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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO EM CINEMA, VÍDEO E FOTOGRAFIA: CRIAÇÃO EM
MULTIMEIOS
BARBARA GOMES LEITE DE ALBUQUERQUE
CAMILA MARTINS DA SILVA
DELSON MATOS GOMES
GUSTAVO HENRIQUE SPADOTTO PINHEIRO
O DRAMA ATRAVÉS DO SILÊNCIO
SÃO PAULO
2014
O DRAMA ATRAVÉS DO SILÊNCIO
BARBARA GOMES LEITE DE ALBUQUERQUE
CAMILA MARTINS DA SILVA
DELSON MATOS GOMES
GUSTAVO HENRIQUE SPADOTTO PINHEIRO
Artigo Científico apresentado como exigência parcial
para a obtenção do título de Especialista do Curso de
Pós Graduação em Cinema, Vídeo e Fotografia: Criação
em Multimeios da Universidade Anhembi Morumbi,
sob a orientação do Profa. Dra. Inez Pereira da Luz
SÃO PAULO
2014
BARBARA GOMES LEITE DE ALBUQUERQUE
CAMILA MARTINS DA SILVA
DELSON MATOS GOMES
GUSTAVO HENRIQUE SPADOTTO PINHEIRO
O DRAMA ATRAVÉS DO SILÊNCIO
Artigo Científico apresentado como exigência parcial
para a obtenção do título de Especialista do Curso de
Pós Graduação em Cinema, Vídeo e Fotografia: Criação
em Multimeios da Universidade Anhembi Morumbi,
sob a orientação do Profa. Dra. Inez Pereira da Luz
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
Profa. Dra. Inez Pereira da Luz
Orientadora
_______________________________________
Prof. _____________________________
Membro da banca
_______________________________________
Prof. _____________________________
Membro da banca
A esta universidade, seu corpo docente, direção e
administração, que oportunizaram a janela que
hoje vislumbramos.
A nossa orientadora, Profa. Inez, pelo suporte no
pouco tempo que lhe coube, seja por suas
correções e incentivos.
Aos nossos familiares, pelo amor, incentivo e
apoio incondicional.
E, finalmente, a todos que direta ou indiretamente
fizeram parte de nossa formação.
Recebam o nosso sincero muito obrigado!
RESUMO
Com o surgimento do cinema sonoro, a banda sonora passou a ter grande importância em
produções cinematográficas. As experimentações na montagem em relação ao som e imagem
trouxeram grandes evoluções para o cinema e linguagem cinematográfica. A utilização do
silêncio cinematográfico surgiu, então, como um recurso a ser utilizado com grande capacidade
dramática. Assim, discutimos a transição do cinema mudo para o cinema sonoro e as
experimentações ligadas ao silêncio cinematográfico, com sua definição e evidência de suas
particularidades. A partir daí, abordamos o uso do silêncio (naturalista, dramático e sintático),
assim como seus efeitos, aplicando os conhecimentos resultantes da pesquisa na análise dos
curtas-metragens ”Cargo” e ”Limbo”, ambos sem diálogos entre os personagens. Importante citar
que este último é um curta-metragem autoral, no qual aplicamos, tanto na produção quanto na
análise, os conhecimentos sobre o silêncio cinematográfico e sua interação com a banda sonora.
Concluímos, então, que o silêncio cinematográfico possui grande efeito dramático, possuindo
peculiaridades na forma como deve ser trabalhado. Desta forma, sua utilização e exploração
surgiram através do cinema sonoro, permitindo uma nova relação som-imagem e,
consequentemente, a evolução do processo de edição e do próprio cinema.
Palavras chave: Banda sonora. Cinema sonoro. Edição no cinema. Efeito dramático. Silêncio.
ABSTRACT
With the advent of sound film, the soundtrack started to have great importance in film
productions. The experiments in the assembly in relation to sound and image have brought great
changes to film and film language. The use of film silence came then, as a resource to be used
with great dramatic ability. Thus, we discuss the transition from silent films to talkies and
experiments linked to cinema silence with its definition and evidence of its particularities.
Thereafter , we discuss the use of silence (naturalist, dramatic and syntactic), as well as its effects
by applying what was learned through research in the analysis of the short films "Cargo" and
"Limbo", both without dialogues between characters. It is important to mention that the latter is a
copyrighted short film, in which we applied, both in production and analysis, knowledge of the
silent film and its interaction with the soundtrack. We conclude that the silent film has great
dramatic effect, having peculiarities in the way it should be done. Thus, its use and exploitation
emerged through the talkies, allowing a new sound - image relationship and, consequently, the
evolution of the editing process and the cinema itself.
Keywords: Silence. Sound Film. Dramatic Effect. Film Edition. Soundtrack.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 08
1. A CONSTRUÇÃO DO SILÊNCIO NA LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA .......... 10
2. O SILÊNCIO NA CONSTRUÇÃO DO DRAMA ........................................................... 14
3. ANÁLISE DA TRILHA SONORA E DO SILÊNCIO NO CURTA-METRAGEM
“CARGO” DOS DIRETORES BEN HOWLING E YOLANDA RAMKE
(AUSTRÁLIA, 2013) ........................................................................................................ 19
4. ANÁLISE DO FILME AUTORAL “LIMBO” ................................................................. 23
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 26
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 27
WEBGRÁFICAS .............................................................................................................. 29
FILMOGRÁFICAS ........................................................................................................... 30
APÊNDICE .............................................................................................................................. 32
APÊNDICE A - ROTEIRO DO FILME AUTORAL : “LIMBO” ................................... 32
APÊNDICE B - STORYLINE DO FILME AUTORAL: “LIMBO” ................................ 41
APÊNDICE C - STORYBOARD DO FILME AUTORAL: “LIMBO” ........................... 42
APÊNDICE D - DIREÇÃO DE ARTE DO FILME AUTORAL: “LIMBO” .................. 50
APÊNDICE E – PALETA DE CORES DO FILME AUTORAL: “LIMBO” .................. 58
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INTRODUÇÃO
A partir da década de 1930, com a transição do cinema mudo para o cinema sonoro, a
banda sonora tornou-se componente fundamental da estética cinematográfica, exercendo ampla
influência nos filmes originados desde então. A banda sonora (ou linguagem do áudio), é
composta de diálogos, efeitos sonoros, silêncio e música. A nova relação áudio-imagem, gerada
pelo cinema sonoro, foi foco de experimentações, possibilitando a evolução do cinema e da
linguagem cinematográfica.
O silêncio é um dos signos explorados na banda sonora junto a outros sons. O uso do
silêncio no cinema é classificado em três tipos, sendo eles: 1) sintático; 2) naturalista; e 3)
dramático. Porém, nos aprofundaremos nos dois últimos, que guiarão a nossa análise no decorrer
do artigo. O efeito do silêncio é explorado de várias maneiras em filmes de diferentes gêneros,
como o drama e o terror. São inúmeras as possibilidades de utilização do áudio para atingir o
efeito dramático necessário, onde o silêncio é uma delas, podendo ser explorado para otimizar o
resultado final da cena. Vimos, portanto, que o silêncio surge como um elemento fundamental a
ser analisado, devido a sua singularidade como representação no cinema. Este signo será
estudado não pela falta absoluta do som, mas pela sensação de sua ausência, algo que é
evidenciado no áudio das narrativas cinematográficas de diversas maneiras.
Neste artigo vamos analisar a sensação do silêncio, como também sua função dramática
explorada no cinema. Assim, serão analisados dois curtas-metragens: 1) “Cargo”, (2013), dos
diretores Ben Howling e Yolanda Ramke, de produção australiana e finalista da maior premiação
de curtas-metragens do mundo (Tropfest); e 2) “Limbo”, uma produção de autoria própria. Pelo
exposto, o objetivo do presente estudo visa estimular a discussão acerca do assunto, como
também valorizar a importância do silêncio no cinema, estando organizado em duas partes. Em
um primeiro momento, foi investigada a função dramática e a influência do silêncio dentro da
banda sonora no contexto histórico do cinema. A partir disso, o foco foi atentar como os
elementos da banda sonora colaboram à manipulação do potencial dramático em cenas nas quais
o silêncio está presente.
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Em um segundo momento, analisaremos o curta-metragem “Cargo”, abordando os usos
naturalistas e dramáticos do silêncio, predominantes nesta produção, bem como esta utilização
influência os outros elementos da banda sonora e o efeito dramático resultante.
