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Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.
Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
AS COMPETÊNCIAS HISTÓRICAS NO VESTIBULAR DA UEG1
Euzebio Carvalho2
RESUMO
Os documentos oficiais produzidos pelo Ministério da Educação do Brasil que servem de
orientação curricular para o Ensino Médio tomam por referenciais as chamadas pedagogias
das competências inspiradas nas tradições pedagógicas de origem estadunidense e francesa.
Em nossa pesquisa sobre as provas de história do vestibular da Universidade Estadual de
Goiás, entre 2005 e 2009, identificamos e problematizamos as competências relativas ao
conhecimento histórico a serem verificadas nos vestibulandos. A partir dessa pesquisa,
formulamos as concepções de competências tradicionais e competências textuais.
Confrontamos tais noções com as competências disciplinares da história.
PALAVRAS-CHAVE
Pedagogia das Competências; Competências Históricas; Competências Tradicionais.
Competências textuais.
Competências oficiais
Na sequencia da promulgação da lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
em 1996, o Ministério da Educação publicou uma série de documentos que objetivava
orientar e guiar as discussões sobre o currículo a ser seguido na Educação Básica. Tais
documentos estimularam um novo vocabulário nos ambientes escolares e nos espaços de
formação de professores. Depois da tão falada, mas pouco implementada,
“interdisciplinaridade”, talvez os termos mais populares sejam as chamadas “competências e
habilidades”. Contreras (2002, p.135) ao discutir a apropriação generalizada do termo
reflexivo chama nossa atenção para o esvaziamento de sentido provocado pela utilização
indiscriminada de certo termos. Acreditamos que processo semelhante ocorreu com os termos
“interdisciplinaridade” e “competência”.
Os autores dos documentos oficiais, apesar de muito empregar, pouco discutiram
conceitualmente tais conceitos e categorias. Certamente, esta ausência não contribuiu para que
1 Este texto é um dos produtos finais do projeto de pesquisa História para quê? Ensino de história, currículo e o
vestibular apresentado à Pró-reitoria de Graduação e Pesquisa, da UEG, em 2011 (Memorando PrP/CP n.072/2011). 2 Professor de Didáticas, Práticas e Estágios em História na Universidade Estadual de Goiás (UEG), Unidade
Universitária de Porangatu. Mestre em história PPGH/UFG (2008). E-mail: euzebiocarvalho@gmail.com Currículo: http://lattes.cnpq.br/7307117258225181
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os demais agentes educacionais os utilizassem de forma autônoma e crítica. Pelo contrário, a
falta de reflexão provoca a uma repetição simples, mecânica e desprovida de potencia tão
presente nos modismos que atravessam todos os espaços e dimensões da vida social. A
utilização indiscriminada retira do indivíduo a autonomia que eles devem apresentar ao
manipular as categorias conceituais que perpassam seu cotidiano de trabalho.
Se estes conceitos estavam na base da concepção de educação dos documentos
governamentais, se eles constituem o referencial teórico-metodológico mais amplo a partir do
qual se pensa a educação, por que não discuti-los?
Os princípios gerais que orientam a reformulação curricular do Ensino Médio são
apresentados em documento publicado pelo Ministério da Educação, em 2000, na seguinte
forma:
Propõe-se, no nível do Ensino Médio, a formação geral, em oposição à
formação específica; o desenvolvimento de capacidades de pesquisar, buscar
informações, analisá-las e selecioná-las; a capacidade de aprender, criar,
formular, ao invés do simples exercício de memorização (MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO, 1999, p. 16).
A instituição da lei de Diretrizes e Bases da Educação (9.394/96) provocou a
discussão e a reformulação curricular para o Ensino Médio. Essas novas concepções
decorreriam das mudanças estruturais provocadas, entre outras coias, pela revolução do
conhecimento, em processo desde a década de 1980, que alteraram as relações de trabalho e
as relações sociais. Numa sociedade tecnológica, a forma de se relacionar com a informação
passa da simples habilidade da memorização da informação para a competência da gestão da
informação. No caso do ensino de história didaticamente orientado, não basta a gestão. Tanto
o mestre quanto o aprendiz devem dominar o processo de produção e apresentação do
conhecimento histórico, como será discutido adiante.
