estados Unidos: la guerra permanente
EI apoyo total, absolu to e incondicional de Blair a la po lítica guerreri s ta de la admi
ni strac ión Bush en Ira k confirma el carácter profundamente reacc ionario de la posición dei líde r labo ris ta .
En 1997, algunos ingcnuos pensaban que cl gobi crno de Blair, d e a lguna mancra, representaba una ruptura con e l thatche ri smo, e l neo libera li smo y con la po líti ca exteri or pronortcamC'ri ca na. Se cs pcraba Ul1 giro drásti co de Blai r hacia Europa y un d istanciamiento de los peo res as pec tos d e la políti ca ex te ri o r nortc8mcri caniJ.
Sin emba rgo, ya e n 1998, secto res d e la izquierda laborista notaban con preocupación cI apoyo irres tri cto de Bla ir ai bombardeo de Sudán, luego de ataques terrori stas a las embajadas no rteame ri canas en Na iro bi y Dar-esSaJaam (Benn: 1999). Pre-anunciando su apoyo a Bush, la política de Blair en relación a Kosovo
fue idéntica a la de Clinton: intervención por medios económicos y principalmente milita res en los Balcanes esencialmente contra Se rbia a objeto d e d es membrar completame nte la Fede ración Yugoslava. Blai r también apoyo el bombardeo de Yugoslavia en Ab ril de 1999 pese ai enorme descontento y oposición expresado po r los diputados labo ristas y las mu ch as manifestaciones en contra.
Es inte resa nte contrastar e l ce io anti dictatorial de Blai r en relación a Milosevic y su cas i completo distanciamiento en la práctica dei deba te re lacionado con la ex tradi c ió n de Pinochet. En forma típica, Blair, recurrió a una re tó ri ca críti ca en e l ano 1999 cuando e n e l cong reso an ua l d e i labori smo se refirió a Pinochet como una persona 'incalif icable' y a los Tories como el ' partido de Pinochet', po r cl apoyo que éstos le brindaron ai arrestado exdi ctador. Como sabemos, el dictador fue envia-
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IIÜ / tÍria & LU/li de C/anl')' . 123 I
do de vueIta a C hile gracias a las man iobras legales y po liticas de Blair y su ministro de Reladon es Exte riores, Jack Straw quien había hecho activa campana en e l pasado en contra de las violadones de los derechos humanos en Chile (O'Shau ggn essy: 1999). Y por si hu bo alguna dud a respecto dei carácte r de la política de Blair, la p rolon gadón innecesaria de la detención dei ex-dictad or chileno Augusto Pinochet en Londres po r 18 meses se explica fáci lmente por la decisión po litica deI gobiem o de Bla;r de tratar de no senta r un precedente que permitiera extra di ta r y juzga r a indi viduos culpables de violadones de los derechos humanos.
Esto aplica principalmente a altos personeros de adminis traciones no rteaJne ri canas pasadas y presentes que han cometido de litos de lesa hurnanidad en el mundo, como por ejemplo, Henry J(jss inger, quien como Ministro de Relaciones Ex te rio res de Nixon, fu I.' cl ave, entre otras pred osuras, en el m ontaje de la Operación Cóndor, o rien tada a coord inar los es fuerzos de las dictaduras argen t ina, bras ilciia, pa raguaya, u ruguaya y chilena, para acres ta r, desapa recer y ases inar a o ponentes de esos regímenes que residian en esos países en los 1970.
Por supuesto que Blair apoyó incond icionalmente y con tropas la invas ión no rteameri cana de Afganistán luego de la voladu ra de las to rres gem elas en Nueva York 1.'1 "1 ·1 de Sep t i e mbre de 200] . Com o sa bem os, e l derrocarniento dei Ta libán po r las fuerzas combinadas de EE. UU. y C ran Bretat'ia, !levó a la Coalició n d e i Norte, dominadas por sci'iores de la gu e rra y traficantes de o pi o, ai poder en 1.'51.'
pa upérrimo pa ís, lo que ha p roduci do una fragmentación pre-feudal dei país en territori os o regio nes controlados po r caciques mili ta res que 50n tan o m ás reaccionarios que cl TDlibán.
Los nive les de v io lenc ia han aumen tado enormem ente en e l país, en donde en la prácti ca predomina la ley dei más fuerte y en donde uno de los únicos índ ices pos itivos de la s ituación presen te es e l a umen to g iga ntesco de la prod u cción d e o p io. Afganistán proveI.' 75% de la hero ína que se consume en el mu ndo (TI1c Gllardian, N o viembre 26, 2001 ).
BJa ir representa un marcado giro a la derecha y que se resume en e l intento de terminar con
el socialismo pa rl amen tar io que ha caracte ri zado la ex is tencia de i Laborismo desde su fundación en 1900. Blai r está metamo rfoseando 1.'1 soc ialismo pa rlamenta ri o de i Labo ri smo haciéndolo cada vez mós pa rl amen tar io y cada menos socialista (Pa ni txh & Lcys: 1997). Bla;r a i igua l que Thatcher - ex presa la ap remiante necesidad dei cap il·al fi nanciero bri tá ni co de desmantelar el estado de bienestar a objeto de ser más competitivo tanto en el terreno europeo como en la concurrencia con Estados Unidos y el japón.
