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AS VOGAIS MÉDIAS PRETÔNICAS EM SITUAÇÃO
DE CONTATO DIALETAL
Sandra Maria Oliveira Marques
Faculdade de Letras – UFRJ
2006
AS VOGAIS MÉDIAS PRETÔNICAS EM SITUAÇÃO
DE CONTATO DIALETAL
por
Sandra Maria Oliveira Marques
Tese de doutorado apresentada à Coordenação de
Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Faculdade
de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Orientadora: Dinah Maria Isensse Callou
Co-orientador: Dermeval da Hora Oliveira (UFPB)
Faculdade de Letras – UFRJ
2006
DEFESA DE TESE
MARQUES, Sandra Maria Oliveira. As vogais médias pretônicas em
situação de contato dialetal. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras,
2006. Tese de Doutorado em Língua Portuguesa.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________________________
Professora Doutora Dinah Maria Isensse Callou – UFRJ / Vernáculas (orientadora)
_________________________________________________________________________
Professor Doutor Dermeval da Hora Oliveira – UFPB / Vernáculas (co-orientador)
_________________________________________________________________________
Professora Doutora Stella Maris Bortoni-Ricardo – UNB/ Educação
_________________________________________________________________________
Professora Doutora Yonne de Freitas Leite – UFRJ / Museu Nacional
_________________________________________________________________________
Professora Doutora Christina Gomes de Abreu – UFRJ / Linguística
_________________________________________________________________________
Professora Doutora Cecília Mollica – UFRJ / Lingüística
_________________________________________________________________________
Professora Doutora Jacyra Andrade Mota – UFBA / Vernáculas / UFBA (suplente)
_________________________________________________________________________
Professora Doutora Sílvia Brandão – UFRJ / Vernáculas (suplente)
Examinada a teseConceito:Em: 09/03/2006
Aos meus pais, Gilvan e Lourdes, por serem os
pilares mestres da minha vida.
Ao meu irmão, Arthur, e ao meu amigo/irmão,
Nilton, pelo apoio e incentivo que me deram
durante toda essa trajetória.
“Se não respiras, não há ar.
Se não caminhas, não há terra.
Se não falas, não há mundo.”
(Provérbio dos índios navajos)
AGRADECIMENTOS
Aos órgãos brasileiros de fomento à pesquisa, CNPq e CAPES, por custearem os meus
estudos e por terem, por esse motivo, possibilitado a realização de sonhos e das maiores
conquistas da minha vida, até este momento.
À minha orientadora, Dinah Callou, pela paciência e por ter depositado seu tempo, seus
esforços e seus conhecimentos em prol do meu engrandecimento intelectual.
Ao meu co-orientador, Dermeval da Hora, pela amizade, incentivo e por fazer parte de
mais essa vitória.
À minha co-orientadora no exterior, Celeste Rodrigues (Centro de Lingüística da
Universidade de Lisboa), por ter feito todo o possível, mesmo em momentos difíceis de sua
vida, para me ajudar. Agradeço profundamente, e com saudades, os bons momentos que
compartilhamos.
Aos meus amigos, Pedro Andrade, Jerônimo Vieira, Rogério Azevedo e Antônio Felipe,
por me ajudarem em uma das partes mais difíceis deste trabalho: a constituição dos
corpora.
Aos informantes que fizeram parte deste trabalho, agradeço pela educação e pela
disponibilidade em contribuir para a ciência.
Aos professores Conceição Paiva, Maria Eugênia Duarte, Maria Luiza Braga, Anthony
Naro, Yonne Leite, mais uma vez a Dinah Callou, e tantos outros, por terem aberto, com
carinho e amizade, as portas da UFRJ e, alguns, de suas casas para mim. Vocês são
inesquecíveis, por terem me proporcionado a oportunidade de viver em um novo espaço de
trabalho e em um novo contexto sócio-cultural, fazendo, assim, com que meus horizontes
fossem ampliados.
Agradeço, em nome das professoras Celeste Rodrigues, Maria Antónia Mota e Amália
Andrade, aos professores do Centro de Lingüística da Universidade de Lisboa, pelo apoio
prestado a mim e ao meu trabalho.
Às minhas irmãs, Gilvana e Aninha, pelo incentivo indispensável.
A vocês, “minhas amigas de fé, minhas irmãs camaradas, amigas de tantos caminhos, de
tantas jornadas”, Josane e Carol, por serem “as amigas mais certas das horas (in)certas”.
Não preciso nem dizer o quanto vocês são grandes amigas.
A Luiza, ao Sr. Nilton e a todos os seus parentes, por terem sido a minha família nesta
imensa cidade, que é o Rio de Janeiro. Onde quer que eu vá, em meu coração, vou levar
vocês.
E, finalmente, agradeço a todos aqueles que contribuíram, direta e indiretamente, para a
realização deste trabalho e a todos aqueles que me ajudaram a chegar até aqui em perfeita
sanidade mental.
SINOPSE
Análise quantitativa da variação lingüística resultante
do contato entre paraibanos e cariocas no Rio de
Janeiro e de brasileiros e portugueses na cidade de
Lisboa, com base na observação das vogais médias
pretônicas, à luz da Sociolingüística Quantitativa e dos
estudos sobre Dialetos em Contato.
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS, QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS 11
INTRODUÇÃO 15
1 A PROPÓSITO DO TEMA
17
1.1 Paraibanos no Rio de Janeiro
20
1.2 Brasileiros em Lisboa 27
2 REVISÃO DA LITERATURA 33
2.1 As vogais médias pretônicas 33
2.1.1 As pretônicas na variedade oral do PB 35
2.1.2 As pretônicas na variedade oral do PE 41
2.2 O contato entre dialetos: revisitando o tema 45
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA 49
3.1 A teoria da variação 50
3.2 A acomodação dialetal 58
3.3 Os corpora 62
3.4 Caracterização dos informantes 64
3.5 Procedimentos e passos da análise 68
3.5.1 Variáveis lingüísticas 71
3.5.2 Variáveis sociais 78
4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS 81
4.1 Comportamento lingüístico geral dos migrantes paraibanos
81
4.2 Comportamento lingüístico dos migrantes paraibanos no que se refere
ao padrão silábico CV 87
4.2.1 A pretônica não-recuada 91
4.2.1.1 Realização de [] 91
4.2.1.2 Realização de [i] 101
4.2.2 A pretônica recuada 110
4.2.2.1 Realização de [] 110
4.2.2.2 Realização de [u] 119
4.3 Comportamento sociolingüístico dos brasileiros em Lisboa 139
CONCLUSÕES 144
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 148
RESUMO 156
ABSTRACT 157
RÉSUMÉ 158
LISTA DE FIGURAS, QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS
FIGURAS
Figura 1: Comunidades do ORKUT sobre porteiros 26
Figura 2: Mapa político do Brasil 30
Figura 3: Mapa das Mesorregiões da Paraíba 66
QUADROS
Quadro 1: Informantes por grau de escolaridade 31
Quadro 2: Informantes por profissão 31
Quadro 3: Vogais orais ao longo da história 34
Quadro 4: Distribuição das vogais do PB 35
Quadro 5: Vogais pretônicas no PB 36
Quadro 6: Distribuição dos migrantes paraibanos 65
Quadro 7: Distribuição dos imigrantes brasileiros
TABELAS
Tabela 1: Distribuição geral dos dados 81
Tabela 2: Distribuição dos dados pelas variantes 82
Tabela 3: Distribuição geral dos dados conforme o padrão silábico 82
Tabela 4: Distribuição percentual de /R/ e /S/ como coda do tipo silábico CVC 85
Tabela 5: Percentual de cada variante em sílaba CV 87
Tabela 6: Comparação de resultados das comunidades em questão 88
Tabela 7: Comparação dos resultados 90
Tabela 8: Contexto vocálico subseqüente (realização de []) 93
Tabela 9: Vogal da sílaba subseqüente e tonicidade da vogal subseqüente
(realização de []) 94
Tabela 10: Contexto fonológico precedente (realização de []) 95
Tabela 11: Contexto fonológico subseqüente (realização de []) 97
Tabela 12: Tempo de residência no Rio de Janeiro (realização de []) 98
Tabela 13: Anos de Escolarização (realização de []) 99
Tabela 14: Cruzamento entre faixa etária e anos de escolarização (realização de []) 100
Tabela 15: Faixa etária (realização de []) 101
Tabela 16: Contexto vocálico subseqüente (realização de [i]) 103
Tabela 17: Vogal da sílaba subseqüente e tonicidade da vogal subseqüente
(realização de [i]) 103
Tabela 18: Contexto fonológico subseqüente (realização de [i]) 104
Tabela 19: Contexto fonológico precedente (realização de [i]) 105
Tabela 20: Anos de Escolarização (realização de [i]) 107
Tabela 21: Faixa etária (realização de [i]) 109
Tabela 22: Contexto vocálico subseqüente (realização de []) 112
Tabela 23: Contexto fonológico subseqüente (realização de []) 113
Tabela 24: Contexto fonológico precedente (realização de []) 113
Tabela 25: Tempo de residência no Rio de Janeiro (realização de []) 114
Tabela 26: Faixa etária (realização de []) 116
Tabela 27: Cruzamento entre a faixa etária e o tempo de residência
no Rio de Janeiro (realização de []) 117
Tabela 28: Anos de Escolarização (realização de []) 117
Tabela 29: Contexto vocálico subseqüente (realização de [u]) 120
Tabela 30: Vogal da sílaba subseqüente e tonicidade da vogal subseqüente
(realização de [u]) 121
Tabela 31: Contexto fonológico subseqüente (realização de [u]) 122
Tabela 32: Contexto fonológico precedente (realização de [u]) 123
Tabela 33: Tempo de residência no Rio de Janeiro 124
Tabela 34: Cruzamento entre ‘Faixa etária’ e ‘Tempo de moradia no
Rio de Janeiro’ (realizações de [u]) 126
Tabela 35: Comportamento individual (realização de /e/) 129
Tabela 36: Comportamento individual (realização de /o/) 129
Tabela 37: Distribuição geral dos dados dos brasileiros 139
Tabela 38: Distribuição dos dados dos brasileiros pelas variantes 139
Tabela 39: Realização da pretônica /e/ na fala dos migrantes brasileiros 142
Tabela 40: Realização da pretônica /o/ na fala dos migrantes brasileiros 142
GRÁFICOS
Gráfico 1: Comportamento lingüístico do migrante (percentuais da
variante não-recuada) 89
Gráfico 2: Comportamento lingüístico do migrante (percentuais da variante recuada) 89
Gráfico 3: Aplicação de [i] pelos anos de escolarização (com base nos pesos relativos) 108
Gráfico 4: Tempo de residência no Rio de Janeiro (realização de []) 114
Gráfico 5: Tempo de residência no Rio de Janeiro (realização de []) 115
Gráfico 6: Faixa etária (realização de []) 116
Gráfico 7: Faixa etária (realização de []) 116
Gráfico 8: Aplicação de [] segundo os anos de escolarização 118
Gráfico 9: Aplicação de [] segundo os anos de escolarização 118
Gráfico 10: Tempo de residência no Rio de Janeiro (realização de [u]) 124
Gráfico 11: Faixa etária (realização de [i]) 125
Gráfico 12: Faixa etária (realização de [u]) 125
Gráfico 13: Distribuição percentual de [] entre os migrantes paraibanos 130
Gráfico 14: Distribuição percentual de [i] entre os migrantes paraibanos 130
Gráfico 15: Distribuição percentual de [] entre os migrantes paraibanos 131
Gráfico 16: Distribuição percentual de [u] entre os migrantes paraibanos 131
Gráfico 17: Percentual de aplicação de [u] em Lisboa e no Brasil. 141
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa pretende contribuir para um conhecimento mais pormenorizado de
certas características lingüísticas sujeitas a variação, em dois tipos de contato, no que se
refere à língua portuguesa falada: o dialeto do paraibano com o dialeto do carioca e o
dialeto do brasileiro com o do português, a partir de material recolhido no município do
Rio de Janeiro e na cidade de Lisboa.
O aspecto lingüístico observado na fala dos migrantes paraibanos e dos imigrantes
brasileiros são as vogais médias pretônicas /e/ e /o/, que se apresentam como um dos
maiores pontos de divergência entre esses dialetos, o que facilita a observação do processo
de acomodação lingüística do informante a uma nova realidade sócio-cultural.
Os alicerces teóricos deste trabalho são os estudos traçados por Trudgill (1986),
sobre os dialetos em contato, baseados na Teoria da Acomodação de Howard Giles (1973),
e a Teoria Sociolingüística Quantitativa Laboviana, por proporcionar uma análise empírica,
sustentada por dados quantitativos que possibilitam a sistematização das variações/
mudanças lingüísticas.
O interesse central do estudo é verificar que estratégias são utilizadas pelo
(i)migrante para melhor acomodar-se ao dialeto acolhedor. Grupos de fatores são
observados para verificar os artifícios utilizados por esses falantes, como grupo social
minoritário, em busca do seu maior bem-estar sociolingüístico quando em contato com o
dialeto da maioria.
No primeiro capítulo, A propósito do tema, são apresentados os processos de
migração dos paraíbanos para a cidade do Rio de Janeiro e de imigração dos brasileiros
para a cidade de Lisboa.
No segundo capítulo, Revisão da literatura, faz-se uma revisão bibliográfica do
tema em estudo, as vogais pretônicas, tanto no português brasileiro como no português
europeu. São recenseados também trabalhos sobre dialetos em contato.
O terceiro capítulo, Fundamentação teórico-metodológica, apresenta a Teoria da
Variação e a Teoria da Acomodação, que fundamentam esta tese, bem como a
caracterização dos corpora e dos procedimentos da análise dos dados.
No quarto e último capítulo, Descrição e análise dos dados, são apresentados os
resultados e a interpretação dos dados, tanto dos paraibanos no Rio de Janeiro como dos
brasileiros em Lisboa, analisados sociolingüisticamente.
Nas Conclusões, o tema da tese é brevemente retomado e são enumerados os
resultados gerais da pesquisa realizada. Também aí são colocadas questões futuras ainda a
serem desenvolvidas sobre o assunto.
Uma parte do trabalho foi realizada, com bolsa PDEE – CAPES, no exterior, mais
especificamente na Universidade de Lisboa, em Lisboa – Portugal, para a pesquisa de
campo dos brasileiros imigrantes. O estágio em Lisboa foi feito sob a co-orientação da
Porfessora Maria Celeste Matias Rodrigues, que em muito ajudou no andamento deste
estudo.
1 A PROPÓSITO DO TEMA
A mobilidade humana é um fenômeno amplo e complexo. Abrange numerosos
atores sociais pertencentes a uma pluralidade de classes, etnias, culturas e religiões. As
causas e as motivações que levam aos deslocamentos são variadas, tendo conseqüências
diversificadas, dependendo dos diferentes contextos sócio-culturais e da singularidade de
cada pessoa.
O estudo em questão visa a descrever o comportamento de indivíduos fora de seu
contexto geo-social original, objetivando verificar as mudanças lingüísticas provenientes
de uma situação de contato dialetal, pois, segundo Trudgill (1986, p.12), o comportamento
lingüístico de um indivíduo dentro de sua comunidade de fala envolve processos diferentes
daqueles que são ativados quando se encontra fora dela.
O lingüista Fernando Tarallo (1993) admite que no português brasileiro existam
“sotaques sintáticos”, mas as diferenças que chamam de imediato a atenção de qualquer
usuário de uma língua são as de pronúncia. Sendo assim, o aspecto linguístico que serve de
base para a observação das questões relativas ao comportamento do (i)migrante são as
realizações das vogais pretônicas /e/ e /o/.
Muitos estudos sobre esse tema foram realizados no Brasil, como os de Mota
(1979), sobre as vogais antes do acento em Ribeirópoles; de Bisol (1981), sobre a regra de
harmonia vocálica no falar gaúcho; de Callou & Leite (1986), sobre a ação da regra de
harmonia vocálica na norma culta do Rio de Janeiro; de Maia (1986), sobre o
comportamento das vogais pretônicas médias na fala de Natal; de Viegas (1987), sobre o
alçamento das vogais médias pretônicas; de Silva (1989), sobre as vogais pretônicas na
variedade culta de Salvador; de Castro (1990), sobre as pretônicas na variedade culta de
Juiz de Fora; de Bortoni (1992), sobre os condicionamentos das regras de elevação e
abaixamento no dialeto de Brasília; de Yacovenco (1993), sobre as médias pretônicas no
falar culto carioca; de Battisti (1993), sobre a elevação das médias pretônicas em sílaba
inicial de vocábulo na fala gaúcha; de Vianna da Silva (1995), sobre as pretônicas
fluminenses; de Pereira (1997), sobre as médias pretônicas na fala do pessoense urbano;
Bohn (2004), sobre um estudo da harmonia vocálica em tempo real, dentre outros.
Entre os estudos realizados em Portugal, que abordam a questão das vogais
pretônicas, embora sejam em menor número do que os realizados no Brasil, incluem-se os
de Mateus & Martins (1982), sobre as vogais átonas [] e [u] no português europeu; de
Andrade (1987), sobre um estudo das vogais anteriores e recuadas em português; de
Miguel (1989), sobre a alternância da vogal fria com a vogal zero em núcleos pretônicos;
de Barros (1994), sobre as vogais /e/ e // no português de Lisboa, com base em uma
abordagem sociolingüística; de Mascarenhas (1996), sobre o estudo da variação dialetal
entre Lisboa e Porto das vogais átonas [-rec] e [+arred] em contexto inicial; e de Rodrigues
(2003), sobre as vogais em Lisboa e Braga.
Em geral, esses estudos reforçam, no Brasil, a idéia geral de que esses fonemas
recebem uma pronúncia predominantemente fechada (média) nas regiões Sul-Sudeste,
enquanto que no Norte-Nordeste prevalece uma realização mais aberta (baixa), além de
esse aspecto lingüístico ser também um dos fatores de diferenciação entre as variedades
lingüísticas brasileira e portuguesa.
Sabe-se que duas regras podem atuar sobre a realização das vogais médias
pretônicas no Brasil, a saber: a regra de abaixamento, que transforma em [] e [] as vogais
médias anteriores ao acento tônico da palavra; e a de alteamento, a qual caracteriza as
realizações [i] e [u] das vogais estudadas. Em Portugal, com as pretônicas, o que ocorre é a
regra de centralização, que transforma [e] em [] e a de elevação, que faz com que o [o]
passe a [u].
Sendo assim, o leque de variações admissíveis nas posições átonas em português
mostra-se, por isso mesmo, um campo fecundo de testes, sob os mais variados prismas
teóricos. Neste estudo, por exemplo, as vogais médias pretônicas são observadas pela ótica
do contato dialetal.
Os estudos sobre o contato dialetal foram primeiramente investigados por Peter
Trudgill (1986) – cujo trabalho foi baseado na Teoria da Acomodação, de Howard Giles
(1973) –, que observou que o contato entre variedades de uma única língua também pode
ocasionar transferência de determinados traços de uma variedade para outra. Procurou,
então, verificar por que os falantes se acomodam a outros, a extensão com que eles fazem
isso e por que alguma situações e alguns indivíduos produzem mais – ou diferentes tipos
de – acomodação do que outros.
Ao longo desta pesquisa, busca-se, então, responder às seguintes questões:
a) Como os falantes submetidos ao contato dialetal modificam, se é que
modificam, sua gramática no que diz respeito às regras fonológicas?
b) O contato dialetal, levando em consideração a língua portuguesa, resulta
indistinto quando se processa entre variedades inter-regional ou
intercontinental?
Os estudos sobre a acomodação dialetal de Trudgill (1986) e a sociolingüística
quantitativa (LABOV, 1972) são acionados em busca de melhores respostas a esses
questionamentos.
Para entender melhor os impactos sociolingüísticos causados pelos processos de
deslocamentos geo-sociais, é necessário conhecer melhor a dinâmica das comunidades que
estão em pauta, o que é feito a partir da próxima secção.
1.1 Paraibanos no Rio de Janeiro
As migrações escondem aspectos negativos ou conflitivos: o afastamento do lugar
de residência, o desenraizamento cultural, a desestruturação identitária e religiosa, a
exclusão social, a rejeição e a dificuldade de inserção no lugar de chegada. Representam
também um fenômeno basicamente positivo, pois colocam em prática o exercício do
direito humano de ir e vir, além de terem também funções sociais e econômicas, como a
relativa melhoria das condições de vida, devido à fuga de situações de opressão ou de
catástrofes ecológicas, à abertura a novas oportunidades de vida e ao enriquecimento
cultural decorrente do encontro entre diferentes povos, culturas e religiões.
No Brasil, o nordestino é o povo que mais goza desse custo/benefício de vida
proveniente da migração. Os dados do primeiro censo demográfico (1872) relatam que o
Nordeste era a região mais populosa do Brasil, com cerca de cinco milhões de habitantes
(quase metade da população do país). No censo seguinte, em 1890, tal percentual já havia
sido superado pelo Sudeste, devido ao intenso fluxo migratório.
Fatos históricos, com profundas raízes políticas, além das catástrofes climáticas,
determinaram o ritmo da marcha do nordestino rumo a outras regiões do país. Com a Lei
de Terras, de 1850, que tornou a via da posse de terras ilegal, as aquisições públicas só
poderiam ocorrer através da compra, ou seja, as terras só poderiam ser adquiridas por
aqueles que tivessem condições de pagar por elas. Um de seus objetivos era exatamente
impedir que os imigrantes e os trabalhadores brancos pobres, negros libertos e mestiços
tivessem acesso à terra. Seu efeito prático foi dificultar a formação de pequenos
proprietários e liberar a mão-de-obra para os grandes fazendeiros. Dessa maneira, foi
barrado o acesso à terra para a grande maioria do povo brasileiro.
Essa situação atravessou o século e nenhum governo conseguiu implementar uma
reforma agrária que freasse os conflitos pela terra, a má condição de homens, mulheres e
crianças no campo e a constante migração desses trabalhadores para os grandes centros
urbanos em busca de sobrevivência. Essa lei ajuda a entender por que o Brasil possui uma
extrema concentração de terra, latifúndios improdutivos e uma grande massa de excluídos:
os trabalhadores sem terra.
Entretanto o fenômeno de migração interna ganhou visibilidade, caracterizando-se
como um problema nacional com a grande seca de 1877-1878 no Nordeste, momento em
que os flagelados invadiram as cidades litorâneas, provocando medo e impondo-se como
um problema a ser resolvido pelas elites locais. Tal fato culminou com o ciclo da borracha
na Amazônia, no Norte do país, que também foi um fator que impulsionou o declínio
populacional na região Nordeste. Mais tarde, a construção de Brasília foi um dos fatores de
intensificação da migração nordestina rumo ao Centro-Sul do país.
O final do século XIX e o início do século XX marcaram um período de
transformações mundiais. Guerras e revoluções resultavam em desemprego e fome na
Europa. Populações inteiras rumavam para longe de suas terras, buscando refúgio às
perseguições étnicas, políticas e religiosas. As informações da existência de uma terra nova
e cheia de oportunidades chegavam em além-mar. O braço nacional foi, portanto, preterido
em favor do braço estrangeiro, que era mais lucrativo para os fazendeiros do café e pela
indústria fabril, por ser subsidiado pelo governo, que incentivava a imigração.
Segundo Cavalcanti & Guillen (2002)1, em meados da primeira metade do século
XX, o fenômeno da migração de trabalhadores nordestinos para o Centro-Sul supera a
mão-de-obra estrangeira. Contribuíram para a absorção do trabalhador nordestino no
mercado de trabalho o Decreto-Lei, na década de 30, que limitava a 1/3 o percentual de
estrangeiros por empresa. A elite brasileira, diante da necessidade de reativar o mercado de
trabalho, dispondo de vasta oferta de mão-de-obra nacional e tendo em vista a necessidade
de obter maior controle social da classe trabalhadora, passa, então a reconstruir a imagem
1 CAVALCANTI, Helenilda & GUILLEN, Isabel. Atravessando fronteiras: movimentos migratórios na história do Brasil, 2002. Disponível em: http://www.imaginario.com.br/artigo/a0061_a0090/a0086-01.shml (pesquisa feita em 14/01/2006).
do trabalhador nacional tão fortemente espoliada pelo vírus da escravatura. Tal
reconstrução imaginária é alimentada pela representação de que esse contingente da
população se encontra menos contaminado por idéias contestatórias, e que, à diferença do
braço estrangeiro, pode trabalhar por baixos salários, aceitando qualquer tarefa sem
reclamos e sem o risco de paralisações coletivas.
Ao se inserir no mercado de trabalho fabril e ao provocar mudanças na
composição da classe operária, imputou-se ao trabalhador nacional a responsabilidade pelo
decréscimo da “consciência de classe”, sinalizada pelo enfraquecimento do sindicalismo e
pelo fortalecimento político do populismo. Ainda segundo as autoras,
Todos esses entremeios, que resultaram numa representação determinada e homogênea do migrante, rotulados como paraibanos [“paraíbas”] e baianos, contribuem para que possamos compreender melhor, historicamente, o protótipo do migrante que se justapõe à imagem do trabalhador nordestino – errante, pau-de-arara, mão-de-obra barata, preguiçoso, indolente, construtor de cidades, dentre outros.
Na atualidade, um trabalho realizado por pesquisadores da Fundação Getúlio
Vargas e da Universidade de São Paulo (SANTOS JÚNIOR; MENEZES FILHO &
FERREIRA, 2003, p. 02)2, com base em microdados da PNAD de 1999, sobre a
desigualdade de renda no Brasil, desmistifica um pouco dessa visão que se tem do
migrante nordestino, por exemplo, pois chega à seguinte conclusão:
Os anos de escolarização, a estrutura etária da população, as variáveis geográficas (clima, investimentos públicos em infra-estrutura…), entre outros, têm sido usados para explicar a desigualdade de renda entre os estados brasileiros (Azzoni, Menezes-Filho, Menezes & Silveira Neto, 1999; Ferreira & Diniz, 1995; e Zini, 1998). Entretanto, como no Brasil a migração se dá, na média, de estados com menor renda per capita para os que possuem maior renda per capita, há um fenômeno que, se verificado, deve ajudar na explicação dessa desigualdade de renda: a seleção positiva dos migrantes no Brasil, isto é, o fato dos migrantes (aqueles brasileiros que moram em estados diferentes do que nasceram) serem em média mais aptos, ambiciosos,
2 SANTOS JR. E. da R. dos; MENEZES-FILHO, N. & FERREIRA, P. C. Migração, seleção e diferenças regionais de renda no Brasil. No 484 (ISSN 0104-8910), junho de 2003. Disponível em: http://epge.fgv.br/portal/arquivo/1336.pdf (pesquisa feita em 12/01/2006).
agressivos, motivados e empreendedores do que os não-migrantes (os brasileiros que moram no mesmo estado em que nasceram). Nesse caso, os estados mais ricos teriam alcançado tal condição também por estarem concentrando, via fluxos migratórios, pessoas mais capazes, hábeis e, portanto, mais produtivas.
A narrativa3 a seguir foi produzida por Natália Engler Prudêncio, aluna do 3° ano
do curso de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
(ECA/USP), com base em relatos da vida real da filha de um migrante piauiense. Essa
narrativa pode ilustrar um pouco a chegada do migrante nordestino a uma grande cidade:
“O pai de Deusani foi para São Paulo em um caminhão pau-de-arara. Para driblar o calor, os viajantes ficavam do lado de fora da lona, e o motorista buzinava para avisá-los que deveriam se esconder quando fossem passar pela polícia. Às vezes buzinava só para fazer graça, para se divertir vendo todos se esgueirarem desesperados para dentro da lona. Chegando em São Paulo, arrumou um trabalho como servente de pedreiro, e logo foi melhorando de função, pois, enquanto trabalhava, observava todos os outros trabalhos que eram realizados na obra para aprender como fazê-los. (…) Depois de seis meses, conseguiu juntar dinheiro para buscar a família e alugar dois cômodos em Campo Limpo. Quando voltou para buscá-los, levou uma blusa de frio para cada filho, que seria tudo que os protegeria do frio na chegada a São Paulo, em pleno mês de julho de 1971. Só tinha dinheiro para sua passagem e a da mulher, que estava grávida do quarto filho, Eliezer, que nasceria em São Paulo (teria mais uma filha, Maria Luiza, mas apenas em 1983); as crianças iam no corredor, passando muito desconforto durante os três dias de viagem. (…) O ônibus parava em cidades na hora do almoço e do jantar, mas eles não almoçavam e nem jantavam em restaurantes, só comiam o “frito”. (…) Quando fizeram uma parada no Rio de Janeiro, todo mundo levantou-se e olhavam pela janela, dizendo “Olha o mar, olha o mar! Meu Deus, a água se mexe!” E ela, lá em baixo deles, esmagada, não conseguia ver nada”.
Essas histórias se repetem à chegada a duas grandes cidades brasileiras, Rio de
Janeiro e São Paulo, como demonstra o relato de um paraibano que serviu de informante
para esta tese. Este senhor de 60 anos, sem escolaridade, que chegou ao Rio de Janeiro há
28 anos, descreve sua primeira impressão:
Lá no Norte [Nordeste], a gente tinha uma vida muito sofrida, né, e uma vez um colega me deu uma idéia, que ele já tinha vindo aqui no Rio, e me convidou para vir aqui ao Rio. Eu digo assim: “Ah, eu vou pensar”. Até que um dia chegou a oportunidade de eu vir. Vim, fiquei sete meses, ai teve um problema que surgiu comigo aqui, ai fiquei meio desgostoso, voltei. Voltei, ai fiquei quatro anos lá. Ai, esses quatro anos que eu passei lá foram muito difíceis, né, o que eu levei durante os sete meses que eu arrumei aqui, fiquei quatro anos lá, gastei tudo e não consegui nada. Ai, cismei assim e disse: “Oxe, vou embora de novo!” (…) Ai, vim e fiquei quatro anos. (…) Voltei e fiquei até oitenta e um. Oitenta e um foi que eu voltei lá de novo. Só a passeio. Quando cheguei lá, não gostei. Tudo difícil. Ai, estou até agora aqui e nunca mais voltei lá. Porque a vida do 3 Disponível em: http://www.textovivo-narrativasdavidareal.htm. O site informa que “Esta matéria faz parte de um projeto narrativo maior, que visa a aplicação de recursos do Jornalismo Literário (JL)”. (pesquisa feita em 16/01/2006)
nordestino é sofrida. E aqui, o pouco mesmo, o pouco difícil que a gente consegue é mais fácil do que lá. A vida é mais fácil. Então é onde que eu estou por aqui. (…) Naquela época não tinha nem rodoviária. A rodoviária era em São Cristóvão, né. Ai, cheguei em São Cristóvão, a primeira coisa, cheguei num dia de domingo, primeira coisa que eu cheguei que achei foi um bocado de colega. (…) Fiquei muito satisfeito, né, cara, fiquei alegre em ver o movimento, que a gente não via. Lá na roça nós não tinha isso, movimento que tinha aqui, né. (...) É cidade grande. Ainda mais naquela feira, na época daquela feira de São Cristóvão, que é falada, né. Então, fiquei muito orgulhoso em ver aquele movimento. Ai, isso aí. Ai eu comecei a trabalhar, o colega me incentivando, a gente fica meio triste, sente a família, né, uns dias, mas depois acostuma.
