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Educação e CidadaniaN. 11
O DesafiO Da fOrmaçãO De PrOfessOres
Número organizado porMaria Luiza de Souza Moreira
Maria Ângela Pauperio Gandolfo
ReitorFlávio D’Almeida Reis
Pró-Reitora de EnsinoLaura Coradini Frantz
Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e ExtensãoSidnei Renato Silveira
Diretora de Suporte AcadêmicoIvelone Nagel Reis
Coordenadoras do CursoAnelise Teixeira Burmeister
Neiva Tebaldi Gomes
CURSO DE PEDAGOGIARua Orfanotrófio, 555 - Bairro Alto Teresópolis
CEP 90840-440 – Porto Alegre – RSFone/Fax: (51)3230 3333
www.uniritter.edu.brE-mail: editora@uniritter.edu.br
Entidade MantenedoraSociedade de Educação Ritter dos Reis Ltda.
Praça XV de Novembro, 66 conj. 802Fone/Fax: (51)3228 2200
CEP 90020-080 – Porto Alegre – RS
Educação e CidadaniaN. 11
O DesafiO Da fOrmaçãO De PrOfessOres
Publicação do Curso de Pedagogia - UniRitter
Porto Alegre, ano 11, n. 11, 2009.
Edições Científicas UniRitter
Conselho EditorialAngelika Gärtner - Universidade de Dortmund/Alemanha, Antonia da Silva Medina - PUCRS/Brasil,
Carlos Moya Ureta - Universidade de Los Lagos/Chile, Denise Balarine Cavalheiro Leite - UFRGS/Brasil,
Divanir Eulália Naressi Munhoz - Universidade de Ponta Grossa/Brasil, Maria Carmem Barbosa - UFRGS/Brasil, Marília Morosini - PUCRS/Brasil,
Norma Cárdenas - Universidade de Concecpción/Chile,Maria Ely Herz Genro - PUCRS/Brasil, Suzana Vior - Universidad Nacional de Lujan/Argentina
Comissão Editorial ExecutivaCarla Beatriz Meinerz - UniRitter
Maria de Nazareth Agra Hassen - UniRitterNoeli Reck Maggi - UniRitter
Coordenação da Editora UniRitterRejane Pivetta de Oliveira
RevisãoMaria Luíza Moreira
Projeto GráficoCristiane Mohr e Cláudia Silveira Rodrigues
(Estúdio de Design Gráfico - UniRitter)
Editoração EletrônicaCláudia Silveira Rodrigues
Revisão TécnicaRaquel Soares da Silva Correa
Foto capaTânia Meinerz
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha catalográfica elaborada no Setor de Processamento Técnico daBiblioteca Dr. Romeu Ritter dos Reis
E24 Educação e cidadania : revista do Curso de Pedagogia, v. 1, n. 1 (1999). – Porto Alegre : Faculdades Integradas Ritter dos Reis, 1999-.v. : il. ; 25 cm.
Semestral em 1999 e anual a partir de 2000.Modo de acesso eletrônico desde o v. 10, n. 10, em http://seer.
uniritter.edu.br/index.php/educacaoecidadania/index.Nome do editor varia: Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRit-
ter), 2003-.Nome do organizador varia.ISSN 1516-2958.
1. Educação – Periódicos. 2. Pedagogia – Periódicos. Centro Uni-versitário Ritter dos Reis – UniRitter.
CDU 37(05)
Sumário
APRESENTAçãO ...................................................................................... 7
ARTIGOS
Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas “on line” ........ 15Ana Cristina Lima Santos Barbosa
A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores ............................................................................. 31Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro
Políticas públicas de formação de professores da educação básica a distância: o contexto do pró-licenciatura ............................................... 55Ana Beatriz Gomes Carvalho
A Problemática da Formação do Docente da Área de Informática .......... 71Sidnei Renato Silveira
Formação inicial e continuada: a articulação fragmentada ..................... 85José Augusto Pacheco
Formação não rima com solidão ............................................................ 99José Augusto Pacheco
Perspectivas sobre universidade e sociedade ........................................ 111Wagner Luiz de Menezes
Criatividade, expressões artísticas e auto-regulação da aprendizagem: por uma educação que não corte asas ................................................. 123Luiz Gustavo Lima Freire
A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores para as séries iniciais do ensino fundamental ........................................ 139
Leocadio Lameira
Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor ..... 161Leda Lísia Franciosi Portal
SEçãO ABERTA
Projetos na pauta de duas revistas educacionais (1939-2009) .............. 195
Lenir dos Santos Moraes
SEçãO RESENHAPAIN, Sara. Subjetividade e objetividade – Relação entre Desejo e Conhecimento. Petrópolis, Vozes, 2009. ............ 209Rita Abbati
Apresentação
A revista “Educação e Cidadania”, em seu décimo primeiro número,
tem por objetivo promover o intercâmbio entre professores e pesquisado-
res da área privilegiando a discussão do tema “formação de professores”.
Presente em quase todas as pautas sobre educação nos mais variados
âmbitos, a importância atribuída ao papel da qualificação do magistério
é uma unanimidade hoje em dia e ponto recorrente nos levantamentos
de prioridades para melhorar os índices educativos em nosso país. Dessa
forma, a proposta de colocar a formação de professores em pauta possi-
bilita refletir acerca dos conteúdos da formação docente, cuja demanda
atual vem exigindo a inclusão de outras aprendizagens e outros saberes
para o exercício da docência. O próprio conceito de profissionalidade,
tão discutido no campo da educação, está permanentemente sendo
reconstruído pelos membros da comunidade, perante a emergência de
novas situações problemáticas, devendo ser analisado e compreendido
em função do momento histórico e da realidade social que o conhe-
cimento escolar pretende legitimar. Além da relação existente entre a
modalidade de aprendizagem do professor e a modalidade de ensino
dirigida a seus alunos, possibilita a própria transformação do sujeito
professor e de sua prática pedagógica sob novas perspectivas.
Os conteúdos formativos da docência contemporânea precisam in-
cluir, entre outros saberes, aqueles que contribuam para o autodesenvol-
vimento reflexivo que sirvam de suporte no universo de decisões que os
professores são chamados a tomar no dia-a-dia na sala de aula. Portanto,
esses conteúdos formativos qualificam a intervenção pedagógica docente
de modo que os professores possam assumir a responsabilidade do seu
próprio desenvolvimento profissional e participarem como protagonistas
no desenvolvimento das políticas educativas.
Um tema assim amplo e motivo de tantas discussões não tem como ser
abordado sob muitas perspectivas numa única edição, mas esperamos
8 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
estar, de alguma forma, colaborando para ampliar o painel de debates
sobre este enfoque de tamanha relevância ao entregar à consideração
de nossos leitores os presentes artigos.
De autoria de Ana Cristina Barbosa, de São Paulo, temos o artigo
intitulado “Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas
“on line”” que defende a ideia de que uma comunidade de aprendiza-
gem constitui uma forma diferenciada de se atuar com qualidade em
educação on line porque atividades em grupo constituem o centro da
formação docente atual, tanto presencial quanto a distância.
Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro, de
Brasília, nos trazem o artigo “A pedagogia de projetos como estratégia
de inclusão digital dos professores” no qual relatam uma pesquisa
longitudinal, realizada em quatro anos, sobre o uso do computador na
educação e norteada pela seguinte questão: Como promover a inclusão
digital de professores por meio da pedagogia de projetos?
O artigo de Ana Beatriz Gomes Carvalho propõe uma análise contex-
tualizada das questões político-ideológicas que desenharam as ações
de Estado na implementação do Projeto Pró-Licenciatura. Trata-se de
uma pesquisa documental, desenvolvida a partir da análise do material
documental que precedeu e fundamentou a concepção político pedagó-
gica do Pró-Licenciatura, observando a contextualização da conjuntura
local/global, e dos processo de implementação desenvolvidos pelas
Universidades Públicas participantes.
Uma revista com a temática da formação docente necessariamente
tem de abordar a questão das tecnologias desde vários pontos de vista,
já que esse é um dos caminhos mais promissores para a universalização
do acesso à qualificação profissional permanente. O artigo do professor
Sidnei Silveira trata da problemática da formação pedagógica dos pro-
fessores do ensino superior, com ênfase naqueles que atuam na área
de Informática. Além disso, propõe temas que podem ser empregados
visando à formação do corpo docente para a promoção de espaços de
sala de aula favoráveis à construção do conhecimento.
9Educação e Cidadania • número 11 • 2009
O eminente educador português residente em São Paulo, José Pa-
checo, reconhecido internacionalmente pela idealização da “Escola
da Ponte”, projeto inovador centrado na autonomia dos alunos, nos
brinda com dois textos: “Formação inicial e continuada: a articulação
fragmentada” e “Formação não rima com solidão”. Em ambos o autor
tece reflexões sobre o tema da formação docente levando em conside-
ração não apenas a experiência exitosa da “Escola da Ponte”, mas o
conhecimento profundo que vem construindo sobre a realidade edu-
cacional brasileira percorrendo o Brasil de norte a sul para assessorar
professores e gestores escolares.
Wagner Luiz Menezes, de São Paulo, no artigo “Perspectivas sobre
universidade e sociedade” nos fala sobre os caminhos percorridos pela
Educação Superior no Brasil, trazendo considerações sobre o papel da
universidade, os dilemas enfrentados e sobre a socialização do conhe-
cimento acadêmico e suas práticas, sob o ponto de vista docente.
José Augusto Pacheco, professor da Universidade de Minho, Portugal,
analisa a articulação entre formação inicial e continuada, a partir do
diálogo interinstitucional estabelecido entre instituições de ensino su-
perior e escolas. Adverte que a regulação supranacional, imposta pelas
políticas de educação e formação, contribui não só para a imposição
de standards, referentes às competências profissionais e à qualidade da
formação, bem como para a recentralização curricular.
A discussão proposta por Luiz Gustavo Lima Freire, também de
Portugal, aborda importantes questões acerca das condições da
“Auto-regulação da aprendizagem”, descrevendo esse conceito, dis-
cutindo suas fases, componentes, e importância no cenário educa-
cional contemporâneo, apresentando estratégias que permitam aos
alunos, professores e demais intervenientes do processo educativo,
autorregularem suas aprendizagens.
O Professor Leocádio Lameira, num artigo intitulado “A relevância
das disciplinas indagativas na formação de professores para as séries
iniciais do ensino fundamental” defende que a pesquisa pode e deve
10 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
ser trabalhada desde as séries iniciais do Ensino Fundamental a fim de
desenvolver neles a capacidade criadora através de situações de expe-
riência e atividades práticas. A título de contribuição para a operacio-
nalização dessas ideias, ele nos apresenta alguns critérios que servirão
de contribuição para repensar a indissolubilidade entre formação do
professor e qualidade do ensino ministrado em sala de aula.
No último artigo desta edição, de autoria de Leda Lísia Portal, da PUC
de Porto Alegre e intitulado “Inteireza do ser: um processo educativo
de autoformação do ser humano professor”, a autora investiga a com-
plexidade do Ser Professor em seu estar, fazer e conviver no mundo.
De abordagem metodológica qualitativa e transdisciplinar, o estudo
abordou as seguintes dimensões: História de vida e auto formação: a
construção do ser; Professores: a complexidade de ser; Convivência: a
travessia na relação com o outro; e Educação e ação docente: uma sutil
tessitura, apresentando os relatos de entrevistados que refletem sobre
seu trabalho, mobilizam conhecimentos, vontades e competências.
Na costumeira seção destinada a disseminar o conhecimento pro-
duzido em programas de pós-graduação de cursos de Pedagogia, apre-
sentamos a dissertação de mestrado da professora, agora Mestre, Lenir
dos Santos Moraes, na Unisinos em São Leopoldo, no ano de 2010. A
pesquisa intitulada “Projetos na pauta de duas revistas educacionais
(1939 – 2009)”, teve por objetivo analisar os modos pelos quais os dis-
cursos pedagógicos constituíram jeitos de pensar a educação através da
organização por projetos, colocando sob suspeita a ordem privilegiada
dessa denominação e as produtividades colocadas em ação por práticas
assim expressas. Para efetivar suas investigações, Lenir utilizou como
material de pesquisa duas revistas pedagógicas – a Revista do Ensino do
Rio Grande do Sul e a Revista Nova Escola –, analisando as recorrências e
proveniência dos discursos que circularam e circulam nesses periódicos.
