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A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NA PERCEPÇÃO DO DEPENDENTE QUÍMICO
EM TRATAMENTO EM UMA COMUNIDADE TERAPÊUTICA DO VALE DOS
SINOS1
Fernanda Ribeiro de Souza2
Silvia Dutra Pinheiro3
RESUMO
A dependência química faz parte da vida de diversas famílias. Alguns autores citados neste artigo, entre eles Campos (2004) e Kalina (1988), referem que mesmo que só um membro da família tenha desenvolvido a dependência química, todos precisam de tratamento, pois a família adoece junto, afirmando ser muito difícil ajudar o dependente, se a família não buscar ajuda. Considerando esta realidade, o objetivo desse estudo foi identificar a importância da família na recuperação do dependente químico em tratamento. Participaram deste estudo dez dependentes químicos que estão em tratamento em uma comunidade terapêutica do Vale dos Sinos. Foram realizadas entrevistas por pautas, gravadas e transcritas para posterior exploração, mediante método de Análise de Conteúdo. Verificou-se com esse estudo que a família é essencial para o tratamento do dependente químico, sendo que os indivíduos acreditam que apoio não precisa ser manifestado através do diálogo, basta estar perto para que ele ocorra. Palavras-chave: Dependência Química. Família. Comunidade Terapêutica.
INTRODUÇÃO
O presente artigo refere-se a um estudo realizado com dependentes químicos em
tratamento em uma comunidade terapêutica, visando a identificar a importância da família na
percepção destes indivíduos em tratamento.
Dados do Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Substâncias no Brasil, promovido
pela Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), realizado em 2005, denunciam que, em 108
cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes, 12,3% das pessoas com idade entre 12 e
65 anos são dependentes de bebidas alcoólicas. O primeiro levantamento, realizado em 2001,
1 Artigo de pesquisa apresentado ao Curso de Psicologia das Faculdades Integradas de Taquara, como requisito parcial para aprovação na disciplina Trabalho de Conclusão II. 2 Acadêmica do Curso de Psicologia da FACCAT. Endereço Postal: Rua: Santa Helena, 968, Sapiranga-RS. Email: fe_psi@ibest.com.br 3 Psicóloga, Mestre em Psicologia Clínica (PUCRS), Docente do Curso de Psicologia da FACCAT e Orientadora do Trabalho de Conclusão. Endereço Postal: Av.Oscar Martins Rangel, 4500/RS333. Email: silviap12@yahoo.com.br
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indicava um total de 11,2% dependentes. O estudo também aponta o aumento do consumo de
álcool em faixas etárias cada vez mais precoces. O número de dependentes, na faixa de 12 a
17 anos, era de 5,2% contra 7%, em 2005. (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006).
Conforme pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Informações Sobre drogas
(UNIFESQ), para o qual foram ouvidas 3 mil pessoas, em 143 cidades do país, verificou-se
que 96% dos entrevistados apóiam as restrições às propagandas de bebidas alcoólicas (ibid,
2006).
O problema da dependência química é visto como resultado de uma falta de adaptação
à realidade e uma ausência de habilidade do indivíduo em lidar com o meio social, ou ainda
de uma incapacidade em resolver os problemas que a vida lhe apresenta (SILVA, 2000). De
certa forma, estudiosos do assunto corroboram com esta idéia, entendendo a dependência
química como multifatorial. Schenker e Minayo (2004) relacionam a dependência ao
funcionamento do indivíduo, devido aos problemas que surgem em sua vida, sejam eles
sociais e cognitivos.
São fatores biológicos, sociais e psicológicos que influenciam o seu aparecimento.
(BLEFARI, 2002) Os fatores biológicos, explica o autor, estão relacionados ao organismo de
cada indivíduo, enquanto que os psicológicos referem-se à personalidade de cada sujeito, os
seus medos, ansiedade, insegurança para enfrentar as diversas situações na vida cotidiana. Ao
se falar em fatores sociais está se relacionando com o grupo familiar e a cultura em que está
inserido.
Este estudo teve como objetivo identificar a importância da família na recuperação do
dependente químico em tratamento em uma comunidade terapêutica do Vale dos Sinos,
buscando investigar ainda o significado, a inserção e a influência dessa família na
recuperação, além de compreender a visão do drogadito sobre as relações familiares que se
estabelecem antes, durante e depois do tratamento.
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1 Família
Gomes (1987) define família como um sistema semi-aberto, onde ninguém é mais que
ninguém, todos são iguais. Da mesma forma que ganha vários benefícios da sociedade,
também fornece. Já Minuchin (1990) coloca que a família é um sistema aberto em constante
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transformação, tentando adaptar-se às diversas situações existentes em seu desenvolvimento.
Para o autor, a estrutura familiar tem a finalidade de organizar os membros da família para
uma melhor interação. Assim é necessário que a estrutura se reorganize diante das diferentes
situações que surgem.
A família é uma sociedade humana, onde os indivíduos interagem diretamente, através
de relações emocionais e da história de que ambos fazem parte. Para o autor, é muito
importante às famílias o auxílio de pessoas qualificadas, visto que aquela representa a
principal rede de apoio do dependente químico, tornando-a mais preparada para enfrentar a
situação. Afirma, ainda, que o dependente tem muito mais condições de deixar dessa situação
com a ajuda da família de origem, do que com a ajuda da esposa (ORTH, 2005).