Segundo os resultados do Censo 2000, do IBGE, a região Nordeste continua
campeã em fluxo migratório: foram 1.457.360 saídas entre 1995 e 2000 – um aumento de
7,6% em relação ao período de 1986/1991. O principal destino dos migrantes é a região
Sudeste, que recebe 70,9% dos migrantes nordestinos.
Exemplo dessa intensa migração nordestina para o eixo Centro-Sul é o estado do
Ceará, pois em 1940, eram 205.621 cearenses vivendo fora de seu estado. Em 1991, esse
número subiu para 1.364.013 e, em 2000, para 1.592.756, sendo 34% vivendo em São
Paulo e 13%, no Rio de Janeiro.
A Paraíba, no entanto, é o estado que, percentualmente, mais forneceu migrantes
para os outros estados brasileiros, chegando a ter 27% de sua população residindo fora de
seus limites geográficos. Dados do IBGE mostram que, somente no Rio de Janeiro, em
1991, viviam 51.947 paraibanos. No ano de 2000, esse número subiu para 83.157.
Segundo depoimento do deputado Marcondes Gadelha (PTB) ao Corecon-PB
(Conselho Regional de Economia da Paraíba)4, a região do Semi-árido é uma grande fonte
de mão-de-obra barata, porque os agricultores que moram nessas regiões preferem se
submeter a todo tipo de trabalho fora a ficar na terra natal e ver o gado morrer pela falta de
pasto e as culturas não vingarem.
Segue o depoimento do informante Sr. FAM, ex-agricultor, 61 anos de idade,
analfabeto e há 28 anos no Rio de Janeiro, sobre as dificuldades de sobrevivência na
Paraíba:4 Disponível em: http://corecon-pb.cofecon.org.br (pesquisa feita em 14/01/2006).
E: Encontrou o que tava procurando?I: Ah, encontrei. Encontrei. Eu vim para conseguir alguma coisa e consegui, né? Apesar de que eu voltei para lá e acabei de novo, mas consegui. (…) Naquele tempo era cento e oitenta mil réis. Era mil réis. Eu fiz coisa para caramba. Gastei, comprei um animal, comprei muita semente de milho, de feijão, fava para plantar na roça. Ai, o sol veio e acabou, tornei a comprar de novo, gastei tudo. Só sei que eu fiquei quatro anos para gastar esses cento e oitenta mil réis. Mesmo assim, levando castigo do tempo, sol, chuva. Quando não era o sol, era a chuva que acabava. Ai, eu vi que não dava mais jeito, ai eu digo: “Vou embora para o Rio”. Até eu joguei uma conversa meio desagradável que eu paguei, quando eu cheguei aqui no Rio, eu falei assim: “Nem que eu chegue no Rio com uma casca de banana, mas aqui no Norte eu não vou viver mais”.
A pesquisa Padrão de Vida, feita pelo IBGE, em 1996, aponta que, entre os
nordestinos que chegam ao Sudeste, 48,6% exercem trabalhos manuais não qualificados,
18,5% são trabalhadores manuais qualificados, enquanto 13,5%, embora não sejam
trabalhadores manuais, encontram-se em áreas que não exigem formação profissional. O
mesmo estudo indica que esses migrantes possuem, em média, condições de vida e nível
educacional acima de seus conterrâneos e abaixo dos cidadãos estáveis do Sudeste.
É impossível deixar de perceber que muitos trabalhadores nordestinos do sexo
masculino, quando possuem escolarização, que chega, no máximo, ao ensino médio
incompleto, são absorvidos pelo mercado de trabalho na profissão de porteiro de prédios,
residenciais ou não. Sua diferente forma de falar chama muita atenção e, muitas vezes,
impede a compreensão. Exemplo da reação do ouvinte pode ser vista no quadro abaixo,
que foi extraído do site ORKUT5 e diz respeito a duas comunidades6 criadas para
adicionarem membros que sentem dificuldades de entender o que os porteiros de seus
prédios, geralmente nordestinos, falam.
Figura 1: Comunidades do ORKUT sobre porteiros
Porteiros não falam português 131 membros Se você não entende nada que o seu porteiro fala...acredita seriamente que ele fala outra língua, acha que poucas coisas são piores do que quando ele te interfona falando que o "Goimeopdjante" está subindo... ou você ri com a
5 O ORKUT é uma comunidade virtual afiliada ao Google, criada em 22 de janeiro de 2004 com o objetivo de ajudar seus membros a criar novas amizades e manter relacionamentos. Seu nome é originado no projetista chefe, Orkut Büyükkokten, engenheiro do Google. Sistemas como o adotado pelo projetista também são chamados de rede social.6 Os criadores são de São Paulo e do Rio de Janeiro.
pronuncia do nome do seu conhecido ou se preocupa em tentar advinhar quem está subindo. Ou tem enorme dificuldade de entender um recado e acaba concordando soh pra não ter que perguntar 49 vezes o que foi mesmo que ele falou... Seja Bem Vindo !!!!
PQ os porteiros falam javanês? 2 membros Se o porteiro interfona pra sua casa, e não entende nada o que ele fala.Se vc passa na portaria, e ele tenta dar um recado, e vc friza a testa,coça a cabeça, faz sinal de positivo,mas não sabe do que se trata. Seu porteiro fala javanês!!Especialistas ainda não conseguiram decifrar essa língua milenar entre os guardiões de residências. Mas se sabe que alteração de humor são muito comuns e que se provocados, podem usar as palavras indecifráveis como arma, pois vc não sabe o que ele está falando mesmo.Mas vc não está sozinho, se seu porteiro tb ala javanês, junte
Neste trabalho, muitos informantes são porteiros. Em sua grande maioria, são ex-
trabalhadores de roça, ex-agricultores paraibanos, mas não são analisados separadamente
dos outros infomantes que não são porteiros, pois visa-se ter uma idéia geral do
comportamento do migrante paraibano.
No que diz respeito à consciência lingüística do falante, os aspectos linguísticos
salientes são os que são mais facilmente imitados por um falante não nativo, segundo
Trudgill (1986, p.12), a imitação é um bom recurso para detectar a saliência. No que diz
respeito as vogais pretônicas, os migrantes paraibanos, quando perguntados sobre aspectos
da fala dos cariocas, não identificam as pré-acentuadas como um ponto de divergência. O
traço que mais salta aos ouvidos deles é a palatalização das oclusivas /t/ e /d/ diante de /i/ e
do /S/ pós-vocálico, que chamam de “chiado”. Apenas dois informantes fizeram
observações sobre as vogais:
E: Você acha que adquiriu o sotaque carioca?(PAG): Eu acho que sim. E: Por quê?(PAG): Primeiro por lidar com o público diariamente, né? Doze horas por dia, quase. Dez horas por dia. Meus “es” são mais fechados do que eram antes.
(PAG, ex-estudante. Atualmente é dentista, tem 35 anos de idade e 9 anos de residência no Rio de Janeiro)
E: você acha que adquiriu o sotaque carioca? Você acha que hoje conseguiu adquirir esse sotaque?(AMA): Não. Adquirir o sotaque carioca eu acho que não. Acho que porque o meu é uma mistura dos dois. Eu acho que eu não consigo falar igual ao carioca. O carioca tem
algumas mudanças. Ele fala algumas palavras com as vogais mais abertas, ele chia mais do que eu chio. Eu comecei a chiar um pouco depois que eu vim para cá, mas eles falam... tem uma diferença sim de, de, acho que principalmente nas vogais, a gente percebe (...) que é bem típico dele e eu acho que eu não consigo falar da mesma forma.
(AMA, ex-estudante. Atualmente é bailarino formado, tem 27 anos de idade e 7 anos de residência no Rio de Janeiro)
Quando a situação é contrária, ou seja, quando o carioca imita o nordestino, os
traços vocálicos ficam bem acentuados, demonstrando, por isso, ser uma marca forte e
estigmatizada, portanto, sujeita a modificações.
1.2 Brasileiros em Lisboa
Durante séculos, milhões de portugueses imigraram para o Brasil e, no momento
atual, em percurso inverso, muitos brasileiros vão para Portugal. Em 2004, esses
imigrantes constituíam já a maior comunidade do país e o seu número não pára de
aumentar. Segundo dados de um site7 de Portugal, lá vivem mais de 100 mil brasileiros
(51,5 mil legais).
Os números da imigração em Portugal começaram a crescer a partir da década de
60 do século XX. Desse período até a atualidade, as necessidades, as motivações e o tipo
de capacitação profissional dos imigrantes variaram, apresentando quadros
comportamentais que podem ser distribuídos em duas fases: antes e depois de 1998. Um
estudo feito pela Casa do Brasil, em Lisboa, sobre esse segundo período, denomina-o de
“2a vaga” de imigração.
Os primeiros imigrantes brasileiros que descobriram Portugal como uma boa
possibilidade de vida, nas décadas de 60, eram, sobretudo, empresários, jogadores de
futebol e artistas que nesse país se radicaram. Na década de 70, nos anos de ditadura
política no Brasil, foi a vez dos exilados políticos e também de muitos outros profissionais
7 www.lusotopia.no.sapo.pt (acesso em 09/02/2006).
altamente qualificados (jornalistas, publicitários, dentistas, profissionais da área de
informática e outros) imigrarem. Neste período, a comunidade brasileira desfrutou de uma
fase de importante estatuto social em Portugal.
No final da década de 80, começaram a aparecer os primeiros problemas
relacionados à entrada desse tipo de imigrante em Portugal, que foi a célebre polêmica
sobre o exercício de atividade dos dentistas brasileiros que, devido ao elevado número de
imigrantes capacitados nessa área, foram vistos como uma ameaça aos dentistas
portugueses, o que exigiu a elaboração de um acordo entre Portugal e o Brasil.
Nas décadas finais do século XX, o Brasil viveu um fenômeno inédito em seus
quinhentos anos de história. Um grande número de jovens brasileiros de classe média,
universitários e profissionais liberais, decidiu trocar o diploma pelos trabalhos de baixo
status social no Primeiro Mundo (Europa, Estados Unidos, Japão etc.) em busca de salários
que valessem o esforço de seu trabalho, seja ele qual fosse.
Correspondendo a um crescente fluxo emigratório, no inicio dos anos 90, surgiu a
primeira associação de imigrantes brasileiros, a Casa do Brasil (1992), em Lisboa, uma
entidade que auxilia os imigrantes brasileiros em Portugal e ainda promove eventos em que
a cultura brasileira é protagonista.
O fluxo de imigrantes brasileiros, que veio sempre a crescer de forma regular e
sustentada desde os anos 60, começa a dar sinais de um brusco aumento no anos finais do
século XX. Pela porta da clandestinidade entram muitos dos brasileiros que estão em
Portugal, que procuram os bairros degradados e sem as mínimas condições de salubridade
para viver e trabalham em setores da construção civil e em restaurantes.
Os números da permanência ilegal no país atingiu proporções tais que motivaram
os governos português e brasileiro a firmarem um acordo (11 de julho de 2003) que
regularizasse a permanência de 30 mil imigrantes que não estavam documentados. Em 7 de
setembro de 2004, em Brasília, o chefe do governo português prometeu facilitar a
legalização de 14 mil novos imigrantes brasileiros, mas os números não páram de
aumentar.
As razões que levam o imigrante brasileiro a escolher Portugal são: a facilidade
da língua e cultura comuns; a existência de acordos bilaterais e organizações comuns como
a CPLP8; o incremento dos investimentos do Brasil em Portugal e vice-versa; os
importantes "nichos" de emprego para especialistas brasileiros em muitas áreas onde
Portugal é carente de quadros; a idéia de que Portugal é uma espécie de porta de entrada
para a Europa ou até de passagem para os Estados Unidos; a possibilidade de obtenção da
nacionalidade por via do parentesco e o retorno de famílias de emigrantes portugueses no
Brasil.
Um estudo promovido pela Casa do Brasil em Lisboa (2003)9 reúne 400
imigrantes brasileiros residentes nos distritos de Lisboa e Setúbal. O universo do estudo é
constituído pela população brasileira imigrante em Portugal, maior de 15 anos, que chegou
na chamada segunda vaga de imigração, iniciada em 1998/1999, onde se incluem aqueles
que obtiveram a sua autorização de permanência no período compreendido entre janeiro de
2001 e agosto de 2002.
Em junho de 2003, o número de indivíduos que preenchem as condições referidas
é de 24.26010. Destes, 19.066 (78,6%) se encontram no distrito de Lisboa e 5.194 (21,4%)
no distrito de Setúbal. Por sexo, a distribuição é a seguinte: 63,9% do sexo masculino e
36,1% do sexo feminino.
8 Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.9 http://www.casadobrasil.pt (pesquisa ao site feita em 09/02/2006).10 Segundo a pesquisa, esse número de imigrantes brasileiros, registrados pelos organismos oficiais (IDICT/IGT), está aquém do número real de imigrantes brasileiros que integram o universo do estudo porque existe um número (não quantificado) de imigrantes sem qualquer pedido de documentação para permanência.
Dos 400 informantes brasileiros inquiridos, 31% são provenientes de Minas
Gerais, 14% do Espírito Santo, 13% de São Paulo, 12% do Paraná e 10% Goiás. Os outros
estados, juntos, perfazem um total de 20%.
A Figura 1, abaixo, exibe o mapa do Brasil para uma visualização dos estados e
para evidenciar a localização dos estados da Paraíba e do Rio de Janeiro, este na região
Sudeste e aquele na região Nordeste do país:
Figura 2: Mapa político do Brasil
Levando em consideração a faixa etária dos informantes, o maior número de
pessoas encontra-se na faixa de 25 a 34 anos (50%). A seguir, vêm as faixas de 14 a 24
anos (27%) e 34 a 64 anos de idade (23%). Quanto ao nível de instrução, a pesquisa
apresenta o seguinte quadro:
Quadro 1: Informantes por grau de escolaridade
Grau de escolaridade Frequências Percentagem
Sem escolaridade 1 0,31º Grau incompleto 69 17,31º Grau completo 54 13,52º Grau incompleto 36 9,0
2º Grau completo 181 45,3Superior incompleto 30 7,5Superior completo 29 7,3
Total 400 100,0
Pode-se ver que a grande maioria dos entrevistados, representantes do contexto
geral da imigração brasileira, possui o ensino médio completo. A segunda maior parcela se
distribui entre os informantes com escolaridade abaixo dessa e, ao contrário dos imigrantes
da 1a vaga, a menor parcela tem o ensino superior (in)completo.
Quanto à atuação no mercado de trabalho, segundo a pesquisa, os inquiridos se
distribuem da seguinte forma (quadro adaptado dos quadros 9 e 10 da pesquisa):
Quadro 2: Informantes por profissão
Ocupação Profissional Trabalho realizado em Portugal Trabalho realizado quandoMorava no Brasil
Freqüência Percentual Freqüência PercentualOp.Construção-especializado 75 18,8 40 10,0Op.Const.-não especializado 36 9,0 8 2,0Op.Industrial - especializado 12 3,0 29 7,3Op.Indust.- não especializado 5 1,3 9 2,3Trabalho Doméstico /Limpeza 22 5,5 13 3,3
Trabalhador do Comércio 87 21,8 88 22,0Trabalhador de Restauração 83 20,8 13 3,3Trabalhador Administrativo 8 2,0 47 11,8
Empresário 5 1,3 14 3,5Professor 2 ,5 13 3,3
Quadro técnico 2 ,5 12 3,0Desempregado 32 8,0 3 ,8
Estudante 2 ,5 30 7,5Outra ocupação 29 7,3 81 20,3
Total 400 100,0 400 100,0A maior parte dos imigrantes entrevistados são ex-trabalhadores do setor
comercial e de outras atividades profissionais. Em Portugal, o setor que mais absorve mão-
de-obra brasileira é o da contrução civil, alimentação e comércio. Os trabalhadores
brasileiros que realizavam tarefas no setor administrativo eram estudantes ou faziam outras
atividades profissionais, além das observadas pela pesquisa. Estes são os que mais realizam
trabalhos fora de seus campos profissionais.
A pesquisa informa, também, que a grande maioria dos entrevistados vive em
piores condições de moradia do que vivia no Brasil, mas, monetariamente, recebe muito
mais pelo seu trabalho, embora em uma profissão diferente daquelas, geralmente de menor
status, que exerciam no Brasil. E os baixos salários brasileiros é o fator que mais motiva a
migração.
2 REVISÃO DA LITERATURA
Neste capítulo, algumas questões que envolvem os processos lingüísticos que
atingem as vogais médias pretônicas, sincrônica e diacronicamente, são revisitadas, assim
como trabalhos realizados sob a ótica do contato dialetal, para se ter uma idéia de como
esses temas já foram abordados.
2.1 As vogais médias pretônicas
Muitos são os processos que atingem as pretônicas. Conforme Leite et al (1994), o
processo de alteamento, por exemplo, é bem antigo e, segundo Révah (1958), já estaria
completo em Portugal no século XV, opinião contestada por Herculano de Carvalho
(1969), ao afirmar que, até o século XVIII, ainda ocorreriam, em posição pretônica, as
alternâncias i:e e o:u.
Teyssier (2001, p. 68), que o sistema pretônico do português é resultado da
eliminação dos vários encontros vocálicos do galego-português, que, por sua vez, tornou-se
exatamente igual ao tônico por volta de 1500. O autor acrescenta ainda que, por volta de
1800, as vogais realizadas como [e] e [o] em posição átona se realizavam, respectivamente,
como [] e [u], como se pode ver no quadro a seguir.
Quadro 3: Vogais orais ao longo da história
Galego-português (de 1200 a aproximadamente 1350)
Por volta de 1500 Século XIX até os dias atuais
Sistema tônico Sistema tônico Sistema tônico/i/ /u/ /i/ /u/ /i/ /u/
/e/ /o/ /e/ /o/ /e/ /o/
// //// // // // // //
/a/ /a/ /a/Sistema pretônico Sistema pretônico Sistema pretônico
/i/ /u/ /i/ /u/ /i/ /u/
///e/ /o/ /e/ /o/ /o/
// //// // // //
/a/ /a/ /a/Sistema postônico final Sistema postônico final Sistema postônico final
(/i/) (/i/) /u///
/e/ /o/ /e/ /o///
/a/ /a/
Tal transformação, que não alcançou o nível ortográfico e que, segundo o autor,
vigora na contemporaneidade do PE, é chamada de ‘redução’. Faz, também, uma
observação sobre o /o/, afirmando que é resultante da monotongação do antigo ditongo ou.
Comenta ainda que a ‘redução’ de e e o pretônicos aconteceu no decorrer do século XVIII,
ou, mais precisamente, na segunda metade desse século. Sobre isso, afirma que:
a ‘reducão’ atingiu um ponto tal que a sua [do []] própria existência corre perigo. Ouve-se hoje p`ssoa (pessoa), diss` (disse), pass` (passe), fort`s (fortes), pess`gu (pêssego), etc. Uma transformação do sistema fonológico está, pois, ocorrendo, e entre as suas conseqüências ressalta-se a de distanciar o PB do PE falado (1987, p. 66).
Câmara Jr. (1977) observa, de um ponto de vista estruturalista, que, no português
falado no Brasil, é no contexto pretônico que se observam os processos de “neutralização”
das médias e de “harmonia vocálica”, uma regra de assimilação regressiva que atinge tais
vogais em função de uma vogal subseqüente. Segundo Schwindt (2002, p. 162), esse
processo pode elevar (medida ~ midida) ou abrir/abaixar as vogais (novela ~ nvεla), de
acordo com a altura da vogal propulsora do processo.
Segundo Câmara Jr. (op. cit.), devido ao processo de neutralização, que é a perda
do traço que distingue dois fonemas (/e → / e /o → /), o sistema de sete vogais tônicas
do PB (/i, u, e, , o, , a/) fica reduzido a cinco (/i, u, e, o, a/), apresentando, portanto, o
seguinte quadro:
Quadro 4: Distribuição das vogais do PB
Pretônica Tônica
/i/ /u/ /i/ /u//e/ /o/ /e/ /o/
// ///a/ /a/
No Brasil, o quadro das pretônicas não é fixo quando se trata das vogais médias,
pois, a depender da região geográfica em que essas vogais vão ser observadas, a
neutralização pode se dar em direção às médias abertas, como acontece na região Nordeste,
por exemplo.
2.1.1 As pretônicas na variedade oral do PB
Cardoso (1999), para reforçar a idéia de que existem diferenças regionais no que
diz respeito às pretônicas brasileiras, faz uma compilação de um grande número de
trabalhos que abordam esse assunto, de forma variável, nas mais diversas localidades do
Brasil (Amazonas, Pará, Acre, Ceará, Natal, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Bahia, Minas
Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul). Ao
fim, apresenta um quadro simplificado da tendência geral da realização das vogais
pretônicas /e/ e /o/ no PB, que permite visualizá-la como a/uma linha demarcatória entre
grupos de regiões.
Quadro 5: Vogais pretônicas no PB
Região Estados Vogais Baixas
Vogais Médias
NORTEAMAZONAS •
PARÁ • *ACRE •
NORDESTE
CEARÁ •R. G. DO NORTE •
PARAÍBA •PERNAMBUCO •
ALAGOAS •SERGIPE •BAHIA •
SUDESTEMINAS GERAIS • *
RIO DE JANEIRO *SÃO PAULO *
SUL PARANÁ *R. G. DO SUL *
CENTRO-OESTE M. G. DO SUL *
Em uma descrição acústica do sistema pretônico de cinco capitais brasileiras,
Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Porto Alegre, Moraes et al (1996) mostram
que, em relação aos traços anterioridade/posterioridade (eixo horizontal), a capital que
apresenta variações significativas é o Rio de Janeiro, cujas vogais altas anterior e posterior
estão mais distantes uma da outra. Além disso, as maiores diferenças entre os cinco
dialetos foram percebidas na análise do traço de altura (eixo vertical): São Paulo e
Salvador apresentam um sistema mais polarizado, com uma distância acústica maior entre
[i], [a] e [u], em oposição a Porto Alegre e Recife, com menor polarização, e ao Rio de
Janeiro, numa posição intermediária.
Por esse trabalho, portanto, confirma-se que esses traços não são responsáveis por
marcar as diferenças entre regiões, no que diz respeito às vogais. Vê-se pelos resultados da
análise acústica que os pares São Paulo (Sudeste) e Salvador (Nordeste), Porto Alegre
(Sul) e Recife (Nordeste) apresentam comportamentos semelhantes, o que contraria o
agrupamento por regiões do ponto de vista fonético.
Sobre as diferenças que se estabelecem entre /i/ e /u/, Bisol (1981) afirma que a
vogal não-recuada é mais alta que a recuada por possuir um espaço maior na cavidade
bucal destinado à sua emissão. Por causa disso, é natural que a recuada não exerça força
atrativa sobre /e/, pois convertê-la em /i/ seria provocar uma articulação mais alta do que a
sua própria.
Leite et al (1994), com base nos estudos feitos por Moraes et al (1996) sobre o
sistema vocálico do português do Brasil, afirmam que [i] e [u] apresentam praticamente os
mesmos valores para o primeiro formante (F1): [i] = 353Hz e [u] = 358Hz, uma diferença,
portanto, não significativa, fato que prejudica a argumentação de Bisol. Ainda segundo
Leite et al (op. cit.) o alteamento de /e/, no Rio de Janeiro, é condicionado, quase que
indistintamente, por /i/ (.76) e por /u/ (.71).
Conforme Leite et al (1994), tendo em vista os dialetos do Rio Grande do Sul
(BISOL, 1981, 1989), Rio de Janeiro (CALLOU et al, 1991, 1995, 1998; YACOVENCO,
1993), Bahia (SILVA, 1989) e Minas Gerais (VIEGAS, 1987; CASTRO, 1990), a
harmonização vocálica é uma regra de baixa produtividade no Brasil e de comportamento
assimétrico entre as tônicas /i/ e /u/ como propulsoras do processo.
Segundo Callou et al (1995), as pesquisas sistemáticas sobre as pretônicas no
Brasil tiveram início em 1979, com Jacyra Mota11, passando então de uma pauta fixa de
idealização para o estudo da variabilidade.
Nesses novos estudos, várias questões têm sido retomadas, tais como:
a especificação mais precisa dos ambientes de aplicação da regra com seu índice probabilístico, sua difusão através do léxico e de outros dialetos, estágio em que se encontra o processo de redução vocálica e sua expansão nas diferentes faixas etárias, classes sociais etc… (CALLOU et al, 1995, p.61)
Trata-se, então, não só de identificar os contrastes, neutralizações e processos
ocorrentes mas também de mensurar o percentual e a probabilidade de variação e de
especificar os fatores que favorecem ou desfavorecem a aplicação da regra, já que existem
variações em um mesmo dialeto e em uma mesma palavra (ex.: melhor/milhor/mlhor).11 MOTA, Jacyra. Vogais antes do acento em Ribeirópolis – SE. 2v. Salvador: UFBA, 1979 (Dissertação de Mestrado).
O processo de alteamento, ou alçamento, no Brasil, é caracterizado pela
modificação do traço [-alto] para o [+alto] das vogais médias /e/ e /o/, que se realizam
como vogais altas [i] e [u] (coruja ~ c[u]ruja; bebida ~ b[i]bida) de forma variável,
corresponde ao processo de harmonia vocálica. Muitos trabalhos têm discutido esse
fenômeno. A discussão, no entanto, tem se restringido à ocorrência do alçamento vocálico
na sílaba pretônica. Segundo Van der Hulst & Van der Wijer (1985), três questões têm
merecido a atenção dos estudiosos: o domínio de aplicação da regra de harmonização, a
natureza dos traços que participam do processo e o fato de o processo poder envolver
segmentos não adjacentes.
Há uma grande polêmica que cerca o processo de harmonia vocálica no PB e
reside na tentativa de estabelecer se há motivação de cunho estrutural e social na
implementação da mudança sonora ou se ela é implementada lexicalmente. Assim, duas
propostas teóricas postulam explicações para a implementação da mudança sonora: o
Modelo Neogramático e o Modelo da Difusão Lexical. Segundo os defensores do Modelo
Neogramático, toda mudança sonora é foneticamente gradual e lexicalmente abrupta. Os
defensores do Modelo da Difusão Lexical defendem que toda mudança sonora é
foneticamente abrupta e lexicalmente gradual.
Os trabalhos a respeito do alçamento das vogais médias pretônicas têm se
inspirado tanto na proposta neogramática quanto na proposta da Difusão Lexical. Bisol
(1981) estudou o fenômeno do alçamento vocálico em quatro dialetos do Rio Grande do
Sul. Seu trabalho apresenta justificativas estruturais para a ocorrência da mudança sonora,
engajando-se, portanto, dentro da perspectiva neogramática. Em suas conclusões, postula
que a elevação das vogais é influenciada por múltiplos fatores dentre os quais se destaca a
harmonização vocálica em que a vogal média pretônica assimilaria a altura da vogal alta
presente na sílaba tônica (ex.: m[i]nino, p[u]lícia, b[u]tina).
Viegas (1987), observando o fenômeno das pretônicas em duas regiões de Belo
Horizonte, e Bortoni et al (1992), investigando o dialeto emergente de Brasília,
apresentam, em suas conclusões, interpretações do ponto de vista neogramático, pois
verificam que [e] e [o] sofrem influência da vogal alta e tônica da sílaba subseqüente,
resultando no seu alçamento devido à regra de Harmonia Vocálica. No entanto, apesar de
grande parte dos exemplos favorecer a interpretação da mudança sonora sob a ótica
neogramática do condicionamento fonético e da sua implementação, nem todos os casos
apontados pelas autoras puderam ser justificados sob tal perspectiva. Assumem, então, que
o processo seria de difusão lexical, isto é, a regra não atingiria cegamente todos os
vocábulos, mas sim alguns itens lexicais.
Viegas apresenta ainda, como argumento, oposições do tipo p[o]rção e p[u]rção,
que corresponderiam a duas entradas no léxico, com sentidos diversos: a entrada com /o/
corresponderia a “parte do todo” e com /u/ “grande quantidade”.
Com base nos dados de Viegas (1987), Oliveira (1992), à luz da Difusão Lexical,
apresenta evidências de que o contexto fonético não seria a melhor explicação para a
aplicação das variantes altas ou não, como pretendido pelos neogramáticos. O autor lista
palavras que, mesmo tendo sido configurado o ambiente fonético propício à aplicação da
regra de alteamento, não foram atingidas. Assim, evidenciou-se que a mudança sonora é
lexicalmente gradual, conforme postulado pelos difusionistas. Oliveira (1992) postula,
então, que, no seu estágio inicial, todas as mudanças sonoras são de caráter difusionista. A
regularidade neogramática viria nos estágios seguintes da mudança.
De acordo com Pereira (1997), no dialeto pessoense, a classificação morfológica
não pode ser usada como parâmetro para generalizações, pois a hipótese inicial, no que se
refere à interferência do aspecto morfológico no condicionamento das médias (através do
modelo da Difusão Lexical), não obteve aplicabilidade.
Leite et al (1994), com base em vários outros trabalhos, afirmam que, em todas as
análises, as consoantes adjacentes são também condicionadoras do processo de elevação.
Segundo Callou et al (1995), os processos de mudança relativos às pretônicas parecem
obedecer a duas regras distintas: uma de harmonização vocálica, processo de natureza
fonológica, principalmente em se tratando das variantes não-recuadas, e outra de
assimilação, de natureza fonético-articulatória, determinada pelas consoantes adjacentes,
que atinge as variantes recuadas. Sendo assim, mais um aspecto fonológico viria a ampliar
a observação do argumento em favor da regularidade neogramática.
Segundo Kerswill (2002, p.195), as mudanças lexicalmente condicionadas têm
recursos informacionais em mais de um nível lingüístico (particularmente morfológico,
mas também classes de palavras, além do ambiente fonológico), ou seja, é gramaticalmente
condicionada. Ainda segundo esse autor, as mudanças que resultam do contato dialetal
estão relacionadas à difusão lexical e as mudanças podem deixar de ser neogramáticas,
regulares, para serem lexicalmente condicionadas (lexicalmente graduais), ao contrário,
portanto, do que foi postulado por Oliveira (1992).
Um processo fonológico que atinge as vogais pretônicas na Paraíba, segundo
Pereira (1997), é o da harmonia vocálica, que pode explicar a variação em um grande
número de dados. Espera-se, desse modo, que, no contato entre paraibanos e cariocas, as
possibilidades de realização das pretônicas, que são sistematizadas com base nesse
princípio, sejam afetadas por outros condicionadores sociolingüísticos para que se faça
sentir o processo de acomodação.