Finalmente, na seção Resenha, a professora e psicopedagoga Rita
Abbati analisa uma das últimas obras que foi publicada entre nós, no
Brasil, de autoria da reconhecida Doutora em Filosofia e Psicologia, Sara
11Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Pain. Rita fala com a autoridade de quem foi aluna de Sara com quem
mantém uma prolífica interlocução há vários anos.
A todos os nossos leitores, os mais sinceros votos de uma excelente
e produtiva leitura.
Maria Ângela Pauperio Gandolfo
Pedagoga com especialização em Supervisão escolar,
Mestre em Educação pela UFRGS.
Professora do UniRitter de 2005 a 2010. Consultora da UNESCO.
Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas “on line”
Ana Cristina Lima Santos Barbosa
RESUMOA criação de uma comunidade de aprendizagem constitui uma forma diferen-ciada de se atuar com qualidade em educação on line porque atividades em grupo constituem o centro da formação docente atual, tanto presencial quanto a distância. Dinâmicas colaborativas consistem num processo complexo de ati-vidades que envolvem aspectos cognitivos e afetivos individuais e a construção social de conhecimento.
PALAVRAS-CHAVEComunidades de aprendizagem; Formação docente; Dinâmicas colaborativas.
ABSTRACTThe creation of learning’s community constitutes a different form of perfor-mance with quality in education on line because activities in group constitute the current teacher’s formation, as much in the presence as at a distance. The collaborative dynamics constitutes a complex process of activities that they involve cognitive and affective aspects individual and the social construction of the knowledge.
KEy WORDSLearning’s community; Teacher’s formation; Collaborative dynamics.
1 INTRODUçãO
As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) têm permitido
novas possibilidades organizacionais e relações colaboradoras, condu-
zindo as práticas pedagógicas a promissoras direções.
No ensino on-line, ganha importância o trabalho em equipe,
como um momento para consulta, diálogo e colaboração. Atuando
como “colaboradores”, alunos e professores experimentam, buscam
caminhos e alternativas possíveis, dialogam e trocam informações e
Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas “on line”
16 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
conhecimentos, criando um novo ambiente de ensino onde ambos
aprendem.
2 O CONTEXTO
O presente trabalho apresenta parte das reflexões realizadas na
elaboração da tese de doutorado intitulada “Abordagens educacionais
baseadas em dinâmicas colaborativas on line”, por nós defendida em
abril de 2008, no programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo. Foram eleitas como objeto de estudo as
dinâmicas colaborativas em cursos on line, visando analisar os fatores que
devem ser relevados nas abordagens educacionais colaborativas on-line,
fundamentados em teorias que permitam traçar estratégias para prover
uma efetiva colaboração.
A pesquisa teve como campo de estudo a disciplina “Teorias de
Aprendizagem e EaD”, do Curso de Especialização em “Gestão da
Educação a Distância” oferecido pela Universidade Federal de Juiz
de Fora na modalidade a distância e teve como sujeitos da pesquisa
os 123 alunos das quatro edições da disciplina por nós ministrada
entre 2002 e 2005. O perfil de formação dos alunos é amplo. Nas
quatro turmas analisadas participaram alunos graduados, especia-
listas, mestres e doutores com formação em Informática e/ou Ciên-
cias da Computação, Pedagogia, Licenciaturas e/ou graduados em
outras áreas com experiências no desenvolvimento de cursos para
treinamento (educação corporativa) ou ensino on-line em qualquer
modalidade e/ou nível.
A disciplina, com carga horária equivalente a 30 horas, foi desenvol-
vida a distância, durante 30 dias corridos.
Ana Cristina Lima Santos Barbosa
17Educação e Cidadania • número 11 • 2009
3 AS ATIVIDADES DE GRUPO
As atividades experienciadas foram, assim, planejadas:
SEMANA LEITURA DO TEXTO BASE ATIVIDADE INTERAçãO
01
Grupo 1: BehaviorismoGrupo 2: ConstrutivismoGrupo 3: Sócio-interacionismoGrupo 4: Cognitivismo
Sinopse da teoriaQuadro síntese
Fórum, e-mailchat, Wiki
02Sinopses das teorias elaboradas pelos
gruposTribunal – acusações às teorias dos
outros gruposFórum, e-mail
chat, Wiki
03Sinopses das teorias elaboradas pelos
gruposTribunal – defesa à teoria do
próprio grupoFórum, e-mail
chat, Wiki
04 Trabalho individual, não analisado no presente texto
Quadro 1 - Roteiro representativo do design da atividade
As atividades de grupo foram construídas de forma que cada grupo
dependesse do cumprimento da tarefa dos outros grupos para o pros-
seguimento das atividades. Assim, foi alertado que cada atividade era
imprescindível para a sequência do curso. Se um grupo não desenvolve
sua atividade até o prazo limite estipulado, os outros grupos ficam
prejudicados, pois não conseguirão desenvolver a atividade seguinte.
Esta dinâmica é uma das “linhas mestras” considerada por Hoffmann
(2004, p.125), perseguida pelas práticas avaliativas: “propor a cada etapa
tarefas relacionadas às anteriores, numa gradação de desafios coerentes
às descobertas feitas pelos alunos, às dificuldades apresentadas por eles,
ao desenvolvimento do conteúdo”.
4 FORMAçãO DOS GRUPOS
As atividades de grupo devem ser organizadas e com regras preesta-
belecidas. Nas atividades experienciadas, a turma foi dividida em quatro
grupos, (com sete componentes, em média), número equivalente ao
Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas “on line”
18 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
número de teorias de aprendizagem estudadas na disciplina: grupo 1 –
Behaviorismo; grupo 2 – Construtivismo; grupo 3 – Sócio-construtivismo;
e grupo 4 – Cognitivismo.
A definição de papéis dentro do grupo (liderança, coordenação etc.)
ficou a critério de seus membros. Assim também foi a definição de como
as tarefas seriam distribuídas e realizadas por todos os membros do grupo.
Na da sala de aula virtual foi criado, para cada grupo, um “fórum
específico”, onde aconteciam os debates para o desenvolvimento das
atividades de cada equipe.
5 A CONDUçãO DOS TRABALHOS
Para a transformação das informações em conhecimentos é preciso
interação, reflexão, discussão, crítica e ponderações, o que são mais facil-
mente conduzidos quando partilhados com outras pessoas. O momento é
o da experimentação e da ousadia, em busca de caminhos e alternativas
possíveis, diálogos e trocas sobre os objetos de conhecimento. O grupo
é, pois, um instrumento a serviço da construção coletiva do saber.
Consoante a diferenciação proposta por Kenski (2003, p.112) entre
colaboração e cooperação,
A colaboração difere da cooperação por não ser apenas um auxílio ao colega na realização de alguma tarefa ou a indicação de formas para acessar determinada informação. Ela pressupõe a realização de atividades de forma coletiva, ou seja, a tarefa de um complementa o trabalho de outros. Todos dependem de todos para a realização das atividades, e essa independência exige aprendizados complexos de interação permanente, respeito ao pensamento alheio, superação das diferenças e busca de resultados que possam beneficiar a todos.
Nas atividades experenciadas, foram observadas duas formas de
condução dos trabalhos: uma colaborativa e outra cooperativa.
Ana Cristina Lima Santos Barbosa
19Educação e Cidadania • número 11 • 2009
• Ação colaborativa: Por meio de dinâmica colaborativa, alguns grupos
definiram que todos leriam o texto-base completo e dariam a sua
contribuição no texto coletivo da sinopse, fazendo inserções de forma
integral e associativa.
• Ação cooperativa: Por meio de dinâmica cooperativa, outros grupos
definiram que cada integrante leria uma parte do texto-base e postaria
sua sinopse no texto coletivo. Dessa forma, o documento ia sendo
construído de forma parcial e consecutiva.
A descrição das ações colaborativas e cooperativas pode ser sinteti-
zada, como no quadro a seguir:
AçãO COLABORATIVA AçãO COOPERATIVA
Procedimento da ação Integral e associativa Parcial e consecutiva
Desenvolvimento do texto coletivo
Cada item recebe a contribuição de todos os membros do grupo
Cada item é desenvolvido por um dos membros do grupo
Leitura do material(sinopse das quatro teorias estudadas)
Todos os membros lêem todo o material
Cada integrante do grupo lê apenas uma parte do material
Auto-avaliaçãoAquisição de conhecimentos de todo o conteúdo estudado
Aquisição de conhecimentos de parte do conteúdo estudado
Quadro 2 – Diferença entre ação colaborativa e ação cooperativa
Ressalta-se que cooperação e colaboração, embora distintas, são
dinâmicas que podem ser trabalhadas concomitantemente. Há que se
considerar, porém, os fins a que se queira atingir. Como afirmam Freitas
e Freitas (2003, p. 24),
Numa altura em que tanto se fala na necessidade de as escolas possuírem uma “cultura de colaboração”, que deve ser estendida a professores, alunos e elementos não docentes, a idéia de que é possível uma aprendizagem em colaboração deve ser defendida. Por outro lado, para que essa cultura de colaboração se consolide, é importante que existam momentos para se aprender cooperativamente.
Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas “on line”
20 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
6 ESTRATéGIAS DE INTEGRAçãO
As atividades devem ser elaboradas de modo que exijam colaboração
em vez de competição. Como resultado de uma investigação sobre o
efeito da cooperação e da competição nos grupos realizada no final da
primeira metade do século XX, Morton Deutsch (1949, p. 230-231 apud
Freitas e Freitas, 2003, p. 12-13) escreveu:
Parece evidente (na medida em que os resultados possam ser generalizados) que haverá maior produtividade do grupo ou da organização quando os membros ou subunidades forem mais cooperativos do que competitivos nas suas inter-relações... Também, parece que os educadores devam reexaminar as suas assunções sublinhando o uso comum de um sistema de classificações competitivo.
As estratégias idealizadas para promover a integração do grupo par-
tem da intenção de fazer com que os participantes da comunidade de
aprendizagem se sintam confortáveis – tanto em termos de interativi-
dade como de interação – e se sintam acolhidos e reconhecidos pelas
suas contribuições. Infere-se que, assim, o desejo de participação e a
necessidade de colaboração de cada um sejam despertados.
Destacam-se como inerentes às estratégias de integração a interação
e a motivação.
6.1 Estratégias de Interação:
Nas dinâmicas experienciadas na pesquisa, os meios utilizados entre
os grupos para interação e realização das atividades em equipe ficam a
critério dos mesmos, à escolha do que eles se sentem mais confortáveis
– fórum, chat, e-mail, MSN, etc. A ressalva é que a professora deveria
ser incluída como destinatário em qualquer mensagem enviada ou em
qualquer groupware criado, para que ela possa monitorar as atividades
e intervir, quando necessário.
Ana Cristina Lima Santos Barbosa
21Educação e Cidadania • número 11 • 2009
A interação entre professora/aluno era feita no fórum geral da dis-
ciplina da sala de aula virtual ou por correio interno da sala, quando
em caso particular.
A criação de quatro fóruns – um para cada grupo – na sala de aula
visa facilitar a interação aluno/aluno e aluno/professora, por constituir
um número menor de participantes e devido ao tema, particular de
cada grupo.
Não foram adotadas sessões síncronas (chat) como atividade obriga-
tória, por se considerar que a heterogeneidade e o elevado número de
alunos inviabiliza a agenda e o processo produtivo do mesmo. O chat
poderia ser usado entre os componentes de cada grupo, quando esses
sentirem necessidade.
6.2 Estratégias de motivação:
Como estratégia de motivação, foram elaborados documentos inti-
tulados “Frases da semana”. Esses textos são uma coleta de registros
significativos dos estudantes sobre o conteúdo estudado, selecionados
pela professora/pesquisadora. As “falas” foram capturadas nos arquivos
da sala de aula virtual e acompanhadas da foto do autor. Essa coletânea
foi postada no fórum geral da disciplina.
Desta forma, os alunos são motivados a participar dos fóruns e ficam
na expectativa de ter suas contribuições selecionadas nas frases da
semana. Com a foto acompanhando as “falas”, os colegas remetem a
imagem ao seu autor, “conhecendo” melhor o colega.
7 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS
As pesquisas qualitativas são, segundo Alves-Mazzotti e Gewandsz-
najder, (2004, p.163), multimetodológicas, isto é, usam uma grande
Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas “on line”
22 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
variedade de procedimentos e instrumentos de coleta de dados, dentre
os quais elegemos para este estudo: observação participante, questio-
nário e entrevista.