Dentro da estrutura familiar existem as fronteiras que são regras que definem quem
participa e como, tendo como função proteger as diferenças existentes nos membros da
família. É possível definir fronteira difusa, como sendo as famílias emaranhadas, não
existindo espaço individual definido, gerando grande polêmica em torno dos conflitos
existentes. Pode-se, ainda, relacionar as fronteiras rígidas como sendo as famílias desligadas,
citando-se, como exemplo, a despreocupação dos pais com os filhos que enfrentam
dificuldades na escola e negligenciam este fato. A fronteira nítida é a mais saudável, como
exemplo, é possível dizer de uma família onde os filhos podem saber de informações
referentes à família, porém não precisam saber dos detalhes específicos que não lhes dizem
respeito (MINUCHIN, 1990).
Campos (2004) refere que mesmo que só um membro da família tenha desenvolvido a
dependência, todos precisam de tratamento, pois a família adoece junto. Kalina (1988)
corrobora com esta idéia e acrescenta que é muito difícil conseguir ajudar o dependente
químico se a família não buscar ajuda, sendo que uma das estratégias utilizadas é a terapia
familiar. O tratamento para a família é focado na mudança, crescimento e transformação para
poderem ajudar o membro familiar que está passando pela situação de dependência (ORTH,
2005).
Dentro da estrutura familiar existem os subsistemas que podemos definir como
democracia com hierarquia. Os subsistemas dividem-se em: a) subsistema conjugal formado
pelo casal, como marido e mulher; b) subsistema parental, composto pelo casal, mas como
pais; c) subsistema fraternal, constituído pelos filhos na relação entre irmãos (MINUCHIN,
1990).
A família que está com um membro dependente está passando por uma crise
estruturada. A tensão pode ser manifesta, ou seja, a família pode se unir e os de fora oferecem
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ajuda e, na maioria das vezes, é oculta, onde ninguém fica sabendo de nada e, portanto, não
conseguem ajudar. A maioria das famílias disfuncionais passa por crises desse tipo. Estas são
as mais difíceis de tratar, pois a crise é um esforço para evitar a mudança (ibid, 1990).
1.2 Dependência Química
O problema da dependência química é visto como resultado de uma falta de adaptação
à realidade e uma ausência de habilidade do indivíduo em lidar com o meio social, ou ainda
de uma incapacidade em resolver os problemas que a vida lhe apresenta (SILVA, 2000). Da
mesma forma, Schenker e Minayo (2004) entendem que a dependência está relacionada ao
funcionamento do indivíduo, devido aos problemas que surgem em sua vida, sejam eles
sociais ou cognitivos.
A personalidade vai se estruturando, conforme estão sendo compreendidas as suas
necessidades. O indivíduo (criança) que recebe carinho, atenção, limite adequado, tem maior
possibilidade de tornar-se um adulto centrado. Ao contrário, se o indivíduo for tratado com
falta de carinho, falta de amor e impaciência tem muito mais chances de se tornar uma pessoa
frustrada, com comportamentos desapropriados e dificuldades emocionais, tendo, assim, uma
baixa estrutura para resolver seus conflitos. É na família que o ser humano aprende, através
dos comportamentos do seu grupo familiar (BLEFARI, 2002).
A dependência química não é percebida com facilidade em famílias que possuem
outras patologias. A origem da dependência está na falta de amor e na negligência das
famílias (FREITAS, 2002). Assim, a dependência química pode surgir para resolver um
conflito familiar, como por exemplo, a fase da adolescência na qual os filhos já estão se
tornando independentes. Com o fim da dependência do filho, em que os pais centralizam a
atenção nessa situação, os conflitos que foram guardados começam a ressurgir, podendo,
assim, possibilitar que o filho retorne ao comportamento da drogadição (ORTH, 2005).
Desta forma, a dependência pode ser compreendida pelos problemas que o indivíduo
carrega e as influências, tanto sociais como cognitivas, e o uso abusivo de substâncias é um
comportamento aprendido. Portanto, focar o tratamento no indivíduo nem sempre será mais
satisfatório, sendo melhor que as intervenções sejam focadas da família para o indivíduo
(SCHENKER e MINAYO, 2004).
O diagnóstico de dependência química é baseado em sinais e sintomas, com critérios
claros e que permitem verificar a existência de diversos graus de dependência (ORTH, 2005).
Segundo o DSM-IV-TR (2003, p. 212), a dependência química caracteriza-se por:
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Um padrão mal adaptativo de uso de substâncias, levando a comprometimento ou sofrimento clinicamente significativo, manifestado por três (ou mais) dos seguintes critérios em qualquer momento no mesmo período de 12 anos: (1) Tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos: (a) Necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância, para obter a intoxicação ou efeito desejado; (b) Acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de substância; (2) Abstinência, manifestada por qualquer dos seguintes aspectos: (a) Síndrome de abstinência característica da substância; (b) A mesma substância (ou uma substância estreitamente relacionada) é consumida para aliviar ou evitar sintomas de abstinência; (3) A substância é freqüentemente consumida em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido; (4) Existe um desejo persistente ou esforço mal-sucedido no sentido de reduzir ou controlar o uso da substância; (5) Muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância, na utilização da substância ou recuperação de seus efeitos; (6) Importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância; (7) O uso da substância continua apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela substância.
Barreto (2000) diz:
A droga funciona como uma ‘poção mágica’ e dá a ilusão de que os problemas foram superados ou resolvidos. Na falta da ‘poção mágica’ o indivíduo apresenta sintomas como nervosismo, inquietação, ansiedade, impulso para conseguir a substância a qualquer custo (p.7).
Assim, a dependência física ocorre quando a substância é utilizada com freqüência e
em grande quantidade; desta forma, o organismo acostuma com a substância e, quando
retirada bruscamente, ocorre a síndrome de abstinência, provocando um desequilíbrio no
organismo. Já a dependência psíquica ocorre quando o sujeito é praticamente dominado pela
substância, e com a sua ausência sente-se mal (ibid, 2000).