EI gob ierno Blair y su Nuevo Laborismo 1.'5
un intento vcladamente d is fra zado de conti nuidad con 1.'1 thatcherismo, e! neolibcral ismo y e! apoyo a la al ianza 'a tlanti cis ta ' en lre los Estados Unidos y Cran Bretalla.
EI problema es que tan lo e l desmante lamiento dei estado de bicnestar, como la guerra de Irak se csl"6n convirticndo cn la sepu lt ura en que van a terminar reposando los huesos dei cadáver polí tico de! otro ra todopoderoso Tony Blai r. Su situación po lít ica es crili ca y los d iputados y d irigentes s indica les labori stas hablan ab iertamente de la neces idad de recmplaza rlo como Primer Min istro.
La cuestión es (anles o después de la próxi ma c1ección genera l en Mayo de 2005? Luego dei reciente congreso de! partido labor ista - que estuvo dominado por 1.'1 raplo de Ken l3igley, trabajado r britán ico que fu I.' finalmen te decapitado po r sus captores irakíes - Blair fue tralado quirllrgicamcntc por arriLmij) ca rcliaG:L
EI periód ico TI1c Inrlcpcndcnt dei 2 de Oclubrc de 2004, in fonnaba de i hccho con una folo de un Tony Bla ir sonrien le y p rctend idamen le sa ludable y despreocupado con eI tilular: " EI esta de vue lt·a ... (Pero por cuando tiempo?" Como todo pu lil icastro acabado y p rofundamente desacred itad o, Blair se aferra a s u puesteci lo con todo lo que !"iene y se embarca, prácticamente cuda SemiJllw, cn .1 lgulla inicií)li
va I mayor ', a objeto de cvitiJr cl tCIllLl I rllk, aLlIlque con resu ltados miserables. I3lai r se ha convertido en una figura lament·ablc que hoy está pretend iend o que se interesa por África, ma llana por los pens ionados britán icos, ayer por ei problema de la obesidad en C ran Bretai;a, incluso ha comprado una residencia de lujo en
124 - lllair IJush )' III guerra de lrak
el centro de Londres de 8.65 millones, lo que sea, con tal de que no se hable de Irak. Mientras antes se vaya aI basurero de la histori a tanto mejor para la humanjdad .
hi s to ri a d e la humanidad ha pasad o por d urisimas pruebas.
EI Laborismo, la izquierda, los trabajado res y todos los elementos progresistas de la nació n tienen la posibilidad no sólo de deshacerse de Tony Blair, un pobre diablo que parecia ofrecer una alternativa estratégica ai thatcherismo y que es apenas un lacayo despreciable, s ino que la hi storia les ha ofrecido la increíble oportunidad de romper o seve ramente reducir la subordinación britárUca a la alianza transatlántica con los Estados Unidos. Seria la mejor contribución deI pueblo británico a la cons trucción d e un mundo mejor. •
Lo que está realmente en juego, es la relación especial transatlántica entre Gran Bretafia y los Estados Unjdos. Nunca an tes esta relación imperialista y militarista se había visto sometida a nive les d e tens ión y de despresti g io como ahora con la guerra de Irak.
NU.nca d esde la Segu nda Guerra Mundia l Estados Unidos hab ía s ido tan impopular en un pa ís cuya fidelidad como sacio menor de I imperialismo más poderoso y más brutal de la
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• HistÚria & Luta de Classes - 1251
RESENHAS
A historiografia envergonhada
Mário Maestri e Mário Augusto Jako bsk ind
Nas duas últimas décadas, produziu-se uma ri ca bibliografia sobre o período militar, em que se destacam as obras acadêrn icas, os ensaios memori alistas e, o que não é comum, traba lhos científi cos produzidas por protago
tagonistas dos fatos. Ainda não contamos, porém, com um trabalho de fô lego que sintetize e aprofunde essa rica produção, explicitando o seu sentido profundo.
Compreende-se portanto a expectativa. Sob a prestigiosa d lancela da ed itora Companhia das Letras, Elio Gaspari, jorna lis ta de grande des taq ue e influência, apresentou ao público bras ileiro os dois primeiros dos cinco vo lumes de sua hi stória da ditadura bras ileira, produto de 'luase 20 anos de pesquisa e do mergul ho em arquivos e depoimentos privi legiados, por sinal ced idos g raciosamente por dois relevantes protagonistas do período que o auto r aborda: Ernesto Geisel, um dos generais d e plantão do pós-64, e o co ronel Go lbery do Couto e Si lva (e n50 general, com o a m.ídia o intitu la erradamente), uma espéc ie de eminência parda dos governos CasteUo Branco e do próprio Geisel, para não falar dos primeiros anos da gestão d o ditador João Batista Figueiredo.
Apesar de Elio Gaspari afirmar que em "nenhum momento" passou por sua cabeça "escrever uma história da ditad ura", a ambiciosa iniciativa bibliogrMica constitui nos fatos um ensaio de inte rpretação geral do reg ime militar, de 1964 a 1979, centrado em uma g rande e candente questão: as razões essenciais do i ng resso e da salda do regime ditatorial. (pág. 20)
Q ualidades e id iossincrasias
O volume A ditadllra envergonhada discute o go lpe mil ita r e os governos Cas tcl lo Branco e Costa e Silva. A ditadllra escancarada, o governo Médici, e a consolidação da repressão e da tortura à luta armada. Os tomos finais contarão "as vidas de Geisel e Golbery, a trama que os levou de vo lta ao Plana lto e os quatro primeiros anos do governo de Geisel" (pág. 20).