2.1.2 As pretônicas na variedade oral do PE
Segundo Mateus (1982, p. 32), as vogais átonas do PE sofrem processos de
elevação e de centralização que culminam numa representação do tipo:
V - alt < + alt > α rec → - bx α arr + rec - ac
Para as vogais não-altas, o resultado dessa regra é:
a) as não-recuadas elevam-se e centralizam-se, neutralizando-se em []12;
b) as arredondadas elevam-se, neutralizando-se na forma [u];
c) a central eleva-se, mas sem se tornar alta, [].
Como produto do processo fonológico de elevação e centralização de /e, / em
posição átona (neutralização), segundo Mateus & d’Andrade (2000), o [] surge no sistema
do PE e sofre efeitos do processo de apagamento vocálico, dando origem a seqüências
consonânticas extensas (ex.: despregar [dp’ga], a partir de ~ [dp’ga]). Embora
freqüentemente eliminado em posição átona, o [] pode ser produzido em contextos
segmentalmente vazios no domínio fonológico, como preenchedor de uma posição métrica
vazia (ex.: anel [’n] ~ [’nl]), ou como projeção de um núcleo silábico vazio (ex.:
pneu [‘pnew] ~ [pnew]).
Miguel (1993) afirma que a vogal [], por ela designada ‘vogal fria’ (de acordo
com a teoria da “regência e do charme”13), ocupa um papel de destaque na fonologia 12 Nos estudos atuais sobre o vocalismo do português europeu, o símbolo [], conhecido como ‘schwa’, tem sido substituído por outro símbolo, pois esse corresponde, em outras línguas, ao segmento que tem características muito próximas às de um [] do PE. A adoção de um outro símbolo (o []) justifica-se em virtude de, no português europeu, as duas vogais contrastarem foneticamente (por exemplo, nos vocábulos ‘de’ e ‘da’). Em termos de traços, esta vogal é considerada alta e recuada, contrariamente à vogal [], que é [-alt] e [+rec], ou seja, é uma vogal tipicamente central. Por esse motivo, a partir de agora, será utilizado o símbolo [] para explicar o processo de centralização do PE.13 Teoria proposta por Kaye & Lowenstamm (1982) e, posteriormente, por Kaye, Lewenstamm & Vergnaud (1985 e 1987).
portuguesa e não deriva exclusivamente de vogais não-recuadas, como tinham proposto,
por exemplo, Mateus & d’Andrade (2000). Diz que [] é resultado também da redução de
[i], de [u] e de um núcleo vazio (ex.: definir ~ dfnir, futuro ~ ftúru, abstrato ~ ab
stratu), não contrasta com outra vogal na posição tônica e possui capacidade de ser
foneticamente zero.
De acordo com Delgado-Martins (1988, p. 131), no português de Portugal existe
uma diferença do número de vogais pretônicas a depender de sua posição na palavra, pois
em posição pré-pretônica, o quadro de oito vogais tônicas se reduz a quatro (/i, u, , /) e,
em posição pretônica, a seis (/i, u, , o, , a/).
Delgado-Martins (1988, p. 125) afirma que:
Em português, a mudança de lugar de acento é acompanhada por uma mudança do timbre da vogal. (…) temos em posição tônica as vogais [a] de fábrica, [i] de fabrica e [o] de fabricou. No entanto, quando o [a] deixa de ser tónico a vogal [a] passa a [ɐ] (…).As vogais quando passam de tônicas para átonas têm um timbre mais fechado, elevam-se e centralizam. Este processo é chamado de redução vocálica. No entanto, é um processo restrito ao português europeu, não se produzindo em outras variedades como no português do Brasil.
Para a autora, as vogais abertas são exceções à regra de redução (ex.: [prgar] [dir
tor] [adpção]). Segundo Rodrigues (2003, p. 31), no português europeu, as vogais átonas
sofrem processos de enfraquecimento, tais como elevação e centralização, desvozeamento
e queda, diferentemente de outras variedades do português, nomeadamente o falado no
Brasil.
Para o dialeto de Braga, Rodrigues (2004, p. 170) afirma que o
(…) [] aparece apenas em formas prefixadas (autocarro), em sílabas com coda lateral (voltar) e num conjunto reduzido de formas em que não houve neutralização (por exemplo, estrangeirismos com bobines, voleibol).
Conforme Rodrigues (2004, p. 168), no dialeto de Lisboa, as ocorrências da
pretônica
(…) [] dizem respeito a palavras em que a vogal faz parte de um prefixo acentuado, de uma sílaba com coda sonante, ou de uma palavra composta, que preserva a qualidade aberta da vogal acentuada na palavra de que deriva (propriamente, sozinha, laboviana).
Com relação à média aberta não-recuada, a autora afirma que há palavras que
costumam ser produzidas unicamente com [] (mulherzinha, beldade), mas que essa
realização é muito mais recorrente em Lisboa do que em Braga, em palavras que podem ter
/e/ átono como []. Afirma ainda que esse
(...) grupo de palavras, que é muito mais numeroso, contém /e/ e // realizados ora como [], ora como [i], ora como [] e, muitas outras vezes, sem vogal. Exemplos disso são as seguintes produções extraídas do corpus: [prti’u] ~ [prti’u] (pertinho), [pkini’nu] ~ [pikini’nu] ~ [pkni’nu] (pequenino) e [pso’] ~ [pso’] (pessoa).
No português europeu, se a vogal fonológica é média, foneticamente eleva-se e
centraliza-se simplesmente por ser átona. A harmonia vocálica no português europeu
atinge particularmente vogais acentuadas, marcando, assim, a diferença em relação à
harmonia de que se fala no português brasileiro. Casos de harmonia vocálica ocorrem, por
exemplo, na última vogal do radical verbal: movo como vogal foneticamente média
(fonologicamente é aberta, como se vê pela forma moves, que a preserva) porque a vogal
temática também é média. Outro caso que exemplifica o mesmo fenômeno é o de sirvo (vs.
serves), forma com vogal alta por influência da vogal temática alta (serv + i + r), que é
elidida. Segundo Andrade (1992), nesses exemplos dá-se a queda da vogal temática cujo
grau de abertura, no entanto, é projetado na vogal do radical.
Outros casos em que se pode falar da atuação do princípio de harmonia vocálica
no português europeu são os de metafonia (influência de uma vogal final átona sobre a
vogal tônica precedente), como, por exemplo, em gulosa e gulosas e gulosos, com vogal
aberta, e guloso, com vogal média, que mostram que a vogal fonológica é a aberta e que há
metafonia da vogal do radical, por influência da vogal final na forma do masculino
singular.
2.2 O contato entre dialetos: revisitando o tema
O homem sempre foi alimentado pela curiosidade de desvendar os segredos que
envolvem a linguagem. Em cada tempo, sob diferentes pontos de vista e atendendo a
interesses múltiplos, muitos estudos foram instaurados a fim de investigar os mistérios da
comunicação verbal, no afã de responder a indagações tais como o que é a língua, qual a
sua origem, como funciona e como se dá a sua transformação.
Muitos trabalhos foram desenvolvidos para tentar explicar os caminhos
percorridos pelas mudanças na linguagem. A Sociolingüística, a Dialectologia e a
Lingüística Histórica são preciosos aliados na incessante tarefa de resgatar e perenizar as
várias transformações lingüísticas ocorridas ao longo do tempo.
A variação, que é o escopo da muitos dos estudos linguísticos desde meados do
século XX, segundo Labov (1972), é sistemática e pode estar relacionada a divisões sociais
dentro de uma comunidade, tais como, por exemplo, classe e gênero. As mudanças podem
ser originadas de um grupo social particular baseado nessas divisões. Entretanto há
estudiosos que argumentam que a mudança lingüística se encontra no indivíduo
(MILROY, 1992; CROFT, 2000), pois, se uma inovação não passar de um falante para o
outro, não há mudança.
Segundo Câmara Jr. (1979, p. 11), uma diferenciação dialetal explica-se, sempre,
por um lado, pela história cultural e política e pelos movimentos populares e, por outro
lado, pelas próprias forças centrífugas da linguagem, que tendem a cristalizar as variações
e a criar a dialetação em qualquer território relativamente amplo e na medida do maior ou
menor isolamento das áreas regionais em referência ao centro irradiador.
Conforme Adant (1989, p. 181), o deslocamento geográfico possibilita o
desenvolvimento de dois grandes fenômenos lingüísticos: o primeiro refere-se a mudanças
de pronúncias regionais focalizadas para uma pronúncia difusa; o segundo ocasiona uma
divergência lingüística, por meio da qual um grupo de falantes se distingue dos demais
apresentando características de pronúncia regional.
Segundo Le Page (1980), a difusão dialetal é o resultado da mobilidade física e
social dos falantes e é encontrada em área de contato dialetal. A focalização, por sua vez,
ocorre em comunidades estabelecidas ao longo do tempo, cujos membros reconhecem em
sua forma de falar um sistema com características próprias.
Os estudos sobre o contato dialetal foram levados a cabo primeiramente na
Inglaterra, pois a mobilidade foi um fator determinante na demografia inglesa,
principalmente no que se refere à área rural, que sofreu um maciço movimento
populacional nos séculos XVII e XVIII.
Segundo Kerswill (2002, p. 196), o surgimento de uma dialectologia
sociolingüística remonta aos anos 60, com o estudo de Trudgill sobre Norwich, publicado
em 1974, que assinalou o movimento do rural para o urbano, com a convicção de que os
dados da fala, tanto os coletados quanto os interpretados, teriam de ser acompanhados de
informações sociais. A esse estudo seguiram os feitos em Glasgow (MACAULAY, 1977),
Edinburg (REID, 1978; ROMAINE, 1978) e Belfast (MILROY, 1977).
Sobre o inglês falado em Norwich, Trudgill (1974), analisando a sua própria fala
durante um entrevista sociolingüística, aponta evidências de que ele, como entrevistador,
acomodou mais ao informante, subconscientemente, que o contrário e afirma, pois, que
isso aconteceu porque pretendeu reduzir, o quanto foi possível, os efeitos do ‘paradoxo do
observador’ (LABOV, 1972).
Na Noruega, outro estudo que comprova essa questão é o de Jahr (apud Trudgill,
1986), que analisou seu uso de um certa quantidade de variáveis sintáticas em uma
investigação sobre a língua falada em Oslo e concluiu, portanto, que sua sintaxe foi, de
uma certa forma, influenciada pelo sexo e pela sintaxe do informante. Fato verificado
também por Shopen (apud TRUDGILL, 1986, p. 08), que encontrou que, no inglês falado
na Austrália, homens e mulheres utilizam uma pronúncia do mais alto status quando estão
falando com mulheres.
Em meados da década de 80, um importante trabalho sobre esse tema foi realizado
por Bortoni (1985), no Brasil. Seu objeto de estudo eram os migrantes originários da zona
rural da região do Alto Paranaíba, em Minas Gerais, e radicados em Brazlândia, cidade
satélite de Brasília. Nesse trabalho, foi verificada a aplicação da análise das redes sociais
ao estudo de variação e mudança lingüística, procurando demonstrar sua utilidade no caso
de comunidades jovens, em que há um intenso e variado contato dialetal. Em seguida,
observou-se o processo de difusão dialetal no repertório lingüístico dos informantes à luz
das características de suas redes sociais e observou que o processo de ajustamento
lingüístico e cultural do migrante à vida urbana é lento e que as variáveis lingüísticas de
seu dialeto seguem cursos evolutivos diferenciados.
Seguindo os passos de Bortoni (1985), Adant (1989) observou a fala de alagoanos
adultos residentes em Brasília há, pelo menos, dez anos e concluiu que os falantes que
convivem em redes sociais densas e homogêneas sofrem menos alterações que os falantes
adultos com as mesmas características sócio-demográficas, mas cujas redes de
comunicação são esparsas. Afirma ainda que as análises revelaram mudanças fonológicas
importantes, mas também a conservação do dialeto nordestino em grau significante.
No fim dos anos 80, consoante Kerswill (op. cit.), uma nova abordagem começou
a surgir dentro dessa tradição. O alvo passou a ser a variação urbana em um amplo
contexto geográfico, em vez de uma focalização limitada no contexto social de um único
centro ou cidade. Vários projetos foram implementados e o objeto de estudo passou a ser
migrantes ou a comparação entre centros urbanos. Muitos desses artigos apontam o
nivelamento dialetal como o principal motor por trás das mudanças no inglês britânico.
No início do século XX, questões relativas ao nivelamento foram arroladas pelos
dialectólogos Wred & Frings (1919), que atribuíram a esse processo lingüístico e à mistura
dialetal a destruição da regularidade e da não excepcionalidade das leis fonéticas dos
neogramáticos.
Segundo Milroy (2002), o nivelamento dialetal envolve a erradicação de variantes
sociais e localmente marcadas em condições de mobilidade geográfica ou social e é
resultante do contato dialetal.
Thomas (1997) descreve o nivelamento no Texas, que é uma parte dos Estados
Unidos que tem um clima quente e, por isso, têm recebido um grande fluxo de migrantes
internos na atualidade. Ele informa que os falantes rurais detêm dois traços estereotipados
do dialeto do Texas (variantes monotongadas em contexto particular de /ai/ como em dye e
a variante /e/ abaixada como em day), enquanto os falantes jovens dos centros
metropolitanos não têm essa variante localmente distintiva. Em geral, o nivelamento dá
lugar a uma maior homogeneidade lingüística (nesse sentido o dialeto distintivo
desaparece) e a tendência para as normas localizadas, apoiadas por uma estruturada rede
social, torna-se obliterada.
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA
Para que a pesquisa em questão pudesse ser realizada, foi necessária a construção
de dois corpora (um dos paraibanos residentes no Rio de Janeiro e o outro de brasileiros
vivendo em Lisboa), de onde foram extraídos os dados submetidos à análise. Após
passarem por um tratamento estatístico, com auxílio do pacote de programas VARBRUL
(1988), os dados produziram resultados percentuais e probabilísticos que diagnosticam o
panorama variocionista estabelecido.
A construção e a análise dos dados produzidos pelos corpora foram orientadas
pelos pressupostos teórico-metodológicos da Sociolingüística Quantitativa (ou laboviana) e
pelos estudos sobre os dialetos em contato de Trudgill (1986, p. 4), pois, juntos, permitem
a realização de um estudo mais detalhado sobre os processos envolvidos na acomodação.
No estudo do contato dialetal, a quantificação pode ajudar da seguinte forma:
a) verificando exata, e não impressionisticamente, o grau de acomodação
lingüística;
b) examinando os traços lingüísticos que estão ou não mudando durante a
acomodação;
c) observando se a acomodação é um processo uniforme, ou se tipos
lingüisticamente diferentes de acomodação ocorrem em casos de falantes diferentes,
situações ou relacionamentos diversos;
d) estudando quais os limites da acomodação, quais as restrições lingüísticas
(opostas às sociais e psicológicas) na acomodação e se é possível acomodar-se totalmente a
uma nova variedade.
Segundo Guy e Bisol (1991, p. 126):
Muitas vezes o componente explanatório de um artigo variacionista invoca um construto teórico importado de outras áreas de investigação lingüística. Isso está certo, pois, para a solução de um problema, buscam-se tantos recursos quantos forem necessários.
3.1 A teoria da variação
O fenômeno de mudança lingüística perpassa pelas mais variadas escalas
temporais, sendo uma discussão há muito iniciada. Diversas foram as explicações para sua
ocorrência, valendo ressaltar as inovações propostas pela sociolingüística variacionista
que, com eficiência, tem possibilitado o estudo sistemático da diversidade lingüística,
correlacionando aspectos sociais e estruturais a um determinado objeto de estudo.
Weinreich, Labov & Herzog (1968, p. 101-2), que construíram os pilares dessa
teoria com o texto Empirical foundations for a theory of language change (escrito entre
1966 e 1968), afirmam que, para estudar a mudança, é preciso saber quais são os fatores
que a condicionam; como e por quais caminhos a língua muda (transição) e por que; como
ela se encaixa no sistema circundante de relações sociais e lingüísticas; como os membros
de uma determinada comunidade lingüística avaliam a mudança; e quando e onde
determinada mudança foi implementada. Ou seja, deve-se dar conta de cinco questões que
norteiam este tipo de estudo, que são: o problema das restrições (the constraint problem),
o problema da transição (the transition problem), o problema do encaixamento (the
embedding problem), o problema da avaliação (the evaluation problem) e o problema da
implementação (the actuation problem).
O problema das restrições: investigam-se o conjunto e as condições de
possíveis mudanças que podem acontecer numa estrutura de um determinado tipo, pois o
processo de mudança lingüística raramente é um movimento de um sistema inteiro para
outro, e sim o movimento de um conjunto limitado de variáveis sociolingüísticas de um
sistema que altera gradualmente seus valores modais de um pólo a outro.
O problema da transição: deve-se observar a mudança lingüística como fazendo
parte de um continuum. O recurso utilizado por Labov (1972) para superar a idéia de que
só a homogeneidade é estruturada foi o de procurar entrever a mudança em progresso na
variação observada na língua num determinado momento, o que ele definiu como o estudo
da mudança no tempo aparente. Assim, o estudo da mudança na análise sincrônica abre os
caminhos para a definitiva superação da dicotomia saussureana entre sincronia e diacronia.
Desta forma, a mudança era estudada como fazendo parte de um continuum.
O problema do encaixamento: os variacionistas reconheceram que uma análise
estritamente lingüística é insuficiente para dar conta da mudança, sendo necessária a
interação desse sistema com a estrutura social da comunidade de fala. Dividiram, deste
modo, o problema do encaixamento em dois ramos complementares: o encaixamento na
estrutura lingüística e o encaixamento na estrutura social. Com base na comunidade de
fala, a partir da qual se pode observar o processo das mudanças lingüísticas. Conforme
Labov (1989, p. 02),
A comunidade de fala tem sido definida como um grupo de falantes que compartilham um conjunto de normas para a interpretação da língua refletida no seu tratamento de variáveis lingüisticas: modelos de estratificação social, mudança estilística e avaliações subjetivas14.
Cada comunidade de fala possui um perfil particular, mas, através da comparação
dos estudos feitos em uma comunidade com os de outra comunidade, pode-se ter uma idéia
dos universais da variação, ou seja, o(s) elemento(s) ou fator(es) que rege(m) determinado
fenômeno variável.
14The speech community has been definied as an aggregate of speakers who share a set of norms for the interpretation of language, as reflected in their treatment of linguistic variables: patterns of social stratification, style shifting, and subjective evaluations.
O problema da avaliação: propõe-se que os estágios iniciais da mudança estão
abaixo do nível de consciência social e os falantes não os percebem. Em estágios
posteriores, conforme Labov (1982, p. 80), desvios estilísticos começam a aparecer, bem
como a estratificação social. Sendo assim, o falante avalia positivamente as formas com as
quais se identifica dentro do grupo social a que pertence, ou as de um grupo que, para ele,
é de prestígio, mas podendo, inconscientemente, produzir formas que julga ter uma
avaliação social negativa.
O problema da implementação: centra-se na dificuldade que estudos anteriores
encontraram em determinar a direção que a mudança toma na estrutura social. Durante
muito tempo,
pensou-se que a mudança se desenvolveria de baixo para cima na escala social (lei do menor esforço e teoria dos substratos). Por outro lado, a idéia de que a mudança poderia se propagar através da imitação15 conduz a uma posição diametralmente oposta: a mudança partiria das classes mais altas de maior prestígio social em direção às classes mais baixas. (LUCCHESI, 1998, p. 205)
Labov (1972), por meio de estudos empíricos, descobriu que o padrão da mudança
em progresso, encontrado em estudos nos centros urbanos, era que o grupo mais inovador
nos processos de mudança provinha dos grupos sociais intermediários e que, ao contrário
das correntes anteriores, que atribuíam ao movimento da mudança uma direção de cima
para baixo, ou vice-versa (gráfico retilíneo), a direção da implementação da mudança
diagnosticada por Labov delineava um gráfico curvilíneo.
O fato de a língua ser intrinsecamente um elemento que se modifica, que se
transforma e é transformada por uma sociedade, faz com que a resposta a um
questionamento levantado pelo problema da implementação possa ser respondido: Por
15 Bloomfield apud Lucchesi, 1988:205.
que uma dada mudança ocorreu em um momento e em um lugar determinados e não em
outro momento e/ou em outro lugar?
Ao formularem os fundamentos empíricos para uma teoria da mudança lingüística,
Weinreich, Labov & Herzog (1968) combateram a abordagem do indivíduo como agente
da mudança, quando dedicaram um espaço considerável à proposta de substituir o dialeto
do indivíduo (idioleto) pelo do grupo social como locus para o estudo da linguagem.
A questão do idioleto foi, anteriormente a Weinreich, Labov & Herzog (op. cit.),
defendida pelo neogramático Hermann Paul (1880). Segundo Paul, o verdadeiro objeto do
lingüista é a amplitude das manifestações da atividade de fala em todos os indivíduos em
sua interação mútua, devendo-se distinguir tantas línguas quantos indivíduos houver.
Isolou o indivíduo, objetivando fazer com que a lingüística interagisse com a psicologia.
Contudo o preço de tal isolamento foi a criação de uma oposição irreconciliável entre
indivíduo e sociedade, pois o autor considera que as línguas variam de acordo com o
indivíduo (idioleto) e não em conformidade com um grupo de falantes.
Weinreich, Labov & Herzog (1968, p. 188), ao contrário de Paul, propõem que a
mudança lingüística deve ir além dos limites do indivíduo, pois deve lidar com nada menos
que a maneira pela qual a estrutura lingüística de uma comunidade complexa se transforma
no decorrer do tempo. Advogam ainda que as gramáticas nas quais a mudança lingüística
ocorre são gramáticas da comunidade de fala.
Segundo Severo (2004), o indivíduo tem importância nessa teoria, mas exerce um
papel secundário em relação à comunidade de fala. Para Labov (2000, p. 34), o indivíduo
“pode apenas ser entendido como produto de uma história social singular e como a
interseção dos padrões lingüísticos de todos os grupos sociais e categorias que definem
aquele indivíduo”. E, uma vez que os atos de comunicação não se sustentam em
realizações individuais, ele considera que “o indivíduo não existe como objeto lingüístico”.
Segundo Severo (2004, p. 59),
O indivíduo que a teoria trata é aquele que pode ser caracterizado mediante escolaridade, idade, gênero, profissão… e cuja fala retrata duas realidades interdependentes: a social e a lingüística, essa última no que diz respeito ao processo de mudança. A fala do indivíduo é a fala do grupo, da comunidade a que pertence. (…) os indivíduos podem assumir um papel importante à medida que, dependendo do seu lugar de prestígio na sociedade, lideram a mudança.
Guy (2001, p. 8), sobre a comunidade de fala, levanta algumas questões: a) quais
seriam os limites internos de uma comunidade? b) até que ponto uma comunidade de fala
seria caracterizada pelo seu uso lingüístico? Por meio da observação de aspectos
quantitativos e qualitativos, chega à conclusão de que
em assuntos de variação, diferenças entre comunidades de fala correspondem a diferenças gramaticais, ou seja, diferenças em efeitos contextuais. Ao mesmo tempo, diferenças entre indivíduos dentro da mesma comunidade de fala devem ser de natureza não-gramatical, ou seja, diferenças no nível geral de uso ou não de um fenômeno variável.
Estudos sociolingüísticos labovianos do tipo painel permitem verificar o papel do
indivíduo na mudança ou estabilidade do sistema lingüístico. Esse tipo de estudo tem como
objetivo buscar evidências para eventuais mudanças lingüísticas em tempo real. Segundo
Oliveira e Silva (1996, p.357), “evidente sob perspectiva diacrônica, o conceito de
mudança torna-se difuso ao tentarmos capturá-lo num recorte sincrônico”.
Aliado ao estudo do tipo painel, há os do tipo tendência. O primeiro consiste em
avaliar a trajetória do indivíduo através do tempo, enquanto um estudo do tipo tendência
permite avaliar a trajetória da comunidade. Segundo Labov (1994, p. 63), “a combinação
de evidências no tempo aparente e no tempo real é o método básico para o estudo da
mudança em progresso”. Segundo Paiva & Duarte (2003), diversos aspectos e algumas
questões centrais com relação à mudança lingüística só podem ser tratados através da
comparação do comportamento de um fenômeno variável em diversos pontos do tempo.
Consoante Severo (2004, p. 59),
nos estudos do tipo painel, salienta-se a importância de entrevistas com os mesmo indivíduos; no caso da variável estilística, questiona-se em que extensão as variações nas falas dos indivíduos podem acarretar mudança; em relação à avaliação lingüística, fica claro o lugar do indivíduo, no que diz respeito às atitudes que compartilha frente à língua, especialmente frente às variantes identificadas como estereótipos e marcadores.
Labov (1972) notou que, em muitas comunidades de fala, algumas variáveis
lingüísticas estão sujeitas tanto a variações de classe social quanto estilísticas. A tais
variáveis ele chamou de ‘marcadores’ (markers). Outras, porém, estão sujeitas
simplesmente a variações de classe social; a essas rotulou de ‘indicadores’ (indicators).
Observou que os ‘marcadores’, que são chamados de estereótipos, são mais facilmente
acionados na consciência do falante do que os ‘indicadores’. O alto grau de consciência
associado aos ‘marcadores’ leva os falantes a modificarem sua pronúncia em situação de
fala monitorada.
No estudo sobre a ilha de Martha’s Vineyard, Labov (1966, p. 9) observou as
diferenças na altura do primeiro elemento dos ditongos /ay/ e /aw/. Em vez do padrão
comum do sudeste de New England [aI] e [aU], ouve-se, freqüentemente, na ilha, [I] e [
U], ou então [I] e [U]. Este traço de ditongos centralizados é saliente para o lingüista,
mas não para muitos falantes, como os nativos vineyardenses, que, por não terem
consciência desse traço, são aparentemente imunes a distorções conscientes. O estudo
demonstrou, portanto, que a variante conservadora, não-padrão e estigmatizada é a forma
lingüística mais forte dentro dessa comunidade. As atitudes lingüísticas foram as armas
usadas pelos residentes contra a exploração econômica decorrente d a invasão dos
veranistas e para demarcar seu espaço, sua identidade cultural, seu perfil de comunidade,
de grupo social separado.
Quarenta anos mais tarde, Blake e Josey (2003) resgataram o trabalho de Labov
com um novo conjunto de dados e fizeram uma análise sociolingüística apenas do ditongo
/ay/, por ocorrer abundantemente na fala, por ser saliente para o lingüista e por estar abaixo
do nível de consciência do falante, o que evitaria distorções. Os resultados sugerem uma
mudança no padrão lingüístico observado por Labov que os autores argumentam estar
ligada a uma reestruturação sócio-econômica e de mudanças ideológicas que tomaram
lugar na ilha. A centralização do /ay/, nesse novo estudo, portanto, não aparece como um
contraste social.
Bell (1997) questiona se realmente é a atenção dada à própria produção oral que faz
com que o falante alterne seu estilo, e, por causa disso, possa usar, conscientemente, a
forma lingüística não padrão. Propõe, então, que observar o tipo de ouvinte para quem este
estaria destinando a sua mensagem seria uma melhor opção de verificar a alternância do
estilo de um falante. Bell observou a fala de locutores em duas estações de rádio da Nova
Zelândia. Os mesmos locutores trabalhavam simultaneamente nas duas estações e,
concomitantemente, num mesmo ambiente de trabalho: rádio YA (status social mais alto) e
rádio ZB (rádio da comunidade local). Percebeu que um único locutor alterna seu estilo
quando muda de estação. O que justificaria essa alternância de estilo seria a audiência
pretendida para cada estação, já que as condições de trabalho são inalteráveis para as duas
estações.
Na conversação comum, ainda segundo Bell (op. cit.), o empenho para conseguir a
audiência de alguém é similar ao dispensado pelos meios de comunicação, embora em
menor grau. Esse tipo de observação foi desenvolvido para dar conta tanto da comunicação
face a face quanto da comunicação em massa.
A noção de comunidade de fala e de indivíduo, segundo Severo (2004, p. 60), não
são cristalizadas e têm sofrido várias críticas no que diz respeito à dificuldade de definição,
especialmente de comunidade de fala. Segundo Figueroa (1994 apud SEVERO, 2004,
p.60), “a comunidade de fala não é uma entidade fácil de definir de uma forma não trivial”.
Nos anos 60, os trabalhos iniciais de Labov, sobre a comunidade de fala em
Martha’s Vineyard e na cidade de New York, resultaram em um impressionante avanço
teórico para o entendimento da variação e da mudança, embora, atualmente, soem como
trabalhos restritos, pois não levam em conta os efeitos do contato. A noção de comunidade
de fala, concebida como uma abordagem que não atende ao contato entre comunidades ou
ao cruzamento de influências acarretadas pela mobilidade e acesso ao conhecimento da
prática lingüística local de outros, tem recebido várias críticas.
Mendonza-Denton (1999), observando falantes latinos nos Estados Unidos, tem
criticado a tendência dos estudos baseados em comunidades de fala como entidades
autônomas de tratar grupos minoritários como se eles fossem isolados do contato com
outros grupos.
Considerando o conjunto de pesquisas realizadas nos Estados Unidos, Wolfram &
Schilling-Estes (1998, p. 169), perceberam que as publicações sobre o inglês afro-
americano são cinco vezes maiores do que de outros grupos étnicos ou regionais (cf.
DANNENBERG & WOLFRAM, 1998; RICKFORD, 1999; WOLFRAM & BECKETT,
2000). Apesar de constantes estudos, segundo Milroy (2002), ainda há lacunas nessa
grande literatura, pois, quando consideram as comunidades afro-americanas como grupos
separados, os pesquisadores têm tendido a focalizar-se na distintividade do dialeto e não
observam os resultados do contato, apesar da diáspora e da constante migração na história
da população afro-americana.
A abordagem de dialetos em contato, portanto, iniciada por Trudgill (1973),
descreve situações lingüísticas envolvendo mobilidade social e espacial de um modo que a
perspectiva laboviana não tem sido capaz de explicar.
3.2 A acomodação dialetal
A teoria da acomodação, desenvolvida por Howard Giles (1973) e outros como ele,
psicólogos sociais, buscam determinar como os falantes se acomodam lingüisticamente ao
interlocutor e por que algumas situações e alguns indivíduos produzem mais ou tipos
diferentes de acomodação do que outros. Ou seja, volta-se para a investigação das atitudes
e motivações que estão subjacentes ao uso da língua e das estratégias lingüísticas usadas
pelos falantes com o objetivo de atingir e garantir integração social e preservar a
identidade de grupo.