1.3 Comunidade Terapêutica
Comunidade terapêutica é definida por Sabino e Cazenave (2005) como uma forma de
tratamento residencial, promovendo mudanças ao seu redor para evitar uma possível tentativa
de consumir drogas. O objetivo desses locais é ajudar o dependente químico no seu
amadurecimento pessoal e favorecer sua reinserção à sociedade.
Os principais fatores organizacionais das comunidades terapêuticas, conforme Kalina
e Kovadloff (1988), são:
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a) A comunidade terapêutica é um local social, que busca a aprendizagem para um
melhor comportamento;
b) Existem normas e tarefas para uma boa convivência no local de tratamento;
c) Faz parte das normas a abstinência da droga;
d) A instituição trabalha a partir da disciplina e de um plano de educação para os
regentes;
e) A ordem de hierarquia é estabelecida conforme os ganhos de cada indivíduo;
f) As mudanças nas instituições são estabelecidas conforme a ordem hierárquica;
g) A comunidade terapêutica é um grupo, onde cada um é responsável por
determinada tarefa;
h) A possibilidade de mudança depende das condições em que a instituição se
encontra;
i) Para que aconteça mudança é preciso interação entre os residentes;
j) A família está envolvida em três etapas: reunião semanal de terapia; reunião mensal
multifamiliar, e, tendo bons resultados no tratamento, a família ajuda com projetos
preventivos;
k) A comunidade terapêutica não terá sucesso, caso não aceite o indivíduo com sua
individualidade.
Não se sabe até quando o indivíduo que está por um determinado período sem utilizar
substâncias vai poder ajudar a pessoa que recentemente foi em busca de tratamento. Isso nos
faz pensar até quando o trabalho de um profissional qualificado poderá ser feito por um
regente (SABINO e CAZENAVE, 2005). Já Neiva-Silva e Carvalho (2007) acreditam que os
dependentes que estão há mais tempo em tratamento têm um importante papel no que diz
respeito a incentivar novos comportamentos e visões referentes ao uso de drogas. Muitas
pessoas que trabalham nas comunidades terapêuticas já tiveram problemas devido à
dependência química, sejam eles mesmos ou por familiares.
Sabino e Cazenave (2005) concluem que é muito importante que a comunidade
terapêutica abra espaço para os grupos de auto-ajuda, como Alcoólicos Anônimos, Narcóticos
Anônimos e Amor Exigente, para que assim possa ocorrer a troca de sentimentos e situações
entre os indivíduos. O principal responsável pelo tratamento é o próprio dependente, mas
claro que sempre que necessário recebe ajuda do grupo e de profissionais da saúde que estão
qualificados para a situação.
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2 MÉTODO
O presente estudo caracteriza-se como descritivo-exploratório, de caráter qualitativo.
Segundo Woiler (1996), a pesquisa qualitativa obtém dados de um pequeno número de casos
sobre um grande número de variáveis. Minayo (1994) explica que a pesquisa qualitativa
trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o
que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que
não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. Bardin (1979) corrobora com os
autores acima, indicando que a pesquisa qualitativa deve ser usada quando desejamos
entender porque o indivíduo faz determinada coisa.
Marconi & Lakatos (1999) referem que um estudo exploratório se caracteriza por
enfatizar a descoberta de idéias e discernimentos, podendo-se, assim, definir esse estudo como
descritivo – exploratório por apresentar tais características. Neste, os participantes podem
direcionar o rumo da pesquisa através da interação com o pesquisador, tornando-a menos
controlável (REY, 2005). Portanto, trata-se de um método que trabalha com descrições e
interpretações, e que possibilitou identificar a importância da família na recuperação do
dependente químico em tratamento em uma comunidade terapêutica do Vale dos Sinos,
respondendo a pergunta de pesquisa: Qual a importância que o dependente químico atribui à
família para o processo de tratamento em uma comunidade terapêutica do Vale dos Sinos?
2.1 Participantes
Participaram da pesquisa dez dependentes químicos do sexo masculino que estão em
tratamento em uma comunidade terapêutica (tabela 1). Os participantes responderam de forma
voluntária ao instrumento de coleta de dados, cientes de que o anonimato seria preservado. O
único critério para a participação na pesquisa era estar em tratamento na comunidade
terapêutica, sendo feita uma busca aleatória entre os residentes do local.
A tabela abaixo pretende definir mais claramente os participantes da pesquisa,
caracterizando-os conforme os dados de idade, estado civil, tempo de internação na
comunidade terapêutica, droga de dependência e a idade de início do uso. Estas informações
foram obtidas com o próprio participante, ao início da coleta de dados.
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Tabela 1 – Caracterização dos participantes
A idade dos participantes é entre 19 e 60 anos, sendo que a maioria é solteiro. O crack é
a droga de preferência entre os entrevistados. A idade média do início do uso de drogas situa-
se entre 15 e 16 anos. Em relação ao tempo de internação dos participantes a média é de 73
dias, um pouco mais de 2 meses de tratamento. O sujeito mais jovem é o que apresenta a
menor idade para o início do uso de substâncias, sendo que está internado há mais tempo que
os outros dependentes.
2.2 Instrumentos
No presente estudo, foi utilizado como instrumento a entrevista semi-estruturada,
contendo 16 perguntas abertas, as quais foram respondidas individualmente, e que serviram
como roteiro para a coleta de dados (APÊNDICE).
A entrevista semi-estruturada consiste em uma conversação composta por perguntas
abertas, proporcionando uma maior liberdade ao informante para expressar-se (TRIVIÑOS,
1987). O autor explica que a entrevista semi-estruturada é aquela que parte de certos
questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa e que
oferecem amplo campo de interrogativas, junto de novas hipóteses que vão surgindo à medida
que recebem as respostas do informante. Desta maneira, os sujeitos, seguindo
espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal
colocado pela pesquisadora, participam na elaboração do conteúdo da pesquisa.