A ditadura envergonhada abre-se com In trodução, que antecipa momento da trama central do trabalho, a ser esmiuçada nos volumes fina is. Ou seja, a deposição
I .
126 - Re.fenllO: A hisloriogmfia envergonhada
do ministro da Guerra Sylvio Frota, episódio singular da consolidação do projeto de "abertura lenta, gradual e segura" de Geisel e Golbery.
Para surpresa geral, no final da Introdução O autor apresenta a tese geral de sua interpretação. Ou seja, as razões profundas que crê terem levado ao fim da ditadura: "Para quem quiser cortar caminho na busca do motivo por que Geisel e Golbery desmontaram a ditadura, a resposta é simples, porque o regime militar, outorgando-se o monopólio da ordem, era uma grande bagunça" (pág. 4]).
No momento em que a produção capitalis ta em consolidação erodia a ordem feudal, a história politica explicou os fatos históricos como produto da ação providenciaI de protagonis tas excelentes. Num reflexo da crença na capacidade prometéica do indivíduo, a história foi vista como o resultado da ação e da vontade de protagonistas singulares, como fora anteriormente compreendida como expressão da vontade divina.
A Revolução Francesa dissolveu a visão da ação providencial do homem na his tó ri a ao explicitar a trama social e o comportamento humano como produtos de forças sociais profundas das quais os protagonistas têm apenas consciência parcia l. Desvelar e explicar esses nexos subterrâneos tornou-se função perspícua da historiografia científica.
Portanto, é com surpresa que os leitores penetram nessa espécie de máquina do tempo que os projeta em um universo analitico quase oitocentista, onde os fatos históricos resolvem-se sobretudo a partir da decisão, das qualidades e das idioss incrasias dos grandes atores políticos. Um cenário em que as massas populares não aparecem nem mesmo como fi/,'Urantes.
Simplismo constrangedor
Visão da história que leva o autor, ao modo da literatu.ra romântica do século 19, a traça r breves perfis psicológicos dos grandes homens, para deduzir deles sumariamente seus comportamentos políticos e, assim, assentar a explicação de momentos históricos singulares das idiossincrasias pessoais dos personagens excelentes.
Entre as razões da vitória do golpe de ] 964 estariam a decisão dos gol pistas e a pachorra de Goulart que, a pa rti.r de duas referências bibliográficas e uma frase de efe ito, é retratado como ser político vacilante e mediocre, quase abjeto. "Sua biog rafia raquíti ca fazia dele um dos mais despreparados e primitivos governantes da his tória nacional. Seus prazeres estavam na trama política e em pernas, de cavalos ou de coristas" (pág. 46).
No mesm o sentido, o furacão guerrilheiro que varreu as Américas nos anos 1960 e 1970, nem sempre impuls ionado pela Organização Latino-Americana de Sol ida riedade, é apresentado como uma espécie de iniciativa pessoal de Fidel Castro, preocupado em conqu istar maior destaque individual e exorcizar uma vida monótona.
"O g rande plano da revolução continental dava-lhe uma plataforma de política externa que ga ranti a a Cuba uma projeção internacional [ ... ]. Assegurava a Fidel um relevo que o co locava na primeira fila dos governadores do Terceiro Mundo e o afastava do perigo de uma monótona existência de prefeitão grisalho de uma ditadura caribenha, fantasiado de rebelde." (pág. 197)
Nessa narrativa de um simplismo às vezes constrangedor, o golpe de ]964 deixa de ser a imposição radical pelas classes hegemônicas de novo padrão de acumulação, em detrimento dos trabalhadores, projeto que já fracassara, em ] 954
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e 1961, d evido à insurre ição popu lar nascida do suicídio de Cetúlio e do movimento pe la Legalidade. Elio Caspari praticamente absolve o empresariado nacional da responsabilidade po lítica da conso lidação da ditadu ra, transformando-a em um su cesso essencialmente militar (pág. 236, 11 ).
Elogio áu li co
Perfilhando a velha apologia gol pista, a ditad ura de 64 é apresentada como resposta preventiva ao golpe esquerdista em preparação: "I-b via do is golpes em marcha. O de jango viria amparado no 'dispositivo mili tar ' e nas bases sindi cais, que cairiam [s ic] sobre o Congresso, obrigando-o a aprova r um pacote de re fo rmas e a mudança das regras do jogo da sucessão pres idencia l" (pág. 5"1), argu mento este que indica também em que campo ideo lógico o autor se s itua.
Elio Caspari não apenas igua la arbitra ri amente as partes em confronto como pronuncia-se por uma delas, ao explica r o golpe como reação m ili tar compreens ível: "A revo lta dos marinheiros, na semana anter ior, e o discurso de jango [ ... 1, na véspera, d esestabiJizaram as Forças Armadas. A organização mil itar, basmda em princípios simples, claros e antigos, estava em processo de disso lução. Hav iam s ido abalad as a di sciplina e a hierarq uia" I pág. 91 1·
O movimento popular seria um sedutor matreiro pronto a atent ar às castas v irtudes cívicas de oficialidade que, d ian te do perigo, levantou-se briosamente pa ra p ô r fim à "desmorali zação" que conheciam as forças a rmadas. Interpretação quase bucólica construída sobre a obliteração das décadas anterio res de conspiração por parte dessa mesma oficialidade contra as forças e os interesses popu lares.