Assim, a coleta dos dados para este estudo foi articulada em três
momentos.
• Observação direta assíncrona pela pesquisadora, do desenvolvimento
das disciplinas, das atividades, das ações individuais e dinâmicas
de grupo dos alunos; identificação dos registros das interações e de
materiais arquivados na plataforma – fórum, chats, e-mails, portfólios.
• Questionário aplicado aos alunos da disciplina ministrada, que con-
templa: a) Auto-avaliação, avaliação do grupo de estudos, do curso
e do professor; b) Identificação do aproveitamento dos conteúdos,
da postura colaborativa perante o seu grupo, da postura do grupo
em relação às dinâmicas; c) Opinião crítica acerca das dinâmicas
colaborativas desenvolvidas na disciplina, da metodologia adota-
da, da atividade do grupo e da atividade docente; d) Sugestão de
procedimentos e processos necessários à promoção de dinâmicas
colaborativas.
• Entrevistas com as duas docentes idealizadoras do curso de pós-gradu-
ação onde a disciplina analisada se insere, a fim de identificar: quais
as razões pela escolha de um modelo educacional predominantemente
colaborativo, quais as ações idealizadas e os resultados esperados e
obtidos;
8 ISOLAMENTO E CLASSIFICAçãO DOS DADOS
Com o objetivo de se fornecer, por condensação, uma representação
simplificada dos dados naturais, estes foram classificados a partir da
investigação do que cada elemento tem em comum com outros, em um
processo de duas etapas:
• Oinventário:isolamentodoselementos
Ana Cristina Lima Santos Barbosa
23Educação e Cidadania • número 11 • 2009
• Aclassificação: repartiçãodoselementos,paraaorganizaçãodas
mensagens
O critério de isolamento dos dados coletados pelos questionários foi
lexical, isto é, classificação das palavras segundo o seu sentido, com
emparelhamento dos sinônimos e dos sentidos próximos. Foram iden-
tificados os seguintes elementos:
Acessibilidade DisciplinaAcompanhamento EnvolvimentoAfetividade Estrutura tecnológicaApresentação (perfil) HabilidadesArticulação InteraçãoAtividades de grupo InteratividadeAutonomia MotivaçãoAvaliação OrganizaçãoComprometimento PlanejamentoContextualização ResponsabilidadeControle Sala de aula virtualDescentralização SociabilidadeDireção Trabalho em equipe
Dos dados coletados por meio de entrevistas e por meio da técnica
de observação, extraiu-se, de cada uma das informações, as ideias
centrais e/ou ancoragens e as suas correspondentes expressões-chave,
como sugerem Lefèvre e Lefèvre (2005, p. 16). Estes dados, ancorados
nos referenciais teórico-práticos da pesquisa, serviram para validar e
complementar os elementos identificados.
9 REAGRUPAMENTO E CATEGORIzAçãO DOS DADOS
Segundo a abordagem qualitativa, “as abstrações se formam ou se
consolidam basicamente a partir da inspeção dos dados num processo de
baixo para cima” (lüdke; andré, 1986, p. 13). Nesta perspectiva, cada
uma das informações foi codificada e, posteriormente, categorizada.
Segundo Bardin (2004, p. 111),
a categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento
Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas “on line”
24 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
segundo o gênero (analogia), com critérios previamente definidos. As categorias são rubricas ou classes, que reúnem um grupo de elementos (unidades de registro, no caso da análise de conteúdo) sob um título genérico, agrupamento esse efetuado em razão dos caracteres comuns destes elementos.
A partir do reagrupamento dos dados, foram delimitadas cinco catego-
rias, as quais orientaram a análise dos dados e ordenaram a construção
do texto deste estudo:
INFRA-ESTRUTURA TECNOLóGICA: Sala de aula virtual, interatividade, acessibilidade.
POSTURAS INDIVIDUAIS:Apresentação, comprometimento e responsabilidade, autonomia e habilidades relacionadas à tomada de decisão, disciplina, envolvimento, afetividade.
POSTURAS COLETIVAS: Interação, trabalho em equipe, sociabilidade.
ESTRATéGIAS METODOLóGICAS COLABORATIVAS:
Motivação, atividades de grupo, articulação e contextualização, descentralização, avaliação.
GESTãOEstrutura tecnológica, planejamento, organização, direção, controle, acompanhamento, análise permanente do processo.
Cada elemento das categorias emergidas foi analisado. Por meio
do confronto entre o referencial teórico, a proposta pedagógica
vivenciada e as informações fornecidas pelos sujeitos da pesquisa,
investigou-se se os procedimentos, tais como foram desencadeados,
possibilitaram:
• interaçãoentreosparticipantes;
• constituiçãodeumacomunidadedeaprendizagem;
• inter-relaçãodeaspectoscognitivos/afetivosindividuaisparaacons-
trução social de conhecimento;
• construçãoconjunta(professorealunos)devaloressociaisenormas,
pela comunidade de aprendizagem em questão;
• serumaformadiferenciadadeseatuarcomqualidadeemeducação
on line;
• umadinâmicacolaborativa.
Ana Cristina Lima Santos Barbosa
25Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Seguindo a orientação de Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2004,
p.162), a análise e a interpretação dos dados foram feitas de forma in-
terativa com a coleta, acompanhando todo o processo de investigação.
10 ANÁLISE DE DADOS
A análise e a interpretação dos dados da proposta pedagógica de
dinâmica colaborativa construída pela pesquisadora demonstraram
que tais dinâmicas consistem num processo complexo de atividades
sócio-linguístico-educacionais. Esse processo envolve a inter-relação de
aspectos cognitivos/afetivos individuais e construção social de conhe-
cimento, onde ocorre identificação pessoal por meio da interação com
outras pessoas. Tais aspectos estão sintetizados no quadro 3, adiante.
Infra-estrutura tecnológica
InteratividadeHabilidade com as ferramentas informáticas; adequação das ferramentas às atividades (softwares de texto coletivo).
Acessibilidade Eficácia do sistema.
Sala de aula virtual Utilização de espaço específico (AVA).
Posturas individuais
Apresentação (perfil) Perfil de alunos e professores.
Comprometimento e Responsabilidade
Comprometimento com o curso, comprometimento com os colegas, cumprimento das tarefas, formação contínua, leitura prévia dos materiais didáticos, pesquisa, reflexão, respeito aos prazos, responsabilidade com os trabalhos, seriedade na realização das atividades.
Disciplina
Autonomia Auto-aprendizagem, auto-avaliação, estruturação do processo de aprendizagem, independência, planejamento do estudo.
Habilidades relacionadas à tomada de decisão, por meio de leitura e escrita
Análise e síntese, interpretação, argumentação, criatividade, descontração, desenvoltura, expressão de ideias, extroversão, liderança, organização de ideias, ousadia, pragmatismo, segurança, solução de problemas, trabalho em grupo.
Envolvimento
Assiduidade, atenção às atividades, concentração, constância, dedicação, dinamismo, disponibilidade, empenho para superar obstáculos e dificuldades, entusiasmo, iniciativa, interesse, participação ativa nas atividades, persistência na busca por resultados positivos, prazer, predisposição, realização de tarefas da melhor forma possível.
AfetividadeAtenção aos colegas, compreensão do outro, desenvolvimento de laços de amizade, expressão de interesses e sentimentos, receptividade, solidariedade.
Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas “on line”
26 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Posturas coletivas
Interação, por meio de leitura e escrita
Processos coletivos de enunciação, comunicação constante, intercâmbio do grupo, entrosamento, compartilhamento de ideias e atividades, socialização de conhecimentos, compartilhamento de informações, troca de experiências, debates, troca de impressões e opiniões, construção coletiva de conhecimento.
Trabalho em equipe
Aceitação da decisão da maioria, acompanhamento do ritmo do grupo, colaboração, cooperação, consenso, cumplicidade, democracia, divisão de tarefas, espírito de equipe, liberdade de expressão, negociação, objetividade, organização do grupo, organização do tempo, planejamento do desenvolvimento das atividades, produtividade.
Sociabilidade
Aceitação das diversidades, apoio mútuo, bom humor, coleguismo, companheirismo, confiança, diálogo, diplomacia, educação, empatia, flexibilidade, humildade, paciência, positivismo, respeito aos ritmos individuais, respeito às contribuições dos colegas, respeito às diferenças individuais, respeito às dificuldades do outro, respeito às opiniões do outro, respeito mútuo, saber ouvir, socialização, tolerância, valorizar o conhecimento do colega.
Estratégias metodológicas
MotivaçãoAtividades de grupo: colaboração e cooperaçãoArticulação entre objetivos propostos, conteúdos estudados e metodologia adotadaContextualização teoria com a práticaDescentralização: rompimento das estruturas de poder entre professor e alunoAvaliação: do curso, do grupo, auto-avaliação
Gestão
Estrutura tecnológicaPlanejamentoOrganizaçãoDireçãoControleAcompanhamento e análise permanente do processo
Quadro 3 - Fatores inerentes às dinâmicas colaborativas on line: processo complexo de atividades sócio-linguístico-educacionais
11 DINâMICAS COLABORATIVAS COMO EXERCíCIO DE CIDADANIA
A utilização das tecnologias da informação e comunicação possibilita
um trabalho cooperativo, colaborativo e interativo, especialmente na
educação on line. A capacidade de envolver-se no trabalho colaborativo
é, segundo Palloff e Pratt (2004, p. 154),
uma marca da aprendizagem on-line e o fundamento da comunidade de aprendizagem. Ir além da discussão on-line, incluindo trabalhos em pequenos grupos e outros meios pelos quais os alunos possam colaborar, ajuda a ampliar
Ana Cristina Lima Santos Barbosa
27Educação e Cidadania • número 11 • 2009
e aprofundar a aprendizagem, diminuindo a sensação de isolamento que muitos alunos sentem, permitindo-lhes quer experimentem suas ideias e tenham a sensação de estarem conectados ao curso, ao professor e ao grupo. Em geral, níveis mais altos de satisfação ocorrem quando a colaboração é parte integrante do curso.
Palloff e Pratt afirmam que incluir atividades colaborativas em um
curso on line é, provavelmente, a melhor maneira de abranger a maioria
dos estilos de aprendizagem do grupo.
A utilização de dinâmicas colaborativas fortalece a aprendizagem,
à medida que os estudantes descobrem seu potencial e desenvolvem
mais amplamente múltiplos caminhos para aprendizagem, uma vez
que a colaboração promove:
• Desenvolvimento do pensamento crítico: foros de discussão, interação
e negociação com os pares auxiliam na avaliação coletiva de eventos
ou situações - determinação da pertinência, adequação e eficácia do
que está sendo examinado, a fim de se alcançar os objetivos esta-
belecidos - e na criação de solução para os problemas, por meio de
uma visão compartilhada.
• Co-criação do conhecimento: a colaboração estimula a troca constan-
te de informações e experiências, o compartilhamento de ideias e a
ação em conjunto, a partir de várias perspectivas. Em um processo
dinâmico, cada um torna-se agente dessa construção coletiva do
conhecimento.
• Aprendizagem ativa e transformadora: em colaboração, os sujeitos
experimentam a aprendizagem de uma nova forma. Assim que uma
ideia é articulada e apresentada ao grupo, ela se torna parte de uma
interação contínua na qual pode ser contestada ou expandida, dina-
mizando o processo de construção do conhecimento.
• Aprendizagemsignificativa: numa proposta de trabalho em grupo, a
contribuição de pessoas com diferentes entendimentos e habilidades
complementares pode gerar resultados que dificilmente seriam encon-
trados individualmente. Ao expressar suas ideias, cada um trabalha
Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas “on line”
28 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
ativamente os conceitos em construção. Estabelecendo conexões com
o seu conhecimento prévio, percebe sentidos e constrói significados.
• Sociabilidadeedemocratização: as dinâmicas colaborativas demo-
cratizam a participação, exercitam a alteridade por meio da aceitação
e respeito às ideias do outro e permitem maior interação entre os
alunos e entre estes e o professor.
Nesse sentido, pela colaboração exercita-se a cidadania: uma cidadania
democrática, de respeito pelos direitos humanos e liberdades individuais;
uma cidadania paritária, de igualdade de oportunidades efetivas; e uma
cidadania intercultural de tolerância e respeito às diferenças.
O resultado dessa investigação comprovou a hipótese de que as
dinâmicas colaborativas possibilitam a criação de uma comunidade de
aprendizagem e revelam-se como formas diferenciadas de se atuar com
qualidade em educação on line.