Este instrumento foi testado em uma entrevista piloto com a finalidade de identificar
possíveis problemas de linguagem, de estrutura lógica ou demais circunstâncias que pudessem
IDADE ESTADO CIVIL TEMPO DE
INTERNAÇÃO DROGA USADA INÍCIO DO USO
23 anos Solteiro 3 meses Crack 13 anos 30 anos Casado 4 meses Crack 16 anos 23 anos Solteiro 2 semanas Crack 17 anos 22 anos Solteiro 7 dias Crack 20 anos 19 anos Solteiro 7 meses Crack 13 anos 29 anos Solteiro 5 meses Crack 14 anos 30 anos Casado 11 dias Crack 15 anos 40 anos Separado 15 dias Álcool 14 anos 60 anos Casado 2 dias Álcool 20 anos 25 anos Casado 4 meses Crack 13 anos
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prejudicar a aplicação ou a compreensão adequada pelos participantes. Após a realização da
entrevista piloto, foi acrescentada uma nova pergunta no roteiro de entrevista (pergunta
número 5), a qual questiona quando o dependente começou a usar droga, a fim de se
conseguir uma melhor identificação do perfil dos participantes, assim como uma maneira de
instigá-lo na comunicação da sua história a partir do início do uso.
2.3 Procedimentos para coleta dos dados
Inicialmente, o projeto foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa das
Faculdades Integradas de Taquara (FACCAT – RS), sob o protocolo 307, sendo autorizada a
realização da coleta de dados. A partir de então, foi solicitado o consentimento da direção da
Comunidade Terapêutica para a aplicação do instrumento na instituição.
Obtida a autorização, fez-se contato com os participantes, os quais foram indicados
pelo coordenador para participarem da pesquisa, sendo que todos aceitaram com facilidade.
Explicitou-se o tema, os objetivos, as condições da pesquisa e o processo de coleta de dados,
abrindo-se um espaço para perguntas e dúvidas, estabelecendo-se uma relação cordial.
Através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que foi lido pelo
participante, buscou-se, desta vez, a autorização de cada um que aceitava colaborar com o
estudo, sendo assinado por ele e pela pesquisadora, comprometendo-se com todos os quesitos
nele constados.
O processo de coleta de dados teve início após o contato com a coordenação na
comunidade terapêutica para combinação de data e horário, pensando no que seria mais
adequado ao participante, a fim de que não fosse interrompida a rotina daqueles que se
disponibilizaram a responder ao instrumento de pesquisa.
A entrevista foi aplicada individualmente, em um local reservado da instituição, e
gravada mediante a autorização dos respondentes. Em seguida, o material foi transcrito para
posterior análise dos dados. A guarda do material original utilizado está sob responsabilidade
da pesquisadora, sem nenhum acesso a qualquer outra pessoa.
2.4 Procedimentos para a análise dos dados
O tratamento e a análise dos dados desta pesquisa foram realizados após a transcrição
do material coletado. Para tanto, foi utilizada uma abordagem qualitativa, visando a conhecer
a importância da família no tratamento dos dependentes químicos, na percepção dos
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participantes da pesquisa. O método empregado foi a Análise de Conteúdo de Bardin (1977),
o qual se constituiu de três etapas ao longo de todo o processo.
A primeira etapa é a pré-análise, que consiste na organização do material, ou seja,
organiza-se o material a ser analisado com o objetivo de torná-lo operacional, sistematizando
as idéias iniciais. Os passos da pré-análise são: a) Leitura flutuante, que consiste em
estabelecer o contato com os documentos a analisar e conhecer o texto, deixando-se invadir
por impressões e orientações; b) Escolha dos documentos, que se baseia em demarcar o
universo dos documentos a serem analisados; c) Preparação do material, que se resume na
preparação formal dos documentos a serem analisados, constituindo-se novos documentos
com todas as respostas de cada uma das perguntas; d) Referenciação dos índices e a
elaboração de indicadores, os quais constam em determinar os índices ou temas encontrados
nos documentos, definindo os seus indicadores através de recortes nos documentos.
A segunda etapa é a exploração do material, fase onde os temas a serem explorados
são enumerados. Esta etapa constitui-se na definição das unidades de registro e dos sistemas
de categorias.
E, por fim, o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação, as quais são
utilizadas para discussão dos resultados obtidos na análise. Consiste no tratamento estatístico
simples dos resultados, permitindo a elaboração de tabelas que condensam e destacam as
informações fornecidas para análise.
A partir do procedimento de análise exposto, definiram-se as seguintes categorias,
com as respectivas subcategorias e unidades de registro:
1a. Categoria: FAMÍLIA Alicerce: 10 U.R. Formação familiar (Pai, mãe e irmãos): 9 U.R. Afeto = 8 U.R. Centro de tudo: 3 U.R. Nova chance: 2 U.R. 2ª Categoria: RELAÇÃO FAMILIAR Carência familiar: 8 U.R. Relação ambivalente: 4 U.R. Relação de apoio: 3 U.R. Comportamento de exclusão: 3 U.R. 3ª Categoria: INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA NA DEPENDÊNCIA QUÍMICA Não influenciou: 5 U.R. Influência indireta: 5 U.R.