Será analisado, também, o curta-metragem “Limbo”, que é material de aplicação prática
dos conhecimentos abordados neste estudo. Através deste curta-metragem, a pesquisa realizada
resulta em um produto prático sobre as diferentes utilizações do silêncio e seu efeito dramático
em conjunto com outros elementos da banda sonora.
A metodologia utilizada é composta de pesquisa bibliográfica, análise de curtas-
metragens (“Limbo” e “Cargo”) e aplicação prática com coleta de resultados. A pesquisa de
autores como Inês Gil, Luiz Adelmo Fernandes, Ángel Rodriguez, Marcel Martin e Ken
Dancyger, sendo estes três últimos, nossos principais referenciais teóricos.
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1. A CONSTRUÇÃO DO SILÊNCIO NA LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA
Em 1927, a Warner Brothers produziu o primeiro filme sonoro da história
cinematográfica, “O Ator De Jazz”, do diretor Alan Crosland, caracterizado pela presença de voz.
Devido à carência da tecnologia sonora no cinema, que estava ainda se desenvolvendo, várias
barreiras tiveram de ser ultrapassadas.
Percebemos pontos importantes nessas experiências iniciais do cinema sonoro. Por ser
uma tecnologia ainda primitiva, o cinema sonoro possuía muitas limitações, o que não impediu
sua evolução. Graças aos esforços de grandes cineastas e artistas, como Eisenstein e Pudovkin, a
utilização do som possibilitou a criação de um novo meio de linguagem e expressão.
Ainda no cinema mudo, a montagem obteve grande avanço, não só na construção de
sentidos, mas, sobretudo, pela originalidade poética cinematográfica, possibilitando que o cinema
sonoro se reinventasse esteticamente. O enquadramento, que é uma característica do cinema
herdada da pintura, gera o campo visual e o espaço off (ou extracampo). A junção de dois
enquadramentos compõe a representação de um mundo visual onde está inserida a história ou o
conceito do filme. A partir do cinema falado, a técnica de sincronização do som e imagem
possibilitou o fortalecimento do extracampo, abrigando falas, sons e ruído. Vários cineastas
exploraram esses recursos, com a intenção de ampliar poeticamente a linguagem do cinema. Um
deles foi Fritz Lang, com “M. O Vampiro De Düsseldorf”, o primeiro filme falado desse diretor
austríaco, realizado em 1931.
Devido a essa nova possibilidade de captação e edição de som e imagem, alguns avanços
na montagem, herdados do cinema mudo, foram inibidos. Os equipamentos de captação,
montagem e sincronização ainda estavam em seu início de uso, acarretando em inúmeras
limitações técnicas e tecnológicas.
As cenas que possuíam diálogo, por exemplo, não podiam ser montadas sem que a
sincronização fosse perdida. O corte significava perder som e imagem, tornando a sincronização
restrita às sequências mudas. Hoje, com todos os avanços tecnológicos, são infinitas as
possibilidades de montagem do som e imagem, assim como o processo de captação. Essas
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dificuldades foram necessárias para que a tecnologia e a montagem evoluíssem, possibilitando
um maior nível de verossimilhança nos filmes.
Com o uso da banda sonora, todas as atividades cinematográficas tiveram que evoluir,
incluindo o próprio mercado. A evolução técnica exigiu uma reestruturação das salas de cinema,
provocando um rápido crescimento da indústria cinematográfica nos EUA. O som ótico
registrado na película determinou a organização do sistema de exibição, a saber: tela grande e
som transmitido em potentes caixas localizadas atrás da tela e nas paredes laterais.
Atores de teatro, escritores, novelistas e diretores tiveram que se aprimorar para
acompanhar este novo cinema. Experimentos com o som e imagem foram realizados por grandes
cineastas, como Alfred Hitchcock no filme “Chantagem E Confissão” (1929), Rouben
Mamoulian em “Aplausos” (1929) e o próprio Fritz Lang, no já mencionado “M. O Vampiro De
Dusserldorf” (1931). Esses artistas e teóricos colaboraram para que o som fosse observado como
importante elemento da narrativa e da poética cinematográfica.
Gradativamente o cinema sonoro foi se desenvolvendo além da situação de “teatro
filmado”, com o som e imagem trazendo estímulo ao espectador, seja na compreensão de sua
subjetividade como em seu uso criativo. Em 1933, a mixagem e os microfones alteraram
qualitativamente a história do som no cinema. Em filmes como “King Kong” (1933), de Merian
C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, diálogos e músicas foram utilizados simultaneamente na trilha
sonora, sem perda da qualidade do material. Entre 1945 e 1950, a gravação magnética também
beneficiou o desenvolvimento da montagem em qualidade e técnica. Exemplos disso são os
filmes “Os Melhores Anos De Nossas Vidas” (1946), de William Wyler, que se destacou por sua
montagem convencional e excelente qualidade, seguindo o modelo clássico de Hollywood; e “A
Dama De Xangai” (1948), de Orson Welles, um filme que experimentou mais as possibilidades
que as inovações tecnológicas trouxeram para a montagem, fugindo dos convencionais padrões
hollywoodianos.
Reforçamos a afirmação de Angel Rodrigues (RODRÍGUES, 2006) de que “[...] o
silêncio não é a ausência de som, uma vez que a ausência absoluta de som não é possível [...]”.
Do ponto de vista da produção de sentido é necessário lembrar que, como na vida real, o silêncio
no cinema é modulado, passando da pura estilização de efeito estético (por corte de som em uma
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determinada cena) a produção em estúdios fechados, com amplificação de sons e ruídos por
microfones.
O silêncio pode ser caracterizado pela ausência de elementos, como diálogos, ruídos e/ou
sons do ambiente, tentando causar o efeito dramático previsto ou, como ressalta Inês Gil:
[...] O som do silêncio pode-se exprimir a partir da ausência de ruído, diálogo,
música ou sons ambientais, mas pode ser na própria imagem que se manifesta a
presença do silêncio. Aliás, o silêncio reforça a presença da imagem e da sua
visibilidade. (GIL, 2012, p. 179).
O uso do silêncio pode diminuir a competição de elementos na percepção do espectador, o
que lhe possibilita notar seu efeito dramático com maior precisão. Um filme tem início com um
plano geral de um campo numa fazenda, onde ouvimos o som do vento, enquanto num plano
mais próximo, vemos uma garota na porta da casa olhando ao redor. Em seguida, há um corte pra
dentro da casa e vemos a garota entrar na sala, que se encontra absolutamente silenciosa. Antes
de subir a escada, a garota chama a amiga e o silêncio volta a pairar sobre a cena. Esse silêncio a
acompanha até o momento em que ela encontra sua amiga assassinada. A cena pertence ao filme
“Capote” (2005), de Bennett Miller, apresentando o assassinato de uma família de Arkansas,
oriunda do livro “A Sangue Frio”, de Truman Capote. O silêncio da cena é muito mais que o
aliado da imagem, sendo o responsável pela criação da tensão do drama, já nos primeiros minutos
desse filme.
Por outro lado, há presença da música junto com os outros elementos do áudio ressaltando
a intenção da cena, como no filme “O Que Eu Fiz Para Merecer Isso?” (1985), de Pedro
Almodovar. Vemos na cena o marido de Gloria dirigindo um táxi e ouvindo uma canção no rádio
do carro. Esta cena é cortada e a canção diegética se transforma em extradiegética, com novo
corte e continuidade da canção. Agora vemos Gloria na academia onde trabalha como faxineira,
sendo a canção o elemento de ligação entre os dois protagonistas, indicando o drama que será
vivido futuramente por Gloria.
A música, em conjunto com o silêncio cinematográfico, pode ainda conferir diferentes
significados à cena e/ou personagem(s), não estando necessariamente relacionada de forma óbvia
ao seu ponto principal. Algumas cenas apresentam a música tão dissonante da imagem que um
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significado bem mais terrível pode ser dado a ela. Como aquele famoso uso da música na cena
dos primatas, no filme “2001 Uma Odisséia No Espaço” (1968), de Stanley Kubrick. Ele
representou a aurora da espécie humana - a origem da percepção e do pensamento - introduzindo
a música no exato momento em que o primata descobre o monólito negro em frente à caverna, o
que significa o salto evolutivo do ser humano.