Essa teoria tem base na fala e discute e tenta explicar por que os falantes modificam
sua língua na presença de outros, ou seja, encara o falante como agente da mudança. Ela
também examina os efeitos e os custos desse tipo de modificação. A partir de situações
conversacionais, Giles conclui que, se o emissor em uma situação dialógica quer ter a
aprovação do receptor, ele terá que adaptar seu padrão de fala ao da outra pessoa,
procurando reduzir as dessemelhanças. A esse processo ele dá o nome de “convergência de
sotaque” e ao processo reverso, de “divergência de sotaque”, que pode ocorrer caso os
falantes queiram estabelecer uma desassociação entre eles, mostrando a não aprovação de
um em relação à fala do outro.
Tais processos de convergência e divergência podem ocorrer claramente não só em
nível lexical mas também em nível gramatical e fazem parte, segundo Coupland (1984), de
um padrão mais amplo de modificação de comportamento sob a influência de um e em
resposta ao outro. O trabalho de Giles (1973) dispensa considerável importância aos
aspectos da convergência e divergência em contatos de curta duração (short-term) e do
ajustamento do falante na escala de valores sociais (de alto para baixo prestígio
lingüístico). Ele e seus colaboradores têm a atenção voltada para explorar que fatores estão
envolvidos na determinação de quem domina quem; por que os falantes fazem isso; em que
extensão eles o fazem; e como isso é percebido por outros.
Sob a perspectiva do lingüista, contudo, a acomodação pode ocorrer também entre
sotaques que diferem regional mais do que socialmente e pode ocorrer tanto em nível de
longa duração (long-term) como em nível de curta duração (short-term). Nos contatos de
longa duração, quem se acomoda a quem é menos problemático, visto que, na maioria dos
casos onde esse fenômeno está ocorrendo, lida-se com contato entre falantes de diferentes
variedades regionais e com indivíduos regionalmente móveis ou grupos de minorias que se
acomodam, no long-term, a uma maioria não móvel. O problema então é determinar como
os falantes se acomodam, a extensão e por que algumas situações e alguns indivíduos
produzem mais, ou tipos diferentes de acomodação do que outros. Sendo assim, a
acomodação de longa duração é de considerável interesse para o lingüista.
Pesquisas que investigam a variação e mudança lingüística sob os efeitos da
migração nas comunidades contemporâneas têm adquirido cada vez mais espaço na
paisagem sociolingüística. Em meados dos anos 80, o estudo dos Dialetos em contato,
iniciado por Trudgill (1986), com base nas idéias de Giles, abriu caminho para inúmeros
trabalhos, com bases similares, sobre a koineização, a mudança por contato induzido e a
formação de novos dialetos de uma forma independente em muitos lugares ao redor do
mundo.
Trudgill (1986), com base nos seus estudos, percebe que há traços que são
alterados durante o processo e outros que não mudam; comportam-se, enfim, de formas
diferentes. Observa, então, com base nos estudos de Labov (1972), que, em muitas
comunidades de fala, algumas variáveis lingüísticas são sujeitas concomitantemente a
variações de classe social e estilo: são os marcadores (markers). Outras variáveis são
sujeitas simplesmente à variação de classe social: são os indicadores (indicators).
Auer et al (1998) afirmam que a saliência é um bom prognóstico da perda e
aquisição de traços de um dado dialeto por falantes de um outro dialeto. Percebem, pois,
que o que é percebido por um falante como ‘saliente’ em uma variedade é substituído mais
facilmente e mais rápido por outra do que o que é percebido como ‘não-saliente’. Afirmam
ainda que traços ‘mais salientes’ da variedade do falante podem ser perdidos mais
rapidamente do que os que são ‘menos salientes’.
Como as variáveis fonológicas, por exemplo, são percebidas como mais salientes?
Segundo Trudgill, durante a acomodação, de fato, traços salientes da variedade alvo são
ajustados a um número de fatores combinados que retardam ou aceleram a acomodação.
Esses fatores produzem, no contato entre dois dialetos, uma hierarquia de traços e levam a
acomodação em long-term a seguir rotas fixas. Faz um levantamento de uma série de
fenômenos fonológicos e chega a determinar uma hierarquia (do mais para o menos
saliente) de acordo com as características de cada um desses fenômenos:
a) as variáveis têm ao menos uma variante que é abertamente estigmatizada;
b) a variável tem uma variante de alto status refletida na ortografia;
c) a variável está passando por mudança lingüística;
d) as variantes são foneticamente diferentes;
e) as variantes estão envolvidas na manutenção do contraste fonológico na
acomodação da variedade do falante.
Conforme Trudgill (1986, p. 24), se a acomodação segue uma rota fixa e se este
tipo de regularidade pode ser observado em outras situações de acomodação, isto abre a
possibilidade não só de que será possível fazer sensíveis generalizações sobre o processo
de acomodação como um todo mas também que deve ser possível, dada uma comparação
entre duas variedades, prever que forma de acomodação entre elas acontecerá. Se for
assim, então deve ser possível prever e explicar que traços sobreviverão, ou não, no
contato dialetal e nas situações de mistura dialetal também.
A difusão de formas lingüísticas de uma área geográfica para outra é resultante da
acomodação. Trudgill (1986, p. 40) afirma que a interação face a face é necessária antes de
a difusão se estabelecer, precisamente porque é apenas durante essa interação que a
acomodação ocorre. Observa que a difusão toma lugar, presumivelmente, em uma primeira
ocasião, quando um falante emprega um novo traço na ausência de falantes da variedade
que originalmente contém esse traço.
Se a difusão resulta da acomodação, então espera-se (TRUDGILL, 1986, p. 43)
que traços salientes sejam mais difundidos, e mais rapidamente do que os não-salientes. A
velocidade vai depender do grau de saliência e do número e força dos fatores de inibição
e/ou aceleração que são relevantes em cada caso.
A acomodação, segundo Trudgill (1986, p. 62), pode ser incompleta. Nesse caso,
ela se apresenta de três diferentes formas. Falantes podem reduzir as pronúncias
dissimilares às de outros falantes:
a) alternando sua própria variante com as dos outros falantes;
b) por usar a variante de outro falante em algumas palavras e não em outras;
c) usando pronúncias intermediárias entre as duas que estão em contato.
Trudgill (op. cit.) afirma que as três possibilidades podem ocorrer em conjunção
umas com as outras, podendo resultar em um número complexo de conseqüências
lingüísticas, incluindo o desenvolvimento de formas interdialetais, tais como formas
intemediárias, hipercorreções e hiperdialetalismo16, que estão envolvidos na formação de
novos dialetos derivados do contato.
3.3 Os corpora
O estudo em questão visa a descrever o comportamento de indivíduos fora do seu
contexto original, objetivando verificar as mudanças lingüísticas provenientes de uma
situação de contato dialetal. O fato de não existirem conjuntos de dados disponíveis
motivou a criação de dois arquivos sonoros que pudessem fundamentar este trabalho.
As entrevistas foram realizadas com informantes aleatoriamente selecionados,
buscando extrair o máximo possível da espontaneidade do seu discurso. Têm entre 30 e 40
minutos de conversa informal. Não houve um local específico para as suas realizações,
tendo sido aproveitado, portanto, qualquer tempo disponível do entrevistado, onde quer
que ele estivesse.
As perguntas versaram sobre as experiências dos entrevistados em seu novo lugar
de moradia e trabalho, sobre os contatos interpessoais estabelecidos, sobre a sua vida na
cidade natal e empregos e sobre seus planos e sonhos para o futuro.
Um dos corpora é constituído pela fala de informantes paraibanos residentes no
Rio de Janeiro há mais de um ano ininterrupto. O outro é formado pela fala de brasileiros
que vivem em Lisboa, também há mais de um ano. Todos os informantes migraram depois 16 Hiperdialetalismo é uma forma de hiperadaptação, a mais conhecida forma de hipercorreção. Hipercorreções consistem em adotar a variedade de maior pretígio, exageradamente, levando à produção de formas que não ocorrem na variedade alvo (TRUDGILL, 1986:66).
dos quinze anos de idade. Todos são homens de profissões diversas, idades diversas, anos
de escolarização diversos e tempo de moradia no local para onde migraram e atividade
ocupacional antes da migração também diversos.
O corpus formado por paraibanos (colhido de 08/2003 a 12/2004) é composto
pelo vernáculo produzido por vinte e um informantes. O dos brasileiros (colhido de 01 a
07/2005) é composto por dez informantes. Todos esses informantes foram selecionados de
forma aleatória e no seio da comunidade em que residiam no momento da entrevista (Rio
de Janeiro ou Lisboa). Procurou-se evitar os guetos, dando preferência, portanto, àqueles
cidadãos que estavam, de uma certa forma, integrados, misturados na comunidade onde se
propuseram a viver.
Segundo Bell (1997), com o estudo sobre o interlocutor como motivador da
mudança de estilo do falante, o falante projeta seu estilo primeiramente para ou em
resposta ao seu interlocutor. Isso é visível quando um falante alterna seu estilo para ser
mais parecido com a pessoa com quem está falando – isto é chamado ‘convergência’ nos
termos da Teoria da Acomodação da Comunicação/ Fala desenvolvida por Giles (1973) e
associados.
Sendo assim, os entrevistadores, para o caso dos paraibanos, eram nordestinos e,
para o caso dos brasileiros, o entrevistador era brasileiro. Desta forma, o informante ficaria
mais à vontade, mais natural, sem pressões sociais e, assim, evitava-se o máximo possível
a variação artificial da fala do entrevistado, pois o objetivo desta tese é capturar as
mudanças reais, involuntárias, da produção oral desses migrantes, as que já estão
implementadas, acomodadas no seu arcabouço lingüístico.
3.4 Caracterização dos informantes
Os informantes paraibanos que participaram deste estudo são todos do sexo
masculino e chegaram ao Rio de Janeiro depois dos 15 anos de idade. A metade do grupo
dos informantes é proveniente da região da Mata Paraibana e a outra metade, da região do
Semi-árido. Muitos deles, antes de migrar, trabalhavam na zona rural (na roça). Os outros
informantes eram de estudantes a negociantes. Todos trabalham e moram na região
metropolitana do Rio de Janeiro, em sua grande maioria na Zona Sul. Todos eles são
classificados conforme sua faixa etária, anos de escolarização e tempo de moradia no lugar
para onde migraram, da seguinte forma:
• Segundo a Faixa Etária:
a) de 15 a 25 anos (8 informantes);
b) de 26 a 49 anos (10 informantes);
c) de 50 anos em diante (3 informantes).
• Segundo os Anos de Escolarização:
a) de 0 a 4 anos (8 informantes);
b) de 5 a 8 anos (4 informantes);
c) de 8 a 11 anos (4 informantes);
d) de 11 anos em diante (5 informantes).
• Segundo o Tempo de Residência no Rio de Janeiro:
a) de 1 a 4 anos (5 informantes);
b) de 5 a 10 anos (10 informantes);
c) mais de 10 anos (6 informantes).
A seguir, apresenta-se ver a distribuição dos informantes segundo cada um desses
fatores:
Quadro 6: Distribuição dos migrantes paraibanos
Nome Faixa Etária
Anos de Escolariza-
ção
Tempo de Residência no Rio de Janeiro
Município da Paraíba
de onde emigrou
Zona de onde
emigrou
Profissão anterior à migração
Profissão atual
AQS (a) (a) (a) Cajá Mata Negociante PorteiroLMS (a) (a) (a) Areial Semi-árido Negociante PorteiroTJS (a) (b) (a) Cabaceiras Semi-árido Agricultor ZeladorMPS (a) (b) (b) Areial Semi-árido Empreiteiro Porteiro
JR (a) (b) (b) Junco do Seridó Semi-árido Padeiro Porteiro
SZ (a) (b) (b) Pedra de Fogo Mata Agricultor Balconista
JLS (a) (c) (a) Aroeiras Semi-árido Estudante CaixaGVO (a) (c) (b) Bayeux Mata Recreador Segurança
SS (b) (a) (b) Itapororoca Mata Agricultor Porteiro
JES (b) (a) (b) Santa Rita MataAuxiliar de
serviços gerais
Porteiro
AGF (b) (a) (c) Fagundes Semi-árido Agricultor AtendenteVB (b) (a) (c) Fagundes Semi-árido Agricultor PorteiroIM (b) (a) (c) Queimadas Semi-árido Agricultor Porteiro
FTS (b) (c) (b)Cruz do Espírito Santo
Mata Agricultor Porteiro
JV (b) (d) (a) João Pessoa Mata Professor ProfessorPAG (b) (d) (b) João Pessoa Mata Estudante Dentista
FRG (b) (d) (b) Cacimba de Dentro Semi-árido Estudante Dentista
AMA (b) (d) (b) João Pessoa Mata Estudante Bailarino
FAM (c) (a) (c) Campina Grande Semi-árido Agricultor Vigia
STS (c) (c) (c) Mari Mata Estudante Frentista
HN (c) (d) (c) Conceição do Piancó Semi-árido Agricultor Garçon
Como se pode perceber, os informantes são provenientes de variados pontos do
Estado da Paraíba, que é composto por 223 municípios divididos em 23 microrregiões e,
segundo Melo e Rodriguez (2003, p. 07), em quatro Mesorregiões17:
17 O IBGE define Mesorregião “como sendo uma área individualizada em uma Unidade da Federação, que apresenta formas de organização do espaço definidas pelas seguintes dimensões: o processo social como determinante, o quadro natural como condicionante e a rede de comunicações e de lugares como elemento da articulação espacial”.
• Mata Paraibana: parte leste do Estado, constituindo 9,3% do território
paraibano. Tem o predomínio de pesca, monocultura canavieira e produção
de abacaxi, coco, inhame (cará) e tem, em João Pessoa, a maior
concentração de serviços do estado. Sua densidade demográfica é de 228,15
hab/km2.
• Agreste Paraibano: constitui 23,1% do território e tem 88,35 hab/km2.
Vive da policultura alimentícia e da pecuária extensiva de corte.
• Borborema: com 27,5% do território, possui a menor densidade
demográfica do estado: 17,88 hab/km2. Nessa mesorregião, está localizado o
Cariri paraibano, uma das regiões mais secas do Brasil. Fragilizada
ambiental e socialmente, apresenta um alto índice de emigração. O clima
semi-árido, predominante na região, determina a ocorrência de rios
temporários, cuja deficiência hídrica se deve às elevadas temperaturas e à
escassez e irregularidade das chuvas.
• Sertão Paraibano: parte mais oeste do estado, ocupa a maior área da
Paraíba, com 40,1% do território, possui uma densidade demográfica de
36,22 hab/km2. Predominam aí a pecuária bovina de corte bem como a
agricultura (sobretudo a cotonicultura), que é irrigada pelos açudes.
Figura 3: Mapa das Mesorregiões da Paraíba
Da esquerda para a direita: Sertão, Borborema, Agreste e Zona da Mata.
Metade dos informantes é proveniente da Zona da Mata paraibana e a outra metade
da região do Semi-árido, que se estende por cerca de 4/5 da superfície do território,
abrangendo as regiões do Sertão, Cariri e Seridó (microrregiões de Borborema) e
Curimataú (microrregião do Agreste), fazendo parte, portanto, do Polígono das Secas.
Os informantes brasileiros, residentes em Lisboa (Portugal) há mais de um ano
ininterrupto, são classificados, também, conforme a faixa etária, a escolaridade e o tempo
de residência em Lisboa, da mesma forma que os paraibanos. Apenas a faixa etária foi
observada de uma forma diferente, de forma a distribuir melhor os informantes:
Faixa etária:
a) de 15 a 30 anos (3 informantes);
b) de 31 a 49 anos (6 informantes);
c) de 50 anos em diante (1 informantes).
Quadro 7: Distribuição dos imigrantes brasileiros
Nome Faixa Etária
Anos de Escola-rização
Tempo de Moradia
em Lisboa
Estado Brasileiro
Região Brasileira
Profissão Anterior
Profissão Atual
MAR (a) (c) (a) Paraná Sul Balconista Empreiteiro
RAF (a) (c) (a) Espírito Santo Sudeste Estudante Empreiteiro
AGN (a) (c) (a) Goiás Centro-Oeste Comerciante Comerciante
WAL (b) (c) (a) Espírito Santo Sudeste Designer de
camisetas Garçon
VLA (b) (c) (a) Espírito Santo Sudeste Produtor
artístico Cozinheiro
FEL (b) (c) (c) São Paulo SudesteFuncionário
de uma empresa
Segurança
CRH (b) (d) (b) São Paulo Sudeste Estudante Professor de música
FAU (b) (d) (b) São Paulo Sudeste Ator RecreadorLAU (b) (d) (c) Paraná Sul Ator Cabeleireiro
DUD (c) (d) (c) Pernambu-co Nordeste Jornalista Jornalista
3.5 Procedimentos e passos da análise
A sociolingüística variacionista utiliza técnicas de análises quantitativas que
demonstram a importância dos contextos social e lingüístico na variação. Segundo Labov
(1994, p.25), a “teoria da probabilidade para os dados permite-nos extrair a mais alta ordem
de regularidade que governa a variação em uma comunidade”18.
O modelo teórico-metodológico da sociolingüística extrai as regularidades e
tendência dos dados e resolve muitas das dificuldades analíticas associadas aos julgamentos
intuitivos usados em outros paradigmas. Desta forma, um modelo em que a língua seja
vista como uma estrutura heterogênea ordenada elimina a busca dos falantes ideais e torna
as comunidades lingüísticas acessíveis àqueles que se interessam pelo estudo da língua.
Segundo Moreno (1994, p.95), o método variacionista calcula a probabilidade de
um dado traço lingüístico ocorrer em situações lingüísticas, sociais e contextuais
específicas. Com base nessa freqüência de dados, reunidos de um grupo de falantes, um
modelo teórico é criado para observar as probabilidades com que um certo fenômeno se
manifesta quando um conjunto de circunstâncias converge. A estatística marca a extensão
em que as probabilidades calculadas melhor explicam o fato lingüístico.
O primeiro modelo probabilístico aplicado às análises lingüísticas é baseado em um
modelo aditivo lógico-multiplicativo:
p = po x pi x pj x…
1-p 1-po 1-pi 1-pj
Segundo Carrera-Sabaré (2002), os avanços matemáticos da sociolingüística
foram complementados para poderem ser aplicados em computadores que calculariam o
18 “probability theory to the data allow us to extract higher-order regularities that govern variation in the community”.
desempenho estatístico dos dados. Dois programas que seguem essa linha de pesquisa são:
VARBRUL, para PC e Vax, e GOLDVARB, para Windows e Macintosh.
Para este trabalho, uma vez codificados, os dados foram submetidos ao pacote de
programas VARBRUL (PINTZUK, 1988)19, que são programas que trabalham com o
modelo logístico descritivo. Segundo Scherre (1994, p.130),
o pacote VARBRUL20 é constituído por um conjunto de 10 programas feitos nas linguagens PASCAL e FORTRAN. (...) Produzem como produto final resultados numéricos associados aos diversos fatores dos grupos de fatores ou variáveis independentes, que medem o peso relativo de cada fator no fenômeno variável sob análise. Juntamente com os pesos relativos, os programas apresentam também valores percentuais e medidas estatísticas diversas que indicam se os grupos de fatores considerados pelo pesquisador são significativos do ponto de vista estatístico. É conveniente salientar novamente que os resultados em si obtidos pelos programas só têm valor estatístico. O seu valor lingüístico é atribuído e interpretado pelo lingüista. (...) Nunca é demais repetir que a estatística é apenas um instrumento valioso que pode nos auxiliar a entender um pouco mais o comportamento de fenômenos lingüísticos variáveis.
Segundo Guy (1988, p.31), na análise quantitativa, cada fator recebe um “peso”
(“valor do fator” ou “probabilidade”) – um número entre zero e um que caracteriza o efeito
deste sobre a regra variável em questão. Em uma rodada binária, o peso de .50 é o valor
que indica neutralidade do fator observado, ao passo que índices superiores a esse valor
demonstram maior probabilidade de aplicação da regra e os inferiores indicam que o fator
não é favorável à aplicação de tal regra.
Tendo em vista o fenômeno variável em questão, foi realizado um recorte nas
entrevistas, em que foi extraído todo o material existente nos corpora necessário para essa
19 Copyright 1986, 1987, 1988 por Susan Pintzuk. Baseado nos algoritmos e programas escritos por David Sankoff e Pascale Rousseau.20 Há uma versão para Windows, mais nova, que é o GOLDVARB.
pesquisa, ou seja, todas as ocorrências vogais pretônicas /e/ e /o/, em contextos do tipo CV,
CCV, CVC, CCVC, para proceder, posteriormente, à sua análise.
Primeiramente, foram retiradas palavras derivadas terminadas em -inho(a) e
-mente, cuja vogal observada, que é casualmente pretônica, não sofreu alteração com
relação à vogal fonológica tônica da palavra primitiva (ex.: pertinho, negocinho, motinha,
rocinha, senhorinha, terrinha, rosinha, novamente, sozinho, amarelinha e somente). Todas
as vogais sublinhadas foram realizadas como [] ou [], como na palavra primitiva). O
mesmo aconteceu com as palavras derivadas de uma primitiva com vogal fechada (ex:
bondinho, todinho, globinho, foguinho, trechinho, cervejinha, garotinha, fresquinha,
sanfoninha), todas realizadas como [e] ou [o]. Em palavras como queijozinho,
churrascozinho, correntezinha, todas as vogais foram realizadas como altas, devido à
neutralização que atinge a postônica final da palavra primitiva. As outras vogais pretônicas
(/e/ e /o/) dessas palavras foram observadas, pois são propícias à variação (ex.: s[e]nhorinha
→ s[i]nhorinha).
Foram também desconsideradas as ocorrências de hiato e ditongos na sílaba
pretônica, pois, além de se querer verificar se a qualidade da consoante vizinha à pretônica
é preponderante para bloquear a regra de harmonia vocálica, os dados ainda foram muito
poucos e tendiam à elevação (ex.: teatro e moinho ~ t[i]atro e m[u]inho).
Do arquivo geral dos dados produzidos pelos migrantes paraibanos, com
auxílio de um dos programas do pacote VARBRUL, o TSORT, esse arquivo foi
dividido em dois: um contendo todas as ocorrências de /e/ e o outro contendo todas as
ocorrências de /o/.
O TSORT, mais uma vez, dividiu cada um desses dois arquivos em arquivos
menores, conforme o padrão silábico contendo a pretônica enfocada (CV, CVC, CCV,
CVCC, CCVC). Os tipos silábicos CVCC e CCVC foram amalgamados em um único
arquivo (um para cada variável) devido à pouca produção de dados. As divisões, então,
foram feitas da seguinte forma:
CVCV/N/
CVC CV/S//e/ CV/R/
CV/L/CCV C/R/V
C/L/V
GeralCV
CV/N/CVC CV/S/
/o/ CV/R/CV/L/
CCV C/R/VC/L/V
Foram computadas as percentagens de uso das variantes nesses contextos, mas
os principais resultados desta pesquisa são relativos ao padrão silábico CV, pois tal
contexto constitui o padrão silábico básico.
No que diz respeito aos brasileiros, de acordo com o comportamento
lingüístico, os informantes foram divididos em grupos de regiões, pois, diante de um
universo tão lingüisticamente complexo como é o Brasil, não se poderia camuflar esse
fato.
3.5.1 Variáveis lingüísticas
Para determinar que tipos de vocábulos e morfemas apresentam variação das vogais
pretônicas orais e nasais /e/ e /o/ e assim chegar a uma sistematização, efetuou-se um
levantamento nas entrevistas e chegou-se aos grupos de fatores lingüísticos a seguir:
Vogal da sílaba subseqüente
A relevância desse grupo de fatores para o estudo em questão é que as vogais
pretônicas podem sofrer a influência de segmentos consonantais a ela adjacentes, como o
tipo de consoante da sílaba subseqüente e precedente.
A regra de elevação das pretônicas ocorre pelo menos desde o século XV e seu
índice é até hoje baixo nos dialetos já estudados do português do Brasil. Bisol (1989)
descreve a harmonia vocálica como sendo um processo de assimilação ordenado no ciclo
derivacional que se efetiva pelo espraiamento de um único traço de nó terminal [aberto 2].
Em alguns dialetos, esse processo fonológico não se restringe às vogais altas,
estendendo-se também às vogais baixas. Em Brasília, Bortoni (1992), por exemplo,
também considerou as variantes fechadas e abertas e constatou a influência das altas orais e
nasais na elevação das pretônicas. As variantes abertas, que são as menos freqüentes no
dialeto de Brasília, têm uma ocorrência expressiva determinada pela presença de vogais da
mesma altura na sílaba subseqüente: [], [] e /a/. Pereira (1997), por sua vez, afirma,
sobre o dialeto pessoense, que, de modo geral, os números correspondentes à não-recuada
/e/, e à recuada /o/ não apresentam grandes diferenças entre si.
Partindo da premissa de que a vogal da sílaba subseqüente seria o contexto mais
condicionador do uso da variante alta das pretônicas /e/ e /o/, foi controlado o efeito de
cada uma das vogais isoladamente, fossem elas nasais ou não.
• ( i ): bonita
• ( ĩ ): seguinte
• ( u ): seguro
• ( ũ ): segundo
• ( e ): beleza
• ( ẽ ): bebendo
• ( o ): gostoso
• ( õ ): Colombo
• ( é ): depressa
• ( ó ): coloca
• ( a ): metade
• ( ã ): chegando
• ditongos: bebeu, tomei, fogão
Tonicidade da sílaba pretônica subseqüente
Segundo Silva (1989), a vogal acentuada já havia sido apontada como contexto
para a elevação de pretônicas por autores renomados, como, por exemplo, Silveira
(1921:24 apud SILVA, 1989), que afirma que “(…) o exame de um bom número de
vocábulos me leva a crer que o timbre da vogal tônica influi muitas vezes nos das vogais
antetônicas”.
No dialeto de Salvador, Silva (1989, p. 92) conclui que “a altura da pretônica é
determinada não só pela vogal acentuada, mas também pela inacentuada, ambas da sílaba
subseqüente”, ou seja, observou que o fato de a vogal subseqüente ser ou não acentuada
não é relevante para o processo.
No dialeto pessoense, Pereira (1997) diz que a contigüidade da sílaba tônica
apresentou valores probabilísticos que estiveram sempre beirando a neutralidade, ou seja,
não demonstraram ter influência significativa no comportamento variável das médias
pretônicas. Apesar de sua baixa relevância, os mais altos índices de contigüidade para as
variáveis /e/ e /o/ são representados pela aplicação das variantes altas [i] e [u]. Quando a
sílaba contígua é átona, há uma maior probabilidade de ocorrência das variantes abertas []
e []. Yacovenco (1993) confirma que a vogal tônica influencia o comportamento da vogal
oral anterior em posição pretônica no dialeto culto do Rio de Janeiro. Segundo essa autora
(p. 82),
(…) a regra de manutenção apresenta os maiores índices percentuais quando a vogal tônica é, respectivamente, um ditongo (81%), uma vogal média (80,1%) ou uma vogal baixa (76,5%). Já para a regra de alteamento, os maiores índices percentuais relacionam-se à vogal alta homorgânica (40,9%) e à alta não homorgânica (38,5%). Os ditongos parecem ser os segmentos que menos favorecem a elevação (12,4%).Quanto à regra de abaixamento, não parece existir uma relação estreita entre o tipo de vogal tônica e a regra variável (…).
Na cidade do Rio de Janeiro, Lemle (1974) postulou uma regra morfofonológica
responsável pelas alternâncias e : i, o : u do registro coloquial do dialeto carioca e as
condições que regem a sua aplicabilidade. Ou seja, a elevação das vogais /e/ e /o/ é
condicionada pela presença de uma vogal alta, /i/ ou /u/, na sílaba tônica. Callou & Leite
(1986) ampliam o contexto vocálico seguinte observado e incluem na análise as vogais com
ponto de realização médio (fechado) e baixo (aberto): ê : ô : é : ó. Acrescentam ainda que
a influência na elevação da pretônica por uma vogal alta na sílaba subseqüente independe
do caráter tônico ou átono dessa sílaba.
Rodrigues (2001), para o dialeto de Lisboa, afirma que há menos queda de [] nas
palavras “levaremos” e “representativo”, do que em palavras do tipo “levantaremos”.
Afirma que seus resultados estão de acordo com a idéia de d’Andrade & Laks (1991 e
1996), de que as sílabas em posição par à esquerda do acento têm uma proeminência
relativa maior do que as que se encontram em posição ímpar.
No português do Brasil, a questão da tonicidade da sílaba contígua, pelos resultados
dos outros trabalhos, parece ser, nesse caso, o elemento favorecedor do alteamento de /e/ e
/o/. Sendo assim, para observar o comportamento dos migrantes, foram estabelecidos os
seguintes parâmetros de observação:
• Contígua à sílaba tônica: menina
• Contígua à sílaba átona: recebendo
Natureza da pretônica
Esse grupo de fatores morfofonológico foi considerado para analisar a realização
das pretônicas durante o processo derivacional. Sobre esse grupo de fatores, Bisol (1981)
constatou que as pretônicas que permanecem sempre átonas durante toda a derivação
paradigmática estão mais sujeitas à elevação do que as átonas anteriormente acentuadas.
Isto ocorre porque a lembrança do acento subjacente de uma sílaba leva o falante a ouvi-la
como forte, ainda que não sustente acento primário.
A propósito disso, em sua gramática normativa, Rocha Lima (1996, p.38) afirma,
no capítulo intitulado “Pronúncia Normal do Brasil”, que
a simples passagem da posição tônica para a átona determina, mecanicamente, o fechamento das vogais é e ó; assim, por exemplo:
reta (é) - retângulo (ê)leve (é) - leveza (ê)reza (é) - rezar (ê)encéfalo (é) - encefalite (ê)roda (ó) - rodar (ô)pobre (ó) - pobreza (ô)sólido (ó) - solidez (ô)voto (ó) - votação (ô)
Nesses casos apontados pelo gramático, as médias abertas tornam-se sempre
médias. No dialeto pessoense, tal regra ficaria comprometida devido à atuação de
contextos como ‘vogal da sílaba subseqüente’. Por exemplo, em palavras cuja vogal
subseqüente à pretônica é baixa, a realização dessa pretônica será aberta ([] e []). As
palavras “leveza” e “pobreza”, por possuírem a vogal subseqüente média [e], seriam
pronunciadas com as variantes médias fechadas. Pereira (1997), a respeito do dialeto
pessoense, ao comparar os seus resultados com os de Silva (1989), sobre o dialeto
soteropolitano, afirma que
(…) no que diz respeito às conclusões obtidas, os resultados são extremamente parecidos. Silva afirma que a alternância u :: ó :: ô e i :: é :: ê só se configura diante de vogais altas orais e nasais (i, u, ĩ, ũ). Nos outros casos, ocorre uma relação de complementaridade entre as vogais médias, que não ocorrem antes de vogais de mesma altura; e as baixas que ocorrem nos outros contextos restantes.
Sendo assim, a fim de verificar até que ponto a natureza da atonicidade da vogal
interferiria na sua realização, foram observados os seguintes fatores:
• Átona casual: aquela que pode adquirir tonicidade (ex.: sofrimento/sofro,
corrida/corre, beber/bebo, perder/perco).