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4ª Categoria: A FAMÍLIA NO TRATAMENTO DO DEPENDENTE QUÍMICO Grupo “Amor Exigente”: 9 U.R. Família no grupo: 9 U.R. Sensibilizado pela família: 7 U.R. Família participativa: 7 U.R. Não recebe visita: 6 U.R. Recebe visita: 4 U.R. Satisfação: 4 U.R. Busca por iniciativa própria: 3 U.R. Família sem envolvimento: 3 U.R. 5ª Categoria: SENTIMENTO SOBRE A FAMÍLIA APÓS BUSCA DO TRATAMENTO Mudou para sentimento de afeto: 4 U.R. Mudou para sentimento de ambivalência: 4 U.R. Não mudou o sentimento de afeto: 2 U.R. 6ª Categoria: IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NO TRATAMENTO DO DEPENDENTE QUÍMICO Apoio: 8 U.R. Compreensão da doença: 8 U.R. Nula: 2 U.R. Conferência: 1 U.R.
A partir das categorias definidas passa-se, então, para a discussão dos resultados da
pesquisa com os achados que diversos autores trazem sobre o assunto, exemplificando-se com
as próprias falas expressadas pelos entrevistados.
3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Após a realização da análise de conteúdo das entrevistas, constatou-se a existência de
seis categorias, todas com base nos relatos dos participantes, visando a responder ao problema
de pesquisa proposto para este estudo: Qual a importância que o dependente químico atribui à
família para o processo de tratamento em uma comunidade terapêutica do Vale dos Sinos?
Com a finalidade de explorar as relações familiares do dependente químico em
recuperação, no contexto de comunidade terapêutica, tomou-se como ponto de partida
investigar o significado e os sentimentos que a palavra família representa para o indivíduo em
tratamento. Desta forma, foi possível identificar as seguintes categorias: Família; Relação
familiar; Influência da família na dependência química; A família no tratamento do
dependente químico; Sentimento sobre a família após busca do tratamento; Importância da
família no tratamento do dependente químico.
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Blefari (2002) comenta que o indivíduo que cresce em um ambiente familiar sem
amor, sem limites, sem atenção pode tornar-se um sujeito sem estrutura emocional para lidar
com os problemas que vão surgindo em sua vida e, muitas vezes, acaba tornando-se usuário
de drogas.
Neste sentido, a categoria Família faz referência ao significado do termo para os
participantes, definindo-se as seguintes subcategorias: alicerce (10 U.R.), afeto (8 U.R.),
centro de tudo (3 U.R.), nova chance ( 2 U.R.), formação familiar (pai, mãe, irmãos – 9 U.R.).
Todos os dez participantes entendem que a família deve ser o alicerce de cada pessoa. Oito
dos respondentes trazem o significado de afeto para a palavra família. Três dos dez
participantes entendem a família como o centro de tudo. E dois respondentes pensam na
família como uma nova chance, uma busca de reconciliação.
Quando os participantes tentam definir a constituição familiar, a maioria estabelece a
sua formação principal com pai, mãe e irmãos (9 U.R.); alguns ainda incluem mulher, filhos,
tios e padrasto. Segundo Schenker e Minayo (2004), a família de origem é a maior
influenciadora para que o indivíduo continue na dependência ou consiga sair dessa, mesmo
que este seja casado. Exemplo:
“Nesse negócio de brigas deles [família – pais e irmãos], talvez abriu o passaporte
para eu ir pra rua. Quando eu via a briga deles, eu falava to indo dar uma volta, pra
freqüentar outros lugares”(sic.).
Para Orth (2005), as famílias dos dependentes químicos representam a principal rede
de apoio do indivíduo, e, se bem acompanhadas terapeuticamente, tornam-se mais bem
preparadas para enfrentar a situação. A fala dos participantes reflete a idéia da autora, visto
que, para os participantes, de forma unânime, a família representa o seu alicerce:
“Minha mãe é superprotetora, digamos que seja o alicerce, é tudo que eu
tenho”(sic.).
Conforme Blefari (2002), o sujeito que recebe carinho, amor, atenção e limites
adequados tem maiores probabilidades de tornar-se uma pessoa equilibrada, capaz de
enfrentar as diversas situações que lhe proporcionará a vida. Desta forma, o relato dos
entrevistados justifica a afirmação da autora, sendo que o afeto é outro significado bem
expressivo apontado pela maioria dos entrevistados, conforme exemplifica a verbalização
abaixo:
“Minha mãe, meu pai, meus familiares, irmão, tios, primos. As pessoas que vejo desde
pequeno, que me dão afeto familiar” (sic.).
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No que diz respeito à categoria Relação familiar, os sujeitos trouxeram como
subcategorias: carência familiar (8 U.R.); relação de ambivalência (4U.R.); relação de apoio
(3 U.R.); comportamento de exclusão (3 U.R.). Dos dez participantes, oito registraram
carência familiar, referindo sentir falta da família no sentido de não poder vê-la com
freqüência. Quatro participantes ressaltaram a relação de ambivalência da família com eles, na
medida em que, ora sentiam-se apoiados por esta, ora repulsados. Três depoimentos
manifestaram a relação de apoio dos seus familiares, e também três sobre comportamento de
exclusão na relação com a família, de forma que o sujeito afasta-se da família, excluindo-se
da relação com esta.
Muitos dos entrevistados relataram sentir carência da família, pois estão distantes
devido ao tratamento e, também, pelas situações que ocorreram em conseqüência da
dependência, sendo, muitas vezes, relacionada a problemas familiares, como briga entre os
pais. Para Orth (2005), a existência da dependência pode surgir para resolver um conflito que
esteja no ciclo familiar (ORTH, 2005). O recorte da fala de um dos participantes denuncia
este sentimento descrito pela maioria dos respondentes:
“Sinto falta sim, [carência familiar] eu to consciente de várias coisas, que algum
momento da minha vida eu vou terminar, só falta dois meses para terminar o tratamento, daí
vou ter a minha família e vai ser até melhor”(sic.).