No desenrolar da p roposta da intervenção correti va, de objeti vos democráticos, p a ra p ô r fim à "bagunça" popula r, o auto r entoa contido mas pode roso elog io áu.lico ao ditador Castello Branco, personagem que resplandece fortemente ao ser contrastado com O pe rfil vil e debocho que se traça de João Coubrt, o presidente expatri ado.
JlG uerra pre ve ntiva"
Se Jango e ra rústico, inculto e femee iro desbragado, espécie de lago da políti ca nacional, "Caste llo e ra um homem de hábitos s imples, porém refinados, li a Anatole France e o uvia Mendelssohn" (pág. 139). Mais ainda, almoçava "no póJlácio Laranjeiras com o poeta Manue l Bandeira, ia às peças de teatro de Tônia Ca n cro, freq üentava as chatas sessões de posse" na ABL (pág. 221) .
Para jus tifica r as violências castelli stas, Caspari surra nas vagas das conjeturas arbitrárias. Devido à " radica lização que levara o confli to para fora do círcul o estr ito das cúpulas política e milita r, a vitóri a não podia ex tinguir-se com a deposição do presidente. Fosse qual fosse o lado vitori oso, ao seu triunfo co rresponderia um expurgo po lítico, milita r e administrati vo" (pág. 121).
A equação proposta é simples. Se Jango Cou lart ti vesse vencido seu hipotéti co golpe, teria pra ticado hipotéti cas violências contra os vencidos. Portanto, as violências imag inadas de jango jus tificam as violências reai s do caste llismo como "parte do jogo bruto p rovocado pela radica lização dos últimos anos" (pág. 132).
A compreensão do devir his tórico como resultado da ação dos grandes protagonistas impede qualquer contextua lização efeti va do governo Castello Branco e, mais grave ainda, das rupturas e superações materializadas pela ascensão de Costa e Si lva e de Médici ao governo, determinadas e determinantes das forças sociais e econômicas em tensão.
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128· Resenha: A hisloriografia envergonhada
As justificativas de Gaspari de alguma forma remetem ao contexto atual da "guerra preventiva" do presidente norte-americano George W. Bush em sua incursão militar contra o Iraque. Para evitar que o outro lado ataque justifica-se urna ação militar preventiva. Ou seja, "as violências imaginadas de Jango justificam as violências reais do castel1ismo" ... O que é isso se não a própria justificativa do bote para a chamada guerra preventiva?
Tropeço político
Imediatamente após lembrar que as "contorções institucionais do regime de 1964 pouco deveram às característ icas dos generais-presidentes", Gaspari acrescenta que Castello era homem culto e refinado e "Costa e Silva se orgulhava de só ler palavras cruzadas. Médici freqüentava estádios de futebol com um radinho de pilha no ouvido e um cigarro na boca" (págs. 139, 128, Il) .
Já foram desveladas as razões fundamentais da fragilização da base de apoio do governo Castel10 Branco. Seguindo o receituário ianque, ele impôs O arrodlo salaria l; cortou subsíd ios; restringiu o crédito, liberou as remessas de lucro etc. Essas medidas ensejaram recessão, desemprego, queda do poder aquisitivo, queda da taxa de acumulação de capita is.
A orientação liberal castellista, que sonhava com a privatização das empresas públ icas, determinou forte descontentamento dos segmentos populares opos tos ao golpe e das classes médias que o hav iam apoiad o. Motivou a oposição de capitais industriai s nacionai s, grande sustentáculo da regime. Tudo isso enquanto o mundo aprestava-se a explodir embalado pelos sucessos franceses de 1968.
Para Elio Gaspari, o prosseguimento da ditadura após Castel10 Branco é uma derrapagem fun cional militar sem conteúdo e a reação social de 1967-8, urna crise política evacuada analiticamente com algumas orações bem torneadas. "Quando o consulado de Castello Branco começava a apagar suas luzes, a panela do movimento estudantil explodiu, e o governo teve [sic] de sai r às ruas de cassetete na mão" (pág. 232). "O país sangrava em virtude das punições de 1964 e das mutilações eleito rais de 65" (pág. 278).
A co mplexa metamorfose da ord em libe ra l-autoritário em ditatori a l desenvo lvimenti sta, embalada pela cri se econômico-social, é apresentada como resultado da ação de protagonistas que determinaram os rumos do Brasil, devido ao que fizeram ou deixa ram de fazer. "Castello sofria [s ic] procurando preservar alguma forma de lega lidade, mas Costa e Silva, seu sucessor, numa só vacilação, precip itou o país na ditadura [ .. ]" (pág. 139).
A rad ica l transição do regime libera l-autoritário ao autoritário-desenvolvimenti sta - apoiado no capi tal mundial, no mercado externo e na superexploração do traba lho - torna-se tropeço político de ditadura que se queri a provisória (envergon hada) em ditadura que se pretendi a eterna (escancarada). Tudo devido à radicali zação da esquerda civi l e da direita militar. "O que se deu no Araguaia fo i o paroxismo do choque dos radicalismos ideológicos que [ ... ] influenciaram a v ida política brasileira por quase uma década" (pág. 406, 11).