Outrossim, devem ser considerados os fatores pertinentes à mediação
de atividades individuais e de grupo (tendo por meta o alcance de obje-
tivos comuns de aprendizagem) bem como as estratégias metodológicas
e a gestão de todo o processo de ensino e aprendizagem.
12 CONSIDERAçõES FINAIS
A experiência vivenciada se desenvolveu em curso de pós-graduação
com turmas de trinta alunos, em média. A expansão e o desenvolvi-
mento da EaD on line aliadas às políticas governamentais, possibilitam
e direcionam o oferecimento de cursos para todos os níveis e para um
grande número de alunos. Mesmo nesse cenário, as dinâmicas cola-
borativas podem e devem ser aplicadas. Certamente outras grandes
questões vão surgir, incidindo-se sobre a constituição, capacitação e
real valorização de equipes de formadores, compostas por professores,
tutores e monitores.
Ana Cristina Lima Santos Barbosa
29Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Como afirma Gomez (2004, p.185), “a pedagogia da virtualidade
‘está sendo’ na multiplicidade de práticas educativas na esfera digital
e não procede necessariamente por conselhos ou receitas, mas pela
práxis”. Acreditamos que a investigação ora apresentada contribuirá
para a construção do conhecimento e de novas teorias na área desta
pesquisa. Reinventar, aceitar desafios, enfrentar a imprevisibilidade,
redefinir caminhos torna-se condição primordial de ação em um
mundo em rede.
Ao concluir, em relação à abordagem colaborativa, apresenta-se como
perspectiva teórico-prática do estudo, resultante da compreensão atual
da pesquisadora: na EaD e, em especial, nas dinâmicas colaborativas
on line o foco não deve ser a tecnologia, mas a atividade humana em
realização, para que se concretize uma real “Educação sem distância”.
REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES-MAZZOTI, A. J.; GEWANDSZNAJDER, F. O método das ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2004.
FREITAS, L. V.; FREITAS, C. V. Aprendizagem cooperativa. Porto: Edi-ções ASA, 2003.
GOMEZ, M. V. Educação em rede: uma visão emancipadora. São Paulo, Cortez, 2004.
HOFFMANN, J. Avaliação mediadora: uma prática em construção da pré-escola à universidade. Porto Alegre: Mediação, 2004.
KENSKI, V. M. Tecnologias e ensino presencial e a distância. Campinas: Papirus, 2003.
LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A. M. C. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa – desdobramentos. 2. ed. Caxias do Sul: EDUCS, 2005.
LUDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.
Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas “on line”
30 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
PALLOF, R. M.; PRATT K. O aluno virtual. Porto Alegre: Artmed, 2004.
PAVLOV, I. P. Reflexos condicionados, inibição e outros textos. Trad. Lisboa: Editorial Estampa, 1976.
ANA CRISTINA LIMA SANTOS BARBOSA
Possui Mestrado (2000) e Doutorado (2008) em EDUCAÇÃO pela Uni-
versidade de São Paulo. É professora adjunta da Universidade Federal
de Juiz de Fora (ingresso em 1989), atuando como docente nos Cursos
de Graduação em Engenharia, Arquitetura & Urbanismo, Matemática e
Artes, com ênfase em Geometria, Desenho Técnico e Projetivo e Meto-
dologia da Pesquisa. É docente em Pós-Graduação lato sensu da UFJF:
GESTÃO DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA e DESIGN INSTRUCIONAL PARA
EDUCAÇÃO ON LINE, sendo idealizadora e coordenadora dessa última.
É docente na Pós-Graduação strictu sensu: MESTRADO PROFISSIONAL
EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA. Desenvolve pesquisas nas linhas:
Educação on line (Internet) e Ensino presencial auxiliado por Redes.
e-mail: anacris.barbosa@terra.com.br
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/0523228275563242
Recebido em: 02/09/2009
Aceito em: 15/09/2009
BARBOSA, Ana Cristina Lima Santos. Fatores e processos inerentes
às dinâmicas colaborativas “on line”. Revista Educação e Cidadania.
Porto Alegre, ano 11, n. 11, p. 15-30, 2009.
A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores
Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro
RESUMOO artigo relata uma pesquisa longitudinal, realizada em quatro anos, por meio de duas dissertações de mestrado sobre o uso do computador na educação, conduzidas por dois professores da rede pública de ensino do Distrito Federal, norteada pela seguinte questão: Como promover a inclusão digital de profes-sores por meio da pedagogia de projetos? As respostas encontradas permitem que elaboremos algumas recomendações para a formação docente a partir da consideração da educação mediada pelas novas tecnologias de informação, comunicação e expressão.
PALAVRAS-CHAVEFormação docente; Inclusão digital; Pedagogia de projetos.
ABSTRACTThe article is an account on a longitudinal research which was carried out along the period of four years, concerning, in general, the use of project pedagogy to promote digital inclusion of teachers. The paper is based on two master’s degrees dissertations on the use of computer in education, which were written by teachers from the Brazilian Federal District Public Schools. The findings allo-wed the preparation of a series of recommendations for teacher digital inclusion considering the use of computers in education as a school relevant condition, as an object of investigation, and a way to challenge teaching.
KEy WORDSTeachers education; Digital inclusion; Project pedagogy.
1 INTRODUçãO: PROFESSORES E COMPUTADORES, UMA
RELAçãO CONFLITUOSA
Enquanto as crianças parecem estar mais abertas e disponíveis para
a apropriação da linguagem de comunicação e expressão decorrente
A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores
32 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
do uso da Informática na escola, tem-se a impressão de que seus pro-
fessores enfrentam muitas dificuldades para usufruírem, explorarem
e introduzirem o computador e as novas tecnologias de informação,
comunicação e informação em sua prática docente, justamente por
causa da forte demanda de informação, comunicação e expressão que
caracteriza a Sociedade Informacional emergente (Castells, 1999). Diante
dessa problemática, questiona-se: Quais são os modos de utilização da
informática, por parte do professor? Quais os critérios que devem pautar
a escolha, pelo professor, de dispositivos tecnológicos de apoio ao seu
trabalho pedagógico? Qual seria o impacto da informática educativa
na organização do trabalho pedagógico? É claro que as respostas para
essas perguntas diferenciam-se de acordo com o meio e o momento
social considerado. No entanto, independente da realidade vivenciada,
a instituição escolar precisa assumir o compromisso da qualidade como
forma de otimizar as transformações que a circundam e assegurar sua
identidade educativa em uma sociedade em rápido processo de mudan-
ça. Repensar a educação a partir dessa nova realidade e dos desafios
que ela traz consigo requer a compreensão da função docente diante
das possibilidades oferecidas pela informática educativa. Afinal, o papel
do professor na consolidação de uma nova mentalidade pedagógica,
na preparação dos cidadãos para a sociedade emergente e na adequa-
ção do sistema educativo aos desafios da Sociedade Informacional é
inquestionável.
Com o objetivo de identificar alguns elementos teóricos para deli-
mitar este novo papel do professor, bem como a natureza dos desafios
a serem enfrentados para que seja possível formar professores para a
educação mediada por tecnologias de informação, comunicação e ex-
pressão, apresentamos em Lacerda Santos (2006), alguns elementos de
resposta para as três questões apresentadas no parágrafo anterior. Com
relação aos modos de utilização, por professores, das novas tecnolo-
gias de comunicação e informação constatamos que a criatividade do
professor, elemento pouco explorado em cursos de formação docente,
Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro
33Educação e Cidadania • número 11 • 2009
é um instrumento essencial para que seja assegurada a dinamização da
sala-de-aula interativa e a reinvenção dos materiais didáticos, sejam eles
convencionais ou inovadores, em função de necessidades específicas de
relações educativas específicas. Com relação aos critérios que devem
pautar a escolha, pelo professor, de dispositivos tecnológicos de apoio ao
seu trabalho pedagógico, constatamos que tal escolha deve ser baseada
na consideração de três variáveis: características do conteúdo, caracterís-
ticas dos alunos, características dos dispositivos. Mas, os pesquisadores
enfatizam também que não existem fórmulas pré-estabelecidas e que
a capacidade de discernimento do professor é ferramenta essencial,
para a qual a formação inicial e a formação continuada são impor-
tantes subsídios. Finalmente, com relação ao impacto das tecnologias
educativas na organização do trabalho pedagógico, enfatizamos que a
utilização de recursos tecnológicos na educação não garante mudanças
na forma de ensinar e aprender. Tais recursos servem como ferramentas
no auxilio da construção de conhecimentos por meio de uma atuação
ativa, crítica e criativa por parte de alunos e professores. No entanto,
é a escola, entendida como espaço de construção de conhecimento e
de socialização do saber; como um ambiente de discussão, troca de
experiências e de elaboração de uma nova cidadania, que poderá con-
tribuir na formação do indivíduo inserido na Sociedade Informacional,
garantindo uma educação voltada para a criatividade, para o prazer,
para a autonomia e auto-realização. Todo e qualquer impacto na or-
ganização do trabalho pedagógico decorre, portanto, da construção de
uma nova concepção da escola, condição ainda trabalhada unicamente
em espaços restritos e em determinadas áreas de conhecimento, como
se não fosse uma prioridade do campo da educação como um todo.
No entanto, o surgimento de uma nova concepção de escola encontra
forte resistência nos próprios meios escolares, nos próprios professores.
De fato, a inclusão digital de professores, apesar de vir surgindo gra-
dativamente como prática pedagógica há várias décadas, é ainda uma
abordagem extremamente inovadora na sala de aula e no trabalho docen-
A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores
34 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
te, constituindo um importante desafio para formadores de formadores,
para os professores em ação e para os responsáveis por políticas públicas
para o setor. Congregando várias práticas e possibilidades educativas,
como a educação a distância, a sala-de-aula virtual, o uso do software
educativo e a Internet como instrumento de aprendizagem, a promoção
da educação mediada pela informática requer um repensar da escola,
da sala-de-aula e da própria organização do trabalho pedagógico. Como
indicam as inúmeras investigações realizadas sobre este tema, em seus
mais diferentes matizes, não existem fórmulas pedagógicas miraculosas
para que as escolas possam integrar adequadamente a tecnologia infor-
mática em sua dinâmica de funcionamento. Mas, qualquer que seja a
direção da discussão considerada, é senso comum que o professor é ator
protagonista deste processo, sob cuja atuação docente repousa, portanto,
o pertencimento da escola à Sociedade Informacional e sua pertinência
no que diz respeito à formação para a cidadania nesta nova sociedade.
O movimento pela inclusão digital, aqui compreendida como uma
das facetas da inclusão econômica e social, é um movimento em prol
do acesso democrático de todos os cidadãos à Sociedade Informacional
que se delineia a cada dia. De fato, a emergência de uma sociedade
profundamente ancorada no trânsito de informações por meio de novas
tecnologias de informação, comunicação e expressão pressupõe que o
exercício da cidadania esteja intimamente relacionado à capacidade
dos indivíduos para compreender, manipular, se servir e intervir em
tais tecnologias e linguagens, empregando-as em prol da melhoria da
qualidade de vida, do desenvolvimento pleno das potencialidades hu-
manas, do avanço do conhecimento, da interação entre as pessoas e da
edificação contínua da própria sociedade. Assim sendo, a inclusão digital
pressupõe a alfabetização digital, isto é a aprendizagem do aparato di-
gital como linguagem de comunicação, como meio de expressão, como
instrumento de consumo e de produção de conhecimentos científicos
e tecnológicos e de desenvolvimento sócio-econômico. Isso sem que
deixemos de lado o desenvolvimento pleno da pessoa.
Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro
35Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Considerando o exposto, e com o objetivo de avançar na compreensão
da problemática da inclusão digital do professor, duas investigações de
mestrado foram associadas em uma mesma intenção de pesquisa aqui
relatada: a de abordar a pedagogia de projetos como estratégia eficiente
na formação docente para o uso da informática na educação. Uma pes-
quisa, conduzida por Ferreira (2009), aborda diretamente a questão da
inclusão digital de professores; a outra, conduzida por Castro (2008),
articulou-se em torno do emprego da pedagogia de projetos na formação
docente para uso de computadores na educação. Nesse relato, as duas
investigações citadas mesclam-se como abordagens complementares de
uma mesma questão de pesquisa: De que forma a pedagogia de projetos
pode ser aplicada como estratégia para a promoção da inclusão digital
do professor?