O Ensino Médio, portanto, torna-se a etapa final do ciclo básico, etapa
caracterizada por um processo educativo de caráter geral, afinado com a contemporaneidade,
com a construção de competências básicas, que situem o educando como sujeito produtor de
conhecimento e participante do mundo do trabalho, e com o desenvolvimento da pessoa,
como “sujeito em situação” – cidadão (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1999, p. 21).
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Poderíamos classificar as competências estabelecidas para o novo Ensino Médio,
apresentadas no artigo 22 da LDB, em quatro categorias: epistemológica, profissionalizantes,
humanizadoras e política. Para a primeira, o aprendizado é entendido como contínuo, de
forma autônoma e crítica, galgando níveis cada vez mais complexos (“prosseguimento nos
níveis mais elevados e complexos de educação”) ou para a “compreensão dos fundamentos
científico-tecnológicos dos processos produtivos” (art.35).
As competências profissionais, por sua vez, garantiriam uma formação para o
mercado de trabalho (chamada no PCNEM de forma eufemística de “aprimoramento” ou no
artigo 22 de “base para o acesso às atividades produtivas” ou para “a qualificação para o
trabalho” como assevera o artigo 2) que acompanhasse as mudanças contínuas nas relações de
produção na sociedade tecnológica.
As competências humanizadoras objetivariam o “desenvolvimento pessoal,
referindo à sua interação com a sociedade e sua plena inserção nela”, voltando-se para a
formação da pessoa humana, incluindo sua formação ética, por meio do desenvolvimento de
valores e competências que integrasse os interesses individuais aos coletivos (art. 35).
Por fim, as competências políticas assegurariam “a formação comum
indispensável para o exercício da cidadania” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1999, p. 21)
ou como consta no artigo 35: para “a autonomia intelectual e do pensamento crítico”.
No concernente às “Ciências humanas e suas tecnologias”, área que congrega as
disciplinas escolares de história, geografia, sociologia e filosofia (que por sua vez remeteriam
a outros conhecimentos como antropologia, política, direito, economia e psicologia), os
PCNEM defendem uma compreensão curricular denominada humanista, posto que baseada
em princípios estéticos (estética da sensibilidade), políticos (política da igualdade) e éticos
(ética da identidade). Os temas clássicos da área seriam o trabalho e a produção, a
organização e o convívio sociais, a construção do “eu” e do “outro” (MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO, 1999, p. 286).
Dentre os quatro princípios propostos para a educação no século XXI publicado
pela ONU de autoria de Edgar Morin: aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser, as
DCNEM privilegiaram o aprender a conhecer, como conhecimento síntese dos demais. Esta
educação está baseada no “desenvolvimento de competências cognitivas, sócio-afetivas e
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psicomotoras, gerais e básicas, a partir das quais se desenvolvem competências e habilidades
mais específicas e igualmente básicas para cada área e especialidade de conhecimento
particular” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1999, p. 289).
As competências básicas para a área de Ciências Humanas e suas Tecnologias
teriam por objetivo potencializar a ação do indivíduo, favorecer o prosseguimento dos estudos
e preparar adequadamente para a vida em sociedade. Estas competências não deveriam
eliminar os conteúdos posto que “não é possível desenvolvê-las no vazio”. Tais competências
deveriam orientar a seleção dos conteúdos. O que importaria na educação básica não é a
quantidade de informações, mas a capacidade de lidar com elas, por meio de sua apropriação,
comunicação, produção e reconstrução, pois somente assim poderiam ser transpostas para
novas situações. Neste sentido não se quer a memorização de fatos, mas a interpretação, o
entendimento e a operacionalização de ideias, argumentos, conceitos e categorias
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1999, p. 289). A forma de apresentar as competências
muito as aproximou dos objetivos, chegando mesmo a fundi-los.