A ambivalência na relação da família com os sujeitos entrevistados mostrou-se
presente nos dados coletados em 50% da amostra. Embora não expresse a voz da maioria, é
um dado relevante, na medida em que denuncia a influência desta relação na constituição dos
conflitos internos de cada um, gerando, a partir daí, diversas dificuldades e patologias. Orth
(2005) define a relação dos pais com o filho dependente químico, constituída pela figura
materna superprotetora deste, enquanto a paterna é vista como uma figura ausente e agressiva,
ambos não conseguindo estabelecer uma relação positiva. Desta forma, demonstra-se o
sentimento de ambivalência apontado por 4 entrevistados, causando, assim, grande frustração
no dependente, pois este não se sente acolhido nesta relação. Para exemplificar segue a fala de
um destes sujeitos:
“Eu procuro pouco [a família] para não incomodar, porque eu bebo daí não gosto de
incomodar, porque certas vezes eles me auxiliam e outras me criticam” (sic.).
Na categoria Influência da família na dependência química obteve-se duas
subcategorias: não influenciou (5 U.Rs.) e influência indireta (5 U.Rs.). Cinco participantes
disseram que não foram influenciados pela família para que se tornassem dependentes
químicos. Outros cinco indivíduos sentiram-se influenciados indiretamente pela família, tendo
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como fatores determinantes: briga dos pais, solidão, a existência de dependência química na
família, ou no meio social, e alguns até não souberam definir, embora se sentissem de alguma
forma influenciados.
O problema da dependência química não deixa de ser do próprio dependente e do meio
em que ele vive. A falta de amor e a negligência também são fatores que devem ser levados
em consideração para o surgimento da dependência química (ORTH, 2005). A informação
trazida pela autora corrobora com os achados desta categoria, visto que permite o
entendimento de que a família pode ter influência sobre a origem da dependência química,
mesmo que indiretamente, como pode não ter qualquer influência, exatamente como descrito
pelos entrevistados, em proporções exatamente iguais, (50%).
Assim, os participantes que se sentem influenciados indiretamente trouxeram que o
surgimento da dependência química ocorreu devido a diversos fatores, desde situações
familiares, como desentendimentos e a própria existência da dependência química entre
alguns membros da família, até por situações sociais, como a aceitação pelo grupo de iguais.
Relataram sentirem-se sozinhos em decorrência das discussões que ocorrem em casa, e
acabam procurando apoio em outras pessoas, como amigos e vizinhos, os quais já fazem uso
da droga, ocasionando, por fim, a dependência química.
Também para o mesmo autor, os adictos criam laços de amizades fortes que, durante
situações de conflito, acabam buscando auxílio nesses amigos, fortalecendo, assim, a
dependência de substâncias. (ORTH, 2005). Seguem algumas falas significativas:
“... comecei a usar com um vizinho, tudo às escondidas”(sic.).
“Diretamente eu acho que não, sempre tem uma coisa ou outra. Quando eu era
pequeno fazia suquinho de vinho, ou coisas que tu vê. Quando eu tinha entre cinco ou dez
anos vi meu pai fumar e daí peguei um cigarro para fumar, e um pouco de água para fazer
que era bebida”(sic.)
“O que eu mais tive na minha família foi bêbado, eu acredito na pré-disposição”
(sic.).
A família no tratamento do dependente químico é a quarta categoria, sendo
registradas as seguintes subcategorias: grupo “Amor Exigente” (9U. Rs.); família no grupo
(9U. Rs); sensibilizado pela família (7U. Rs.); família participativa (7U. Rs.); recebe visita
(4U. Rs.); não recebe visita (4U. Rs.); satisfação (4U. Rs.); busca por iniciativa própria (3U.
Rs.); família sem envolvimento (3U. Rs.).
Nove sujeitos relataram que a inserção da família é realizada através do grupo Amor
Exigente proporcionado pela comunidade terapêutica, e que estas famílias comparecem aos
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encontros, sendo que apenas um refere não ter informação a respeito da inserção da família no
tratamento, visto que está há poucos dias na instituição. Sete participantes foram
sensibilizados pela família para buscar tratamento, considerando-as participativas no
tratamento. Quatro respondentes não recebem visitas, pois ainda não têm um mês de
internação na comunidade, conforme normas da instituição4, embora sejam 5 os participantes
que estão na comunidade há menos de um mês. Outros quatro participantes relataram sentir
satisfação junto aos familiares, pelo envolvimento destes no seu tratamento. Três indivíduos
tiveram iniciativa própria para buscar a comunidade terapêutica, optando todos pela
internação como alternativa de tratamento. Já outros três sujeitos não percebem sua família
envolvida no tratamento, visto que não tiveram contato com esta após a internação.
A participação da família nos grupos de auto-ajuda faz refletir no tratamento dos
participantes, pois se observa, a partir das entrevistas, que o sujeito internado sente-se mais
motivado se percebe que sua família está presente no tratamento. Esta percepção foi expressa
pela maioria deles. Os autores Melo & Figlie (2004) explicam que o grupo Amor Exigente é
destinado para pais e educadores, pois ajuda a prevenir e a solucionar problemas com a
dependência, trabalhando na organização da família e na proteção dos filhos.
Para exemplificar a afirmação do autor e demonstrar a satisfação com a participação
da família no tratamento, segue a fala de um dos participantes:
“Apesar de falarem bastante que o amor exigente só ferra os dependentes, eu acho
que não porque eles [família] vão saber lidar com a gente. O dependente químico manipula
muito, eu conseguia muitas vezes manipular a família; ensinam a lidar com essas
manipulações... pra quem não quer parar é ruim, mas pra quem quer é bom. Eles sabem lidar
com a situação, vão ter conhecimento [a família]” (sic.).