Para a condução desta investigação longitudinal, que durou cerca de 4
anos, tempo de titulação dos dois professores-mestrandos, foram levados
em consideração as problemáticas e as conclusões de ambos de ambos,
não vistas isoladamente, mas interconectados por uma intenção inves-
tigativa que perpassou cada um dos trabalhos de pesquisa realizados:
ampliar o estado da arte sobre a questão da inclusão digital do professor.
2 ALGUNS ELEMENTOS DE DISCUSSãO SOBRE A INCLUSãO
DIGITAL DE PROFESSORES
A democratização do acesso à informação por meio da Internet é um
fator fortemente relacionado à inclusão social. Pode-se afirmar, diante
disso, que a inclusão social é diferenciada no contexto da Sociedade
Informacional, pois, segundo Demo (2002), ser excluído é sobremanei-
ra estar à margem do conhecimento. Assim, se o uso do computador
insere os sujeitos sociais nos diversos sentidos da sociedade, o não
desenvolvimento de habilidades para esta utilização pode se constituir
em elemento de exclusão.
A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores
36 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Pretendemos, nesta parte do trabalho, propor uma definição de
inclusão digital de professores. Contudo, tal definição precisa ser
precedida por alguns elementos contextuais que reforçam suas bases
macrossociais. Assim é necessário ter claro que as primeiras políticas
de inclusão digital, surgidas no Canadá e Estados Unidos na década de
1990, tinham como objetivo a oferta de equipamento e conectividade,
ou seja, computador e acesso à Internet. Porém, diversas iniciativas
demonstraram que apenas isso não é suficiente para a efetiva inclusão
digital, como defende Warschauer (2006). Este autor afirma que o pro-
vedor de acesso, o computador, a linha telefônica e a formação para uso
adequado dessa estrutura informática constituem os quatro elementos
básicos que fazem da inclusão digital uma atividade de inserção social.
Com o avanço da Sociedade Informacional surgem desafios no sen-
tido de ampliar a capacidade educativa e cultural de se usar as mídias
digitais fundadas no computador. É necessário, pois, que se aprenda
a buscar informações e construir habilidades individuais e coletivas
para que se possa impulsionar a elaboração de novos conhecimentos
no âmbito escolar. Sob essa perspectiva de emergência da construção
de saberes para a integração do cidadão à sociedade informacional
é que surgem termos como inclusão digital, alfabetização digital e
letramento digital.
A inclusão digital de professores engloba a alfabetização digital e
o letramento digital. A inclusão digital – no sentido macrossocial - é
classicamente vista como condição advinda da disponibilidade de
acesso a equipamentos informáticos e à infra-estrutura da Internet.
Takahashi (2000, p.38) descreve a alfabetização digital como a “aqui-
sição das noções básicas de informática indispensáveis para acesso à
rede e seus serviços” e segue dizendo que a oferta de oportunidades
de alfabetização digital no Brasil é insuficiente. Há, todavia, diferenças
entre ser alfabetizado e letrado. Buzato (2003) acredita que “as pessoas
alfabetizadas não são necessariamente letradas”. O letramento digital
é, pois, a situação do sujeito que, conhecedor de técnicas e tecnologias
Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro
37Educação e Cidadania • número 11 • 2009
digitais, é capaz de usá-las, para agir no seu meio social, fazer inferên-
cias, intervir de forma a transformar esse meio.
A necessidade de uma inclusão digital específica do professor surge,
dentre outras coisas, da compreensão de que:
A sociedade da informação é espaço para reflexão acerca das necessidades evidentes de democratização do acesso aos recursos informáticos, de um projeto de educação libertadora e particularmente de formação de professores para uso crítico e criativo da informática na educação (LACERDA SANTOS, 2003, p. 9).
O Brasil possui uma significativa história de inclusão digital de profes-
sores. Por exemplo, os projetos EDUCOM, EUREKA E GÊNESE (MORAES,
2003), os quais, mesmo num ritmo muito próprio, demonstraram efetivi-
dade no sentido de suas atividades para esta inclusão. A inclusão digital
de professores se dá, predominantemente, pelas iniciativas das esferas
federais desencadeadas a partir do Ministério da Educação, por meio da
Secretaria de Educação a Distância, tendo como projeto principal o Pro-
grama Nacional de Informática na Educação (PROINFO), que se articula
localmente por meio do Centro de Informática Educativa, que tem como
instituições para inclusão digital de professores os Núcleos de Tecnologias
Educacionais (NTE). O PROINFO, lançado em 1997, tem como missão:
Capacitar para o trabalho com novas tecnologias de informática e telecomunicações não significa apenas preparar o indivíduo para um novo trabalho docente. Significa, de fato, prepará-lo para ingresso em uma nova cultura, apoiada em tecnologia que suporta e integra processos de interação e comunicação (MEC, 2008).
Segundo Ferreira (2009), a abordagem da formação de professores
para uso da informática em processos educativos deve partir de elemen-
tos socialmente mais amplos como os que relacionamos até aqui. Desse
modo, o trabalho de formação de professores para uso da informática
nos processos educativos deve ser subsidiado por aqueles elementos que
A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores
38 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
permitam melhor compreender a complexidade da inclusão digital como
evento social importante. Neste sentido, a inclusão digital de professo-
res deve se pautar, também, por uma discussão que ajude a repensar
e reconstruir de modo dinâmico e contínuo a “prática pedagógica e a
formação de professores para incorporar”, o uso de computadores e da
Internet ao cotidiano do trabalho docente (ALMEIDA, 2004).
Esse mesmo autor afirma que a utilização do computador e da In-
ternet no trabalho docente para buscar, selecionar e trocar informações
requer o desenvolvimento da autonomia do professor com vistas a per-
ceber a existência das modalidades recursivas que melhor se adaptem
às necessidades pedagógicas que atendam aos seus objetivos de aula
ou de projeto. Essa relação do professor com a pesquisa possibilita a
renovação dinâmica do conhecimento, apropriação de elementos que
contribuam com sua reflexão acerca dos temas estudados. Por fim, a
pesquisa usando a Internet permite, dentre outras coisas, o exercício da
interação e da colaboração. A expansão de processos educativos usando
a Internet traz em seu bojo a necessidade de algumas compreensões
elementares sobre o uso de computadores com essa finalidade.
Neste sentido, identificamos cinco habilidades principais a serem
trabalhadas na formação do professor para a incorporação do uso da
informática em sua atuação profissional. São elas:
• Domíniodocomputadoredosoftware;
• Usodocomputador/Internetcomalunos;
• BuscaeseleçãodeinformaçõesusandoaInternet;
• Reflexãosobreapráticacombasenasteoriaseducacionais;
• Desenvolvimentodeprojetos.
Este conjunto de habilidades é a tradução daquilo que de mais per-
tinente foi assinalado sobre a formação de professores para o uso de
computadores no trabalho docente por autores como Valente (1999),
Moran (2004), Kenski (2006) e outros. Ainda nas palavras de Almeida
(2004) as propostas de formação de professores para a incorporação do
Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro
39Educação e Cidadania • número 11 • 2009
uso da informática desenvolvem-se na articulação entre as seguintes
dimensões:
• DomíniodaTecnologiadaInformaçãoeComunicação;
• PráticaprofissionalcomaTecnologiadaInformaçãoeComunicação;
• Teoriaseducacionaisquepermitamcompreenderetransformaressas
práticas.
O conteúdo teórico por nós apresentado até aqui permite que afir-
memos como apropriada a definição de inclusão digital de professores
proposta por Almeida (2004). Para esta autora a inclusão digital de pro-
fessores consiste na formação para a incorporação do uso da informática
nos processos educativos, tendo como base o domínio da tecnologia,
a atuação docente usando tais tecnologias e a articulação disso com
teorias educacionais relacionadas a essa prática.
A pesquisa sobre inclusão digital de professores realizada por Ferreira
(2009) pretendeu-se dentro de uma metodologia que fosse capaz de
evidenciar os usos efetivos do computador no trabalho docente. Foram
realizadas entrevistas com cerca de 140 professores, em 20 escolas que
se inseriam nas modalidades da educação infantil até o ensino médio. O
requisito para participar da entrevista era a participação do entrevistado
em um dos projetos de inclusão digital de professores realizados pela
Secretaria de Educação do Distrito Federal. Dos projetos relatados pelos
entrevistados foram escolhidos cinco dos mais recorrentes e realizou-se
uma investigação de seus objetivos junto à Escola de Aperfeiçoamento
de Professores da Secretaria de Educação (EAPE), instituição responsável
pela formação docente no âmbito da Secretaria de Educação do Distrito
Federal. Os objetivos dos cinco projetos investigados se encaixam na
definição de inclusão digital aqui proposta, ou seja, a entrevista com
os participantes destas iniciativas Ferreira foi capaz de dimensionar até
que ponto os objetivos de tais projetos cumpriram suas metas em ter-
mos de inclusão digital de professores e como a construção de projetos
educativos é pertinente neste contexto. As questões das entrevistas eram
A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores
40 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
direcionadas para identificar como o professor utilizava os recursos
informáticos: no seu cotidiano, no planejamento e preparação de suas
aulas; na aula propriamente dita com os alunos.
Ao analisar as respostas dos educadores sobre o uso da informática
e a incorporação deste uso à prática docente, e baseado no referencial
teórico a que nos referimos anteriormente, pôde-se construir um quadro
representativo de tais respostas em relação às habilidades essenciais à
inclusão digital de professores. Isso permitiu apontar em que medida
ocorreu o cumprimento da inclusão digital:
A- Domínio do computador e do software: os objetivos referentes a essa
habilidade foram satisfatoriamente cumpridos no que se refere ao uso
de aplicativos para finalidades pessoais, profissionais para elaboração
e incremento das aulas e profissionais para o uso do computador
com os alunos.
B- Uso do computador/Internet com alunos: A incorporação do emprego
da informática na construção da aprendizagem, ou seja, o uso dos
recursos na aula com os alunos não pode ser considerado um obje-
tivo cumprido. Desse modo, os projetos analisados não conseguiram
estender seus impactos para além da formação do professor indivi-
dualmente. Assim a inclusão digital, que poderia ter sido estendida
aos alunos e ao processo pedagógico como um todo por meio da
formação docente, não alcançou tal parte do processo educativo.
C- Busca e seleção de informações usando a Internet: no que diz respeito
ao trabalho do professor, ou seja, no que se refere ao melhoramento
do planejamento de suas aulas, essa habilidade foi bem desenvolvida.
Por outro lado, mesmo que esse uso da informática já seja domina-
do pelos docentes, ele não ultrapassa o campo do uso docente para
enriquecimento/preparação da aula, deixando de beneficiar o campo
da aula propriamente dita.
D- Reflexão sobre a prática com base nas teorias educacionais: Pelo
menos 43% dos professores entrevistados afirmaram que em sua
formação não houve discussão teórica para iluminar a prática ou
Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro
41Educação e Cidadania • número 11 • 2009
discussão de teorias educacionais relacionadas ao uso da informática na
educação, a partir das experiências dos professores.
E- Desenvolvimento de projetos: este foi o ponto crítico dos resultados da
pesquisa de Ferreira (2009) já que os professores, em sua maioria, não
relataram o uso significativo do computador para a elaboração ou desen-
volvimento de projetos com a participação ou não dos alunos. Do ponto
de vista da incorporação dos usos do computador na prática docente,
pudemos observar claramente duas situações: a limitação das habilida-
des do professor para elaborar projetos que utilizem o computador na
aula com os alunos e a não habilidade do professor em ser motivador da
criação de projetos pelos alunos com o uso das ferramentas informáticas.
Vale ressaltar que, mesmo com mais de 91% dos professores afirmando
que em sua escola há equipamentos nos laboratórios de informática
para serem usados, a construção de projetos em que se privilegie o uso
pedagógico de computadores não ocorre de modo significativo. Isso dá
uma margem considerável para entender que o processo formativo dos
professores para a construção de projetos nesses termos não foi eficiente.
Pudemos evidenciar, a partir dos resultados da pesquisa de Ferreira
(2009), que reflexões dos professores em formação, em que articulassem
sua prática com as construções teóricas acerca do uso da informática na
educação e as teorias educacionais que as embasam, permitiriam avanços
no rumo de uma formação mais ampla e mais integradora dos sujeitos
que dela participaram. Isso não ocorreu com a maior parte dos professores
entrevistados em tal pesquisa.