Inesperados desvios morais
A negação rad ica l da central idade dos sucessos sócio,econômicos - o "milagre econômico" - na radicalização e consolidação da ditadura, por um lado, e na derrota da oposição de esquerda, por outro, no início dos anos 1970, característica marcante da narrativa de Eli o Gaspari, constitui elemento necessário ao qua-
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/l iqÚ r ja & I.Il Ul de C lll HI'X
ciro analítico e à explicação essencial dos fenômenos propostos. A ignorância das transformaçôes estru tura is ensejadas pela ditadura viabili za
a apresentação de sua dissolução, não como fenômeno complexo nascido do esgotamento do novo padrão de acumulação, quando da crise capita li sta mundial de meados de 1970, mas como mero resultado d;] vontade de Geisel e Go lbery, paladinos d o enredo gaspariano, desgostosos com a "bagunç;]" militar dos anos Costa e Silva-Garrastazú Médi ci! Ei s aí uma s implific;]ção hi stóri ca não mramente repetida pe los ideólogos de 64, protago nistas ou não dos acontecimentos d;]quele período.
Nessa altura da narrativa, com eça a ficar cld ro que a propos ta "bagunç;]" t;] lvez não se encontre nos fenômenos his tó ri cos, mas na su;] representação. "Restabeleceu -se a ordem com Geise l porque, de todos os pres identes militares, ele foi o único a perceber que, antes de qualquer projeto pa I íti co, era preciso res t;]be lece r a ordem militar" (pág. 142).
Elio Gaspari paga caro a ignorância da complexidade do processo hi stó ri co objetivo. A ditadura escancarada, segundo tomo d;] su;] longa narrativ;], ded ic;]do sobretudo ao governo Garrastazu Médici, to rna-se rel ato da luta arm;]cld d;] esquerda, da repressão da direita e do início da lut;] contm ;] tortur;], de grande aridez, mesmo em re lação ao primeiro vo lume.
A queda de inte resse da narrati v;] não se deve ;]0 f;] to de que a opos ição ;] rr11él
da, a repressão e a tortura já tenham s ido ;]bo rd;]das, em fo rn", ex;] usti vas, em trabalhos mag níficos, como o clássico Combate nas trevas, de Jacob Gorender, e o monumental Projeto Brasil: nunca ruais. Essas ques tôes se rão ainda objeto de mül tiplas análises m onog ráficas e sínteses gera is cri at ivas.
Esse empobrecimento deve-se sobre tudo a uma descrição circuns tanciada d;] luta armada, d a repressão, da tortura e de seu combate desp id ;] de seus sentidos e conteúdos sociais e históri cos profundos, quase como se fossem inespe r;]dos desvios m o rais o u comportamentais da no rmalidade.
Caçando bruxas
Esse vo lume quase ignora a população. Isso, pilra não falar dos es te reót ipos assacados contra um d os lados da contenda ideo lógicil (a esq uerda). O autu r ig ua la os que optaram pe lo caminho da contestação a rmada, muitas vezes até por falt·a de outras poss ibilidades em função do fecham en to total do reg ime de 64, aos m ovimentos te rro ri s tas qu e surg iram ao longo do tempo. Pe la co ncepção gaspariana, fatos hi stó ri cos como a Revolução Francesa, por exemplo, não pnssariam de um "movimento terrori stzl" , du mesma forrna que ns lutas de independência dos o primidos pe las potências co loniais. Nem mesmo o herói d;] hi stóri a brasileira, Tiradentes, seri a poupado em su;] luta contr;] os im postos d;] Coroa Portuguesa. Ou o q ue fal ar da epopéia da res is tência anti fascis ta na Itólia, n;] França, na Grécia e as lutas de um modo gera l con tr;] forças de ocupação estrangeiras? A diferença entre ta is movimentos e a luta armada do início do anos 70 é que os acontecimentos acima mencionados foram vi tori osos, e aq ui no Br;]s il o esquema militar conseguiu desbaratar os contestadores através de uma violenta repressão. A con cepção gaspariana, que é a versão d icia l dos que se julgam ven
cedores, ig nora o beabá da hi stó ri a segundo o 'lual para que uma novn ordem se estabeleça é necessária a ruptura, que pode muitas vezes ocorrer de formas não
tão pacíficas. As razões propos tas para a radica li zação da esquerda são s implistas e e liti stas.
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130 - Resenha: A his toriogra fia envergonhada
Procurando "despoliti zar as uni versidades", Castello extinguiu a UNE, o que colocou "gradativamente o movi mento estudantil na clandestinidade, juntando-o aos partidos comunistas, ao radicalismo brizolista e, sobretudo, às centenas de sargentos e subofidais que haviam sido expulsos das Forças Armadas" (pág. 226).
A fi xação obsessiva na abordagem da tortura, presente no segundo volume, parece nascer da sua compreensão como o grande pecado capital de regime cri ticado, não pelo que fez, mas pelo modo que o fez. "Durante todo o ano de 1968 a máquina de informações e repressão do governo patrocinou O seu próprio terrorismo e edificou o go lpe do AI-5, mas não cuidou da segurança nacional" (pág. 354).
Não se denwlCia lun regime autoritário, ao qual se reconhecem justificativas sociais, mas sim O fato de ter superado o que se julga moralmente permitido e, sobretudo, de se ter pro longado além do tempo aval iado como necessário: "O governo acreditava em bruxa, elas efetivamente exis tiam, e ele se dispunha a caçá-las, mas o problema não estava nas bruxas, nlas s im na maneira como as caça,-,:am" (pág. 222).