Os PCNEM de 1999 apresentavam as seguintes competências para a área de
Ciências Humanas e suas tecnologias:
Compreender a constituição da identidade própria e dos outros, em seus
elementos cognitivos, afetivos, sociais e culturais;
Compreender os processos sociais como orientadores da dinâmica dos
diferentes grupos de indivíduos e a si mesmo como agente social,
competência que passa pela compreensão da gênese, transformação e
fatores que intervêm na sociedade;
Compreender que a sociedade se desenvolve como processo de ocupação
de espaços físicos e nas relações das pessoas com a paisagem entendida
em suas dimensões político-sociais, culturais, econômicos e humanos;
Compreender as instituições sociais, políticas e econômicas em relação às
práticas dos diferentes grupos e atores sociais, aos princípios que regulam
a convivência em sociedade, aos direitos e deveres da cidadania, à justiça e
à distribuição dos benefícios econômicos;
Traduzir os conhecimentos sobre a pessoa, a sociedade, a economia, as
práticas sociais e culturais em condutas de indagação, análise,
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problematização e protagonismo diante de novas situações, problemas e
questões da vida pessoal, social, política, econômica e cultural;
Entender as dimensões individuais, sociais e culturais das tecnologias,
valorizando sua aplicabilidade na resolução de problemas. Entender a
importância das atuais tecnologias de comunicação e informação para o
planejamento, gestão, organização e fortalecimento do trabalho de equipe;
Entender as tecnologias das Ciências Humanas em sua relação com a vida
pessoal, os processos de produção, o desenvolvimento do conhecimento e
a vida social. Aplicar as tecnologias das Ciências Humanas e Sociais na
escola, no trabalho e nos demais contextos da vida. Em particular, esta
competência aproxima-se muito da compreensão da didática da história,
como discorreremos adiante (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1999, p.
290-296).
Na apresentação das competências, destacamos o emprego do verbo
“compreender”, “entender”, “traduzir” em detrimento dos tradicionais explicar, identificar,
informar etc. Esta atitude revela as referências historicistas, hermenêuticas e fenomenológica
em substituição à tradicional atitude positivista para as ciências humanas. Compreender
pressupõe a valorização do outro e dos sentidos por ele criado. Explicar, além de partir de um
ponto zero não problematizado, impõe sobre o outro sentidos pré-existentes e quase revelados
a priori. As primeiras competências valorizariam o “como” e o “porque”, as tradicionais o
“quê”, “quando” e o “onde”. Não que estas dimensões não sejam importantes, mas não podem
ser o fim em si, durante uma aula. Elas devem levar a raciocínios e entendimentos. Estes sim
devem pautar os maiores esforços dos professores.
Quanto aos conhecimentos históricos a serem ensinados no Ensino Médio, o
documento assevera:
Deverá estar presente também enquanto História das Linguagens e História
das Ciências e das Técnicas, não na perspectiva tradicional da História
Intelectual, que se limita a narrar biografias de cientistas e listar suas
invenções e descobertas, mas da nova História Cultural, que enquadra o
pensamento e o conhecimento nas negociações e conflitos da ação social
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1999, p. 286).
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As competências e habilidades a serem desenvolvidas em história segundo os
PCNEM se relacionam à:
Representação e comunicação: Criticar, analisar e interpretar fontes
documentais de natureza diversa, reconhecendo o papel das diferentes
linguagens, dos diferentes agentes sociais e dos diferentes contextos
envolvidos em sua produção; Produzir textos analíticos e interpretativos
sobre os processos históricos, a partir das categorias e procedimentos
próprios do discurso historiográfico;
Investigação e compreensão: Relativizar as diversas concepções de tempo e
as diversas formas de periodização do tempo cronológico, reconhecendo-as
como construções culturais e históricas. Estabelecer relações entre
continuidade/permanência e ruptura/transformação nos processos históricos.
Construir a identidade pessoal e social na dimensão histórica, a partir do
reconhecimento do papel do indivíduo nos processos históricos
simultaneamente como sujeito e como produto dos mesmos; Atuar sobre os
processos de construção da memória social, partindo da crítica dos diversos
“lugares de memória” socialmente instituídos.
Contextualização sociocultural: Situar as diversas produções da cultura –
as linguagens, as artes, a filosofia, a religião, as ciências, as tecnologias e
outras manifestações sociais – nos contextos históricos de sua constituição e
significação; Situar os momentos históricos nos diversos ritmos da duração e
nas relações de sucessão e/ou de simultaneidade; Comparar problemáticas
atuais e de outros momentos históricos; Posicionar-se diante de fatos
presentes a partir da interpretação de suas relações com o passado
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2000, p. 29).