• Átona permanente: mantém-se sempre átona por todo o paradigma. (ex.: boneca,
vermelho, legume).
Contextos fonológicos precedente e subseqüente
De acordo com Katamba (1996, p. 80), freqüentemente, um fonema tem alofones
que são dependentes, numa posição particular, de outros sons que são adjacentes a ele. A
noção de direcionalidade é muito importante, pois se pode dizer se um fonema tem mais
afinidade com o som que o precede ou que o sucede.
Van der Hulst & Van der Weijer (1995, p. 526) observam que pode haver três
casos de interferência da consoante no processo de harmonia vocálica: a) casos nos quais
as consoantes com articulação secundária têm um efeito na harmonia da vogal; b) casos
nos quais as vogais têm efeito sobre a consoante (um efeito na direção oposta); e c) casos
nos quais as consoantes que não têm articulação secundária parecem influir na harmonia.
Sobre o segundo caso, Poppe (apud VAN DER HULST & VAN DER WEIJER,
1995), sobre o dialeto turco original, afirma, por exemplo, que só há consoantes /g k/,
apenas em palavras com vogais anteriores: /büläk/ “presente” (gift), /igən/ “colheita”
(crops). As consoantes /G q/ ocorrem apenas em palavras nativas que contenham vogais
posteriores: /ayaq/ “pé” (foot), /GwaGa/ “barulho” (noise).
Ainda segundo Van der Hulst & Van der Weijer (1995), sobre o terceiro caso, há
muitos exemplos em que as consoantes não-aproximantes interferem na harmonia vocálica,
seja impondo seus valores às vogais vizinhas, seja bloqueando a interferência entre vogais.
Afirmam que a interação entre consoantes e vogais é uma área mal entendida: “Casos em
que tais interações ocorrem têm sido usados para explicar que traços de representação em
consoantes e vogais que harmonizam com consoantes não está claro” (p. 530)21.
No Rio de Janeiro e em João Pessoa, com base nos estudos de Leite et al (1994) e
de Pereira (1997), a vogal alta da sílaba subseqüente, quer tônica, quer átona, só é fator
preponderente para o alteamento de /e/. Para o /o/, o ponto de articulação do segmento
adjacente, labial ou velar, é o maior propulsor do processo. Com tais resultados, Leite et al
(1994) apontam em direção à seguinte questão: a elevação da pretônica corresponde a um
único processo (a harmonia vocálica) ou a dois (a harmonia vocálica e a configuração dos
segmentos consonantais adjacentes)?
Acreditando que as consoantes que precedem as vogais têm influência sobre o
comportamento das pretônicas, foi utilizada a seguinte classificação:
• alveolar: [t, d, n, l, s, z]
Precedente: tomando, delegacia, nervosa, loteria, sossego, zeloso
Subseqüente: rotina, produzir, pronunciar, colega, possuir, desafio
• labial: [p, b, f, v, m]
Precedente: político, boneca, fogões, vegetais, mesada
Subseqüente: propaganda, bobagem, fofoqueira, deveremos, remorso
• velar: [k, g, r]
Precedente: colégio, governo, regular
Subseqüente: recordação, legumes, serviço
• palatal: [, , , ]
Precedente: chocante, jogar, conhecido
Subseqüente: mexer, nojento, colher, nenhum
21“Cases when such interaction takes place have been used to argue that features for representing place in consonants and vowels harmonize with consonants is not clear”.
3.5.2 Variáveis sociais
Anos de escolarização
Labov (1966) observou que os falantes menos escolarizados, freqüentemente,
usavam mais as formas não-padrão, enquanto que as formas padrão eram mais utilizadas
pelos mais escolarizados. Esta é uma tendência encontrada em muitos trabalhos
lingüísticos quantitativos. De acordo com Oliveira e Silva (1996, p. 350), seja direta ou
indiretamente, a participação da escola acaba sendo decisiva na configuração lingüística da
comunidade.
Conforme Oliveira e Silva (1996, p. 344), mesmo alguns daqueles fenômenos que
não são diretamente focalizados na programação escolar, como este, por exemplo,
mostram-se quantitativamente tão condicionados pelo grau de escolarização quanto os que
são objeto de ensino escolar e/ou são alvos de correção por parte dos professores.
Segundo Kemp (1981), o nível de escolarização se revela um poderoso
condicionante na escolha de variantes lingüísticas. Há uma grande tendência a que falantes
de nível universitário apliquem mais as formas padrão do que os falantes de outros níveis
escolares, e muitos trabalhos sociolingüísticos confirmam essa tendência. A hipótese
levantada é a de que os informantes com baixa escolaridade liderem o processo inovador,
corroborando, assim, a maioria dos trabalhos sociolingüísticos.
Faixa etária
É datado de 1905 o primeiro estudo que detectou diferenças entre o
comportamento lingüístico das pessoas conforme a faixa etária. O estudo de Gauchat
(1905), numa aldeia suíça, sobre a lateral palatal /λ/, demonstrou que os mais jovens
estavam preferindo a pronúncia /y/, ficando o /λ/ (mais conservador) para os mais velhos, e
que a classe intermediária utilizava ambas as realizações.
Estudos feitos por Labov sobre a pronúncia retroflexa do /r/ pós-vocálico em Nova
Iorque (1966) e em Martha’s Vineyard, Massachussets (EUA), sobre a centralização dos
ditongos /ay/ e /aw/ (1963), por exemplo, corroboraram as descobertas de Gauchat. Seus
resultados também evidenciaram a tendência dos mais jovens a privilegiar as pronúncias
mais inovadoras, enquanto que os mais velhos utilizavam mais as formas conservadoras
(padrão). É isso também o que se esperava que ocorresse neste trabalho, que os
informantes mais jovens produzissem menos a regra de abaixamento em detrimento da
manutenção das médias pretônicas.
O estado em que se encontra uma variável numa comunidade pode ser
depreendido através desse fator. O comportamento da variável sob análise, dentro de cada
faixa etária, pode indicar se o fenômeno é estável ou está em processo de mudança. A
comparação da linguagem de pessoas de diferentes idades pode revelar diferentes estágios
de uma língua (estudo em tempo aparente), como diz Labov (1972).
Fazendo um recorte transversal da amostra sincrônica em função da faixa etária
dos informantes, ou seja, uma análise em tempo aparente, pode-se saber se o processo em
análise está apenas sofrendo variação (variantes lutando por sua subsistência ou
coexistência), ou se há uma situação de mudança em progresso (morte de uma das
variantes).
Tempo de residência
Segundo Trudgill (1986, p. 39), em uma situação de interação entre indivíduos
de diferentes dialetos, mecanismos sócio-psicológicos são ativados em direção a uma
acomodação lingüística entre o falante e o interlocutor. Se essa interação acontece
freqüentemente, atos individuais desse contato de curta-duração (short-term), com o
tempo, tornam-se permanentes no repertório lingüístico do falante, em uma acomodação
de longa-duração (long-term).
Trudgill (1986, p. 15) observou a pronúncia do /r/ pós-vocálico, que é um traço
do inglês americano, na fala dos ingleses residentes nos Estados Unidos e percebeu que
esses falantes não adquirem esse traço sem que estejam na América por um período
considerável (de dez anos em diante).
Acredita-se que a variação estudada nesta pesquisa seja sensível ao tempo de
exposição do indivíduo a uma nova realidade sócio-cultural. O tempo de residência no
Rio de Janeiro e em Lisboa parece ser de vital importância para determinar o grau de
acomodação dos falantes.
4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Neste capítulo, é descrito, com base em índices percentuais e em pesos relativos, o
comportamento lingüístico dos migrantes paraibanos residentes no Rio de Janeiro, assim
como o dos imigrantes brasileiros residentes em Lisboa, ambos expostos ao contato com o
dialeto nativo, em sua grande maioria, do lugar onde se propuseram a viver durante, no
mínimo, um ano ininterrupto.
4.1 Comportamento lingüístico geral dos migrantes paraibanos
No cômputo geral, foram recolhidos 5313 dados do corpus dos migrantes
paraibanos, distribuídos segundo o tipo de vogal pretônica, conforme a Tabela 1.
Tabela 1: Distribuição geral dos dados
Tipo de pretônica No de dadosNão-recuada 2854
Recuada 2454TOTAL 5313
Na fala dos migrantes paraibanos residentes no Rio de Janeiro, três são as
possibilidades de produção de cada uma das pretônicas enfocadas:
• Para as não-recuadas: [E], [e] e [i]
• Para as recuadas: [�], [o] e [u]
A distribuição dos dados da Tabela 1 por cada uma dessas possibilidades,
independente de sua realização oral ou nasal, pode ser vista na Tabela 2, a seguir:
Tabela 2: Distribuição dos dados pelas variantes
Pretônicas Realizações No de dados TOTAL
Não-recuadas[E] 1129[e] 1219[i] 506
2854
Recuadas[�] 812[o] 1035[u] 607
2459
TOTAL 5313
Com relação aos diferentes contextos silábicos observados, os dados estão
distribuídos da seguinte forma:
Tabela 3: Distribuição geral dos dados conforme o padrão silábico
Tipo de sílaba Não-recuadas[E] [e] [i]
Total/e/
Recuadas[�] [o] [u]
Total/o/
Outras 1 21 0 22 0 11 0 12
CCV C+L+V 1 2 0 3 2 5 0 7C+R+V 108 77 35 220 104 93 10 207
CVC
CV+/L/ 0 1 0 1 34 32 0 66CV+/N/ 0 141 38 179 0 406 12 418CV+/S/ 87 48 38 173 67 20 37 124CV+/R/ 167 132 11 310 187 87 100 374
CV 765 797 384 1946 418 386 448 1252Total 1129 1219 506 2854 812 1040 607 2459
Observando a Tabela 3, pode-se verificar que os dados recolhidos para os tipos de
sílabas que estão sendo chamados de “outras” apresentaram-se categóricos quanto à
manutenção da média pretônica, com exceção da palavra “prestava → pr[E]stava” em que
há possibilidade de variação. Outros exemplos são:
(CCVC): apr[e]nder, apr[e]ndendo, apr[e]ndi, apr[e]ndeu, fr[e]scura, pr[e]stou,
pr[o]stituta, amedr[o]ntada;
(CVCC): p[e]rspectiva, c[o]nstrução, c[o]nstruí, c[o]nstrangimento, c[o]nstrangido.
Em sílabas cuja vogal é precedida por um grupo consonantal (CCV), há uma
exigüidade de dados, muito mais de /l/ precedendo a pretônica do que de /r/. Os exemplos
das ocorrências de /l/ são:
(C/L/V): compl[E]tar, compl[e]tei; afl[�]rando, Fl[�]rianópolis, gl[o]bal, expl[o]dir.
No que diz respeito ao /R/ precedendo a pretônica no padrão silábico CCV, há
uma tendência à aplicação das variantes abertas [] e []:
(C/R/V): apr[E]senta, apr[E]sentação, cr[E]scendo, cr[E]scente, desempr[E]gado, despr[E]zar, empr[E]gado, entr[E]gador, fr[E]qüentar, pr[E]cário, pr[E]cavido, pr[E]concebido, pr[E]conceito, pr[E]gado, pr[E]judicada, pr[E]para, pr[E]parado, pr[E]parava, pr[E]paro, pr[E]sente, pr[E]tende, pr[E]tendo, repr[E]sentante, secr[E]taria, secr[E]tário, tr[E]zentos, pr[E]cisa, pr[E]cisam, pr[E]cisando, pr[E]cisar, pr[E]cisa-se, pr[E]cisei, pr[E]ciso, acr[E]ditam, acr[E]dito, entr[E]vista, entr[E]vistador, pr[E]firo, pr[E]ferencia, pr[E]visão, sobr[E]viver; gr[�]selha, micr[�]fone, apr[�]xima, apr[�]ximadamente, apr[�]ximou, impr[�]viso, pr[�]blema, pr[�]blemas, pr[�]blemazinho, pr[�]cura, pr[�]curar, pr[�]curava, pr[�]curei, pr[�]curo, pr[�]curou, pr[�]duzindo, pr[�]fissão, pr[�]fissonais, pr[�]grama, pr[�]gramar, pr[�]gramas, pr[�]jeto, pr[�]jetos, pr[�]núncia, pr[�]nunciada, pr[�]nunciadas, pr[�]nunciado, pr[�]nunciando, pr[�]paganda, pr[�]posta, pr[�]tege, pr[�]testo, pr[�]vocar, compr[�]vado, contr[�]lado, contr[�]lar, dr[�]gado, tr[�]cado, tr[�]car.
Alguns exemplos fogem a essa tendência e sofrem alteamento: acr[i]ditava,
acr[i]dito, engr[i]dientes, pr[i]cisa, pr[i]cisão, pr[i]cisar, pr[i]cisei, pr[i]ferido,
pr[i]firo, pr[i]guiça, pr[i]juízo, pr[i]sidente, pr[i]venido, sobr[i]mesa, sobr[i]vivência,
sobr[i]viver; apr[u]veitei, apr[u]veitar, quatr[u]centos.
Em se tratando das sílabas com ataque simples e com coda (CVC), para as sílabas
travadas com /l/, não levando em consideração o processo de vocalização que essa
consoante sofre nos dialetos brasileiros, pela Tabela 3, percebe-se que só houve um dado
para a variável não-recuada. Já para a recuada, além de a quantidade de dados para [�] e
[o] ser ínfima, não houve produção da vogal alta [u]. Exemplos desse contexto podem ser:
v[o]ltar, v[o]ltava, v[o]ltado, v[o]ltei, v[o]ltaram, v[o]ltam, v[o]ltada, env[o]lver,
res[o]lveram, res[o]lvi, s[o]lteiro, s[o]lteira, f[o]lclórica; v[�]ltar, v[�]ltava, v[�]ltado,
v[�]ltaria, env[�]lvido, s[�]ltar, f[�]lgado e razoav[e]lmente.
Nesses casos, é natural que não haja a aplicação de alteamento, porque senão não
haveria contraste nos elementos do núcleo. Em obediência ao OCP, os segmentos
adjacentes têm que ser diferentes, por isso, se houvesse nuclearização de /l/, a vogal nunca
poderia ser realizada como [u], porque ela sofreria uma fusão.
Com relação às sílabas com vogal nasal, como era previsível e como se pode ver
pela Tabela 3, não houve ocorrência de vogal [+ baixa] nasal. A vogal nasal na coda
silábica é um elemento inibidor do processo de abertura e favorece muito pouco o de
alteamento. Tal ambiente é mais propício à manutenção das vogais médias.
No contexto nasal, o alteamento de /e/ é favorecido:
a) por uma sibilante na posição que o precede, como se pode ver em: s[i]ntia,
s[i]ntimento, s[i]nti, enc[i]ntivando, des[i]nvolvi, des[i]nvolvimento, des[i]nvolve,
des[i]mpenho, des[i]mprego, des[i]mpregado, des[i]ncantado;
b) e por uma vogal alta na posição subseqüente, como nos exemplos: ent[i]ndia,
ent[i]ndimento, p[i]ndurada, m[i]ndigo, m[i]ntira.
Já para o alteamento de /o/, o ambiente mais propício, semelhante aos exemplos
mostrados em (14), é quando seu contexto precedente é uma velar, nomeadamente o /k/:
ac[u]nteceu, ac[u]mpanhar, c[u]ncentração, c[u]nsiguir, c[u]ntigo, c[u]nversando,
c[u]nversar, c[u]nversa.
As sílabas travadas com as consoantes /R/ e /S/ foram os contextos com maior
produção de dados nas sílabas do tipo CVC. A distribuição de seus valores pelas variantes
ocorreu da seguinte forma:
Tabela 4: Distribuição percentual de /R/ e /S/ como coda do tipo silábico CVC
Coda do tipoSilábico CVC
Não-recuada Recuada[E] [e] [i] [�] [o] [u]
/R/ 54% 42% 4% 50% 23% 27%/S/ 50% 28% 22% 52% 23% 25%
Ambos os tipos de coda propiciam a aplicação da variante pretônica aberta ([E] e
[�]). Observando o comportamento das não-recuadas, nota-se uma pequena diferença, pois
o /R/ propicia mais a aplicação de [e] do que o /S/, ao passo que o /S/ favorece mais o
alteamento ([i]). Já para as recuadas, o comportamento é bastante semelhante para os dois
tipos de codas: ac[E]rtar, ac[E]rtasse, aniv[E]rsariando, ap[E]rtado, cons[E]rtar,
conv[E]rsando, conv[E]rsar, int[E]rmédio, ixac[E]rbada, lib[E]rdade, m[E]rcado,
obs[E]rvar, obs[E]rvatório, p[E]rcebe, p[E]rdendo, p[E]rguntar, p[E]rguntava,
p[E]rnambuco, res[E]rvado, s[E]rtaneja, s[E]rtão, s[E]rvente, sup[E]rmercado,
v[E]rdade, v[E]rsatilidade, v[E]rdura, t[E]rminações, t[E]rminado, det[E]rminadas,
et[E]rnidade, n[�]rtista, n[�]rdestina, s[E]rgipe, s[E]rviço, c[E]rtificado, com[E]rcial,
p[E]rdi, p[E]rfeita, p[E]rcebi, p[E]rfeitamente, p[E]rsonalidade, op[�]rtunidade, p[�]
rtuguês, esp[�]rtivo, div[E]rsidade, v[E]rgonha, univ[E]rsidade; ac[�]rdar, ac[�]rdar,
ac[�]rdava, ac[�]rdava, c[�]rtadas, c[�]rtando, comp[�]rtamento, conf[�]rmar, f[�]
rçando, f[�]rmação, f[�]rmada, f[�]rmalidade, f[�]rmar, F[�]rtaleza, imp[�]rtante, inf[�]
rmações, inf[�]rmado, inf[�]rmado, inf[�]rmar, inf[�]rmática, inf[�]rmatizado, j[�]rnal,
j[�]rnalismo, j[�]rnalístico, m[�]rdendo, m[�]rtadela, n[�]rdeste, n[�]rmal, n[�]
rmalmente, p[�]rtaria, rep[�]rtagem, t[�]rcendo, transf[�]rmação, transt[�]rnado.
Como se pode perceber, sílabas travadas com /R/ favorece à abertura da
pretônica, exceto em palavras como div[i]rtimento, s[i]rviço, div[i]rtir, p[i]rmite,
p[i]rcebo, p[i]rcebi; d[u]rmindo, f[u]rmiga, t[u]rcia, op[u]rtunidade, d[u]rmir,
p[u]rtuguês, p[u]rque, p[u]rtanto.
Para a observação do que ocorre com as pretônicas quando estão em sílabas
travadas por /S/, partiu-se para a investigação, então, dos seguintes exemplos:
corr[E]spondência, m[E]strado, m[E]strandos, p[E]scado, p[E]scadores, p[E]scando,
p[E]scar, p[E]scaria, p[E]scava, qu[E]stão, sug[E]stão, r[E]stante, r[E]sponde,
r[E]sponsa.
Os exemplos a seguir demonstram que a vogal da sílaba subseqüente, quando esta
tem uma vogal baixa, média nasal ou ditongo nasal, favorece a aplicação da pretônica
aberta [E] diante de /S/. Os exemplos que não correspondem a tal assimilação regressiva
são an[E]stesia, nord[E]stina e r[E]staurante, todos com uma consoante alveolar ou velar
no contexto fonológico precedente.
Os próximos exemplos demonstram que a grande maioria das pretônicas alteadas
residem no contexto com des- (prefixo ou não) em início de palavras: d[i]scancar,
d[i]scansando, d[i]scanso, d[i]scartei, d[i]scarto, d[i]sconforto, d[i]scontração,
d[i]scontrair, d[i]screver, d[i]sculpa, d[i]sdobrando, d[i]sgoste, d[i]sgostoso,
d[i]slanchar, d[i]smanchando, d[i]smoronando, d[i]sprezar, d[i]sprovida, d[i]sperta,
d[i]spertei, d[i]staca, d[i]stacando, d[i]staco, d[i]stino, d[i]struida, env[i]stir,
env[i]stiria, v[i]stia, v[i]stir, des[i]spero.
No Rio de Janeiro, Yacovenco (1993) observou esse contexto e verificou que, em
32 ocorrências, quatro foram de d[e]s- e 28 foram de d[i]s-, o que demonstra, portanto, o
seu forte condicionamento à regra de alteamento.
4.2 Comportamento lingüístico dos migrantes paraibanos no que se refere ao padrão
silábico CV
Na descrição da fala dos migrantes pessoenses no Rio de Janeiro, maior destaque
foi dado ao padrão silábico canônico CV, que concentra o maior número de dados (60% do
total) e pelos outros tipos de sílaba já possuírem estruturas que condicionam a ocorrência
ou não de determinada realização. Os valores totais para esse contexto podem ser vistos na
Tabela 5:
Tabela 5: Percentual de cada variante em sílaba CV
Realizações Ocorrências % TOTAL[] 765 39[e] 797 41[i] 384 20
1946
[] 418 33[o] 386 31[u] 448 36
1252
TOTAL 3198
Comparando os resultados das variantes orais com os resultados obtidos em
trabalhos realizados no Rio de Janeiro e em João Pessoa, capital da Paraíba, obtêm-se os
valores que podem ser vistos na Tabela 6:
Tabela 6: Comparação de resultados das comunidades em questão
[] / [] [e] / [o] [i] / [u]Yacovenco (1993) sobre o falar culto
carioca224% / 4% 64% / 66% 32% / 30%
Pereira (1997) sobre o dialeto
pessoense44% / 42% 21% / 22% 34% / 35%
Paraibanos residentes no Rio
de Janeiro39% / 33% 41% / 31% 20% / 36%
22 Valores arredondados.
Vale salientar que os informantes que fizeram parte do trabalho de Yacovenco
possuem o nível superior de instrução. Tanto no trabalho de Pereira (1997) quanto neste
trabalho, os dados analisados foram produzidos por informantes de todos os níveis de
escolaridade e até mesmo sem escolaridade alguma. Esse fato não invalida a comparação, a
julgar pelos resultados de Vianna da Silva (1995), que, em seu estudo sobre as pretônicas
nos dialetos populares fluminenses, verificou que os percentuais são quase os mesmos dos
da fala culta do Rio de Janeiro ([] / [] – 4% / 7,5%; [e] / [o] – 61% / 62%; [i] / [u] – 35%
/ 31%)23.
Os Gráficos 1 e 2 apresentam a distribuição das realizações das pretônicas (não-)
recuada na fala dos migrantes paraibanos, com base nos resultados expostos na Tabela 6:
Gráfico 1: Comportamento lingüístico do migrante (percentuais da vogal não-recuada)
4
44 39
64
21
4132 34
20
0
20
40
60
80
Dialeto carioca Dialeto pessoense Dialeto migrante
[é] [e ] [i]
Gráfico 2: Comportamento lingüístico do migrante (percentuais da vogal recuada)
23 Há um pequeno aumento da freqüência da realização aberta da vogal entre os infomantes de baixa escolarização.
4
4233
223130 35 36
66
0
20
40
60
80
Dialeto Carioca Dialeto pessoense Dialeto do migrante
[ó] [o] [u]
Nos dialetos do Centro-Sul do Brasil, o movimento de [e/o] → [/] é
improdutivo e o processo de neutralização das médias em direção à manutenção é quase de
100%. Nesses dialetos, a variação mais significativa é [e/o] ~ [i/u]. Quando se trata de
dialetos nordestinos, a variação é ternária, mas com maior proeminência para o processo de
abaixamento da média.
Em Salvador, segundo Silva (1989), o processo de neutralização em direção à
realização aberta da pretônica atinge o percentual de 60% ([]) e 58% ([]), enquanto que
em João Pessoa, segundo Pereira (1997), é de 44% ([]) e 42% ([]) e em Alagoas,
segundo Adant (1989), o abaixamento de /e/ atinge 66% e de /o/ 49%.
Quando se trata dos dialetos deslocados de seu cenário original, os percentuais de
abaixamento tendem a cair em detrimento do aumento da manutenção, como uma resposta
convergente ao dialeto acolhedor, como pode ser visto nos gráficos 1 e 2. A tabela 7 dá
uma visão ampliada do que já está sendo mostrado nesses gráficos.
Tabela 7: Comparação dos resultados
Não-recuadas
João Pessoa (Pereira,
1997)
Dialeto do migrante paribano
RecuadasJoão Pessoa
(Pereira, 1997)
Dialeto do migrante paraibano
[][e]
44%21%
39%41%
[][o]
42%22%
35%31%
[i] 34% 20% [u] 35% 36%
O que se pode perceber é que os percentuais de abaixamento sofrem redução e a
manutenção das médias pretônicas aumentam seus valores de aplicação. Observando os
valores de alteamento, percebe-se que [i] e [u] apresentam comportamento diferente no
dialeto do migrante. Tal fato indica que o falante aciona mecanismos para elevar os
percentuais de manutenção de /e/ (diminui a aplicação de abaixamento e alteamento)
diferentes dos de /o/ (diminui apenas o abaixamento), que possui um menor percentual de
manutenção.
O percentual da vogal não-recuada dos migrantes alagoanos residentes em
Brasília também é reduzido, em comparação ao seu dialeto original (de 66% passa a 46%),
segundo Adant (1989). Para a vogal recuada, o percentual de 49% sobe para 54%, um
processo inverso, portanto, apresentando, também, um comportamento diferenciado. A
autora levanta a hipótese de que esse aumento seja motivado pelos alagoanos de origem
rural. Faz um controle, então, da zona de proveniência dos informantes e verifica que os
informantes urbanos aplicam mais o abaixamento do que os rurais. Adant (op. cit.) conclui,
então, que “o rebaixamento das vogais pretônicas é de fato, em Alagoas, um traço urbano”,
o que não justifica, pois, o diferente comportamento entre as duas vogais.
Pelos gráficos 1 e 2, percebe-se que o processo de acomodação está ocorrendo,
mas o que se pode ver é que a acomodação ainda é incompleta, pois não se deu a passagem
inteira de um sistema para o outro, e que as vogais seguem, também, cursos diferentes.
Pela observação dos contextos sociolingüísticos, pode ser possível verificar o que
de fato está ocorrendo na fala dos migrantes sob análise, que mecanismos intra- e
extralingüísticos estão condicionando as modificações na fala desses paraibanos
deslocados de seu dialeto original.
4.2.1 A pretônica não-recuada:
4.2.1.1 Realização de []
Para a verificação da regra de abaixamento de /e/ nesta pesquisa, foram
recolhidos 765 dados. O input geral da rodada com valor de aplicação foi igual a .40. Os
fatores selecionados como favoráveis à aplicação de [] foram:
a) Vogal da sílaba subseqüente;
b) Tonicidade da vogal subseqüente;
c) Tempo de moradia no Rio de Janeiro;
d) Contexto fonológico precedente;
e) Contexto fonológico subseqüente;
f) Anos de Escolarização;
g) Faixa etária.
A partir de agora, serão analisados os grupos de fatores linguísticos selecionados,
em seguida, os sociais.
Análise das variáveis lingüísticas:
Como se pode observar pelos grupos de fatores listados, no dialeto do migrante
paraibano, o movimento entre []←[e]→ [i] e entre []← [o]→[u] é condicionado pelo
grupo de fatores ‘Vogal da sílaba subseqüente’, que foi selecionado como o maior
promovedor do abaixamento. Dessa forma, os resultados corroboram os vários trabalhos
sobre o tema em questão, realizados no Brasil, que admitem que as vogais da sílaba
subseqüente têm papel preponderante no jogo de altura das pretônicas.
Sobre esse contexto, em João Pessoa, Pereira (1997, p.115) chega às seguintes
conclusões sobre o condicionamento das vogais subseqüentes:
As vogais médias abertas ocorrem predominantemente diante de vogais de mesma altura e das não altas nasais (ã, ẽ, õ), além disso, ocorrem casos significativos de abertura diante de /u/, e especificamente para /o/, também diante de [ũ]: c[ó]luna, pr[ó]funda .
Já no que se refere ao abaixamento de /e/, no falar culto do Rio de Janeiro,
Yacovenco (1993) nota que “as vogais altas são as que menos influenciam o abaixamento
da vogal média oral anterior – 2,5% para a alta não-homorgânica e 0,3%, para a alta
homorgânica”.
Ainda sobre o abaixamento de /e/ na fala culta do Rio de Janeiro, Callou et al
(1995:66-7) observam que esse processo sobrepujou os ambientes esperados para a sua
aplicação, que eram as palavras derivadas, em cuja base ocorresse uma vogal baixa
acentuada. Explicitam ainda que
Do total de 137 ocorrências em nossos dados, apenas 40 encontram-se neste contexto [palavras derivadas]. Mesmo assim, comparativamente, continua sendo este o fator mais inibidor para o seu alteamento. Verificamos, no entanto, ocorrências em outros contextos, tais como em colares, brochar, derrubar, reserva, oboé, ressalva, populares, negócio, orquestra, quebrar, relações, verão, cobrado, tomava, Helena etc. Embora não se tenha feito uma codificação específica, exemplos como entr[]samento, r[]lação podem ser explicados, talvez, pela presença de uma vogal baixa contígua e outros como d[]méstico, t[]rminava, r[]lógio, n[]gócio pela presença de vogal baixa na sílaba acentuada. Outros como d[]rrubam, fev[]reiro, v[]rsão, H[]lena, v[]rão, p[]rcebeu talvez se expliquem pela presença de uma líquida adjacente.
Com base na fala dos migrantes paraibanos, os resultados encontrados para o
abaixamento da média pretônica não-recuada estão apresentados na Tabelas 7, a seguir:
Tabela 8: Contexto vocálico subseqüente (realização de [])Vogais
subsequentes Ocorrências % Peso relativo TOTAL
[ã] 33 77 .94 43[a] 233 69 .89 337[ẽ] 154 79 .92 196[] 63 46 .70 136[õ] 9 82 .78 11
[o] 61 30 .34 201[e] 64 32 .25 203[i] 84 21 .19 408[u] 7 14 .16 49
Ditongo 9 5 .14 195
A aplicação da variante [] é condicionada pelas vogais da sílaba subseqüente,
principalmente se essa vogal for sua homorgânica, pois em 100% dos casos isso ocorre.
Por outro lado, as vogais altas nasais ([ĩ] e [ũ]), as médias [e] [o] e os ditongos orais não se
mostraram favoráveis à aplicação da regra de abaixamento na fala dos migrantes
paraibanos. Exemplos de abaixamento diante de vogais baixas podem ser: r[]cebe, dez[]
ssete, tel[]férico, s[]vero, m[]rece, s[]qüestro, s[]qüela, of[]rece.
Sobre a tonicidade da vogal subseqüente, Callou et al (1995, p.69), sobre o
dialeto culto carioca, observam que
(…) não há abaixamento quando a vogal tônica é uma vogal alta. Seu índice geral de aplicação é baixo: .049. Poder-se-ia pensar que o abaixamento é um processo em sua fase inicial que complementa e generaliza a harmonização vocálica: vogais médias podem se realizar como altas no ambiente de vogais altas tônicas e como baixas no ambiente de vogais baixas.