Horror ao desvio --
Também a linguagem de Gaspari registra o corte liberal de discurso que realiza o elogio da destruição da "bagunça" nacional-desenvolvimentista por Castello e a apologia da obra de Geisel e Golbery. Um discurso que retoma amiúde vocábu los e conceitos paridos e fec undados pelos ideólogos da direita de então e, assim, seus conteúdos essenciais.
Os sindica tos e associações são "fi locomunistas" e "monitoradas pelo Partido Comunista" (págs. 81, 11). A esqu erda "desmoralizava" e promovia a "anarquia" e a "indi sc iplina" nas fo rças armadas, obri ga ndo "oficiais" a suportarem "situação vexató ri a" (págs. 50, 91, 11). A mobilização dos marujos é "baderna dos marinheiros"; os sargen tos (antigo lpistas, uma "sargentada"; a mobilização popular, uma "grande bade rna" (págs. 140, 84, 227) . A Tricontinental, uma "grande quermesse [ ... 1 do esquerdismo latino-americano" (pág. 197).
Há lapsos lingüísticos quase saborosos, como a adoção da retórica da repressão - "A FNFi, no Rio de Janeiro, fora um dos mais agitados ninhos de subversão universitária" - e a concessão à ditadura do ca ráte r "revolucionário" que acalentou possuir - 'l .. ] a ordem revo lucionária teve de conviver tanto com os corruptos como com os torquemadas 1 .. 1" (págs. 224, 135).
Com A ditadura envergonhada e A di tadura escancarada, Elio Gaspari inicia ambicioso projeto de recuperação historiográfi ca de cunho liberal da ditadura militar. Procura separar o núcleo central, que vê como positivo - O inicio do fim da Era Vargas; os governos Castell o Branco e Geisel -, do secundári o e acessório, que aponta como nega tivo - o govern o desenvolvimentista de Costa e Si Iva e Médici, os excessos da repressão.
Para não deixar dúvidas sobre sua filiação ao princípio do direito absoluto da circulação dos capitais, registra na Ex plicação inicial seu horror ao desvio desenvolvimentista ao liberali smo casteJli sta: "[ ... 1 por conta da insana política de reserva de mercado, os dois primeiros Icomputadores utilizados para redigir as obras] dlegaram à minha mesa pelos desvãos da alfândega" (pág. 18).
Homenagem aos qitadores
O poder da frase de efeito é poderoso recurso para sugeriF desdobramentos complexos que o texto jornalístico, dev ido a sua curta extensão e a sua abordagem superficial, não é obrigado a desenvolver. Na narrativa jornalística, que navega em geral no mar da trivialidade, a abo rdagem da essência dos fenômenos é normalmente objetivo apenas
l/i$lória &: l.ul a d e C/auo
enunciado_ Para não se envergonhar, a narrativa historiográfica deve desenvolver seu relato perseguindo inexoravelmente a reconstitui ção dos fatos e a explicação dos seus nexos profundos_ Nesse percurso, a so lução literári a é fo rma de expressão que não expunge a imprescindível exigência do desventramento dos conteúdos_
A conclusão da leitura dos dois presentes livros permite ao leitor responder à pe rgunta inicial do autor sobre as razões de Geisel e Go lbe ry guardarem e entregarem a e le seus arquivos, concedendo-lhe o privilégio de um longo convívio e demoradas entrevistas_ Possivelmente sonhavam com a coroação de suas obras pessoais por biografia parida por escritor de recursos solidári os com suas ações_ E sequer essa homenagem faltou aos ditadores_ •
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li sli> ri , ,", u la d' Iasscs - 1331
RESENHAS
Os quilombos na dinâmica social do Brasil
Adelmir Fiabani
Em 2001, a EDUFAL publicou tardiamente o li v ro Os quilombos na dinâm ica social do Brasil, coordenado por Clóvis Moura para celebrar o transcurso dos 300 anos da destruição da confederação dos quilombos de Pa lmares.!' )
A publicação não teve o mesmo sucesso de Liberdade por 11111 fiam, escrito prati camente na mesma época e publicado um ano após aquele transcu rso. O fato do lançamento ter passado em boa parte despercebido não diminui sua qualidade e justifica esse comentário tardio.
São 378 páginas escritas por diferentes autores que Clóvis Moura agrupa em três partes. Na primeira, "Textos Introd utórios", temos v isão geral dos qui lombos através diversas Ciências Sociais visão geral dos quilombos; na segunda, "Os qu ilombos do século XV I ao século XIX", registra-se a presença do trabalhador escravizado em diversas regiões do Brasil ; na última, "A herança qui lombola", aborda-se a questão dos remanescentes dos qui lombos como uma "continuidade viva das lu tas que os escravos rebeldes detonaram durante o transcurso da escravidão". (3)
Atemos nosso comentário às duas primeiras partes, visto tratarem mais diretamente a questão his tórica do quilombo.Em 1948, o sociólogo Clóvis MouriJ ini ciou pesquisa sobre a luta dos trabal1ladores escrav izados no Bras il, concluindo seu trabalho em 1952. Entretantu, Rebeliões da senzala: quiJombos, insurreições, guerrilhas fo i publicado apenas em 1959, pela ed itora Zumbi. Em seus trabalhos, Moura assinalou a presença dominante do trabaUlador escravizado na fo rmação do passado colonial brasileiro, classificando sua luta como luta de classes.