Competências históricas no vestibular: tradicionais e textuais
Abordamos o exame do vestibular, analisando, especificamente, as questões que
objetivam medir a quantidade/qualidade do conhecimento histórico do vestibulando da
Universidade Estadual de Goiás (UEG), entre os anos de 2005 e 2009. Para isto, classificamos
as provas do vestibular da UEG a partir de certos objetivos previamente determinados. O
principal deles foi identificar as competências pressupostas dos candidatos a serem avaliadas
pelas questões de história.
Em se tratando das competências, na classificação das questões, estabelecemos
duas categorias: as tradicionais e as textuais.
Como resultado das análises das questões de história das provas do vestibular da
Universidade Estadual de Goiás, realizadas entre 2005 e 2009 estruturamos várias tabelas em
que classificamos as questões em relação a certos programas e projetos de análise. Para tratar
os dados que constituíram as tabelas, produzimos gráficos.
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Competências tradicionais
Para nós, as competências chamadas tradicionais enfatizam as habilidades de
lembrança/recordação de dados, fatos, informações, acontecimentos, eventualidades. Além
disto, esperam que seja feita a identificação e comparação de tempos/espaços em termos
conteudistas e informacionais, simplesmente. Essas competências valorizam o domínio
preciso e restrito de conteúdos/informações historiográficos, ou seja, a verificação pura e
objetiva de memorização e identificação de conteúdos e informações históricas, assim como a
referência indireta a essas informações. Nessas questões, sugere-se o que o candidato deve
identificar, por meio da valorização da ausência do conhecimento. Isto poderia ser suavizado
pela presença de um enunciado explicativo ou pela exploração de um trecho de documento ou
obra que poderia estimular o raciocínio do vestibulando.
Sabemos que a verificação de conteúdo é uma condição imprescindível de
qualquer processo avaliativo. Contudo, a ênfase exacerbada na simples verificação de
conteúdo pode ser apontada como a característica condicionante da história tradicional.
Os comandos dominantes nas questões caracterizadas como tradicionais foram: a)
responder, b) caracterizar e c) analisar. Entre os verbos indicativos de ação, “responder” é o
mais problemático, à medida que demanda precisão e delimitação na resposta. O comando
“analisar” é ambíguo, pois pode referir-se tanto uma competência tradicional como textual,
como será discutido mais à frente.
As competências tradicionais, como aqui as compreendemos, relacionam-se ao
paradigma tradicional da história. Esse paradigma estende-se à dimensão produtiva e
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Só textuais
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4
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Vestibular UEG 2005/1 Discursiva Competências
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Só textuais
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Vestibular UEG 2005/2 Conhecimentos Gerais
Competências
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reprodutiva do conhecimento histórico. Ele preside desde os processos de produção do
conhecimento histórico às diversas formas de sua comunicação. Estão presentes tanto nos
espaços institucionais (acadêmicos, científicos e escolares) quantos nos espaços
socioculturais, constituídos pelos meios de comunicações midiáticas, nos produtos da
indústria cultural e nas formas de sociabilidades, em geral.
O paradigma tradicional da história confunde-se com o que, por muito tempo, foi
chamado de História Oficial que enfatiza a dimensão político-administrativa em detrimento
das outras dimensões do conhecimento histórico, como a econômica, a social e a cultural. A
história, entendida da forma tradicional, estaria descolada dos interesses, das necessidades e
urgências do tempo presente. Ela começa e termina no passado. Não se preocupa em
evidenciar as relações e as potencialidades da história para produzir conhecimento sobre as
sociedades no tempo presente.
Com uma pequena variação, o conhecimento histórico tradicional pode adquirir
um caráter exemplar, expresso pela fórmula historia magistra vitae. De acordo com essa
compreensão, ao informar sobre a conduta dos grandes homens, o conhecimento histórico
ofereceria padrões de ações para o presente. A história possuiria uma função moralizadora e
exemplar. Por isto, o paradigma tradicional apresenta uma compreensão extremamente
conservadora do passado, o qual seria mais valorizado que o presente ou o futuro.
Contudo, as características mais marcantes desse paradigma são os recortes
político-administrativos e o cronológico como os principais eixos explicativos do passado.