No trabalho docente, cada aula pode ser considerada um projeto de
ampliação de conhecimentos gerais e específicos. É grave a constatação
de que a inclusão digital de professores, aqui tratada, não apresente
eficiência na formação docente acerca do uso da informática para pro-
jetos pedagógicos, projetos entre grupos de alunos mediados pela inter-
venção do professor e a sistematização do conhecimento por projetos
educativos para os temas/conteúdos das aulas. Isso se apresenta com
A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores
42 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
uma importante lacuna na possibilidade de integração entre áreas
de conhecimentos, possibilitada por uma perspectiva de projetos de
aprendizagem.
A inclusão digital de professores deve ser capaz de inserir de forma
definitiva o professor na sociedade da informação. Todavia, tal inserção
só será considerada efetiva se o professor for capaz de, além de fazer
uso do que aprendeu para suas necessidades pessoais, utilizar esse
saber para todas as suas articulações sociais, o que inclui, obviamente,
o seu trabalho com os alunos. Dessa forma, são necessárias alterações
nas estratégias de formação para a inclusão digital, para que possam
acontecer abalizadas por um conteúdo teórico relacionado às habilidades
linguísticas de seu público-alvo, voltadas para o uso dos conhecimentos
para intervenção social (inclua-se o trabalho pedagógico com alunos)
e vinculadas com as instituições, nas quais atuam os professores em
formação.
Na pesquisa de Ferreira (2009) foi possível evidenciar que os projetos
de inclusão digital de professores não conseguiram, ainda, aproximarem-se
dessas premissas. Neste caso observou-se, então, o cumprimento parcial
e não satisfatório dos objetivos dos projetos de inclusão digital de
professores investigados. Vale ressaltar que os projetos analisados são
todos oriundos das políticas nacionais do Ministério da Educação por
meio do PROINFO.
Em suma, mesmo sendo capazes de incluir digitalmente os profes-
sores, no que diz respeito ao domínio da tecnologia da informação e
comunicação, os projetos de inclusão digital ainda não são capazes de
proporcionar a seu público-alvo, saberes que articulem esse domínio
com a prática profissional (professor-computador-Internet-aluno) e
com teorias educacionais mediadoras da compreensão e transformação
da prática docente. Também entendemos que os projetos de inclusão
digital oficiais privilegiam a formação técnica e prática e não forta-
lecem a formação reflexiva. Pensamos, nesse caso, que o equilíbrio
seria o ideal.
Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro
43Educação e Cidadania • número 11 • 2009
3 ALGUNS ELEMENTOS DE DISCUSSãO SOBRE A PEDAGOGIA
DE PROJETOS
A pedagogia de projetos é uma prática educativa que tem suas
bases em Kilpatrick, em 1919, quando levou à sala de aula algumas
das contribuições de John Dewey, especialmente a contribuição onde
Dewey afirma que “o pensamento tem sua origem numa situação
problemática” que deve ser resolvida mediante uma série de atos vo-
luntários. Esta ideia serviu de fio condutor entre diferentes concepções
sobre os projetos na prática educativa (1998, p. 67). Ainda de acordo
com Hernandez,
Métodos de projetos, centros de interesse, trabalho por temas, pesquisa do meio, projetos de trabalho são denominações que se utilizam de maneira indistinta, mas que respondem a visões com importantes variações de contexto e de conteúdo (ibid. p. 67).
Para Hernández e Ventura (1998), a ideia fundamental de projetos de
trabalho é que eles se baseiam em um processo muito mais interno que
externo, no qual as relações entre conteúdos e áreas de conhecimento
têm lugar em função das necessidades advindas da resolução de uma
série de problemas que subjazem na aprendizagem (HERNÁNDEZ &
VENTURA, 1998, p. 63). Ainda de acordo com Henández (1998, p.
61), os projetos constituem um “lugar”, entendido em sua dimensão
simbólica, que pode permitir:
• aproximar-sedasidentidadesdoseducandosefavoreceraconstrução
da subjetividade;
• revisaraorganizaçãodocurrículopordisciplinaseamaneirade
situá-lo no tempo e no espaço escolares;
• levaremcontaoqueaconteceforadaescola,nastransformações
sociais e nos saberes, a enorme produção de informação que caracte-
riza a sociedade atual, e aprender a dialogar de uma maneira crítica
com todos esses fenômenos.
A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores
44 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
No Brasil, a pedagogia de projetos teve um momento bastante expres-
sivo durante o governo democrático e popular de Belo Horizonte - MG,
durante a década de 1990, quando a Secretaria de Educação Municipal
inseriu esta estratégia em suas diretrizes curriculares. Contudo, no
restante do país, a estratégia pedagógica tem sido utilizada e difundida
por pesquisadores da área educacional, seja de modo mais amplo,
seja como aliado nas práticas pedagógicas envolvendo o computador.
Nogueira, por exemplo, defende que a utilização do trabalho com a
dinâmica de projetos passa a ser uma estratégia que poderá unir, ligar,
inter-relacionar, integrar, propiciar ações coletivas e cooperativas que
envolva toda a comunidade, os diferentes saberes e conhecimentos
(NOGUEIRA, 2005, p. 38). Este autor defende que os projetos podem
ser definidos por turmas, isoladamente, como também podem estar pre-
vistos dentro do Projeto Político Pedagógico da escola, que é preparado
de um ano para o outro e preveem as ações do ano todo.
Vidal, Maia e Lacerda Santos, que também investigam a utilização
da pedagogia de projetos como estratégia didática, argumentam que ela
oferece, também, um espaço privilegiado para que os sujeitos apren-
dentes se percebam como atores importantes do processo de construção
do conhecimento, em que são levados a se posicionarem criticamente
com relação às informações que lhes são disponibilizadas, em um pro-
cesso eminentemente intrínseco de estabelecimento de relações entre
conhecimentos já construídos e conhecimentos novos. A pedagogia
de projetos facilita, ainda que dados, informações, conhecimentos e
inteligência se integrem num processo epistemológico cujo sujeito
cognoscente assume a tarefa de construir seu próprio saber (VIDAL,
MAIA & LACERDA SANTOS, 2002).
A pedagogia de projetos e a ação educativa à qual eles se vinculam
requerem uma organização diferenciada dos tempos e espaços escolares
e, também, novas formas de lidar com os saberes e com as informações,
o que acaba por ensejar um novo modo de pensar a instituição escolar
e o trabalho pedagógico, o que remonta à necessidade do trabalho
Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro
45Educação e Cidadania • número 11 • 2009
transdisciplinar (HERNÁNDEZ, 1998). Esse repensar inclui uma trans-
formação nas relações educativas e uma necessidade de reposicionar a
hierarquia dentro da sala de aula no tangente à produção e à construção
do conhecimento, bem como na sua divulgação.
Assim, a pedagogia de projetos tem como uma de suas características
fundamentais o fato de que necessita ter como ponto de partida um
problema ou um questionamento advindo do grupo de aprendizes. Es-
ses questionamentos, a partir da pesquisa pelos envolvidos, tornam-se
ideias-chave ou conceitos que se relacionarão com aspectos da vida dos
aprendizes, os quais, a partir de suas vivências e suas experiências, lhes
darão a interpretação e os significados necessários para sua aplicação em
seu dia-a-dia. Com isto desenvolve-se a aprendizagem. É nesta perspectiva
que a pesquisa realizada por Castro (2008) se desenvolve. Na perspectiva
de professores como sujeitos aprendentes, na perspectiva dos educadores
como pesquisadores.
4 A PEDAGOGIA DE PROJETOS E A PROMOçãO DA INCLUSãO
DIGITAL DE PROFESSORES
Para se propor uma formação docente, antes há que se fazer uma
análise da prática pedagógica desses professores levando em considera-
ção os valores que eles trazem consigo, as condições determinantes de
sua existência e, principalmente, a concepção político-pedagógica que
norteou seu processo de formação (OLIVEIRA, 2006). E Valente (1996)
afirma que a Sociedade Informacional exige um homem crítico, criativo,
com capacidade de pensar, de aprender a aprender, trabalhar em grupo
e de conhecer o seu potencial intelectual. Esse homem, segundo Valente,
deverá ter uma visão geral sobre os diferentes problemas que afligem a
humanidade, como os problemas sociais e ecológicos, além de profundo
conhecimento sobre domínios específicos. Em outras palavras, há que
se mostrar sensível e atento às mudanças da sociedade, com uma visão
A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores
46 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
transdisciplinar e com capacidade de constante aprimoramento e de-
puração de ideias e ações, isto é, o contrário do que realiza a formação
tradicional (CASTRO, 2008, p. 59).
Tendo isto como referência, é preciso que se repense os cursos de
formação docente para que sua prática pedagógica também seja mo-
dificada e possa proporcionar uma educação de qualidade, em que se
cumpra a verdadeira função social da escola.
Esta nova forma de se desenvolver um trabalho pedagógico acaba
por gerar um novo modo de relação professor-aluno. Com a entrada
dos computadores na Educação as informações passam a estar dis-
poníveis na Internet e os alunos podem acessá-las a qualquer mo-
mento. O professor deixa de ser o “detentor do conhecimento” para
ser um mediador, um facilitador das relações entre os estudantes e
as informações acessadas. É o professor que ajudará os estudantes a
interpretar, fazer a seleção e transformar em conhecimento as infor-
mações mais relevantes para o seu aprendizado. A relação deixa de
ser vertical e hierarquizada para ser horizontal, na qual os atores do
processo – estudantes e professores – passam a ser sujeitos que se
ajudam mutuamente e interagem.
Um outro ponto importante é que a pedagogia de projetos é uma
estratégia metodológica que legitima a pesquisa-ação, principalmente a
pesquisa-ação integral e sistêmica defendida por Morin (2004) e adotada
na pesquisa realizada por Castro (2008). Ambas, pedagogia de projetos
e pesquisa-ação, partem das necessidades dos envolvidos e da resolução
de problemáticas propostas por eles; as duas lidam com a mudança nos
discursos e nas ações; preveem a participação dos sujeitos em todas as
etapas do processo; têm em seu cerne o ideário de trabalhar de forma
cooperativa e solidária.
A adoção da pedagogia de projetos permite que se alcance resulta-
dos significativos, seja na gestão das relações educativas, mediadas ou
não pelo computador, seja na formação de professores. Lacerda Santos
(2003), a partir de experiências desenvolvidas no curso de gradua-
Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro
47Educação e Cidadania • número 11 • 2009
ção de Pedagogia na Universidade de Brasília, ressalta que o projeto
de aprendizagem construído em torno da utilização do computador
abre espaço para uma plena utilização desta tecnologia como meio
de aprendizagem, inserida em um contexto mais amplo de diálogo
com outras tecnologias, tanto materiais quanto intelectuais. Segundo
o autor, interagindo com os alunos/cursistas, o professor/mediador
libera-se da tarefa de ensinar o uso do computador e do peso de ter de
mostrar-se excelente em tal uso, para aprender juntamente com seus
pares discentes. A gestão dessa relação torna-se, portanto, tarefa muito
simples e envolvente, constituindo, inclusive, interessante instrumento
de formação continuada do professor.
A pesquisa de Castro (2008) tenta trazer uma solução inovadora, já
que ainda não há na literatura relatos de cursos de formação continuada
de professores de Anos Iniciais do Ensino Fundamental para o uso do
computador na Educação sob a abordagem da Pedagogia de Projetos.
Esta pesquisa se desenvolveu a partir de uma pesquisa-ação integral
e sistêmica (MORIN, 2004) que em seu percurso foi tomando formas
próprias. Isto se deu por causa das especificidades do grupo pesquisado
e da metodologia utilizada, ou seja, à medida que a investigação foi
se construindo, novas formas de relacionamento entre os participantes
foram promovendo novos modos de envolvimento com os saberes que
eram elaborados, o que fez com os procedimentos inicialmente propostos
e os instrumentos de coleta a princípio definidos tomassem contornos
mais apropriados para atender às demandas do grupo.
Esta investigação foi realizada em uma escola da Secretaria Estado
de Educação do DF e desenhou-se como uma proposta de formação
continuada em serviço, pois ocorria no turno de coordenação pedagógica
dos docentes envolvidos, que eram 11 professores de Anos Iniciais do
Ensino Fundamental (embora esta proposta não faça parte dos projetos
de inclusão digital de professores desta Secretaria), no laboratório de
informática da própria escola. O quadro geral, empiricamente observa-
do, suscitou algumas questões que geraram o seguinte objetivo geral:
A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores
48 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
analisar as possibilidades de utilização da Pedagogia de Projetos na
formação de professores para uso do computador na Educação.