a sumária "apresentação", Clóvis Moura propõe que "o problema dos qu ilombos no Brasi l poucas vezes fo i tratad o como um processo permanente que expressava a luta de classes no contexto escravista, mas simples man ifestações de
1 _ MOURA, Clóvis. (Org.1 Os quilombos na dinâmica social do Brasil. Maceió : EdUFAI, 200 1. 378 pp . 2 _ REIS, J.J. & GOMES, Flávio dos Santos. (Org.(. Liberdade por um tio: história dos quilombos no Brasif. São Paulo: Companhia
das letras, 1996. J _ MOURA, Clóvis. 10rg.1 Os quilombos na dinâmica social do Brasil. Maceió: EDUFAl. 200 1. p. 8.
134 · Rese"ha: Os quilombos na di nfl mica social do Brasil
volta às ins titui ções africanas, expressões cultura is e formas através das quais o africano reconstruiu aqui as suas diversas cu lturas". !')
Uma visão sobre o passado colonial brasileiro que contrapõe a tradicional matriz culturali sta, parcialmente retomada na última década.
Na primeira parte do livro, publicou-se tex to, de 1953, do antropólogo Edison Carne iro, ced ido por dona Madalena Ca rneiro, que abre as di scussões sobre o tema. Por sua vez, o antropólogo Kabenguele Munanga discorre sobre a origem do qui lombo em Áfri ca, subsidiand o a análi se da trajetória do q1lilombo no Brasil. Para ele, o quilombo bras ileiro é uma "cópia do quilombo africano recons truído pelos escrav izados para se opor a uma estrutura escravocrata, pela implantação de uma outra es trutura po lítica na qual se encontraram todos os oprimidos".!')
O antropólogo e historiador Carl os Magno Guimarães e a bióloga Juliana de Souza Cardoso traba lharam a arqueologia do quilombo, abordando, entre outras ques tões, a arqui tetura, a alimentação e a arte no quilombo, mais precisamente em Minas Gerais. O historiado r Waldir Freitas Oliveira escréveu sobre a "Economia de Pa lmares" d ialogando com au to res como ClÓvis Moura, Décio Freitas, Duvitil iano Ramos, Édison Carneiro, Ivan Alves Filho. Ele propôs o ca ráter precá ri o da economia quilombola, ou seja, "que os cons tantes ataques sofridos pelos quilombos, visando sua destruição e forçando seus habitantes a abandonarem, com freqüência, seus campos de cultivo, os quai s, uma vez conquistados, eram, imed ia tamente que imados, teriam impedido essa abundância, que poderia, contudo, haver ex istir em épocas especiais".!")
O geógrafo e hi storiado r Manuel Correia de Andrade discorreu sobre a "Geografia do quilombo", concluindo que, no in ício, os quilombos eram "bem mais iso lados", passando com O tempo a loca liza r-se próximo às aglomerações urbanas, milrcando todo o território naciona l. "É fa lsa a idéia de que o quilombo era uma sociedade fechada, sem contatos exteriores, sendo formado por negros". (7) Correia de Andrade propõe que o isolamen to garantiu a existência de comunidades iso ladas a inda hoje.(8)
O his toriador Luiz Sávio de Almeida discorreu sobre o "Quilombo e Política", enquadrando-o no contexto da luta de classes. Para ele, "os quilombos foram cons truídos para enfrenta rem a sociedade senhori a l e branca", comprovando, po rtanto, condição política, já que "toda luta quilombola foi conscientemente a rti cu lada e arq uite tada". Havia duas vias pa ra o trabalhador escravizado, "compor-se ou rebelar-se" .!')
Sáv io a fas ta-se da corrente cu lturali sta ao afirmar que o quilombo pressupõe forma determinada de organização, constituindo um "modo complexo de o pera r o enfrentamento pressupondo uma sociedade que deveria negar o senhoria l peJos seus fundiJlncntos c nisto se demonstrava como êl lternativa e em oposição".(IO)
Luiz Sáv io de Almeida propõe que "não se pode pensar o quilombo compondo; deve-se operar com a realidade do quilombo se contrapondo".!II)
Es tabelece-se uma tese: "1···1 a forma de luta va ria conjunturalmente, de acor-
4 - Id ib. p. 7.
5 - MUNANGA. Kabenguele. ~Origem e histórico do quilombo em África~ . In MOURA. Os quilombos f. . .]. Op cit. p. 30. 6 - OLIVEIRA, Waldir Freitas. -Eco nomia de Palmares·, In MOURA. Os quilombos [. . .]. Op til. p. 68. 7 - ANDRADE, Manuel Correia de. -Geografia do quilombo·, In MOURA. Os quilombos [. . .}. Op cit. p. 8lo 8 - Id ib. p. 85. 9 - ALMEIDA. Luiz Sávio de. -Quilombo e política-. ln MOURA. Os quilombos [. .. }. Op cit. p. 89. 10 - Id ib. p.90. l1 - Loccit.