A partir do cruzamento dos grupos ‘Tonicidade da sílaba subseqüente’ e ‘Vogal
da sílaba subseqüente’ obteve-se os resultados que podem se vistos na tabela 8 a seguir:
Tabela 9: Vogal da sílaba subseqüente e Tonicidade da vogal subseqüente (realização de [])
Vogal da sílaba Subsequente
Vogal subseqüente tônica Vogal subseqüente átonaOcorr./total % PR Ocorr./total % PR
Baixas 273/446 61 .85 72/86 84 .94Médias nasais 129/156 83 .90 34/51 67 .76Médias orais 14/387 4 .08 120/232 52 .72
Altas 16/312 5 .08 75/198 38 .54
Os valores da tabela 8 indicam, como já havia sido observado por Callou et al
(1995, p. 69), que as vogal média e alta na sílaba subseqüente não se apresentam como
favoráveis à aplicação do abaixamento de /e/. As vogais baixas e nasais, exceto as altas
nasais, propiciam a aplicação de [] quando são tônicas ou átonas.
Os exemplos de vocábulos em que a vogal média não-recuada pretônica sofre
abaixamento e não possui uma vogal baixa na sílaba subseqüente são motivados por outros
fatores. Os dados que podem exemplificar essas ocorrências podem ser r[]tomar, r[]
forçando, r[]cuperando, r[]fogado, r[]presentante, r[]portagem, r[]ferência, r[]
sidência, r[]volução, r[]ligião, r[]gião, r[]cebendo, r[]servista, r[]curso, r[]
conhecer, r[]vista, r[]baixa, r[]ferência, r[]vendia, r[]portagem, r[]lação, r[]
lembra, r[]zar, r[]clamar, r[]formar, r[]pórter, r[]lativo.
Nesses exemplos arrolados, é importante perceber que todos possuem uma
vibrante velar como consoante precedente, em uma sílaba início de palavra, seja essa um
prefixo ou não. Esse contexto é muito favorável à aplicação de abaixamento. As chamadas
consoantes vibrantes, contíguas à vogal pretônica, são as que mais condicionam o
abaixamento da média pretônica /e/, tanto em João Pessoa (PEREIRA, 1997) quanto na
fala culta do Rio de Janeiro (YACOVENCO, 1993), sendo, portanto, o ponto de
intersecção entre esses dialetos e o dialeto do migrante. Os resultados encontrados na fala
dos migrantes pessoenses estão expostos na tabela 10 a seguir.
Tabela 10: Contexto fonológico precedente (realização de [E])
Contexto fonológico precedente Ocorr./ Total % PRVelares 114/230 50 .60Labiais 282/672 42 .55
Alveolares 304/814 37 .50Palatais 65/230 28 .28
Os números da tabela 10 indicam, realmente, a importância da consoante velar
precedente como condicionadora do abaixamento da não-recuada. Há exemplos, porém,
que são passíveis de abaixamento, mas que são motivados por outros contextos. Lemle
(1974), por exemplo, utilizou critérios morfológicos para explicar a ocorrência de
alteamento em determinadas palavras. Tratando da questão no português do Brasil, observa
que há um conjunto de sufixos com vogal alta (-inho, -íssimo, -ivo, -ino, -iz, -io, -il, -iço,
-ício, -ista, -úvel, -udo, -ível, -ífico) que não acarretam a elevação da vogal da raiz, ao lado
daqueles que acarretam a assimilação com a altura da vogal da raiz (-ia, -ice, -ínio, -ura,
-iço, -icida, -ina, -ismo, -izar e as terminações verbais –ia e –ido). Afirma ainda que os
sufixos que acarretam a assimilação são os que formam nomes e verbos, e os que não
fazem subir a vogal da raiz a que se ligam são os que derivam adjetivos. Essas são, pois, as
condições que restringiriam a aplicação da regra de elevação das vogais inacentuadas
diante de vogal alta acentuada, segundo a autora.
Leite (1974), por sua vez, observando os sufixos -inho, -íssimo, -zinho, -mente,
verificou que, apesar de possuírem uma vogal alta e tônica, não conseguem elevar a vogal
do radical que está imediatamente anterior ao limite de morfema, o que faz com que a
palavra permaneça invariavelmente com a vogal [+ baixa] de sua forma primitiva (ex.:
caf[E]zinho), o que exclui da regra palavras como: fértil ~ f[E]rtilíssimo ou f[e]rtilíssimo,
por possuir material interveniente entre a vogal tônica do sufixo e a vogal pretônica
observada. Van der Huslt e Van der Wijer (1995, p. 496), para reforçar a importância do
critério morfológico, afirmam que “todas as vogais são sujeitas à harmonia. Em princípio
isso é verdade para prefixos e sufixos”24.
Observando os dados, as palavras em que a altura da vogal é modificada em
decorrência do sufixo são: p[]ssoal (p[e]ssoa), t[]rrível (t[e]rror). Palavras como f[]
liz, inf[]lizmente; esp[]cial, esp[]cialidade, esp[]cífica; d[]rrubar, d[]rrubou, d[]
rrubando são passíveis de abaixamento independente da qualidade de seu sufixo ou 24 “all vowels are subject to harmony. In principle, this is true for prefixes as well as suffixes” (VAN DER HULST & VAN DER WIJER, 1995: 496).
desinência verbal. No contexto consonantal circunvizinho à vogal observada pode estar
melhores respostas a essa questão. Nos exemplos int[]r[]ssante, int[]riores, t[]rrível,
t[]l[]visão, t[]l[]fone, cat[]cismo, int[]ligente, d[]putado, d[]t[]rminado, d[]
dicada, d[]liciosa, lavand[]ria, d[]missões, d[]senho, in[]vitável, n[]c[]ssidade,
s[]cretário, s[]ticentos, as pretônicas realizadas como [] são precedidas por uma
consoante alveolar.
Nos exemplos g[]neral, f[]deral, esp[]cial, esp[]cialidade, esp[]cífica, p[
]ssoal, inf[]rior, inf[]riorizado, sup[]rior, exp[]riência, p[]rigosa, f[]liz, inf[]
lizmente há uma consoante labial precedendo a vogal pretônica, mas uma consoante
alveolar no ataque da sílaba subseqüente à vogal pretônica não-recuada. Na tabela a
seguir, pode-se verificar o comportamento da consoante subseqüente na fala dos migrantes
paraibanos.
Tabela 11: Contexto fonológico subseqüente (realização de [E])Contexto fonológico subseqüente Ocorr./ Total % PR
Alveolares 610/1037 59 .54Velares 138/400 34 .51Labiais 154/339 45 .49Palatais 46/170 27 .29
Quanto ao contexto fonológico subseqüente, Pereira (1997), em João Pessoa,
aponta-se que é a consoante vibrante subseqüente a que mais favorece o abaixamento de /e/
e Yacovenco (1993), no Rio de Janeiro, por sua vez, mostra que são as vibrantes e as
alveolares que condicionam essa regra.
Os resultados da Tabela 11 corroboram o que foi encontrado por Yacovenco
(1993) na fala culta do Rio de Janeiro, o que demonstra o forte condicionamento das
vibrantes (velares e alveolares) para a aplicação da regra de abaixamento das não-recuadas.
Como se pode perceber, o critério fonológico é o mais apropriado para sistematizar a
ocorrência de abaixamento, exceto em contextos como os observados por Leite (1974),
como já foi mencionado.
Análise das variáveis sociais
O ‘Tempo de moradia do informante no Rio de Janeiro’ foi fator selecionado em
terceiro lugar para a variante []. Os resultados indicam que a probabilidade de aplicação
da variante baixa [] vai diminuindo à medida que o informante soma anos de residência
no Rio de Janeiro e, conseqüentemente, tem mais tempo de contato com os falantes locais.
Nos primeiros cinco anos em que está no Rio, os informantes produzem mais o
abaixamento de /e/ do que aqueles que já estão a mais tempo. A partir dos cinco anos de
contato, esse valor diminui paulatinamente, como indício de acomodação ao dialeto
acolhedor.
Tabela 12: Tempo de residência no Rio de Janeiro
(realização de [])Tempo de residência no
Rio de Janeiro Ocorr./total % PR
1 a 4 anos 274/527 52 .785 a 10 anos 311/928 34 .41
Mais de 10 anos 180/491 37 .35
Shockey (apud TRUDGILL, 1986, p. 22), por exemplo, fez um levantamento dos
dados de sua própria fala para verificar modificações na passagem do seu flap
intervocálico do inglês americano para [t], em palavras como latter, e para [d], em palavras
como ladder, quando residia na Inglaterra. Percebeu que, nos primeiros seis meses de
experiência, não houve modificações em sua fala, mas, depois de três anos, seus valores,
para ambas as variantes, foram maiores do que os de seus informantes americanos. Sugere,
então, que isso é um resultado de acomodação lingüística à fala de ingleses e que a
acomodação pode ser um lento e contínuo processo que não se completa por um número de
anos.
Em se tratando dos outros ambientes sociais, a regra de abaixamento entre os
informantes paraibanos que não são migrantes não tem qualquer valor estigmatizante, visto
ser a pronúncia padrão da comunidade. Em João Pessoa, Pereira (1997) chega à conclusão
de que os anos de escolarização e a faixa etária não exercem quaisquer condicionamentos
sobre a regra de abertura, a forma padrão do local. Já entre os migrantes, essa regra tem um
valor social negativo, pelo fato de pertencer a um grupo minoritário e por ser proveniente
de uma região economicamente menos desenvolvida do Brasil: a região Nordeste.
Os resultados indicam que os informantes que possuem até, no máximo, a segunda
fase do ensino fundamental, são aqueles que mais aplicam a regra de abaixamento da vogal
anterior, como se pode ver na tabela a seguir.
Tabela 13: Anos de escolarização (realização de [])Anos de Escolarização Ocorr. / total % PR
de 0 a 4 anos 355 / 745 48 .58de 5 a 8 anos 144 / 366 39 .72de 9 a 11 anos 127 / 416 31 .43
Mais de 11 anos 139 / 419 33 .24
Os resultados apontam que a variante [] vai, paulatinamente, perdendo sua força
à medida que o informante aumenta seu grau de formação escolar. Nos dois últimos anos
de escolarização observados, os índices são bem mais baixos e não favoráveis à aplicação
dessa variante.
Com relação à faixa etária, os informantes mais novos (.28) não aplicam essa
variante como o fazem os informantes das faixas etárias intermediária (.68) e os mais
velhos (.63). Pelo cruzamento desses dois fatores, pode-se ter um melhor panorama do que
ocorre socialmente com relação ao abaixamento de /e/:
Tabela 14: Cruzamento entre faixa etária e anos de escolarização (realização de [])0 a 4 anos
de escolarização5 a 8 anos
de escolarização
9 a 11 anos de
escolarização
+ de 11 anos de
escolarização15 a 25 anos de
idade140/245 57%
.68144/366 39%
.5047/201 3%
.32 -
26 a 49 anos de idade
185/400 46% .57 - 48/117 41%
.52122/354 34%
.45+ de 50 anos de
idade30/100 30%
.40 - 32/98 33%.43
17/65 26%.36
Observando a tabela de uma forma horizontal, os informantes de 26 a 49 anos só
diminuem a produção da variante aberta ([]) quando têm o ensino superior (.57 → .52 →
.45). Os informantes de 15 a 25 anos tendem a diminuir a aplicação da regra de
abaixamento à medida que aumentam os anos de escolarização (.68 → .50 → .32).
Segundo Kemp (1981), o efeito do fator escolarização está relacionado ao fator idade.
Assim, as diferenças de escolarização parecem mais significativas entre falantes mais
velhos do que entre falantes mais jovens. Tal afirmação parece não estar sendo cumprida
aqui, pois se verifica que informantes com 50 anos ou mais de idade não aplicam mais a
regra em função do nível de escolaridade (.41 → .43 → .38).
Os falantes paraibanos abrem mais a vogal quando estão na primeira fase do
ensino fundamental (0 a 4 anos de escolarização) e têm até 25 anos de idade. Tais
resultados justificam o que foi encontrado isoladamente em cada um desses grupos.
Segundo Yacovenco (1993, p.66), para o dialeto carioca,
A regra de abaixamento [...] não apresenta um padrão definido, como ocorre com as outras duas [variantes]. Idosos (4,2%) e jovens (3,7%) usam mais esta regra que o grupo intermediário (1,8%). Supõe-se que este grupo utilize menos a regra de abaixamanto por esta regra se relacionar ao falar dos nordestinos. Sabe-se que a região nordeste apresenta uma situação sócio-econômica precária, fato que acarreta um valor pejorativo para a fala daquela região do país.
Vê-se, portanto, que, na fase intermediária do grupo ‘Faixa etária’, cariocas e
paraibanos, por exemplo, dentro do município do Rio de Janeiro, ocupam dois pólos
lingüísticos opostos. Nessa faixa etária, que é a mais ativa no mercado de trabalho, os
migrantes paraibanos só concorrem com os cariocas quando têm o nível superior de
escolaridade, e esse fato é também expresso lingüisticamente, pois é quando utilizam
menos a variante aberta ([]). Migrantes paraibanos apenas com o nível médio de
escolaridade, na maioria das vezes, realizam trabalhos com um status social mais baixo
(porteiros, faxineiros, balconistas etc.) e que têm difícil ascensão social. Os resultados
obtidos são os expostos na tabela a seguir.
Tabela 15: Faixa etária (realização de [])Faixa etária Ocorr. / total % PR15 a 25 anos 331 / 812 41 .2826 a 49 anos 355 / 871 41 .67
Mais de 50 anos 79 / 263 30 .63
4.2.1.2 Realização de [i]
Para a verificação da regra de alteamento da variável /e/, foram recolhidos 384
dados. O input geral da rodada para a variante [i] foi igual a .20, o mais baixo dentre as
variantes não-recuadas. Sobre essa fato, Leite et al (2002), tendo em vista os dialetos do
Rio Grande do Sul (BISOL, 1981 e 1989), do Rio de Janeiro (CALLOU et al, 1991, 1995 e
1998; YACOVENCO, 1993), da Bahia (SILVA, 1989) e de Minas Gerais (VIEGAS, 1987;
CASTRO, 1990), já haviam percebido que a harmonização vocálica é uma regra de baixa
produtividade no Brasil e de comportamento assimétrico entre as tônicas /i/ e /u/ como
propulsoras do processo.
Os fatores selecionados como favorecedores da aplicação da regra de alteamento de
/e/, na fala dos migrantes paraibanos estão relacionados a seguir:
a) Vogal da sílaba subseqüente;
b) Anos de Escolarização;
c) Tonicidade da vogal subseqüente;
d) Contexto fonológico subseqüente;
e) Contexto fonológico precedente;
f) Faixa etária.
Análise das variáveis lingüísticas
Quanto ao alteamento da média pretônica, Pereira (1997), em João Pessoa,
encontrou que as variantes altas [i] e [u] ocorrem categoricamente diante de [ĩ], como em:
m[i]nina, d[u]mingo; e, predominantemente, diante de /i/: p[i]dia, p[u]lítica.
Segundo Yacovenco (1993), para a regra de alteamento de /e/, os maiores índices
percentuais relacionam-se à vogal alta homorgânica e à alta não-homorgânica.
Os resultados obtidos na amostra dos migrantes paraibanos apresentaram os
valores que podem ser vistos na Tabela 16:
Tabela 16: Contexto vocálico subseqüente (realização de [i])Vogal da sílaba
subseqüente Ocorrências % Peso relativo TOTAL
[i] 166 38 .85 432[ũ] 26 73 .86 37[u] 23 46 .72 50[e] 44 21 .70 209[o] 23 10 .52 221[] 37 26 .51 145
Ditongo 22 11 .40 201[ẽ] 15 7 .36 203[a] 6 2 .09 353
O tipo de vogal que está na sílaba subseqüente à vogal pretônica enfocada, no caso
/e/, é fator de grande relevância para a aplicação da variante [i], principalmente se essa
vogal subseqüente for um [ĩ] (17 casos), pois 100% de suas ocorrências foram da variante
[i]. Diante de [ã, , õ], dentre o conjunto de dados, não houve elevação de /e/ e diante de [ẽ]
e [a] não houve números favoráveis à aplicação da regra de alteamento.
O grupo ‘Tonicidade da vogal da sílaba subseqüente’ apresenta resultados que
indicam que a sílaba contígua a /e/, quando tônica, apresenta um peso relativo de .56 de
aplicação da regra, ao passo que, quando a sílaba contígua é átona, os índices não se
apresentam favoráveis à aplicação da variante [i] (.36).
Tabela 17: Vogal da sílaba subseqüente e tonicidade da vogal subseqüente (realização de [i])Vogal da sílaba
SubsequenteVogal subseqüente tônica Vogal subseqüente átonaOcorr./total % PR Ocorr./total % PR
Altas 183/312 59 .93 41/198 21 .72Médias orais 55/367 15 .62 32/232 14 .58
Baixas 35/446 8 .12 4/86 5 .52Médias nasais 5/156 3 .09 10/51 20 .47
Pela Tabela 17, percebe-se que o alteamento de /e/ só não obtêm probabilidade
favorável à sua aplicação quando está diante de vogais baixas tônicas e de médias nasais. A
maior probabilidade de ocorrência do processo é encontrada diante de vogais altas,
principalmente tônicas, na sílaba subseqüente, corroborando os trabalhos citados sobre o
assunto.
Além da ocorrência de alteamento nos contextos de vogais altas na sílaba
subseqüente, esse processo também pode ser observado diante de vogais baixas na sílaba
subseqüente, como se pode ver em: m[i]lhor, fut[i]bol, s[i]nhora, d[i]sabado, d[i]sastre,
d[i]vagar, d[i]mais, d[i]baixo. Sendo assim, outros contextos linguísticos devem ser
acionados para verificar o que de fato pode sistematizar essas ocorrências. Por ora, serão
observados os contextos consonatais circunvizinhos da vogal em pauta.
Para o alteamento, Pereira (1997) aponta as alveolares (sibilantes) e as palatais
subseqüentes como condicionadoras da aplicação de [i]. Yacovenco (1993) aponta as
velares favorecendo a aplicação do alteamento das médias pretônicas no Rio de Janeiro.
Com relação ao contexto subseqüente, os resultados para o alteamento podem ser
vistos na Tabela 18:
Tabela 18: Contexto fonológico subseqüente (realização de [i])Contexto fonológico subseqüente Ocorr./ Total % P. R.
Palatais 55/161 32 .68Velares 103/370 26 .67
Alveolares 189/307 18 .47Labiais 37/327 11 .31
Os resultados confirmam o que já foi encontrado em João Pessoa (PEREIRA,
1997) e no Rio de Janeiro (YACOVENCO, 1993). O alteamento diante de consoante
palatal adjacente é perfeitamente explicado pela geometria dos traços de Clements &
Hume (1995), em que há um espraiamento do nó terminal de abertura dominado pelo nó
vocálico da consoante palatal, interpretada como uma consoante com articulação
secundária, regra, assim, idêntica à da tradicional harmonia vocálica (cf. BISOL, 1989;
VAN DER HULST & VAN DER WEIJER, 1995). Como em m[i]lhor(es). Os exemplos
de alteamento de /e/ diante de velar foram apenas em casos como: p[i]quena, n[i]gociar,
n[i]gociante, n[i]gociava.
Quanto ao contexto consonantal precedente, segundo Pereira (1997), os contextos
fonológicos precedentes que não foram favoráveis ao alteamento da pretônica não-recuada,
em João Pessoa, foram os de vibrantes e de palatais. Todas as outras favorecem a aplicação
do processo, embora as velares sejam as mais atuantes. Segundo Yacovenco (1993), no Rio
de Janeiro, o contexto precedente que mais favorece a aplicação de [i] são as consoantes
velares.
Na fala dos migrantes pessoenses, as consoantes alveolares e velares se mostram
como as mais favoráveis à aplicação de alteamento, pois foram as que obtiveram um índice
probabilístico acima do ponto neutro. Os resultados podem ser observados na Tabela 19 a
seguir:
Tabela 19: Contexto fonológico precedente (realização de [i])
Contexto fonológico precedente Ocorr./ Total % PRAlveolares 215/814 26 .61
Velares 42/230 18 .50Labiais 109/672 16 .45Palatais 18/230 8 .29
As consoantes alveolares precendentes são as que mais favorecem a aplicação do
alteamento de /e/, como se pode ver nos exemplos já mencionados (fut[i]bol, prat[i]leira,
c[i]bola, s[i]nhora, adol[i]scência, d[i]sabado, d[i]sastre, d[i]vagar, d[i]mais, d[i]baixo,
d[i]sespero, d[i]sesti, d[i]primido). Exemplos de consoantes velares favorecendo o
alteamento de /i/ podem ser vistos em: r[i]cebi, r[i]petia.
Quanto à possibilidade de variação ternária da mesma palavra, segundo Pereira
(1997), os maiores favorecedores da realização da não-recuada nos três níveis
(abaixamento, manutenção e alteamento) são as vogais altas na sílaba subseqüente (f[e/
/i]liz, r[e//i]curso). Silva (1989) constatou que o mesmo fenômeno ocorre no dialeto de
Salvador.
É importante levar em consideração as ocorrências dos seguintes vocábulos:
acont[i]cer, amadur[i]cer, apar[i]cer, conh[i]cer, esqu[i]cer, fal[i]ceram. Todos eles são
verbos da segunda conjugação, com mais de um núcleo vocálico no radical e com uma
vogal média pretônica imediata à vogal temática -e-, que é tônica. Nesse ambiente, tal
vogal média pretônica pode sofrer o processo de alteamento. Quando a esse radical é
acrescido uma desinência de gerúndio (-endo), há a possibilidade de aplicação das três
possibilidades de realização da vogal média pretônica (acont[e//i]cendo, amadur[e/
/i]cendo, apar[e//i]cendo, conh[e//i]cendo, esqu[e//i]cendo, fal[e//i]cendo). É
importante, também, perceber a presença da sibilante alveolar como a última consoante do
radical verbal.
Além de verbos no gerúndio, cuja vogal tônica é produzida com um som nasal, os
substantivos e adjetivos que são formados com sufixos com a vogal tônica [ẽ] também
apresentam possibilidade ternária de realização da pretônica, como se pode ver em:
adol[E/e/i]scência, int[E/e/i]gência, adol[/e/i]cente, int[E/e/i]gente. A palavra
s[E/e/i]mente, que não tem sufixo em sua formação, é uma extensão desse quadro.
Tendo em vista o que foi apresentado, o alteamento é condicionado,
principalmente, pela ocorrência de vogais altas na sílaba subseqüente. O alteamento da
pretônica /e/ além desse contexto é motivado pela consoante subseqüente e/ou precedente.
Afora esses fatores fonológicos, a presença de determinados sufixos determinam a
possibilidade de outro tipo de realização, como o abaixamento, que é um processo
incompatível com o alteamento, mas alguns elementos morfológicos permitem que eles co-
ocorram.
Análise das variáveis sociais
O grupo de fatores “tempo de residência no Rio de Janeiro” não foi selecionado
como um dos condicionadores do processo de alteamento de /e/. Esse processo não
destigue os dialetos carioca e paraibano, por isso, a quantidade de tempo que o informante
fica exposto ao contato não determina o aumento ou a diminuição de seus percentuais.
A acomodação do migrante paraibano ao dialeto carioca não é verificada com
base no alteamento de /e/. Os indícios de convergência dialetal é o aumento da manutenção
de /e/ em detrimento do declínio da produção de abaixamento, não de alteamento. A
diminuição do percentual de alteamento é uma estratégia do falante para fazer aumentar os
percentuais de manutenção, que é típico do dialeto carioca, sem perder a sua identidade,
caracterizada pelo abaixamento de /e/. Sendo assim, outros fatores sociais podem descrever
o comportamento desse processo.
Quanto à aplicação de [i], as variáveis sociais selecionadas foram ‘Anos de
escolarização’ e a ‘Faixa etária’ do informante. Pela tabela abaixo, pode-se ter uma idéia
geral de como os informantes se comportam conforme o seu grau de instrução.
Tabela 20: Anos de escolarização (realização de [i])Anos de Escolarização Ocorr. / total % PR
0 a 4 anos 200 / 745 27 .655 a 8 anos 47 / 366 13 .399 a 11 anos 69 / 416 17 .41
+ de 11 anos 68 / 419 16 .42
O gráfico a seguir ilustra bem os resultados probabilísticos obtidos e permite uma
melhor visualização do processo na fala dos migrantes paraibanos.
Gráfico 3: Aplicação de [i] pelos anos de escolarização (com base nos pesos relativos)
65
39 42 41
0
20
40
60
80
0 a 4 anos 5 a 8 anos 9 a 11 anos mais de 11 anos
Anos de Escolarização
Pelo gráfico, pode-se visualizar que a produção da variante [i] é típica de
informantes com o mais baixo nível escolar observado, mas vai perdendo seu poder de
aplicação à medida que os informantes aumentam seu grau de instrução. Verifica-se que, já
na segunda fase do ensino fundamental, o valor de aplicação da variante já é abaixo do
ponto neutro, que é .50. A variante [], por sua vez, só vai perdendo as forças quando o
informante passa para o ensino médio.
Em João Pessoa, Pereira (1997) constatou que, ao mesmo tempo em que
favorecem mais as variantes [e] e [o], os universitários são os que apresentam os índices
mais baixos para a elevação das médias. Assim, são os falantes com menos anos de
escolarização os que apresentam os maiores índices desse processo, como acontece com os
migrantes.
Sobre o grupo de fatores ‘Faixa etária’ do informante, Callou et al (1995, p.68)
afirmam que
Embora as variáveis sociais não se tenham mostrado significativas, o uso nas faixas etárias e em homens e mulheres assinala uma curva descendente: homens e velhos usando mais a regra e jovens e mulheres menos. Portanto, não há qualquer indício de progressão da regra, mas antes de possível perda de produtividade.
Os valores probabilísticos demonstram que, nas duas primeiras faixas observadas, o
comportamento lingüístico do migrante continua o mesmo. Só há alteração entre os mais
velhos, que são aqueles que mais produzem a realização alta da pretônica não-recuada,
corroborando, portanto, o trabalho de Yacovenco (1993), de Callou et al (1995) e de
Pereira (1997). Dentro de uma visão geral, o comportamento dos grupos sociais de
migrantes não é diferente daquele dos paraibanos que não são migrantes. Os resultados
obtidos para esse grupo de fatores podem ser vistos na tabela a seguir.
Tabela 21: Faixa etária (realização de [i])
Faixa etária Ocorr. / total % PR
15 a 25 anos 138 / 812 17 .48
26 a 49 anos 166 / 871 19 .48
50 ou mais anos 80 / 263 30 .62
Nos trabalhos realizados no Rio Grande do Sul, a variável ‘Faixa etária’ teve
pequeno efeito na aplicação da regra de elevação. Bisol (1981, p. 86) observou que os mais
jovens tendem a elevar menos as vogais /e/ e /o/ pretônicas, o que implicaria, segundo a
autora, que a alteração dessas vogais, no dialeto gaúcho, fosse uma regra em vias de um
processo de regressão.
O comportamento dos informantes de 15 a 49 anos, com relação ao alteamento de
/e/, é o mesmo e que os informantes com 50 anos ou mais apresentam uma maior
probabilidade de aplicação de alteamento de /e/. Não significa, porém, que esse processo
está em vias de regressão. Neste caso, os informantes mais velhos, que migraram em outra
época, sob pressões sociais diferentes das que hoje são exercidas no processo de
(e)migração apresentam essa característica na sua produção oral.
O comportamento lingüístico dos informantes que chegaram ao Rio de Janeiro
entre 1993/94 e 2003/04 (0 – 4 anos e 5 – 10 anos), portanto, é diferente do
comportamento dos informantes que chegaram em anos anteriores. Conforme os dados, os
primeiros têm uma necessidade maior de acomodação do que estes. Talvez devido ao fato
de o mercado de trabalho nos anos mais recentes ser mais exigente quanto à aparência,
postura, linguagem, escolarização das pessoas para qualquer tipo de trabalho, do que em
outras épocas, exigindo, portanto, maior acomodação do informante ao dialeto carioca.
“Naquela época era mais fácil. Podia trabalhar sem documento, até com dezessete anos. Sem precisar nem de reservista. Hoje em dia, está mais complicado. Só trabalha mais através de concurso, essas coisas. (...) Eu cheguei (...) fui logo arrumando emprego. Agora, têm muitos que não conseguem. Não têm estudo, não têm conhecimento. Porque hoje em dia é através do conhecimento.”
(Depoimento de um informante com mais de 10 anos de residência no Rio de Janeiro. Ex-agricultor. Atualmente trabalha como porteiro e tem de 0 a 4 anos de escolarização)
No caso das médias pretônicas não-recuadas, os informantes mais jovens são os
que os que mais facilmente se adaptam a dinâmica lingüística carioca, pois são os que
produzem as mais baixas probabilidades de abaixamento e de alteamento.
4.2.2 A pretônica recuada:
4.2.2.1 Realização de []
Para a verificação da regra de abaixamento ([]) nesta pesquisa, foram colhidos
418 dados. O input geral da rodada com valor de aplicação foi igual a .34. Os fatores
selecionados como favoráveis à aplicação de [] foram:
a) Vogal da sílaba subseqüente;
b) Contexto fonológico subseqüente;
c) Tempo de residência no Rio de Janeiro;
d) Faixa etária;
e) Anos de escolarização;
f) Contexto fonológico precedente.
Análise das variáveis lingüísticas:
Para a aplicação de [], no falar culto carioca, segundo Yacovenco (1993, p.98),
nota-se que as vogais baixas subseqüentes são as que mais atuam sobre as pretônicas orais
posteriores, caracterizando uma regra de harmonia vocálica. Já em João Pessoa, segundo
Pereira (1997), o abaixamento de [] ocorre diante de vogal de mesma altura, de médias e
baixa nasais, além de ocorrerem casos significativos da aplicação da regra também diante
de [u] na sílaba subseqüente.
Os resultados obtidos pela análise da fala dos migrantes paraibanos podem ser
observados na tabela a seguir:
Tabela 22: Contexto vocálico subseqüente (realização de [])Vogais
subseqüentes Ocorrências % Peso relativo TOTAL
[] 55 56 .97 98[ẽ] 57 68 .96 84[a] 189 72 .88 263[ã] 19 56 .83 34[u] 28 58 .53 48[õ] 22 61 .45 36[i] 26 8 .20 346
Ditongo 4 6 .17 62[e] 12 5 .08 250
A aplicação da variante [] é condicionada pelas vogais da sílaba subseqüente,
principalmente se essa vogal for sua homorgânica, pois em 100% dos casos isso ocorre.