Embora seja a expressão de uma minoria, cabe ressaltar que a participação de
algumas famílias no grupo Amor Exigente, conforme relatado por alguns participantes, dava-
se pura e simplesmente pela razão de obter o “ticket” de autorização de visita, e não pelo
motivo de se inserir e participar do tratamento do interno, na busca da compreensão e ajuda
proporcionado pelo grupo. Isto denuncia o movimento que algumas famílias fazem,
funcionando também de forma manipulativa, e isso não deixa o indivíduo satisfeito, até
porque mostra a forma como a família se insere no seu tratamento, assim como o
funcionamento da relação familiar em que está inserido.
4 Os participantes devem ter um mês de tratamento para poderem receber visita, e seus familiares devem freqüentar o grupo “Amor Exigente”, pelo menos quatro vezes ao mês, para, então, receberem um comprovante para realizarem a visita.
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Na categoria Sentimento sobre a família após busca do tratamento as subcategorias
descritas foram: mudou para sentimento de afeto (4U. Rs.); mudou para sentimento de
ambivalência (4 U.Rs.); não mudou o sentimento de afeto (2U.Rs.). Houve mudança do
sentimento para quatro deles, na medida em que encontravam apoio e afeto na relação da
família com eles após acontecer a busca do tratamento; já para outros quatro participantes, o
sentimento tornou-se ambivalente, visto que percebem a sua parcela de responsabilidade pela
situação em que se encontram, o que antes não era percebido, da mesma forma que observam
a responsabilidade indireta também da família, enquanto facilitadores do comportamento
compulsivo, sendo, antes da busca do tratamento, percebida somente esta condição. E, apenas
para dois deles, o sentimento de afeto pela família permanece intacto, não havendo qualquer
alteração com a busca do tratamento. Ou seja, para a maioria (80%) dos participantes houve
mudança positiva do sentimento sobre a família, após a busca do tratamento.
Apesar de muitos dependentes químicos aparentarem ter perdido o vínculo com suas
famílias, muitos ainda apresentam grandes emoções com o grupo familiar (PAYÁ & FIGLIE,
2004). Entende-se, com isso, que a maioria deles (80%), após a busca do tratamento,
passaram a ter uma nova percepção da sua doença, possibilitando tentar uma reconciliação na
relação com a família, dando uma nova chance para esta relação. Os autores salientam, ainda,
que, a menos que a relação da família com o dependente químico tenha sido afetada por
diversos fatores que ocorrem devido ao abuso de substâncias, o sujeito precisa e quer ter sua
família por perto, para sentir-se acolhido. Segue a verbalização de um dos entrevistados:
“Muda sim porque antes eu nem falava com os meus pais, eu nem tava morando com
eles mais e hoje vejo que é bem diferente, são os únicos que estão vindo” (sic.).
Alguns participantes relatam não sentirem falta da família, em alguns momentos, mas,
com o prosseguimento da entrevista, podemos perceber que a família é muito importante para
eles, e que gostariam que ela fosse cada vez mais presente no tratamento, manifestando,
também, desta maneira, o sentimento de ambivalência sobre a família, considerando que
algumas não se envolveram no tratamento.
A última categoria descrita é a Importância da família no tratamento do
dependente químico, tendo as seguintes subcategorias: apoio (8 U.Rs.); compreensão da
doença( 8 U.Rs); nula ( 2 U.Rs.); e conferência ( 1 U.R.). Foram oito os participantes que
relataram acreditar que é importante ter apoio da família para a recuperação, seja manifestado
através do diálogo ou só pelo fato de estar perto. Oito sujeitos reconhecem a importância da
inserção da família no tratamento, através do grupo Amor Exigente, na medida em que
aprende a lidar melhor com a doença e com o doente. Dois internos respondentes relatam que
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a recuperação depende de si mesmos, e a família tem importância nula para o tratamento. E
um indivíduo relata a importância da inserção da família no tratamento, pelo fato de esta
poder conferir a sua evolução.
O apoio da família é de fundamental importância no tratamento do dependente,
segundo o que se observa nos seus relatos, pois, com a presença do grupo familiar, sentem-se
motivados a continuar no tratamento, sabendo que existem pessoas torcendo pela sua
reabilitação. Schenker e Minayo (2004) afirmam que a família influencia tanto no
aparecimento da dependência, como no tratamento do sujeito, pois ela é a rede de apoio mais
próxima. Segue a verbalização de um dos participantes:
“Muito afeto, muito amor, perseverança, muito incentivo pra viver, pra manter a vida,
porque a gente chega muitas vezes numa fase que chuta o balde, que se dane que eu vou
acabar me danando. Aquilo que eu falava: eu perdi serviço, patrimônio, mas sempre foi a
minha família que esteve presente” (sic.).
Para Kalina e Kovadloff (1988), o dependente químico manipula, pois, muitas vezes,
esse é o comportamento da sua família. Verificou-se, durante a aplicação do instrumento, que
esse foi um dos discursos de alguns participantes, relatando que a família precisa identificar
esta manipulação, tanto proveniente dela própria, quanto do dependente químico, no momento
em que planejam usar alguma substância novamente. Entendem, desta forma, que a
participação da família nos grupos de auto-ajuda é de extrema importância para a
compreensão da doença. É o que dizem Payá e Figlie (2004) sobre a necessidade da família
em participar dos grupos de auto-ajuda para conseguir lidar com as diversas situações que irão
ocorrer. Para exemplificar a afirmação, segue:
“É bastante importante porque eles [família] vão entender o meu lado. Eles já sabem:
têm épocas que eu paro, daí depois volto com tudo, não é fácil. Pelo menos eles têm um
contato mais fácil para saber como funciona.” (sic.).