Se o silêncio não é a ausência completa de som, mas sim a sensação de sua ausência, o
efeito pode ser expresso pela diferença entre a presença e ausência de determinado som. As
características do som - altura, tom e timbre – colaboram, também, para que as sensações de
silêncio e vazio ambientalizem a cena. O eco manipulado no som ainda pode preencher um
ambiente de silêncio e vazio.
[...] podemos afirmar que o silêncio é um efeito auditivo determinado
fundamentalmente por uma diminuição grande e rápida no nível de intensidade
sonora. (RODRÍGUEZ, 2006, p. 183).
É comum esse tipo de uso em cenas vistas por personagens esquizofrênicos, como no
filme “Confissões De Uma Mente Perigosa”, dirigido por George Clooney, em 2002. Nas
subjetivas do personagem Chuck Barris, vemos as ações, mas o som é suprimido ou abafado, o
que traduz certa confusão do personagem.
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2. O SILÊNCIO NA CONSTRUÇÃO DO DRAMA
Segundo Angel Rodriguez (RODRÍGUES, 2006), há três usos expressivos fundamentais
que costumam ser atribuídos ao efeito do silêncio nos discursos audiovisuais: sintático,
naturalista e dramático.
Quando falamos do uso sintático dos sons, estamos nos atendo à sua organização dentro
da linguagem, sem uma função semântica. No caso do silêncio, nos referimos ao seu uso como
função separadora. O silêncio pode vir ao final da cena, indicando que a próxima cena poderá ou
não ter ligação com a seguinte. Isso pode ser notado tanto numa cena triste ou feliz. O uso
sintático do som fica evidente na exploração estética, porque o significado está vinculado
simplesmente ao caráter sonoro.
O uso naturalista dos sons - ou sons diegéticos - corresponde aos efeitos que imitam os
sons da realidade, buscando a diferença entre a presença do som e sua ausência posterior. Um
exemplo disso é o som da respiração ao ser interrompida, criando a impressão de que a morte
ocorreu. Ainda no já citado filme, “2001 Uma Odisséia No Espaço”, Kubrick explora os sons
diegéticos da natureza nas cenas dos primatas, que aliados à musica não diegética da cena
ressaltam o sentido do surgimento do pensamento.
Há de ressaltar o uso naturalista dos sons e silêncio nos filmes de terror. Por exemplo, na
criação da própria cena de terror os sons no extracampo provocam, inevitavelmente, o medo uma
vez que não vemos o que está acontecendo. Aqui, o silêncio é empregado muitas vezes para
demonstrar o medo do personagem dentro de um cenário e numa ação prestes a acontecer.
Por último, temos o uso dramático que busca expressar, conscientemente, alguma
informação específica de pathos (p. ex., a morte ou vazio). Um filme que explora o silêncio de
forma bastante original é “Os Inocentes”, realizado pelo cineasta inglês Jack Clayton em 1961,
na Inglaterra. No começo do filme a governanta é apresentada ao espectador, conversando com o
tio das crianças que cuida na Inglaterra vitoriana. Desde a sua chegada na casa da fazenda, já
percebemos que ela é bastante influenciada pela atmosfera do lugar, além de ser dona de uma
exemplar responsabilidade pela educação das crianças. Em uma cena do filme, ela está colhendo
flores no jardim, quando no meio das plantas descobre uma boneca, da qual saem formigas de sua
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boca. Vemos o seu rosto impressionado, a música cantada pela garotinha é cortada abruptamente
e um silêncio se instala. Ela começa a olhar em círculos, é nesse movimento que ela visualiza a
torre da mansão, onde vemos seu rosto crispado. Pela subjetiva da personagem vemos uma
pessoa no alto da torre. O silêncio é substituído pelo som de vento que a acompanha correndo até
a torre. O silêncio aqui é dramático, revelando o interior do personagem e seu conflito que se
intensificará a partir de então.
Fazendo uma analogia com a imagem, vamos pensar no som em dois planos. No primeiro
plano temos o som mais presente, enquanto em segundo plano, o menos presente. Por exemplo,
se imaginarmos que em segundo plano existe o som de uma floresta, com o canto dos pássaros, as
folhas, os sons dos animais e do vento tocando toda a superfície da floresta e em primeiro plano
existe o som de uma serra elétrica ligada, cortando uma árvore, perceberemos que o elemento
mais importante da cena é a serra elétrica. Ao cessar o som da serra, apenas o som que estava em
segundo plano permanece audível, gerando a sensação de silêncio.
Portanto, a ausência do som só existe a partir da sua própria presença. Se gritos
desesperados são ouvidos em primeiro plano na mesma floresta e de repente os gritos cessam,
isso produz da mesma forma o efeito silêncio, e também nos diz que algo aconteceu com quem
estava gritando. Percebemos então um efeito dramático que acontece pelo silêncio, ressaltando a
tensão e expectativa na cena.
[...] Quanto ao uso do silêncio, é importante destacar seu potencial, tanto por seu
valor dramático, ressaltando a tensão ou carga dramática num determinado
momento [...] (MANZANO, 2003, p. 116).
O silêncio diminui a competição sonora, pois o que estava em primeiro plano já não existe
e apenas o segundo plano é apresentado. Se utilizarmos música extra-diegética nesta hipotética
ação na floresta, quando os sons de gritos cessam, efeitos distintos podem ser causados ao
espectador. Se colocarmos uma música de suspense, esta sensação aumentará, evidenciando que
algo grave ocorreu, induzindo percepção de que o personagem morreu. Caso uma música mais
alegre fosse colocada na banda sonora da cena, sua interpretação poderia ser outra.
[...] A música é, portanto um elemento particularmente específico da arte do
filme, e não é de surpreender que desempenhe um papel tão importante e às
vezes pernicioso: “Em certos casos, a significação “literal” das imagens resulta
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ser extremamente tênue. A sensação torna-se “musical”; a tal ponto que, quando
a música a acompanha de fato, a imagem obtém da música o melhor de sua
expressão ou, mais precisamente, de sua sugestão. Quando isso acontece a
imaginação predomina e, do ponto de vista da língua, o signo se perde”. Existe
de fato um perigo real de ver a música suplantar e, portanto, debilitar, e macular
a imagem, o que o diálogo também faz com muita frequência. (MARTIN, 2007,
p.121).
Em 1929, ainda no começo do cinema falado, o filme “Aplausos”, do diretor Rouben
Mamoulian, conferiu ao som a capacidade de dar profundidade à imagem. Considerando as
limitações tecnológicas, Mamoulian experimentou o som e sua capacidade narrativa, que segundo
Ken Dancyger:
[...] Ele acreditava que a proximidade dos microfones dos personagens afetaria o
sentido de proximidade entre platéia e os personagens. Consequentemente, ele
usou a proximidade e a distância com bom efeito. Proximidade significa que o
personagem e os expectadores estão envolvidos e invadidos pelo som. Distância
significa o oposto: silêncio total. (DANCYGER, 2003, p.50).
Mamoulian utilizava o som como contraponto à imagem, influenciando a característica
dramática das cenas. O diretor usava o som como plano geral, buscando o silêncio, enquanto o
close-up, com som amplo e aberto, nem sempre se vale da sincronia som-imagem, aproveitando-
se do som para influenciar o visual, ou seja, um som “visual”.
Hitchcock, no filme “O Homem Que Sabia Demais” (1956), experimentou a utilização do
som em níveis muito baixos, evidenciando o silêncio cinematográfico. Esse silêncio ajuda a criar
climas tensos, manipulando a atenção do público. Esta experimentação do diretor gera resultados
no potencial dramático das cenas diante do público, ajudando a evidenciar o próprio silêncio e a
tensão requerida nas cenas.
A montagem se tornou mais sofisticada com o uso da banda sonora, o que não é grande
novidade hoje. Uma das evidencias é que o espaço entre o som e as imagens passa a ser ocupado
pelo silêncio e, assim, direciona a interpretação do público, acentuando determinada sensação.
Francis Ford Coppola, em “Apocalipse Now” (1979), explora o silêncio de modo que ele
traga consigo a ideia de perigo. O filme trata da história do Capitão Willard, que é convocado
para viajar ao interior da zona de guerra e matar um líder militar (Coronel Kurt). Em uma das
cenas, Willard caminha pelo silêncio da selva e o som dos insetos e animais são muito presentes,
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assim como a movimentação da tropa pela floresta. De repente, silencia-se este som natural da
floresta, produzido pelos animais e insetos, trazendo a percepção de silêncio, o que faz com que a
tropa diminua sua movimentação. O silêncio da cena é indicativo de perigo eminente, tendo a
atenção direcionada para algum risco que está prestes a ocorrer. O silêncio fica cada vez mais
expressivo, quando um tigre ataca Chef (soldado que acompanhava Willard), que mata este
animal. O silêncio foi evidenciado pela presença de sons e ruídos do campo e extracampo, que
subitamente cessam. Esta presença e súbita ausência de ruídos, cria o alerta de perigo e aumenta a
atenção (e tensão) à cena. Portanto, o silêncio antecede um momento de ação evidente (ataque do
tigre), criando ao espectador a tensão necessária para este efeito dramático.