Dentro desse paradigma, os a-lunos são entendidos como receptáculo de informações
históricas, organizadas cronologicamente. Estas informações deveriam ser memorizadas tal
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Só tradicionais
Só textuais
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Vestibular UEG 2006/1 Conhecimentos Gerais
Competências
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Só tradicionais
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Vestibular UEG 2007/1 Discursiva Competências
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qual constam nos livros. Consequentemente, a avaliação de história, dentro desse paradigma,
resume-se na simples verificação da equivalência entre a resposta do aluno e a informação
presente nos livros didáticos. A informação histórica aparece nesse paradigma não como
resultado de um trabalho especializado. O conhecimento histórico é anunciado, revelado. Ele
preexiste ao trabalho do historiador e deve ser descoberto pelo seu trabalho.
A persistência do paradigma tradicional nas provas de história possui implicações
políticas que devem ser questionadas e superadas. Qual a importância dos conteúdos
históricos muito específicos nas provas?
No vestibular, eles mais discriminam do que possibilitam analisar a aprendizagem
de uma pessoa. Questões com conteúdos muito precisos interessam mais aos cursos
concorridos. Nesses, é grande o número de candidatos que empatam numa mesma
classificação. Nessa situação, essas questões se mostram muito importantes: possuem maior
índice de erro do que acerto. Por isso, na função tradicional do vestibular que é a
discriminação radical essas questões são mais importantes do que em situações em que o
vestibular possui como função majoritária a avaliação das potencialidades do candidato. A
questão geral é: o vestibular objetiva discriminar ou avaliar o aprendizado do candidato? Sé
há poucas vagas para o ensino superior (caso clássico dos cursos com grande concorrência),
consequentemente, as questões devem ser mais discriminativas e a tentação/necessidade em
construir questões chamadas de “muito difíceis” é maior.
No caso de um sistema de ensino superior cujo número de vagas é drasticamente
inferior à demanda social, a discriminação entre os candidatos é fundamental. Em casos como
esses, seleção/exclusão são duas faces de um mesmo processo avaliativo.
A verificação de conteúdo é uma atitude implícita à situação de
ensino/aprendizagem. Mas não deve ser seu fim último. Ela deve vir relacionada a objetivos,
deve possuir intenções que não sejam simplesmente a discriminação clássica entre “quem
sabe” e “quem não sabe” determinado conteúdo. Não deve “caber em si”, como diz o poeta,
caso se queira ir além do paradigma tradicional do ensino de história. O ensino relaciona-se a
apreensão de um conhecimento, a aprendizagem pressupõe a aquisição de uma competência,
como nos lembra Barthes. É isso que deve ser avaliado. Sendo assim, o conteúdo não pode
existir separado do objetivo: serve para quê? Esse conteúdo possibilitará o quê? Qual sua
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importância para o desenvolvimento da aprendizagem da pessoa? Nesse sentido, a elaboração
da questão deve preocupar-se tanto com o conteúdo quanto com o objetivo desse conteúdo.
Por exemplo, “informar” é um objetivo que se cumpre com a aquisição da
informação/conteúdo. É no processo de leitura que a pessoa se informa. Para ser “informado”
basta que a pessoa seja exposta à informação e tenha as tecnologias adequadas para
decodificar sua linguagem, ou seja, que a pessoa possa lê-la. Mas podemos informar quando
oferecemos instrumentos de análise, de crítica, de novas leituras. Informar é um objetivo
textual, sobretudo quando se relaciona à dimensão teórico-metodológica do conhecimento, ou
seja, informar sobre teoria capacitará sempre as novas leitura de mundo. Contudo, no geral,
interpretar, criticar, analisar é mais propício a uma aprendizagem do que, simplesmente,
informar.
Competências textuais
A atitude interpretativa é a principal característica das competências textuais. O
passado porta um sentido que deve ser lido. Ela pressupõe, portanto, uma atitude
hermenêutica do estudioso. Essas competências valorizam a relação entre
documento/fonte/obra e o contexto/período histórico/conjuntura/estrutura estudados. São
pedidas a análise e a crítica como atitudes esperadas dos discentes. Pedem-se comparações e
interpretações de conceitos. Valoriza o desenvolvimento de argumentos. São propostas
discussões sobre atualidades. O conteúdo histórico não é simplesmente uma informação,
torna-se uma in-formação sobre o tempo presente.