• I!i.ttória & I.uta d i! çla .B'I~ ç
do com os rumos que vão sendo assumidos pela sociedade bras il eira e, a í, o próprio quilombo passa a revelar-se como um processo estratégico". "O quilombo e ra uma sociedade cujo aparecimento estava diretamente implicado com a ordem estratégica das forças contrapostas" .!I2)
Clóvis Moura escreveu a "quilombagem como expressão de protesto rad ic" I". Para ele, "o quilombo era uma sociedade alternntiva e paralela de trabalho li vre encravada no conjunto do escravismo colonial que cons tituía a sociedade m"ior institucionalizada".(13) A radicalidade proposta por Moura confirma a negação do quilombola quanto à apropriação violenta de sua força de trabalho.
Segundo Moura, "o quilombo aparecerá como unidade de protesto e de experiência social, de resistência e reelaboração dos valores sociais e cu ltur" is do escravo em todas as partes em que a sociedade latifundiário-escravista se manifestoU".(I4) O quilombola era "um ser novo, contraposto ao escravo e que somente enquanto quiJombola podia assim pensar e sobretudo agir". I") Pa ra o sociólogo, "o quiJombola é o homem que adquire, pela sua posição radica l, a sua liberdade".I")
Cada quilombo linha suas singularidades
No entanto, alguns elementos lhes eram comuns: a produção e o trab" lho comunitário. A mais importante função social do quilombo seri " "a ruptum radical, em todos os níveis, com o sistema co lonial-escravi sta, os seus representantes, a sua economia e os seus valores radicai s e ideológicos". II7)
Não poderíamos portanto compreender O quilombo sem ser "v isto na sua total idade de negação radical ao s istema" .(I8)
Moura entendeu que "economicamente o seu sistema de trabalho executado por homens livres é outra negação ao traba lho escra vo praticado nos engenhos, nos latifúndios e fazendas. [ ... ] é também uma negação à monocultura de expo rtação, produzindo uma policultura para o consumo".(19)
Moura ve ta a possibilidade da negociação. A liberdade plena passaria pe lo rompimento com o escravismo. Negando sua condição de ca ti vo, no uni verso quilombola o trabalhador escrav izado "se integrava completamente na essência plena de sua cidadania e tinha a sua humanidade restaurada e resga tada" . A decisão radical de romper com o ca ti veiro por s i só a fas ta a poss ibilidade de negociação, pois, NO acordo com o inilnigo era a primeirJ etapa da sua rccscfi1 vizlJç50, da vo lta ao cativeiro".(2U)
Na segunda parte, apresenta-se síntese da guerra aos quilombolas no Gr50-Pará, realizada por Vicente Sa lles. Maria Raimunda Araújo rea li zou traba lho sumário sobre os quilombos no Maranhão; Martiniano J. Sil va, sobre os quilombos no Brasil Central; Josemir Camilo de Melo, sobre os quilombos do CatLl c~, em Pernambuco; Ariosva ldo Figueiredo, sobre os quilombos em Sergipe; Pedro Tomás Pedreira, sobre os quilombos baianos; Aécio Villar de Aq uino, sobre os qu ilombos na Paraíba; Mário Maes tri sobre os quilombos no Ri o Grande do Su l.
11 - Id ib. p.95. 13 - MOURA, Clóvis. -A Quilombagem como expressão de protesto radicar~ . ln MOURA . Os quilombos f. .l. Op cit. p.103. 14 - loc cit.; 15 -Id ib. p.104. 16 - Id ib. p.106. 17 - Id ib. p.105. 18 - loc cit 19 - Loc err. 20 -loc cito
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136 . Resellha ; Os quilombos na dinumica social do Brasil
Tal abo rdagem ressalta que o fenômeno abrangeu todo o território bras ileiro, produto incontestável da res istência do trabalhador escravizado a uma mesma estrutura social escravista. Quanto aos quilombos em São Paulo, Clóvis Moura identificou o fenômeno e assina lou as diferentes fases, propondo que nos momentos finai s do escravismo "os escravos que fugiam, por meio da proteção e da ação dos ca i fases não tiveram liberdade de vender sua força de trabalho de forma independente, li vre, sim, através de intermediários que estabeleciam as normas, inclusive o valor do salário, de acordo com os inte resses dos fazendeiros".(21)
Dispos ição transitória da Constituição de 1988 determinou a titulação das terras de remanescentes de quilombos no Bras il, ensejando nos anos seguinte movimento pe la rea li zação dessa dete rminação em forma mais ampla possível. Ou seja, que não excluisse as comunidades rurais negras de origens históricas nãoqu i lombolas. Uma realidade que propiciou verdadeiro processo de invenção da tradição, ao propor a literal defini ção como quilombo de toda e qualquer comunidade rura l negra nascida antes ou após a Abolição.
Na te rce ira parte, o li vro aborda di ve rsas ins tâncias do movimento pela ti tulari zação das terras quilombolas. Em a "herança quilombola", Eliane O'Dwyer abordou os remanescentes na fronteira amazônica e Lúcia M.M. Andrade, na bacia do ri o Trombetas. Neusa de Gusmão discute a "herança quilombola: negros, terras e direitos"; Dimas da Silva, o "problema jurídico das comunidades negras remanescentes de qui lombos"; Maria Guimarães, os "mecanismos legais para titulação das te rras do remanescentes do quilombos" e Walter Ceneviva, os "quilombos na Constituição" •
21 - MOURA, Clóvis . "São Paulo: da qui lombagem rad ica l à conc iliaç ão abolicionista", In MOURA. Os quilombos {...}. Op cit. p.181.
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