A atenção com o som no drama segue o objetivo de deixá-lo mais verossímil,
convencendo o espectador a entrar na história, atuando sinergicamente à imagem. Desta forma, a
montagem sonora possui relevante papel na função de criar um som mais real, dando significado
a afirmação de que,
[...] O som através do filme confirma a mais óbvia ação física que acontece. A
ênfase é na realidade física e o objetivo do som é ampliar a realidade.
(DANCYGER, 2003, p. 403).
O naturalismo no som confere credibilidade ao visual, garantindo realismo à montagem,
além de sustentar a narrativa e o centro dramático das cenas, acentuando uma intenção. Por isso,
uma ideia sonora pode ser utilizada para a sustentação do núcleo dramático das cenas, quando o
silêncio cinematográfico se traduz em importante opção. Outra forma de manipulação sonora é a
possibilidade de exclusão do som naturalista, que pode ser substituído por outros sons que
atendam aos objetivos esperados.
[...] O objetivo do primeiro corte da montagem de som é equivalente: alcançar a
performance mais crível e o sentido progressivo da história. Materiais para a
ênfase dramática e a metáfora são deixados para o corte final do som assim
como das imagens. (DANCYGER, 2003, p. 391).
O diálogo, efeitos sonoros e música são as três categorias gerais do som. Em
documentários (e algumas vezes na ficção), a narração surge como a quarta categoria. Assim,
quando desejado, o destaque para uma maior ênfase dramática trás contrastes que aumentam e
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sustentam os significados da cena, assim como o enfraquecimento de um elemento no som e
acentuação de outro, que colaboram para sua dinâmica.
Muitas vezes um mesmo som que se mantém em diferentes locações pode ser primordial
à ligação dos planos ou cenas, possibilitando maior compreensão do efeito pretendido a elas, o
mesmo ocorrendo com a função exercida pela imagem e som. Importante destacar, que o silêncio
cinematográfico já carrega consigo uma carga e intenção dramática e, quando utilizado
adequadamente em combinação a efeito sonoros e/ou música, pode ter seu efeito amplificado. O
silêncio, portanto, diminui a competição sonora da cena, fornecendo espaço para que outros
elementos da banda sonora ajudem na indução da carga dramática pretendida.
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3. ANÁLISE DA TRILHA SONORA E DO SILÊNCIO NO CURTA-METRAGEM
“CARGO”, DOS DIRETORES BEN HOWLING E YOLANDA RAMKE,
(AUSTRALIA, 2013)
A utilização do silêncio para manipular e estimular sensações pode ter ação direta no
efeito dramático de uma cena. Podem-se utilizar trilhas e efeitos sonoros para este estímulo,
assim como sons do extracampo, instigando a imaginação de quem assiste. Em filmes do gênero
terror, busca-se produzir tensões e meios de tirar o espectador de seu estado normal. Neste
gênero, o silêncio cinematográfico apresenta-se como uma importante ferramenta, produzindo
estados de tensão e outros efeitos dramáticos. Por isso, uma das formas de produzir o silêncio
cinematográfico pode ocorrer por ausência ou presença de um determinado som. Por exemplo,
quando o silêncio é precedido por algum som no extracampo, gera-se uma tensão ao espectador,
de modo a provocar o susto, característica típica do terror. Como já foi ressaltado, a utilização do
silêncio é comum aos gêneros cinematográficos, não sendo um elemento exclusivo do drama.
Ao aproveitar os sons do extracampo na evidência de silêncio, podemos gerar tensão ao
espectador, que é capaz de acentuar o efeito dramático da cena, estimulando sua imaginação. O
curta-metragem que estamos analisando é um drama que tem a presença de Zumbis, um traço
ficcional do gênero terror, geralmente associado às produções denominadas trash. Porém, em
“Cargo”, os zumbis são apenas um detalhe, com a trama voltada às relações afetivas. O drama
aborda a estória de um homem que é contaminado por um zumbi, sabendo que também se tornará
um em poucas horas, restando pouco tempo para salvar sua filha, que ainda é um bebê.
Neste filme são evidenciados os usos sintático, naturalista e dramático do silêncio
cinematográfico, embora avaliaremos apenas as funções naturalista e dramática das cenas. O
curta-metragem é caracterizado pela ausência de diálogo, o que enaltece a introspecção e o estado
de quase solidão do protagonista neste drama. Esta falta de diálogo colabora para o uso dramático
do silêncio, em que os signos, a linguagem cinematográfica e a trilha sonora, contribuem para a
compreensão do curta.
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Na cena inicial do curta-metragem, se ouve um som de batida de carro, com o
protagonista acordando dentro de um veículo que acabava de se envolver em um acidente. Há
uma imagem turva de uma mulher que se debate, sendo que gradativamente ocorre maior nitidez
da imagem, revelando que trata-se de um zumbi. A dinâmica do som nesta cena indica,
primeiramente, um plano médio do protagonista ferido e atordoado, onde o som da batida do
veículo mostra-se de fácil compreensão. Em seguida, uma subjetiva do protagonista, que vê a
mulher se debatendo dentro do carro, evidenciando o áudio expresso de modo não natural, com
menos clareza. A cena apresenta as fontes sonoras segundo a visão do protagonista, evidenciando
nesta falta de clareza seu atordoamento devido ao acidente, ocorrendo, em seguida, sua
recuperação e lucidez, o que é evidenciado pela maior clareza sonora. O silêncio nesta cena
ocorre de dois modos: naturalista e dramático. O uso naturalista traz a diferença entre a presença
da clareza sonora (som da batida) e sua posterior falta de clareza (atordoamento do protagonista
no acidente), repercutindo numa sensação de desconexão da realidade, vazio e silêncio. Percebe-
se que o protagonista assume a propriedade do som nesta cena, sendo seu ponto de vista colocado
em evidência. A utilização dramática do silêncio ocorre pela sensação de atordoamento que o
protagonista sente, onde sua falta de consciência (e retorno à mesma) mostram o vazio e o
silêncio que a sensação de desmaio trazem.
Com a diminuição da competição sonora pelo silêncio, a trilha sonora se estabelece de
forma mais ativa, conduzindo as emoções do espectador através do silêncio, até o momento em
que outros sons da cena invadam o primeiro plano da banda sonora. Assim, após o protagonista
perceber que foi mordido pela esposa contaminada (transformada em zumbi), ele compreende
que em breve se tornaria um deles. Ao mesmo tempo, ele tem consigo o dever de levar sua filha a
um lugar seguro. Ao sair pela floresta, que permanecia silenciosa, pode-se escutar alguns
grunhidos no extracampo, o que evidencia a presença de zumbis nas imediações. O silêncio que
acompanha esta caminhada é preenchido pela trilha sonora, o que manipula a interpretação e
exalta o efeito dramático causado pelo silêncio. Em sua caminhada, percebe-se o uso naturalista
do silêncio ilustrado pelos sons da floresta, como também o caminhar solitário do protagonista,
silêncio este quebrado pelos grunhidos dos zumbis, o que eleva a tensão da cena e evidencia a
proximidade do perigo. A solidão em que o personagem está inserido e o vazio da floresta
21
(ilustrado pela banda sonora) mostram a utilização dramática do silêncio, colocando o
personagem em uma situação de vulnerabilidade diante dos perigos da floresta e da proximidade
dos zumbis.
Numa cena posterior, o protagonista está com sua filha presa às suas costas, podendo-se
escutar o choro da criança, quando encontra uma casa em seu caminho. Fora da casa existe uma
mesa, onde encontra uma bexiga de aniversário, que é mostrada à criança, que para de chorar
(uso naturalista do silêncio). A ausência abrupta do choro da criança cria a sensação de silêncio,
que não é apenas naturalista, mas também dramático, já que evidencia a intenção do pai em
acalmá-la.