As competências textuais valorizam os temas historiográficos atuais, a partir das
abordagens das relações de gênero, vida privada, historia cultural, meio ambiente etc. Além
Associação …
Só tradicionais
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Vestibular UEG 2008/1 Discursiva Competências
Associação Trad./Text.
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Vestibular UEG 2009/1 Conhecimentos Gerais
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de uma compreensão interdisciplinar do conhecimento histórico, a utilização das diferentes
linguagens para sua avaliação também caracterizam as competências textuais.
Importa afirmar que a diferença entre competência tradicional e textual não é
garantida, simplesmente, pelo tema, pela forma ou pelo método de avaliação do conteúdo.
Podemos ter questões de múltipla escolha que legitimem competências tradicionais e outras
que estimulem competências textuais. Ao mesmo tempo em que as questões de múltipla
escolha possibilitam explorar uma gama maior de informações e suas relações dentro de um
recorte temático elas também podem avaliar o conteúdo de forma tradicional.
A questão 46, de 2006/1 serve para ilustrar a ocorrência de questões que possuem
um enunciado ‘culturalista’ mas que buscam verificar conteúdos tradicionais, como a história
político-administrativa.
Os principais comandos relacionados às competências textuais são: analisar,
relacionar, interpretar, historicizar, problematizar e criticar.
Percebemos que, diferentemente da prova de História, as provas de Literatura e
Língua Portuguesa apresentam maior domínio e valorizam mais a utilização das diferentes
linguagens.
A prova de 2009/2 inova ao não seguir uma ordem das questões que seja orientada
temporalmente a partir da linha do tempo clássica na história (antiga, medieval, moderna e
contemporânea). Contudo, a linguagem utilizada ainda é predominantemente tradicional.
Nessa prova, em particular, as outras disciplinas mostram mais habilidade em explorar o
conhecimento histórico numa dimensão textual e interdisciplinar do que a própria prova de
Associação Trad./Text.
Só textuais
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0 1
Vestibular UEG 2009/1 Discursiva
Competências
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Só textuais
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Vestibular UEG 2009/2 Conhecimentos Gerais
Competências
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história. Isto evidencia o quanto os historiadores são conservadores em relação ao seu próprio
conhecimento.
Há questões estruturadas da seguinte forma: primeiro apresentam uma citação
direta de uma obra, depoimento, fonte etc.; depois, segue-se o enunciado apresentando os
comandos relativos ao tema; na sequência, apresentam as assertivas para serem avaliada pelo
leitor. Por fim, trazem as possíveis respostas. Entendemos que estruturas como essa exigem e
estimulam várias habilidades cognitivas ao mesmo tempo: coetanidade, inter e
transtextualidade, relação entre documento e contexto, memória, atenção etc.
CONCLUSÕES EM CURSO
Qual a importância do vestibular para o ensino de história? Central, é nossa
resposta. Tal prova deveria pretender, justamente, avaliar o processo de ensino/aprendizagem
em história não como quantidade de informação histórica acumulada. Outras questão a ser
enfrentada é: devemos entender o conhecimento histórico de forma quantitativa ou
qualitativa?3 Quais as conseqüências desses entendimentos? Haveria uma relação entre a
forma das questões na elaboração de uma avaliação? Mudando as formas do vestibular seria
possível modificar a concepção de história?
De acordo com o paradigma tradicional do ensino de história, como veremos
adiante, entende-se a história em forma de conteúdos a serem verificados. A partir de uma
compreensão utilitarista e pragmática (expressa na clássica pergunta “História para quê?”)
compreende-se a história em termos de competências e habilidades passíveis de avaliação?