Por outro lado, as vogais altas nasais [ĩ] e [ũ], as médias [e] e [o] e os ditongos orais não se
mostraram favoráveis à aplicação da regra de abaixamento na fala dos migrantes
paraibanos. Exemplos de abaixamento diante de vogais baixas podem ser: c[]loca, c[]
locam, c[]loco.
No que se refere ao /u/ subseqüente, nasal ou oral, essa vogal não aparece mais
como favorável ao abaixamento de /e/, como era em João Pessoa (PEREIRA, 1997),
embora ocorra em alguns casos, ao passo que favorece ao abaixamento de /o/, como
também já havia sido detectado por Pereira (op. cit.).
Quanto ao contexto fonológico subseqüente, Pereira (1997) encontrou que, para o
abaixamento de /o/, as sibilantes se apresentam como o contexto mais favorável. Já no Rio
de Janeiro, segundo Yacovenco (1993), o abaixamento de /o/ é condicionado pelas
vibrantes. Na fala dos migrantes paraibanos, os resultados podem ser vistos na Tabela 21:
Tabela 23: Contexto fonológico subseqüente (realização de [�])Contexto fonológico subseqüente Ocorr./ Total % PR
Velares 44/73 60 .68Alveolares 266/584 46 .68
Labiais 102/486 21 .36Palatais 6/109 6 .10
O abaixamento da médias pretônica /o/ é condicionado pela consoantes velares e
alveolares na sílaba subseqüente, como pode ser visto na tabela 23, exemplos que ilustrem
essa informação podem ser: d[]cumento, c[]rrupção; ev[]luíndo, s[]lução, c[]ração.
No que diz respeito ao contexto fonológico precedente à vogal observada,
Segundo Yacovenco (1993), as vibrantes são as consoantes que influenciam de modo
destacado o abaixamento da posterior oral. Os resultados obtidos pela amostra dos
migrantes pessoenses podem ser observados na Tabela 24, a seguir:
Tabela 24: Contexto fonológico precedente (realização de [�])Contexto fonológico precedente Ocorr./ Total % PR
Palatais 36/64 56 .58Alveolares 115/290 40 .57
Labiais 167/404 41 .56Velares 100/494 20 .40
Para o abaixamento de /o/, as velares são as únicas não favoráveis, embora os
outros valores não sejam significativos, o que demonstra a pouca força de
condicionamento das consoantes precedentes para a regra de abaixamento de /o/. Exemplos
da aplicação de abaixamento podem ser encontrados em: p[]pular, p[]pulação, p[]
pularidade, v[]mitar, s[]breviver, s[]frimento, ch[]colate.
Análise das variáveis sociais
Com relação ao grupo de fatores ‘Tempo de residência no Rio de Janeiro’, os
resultados indicam que os informantes da fase de um a cinco anos no Rio de Janeiro são os
que mais aplicam a variante [], mas os valores da aplicação vão diminuindo conforme vai
aumentando o número de anos de contato com os cariocas. Como se pode ver na tabela …
Tabela 25: Tempo de residência no Rio de Janeiro (realizações de [])
Tempo de Residência no Rio de Janeiro Ocorr. / Total % PR
1 a 4 anos 131 / 308 43 .745 a 10 anos 190 / 619 31 .50
Mais de 10 anos 97 / 325 30 .28
Os gráficos a seguir ilustram os resultados encontrados para o abaixamento de /e/
e de /o/.
Gráfico 4: Tempo de residência no Rio de Janeiro
(realização de [])
41 35
78
0
20
4060
80
100
0 a 4 anos deres idência
5 a 10 anos deres idência
+ de 10 anos deres idência
Anos de residência no Rio de Janeiro
Gráfico 5: Tempo de moradia no Rio de Janeiro (realização de [])
50
28
74
0
20
406080
100
0 a 4 anos deres idência
5 a 10 anos deres idência
+ de 10 anos deres idência
Anos de residência no Rio de Janeiro
Como se pode ver, a vogal não-recuada é mais sensível ao tempo, pois suas
probabilidades de ocorrência só são superiores ao ponto neutro (.50) nos cinco primeiros
anos de contato. Já para a vogal recuada, a diminuição da probabilidade de aplicação de
abaixamento só ocorre depois dos dez anos.
Com relação à ‘Faixa etária’, em João Pessoa, Pereira (1997) observa o seguinte:
Os informantes que compreendem a faixa etária de 26 a 49 anos são os que mais fecham [mantêm] as vogais, mas quando atingem uma idade mais avançada (49 em diante) apresentam uma queda na aplicação da regra. Isso se justificaria, em parte, por se tratar da faixa etária que menos sofre as influências do mercado ocupacional. Sankoff, Kemp & Cedergren (1978) constataram a relevância do mercado lingüístico para o uso da forma padrão: falantes com maior cotação nesse mercado tendem a empregar mais freqüentemente a variante padrão do que a variante de menos prestígio.
No Rio de Janeiro, segundo Yacovenco (1993), para todas as idades, a
manutenção é a maior tendência e são os jovens os que apresentam maior percentual de
uso. Tanto o alteamento quanto o abaixamento da pretônica recuada ocorrem em
informantes mais velhos. O abaixamento apresenta índices mais baixos entre os
informantes da faixa etária intermediária. Os resultados da aplicação de abaixamento pelos
migrantes paraibanos podem ser vistos na tabela a seguir.
Tabela 26: Faixa etária (realização de [])Faixa etária Ocorr. / Total % PR15 a 25 anos 161 / 485 33 .3026 a 49 anos 208 / 605 34 .62
50 anos ou mais 49 / 162 30 .67
Com base nos gráficos a seguir, pode-se estabelecer um paralelo entre a vogal
não-recuada e a vogal recuada no que diz respeito à faixa etária dos migrantes.
Gráfico 6: Faixa etária (realização de [])
63
28
67
0
20
40
60
80
15 a 25 anos 26 a 49 anos 50 anos em diante
[é]
Gráfico 7: Faixa etária (realização de [])
67
30
62
0
20
40
60
80
15 a 25 anos 26 a 49 anos 50 anos em diante
[ó]
A observação desses gráficos permitem concluir que são os mais novos que são os
mais suscetíveis ao processo de acomodação. Para a vogal recuada, os mais velhos aplicam
mais [] do que os da faixa intermediária. O contrário ocorre para a não-recuada, mas,
ainda assim, ambas as faixas etária, para as duas vogais, possuem comportamento muito
semelhante.
Com base no cruzamento dos grupos de fatores ‘Tempo de residência no Rio de
Janeiro’ e ‘Faixa etária’ do informante, pode-se entender melhor os resultados expostos no
na tabela 27.
Tabela 27: Cruzamento entre ‘Faixa etária’ e ‘Tempo de residência no Rio de Janeiro’(realizações de [])
[]1 a 4
anos de residência5 a 10
anos de residênciaMais de 10 anos de
residência
15 a 25 anos 103/249 41% .59
28/59 47% .65 -
26 a 49 anos 58/236 25% .40
132/383 34% .52 -
50 ou mais anos - 48/163 29% .46
49/162 30% .47
Observando a tabela no eixo horizontal, percebe-se que são os informantes mais
jovens os que mais aplicam a variante aberta ([]) e, sob o ponto de vista vertical, seus
índices probabilísticos caem à medida que vão ficando mais velhos.
No que diz respeito aos anos de escolarização, o abaixamento de [] ocorre mais
entre os informantes do ensino fundamental, como se pode ver na tabela 28 a seguir.
Tabela 28: Anos de escolarização (realização de [])Anos de escolarização Ocorr. / Total % PR
0 a 4 anos 184 / 497 37 .545 a 8 anos 67 / 219 31 .659 a 11 anos 80 / 259 31 .46
Mais de 11 anos 87 / 277 31 .35
Comparando esses resultados, com base nos gráficos a seguir, com os obtidos pela
vogal não-recuada, pode-se visualizar como os migrantes se comportam com base no
processo de abaixamento da média pretônica.
Gráfico 8: Aplicação de [] segundo os anos de escolarização
72
23
4159
0
20
40
60
80
0 a 4 anos 5 a 8 anos 9 a 11 anos + de 11 anos
Anos de escolarização
Gráfico 9: Aplicação de [] segundo os anos de escolarização
65
354654
0
20
40
60
80
0 a 4 anos 5 a 8 anos 9 a 11 anos + de 11 anos
Anos de escolarização
O comportamento do informante com relação aos anos de escolarização é
semelhante para ambas as vogais. As duas primeiras fases são as que mais produzem o
abaixamento, sendo que a segunda apresenta maiores probabilidades de aplicação.
Segundo Oliveira e Silva (1996, p.346-7),
fenômenos não tão precocemente enfatizados na escola são de aquisição mais tardia [como esse, por exemplo]. (...) Nesses fenômenos, as probabilidades de uso dos falantes de ginásio [5 a 8 anos de escolarização] são iguais ou mais
próximas das probabilidades do primário [1 a 4 anos] do que das do 2º grau [9 a 11 anos]. O maior contato com a língua literária, incentivado pela escola no fim do ginásio, contato esse que aumenta no 2º grau, deve concorrer para tal incremento.
Os informantes das duas últimas fases escolares observadas aplicam menos [] do
que [], e nas duas primeiras ocorre o contrário, o que faz crer que o abaixamento de /e/ é
mais estigmatizado do que o de /o/.
4.2.2.2 Realização de [u]
Para a verificação da regra de alteamento da variável /o/, foram colhidos 448
dados. O input geral da rodada para a variante [u] foi igual a .36. Os grupos selecionados
como favoráveis a aplicação de [u] foram:
a) Vogal da sílaba subseqüente;
b) Contexto fonológico subseqüente;
c) Tonicidade da sílaba subseqüente;
d) Contexto fonológico precedente;
e) Faixa etária;
f) Tempo de residência no Rio de Janeiro.
Análise das variáveis lingüísticas
Para o alteamento de /o/, segundo Yacovenco (1993), a vogal alta não-
homorgânica, ou seja, a alta anterior, é a que mais age sobre a vogal posterior. Os
resultados que foram produzidos pela fala dos migrantes podem ser vistos na tabela abaixo:
Tabela 29: Contexto vocálico subseqüente (realização de [u])Vogal Ocorrências % Peso relativo TOTAL
subseqüente[ĩ] 23 92 .97 25[i] 244 71 .82 346[e] 98 39 .66 250[ã] 8 24 .42 34
Ditongo 15 24 .30 62[a] 36 14 .30 263[] 14 14 .19 98[u] 1 2 .04 48
Para a aplicação de [u], a vogal alta não-homorgânica ([i]) é a que mais age sobre
a oral posterior. Isso se deve, segundo a autora, ao fato de a vogal /i/ apresentar F1 de 300
Hz, sendo, então, o segmento mais alto da língua. A vogal média apresenta um índice
superior ao da alta homorgânica – 35% contra 24% – para o alteamento, corroborando,
portanto, os resultados encontrados em Pereira (1997) e Yacovenco (1993).
Bisol (1981) já registrara que a alta não-homorgânica /u/ tem influência menor na
elevação das médias e encontra critérios articulatórios para inferir que a alta não-recuada
influencia de maneira mais efusiva os segmentos pretônicos do que a alta recuada. Afirma
que a vogal não-recuada é mais alta do que a recuada por possuir um espaço na cavidade
bucal destinado à sua emissão maior do que o desta. Por causa disso, é natural que a
recuada não exerça força atrativa sobre /e/, pois convertê-la em /i/ seria provocar uma
aticulação mais alta que a própria.
Leite et al (2002), com base nos estudo feitos por Moraes et al (1996) sobre os
sistemas vocálicos do português do Brasil, afirma que [i] e [u] apresentam praticamente os
mesmos valores para o primeiro formante (F1): [i] = 353Hz e [u] = 358Hz, uma diferença,
portanto, não significativa. Esse fato prejudica a argumentação de Bisol. Ainda segundo
Leite et al (2002), o alteamento de /e/, no Rio de Janeiro, é condicionado, quase que
indistintamente, por /i/ (.76) e por /u/ (.71). Já para o alteamento de /o/, o comportamento
não é o mesmo, pois o /i/ tem uma maior força assimilatória (.73) do que o /u/ (.44), sendo,
portanto, segundo os autores, mais fácil elevar s[u]vina do que c[u]luna.
Como se pode ver pela Tabela 29, as vogais posteriores não favorecem ao
alteamento de /o/. Algumas foram eliminadas ([o], [] e [ũ]), por apresentarem
comportamento categórico (não permitirem o alteamento), e a vogal [u] não conseguiu
atingir índices favoráveis à aplicação do processo (.04). As vogais anteriores, exceto a
aberta ([]), propiciam o alteamento do /o/, principalmente a alta, nasal ou não. Segundo
Guy & Bisol (1991, p.130), “a vogal subseqüente /i/ mostra-se efetivamente mais forte que
a vogal posterior /u/, pois /i/ levanta prodigamente vogais frontais e posteriores, enquanto
/u/ tende a restringir sua ação à vogal posterior”. Vê-se, portanto, que a homorganicidade é
um fator irrelevante para explicar o alteamento da média recuada, não só na fala dos
migrantes paraibanos.
No que se refere à tonicidade da vogal subseqüente, para [u], o contexto
subseqüente tônico (.58) condiciona o alteamento de /o/ e já o átono não exerce influência
(.32). Pelo cruzamento dos grupos ‘Tonicidade da vogal subseqüente’ e ‘Vogal da sílaba
subseqüente’, cujos resultados estão expostos na Tabela 30, pode-se ter uma melhor visão
do comportamento de [u] na fala dos migrantes paraibanos:
Tabela 30: ‘Vogal da sílaba subseqüente’ e ‘tonicidade da vogal subseqüente’ (realização de [u])Vogal da sílaba
subseqüenteVogal subseqüente tônica Vogal subseqüente átonaOcorr./total % PR Ocorr./total % PR
Vogais altas 246/296 83 .91 22/124 18 .38Vogais médias 55/160 34 .45 58/188 31 .63
Baixas + médias nasais 63/425 15 .19 4/59 7 .18
Pela Tabela 30, pode-se ver que os únicos contextos que codicionam a aplicação
de [u], no que se refere às vogais da sílaba subseqüente, são as altas anteriores tônicas,
orais e nasais, e as médias orais, quando átonas. Ou seja, poucos são os contextos vocálicos
que condicionam a sua ocorrência, o que faz com que essa variante fique exposta à ação de
outros contextos sociolingüísticos.
Quanto ao contexto fonológico subseqüente, os resultados obtidos da fala dos
migrantes paraibanos podem ser vistos na Tabela 31, a seguir:
Tabela 31: Contexto fonológico subseqüente (realização de [u])Contexto fonológico subseqüente Ocorr./ Total % PR
Labiais 233/486 48 .68Velares 18/73 25 .65
Alveolares 166/584 28 .50Palatais 31/109 28 .49
Pela tabela, nota-se que todas as consoantes, exceto as palatais, favorecem a
aplicação de [u], principalmente as labiais e as velares. Os vocábulos com consoante
palatal subseqüente que sofreram alteamento da média pretônica foram: odontol[u]gia,
esc[u]lh (–er, -endo), conh[i]c (-er, -ido, -endo, -(i)mento, -i).
As ocorrências de consoantas velares subseqüentes à vogal pretônica observada
resumem-se a: f[u]gueira, f[u]gão, b[u]cado. As com consoante alveolares foram:
n[u]tícia, r[u]tina, in[u]c (-ente, -ência), s[u]ssegadas, neg[u]c (-iante, iava, -ia). Como
se pode notar, o contexto vocálico subseqüente não sistematiza as realizações de
alteamento de /u/, pois não apenas as vogais altas podem elevar as pretônicas. As
consoantes velares favorecem o alteamento das médias pretônicas no contexto
subseqüente. Além das velares, as labiais favorecem o alteamento de /o/, como em:
carb[u]reto, disp[u]sição, ap[u]sentou, b[u]nito, m[u]tivo, n[u]tícia, r[u]tina, b[u]t (-ar,
-ava, -ou, -ei), p[u]ssível, in[u]c (-ente, -ência), alm[u]çando, s[u]ssegadas, neg[u]c
(-iante, iava, -ia).
No que diz respeito ao contexto fonológico precedente, os resultados foram os
apresentados na tabela a seguir.
Tabela 32: Contexto fonológico precedente (realização de [u])Contexto fonológico precedente Ocorr./ Total % PR
Labiais 150/404 37 .62Velares 206/494 42 .58
Alveolares 86/290 30 .31Palatais 6/64 9 .18
Pela Tabela 32, pode-se ver que as velares favorecem a aplicação do alteamento
das médias pretônicas, como foi encontrado por Yacovenco (1993). Além desse fator, o
alteamento de /o/ é condicionado pelas consoantes labiais, como foi encontrado por Pereira
(1997) e Yacovenco (1993).
Recorrendo ao arquivo de dados, percebe-se que há exemplos que podem atingir a
pretônica de três possibilidades, como pode ser visto em s[�/o/u]rridente, s[�/o/u]frimento,
neg[�/o/u]ciante, in[�/o/u]cente; Nesses exemplos, há a presença dos prefixos -a/ente/o,
que favorecem a possibilidade de variação ternária, como já foi visto para as não-recuadas.
Em b[�/o/u]tar, t[�/o/u]mava, m[�/o/u]dificar, v[�/o/u]mitar há a presença de palavras que
têm na sílaba tônica uma vogal baixa e vogal temática de verbos da primeira conjugação. A
palavra t[�/o/u]mate é uma extensão da regra.
Análises das variáveis sociais
Para o grupo de fatores ‘Tempo de residência no Rio de Janeiro’, com relação ao
alteamento de /o/, os resultados indicam que são os informantes que estão há mais tempo
no Rio de Janeiro os que mais produzem a variante [u]. Essa variante, porém, não obteve
números favoráveis para as outras duas primeiras fases e nem aumento significativo de
uma fase para outra, o que indica que essa é uma variante típica das pessoas que chegaram
aqui em outra década, sujeita também à variável idade, que pesa sobre esses resultados.
Através da tabela a seguir, pode-se ter uma visão panorâmica dos resultados.
Tabela 33: Tempo de residência no Rio de Janeiro (realização de [u])
Tempo de residência no Rio de Janeiro Ocorr. / Total % PR
1 a 4 anos 85 / 308 28 .405 a 10 anos 222 / 619 36 .48
Mais de 10 anos 141 / 325 43 .64
Gráfico 10: Tempo de residência no Rio de Janeiro(realização de [u])
50
28
74
0
20
40
60
80
0 a 4 anos deres idência
5 a 10 anos deres idência
+ de 10 anos deres idência
Anos de residência no Rio de Janeiro
O Gráfico 10 indica que a regra de abaixamento vai diminuindo à medida que o
informante aumenta os seus anos de residência no Rio de Janeiro, pois seus índices vão
paulatinamente diminuindo com o passar do tempo. O aumento do tempo de moradia é
diretamente proporcional à aplicação da regra de alteamento, embora na primeira década
os informantes se comportem de forma semelhante. Com relação à ‘Faixa etária’, em João
Pessoa, Pereira (1997) observa o seguinte:
Os informantes que compreendem a faixa etária de 26 a 49 anos são os que mais fecham [mantêm] as vogais, mas quando atingem uma idade mais avançada (49 em diante) apresentam uma queda na aplicação da regra. Isso se justificaria, em parte, por se tratar da faixa etária que menos sofre as influências do mercado ocupacional. Sankoff, Kemp & Cedergren (1978) constataram a relevância do mercado lingüístico para o uso da forma padrão: falantes com maior cotação nesse mercado tendem a empregar mais freqüentemente a variante padrão do que a variante de menos prestígio.
Ainda segundo Pereira (1997), os informantes mais velhos são os que mais
aplicam a variante alta ([u]). O abaixamento é uniforme entre as faixas etárias. No Rio de
Janeiro, segundo Yacovenco (1993), para todas as idades, a manutenção é a maior
tendência e são os jovens os que apresentam maior percentual de uso. Tanto o alteamento
quanto o abaixamento da pretônica recuada ocorrem em informantes mais velhos. Os
índices percentuais da regra de alteamento na fala culta do carioca elevam-se à mesma
medida que aumenta a faixa etária. O abaixamento apresenta índices mais baixos entre os
informantes da faixa etária intermediária. Os resultados podem ser vistos no Gráfico 11, a
seguir:
Gráfico 11: Faixas etárias (realização de [i])
6248
48
0
20
40
60
80
15 a 25 anos 26 a 49 anos 50 anos ou mais
[i]
Gráfico 12: Faixa etária (realização de [u])
36
4657
0
20
40
60
80
15 a 25 anos 26 a 49 anos 50 anos em diante
[u]
O que se pode verificar pelos gráficos é que o alto índice de aplicação da
realização [i] é causada pela produção oral dos informantes mais velhos. Os informantes
que têm de um a dez anos de residência no Rio de Janeiro possuem um comportamento
semelhante. Para a aplicação de [u], não são os mais velhos que mais produzem o
alteamento de /o/ e sim os informantes de 26 a 49 anos de idade.
Com base no cruzamento dos grupos de fatores ‘Tempo de residência no Rio de
Janeiro’ e ‘Faixa etária’ do informante, pode-se entender melhor os resultados expostos no
Gráfico 10, gerado a partir da Tabela 24:
Tabela 34: Cruzamento entre ‘Faixa etária’ e ‘Tempo de residência no Rio de Janeiro’(realizações de [u])
[u]1 a 4
anos de residência5 a 10
anos de residênciaMais de 10 anos de
residência
15 a 25 anos 80/249 32% .47
5/59 8% .15 -
26 a 49 anos 78/236 33% .48
144/383 38% .53 -
50 ou mais anos - 88/163 54% .69
53/162 33% .48
Observando a tabela 33, pode-se perceber que os informantes que tem de um a
quatro anos de residência no Rio de Janeiro são indiferentes com relação ao grupo de
fatores idade. Dentre os informantes que têm de cinco a dez anos de residência no Rio de
Janeiro aplicam mais o alteamento de /u/ quando são mais velhos, fazendo, assim, um
movimento inverso ao da aplicação da regra de abaixamento da pretônica recuada.
Pode-se diagramar o movimento dessas variantes na fala dos migrantes paraibanos
da seguinte forma:
[e/o]
Setas tracejadas = movimento restritoSetas contínuas = movimento pleno
[E/�] [i/u]
O diagrama pode ser
interpretado da seguinte forma: todos
os ambientes atingidos pelo
abaixamento e pelo alteamento da média pretônica não-recuada podem ser ocupados pela
variante [e], mas o movimento contrário é restrito a alguns contextos. As palvras b[e]leza,
bilh[e]teiro, c[e]noura, com[e]cei, d[e]sejo, dir[e]tor, torc[e]dor, end[e]reço não
autorizam a aplicação de [E] ou [i], demonstrando, pois, que o processo de neutralização,
como também já foi mencionado, atinge um baixo percentual. Em todos esses contextos há
uma vogal média ou um ditongo oral.
Em João Pessoa (PEREIRA, 1997), o movimento de [e] ↔ [i] é possível só diante
de vogais altas na sílaba subseqüente, ao passo que, na fala dos migrantes, as vogais
médias também facilitam o movimento recíproco (ex.: amadur[i]cer, m[i]lhorou, p[i]ssoa,
c[i]bola, p[i]quena), embora a livre passagem de [i] → [e] seja bloqueada por alguns
contextos, como foi exemplificado acima.
O que se pode perceber, então, é que o contexto vocálico subseqüente, para a
vogal recuada, não está delimitando o seu espaço de ocorrência, o que é mais visível
quando se trata da vogal não-recuada, fato já detectado em outros trabalhos sobre as
pretônicas. Callou et al (1995), sobre o falar culto carioca, e Viegas (1987), sobre a fala de
Belo Horizonte, concordam com a idéia de que a harmonização vocálica, como proposta
por Bisol (1981), aplica-se mais ao /e/; sobre o /o/, atuam mais as consoantes adjacentes.
Viu-se, pelos exemplos expostos, que a ação das consoantes também é restrita a
consoantes palatais (alteamento), vibrantes (abaixamento) e labiais subseqüentes
(alteamento de /o/).
O espraiamento dos traços de [E] e de [e] deu-se em direção aos ambientes
próprios ao alteamento, o que faz com que o processo de harmonia vocálica perca sua força
e propicie a diminuição da aplicação da variante alta em contextos específicos ao processo
(ver Gráfico 1), o que faz com que o alteamento seja mais suscetível a outros
condicionamentos sociolingüísticos.
Quanto às pretônicas recuadas, também, todos os ambientes que são atingidos
pelo abaixamento e pelo alteamento da média pretônica recuada podem ser ocupados pela
variante [o]. O movimento de [E] ↔ [i] é restrito, pois depende do contexto fonológico
precedente, do contexto consonantal adjacente palatal e de ambientes morfológicos. O
movimento de [�] ↔ [u] é muito menos restrito e não é determinado pelo contexto
vocálico subseqüente e pela consoante labial adjacente, no caso do alteamento.
Vê-se, portanto, que é isso que ocorre nos dados dos migrantes paraibanos. A
variação existente no ambiente pretônico, que antes poderia ser sistematizada com base no
princípio da harmonia vocálica e em condicionamentos consonantais adjacentes, no dialeto
do paraibano migrante, aciona, às vezes, outros contextos, além dos fonológicos, para dar
conta da variação existente.
Comportamento individual dos informantes
A observação individualizada do migrante apresenta uma distribuição que pode
ser vista na tabela e no gráfico de dispersão a seguir, que descreve o comportamento do
migrante com relação à aplicação de abaixamento ([] e []) e de alteamento ([i] e [u]).
Tabela 35: Comportamento individual (realização de /e/)
InformanteAbaixamento de /e/ Alteamento de /e/
Ocorr. / Total % Ocorr. / Total %
AQS 98 / 153 64 31 / 153 20
LMS 42 / 92 46 31 / 92 34
TJS 41 / 74 55 13 / 74 18
JV 64 / 124 52 11 / 124 9
JR 45 / 113 40 7 / 113 6
MPS 34 / 95 36 9 / 95 9
SZ 24 /84 29 18 / 84 21
GVO 18 / 117 15 14 / 117 12
SS 45 / 101 45 26 / 101 26
JES 39 / 71 55 13 / 71 18
FTS 48 / 117 41 21 / 117 18
PAG 20 / 89 22 18 / 89 20
AMA 17 / 96 18 14 / 96 15
FRG 21 / 45 47 5 / 45 11
AGF 43 / 79 54 16 / 79 2
0
IM 36 / 75 48 21 / 75 28
VB 22 / 74 30 21 / 74 28
FAM 30 / 100 30 41 / 100 41
JLS 29 / 84 35 15 / 84 18
STS 32 / 98 33 19 / 98 19
HN 17 / 65 26 20 / 65 31
Tabela 36: Comportamento individual (realização de /o/)
InformanteAbaixamento de /o/ Alteamento de /o/
Ocorr. / Total % Ocorr. / Total %
AQS 43 / 115 37 47 / 115 41
LMS 19 / 40 47 9 / 40 22
TJS 25 / 49 51 13 / 49 27
JV 28 / 59 47 5 / 59 8
JR 0 / 39 0 21 /39 39
MPS 22 /70 31 21 / 70 30
SZ 20 / 61 33 28 / 61 4
6
GVO 16 / 66 24 8 / 66 12
SS 39 / 69 57 21 / 69 30
JES 15 / 48 31 26 / 48 54
FTS 36 /93 39 29 / 93 31
PAG 12 / 69 17 37 / 69 54
AMA 12 / 55 22 17 / 55 31
FRG 18 / 49 37 14 / 49 29
AGF 19 / 44 43 15 / 44 34
IM 13 / 46 28 26 / 46 57
VB 16 / 73 22 47 / 73 64
FAM 20 / 62 32 30 / 62 48
JLS 16 / 45 36 11 / 45 24
STS 12 / 55 22 14 / 55 25
HN 17 / 45 38 9 / 45 20
Gráfico 13: Distribuição percentual de [é] entre os migrantes paraibanos
0
20
40
60
80
AQSLM
STJS JV JR MPS
SZGVO SS JE
SFTS
PAGAMA
FRGAGF IM VB
FAM JLS
STS HN
[é] Linear ([é])
Gráfico 14: Distribuição percentual de [i] entre os migrantes paraibanos
0
20
40
60
80
AQSLM
STJS JV JR MPS
SZGVO SS JE
SFTS
PAGAMA
FRGAGF IM VB
FAM JLS
STS HN
[i] Linear ([i])
Gráfico 15: Distribuição percentual de [ó] entre os migrantes paraibanos
0
20
40
60
80
AQSLM
STJS JV JR MPS
SZGVO SS JE
SFTS
PAGAMA
FRGAGF IM VB
FAM JLS
STS HN
[ó] Linear ([ó])
Gráfico 16: Distribuição percentual de [u] entre os migrantes paraibanos
0
20
40
60
80
AQSLM
STJS JV JR MPS
SZGVO SS JE
SFTS
PAGAMA
FRGAGF IM VB
FAM JLS
STS HN
[u] Linear ([u])
É importante relembrar que esses informantes são os primeiros de uma geração,
ou seja, alguns já têm filhos e netos que nasceram no Rio de Janeiro, mas eles chegaram ao
Rio de Janeiro com, no mínimo, quinze anos de idade. Trudgill (1986), a respeito do
processo de coineização (koineization), que resulta em uma coiné (Koine)25 , identifica três
estágios de formação de um novo dialeto, em sua opinião, correspondendo as três
primeiras gerações de falantes.
No primeiro estágio, por exemplo, que é composto por migrantes adultos, há uma
grande variabilidade entre os indivíduos e no próprio indivíduo. No gráfico 13, pode-se ver
que há informantes que aplicam mais e outros menos o abaixamento apresentando, pois,
um quadro heterogêneo.
Nota-se, também, que alguns informantes tiveram um comportamento
diferenciado, ou seja, aplicaram mais de 44% por cento de abaixamento de /e/, que foi a
média encontrada na comunidade pessoense, que serviu de base comparativa neste trabalho
(ver gráfico 13): AQS (64%), TJS (55%), JES (55%) e AGF (54%). Aqueles que
obtiveram os menores valores de aplicação da regra de abaixamento de /e/ foram GVO
(15%), PAG (22%) e AMA (18%).
O que os primeiros informantes têm em comum é a baixa escolaridade, o que
reforça os resultados encontrados na análise por grupo, mas diferem quanto ao tempo de
residência e a faixa etária. AGF e JES tem de 26 a 49 anos, mas o primeiro já está no Rio
há mais de dez anos e o outro se encontra no períodos de 5 a 10 anos de moradia, fato esse
que explica a pequena diferença de percentual entre os dois. AQS e TJS fazem parte da
primeira faixa etária (15 a 25 anos) e do primeiro período de residência (1 a 5 anos).