A falta de diálogo durante todo o curta-metragem colabora para o efeito dramático das
cenas, criando a sensação de solidão e vazio que acompanham o contexto da narrativa. A própria
falta de diálogo diminui a competição dos elementos da banda sonora, abrindo espaço para que
efeitos sonoros e a música colaborem para o efeito dramático das cenas.
Em outra cena, o protagonista caminha pela floresta e o cansaço é perceptível em seu
olhar. Todo o som dessa cena está inaudível. Exausto, o protagonista cai ao chão e grita,
buscando forças para continuar, porém, o som de seu grito (e a ambiência da cena) não está
presente. Toda competição sonora da diegése é interrompida, a imagem recebe o foco e este
silêncio da cena eleva o seu efeito dramático. Na faixa sonora há apenas uma música, enquanto a
imagem está com efeito slow motion, o que colabora para o efeito dramático da cena. O silêncio é
evidenciado pela ausência dos sons diegéticos, que aumenta a sensação de sofrimento do
protagonista.
Na cena seguinte o protagonista prende suas próprias mãos, colocando sobre seu ombro
um galho de árvore com um saco de vísceras amarrado na extremidade, com a finalidade de
funcionar como um estímulo a que continue caminhando. Em um plano mais detalhado de seu
rosto, já se percebe sua transformação em zumbi, caminhando, portanto, sem direção com sua
filha presa às costas. O silêncio da floresta guia a caminhada do protagonista até que é
interrompido pelo som de um tiro no extracampo. O uso naturalista do silêncio está presente, bem
como o dramático. O tiro fornece a informação de que há alguém vivo e com consciência no
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extracampo, induzindo ao espectador que houve sucesso na intenção do protagonista e de que a
filha dele será salva. Ao mesmo tempo, o silêncio após o tiro preocupa o espectador, na esperança
de que a criança não tenha sofrido nada.
Após o protagonista ser atingido pelo tiro, que o mata, três pessoas caminham até seu
corpo. O som da floresta é evidenciado, o silêncio entre os três nos dá a possibilidade de
interpretação de terem matado o homem pela sobrevivência do grupo. O silêncio da cena
evidencia o cenário triste e o medo em que aquelas pessoas vivem. Quando o grupo está indo
embora, e sem perceber que a presença da filha do protagonista até então, o choro de uma criança
interrompe o momento. Em um contexto diferente, o choro do bebê poderia evidenciar diversas
intenções, como sofrimento e fome. Porém, nesse caso, ele veio como augúrio de esperança.
Percebemos, assim, o uso naturalista do silêncio pela diferença entre a ausência/presença do
choro da criança, que é o som que quebra o silêncio da cena. Novamente a diminuição da
competição sonora oferece maior atenção para a imagem e, ao mesmo tempo, a música da trilha
sonora se destaca, influenciando o efeito dramático da cena.
Na sequência, entre o grupo de pessoas há uma mulher que corre em direção ao corpo do
protagonista. O choro do bebê ainda continua por alguns segundos, até que a música preencha
toda a cena, encobrindo-o por completo. Nesse momento a trilha sonora ganha destaque, ficando
em primeiro plano, como símbolo da esperança e contribuindo na carga emocional da cena. O
silêncio dos sons naturalistas em cena ajuda a compor o efeito dramático esperado.
Com a criança no colo, a música tem seu volume aumentado, ressaltando a esperança e
representando sua sobrevivência. Em seguida, a mulher aparece sentada com a pequena “Rosie”
no colo, enquanto os outros dois homens cavam uma cova destinada ao protagonista. A trilha
continua em primeiro plano, conduzindo o efeito dramático. Para completar, a cena final é
composta pelo som naturalista do vento, que é misturado em primeiro plano com a trilha sonora,
demonstrando o uso naturalista e dramático do silêncio, que ilustra o vazio e a solidão daquele
local. Dessa maneira, o curta-metragem é finalizado com os sentimentos de esperança e paz,
porém, com o vazio que a floresta trás.
23
4. ANÁLISE DO FILME AUTORAL “LIMBO”
O curta-metragem “Limbo” é o resultado da experimentação acadêmica que trata da
importância do silêncio cinematográfico. Nota-se que a ausência de diálogo durante todo o curta-
metragem ajuda a evidenciar a imagem, permitindo a utilização da música e de efeitos sonoros,
que podem colaborar ao efeito dramático da cena.
O curta-metragem traz a experiência de assistir a um filme do gênero drama, por estar
inserido em um período pós-apocalíptico, exercendo conexão entre os usos naturalista e
dramático do silêncio, assim como elementos da diegése, extradiegése, campo e extracampo. Por
isso, se assistíssemos ao filme sem qualquer som, não seríamos provocados pelas mesmas
sensações por não recebimento dos estímulos sonoros e, consequentemente, os efeitos do
silêncio.
Como podemos analisar, o curta inicia exacerbando efeitos e sons naturalistas que podem
ser percebidos com a ação de cada personagem. A escassez de som externo foca o cenário de
vazio e solidão pós-apocalíptico, onde a sociedade vive com escassez de água, que detém grande
valor como moeda de troca. Dessa forma, tornam-se evidentes os sons naturalistas, tanto do
ambiente, como dos personagens. Uma vez que não existem grandes interferências externas, o
vazio e o silêncio guiam o contexto da narrativa.
Percebemos que nas primeiras cenas do curta a diegése se faz presente, com a interação
entre o personagem principal e sons naturalistas. O silêncio presente nesse início guia toda a
atenção às imagens, com uso tanto dramático quanto naturalista. A cena segue com o silêncio,
falta de diálogo e sons naturalistas até o momento que o personagem Lucas, troca uma fita por
um copo de água. O protagonista Pedro, um traficante de água, recebe a fita e a coloca em um
toca-fitas, ligando-o. Ainda assim, sons naturalistas escassos são percebidos na cena, enquanto a
música diegética está em primeiro plano na banda sonora.
Na sequencia o protagonista se deita em um sofá, ficando sonolento. A banda sonora na
ocasião é composta pelo som do rádio fora de sintonia e a música do toca-fitas. No momento em
24
que o protagonista está quase dormindo, há a diminuição de volume da música emitida pelo toca-
fitas, evidenciando o ruído emitido pelo rádio. Há a transição do som do toca-fitas de diegético
para extradiegético, na qual a música é sobreposta pelo som do ruído do rádio. Nesse momento, o
som incômodo do rádio cessa, evidenciando o silêncio e o vazio na cena posterior.
Na sequência, o personagem acorda subitamente com o som de uma porta batendo no
extracampo. A cena é tomada pelo silêncio, que evidencia a respiração ofegante do personagem e
os sons naturalistas do campo e extracampo. O personagem procura algum vestígio de água,
embora não o encontre, quando a cena é marcada pelo som no extracampo, que marca o encontro
com o antagonista. Nesse momento, toda uma atmosfera de tensão é criada entre os personagens
através do silêncio, devido a falta de diálogos, presença de sons naturalistas e uma trilha de
tensão suave ao fundo da banda sonora. O silêncio mostra seu uso naturalista e dramático,
colocando a imagem em destaque. Isso faz com que a interpretação pelos personagens seja
privilegiada, bem como os sons naturalistas que percorrem toda a sequência.
Muitas vezes os sons extradiegéticos são explorados no curta-metragem, incitando a
percepção sonora do receptor. A utilização de efeitos sonoros e músicas conduzem o espectador
afetivamente à cena, alcançando uma variedade de técnicas que aguçam a audição para qualquer
ruído. Esses sons inesperados são causados por elementos do campo e do extracampo, que são
perceptíveis no decorrer da trama e chamam a atenção do espectador, que pode ser desde o
barulho de uma concha usada para pegar água, a tosse do antagonista, o choro do bebê ou o choro
do protagonista. Esse recurso foi usado propositalmente com a intenção de provocar sensação de
inquietude ao espectador, evidenciando o silêncio, uma vez que em ambientes com ausência de
diálogo há uma diminuição da competição entre os elementos na banda sonora. Neste sentido,
optou-se pelo excesso de sons naturalistas no curta-metragem, como na cena em que o
antagonista vai até a casa do protagonista, rendendo-o com uma arma. Nesse caso há uma
interação entre a ausência de diálogos, expressões dos personagens e sons naturalistas
exageradamente evidenciados, com a proposta de transmitir a tensão entre os atores. Isso faz com
que aumente a carga dramática do curta, concentrando toda atenção na imagem através do uso
dramático e naturalista do silêncio.