Através da análise desenvolvida e da discussão dos resultados encontrados, verifica-se
o atendimento dos objetivos propostos, visto que foi possível conhecer o significado da
família para o dependente químico em tratamento em uma comunidade terapêutica do Vale
dos Sinos; bem como identificar a existência da influência da família na busca de tratamento
pelo dependente químico; ainda, permitiu compreender as relações familiares dos dependentes
químicos investigados; além de poder verificar o entendimento que o dependente químico tem
da inserção da família pela comunidade terapêutica, no tratamento da dependência química.
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Assim, este estudo possibilita afirmar que a família, na percepção destes dependentes
químicos em tratamento na comunidade terapêutica do Vale dos Sinos, tem indubitável
importância para a sua recuperação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a realização deste trabalho foi possível confirmar a importância que o dependente
químico atribui à família para o seu tratamento, corroborando com os achados bibliográficos
utilizados, os quais fundamentaram os resultados deste estudo.
Os principais resultados apontam que a família é fundamental para o tratamento dos
dependentes químicos estudados. Consideram-na seu alicerce, fonte de apoio e afeto, apesar
da forte carência que, muitas vezes, sentem, principalmente, em momentos de
desentendimentos, ocasionando a fuga para a rua, o sentimento de solidão e, por fim, o uso da
droga. Ao mesmo tempo em que assumem a responsabilidade pela dependência química,
também entendem como uma influência indireta da família para a ocorrência da doença, em
especial, pelo fato de já existir a presença da dependência química na maioria das famílias.
Enquanto em tratamento na comunidade terapêutica, observam suas famílias
participativas e envolvidas com o tratamento, através do grupo “Amor Exigente”, com o qual
aprendem a compreender melhor o doente e a doença que é, na realidade, familiar. Sentem-se,
com isso, apoiados pela família para a sua recuperação, seja este apoio manifestado através do
diálogo ou das visitas, proporcionando estar perto. E, por fim, percebem que a busca pelo
tratamento e o envolvimento da família neste influenciou para haver uma mudança positiva no
sentimento sobre aquela, visto que encontram apoio e afeto na nova relação que se estabelece,
além de reconhecerem a sua parcela de responsabilidade no desenvolvimento da dependência
química.
Pesquisas sobre este assunto são fundamentais, visto que se trata de um tema relevante
social e cientificamente, pois permite que a sociedade possa perceber o quanto é importante a
família na prevenção e no tratamento da dependência química, e que os laços familiares têm
conseqüências extremas para o ser humano, quando não estruturados. Cientificamente, este
estudo contribui para intensificar o trabalho com famílias, em especial, as famílias co-
dependentes, conscientizando-as sobre a importância na formação da estrutura do indivíduo,
podendo, assim, evidenciar aos profissionais envolvidos no tratamento do dependente
químico a importância dos vínculos na estrutura familiar, para o bem estar de seus membros.
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Para a realização de novas pesquisas, sugere-se a possibilidade de desenvolver este
estudo sobre o gênero feminino; ou, ainda, estudos sobre a importância da família
especificamente para o dependente do álcool, visto que a maioria representativa desta
pesquisa era dependente de crack.
O psicólogo se depara com um importante desafio ao inserir a família do dependente
no seu tratamento na comunidade terapêutica, devido à grande demanda, necessitando, assim,
trabalhar em grupo com os internos, como também com a família e, em casos especiais,
desenvolver um trabalho individualizado.
Ao final da entrevista, foi aberto um espaço aos participantes para que fizessem algum
comentário sobre o assunto explorado neste estudo. Nem todos o fizeram, mas aqueles que
usaram o espaço trouxeram aspectos relevantes, que reforçam os resultados encontrados.
Falam da reflexão que hoje se permitem fazer sobre o que fizeram e não fizeram com as
pessoas que amam, ressaltando a importância da presença e do apoio destas; da necessidade
de tratamento para estarem conscientes em suas atitudes, resgatando a relação familiar; e,
ainda, sobre a necessidade e importância da maturidade, pois, através dela, o indivíduo
consegue tomar as decisões certas em sua vida. Percebe-se, assim, que o dependente químico
em tratamento valoriza a sua família e deseja resgatar a relação perdida, dando uma nova
oportunidade de vida a todos.
Conclui-se, portanto, que a dependência química precisa ser acompanhada por
profissionais qualificados que possam ajudar o indivíduo, mas também sua família, que tem
papel crucial no tratamento e na recuperação do familiar doente, a qual também precisa de
auxílio, a fim de perceber-se influente no desenvolvimento da doença, compreendendo a
própria doença e, por fim, ajudar o membro familiar dependente.
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TRIVINÕS, Augusto Nivaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais. São Paulo: Atlas, 1987.
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APÊNDICE - Roteiro de Entrevista
1. Ao falar a palavra família, o que lhe vem à cabeça?
2. Quem é a sua família? O que eles significam para você?
3. Como são os seus familiares, ou seja, como você os percebe na relação consigo?
4. Você sente falta da sua família?
5. Com que idade você começou a usar drogas?
6. Você acredita que a sua família o influenciou para que se tornasse dependente químico? De
que forma?
7. Sua família o sensibilizou para que buscasse tratamento? De que forma?
8. E hoje, em tratamento, você a percebe de que maneira?
9. Mudou o seu sentimento em relação aos seus familiares?
10. Que importância você atribui à família para a sua recuperação?
11. Sua família o visita? Com que freqüência?
12. Como são estes encontros?
13. O local onde você realiza seu tratamento promove a inserção da família? De que forma?
14. Eles comparecem?
15. Como você considera esta inserção para a sua recuperação?
16. Comentários
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DECLARAÇÃO