Ambos têm baixa escolaridade, mas AQS tem de 0 a 4 anos de escolarização e TJS tem de
5 a 8 anos, ou seja, um pouco mais de escolaridade fez com que TJS incorporasse com
25 Tipicamente, ela ocorre em novos assentamentos para os quais pessoas, por uma razão ou outra, migram de diferentes partes de uma única área lingüística.
menos dificuldade as novas dinâmicas lingüísticas do que AQS, mas com maior
dificuldade do que os outros informantes que têm a mesma escolaridade e a mesma faixa
etária que ele. Manifesta sempre o desejo de voltar para a Paraíba.
E: você está feliz com a vida que ta levando aqui?(TJS): Eu sou mais feliz lá. La a gente tem mais ânimo, sabe? Lá eu estudo. Agora mesmo, quando eu for para lá, a primeira coisa que eu vou no colégio, me matricular, é porque lá, a irmã da minha mãe é professora, tem os parentes já todo mundo montado nos estudos, ai, a gente chega lá e tem mais incentivo, sabe? Aqui, ninguém quer saber de ninguém, aí a gente fica até meio...E: Você não quer retomar seus estudos?(TJS): Assim que chegar lá, se Deus quiser. E: Só quando acontecer isso? E se você demorar dez anos aqui?(TJS): Não. Eu não vou demorar não. Com certeza.
AQS admite que fica no Rio por oferecer mais oportunidades e uma melhor
condição financeira, mas é resistente com relação a modificação de suas características
originais. A seguir, descreve, por exemplo, os seus hábitos alimentares.
E: Você não come sobremesa nunca, aqui?(AQS): Não. O refrigerante que a gente compra aqui, coca-cola, eu não tomo coca-cola. No meu almoço, é um copo com água, porque é um hábito que eu aprendi, me acostumei com água. Ela [a esposa] toma coca-cola, eu não tomo. Doce, não como. Pudim, eu, eu, quando eu vou para a casa dos outros, eu como pudim para não sentir aquela tristeza daquela pessoa, né. Sei não o que é, não, mas eu como, mas não passo bem. Um bolo, bolo é difícil de eu comer. É difícil comer bolo. E minha comida é uma comida simples, porque eu não tive oportunidade de ter aquela vida de comer tudo isso. Ai, eu continuo a minha tarefa de, eu puxo a minha tarefa de lá para cá. É uma tarefa só. Agora, esse negócio de carne, eu como aqui, porque na Paraíba eu não comia, aí a gente já tem oportunidade de comer essas carne, comprar uma coisa mais adequada, compro para aliviar.
Sobre sua linguagem, AQS discorre:
E: Você já passou por uma situação chata ou engraçada por causa de sua maneira de falar?(AQS): Não. Porque tem muitos caras que... que eu não tenho muita preocupação sobre o meu falar, sobre o meu sotaque de voz em relação ao carioca, porque não adianta a gente querer acompanhar ele, como eu tava falando, que não acompanha. E a gente tem que aceitar a nossa linguagem de lá. Não tem que querer acompanhar o carioca, em relação a falar explicado e a gente não. A gente tem que, eles entendem que a gente, assim, tem
muitos caras que falam... Paraíba, não sei o que, não a gente tem que ficar quieto, porque a gente somos paraíba mesmo. Para quê dizer que não? A gente tem duas maneiras de ele reconhecer, tanto como tem gente que conhece pelo visual do paraibano e pela fala do paraibano que é conhecida(…).
Os outros três informantes têm em comum um maior tempo de exposição às
normas escolares, embora GOV, que apresenta o mais alto nível de acomodação às normas
locais, não tenha ensino superior como os outros (PAG e AMA).
Segundo Kerswill (2002, p. 680), alguns traços adquiridos em um contexto
conversacional (short-term) podem tornar-se um traço permanente no arcabouço
lingüístico do falante por meio de alguns mecanismos: traços da nova variedade são
adquiridos por adultos e crianças migrantes em atos individuais de acomodação a outros
falantes que já fazem uso de tais traços, o que tem sido chamado de “frequência modal
comportamental” (behavioral-frequency modal)26 e, por exemplo, quando a acomodação
pode não ser em resposta a um interlocutor particular, mas a imagens, ou esteriótipos do
grupo ao qual o interlocutor pertence, ou de um grupo socialmente atrativo não
representado no contexto imediato, o que pode ser chamado de “modelo de projeção da
identidade” (identity projetion model)27.
O informante GVO é vigia em uma estação de metrô no Rio de Janeiro, mas essa
é uma atividade que exerce apenas para obter o seu sustento financeiro. Seu objetivo, no
Rio de Janeiro, é trabalhar na área artística e faz o que pode para isso. À princípio, trabalha
com recreação infantil. A seguir, GVO comenta quais foram suas motivações para migrar.
E: Que motivos levaram você a vir para o Rio de Janeiro?
(GVO): Bom. Tinha muita vontade de conhecer, até pelo movimento dos parentes vindo
para cá e indo lá nas férias, e também porque eu sei que aqui há espaço para a arte
26 (Auer, 1998, Hinskens e Auer (no prelo) apud Kerswill, 2002: 680)27 (Auer, 1998 apud Kerswill, 2002: 681)
mesmo. Aqui as coisas acontecem, lá é muito mais difícil. Aqui é o contato direto com a
TV. A cultura daqui funciona bem melhor.
O informante AMA também é artista e também possui a mesma opinião que
GVO, como se pode ver a seguir.
E: É melhor morar aqui do que morar na Paraíba?(AMA): Eu acho que... é uma pergunta difícil, porque tem as suas... tem os dois lados da moeda. Por exemplo, eu acho que eu deixei em João Pessoa a minha família, as minhas raízes são todas lá. Assim, eu tenho muita ligação, principalmente emotiva com a Paraíba. Não vou dizer assim que, é..., que eu zerei completamente toda a minha vida de João Pessoa. Mas eu acho que morar no Rio de Janeiro, para mim, com a pessoa que eu sou hoje, tem as suas vantagens. Por exemplo, eu sou uma pessoa que eu sou artista, eu trabalho com dança, então, trabalhar com dança em João Pessoa ainda é muito complicado, não tenho campo de trabaho. Eu tenho, realmente, que trilhar um caminho muito pessoal, lá. No estado em que eu estou hoje, eu quero estudar muito, eu ainda quero me graduar, quero tentar um mestrado uma pós-graduação, quer dizer, eu quero tentar percorrer todo o meu caminho ainda como... ter uma vida acadêmica. Ser um pesquisador de dança. E isso em João Pessoa, ainda é impossível. Eu gosto de morar aqui, no Rio de janeiro, porque ele possibilita essas, essas facilidades, né. É, assim, aqui eu tenho acesso a espetáculos de dança, aqui eu tenho acesso a milhões de informações, muito mais rápido do que em João pessoa. Até pela facilidade, nós temos muito mais, aqui no Rio de Janeiro, nós temos muito mais teatros, é... toda essa questão do, da vida artística, ela respira mais forte aqui no Rio de Janeiro do que em João Pessoa.
Esses dois informantes têm, pelo fato de estarem ou desejarem ingressar no
cenário artístico, uma preocupação maior com sua pronúncia, pois o sotaque carioca “abre
as portas” para as oportunidades de trabalho nesse ramo desde 1937, quando o “Primeiro
congresso da Língua Nacional Cantada” resolveu considerar a pronúncia carioca a mais
perfeita do país e propô-la como a língua-padrão a ser usada no teatro, na declamação e no
canto eruditos do Brasil. Tal declaração movimentou o país inteiro, inclusive o ensino de
base, em direção ao aperfeiçoamento da língua-padrão.
Em todos os meios de comunicação de grande veiculação ou nacional, o sotaque
carioca é dominante. Atualmente, nas telenovelas, já se consegue ouvir sotaques de outras
regiões ou Estados brasileiros, embora o sotaque carioca seja predominante. A região
Norte-Nordeste é a mais preterida em detrimento das outras (principalmente Sul-Sudeste).
Sendo assim, os informantes GVO e AMA fazem do modo de vida e fala cariocas um
“modelo de projeção de identidade”.
O informante PAG, que não está ligado ao meio artístico, pois é dentista, preferia
estar em João Pessoa, lugar onde nasceu e passou grande parte de sua vida, mas gosta
muito de morar no Rio e tem consciência das normas sociais e lingüísticas do local.
Quando perguntado sobre a sua forma de falar, respondeu da seguinte forma:
E: Você acha que adquiriu o sotaque carioca?(PAG): Eu acho que sim. E: Por quê?(PAG): Primeiro por lidar com o público diariamente, né? Doze horas por dia, quase. Dez horas por dia. Meus “es” são mais fechados do que eram antes. Depois ela [esposa] fica muito fechada dentro de casa, ela não tem, não tem muito contato, né? Mas eu acho que ela mudou, também, um pouco. Eu vim um pouco antes que ela, mas eu tenho contato direto, acho que... não sei.
Segundo o informante, o contato diário com cariocas foi fator determinante para
as modificações em sua pronúncia. Pelos resultados expostos, os informantes AQS, TJS,
JES e AGF apresentam um comportamento lingüístico divergente do dialeto local, já os
informantes GOV, PAG e AMA são os que mais se adaptam, acomodam-se à dinâmica do
dialeto carioca, pois são os que apresentam mais baixos valores de [].
Com base no trabalho de Pereira (1997), sobre a comunidade pessoense, que
serviu de parâmetro comparativo para observar as alterações na fala do migrante
paraibano, as médias percentuais, como se pode ver no gráfico 1, de abaixamento (44%),
manutenção (21%) e alteamento (34%) são representantes do dialeto original do migrante.
Sendo assim, aqueles que informantes que diminuírem o percentual de abaixamento,
apresentam comportamento divergente se diminuírem os percentuais de alteamento
também, pois significa que apenas os valores de manutenção vão aumentar.
Os informantes, PAG, GVO e AMA, realmente, são os que melhor se adaptaram
às normas lingüísticas cariocas. O informante FAM diminuiu os seus percentuais de
abaixamento, aumentou um pouco os de manutenção, mas não diminuiu os de alteamento.
HN, por sua vez, teve comportamento semelhante, embora tenha diminuído muito pouco o
alteamento de /e/. Os migrantes FAM e HN têm mais de 50 anos de idade, o que justifica,
pois, seus altos índices de alteamento, embora STS, que também é da faixa etária desses
informantes, apresente comportamento extremamente diversificado. O que os difere, além
da escolarização, que parece não interferir em nada aqui, pois FAM é semi-analfabeto e
HN tem o ensino superior, é o tipo de vida que levavam na Paraíba. Esses dois tiveram
uma vida bem parecida: ambos são ex-trabalhadores do campo e migraram sem os estudos
completos ou sem nenhuma escolaridade. STS já estudou em boas escolas na capital da
Paraíba e veio de um quadro familiar de classe média, embora tenha migrado em
consequência da perda da qualidade de vida decorrente de problemas financeiros e, no Rio
de Janeiro, não exerça uma atividade de prestígio social.
O Gráfico 14 mostra um comportamento mais uniforme entre os informantes.
Apenas dois merecem destaque por terem aplicado mais o alteamento de /e/ do que os
outros: LMS e FAM. O primeiro informante é da primeira faixa etária e o segundo da
terceira, mas ambos possuem a mais baixa escolaridade observada.
No que se refere ao abaixamento de /o/, o Gráfico 15 mostra um nivelamento
comportamental entre os informantes. Apenas dois merecem destaque: JR, por ter aplicado
menos a regra, e SS, por ter aplicado mais. O que há em comum entre eles é o tempo de
moradia no Rio de Janeiro, pois ambos pertencem ao segundo período observado, ou seja,
ambos têm de 5 a 10 anos de residência no Rio de Janeiro.
O Gráfico 15 é o que demonstra uma maior falta de uniformidade entre os
informates. Merecem destaque por aplicarem menos a regra de alteamento de /o/ os
informantes JV e GVO e, por aplicarem mais, JR, JES, PAG, IM e VB. Os primeiros
informantes, aparentemente, não possuem características sociais comuns. O ramo de
atividade que eles exercem é o que pode vir a justificar o comportamento similar entre eles.
JV é professor do ensino fundamental e médio de uma escola pública no município do Rio
de Janeiro e, quando surge uma oportunidade, trabalha na área das artes, como ator. GVO,
por sua vez, é vigia em uma estação de metrô no Rio de Janeiro, mas essa é uma atividade
que exerce apenas para obter o seu sustento financeiro. Seu objetivo, no Rio de Janeiro, é
trabalhar na área artística e faz o que pode para isso. A princípio, trabalha com recreação
infantil. Pode-se dizer que ambos possuem um comportamento bastante integrado às
normas locais. Segundo Bortoni (1989, p. 176), quanto mais ajustado o migrante ao seu
novo ambiente social, mais ampla a sua rede de relações tende a ser e, conseqüentemente,
mais alto será o seu índice de integração.
Em se tratando dos informantes JR, JES, PAG, IM e VB, há pontos de intersecção
entre eles. A característica que têm em comum é o fato de estarem no Rio de Janeiro há
mais de 5 anos.
4.4. Comportamento sociolingüístico dos brasileiros em Lisboa
Investiga-se, nesta seção, o contato dialetal entre duas variedades da língua
portuguesa: a língua portuguesa falada no Brasil e a língua portuguesa falada em Lisboa
(Portugal). No cômputo geral, foram recolhidos 1888 dados do corpus dos imigrantes
brasileiros residentes em Lisboa, distribuídos segundo o tipo de vogal pretônica, conforme
a Tabela 35:
Tabela 37: Distribuição geral dos dados dos brasileirosTipo de pretônica No de dados
Não-recuada 1039Recuada 849TOTAL 1888
Na fala dos imigrantes brasileiros residentes em Lisboa, as possibilidades de
produção de cada uma das pretônicas enfocadas são:
• Para as não-recuadas: [], [e], [i], [] e []
• Para as recuadas: [�], [o], [u]
Tabela 38: Distribuição dos dados dos brasileiros pelas variantesPretônicas Realizações No de dados % TOTAL
Não-recuadas
[] 191 18[e] 638 61[i] 199 19
[] ou [] 11 1
1039
Recuadas[] 150 18[o] 540 64[u] 159 19
849
TOTAL 1888Como se pode ver pela Tabela 38, a manutenção constitui a maior tendência na
fala dos imigrantes brasileiros.
Pela Tabela 38, percebe-se que o percentual de apagamento ou centralização de
/e/ é de apenas 1%. Além disso, está restrito a alguns vocábulos, o que justifica um
tratamento apenas qualitativo. Os vocábulos que sofreram esse processo foram:
a) p’ssoas (4 ocorrências);
b) exp’rimentar (2 ocorrências);
c) p[]rdendo (2 ocorrências);
d) d’pois (2 ocorrências);
e) p[]rcebe (1 ocorrência).
Segundo Rodrigues (2003), a vogal /e/ medial é realizada como [] mais
freqüentemente em sílabas de ataque complexo do que em sílabas de ataque simples. Em
sílabas sem coda e de ataque simples, a percentagem de não realização da vogal é superior
à da realização como [].
O percentual total de aplicação de [] em Lisboa, segundo Rodrigues (2003, p.15)
é de 56% e de [] é de 43%. O alteamento ([i] = 0,1%) e o abaixamento ([] = 0,4%) da
média /e/ atingiram valores insignificantes nessa localidade. Em se tratando da distribuição
desses valores por padrão silábico, percebe-se que a centralização é um pouco mais atuante
em sílabas com coda (CVC = 66%) do que em sílabas de ataque simples sem coda (CV =
48%). O contrário ocorre com o apagamento (CVC = 32% e CV = 51%), isso quer dizer
que esses processos são sensíveis ao peso silábico.
Olhando para as ocorrências, percebe-se que as vogais pretônicas mais propensas
à aplicação dos processos de centralização ou apagamento são aquelas que em sua
adjacência têm uma consoante labial /p/. O grupo de exemplos p[i]rcebi, p[u]rque,
p[u]rtanto, p[i]rcebo demonstra que o brasileiro, no Brasil, tem a facilidade para quase
centralizar a pretônica quando é precedida por uma consoante /p/.
No que diz respeito à vogal recuada, espera-se que haja um aumento dos
percentuais de aplicação de [u] na fala dos imigrantes brasileiros.
A ocorrência de [o], em Lisboa, segundo Rodrigues (2003), inclui essencialmente
ocorrências de /oU/, de núcleos em sílaba com coda sonante ou, alternativamente,
ocorrências da vogal em prefixos. Seu total de aplicação na fala do lisboeta é de 2,6%.
A aplicação de [], que diz respeito a palavras em que a vogal faz parte de um
prefixo acentuado, de uma sílaba com coda sonante, ou de uma palavra composta, que
preserva a qualidade aberta da vogal acentuada na palavra de que deriva, atinge um
percentual de 8,2% em Lisboa.
A aplicação do [u], portanto, é a mais produtiva. Seus percentuais, em Lisboa,
atingem 64% de ocorrências.
64
19
0
20
40
60
80
Lisboa Brasil
Gráfico 17: Percentual de aplicação de [u] em Lisboa e no Brasil
[u]
Pode-se perceber, pelo Gráfico 17, que o percentual atingido pelos imigrantes
brasileiros foi muito menor em relação ao que ocorreu em Lisboa, mostrando, assim, que o
processo de acomodação não se fez presente.
Tendo em vista o alto grau de variação existente no Brasil, a depender da
localização geográfica, no que diz respeito às pretônicas, é necessário verificar o
comportamento do imigrante brasileiro levando em conta a sua naturalidade. Nas tabelas
abaixo, 38 e 39, podem-se observar os resultados obtidos:
Tabela 39: Realização da pretônica /e/ na fala dos migrantes brasileiros
Informantes [] [i] [] ou CHR 2% 13% -FEL 4% 23% 1%FAU 6% 21% -MAR 6% 16% 1%LAU 11% 19% 2%WAL 22% 23% -VLA 33% 24% -RAF 33% 15% -AGN 24% 32% -DUD 58% 11% 2%
Tabela 40: Realização da pretônica /o/ na fala dos migrantes brasileiros
Informantes [] [u]CHR 1% 15%FEL 5% 25%FAU 3% 25%MAR 11% 13%LAU 10% 21%WAL 31% 6%VLA 22% 22%RAF 30% 21%AGN 19% 23%DUD 51% 18%
Pela Tabela 39 e 40, percebe-se que, quanto ao alteamento de /e/ e de /o/, os
informantes possuem um comportamento equilibrado. Quanto ao abaixamento, percebe-se
a formação de dois grupos lingüísticos: um que aplica menos e outro que aplica mais a
variante aberta.
O primeiro grupo, cujos resultados podem ser lidos acima da linha dupla que corta
horizontalmente as Tabelas, é formado por informantes provenientes de São Paulo e do
Paraná. Os resultados abaixo dessa linha pertencem ao segundo grupo, que é formado por
informantes provenientes do Espírito Santo, Goiás e Pernambuco.
Os grupos foram formados a partir da verificação dos resultados. O objetivo era
verificar o percentual de alteamento e, como se pôde constatar pelas tabelas,
independentemente de suas procedências, a regra de alteamento mostrou-se uniforme.
Com relação ao processo de centralização, o que se pode verificar é que, no
primeiro grupo, essa variante ocorre mais do que no segundo. O informante do segundo
grupo que mais aplica essa variante é o que mais aplica, também, o abaixamento de /e/ e de
/o/. O fato curioso é que esse informante (DUD) é pernambucano e está há cerca de 30
anos em Lisboa, o que comprova que o tempo de exposição dos brasileiros aos padrões
sociolingüísticos de Portugal, especialmente de Lisboa, deve ser mais prolongado do que
para um paraibano que vive no Rio de Janeiro, para quem, em uma década de contato, os
efeitos da acomodação já se fazem sentir.
CONCLUSÕES
O estudo em questão verificou como se processou a acomodação dialetal na fala
de migrantes paraibanos que residem no Rio de Janeiro há, no mínimo, um ano, assim
como de imigrantes brasileiros que vivem em Lisboa.
O objeto de análise lingüística foi a variação das vogais médias pretônicas /e/ e
/o/, que se constitui como um dos pontos de divergência entre os dois dialetos brasileiros e
entre o português falado no Brasil e em Portugal.
As análises foram feitas com base nas sílabas do tipo CV (ataque simples sem
coda), o padrão silábico canônico, por nelas incidir o maior número de dados (60% do total
observado) e pelos outros tipos de sílaba já possuírem estruturas que condicionam a
ocorrência ou não de determinada realização.
Os resultados indicam que ambas as vogais, embora de uma forma diferente,
experimentam um processo de acomodação, no que diz respeito à fala dos migrantes
paraibanos. É possível concluir também que o contato dialetal não se processa da mesma
forma quando se trata de variedades inter-regional e intercontinental.
Pode-se observar que o intervalo de dez anos é suficiente para se perceber uma
considerável acomodação do dialeto do migrante paraibano em direção ao dialeto
acolhedor. No que diz respeito aos brasileiros residentes em Lisboa, esse período é muito
curto para uma visível incorporação de traços do português europeu, pelo menos no que
diz respeito às pretônicas. Pode-se argumentar que as pressões sociais enfrentadas pelos
migrantes paraibanos no território brasileiro são maiores do que as enfrentadas pelos
imigrantes brasileiros em outro país.
É importante salientar que o dialeto do migrante paraibano possui um caráter
estigmatizado, por ser proveniente da região Nordeste, uma das menos desenvolvidas do
país, e por razões históricas que foram sendo solidificadas nas sociedades do Sul-Sudeste
do Brasil, ao longo da história. Esse fato pode ser um acelerador da acomodação dos
paraibanos ao dialeto carioca.
O indício de acomodação na fala dos migrantes paraibanos é o aumento da
manutenção das médias em detrimento do declínio das outras duas realizações ([/] e
[i/u]). Em ambas as vogais o aumento da manutenção ([e/o]) é significativo, mas as
motivações são diferentes: para a vogal não-recuada (/e/), o aumento da manutenção deve-
se a um sensível declínio da produção de abaixamento e a uma brusca diminuição da
produção da variante alta. Para a vogal recuada (/o/), o aumento da manutenção e motivado
pelo declínio da produção de [], pois os índices de alteamento praticamente não sofreram
modificações. É importante ainda verificar que os índices de manutenção de /e/ superam os
de abaixamento, enquanto que os de /o/ não, mas as três realizações apresentam-se quase
niveladas, com valores percentuais muito próximos. Apesar de haver esse re-arranjo das
três realizações, o falante ainda preserva as suas marcas típicas originais.
Com base nas análises, pode-se responder às perguntas que foram formuladas no
Capítulo 1 e demonstrar que essa acomodação está condicionada, prioritariamente, a
fatores extra-lingüísticos.
No que diz respeito aos migrantes paraibanos no Rio de Janeiro, a variável
‘Tempo de moradia no Rio de Janeiro’foi importante para explicar o processo de
abaixamento. Para a variante [], é nos primeiros cinco anos de residência que o alante
mais produz o abaixamento de /e/, que é a variante típica de seu dialeto original. A partir
dos cinco anos de residência, o contato com o carioca ocasiona uma perda vertiginosa de
seus valores de aplicação. A variante [] perde aplicação paulatinamente, com o passar do
tempo.
A verificação da variável ‘Anos de escolarização’ é indica que as realizações
abertas ([] e []) ocorre mais na fala de pessoas com, no máximo, o ensino fundamental.
Os falantes com mais tempo de exposição às normas escolares são mais sensíveis ao
processo de acomodação. Com relação ao alteamento, a aplicação de [i] é mais frequente
na fala dos informantes menos escolarizados e de [u] independe desse fator.
O grupo de fatores ‘Faixa etária’ evidenciou que são os mais jovens que
apresentam os menores pesos relativos de [], o que comprova que são os mais suscetíveis
ao processo de acomodação. Os valores correspondentes à aplicação de [] caem à medida
que os falantes que têm de 5 a 10 anos de residência no Rio de Janeiro, à medida que ficam
mais velhos, aumentam a probabilidade de aplicação de [u].
A observação individual dos falantes permitiu constatar que, no geral, que aqueles
que fazem do modo de vida e fala cariocas um “modelo de projeção de identidade”, são os
que mais facilmente se acomodam, aumentam seus índices de manutenção.
No que diz respeito aos brasileiros residentes em Lisboa, a aplicação da variante
centralizada ([]) e do alteamento de /o/ são indícios de acomodação ao dialeto lisboeta. A
ocorrência de centralização não passou dos 2% e a de [u] não chegou nem à metade do
valor das ocorrências dessa variante em Portugal. Pode-se concluir que a acomodação
ainda está em estágio embrionário. Isso pode ser comprovado na fala de um imigrante que
tem cerca de 30 anos de residência em Lisboa e ainda mantém suas marcas dialetais
originais, no caso de abertura, por ser proveniente de Pernambuco.
Muito pouco se sabe sobre as modificações lingüísticas provenientes do contato
dialetal, do ponto de vista sincrôncico, dentro da língua portuguesa, que é marcada por
intensos fluxos migratórios inter-regionais (de partida e de retorno em relação ao seu lugar
original).
Este trabalho não esgota o tema analisado, muito ainda há a ser feito para
melhorar o processo de adaptação sociolinguística do migrante a um novo cenário sócio-
cultural.
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MARQUES, Sandra Maria Oliveira. As vogais médias pretônicas em situção de contato
dialetal. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2006. Tese de Doutorado.
RESUMO
Esta pesquisa descreve o comportamento lingüístico de indivíduos, resultante do
contato entre diferentes grupos sociais, tomando por base a fala de paraibanos e cariocas
dentro da cidade do Rio de Janeiro, e a fala de brasileiros e portugueses, a partir do
pressuposto de que o comportamento lingüístico de um indivíduo dentro de sua
comunidade de fala envolve processos diferentes daqueles que são ativados quando se
encontra fora dela. O aspecto lingüístico observado na fala dos migrantes paraibanos e dos
imigrantes brasileiros são as vogais médias pretônicas /e/ e /o/, que se apresentam como
um dos maiores pontos de divergência entre esses dialetos, o que facilita a observação do
processo de acomodação lingüística do informante a uma nova realidade sócio-cultural. Os
alicerces teóricos deste trabalho são os estudos traçados por Trudgill (1986), sobre os
dialetos em contato, baseados na Teoria da Acomodação de Giles (1973), e a Teoria
Sociolingüística Quantitativa (LABOV, 1972), por proporcionar uma análise empírica,
sustentada por dados quantitativos que possibilitam a sistematização das
variações/mudanças lingüísticas decorrentes desse contato. Com base nesses estudos, é
possível dizer que os migrantes paraibanos experimentam, em cerca de duas décadas de
contato, uma acomodação incompleta, pois não perderam as marcas que caracterizam seu
dialeto, mas as nivelaram, em função das características da comunidade local, carioca. Os
brasileiros que moram em Lisboa, por outro lado, não apresentam, a não ser
excepcionalmente, ecos do dialeto português. O interesse central do estudo foi verificar
que estratégias são utilizadas pelo migrante para melhor acomodar-se ao dialeto acolhedor.
Grupos de fatores são observados para verificar as estratégias utilizadas por esses falantes,
grupo social minoritário, em busca de uma inserção sociolingüística mais ampla.
MARQUES, Sandra Maria Oliveira. As vogais médias pretônicas em situção de contato
dialetal. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2006. Tese de Doutorado.
ABSTRACT
This research aims at describing and analysing the linguistic behavior of two
groups of Brazilian speakes as a consequence of their (i)migration movements. This is,
then, an accommodation study, based on the idea that speakers kept apart from their native
linguistic community display different linguistic processes/strategies from speakers living
in the native all their lives. Two groups are involved: the first one includes male speakers
from different regions of Brazil living in Lisbon (Portugal). Our research focus on the pre-
stressed vowels /e/ and /o/, described as medial vowels in the phonological system of
Portuguese. These vowels are subject to rising and opening processes, due to different
conditioning factors, in several varieties of Portuguese (mainly in Brazilian Portuguese).
This then deploys the desired environment to study of linguistic accommodation of the
speakrs when they are inside a new linguistic community. The research is based on work
from Trudgill (1986), on dialectal contact, from Giles (1973) on Accommodation Theory
and, on Quantitative Sociolinguistics, from Labov (1972). This theoretical background
allows us to deal with empirical data in such a way that we can achieve a quantitative data
description and, then, show that variation and change patterns emerge from the linguistic
contact. From the linguistic literature mentioned above and the empirical data we have
observed, we can say that speakers from Paraiba living in Rio de Janeiro for around two
decades long suffered an incomplete accommodation process. This means that some
markers of their native dialect are still present, although they also include in their current
way of using language some phenomena characteristic of the carioca dialect. Brazilian
speakers living in Lisbon, nevertheless, rarely use linguistic phenomena specific of
European Portuguese in the interviews analysed. Our main goal is then to identify the
linguistic strategies the speaker uses to accommodate his dialect to the one of the
community he has moved into. Several groups of factors are observed to test how the
minoritary group approaches total integration in the new linguistic community.
MARQUES, Sandra Maria Oliveira. As vogais médias pretônicas em situção de contato
dialetal. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2006. Tese de Doutorado.
RÉSUMÉ
Dans cette thèse, nous décrivons le comportement linguistique des individus en
contact avec des différents groupes sociaux, c’est-à-dire, la langue des “paraibanos” et des
“cariocas” dans la ville de Rio de Janeiro, et, pour faire une comparaison, la langue des
brésiliens et des portugais, à partir de l’idée selon laquelle le comportement linguistique
d’une personne dans sa communauté linguistique concerne des processus différents de
ceux qui sont activés quand elle se trouve en dehors de son ambiance. L’aspect inguistique
considéré dans la langue des migrants “paraibanos” et des imigrants brésiliens sont les
voyelles moyennes prétoniques /e/ et /o/, qui se présentent comme une des plus grandes
divergences entre ces dialects, ce qui permet l’observation du processus d’accommodation
linguistique du locuteur à une nouvelle réalité socioculturelle. Le cadre théorique de ce
travail sont les études de Trudgill (1986), à propos des dialects en contact, fondés dans la
Théorie de l’Accommodation de Giles (1973), et la Théorie Sociolinguistique Quantitative
(LABOV, 1972), pour possibiliter une analyse empirique, à travers des données
quantitatives qui permettent la sistematisation des variations/changements linguistiques nés
de ce contact. A partir de ces études, nous pouvons dire que les migrants “paraibanos”
réalisent, après environ vingt ans de contact, une accommodation incomplète, puisqu’ils ne
perdent pas les traits qui caractérisent son dialect, mais ils les neutralisent, en fonction des
caractéristiques de la communauté locale, “carioca”. Les brésiliens qui habitent Lisbonne,
par contre, ne présentent pas, sauf exceptionnellement, des échos du dialect portugais.
L’intérêt central de cette étude est de vérifier quelles sont les stratégies utilisées par le
migrant pour mieux s’adapter au dialect d’arrivée. Nous considérons des groupes de
facteurs pour identifier les stratégies utilisées par ces locuteurs, qui constituent un groupe
social minoritaire et qui cherchent une insertion sociolinguistique plus large.