25
Há, ainda, uma cena em que Pedro chega à antiga represa e não encontra água, quando se
joga ao chão e grita. A imagem sem som e o grito dramático de Pedro só é mostrado como
imagem e não sonoramente. A cena se torna mais dramática pelo fato do silêncio estar
completamente presente, contrariando o que a imagem sugere.
Na cena final, após encontrar sua filha morta, o protagonista vai até a casa do antagonista
e lá pega sua espingarda, direcionando-a ao seu próprio queixo como insinuação ao suicídio. O
silêncio se faz presente, mostrando apenas a respiração ofegante do protagonista, passando a um
plano aberto, na parte de fora da casa, onde ouvimos um disparo. Esse tiro não necessariamente
confirma que ele se suicidou, mas deixa uma interpretação aberta ao espectador. Os usos
naturalista e dramático do silêncio novamente ocorrem, o que é rompido com o som do tiro.
O som do silêncio nesse drama mostrou-se importante como elemento de criação de
tensão. Outras utilizações realizadas, como a assincronia de som e imagem, contribuíram
positivamente em relação ao silêncio e ao seu efeito dramático. Portanto, deve-se ter atenção em
relação ao excesso de músicas, silêncio e efeitos sonoros para que não ocorra depreciação do
material captado e, consequentemente, do filme proposto.
26
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A transição do cinema mudo para o cinema sonoro trouxe experimentações e uma nova
relação som-imagem no cinema, evidenciada pela evolução da edição e do cinema per se. Nestas
experimentações, realizadas por estudiosos e diretores como Stanley Kubrick, Francis Ford
Coppola, entre outros, o silêncio cinematográfico se revelou importante recurso no cinema por
sua grande capacidade dramática. O silêncio absoluto inexiste, como já foi preconizado pelo
mestre John Cage em relação à poética da música.
Na verdade o que se busca no cinema é reproduzir a sensação do silêncio, seja na relação
com as imagens, nos sons e quanto a relação imagem-som. Assim, não só o silêncio faz parte da
atmosfera criada na narrativa, como ficou evidente nas experimentações realizadas pelos grandes
diretores mencionados no decorrer do artigo, como também é um importante recurso para criar a
carga dramática, seja em dramas comuns como em filmes de gênero.
O silêncio é um relevante componente da linguagem no cinema e o seu uso é classificado
como sintático, naturalista e dramático, como já vimos em diferentes filmes. Enfatizamos o uso
naturalista e dramático em grande parte das cenas analisadas nos curta-metragens “Cargo” e
“Limbo”. Fomos capazes de ilustrar nossa hipótese – a produção do silêncio é fundamental para
criar efeitos de tensão no espectador – citando vários exemplos disponíveis a este fim. Assim, o
presente estudo indica a possibilidade de desenvolvimento de outras pesquisas a partir do
silêncio. Quando há a falta de diálogo e silêncio em cena, a direção de arte e cenografia ganham
grande importância, podendo ser objetos de estudo interessantes para futuras pesquisas.
27
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Mário de. Pequena História da Música. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 10ª ed.,
2003.
CAGE, John. Silêncio. Tradução de Marina Pedraza. Madrid: Árdora Ediciones, 2007.
CARRASCO, Ney. Sygkhronos. A formação da Poética Musical do Cinema. São Paulo: Via
Lettera: FAPESP, 2003.
CAZNOK, Yara Borges. Música: entre o audível e o visível. São Paulo: Editora UNESP, 2003.
DACYNGER, Ken. Técnicas de edição para cinema e vídeo: história, teoria e prática.
Tradução de Maria Angélica Marques Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier,5ª ed., 2003.
FERRAZ, Silvio. Livro das sonoridades (notas dispersas sobre composição). Rio de Janeiro: 7
Letras, 2005.
JOURDAIN, Robert. Música, Cérebro e Êxtase: como a música captura nossa imaginação.
Tradução de Sonia Coutinho. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998.
KÁROLYL, Ótto. Introdução a música. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes,
2ªed. 2002.
MANZANO, Luiz Adelmo Fernandes. Som-Imagem no cinema. São Paulo: Perspectiva:
FAPESP, 2003.
MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. São Paulo: Editora Brasiliense, 2007.
MOSCARIELLO, Angelo. Como ver um filme. Tradução de Conceição Jardim e Eduardo
Nogueira. Lisboa: Editorial Presença, 1985.
PERDIGÃO, Andréa Bomfim. Sobre o silêncio. São José dos Campos, SP: Pulso, 2005.
28
RODRÍGUEZ, Ángel. A dimensão sonora da linguagem audiovisual. Tradução de Rosângela
Dantas. São Paulo: Editora Senac, 2006.
WISNIK, José Miguel. O som e o sentido. Uma outra história das músicas. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989.
29
Webgráfica
CARREIRO, Rodrigo. Sobre o som no cinema de horror: padrões recorrentes de estilo.
Disponível em: <http://www.uff.br/ciberlegenda/ojs/index.php/revista/article/view/381/254>.
Acesso em: 20/mar/2014.
FILHO, Lúcio Franciscis Reis Piedade. “Impermanência Entusiasta” Transmutações do
Modelo Romeriano de Horror. Disponível em:
<http://www.ufjf.br/ppgcom/files/2013/08/L%C3%BAcio_Reis_Filho.pdf>. Acesso em:
10/jan/2014.
GIL, Inês. O Som do Silêncio no Cinema e na Fotografia. Babilônia Número Especial.
Disponível em: <http://revistas.ulusofona.pt/index.php/babilonia/article/view/2992/2252>.
Acesso em: 13/nov/2013.
GOLDFARB, Felipe Julian. Clichê e originalidade na trilha sonora do cinema de
suspense/horror. Disponível em:
<http://www.axialvirtual.com/Julian/Julian/Materiais_de_cursos_files/ARTIGO%20-
%20O%20som%20no%20suspense.pdf>. Acesso em: 10/dez/2013.
HELLER, Alberto Andrés. John Cage e a poética do silêncio. Disponível em:
<www.albertoheller.com.br/upload/0/25.pdf>. Acesso em: 20/jan/2014.
ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Disponível em:
<http://seer.bce.unb.br/index.php/les/article/download/1326/982>. Acesso em: 20/mar/2014.
30
Filmográfica
2001 Uma Odisséia no Espaço. Direção: Stanley Kubrick. Produção: Stanley Kubrick. Estados
Unidos: Metro-Goldwyn-Mayer. 1968. 1 DVD (142 min.).
A Dama de Xangai. Direção: Orson Welles. Produção: Orson Welles. Estados Unidos:
Columbia Pictures. 1947. 1 DVD (87 min.).
Aplausos. Direção: Rouben Mamoulian. Produção: Monta Bell. Estados Unidos: Paramount
Pictures. 1930. 1 DVD (92 min.).
Apocalipse Now. Direção: Francis Ford Coppola. Produção: Francis Ford Coppola. Estados
Unidos: United Artists. 1979. 1 DVD (153 min.).
Capote. Direção: Bennett Miller. Produção: Caroline Baron, William Vince & Michael Ohoven.
Estados Unidos: Sony Pictures Classics. 2005. 1 DVD (114 min.).
Cargo. Direção: Ben Howling & Yolanda Ramke. Produção: Ben Howling, Yolanda Ramke,
Marcus Newman & Daniel Foeldes. Austrália: Dreaming Tree Productions, 2013. Online (7
min.). Disponível em: <http://vimeo.com/56629974>. Acessado em: 03/nov/2013.
Chantagem e Confissão. Direção: Alfred Hitchcock. Produção: John Maxwell. Inglaterra:
British International Pictures (BIP), 1929. 1 DVD (92 min.).
Confissões de uma Mente Perigosa. Direção: George Clooney. Produção: Andrew Lazar.
Estados Unidos: Miramax Films, 2002. 1 DVD (113 min.).
King Kong. Direção: Merian C. Cooper & Ernest B. Schoedsack. Produção: Merian C. Cooper,
Ernest B. Schoedsack & David O. Selznick. Estados Unidos: RKO Radio Pictures, 1933. 1 DVD
(100 min.).
M. O Vampiro de Düsseldorf. Direção: Fritz Lang. Produção: Seymour Nebenzal. Alemanha:
Nero-Film AG, 1931. 1 DVD (110 min.).