As formas de coleta de dados utilizadas foram a situação da peda-
gogia de projetos em si e a observação participante. Foram utilizados,
ainda, protocolos de observação previamente elaborados e o diário
de bordo para registrar os encontros, que também foram filmados e
alguns fotografados. Além disso, os participantes foram estimulados
a utilizarem, eles mesmos, seus diários de bordo para registrarem seu
percurso no processo.
Quanto ao percurso metodológico da pesquisa, a intenção foi de pes-
quisar a formação docente em serviço de maneira que os conhecimentos
construídos e as discussões proporcionadas fossem levados também para
a sala de aula dos próprios professores e refeitos processos semelhantes
com seus educandos de acordo com o nível e idade de cada turma. A
proposta se constituiu de cinco etapas básicas:
1. Discussão de temas pedagógicos e modos de utilização do computador
em sala de aula;
2. Construção de projetos pelos professores que previam o uso do
computador como ferramenta pedagógica;
3. Os projetos foram desenvolvidos com as turmas utilizando dinâmica
semelhante à do grupo de docentes;
4. Os resultados dos projetos dos alunos foram apresentados para toda
a escola juntamente com os resultados dos projetos dos professores
que não foram dissociados dos projetos de seus alunos;
5. Avaliação do processo vivenciado e dos resultados alcançados.
A partir da realização da pesquisa, algumas conclusões às quais a
pesquisadora chegou foram as seguintes:
• A utilização do computador como ferramenta pedagógica passa
não somente pela necessidade de uma formação nesta área, como
também pela assimilação, pelos docentes, do imperativo do uso do
computador para o seu desenvolvimento pessoal e profissional, já
Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro
49Educação e Cidadania • número 11 • 2009
que se os professores não se sentem pesquisadores os alunos também
não veem necessidade de sê-lo;
• Apesardeteremconsciênciadanecessidadedemudançasemsua
prática pedagógica, os professores-cursistas sentiram grande dificul-
dade tanto de promover essa mudança quanto de vivenciá-la como
estudantes;
• Emboracomdificuldadeemvivenciarformasdiferenciadasdeme-
diação pedagógica, os professores-cursistas somente conseguiram se
integrar ao curso e à pesquisa a partir do momento que foi iniciada
a discussão e a construção dos projetos que norteariam os trabalhos
na formação, o que demonstra uma melhor integração do grupo a
partir da utilização de momentos que contemplavam suas múltiplas
dimensões e quando começou a se efetivar o uso do trabalho trans-
disciplinar, apesar de a intencionalidade, desde o princípio, ser a de
um trabalho com características transdisciplinares;
• Em relação à educaçãomediada por computador, os professores
julgaram, ao final da pesquisa, que houve maior interesse dos alu-
nos pela realização de pesquisas e pela aprendizagem; ficaram mais
imaginativos, criativos e críticos a partir das pesquisas na Internet
e do uso geral do computador nas atividades propostas; passaram a
ter uma maior socialização; melhoraram a própria escrita; passaram
a ter mais curiosidade; sua participação nas atividades e discussões
aumentou significativamente; passaram a ter uma maior integração
à sua realidade social; e por fim, mostraram mais alegria diante do
processo de construção de conhecimentos e da aprendizagem;
Quanto ao trabalho com a Pedagogia de Projetos, os professores
avaliaram que: suas aulas ficaram mais prazerosas e interessantes não
só para os alunos, mas também para eles próprios; os envolvidos pas-
saram a ter maior sensação de pertencimento ao processo educativo;
aconteceram aprendizagens significativas; o trabalho passou a lidar mais
com temas reais; partir dos interesses reais dos alunos tornou-os atores
do processo de ensino e aprendizagem; passou a existir uma melhor
A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores
50 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
organização no planejamento e no desenvolvimento dos trabalhos; e,
por fim, uma melhor aplicação dos conhecimentos gerou um melhor
envolvimento dos alunos no processo educativo.
5 CONCLUSãO: LIMITES E POSSIBILIDADES DE USO DA PEDA-
GOGIA DE PROJETOS
As conclusões a que pudemos chegar, após analisarmos as pesquisas
aqui relatadas foram que o professor se constrói docente não somente
a partir de seus estudos relacionados às estratégias metodológicas,
ou pela construção de materiais que se proponham didáticos, ele se
faz professor a partir de todo conjunto de teorias e experiências que
ele vivencia e que o faz perceber-se aprendiz, ele se torna ensinante
aprendendo. Fomos todos formados por escolas e universidades que
sempre lidaram com os conhecimentos disciplinarizados, tratados de
forma compartimentada, e torna-se um desafio transpor essa barreira
para uma educação que se proponha multicultural, multidimensional e
transdisciplinar. Entretanto não é impossível pular esse muro e começar
a fazer diferente, mas preciso se faz ter coragem de tentar.
A inclusão digital de professores deve ser capaz de inserir de for-
ma definitiva o professor na Sociedade Informacional. Contudo, essa
inserção só pode ser considerada efetiva se o professor for capaz de,
além de fazer uso do que aprendeu para suas necessidades pessoais,
empregar esse saber para todas as articulações sociais, o que inclui,
obviamente, o seu trabalho com os educandos. São necessárias, desse
modo, modificações nas estratégias de formação para a inclusão digital,
para que possam se dar abalizadas por um conteúdo teórico relacio-
nado às habilidades linguísticas de seu público-alvo, voltadas para o
uso dos conhecimentos para intervenção social (inclua-se o trabalho
pedagógico com alunos) e vinculadas com as instituições, nas quais
atuam os sujeitos em formação.
Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro
51Educação e Cidadania • número 11 • 2009
A pedagogia de projetos proporciona aos sujeitos envolvidos na
relação educativa novas interações, seja com o outro, seja com o
conhecimento. Um aspecto de extrema importância em um trabalho
com projetos é que não precisamos da compartimentalização e da
disciplinarização para aprender algo, podemos aprender a apreender
estudando os fenômenos em sua totalidade, com sua complexidade,
e a partir de vários enfoques diferentes, não apenas aquele dado pela
ciência. Enfim, pode-se dizer que a pedagogia de projetos propicia
uma educação voltada para o desenvolvimento da solidariedade, de
uma cidadania participativa e de pessoas críticas, criativas e trans-
formadoras.
A inclusão digital de professores e a utilização do computador como
ferramenta pedagógica, por outro lado, traz ao educador novos modos
de produzir conhecimento e novas formas de lidar com o conhecimento
historicamente construído, bastando para isto, que esse educador se
coloque na posição de sujeito aprendente, de aprendiz, de pesquisador,
e a partir daí ele inicie um novo ciclo de trabalho de sensibilização de
novos aprendizes pesquisadores capazes de se perceberem sujeitos de
sua própria aprendizagem, de sua própria existência.
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GILBERTO LACERDA SANTOS
Gilberto Lacerda Santos é Professor Associado III da Faculdade de
Educação da Universidade de Brasília, onde atua em extensão, gra-
duação e pós-graduação. É Doutor em Sociologia do Conhecimento
A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores
54 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Científico e Tecnológico pela Universidade de Brasília (2001); Ph.D. em
Educação, com ênfase em Informática na Educação, pela Universidade
Laval (Canadá, 1995); Mestre em Tecnologias na Educação, com ênfa-
se em Inteligência Artificial, pela Universidade Laval (Canadá, 1991).
É líder do Grupo de Pesquisas Ábaco sobre o uso do computador na
educação, ligado à Universidade de Brasília. É consultor de inovação
em organizações públicas e privadas. Coordena o Museu Virtual de
Ciência e Tecnologia da Universidade de Brasília. Publicou 32 artigos
completos em periódicos, 10 livros e capítulos de livros e 51 trabalhos
completos em anais de congressos nacionais e internacionais. Recebeu
10 prêmios nacionais e internacionais. Orientou centenas de trabalhos
(dissertações de mestrado, monografias de especialização, pesquisas
de iniciação científica, trabalhos de conclusão de cursos de graduação).
Orienta atualmente 2 teses de doutorado e 2 dissertações de mestrado.
Os termos mais frequentes na contextualização de sua produção cien-
tífica são inovação científica e tecnológica, informática na educação,
educação a distância, formação de professores, sociedade da informação,
engenharia de softwares e ciência, tecnologia e juventude.
Recebido em: 03/08/2009
Aceito em: 18/08/2009
SANTOS, Gilberto Lacerda; FERREIRA, Márcio; CASTRO, Wanessa
de. A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de
professores. Revista Educação e Cidadania. Porto Alegre, ano 11, n. 11,
p. 31-54, 2009.
Políticas públicas de formação de professores da educação básica a distância: o contexto
do pró-licenciatura
Ana Beatriz Gomes Carvalho
RESUMOA educação a distância é implementada no ensino superior como uma moda-lidade que surge para propiciar a formação de professores em exercício, assim como a formação de novos professores para Educação Básica, configurando-se como uma política pública de expansão de vagas nas instituições públicas. A fundamentação que alicerçou a política pública de educação a distância foi a avaliação realizada pelo Sistema de Avaliação Básica que apontou a deficiência de qualidade da escolarização, servindo de base para uma série de ações do Governo Federal. Na busca pela melhoria da Educação Básica, foi realizado o Programa Pró-Licenciatura, para a criação de cursos de Graduação (Licenciatu-ras) na modalidade a distância para formação e qualificação do professor que atua em sala de aula na rede pública. O objetivo é analisar e contextualizar as questões político-ideológicas que desenharam as ações de Estado na imple-mentação do Projeto Pró-Licenciatura. Trata-se de uma pesquisa documental, desenvolvida a partir da análise do material documental que precedeu e fun-damentou a concepção político pedagógica do Pró-Licenciatura, observando a contextualização da conjuntura local/global, e dos processo de implementação desenvolvidos pelas Universidades Públicas participantes.
PALAVRAS-CHAVEPolíticas Públicas; Formação de Professores; Educação a Distância.
ABSTRACT Distance education is implemented in college as a way that appears to provi-de teacher training in exercise, as well as training of new teachers for basic education by setting up as a public policy to increase in enrollment in public institutions. The reasoning that cemented the public policy of distance edu-cation was the evaluation by the Evaluation System Basic wich pointed out the poor quality of school education, serving as basis for several actions of the Federal Government. On the search for improvement of the basic education, was performed Pro-Degree Program for the creation of undergraduate cour-ses (Undergraduate) in the distance mode for training and qualification teacher that works in the classroom of the public network. The objective is to analyze and contextualize the political and ideological issues that shaped the actions of State in implementing a pro-Degree. As a research documentary, developed
Políticas públicas de formação de professores da educação básica a distância:
o contexto do pró-licenciatura
56 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
from the analysis of documentary material that preceded and based on the design of educational policy Pro Degree, observing the contextualization of the situation local / global, and the process implementation developed by participants Public Universities.
KEy WORDS Public Politics; Teacher Training; Distance Education.
1 INTRODUçãO
Este artigo analisa as políticas públicas em educação a distância
focadas na melhoria da qualidade da educação básica, construindo o
processo de implementação das duas maiores ações governamentais
para a criação dos cursos de ensino superior na modalidade a distância.
Apresentaremos o Programa Pró-Licenciatura desde a sua concepção
até a operacionalização das ações para a implementação dos cursos,
estabelecendo as conexões e relações que o caracterizam como um
campo de correlação de forças que expressam representações sobre
educação. O objetivo de nossa pesquisa é analisar e contextualizar as
questões político-ideológicas que desenharam as ações de Estado na
implementação do Projeto Pró-Licenciatura. Trata-se de uma pesquisa
documental, desenvolvida a partir da análise do material documen-
tal que precedeu e fundamentou a concepção político pedagógica
do Pró-Licenciatura, observando a contextualização da conjuntura
local/global, e dos processo de implementação desenvolvidos pelas
Universidades Públicas participantes.