Para a Didática da História, enquanto metateoria do conhecimento histórico, a
história possui uma função social bastante objetiva: oferecer orientação temporal às pessoas,
de forma individual e coletiva. Essa orientação seria fundamental para enfrentar o inexorável
processo de constante (trans)formação a que estamos submetidos, produtor contínuo de
carência de orientação (RÜSEN, 2001, 2007). A Consciência Histórica seria uma tecnologia
cultural desenvolvida coletivamente para resistirmos à crise existencial decorrente da
transformação contínua e perpétua daquilo que nos constitui e daquilo que construímos? Se
3 A pedagogia das competências, central nas revisões curriculares brasileiras, na década de 1990, pode ser
entendida como um esforço para fugir ao domínio dos conteúdos, simplesmente (o que identificamos com característica central do paradigma tradicional)
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sim, como medir a Consciência Histórica, em grande medida subjetiva e particular numa em
termos objetivos num exame como o vestibular? Antes disso, devemos nos perguntar, é
possível medir a Consciência Histórica?
Encaminhamos alguns desses questionamentos a partir da análise das questões de
história presentes nos vestibulares da UEG, entre 2005 e 2009. Observamos como tais
questões usam as diferentes linguagens de comunicação para avaliar o conhecimento histórico
dos vestibulandos. Afinal, neste vestibular avalia-se conteúdos, habilidades ou as
competências dos indivíduos?4
A metodologia, a forma e o currículo estabelecidos pelo ENEM, consolidado na
última década, trouxe esperança de provas menos conteudistas e mais qualitativas na
verificação dos conhecimentos históricos do Ensino Médio. O ENEM dialoga com a
perspectiva do ensino/aprendizagem de história divulgado pelas diretrizes curriculares
publicadas pelo MEC desde a segunda metade da década de 1990 e anos posteriores. Ele está
em sintonia com a pedagogia das competências que orientaram os documentos referidos. Por
conta deste exame, houve uma modificação profunda na concepção do ensino nessa última
etapa da Educação Básica. Ela deixou de ser unicamente preparatória para o vestibular ou
voltada para a formação para o mercado de trabalho. Agora, o Ensino Médio é um fim em si
mesmo, retomando temas e problemas apresentados na segunda fase do Ensino Fundamental.
Aliás, o Ensino Médio passou a ser entendido como etapa final do ciclo básico, iniciado no
fundamental.
A partir da pedagogia das competências, para além da preocupação com o
acúmulo de conteúdo no ensino de história (o que fomentava o tradicional estilo “decoreba”
nas aulas de história), começou-se a pensar nas habilidades e competências que deveriam ser
desenvolvidas e adquiridas por meio do conhecimento histórico, como a capacidade de
dissertação e argumentação, com tendências mais analíticas e críticas.
Na elaboração das questões, os conteúdos são entendidos como fim e não como
meio. Eles são verificados, simplesmente. Verificam a correção entre a informação publicada
4 A sugestão de trabalhar a Didática da História e Consciência Histórica (conforme consta no parecer de
aprovação do projeto “História para quê? Ensino de História, Currículo e o vestibular” UEG/PrP 2011) exigiria metodologia diferente que aquela desenvolvida aqui. Por se mostrar uma importante perspectiva de análise, e por isto exigir outros procedimentos ela deverá ser realizada em trabalho posterior.
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pela historiografia e a informação presente na memória dos vestibulandos. Como não se pode
entender a historiografia acadêmica como consensual, mas que varia em acordo com o tempo
em que foi produzida, com a vigência de orientações teóricas e procedimentos metodológicos
de pesquisa, o consenso sobre o conteúdo cobrado no vestibular somente pode ser buscado ao
nível do conhecimento histórico apresentado pelo livro didático. Aí, verifica-se a relação entre
o conteúdo histórico veiculado na bibliografia escolar e a capacidade de memorização dos
candidatos. A verificação da correção dessa relação expressa o entendimento presente nas
provas do vestibular que o conteúdo é o fim de toda a elaboração da questão.
Mais desafiador seria entender o conteúdo como meio, como apresentei
anteriormente ao pensar o uso das competências textuais nas questões de história. Utilizar o
conteúdo histórico para chegar em outro patamar de entendimento e de construção de
conhecimento, para além dos conteúdos, como diz o título de uma obra referencial da década
de 1990. Partir de um conhecimento conhecido para interpretar uma situação desconhecida.
Partir de um conhecimento para produzir outro, ou seja, chegar em outra situação de
aprendizagem diferente e mais complexa do que aquela de que se partiu.
REFEÊNCIAS
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(PCNEM). Brasília: [Ministério da Educação; Secretaria da Educação Básica], 2000.
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