O Cantor de Jazz. Direção: Alan Crosland. Produção: Warner Bros. Estados Unidos: Warner
Bros., 1927. 1 DVD (92 min.).
O Homem que Sabia demais. Direção: Jack Clayton. Produção: Jack Clayton. Inglaterra: 20th
Century Fox, 1961. 1 DVD (100 min.).
O que Eu Fiz para Merecer Isso. Direção: Pedro Almodóvar. Produção: Cinevista. Espanha:
Kaktus Producciones Cinematográficas & Tesauro S.A., 1984. 1 DVD (101 min.).
Os Inocentes Jack Clayton. Direção: Alfred Hitchcock. Produção: Alfred Hitchcock. Estados
Unidos: Paramount Pictures, 1956. 1 DVD (120 min.).
31
Os Melhores Anos de Nossas Vidas. Direção: William Wyler. Produção: Samuel Goldwyn.
Estados Unidos: Samuel Goldwyn Company, The, 1946. 1 DVD (172 min.).
32
APÊNDICE A – Roteiro do filme autoral: “Limbo”
“LIMBO”
FADE IN:
EXT - ANTIGA REPRESA - DIA
PEDRO, um traficante de água do período pós-apocalíptico, está caído na ANTIGA REPRESA.
Nela, aparentemente não há mais água e apenas um vazio cerca Pedro.
Seu rosto suado, sujo, castigado pela falta de água e seu olhar sem esperanças encontram um sol
ardente que cobre o que seria seu último sopro de vida.
CORTA PARA:
INT - SALA DA CASA DE PEDRO - DIA
Quatro BATIDAS na porta são ouvidos por Pedro. Pedro se levanta do sofá e após ouvir os
TOQUES, abre a porta. É LUCAS, um jovem “aviãozinho”, que trabalha para Pedro em troca de
água. Um MURAL com REPORTAGENS e FOTOS recebe luz e sombras que entram pela porta
na ação que ocorreu, evidenciando as reportagens.
Pedro recebe uma barra de chocolate e a joga no canto da sala junto com outras. Ele vai até um
dos BALDES DE ÁGUA, que estão em sua sala, e coloca água em uma LATA DE ERVILHA
VELHA, entregando a mesma para quem está atrás da porta.
Créditos: Fade In: LIMBO
Fade Out: Limbo
Fade In:
Pedro está sentado no sofá, FUMANDO, com o VENTILADOR LIGADO, a uma BATERIA DE
CARRO, sobre seu rosto. Cada detalhe de sua casa está contornado com GIZ BRANCO. Pedro
gosta de ter total controle sobre seus bens.
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Sua casa é suja, bagunçada e repleta de baldes e galões de água tampados, cobertos e espalhados
pelo chão, porém, Pedro se encontra em sua própria desorganização, mantendo todos os bens de
sua casa contornados com giz.
No canto da sala, uma espingarda velha encostada e em sua geladeira desligada, uma FOTO de
Pedro abraçado com sua esposa, escrito em um recado ao lado: “Pedro, volto logo”. Sobre um
balcão, as CHAVES DE UM CARRO e no chão, algumas LATAS DE LEITE empilhadas. Cada
movimento que ele faz em seus bens, ele os contorna com giz.
Lucas BATE na porta e Pedro a abre. A porta repleta de CORRENTES E CADEADOS protegem
o lar de Pedro.
Pedro recebe das MÃOS de LUCAS, que estão sujas, um pacote de pilhas e uma LATA DE
COCA-COLA. Com o cigarro na boca, ele avalia as pilhas e a Coca-Cola. Pedro deixa a Coca-
Cola junto com outras latas no canto da sala e joga as pilhas em seu sofá. Lucas entrega para
Pedro uma LATA DE ERVILHA VELHA.
Pedro pega a lata e se dirige aos GALÕES DE ÁGUA, com uma CONCHA DE FEIJÃO
VELHA, pega a água e a coloca na LATA, entregando a mesma ao garoto.
Pedro fecha a porta e desvia seu olhar para as latas de Coca-Cola. Ele pega um PANO e GIZ e
acrescenta o contorno à nova lata de Coca-Cola que está no chão. Ele pega as PILHAS e um
RÁDIO VELHO e senta em seu SOFÁ velho e mofado. Pedro deita no sofá e coloca as pilhas no
rádio, procurando alguma voz no rádio que evidencie alguma notícia.
De repente ele passa por uma estação que parecia ter uma voz. Perde e tenta achar novamente a
frequência, mas sem sucesso. Pedro deita com o rádio nos ouvidos fora de estação e cai no sono.
Após algumas horas, Pedro acorda com o calor e percebe que não há mais ventilador e vê que sua
casa está vazia. Não há mais nenhum balde ou galão de água em sua sala. Seu rádio não está mais
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presente e as chaves do seu carro sumiram. Apenas as marcas de giz preenchem sua casa no lugar
de seus bens.
Pedro se desespera e começa a procurar qualquer vestígio de água pela sua sala. Há algumas
PANELAS vazias e uma garrafa também vazia sobre os móveis.
Seus alimentos e bens foram todos roubados. Pedro tenta pegar seu cigarro, mas este também já
não existe mais, sumindo com sua espingarda.
Pedro está de costas para a porta e um barulho chama sua atenção. Quando Pedro se vira, JOSÉ -
um fanático religioso - está com o rosto coberto e a ESPINGARDA de Pedro em suas mãos
apontando para o mesmo. As CORRENTES E CADEADOS da porta estão ESTOURADOS.
Enquanto José aponta a espingarda para Pedro, Lucas entra e começa a procurar mais coisas na
casa de Pedro.
LUCAS procura entre os TIJOLOS velhos da casa e encontra alguns SAQUINHOS COM LEITE
EM PÓ escondidos. Lucas guarda os saquinhos em seu bolso e vai de encontro a José.
Pedro impacientemente olha para o fogão, mas tenta disfarçar sua preocupação.
José entrega a arma para Lucas que a mantém apontada para Pedro.
José tira o lenço que cobre seu rosto e pega o maço de cigarros de Pedro que agora está em seu
bolso. Um CRUCIFIXO em seu peito chama a atenção de Pedro. José se dirige até Pedro e toca
no bolso de sua camisa, tirando uma CAIXA DE FÓSFOROS do bolso de Pedro. José parece
pálido e com problemas de saúde. Constantemente tosse, visivelmente debilitado e sem forças.
José acende o cigarro, olha para Pedro e solta a fumaça em sua direção, rindo do mesmo. Pedro
ainda olha para o fogão e José percebe que Pedro está impaciente com algo que está no fogão.
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José vai até o fogão e o abre. Vê um saquinho de leite em pó e uma mamadeira com água, quando
de repente um choro de criança é ouvido.
José não pega este leite e água, fecha o fogão e vai embora com Lucas. Um BARULHO DE
CARRO é ouvido sendo ligado e sumindo no horizonte.
A criança continua chorando e Pedro vai até o quarto e a trás em seu colo para a sala, tentando
acalmá-la. é PÉROLA, sua filha. A criança se acalma e Pedro volta para o quarto com ela a
deixando no cômodo, mas a criança volta a chorar.
Pedro vai novamente até o fogão e pega o leite e a mamadeira com água que José havia poupado.
Pedro pega uma lata de ervilha e despeja metade do conteúdo da água na lata.
Ele coloca metade do saquinho de leite em pó na mamadeira e os mistura. Pedro esconde a lata
com a água e o resto do leite em pó no fogão e vai até o quarto da criança novamente com a
mamadeira. A criança para de chorar.
Pedro volta para a sala e parece nervoso. Ele senta no sofá e pensa. Pedro se levanta e vai até o
banheiro.
CORTA PARA:
INT - SALA/BANHEIRO DA CASA DE PEDRO - DIA
Pedro se olha no espelho e em uma última tentativa desesperada, tenta girar a torneira do
banheiro, mas não há água.
CORTA PARA:
INT - SALA DA CASA DE PEDRO - DIA
Pedro volta para a sala e vai até o fogão novamente. Ele tira a lata de ervilha com água e o saco
de leite em pó do fogão e procura algo com as mãos dentro do fogão. Ele força e tira uma tampa
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da parte superior do fogão e lá pega um MAPA e uma caneta.
Pedro abre o mapa e nele vê locais marcados com os pontos de água mais próximos que ele
conhece onde ainda há a mesma. Há apenas um ponto que ele conhece onde ainda existe água: a
antiga represa.
A criança chora novamente.
Pedro pega algumas roupas e lenços para se proteger do sol. Ele pega a mamadeira da criança e
coloca o último leite que ainda resta na mesma.
Na lateral do fogão, Pedro com um PREGO, marca mais um dia passado no CALENDÁRIO
improvisado desenhado na lataria do mesmo.
Pedro pega uma MOCHILA VELHA e guarda nela o mapa e uma GARRAFA DE ÁGUA
VAZIA. Ele vai até o quarto da criança e a alimenta com o último leite. Com o calor, levar Pérola
para sua busca por água pode matá-la. Pedro então a esconde no quarto, a deixando na casa, e sai
para sua busca. Ele agora corre contra o tempo.
CORTA PARA:
EXT - ANTIGA REPRESA - DIA
Pedro agoniza debaixo do sol. Suas mãos apertam a terra que está seca.
CORTA PARA:
EXT - RUA - DIA
Pedro mora em uma área rural. O sol o castiga, mas não há sinal de vida pelas ruas. As plantas
estão todas secas.
Pedro caminha, levando o mapa escondido consigo. A terra seca o acompanha por toda
caminhada.
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Pedro então passa por uma estrada, quando vê uma pequena casinha.
CORTA PARA:
INT - CASA DE JOSÉ - DIA
Pedro percebe alguns sons ao se aproximar da casa. A casa simples, de madeira e com apenas um
cômodo. Pedro abre a porta calmamente e vê José e Lucas. José agoniza no colo de Lucas, que
com um pano seca a testa de José. A presença de Pedro ainda não é percebida.
A casa tem velas em um altar e imagens de Jesus. José é um fanático religioso que beira a
loucura. A água que roubou, não era para seu uso. Ele se sente indigno de consumi-la e apenas
aguarda a morte. Nenhum sinal da água que roubou de Pedro no local, apenas uma lata velha de
ervilha com um pouco do líquido nas mãos de Lucas.
Pedro percebe que sua espingarda está no canto do cômodo. Lucas tenta dar água para seu pai
que se recusa a aceitar e joga o único copo de água restante no chão. Quando o copo cai no chão,
eles percebem a presença de Pedro, que pega a espingarda e aponta para ambos.
Pedro aponta a arma para José, mas percebe um olhar diferente em ambos. Pedro, antes com o
ódio nos olhos, percebe que eles apenas lutam pela sobrevivência. Pedro percebea pobreza,
escassez e sede naquelas pessoas.
José se levanta, vai na direção de Pedro e abaixa sua arma com calma.
José pega uma bíblia. O homem ainda tem o CRUCIFIXO em seu pescoço. Sobre seu móvel, um
CHICOTE e em seu OMBRO algumas marcas de açoite.
José entrega a bíblia para Pedro, que a abre. Ela está marcada em um salmo de Pedro (apóstolo),
que é seu nome também.
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Porém, Pedro não tem nenhum apreço por Deus e fecha a bíblia e recusa-se a ler. O homem
insiste para que fique com a mesma. Pedro a guarda em sua mochila.
José faz um sinal para Lucas, que traz o rádio velho de Pedro. José o entrega para Pedro, que o
guarda em sua mochila.
Pedro parece estar cansado de tudo aquilo. Ele tira a bala da espingarda e a guarda em seu bolso,
deixando a arma na casa do homem.
CORTA PARA:
EXT - RUA - DIA
Pedro está andando com o mapa e está chegando à antiga represa. Ele está exausto e com sede.
Sua boca está muito seca. Ele caminha em direção a um monte, onde por trás dele estaria a antiga
represa, e ao chegar ao local ele encontra o nada.
Não há resquício de vida, de vegetação, nem de água. A terra está seca. Pedro cai sem forças no
chão, restando-lhe apenas um sopro de vida.
Ao olhar para o lado, ele observa o nada. De longe uma flor em meio aquele nada, embaixo de
uma sombrinha feita por algumas pedras empilhadas. Ele puxa sua mochila e tira a bíblia. Pedro a
abre e vê que o versículo marcado diz:
Pedro 1:24:” Toda a humanidade é como a relva e toda a sua glória como a flor da relva; a relva
murcha e cai a sua flor,”
Em meio às páginas da bíblia, um mapa se desprende. É um mapa com a localização da água que
está escondida naquele local. Pedro olha para a flor novamente e vê que a terra abaixo dela está
úmida.
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Ele se aproxima da flor, já muito debilitado, e cava desesperadamente a terra abaixo da flor. Um
pouco d’água começa a brotar do chão.
Pedro cava mais fundo e mais água enche o buraco que Pedro cavou. Ele bebe a água matando
sua sede e enche a garrafa de água que estava em sua mochila.
CORTA PARA:
INT - SALA DA CASA DE PEDRO - DIA (FINAL 1)
Pedro entra em sua casa com a água e vai até o quarto de seu filho. Pedro grita. Seu filho está
morto. A GARRAFA d’água cai no CHÃO e o líquido escorre.
CORTA PARA:
EXT - RUA - DIA
Pedro caminha pela rua e vê apenas o nada. Destruição e falta de vida tomam conta da região.
CORTA PARA:
INT - CASA DO LADRÃO - DIA
Pedro entra na casa de José e percebe o silêncio e o vazio. Lucas e José estão mortos. O cheiro
incomoda Pedro. No canto da casa, ainda está a espingarda encostada.
Pedro tira a última bala que estava em seu bolso, corta um pedaço de sua camiseta e apóia sua
espingarda em um balcão, deixando a mesma apontada para seu queixo. Ele passa o pano pelo
gatilho e ameaça dar fim a sua vida por três vezes.
CORTA PARA:
EXT - RUA - DIA
Um vazio toma conta das ruas, quando um tiro é ouvido.
40
FADE OUT.
INT - SALA DA CASA DE PEDRO - DIA (FINAL 2)
Pedro entra em sua casa e Pérola ainda está com vida. Ele a trás para a sala e mata sua
sede. Pedro a deixa em seu quarto e volta para a sala.
Pedro pega o rádio que está em sua mochila e o liga, mas não encontra nenhum sinal de vida. Ele
pega o mapa que José havia lhe dado que está dentro da bíblia e percebe que atrás do mapa há
outro mapa. No mapa, a indicação de que há água e gente a 400 km a Oeste e pelo caminho, há
outros locais com água.
Pedro segura sua filha no colo, pega a foto de sua esposa que está na geladeira e deixa sua casa
em busca de esperança.
FADE OUT.
FIM
41
APÊNDICE B – Storyline do filme autoral:”Limbo”
Pedro, um traficante de água do período pós-apocalíptico, tem sua casa e seu estoque de água
roubados por José e Lucas. Sem água - e com sua filha, Pérola de 3 meses, Pedro sai em busca
de um dos últimos locais onde ainda há o líquido precioso: a Antiga Represa. Ele então corre
contra o tempo para salvar a vida de sua filha.
42
APÊNDICE C – Storyboard do filme autoral: ”Limbo”
I – Página nº 1 do Storyboard do filme autoral “Limbo”
43
II – Página nº 2 do Storyboard do filme autoral “Limbo”
44
III – Página nº 3 do Storyboard do filme autoral “Limbo”
45
IV – Página nº 4 do Storyboard do filme autoral “Limbo”
46
V – Página nº 5 do Storyboard do filme autoral “Limbo”
47
VI – Página nº6 do Storyboard do filme autoral “Limbo”
48
VII – Página nº 7 do Storyboard do filme autoral “Limbo”
49
VIII – Página nº 8 do Storyboard do filme autoral “Limbo”
50
APÊNDICE D – Direção de Arte do filme autoral: “Limbo”
I – Estudo de Luz para o filme autoral: “Limbo”
51
II – Estudo de Figurino para o filme autoral: “Limbo”
52
III – Prancha de Ideias para locação “Casa do Protagonista” do filme autoral: “Limbo”
53
V – Prancha de Ideias para locação “Banheiro” do filme autoral: “Limbo”
54
VI – Prancha de Ideias para locação “Externa” do filme autoral: “Limbo”
55
VII – Prancha de Ideias para locação “Casa do Ladrão” do filme autoral: “Limbo”
56
VIII – Estudo de Planta Baixa das locações do filme autoral: “Limbo”
57
VIII – Capa de DVD do filme autoral: “Limbo”
58
APÊNDICE E – Paleta de Cores do filme autoral: “Limbo”
I – Paleta de cores baseada no Filme “The Road”