A correlação de forças esteve presente em todos os momentos de cria-
ção do Programa e, justamente por ter permitido um debate amplo sobre
o assunto naquele momento, expressa um movimento democrático de
construção de um programa. Isso não significa que todos os envolvidos
participaram da discussão ou que o resultado final tenha sido o mais
adequado para todos. Assim, pensar em organização de consórcios,
diálogos com o poder público e representatividade de pessoas que não
Ana Beatriz Gomes Carvalho
57Educação e Cidadania • número 11 • 2009
estavam associadas ao governo federal, constituiu-se em uma novidade
no cenário das políticas públicas voltadas para a educação. Não era
apenas uma questão de querer fazer a educação a distância, era também
uma questão de saber como. É neste contexto que a diversidade e a
multiplicidade de concepções e tendências sobre a EAD é fundamental
para a construção de propostas a partir do diálogo e da compreensão de
que existem diferentes perfis de instituições, alunos, organizações etc.
2 AS CONCEPçõES DO PRó-LICENCIATURA
Os estudos recorrentes sobre o desempenho dos alunos nas escolas
públicas refletem sempre os debates sobre a qualidade do ensino. Se-
gundo Oliveira (2001, p. 51), “no decorrer dos anos 90 o debate sobre
educação e desenvolvimento esteve pautado pela exigência de responder
ao padrão de qualificação emergente no contexto de reestruturação
produtiva, passando pela reforma dos sistemas públicos de ensino”. A
preocupação central, contudo, não estava limitada à formação da força
de trabalho para lidar com as inovações tecnológicas e organizacionais,
incluíram também questões políticas como financiamento, controle e
gestão da educação pública e cultural, a partir das mudanças da reestru-
turação econômica e da necessidade de mudança do paradigma educa-
cional na sociedade da informação (CASTELLS, 2003; SANTOS, 2001).
O primeiro edital para financiamento público de cursos em nível
superior na modalidade a distância é realizado por meio da Chamada
Pública n° 1/2004, lançado em julho de 2004 para os cursos de licen-
ciatura em Pedagogia, Física, Química, Matemática e Biologia. Neste
edital somente poderiam concorrer as universidades públicas, organi-
zadas em consórcios, com um projeto único que pudesse ser utilizado
em todas as instituições participantes. O fato é que esta exigência foi
colocada já no primeiro edital de financiamento de cursos e obrigou as
instituições públicas a não apenas se organizarem em consórcios, mas
Políticas públicas de formação de professores da educação básica a distância:
o contexto do pró-licenciatura
58 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
desenvolverem projetos únicos que pudessem ser aplicados em todas
as instituições participantes.
A UNIREDE foi formada como um consórcio interuniversitário com
o nome de Universidade Virtual Pública do Brasil. A ideia central do
consórcio era lutar por uma democratização do acesso ao ensino superior
público, gratuito e de qualidade, bem como socializar as experiências,
materiais e outras formas de cooperação entre as instituições públicas
de nível superior. A justificativa para este movimento é a capacidade
de mobilização e articulação política dos idealizadores do consórcio e o
interesse do governo em realizar experiências em educação a distância
com o aval acadêmico e científico dos professores pesquisadores das
principais IES do país.
3 A PUBLICAçãO DOS EDITAIS DO PRó-LICENCIATURA
O primeiro edital publicado especificamente voltado para os cursos
de graduação em licenciatura, foi a chamada pública 01/2004, publicado
em junho de 2004, para as instituições interessadas em oferecer cursos
de graduação a distância nas áreas de Matemática, Física, Química e
Biologia e Pedagogia. Além da interlocução do edital nas listas dos con-
sórcios regionais, o MEC disponibilizou o edital na sua página da Inter-
net com o objetivo de recolher sugestões para a versão final do edital.
Foram selecionados oito grupos, entre 39 universidades, situados nos
Estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Amapá,
Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Bahia, Pernambuco, Pará, Alagoas,
Paraná e Distrito Federal. As propostas das Universidades contemplaram
o oferecimento de 17.585 vagas para a chamada Universidade do Século
XXI, com financiamento de 14 milhões de reais distribuídos entre as
instituições de acordo com os respectivos planos de trabalho.
No ano seguinte, em 2005, o MEC realizou um processo seletivo para
as instituições interessadas em ofertar cursos de licenciatura a distância,
Ana Beatriz Gomes Carvalho
59Educação e Cidadania • número 11 • 2009
chamado de Pró-Licenciatura (Fase 2). Este documento trazia algumas
diferenças significativas em relação ao edital anterior, com pressupostos
metodológicos e orientações pedagógicas bem definidas e comunicadas
com antecedências para os interessados.
A Resolução/CD/FNDE/nº 34, de 9 de agosto de 2005, estabelece os
critérios e os procedimentos para a apresentação, seleção e execução
de projetos de cursos de licenciatura para professores em exercício
nas redes públicas nos anos/séries finais do ensino fundamental e/
ou no ensino médio, na modalidade de educação a distância, funda-
mentada na constituição federal. O objetivo disposto no capítulo I,
Art. 2º, deixava claro o público, a forma, a duração e os critérios de
elegibilidade da IES.
Ofertar cursos de licenciatura, com duração igual ou maior que a mínima exigida para os cursos presenciais, na modalidade de educação a distância para formação inicial de professores em exercício nas redes públicas nos anos/séries finais do Ensino Fundamental e/ou no Ensino Médio, sem licenciatura na disciplina em que estejam exercendo a docência. (BRASIL, Resolução CD/FNDE nº 34/2005).
Em relação ao modo de articulação, temos duas esferas em diferentes
níveis que aumentavam significativamente o risco do desenvolvimento
de projetos nesta linha. A primeira esfera está relacionada com a própria
organização governamental que estabeleceu uma articulação entre a
SEED, a SEB e o FNDE, ou seja, para funcionar o projeto dependia do
funcionamento da máquina em três instâncias, com atribuições e res-
ponsabilidades distintas. Na segunda esfera, estava a articulação dos
consórcios das instituições com as secretarias Estaduais e Municipais
de educação, que tinham pouca atribuição de execução, mas eram
responsáveis por atestar a demanda de professores sem formação em
exercício em seus respectivos sistemas.
As exigências para o projeto incluíam o uso didático de tecnologias
de informação e comunicação, estratégias de interação, relação numé-
Políticas públicas de formação de professores da educação básica a distância:
o contexto do pró-licenciatura
60 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
rica tutor/aluno, linguagens, materiais e mídias utilizadas, entre outros
elementos específicos da modalidade a distância.
Embora integrante do documento como fundamentação para as
diretrizes propostas na chamada pública para as IES interessadas, as
políticas de seleção e implementação dos cursos não seguiram o per-
fil dos dados apresentados. De acordo com o quadro, as regiões com
maior número de professores sem o nível de escolaridade necessário
eram a região Nordeste e a região Norte. Na distribuição de recursos
e financiamento de cursos, essas regiões não foram privilegiadas com
a concentração de cursos e instituições em nenhum dos três editais
lançados especificamente para as licenciaturas a distância (Elaboração
de materiais, Pró-Licenciatura Fase 1 e Fase 2), como veremos a seguir,
na análise dos resultados do processo de seleção da chamada pública
através de edital.
4 OS RESULTADOS DA CHAMADA PúBLICA ATRAVéS DE EDITAL
O critério de seleção das propostas de cursos a distância do Pró-
-Licenciatura Fase 2, foi definido na Resolução/CD/FNDE/nº 34 que es-
pecifica as condições de aprovação através de um processo de seleção,
julgamento, pontuação e classificação dos projetos por uma comissão
designada formalmente pela SEB e SEED. Segundo Leite et al (2007), as
comissões de avaliação foram criadas por força de portarias ministeriais
para a composição das comissões e subcomissões. Foram convidados
pesquisadores das diversas áreas de conhecimento apontadas pela co-
missão que possuíam formação e experiência em EAD, formando-se a
assim, subcomissões que possuíam especialistas nas áreas específicas
e especialistas em EAD. A maior parte dos pesquisadores das áreas
específicas também trabalhava e desenvolvia pesquisas em EAD, e
“esta multiplicidade de olhares enriqueceu sobremaneira os trabalhos
das Comissões e propiciou espaços de discussão teórico-filosófico-
Ana Beatriz Gomes Carvalho
61Educação e Cidadania • número 11 • 2009
-paradigmático-prático extremamente significativos para as avaliações
e a construção dos pareceres” (LEITE et al, 2007, p. 3).
A organização do trabalho de avaliação dos projetos foi realizada
por meio da criação das subcomissões, por área específica de trabalho,
com intensa colaboração entre as subcomissões, e a eleição de um pre-
sidente para coordenar os trabalhos das subcomissões e garantir que
o sistema de pontuação fosse equilibrado entre todos os avaliadores.
Ainda segundo Leite et al (2007), a dinâmica estabelecida promoveu in-
terdependência e valorização das competências para atingir os objetivos
propostos, configurando uma espécie de inteligência coletiva presencial.
Na visão dos avaliadores, os projetos apresentaram vários problemas
que se conflitavam com as orientações da resolução. Um deles está rela-
cionado com a organização em consórcio e segundo Leite et al (2007),
uma primeira análise mostrou que vários projetos haviam sido feitos
de forma independente, sem a devida integração e diversas parcerias
pareciam existir somente com a finalidade de atender a uma exigência
do edital, e não de fato. Nestes casos, não era possível visualizar como
os proponentes iriam articular-se, por não haver definição clara dos
papeis de cada um dos parceiros.
Para os autores, as propostas eram, em geral, baseadas em cursos
presenciais transpostos para a modalidade EAD, evidenciada pelo uso
excessivo de momentos presenciais, poucas mudanças nas ementas e
nas atividades propostas, uso de transcrições dos termos presentes no
edital, declarações genéricas sem articulação entre os elementos serviço,
indefinição dos papeis dos docentes envolvidos, entre outras lacunas.
Os avaliadores ainda apontaram no artigo alguns problemas no próprio
sistema de pontuação dos projetos.
Algumas propostas inovadoras foram feitas como, por exemplo, o uso de um tema-gerador para o desenvolvimento das atividades didático-pedagógicas do curso. Embora possuísse algumas falhas, como a necessidade de uma melhor articulação entre a concepção teórica com a grade e as atividades propostas, o projeto era bastante
Políticas públicas de formação de professores da educação básica a distância:
o contexto do pró-licenciatura
62 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
promissor. Acabou sendo mal classificado, pois perdeu pontos, por exemplo, no número de vagas ofertadas. Isto foi observado em outros casos, ou seja, aqueles projetos que apresentavam propostas inovadoras eram extremamente tímidos na oferta de vagas, o que fazia com que bons projetos fossem mal classificados pelas regras do edital. (LEITE; BARBETA; MUSTARO, 2007, p. 3).
Dois pareceres emitidos pelos avaliadores para duas instituições
públicas que concorreram neste edital parece corroborar a versão e o
detalhamento apresentado no trecho do artigo. Temos dois casos distin-
tos, um curso que foi aprovado e outro reprovado no processo seletivo
e podemos observar que as questões colocadas no parecer final trazem
exatamente as questões abordadas pelos autores no artigo.
O projeto em sua totalidade continua muito próximo a um projeto tradicional presencial dado seus aspectos pedagógicos – fundamentais para a transposição de qualidade de um curso de EaD. Em especial destacamos as questões de organização curricular; do sistema de tutoria com ênfase na tutoria presencial, dos materiais rígidos e do sistema de avaliação que, embora incorpore as palavras processual e formativa, enfatiza os aspectos pontuais deixa dúvidas como incorporarão o sistema formal rígido existente nas universidades (Parecer A, emitido em Campinas, em 17/12/2005).
É importante ressaltar que as pessoas que assinam o parecer não
são os mesmos autores do artigo, embora o discurso e o foco sejam
exatamente o mesmo. Outros elementos também foram abordados no
parecer, como o sistema de tutoria (atribuições de tutores e professo-
res formadores) com ênfase no presencial; o uso de recursos didáticos
e ferramentas das TIC não resolvidos, uma vez que a proposta não
apresenta com clareza os objetivos e as dinâmicas dos momentos
presenciais e a distância; o não aproveitamento das facilidades das
TIC, no que diz respeito ao uso proposto de materiais impressos
(o que encarece e engessa as atividades sugeridas); as questões
metodológicas (dinâmica das interações e, sobretudo, a demanda
Ana Beatriz Gomes Carvalho
63Educação e Cidadania • número 11 • 2009
inerente ao formato proposto que exigirá sucessivos deslocamentos
dos alunos até o polo).
Os critérios de seleção consideraram a consolidação das IES em
experiências práticas de educação a distância que acabaram penali-
zando as instituições que buscavam implementar novos cursos e não
possuíam experiência acumulada em EAD. Outra questão é que houve
nas trocas realizadas entre os avaliadores, um critério comparativo en-
tre os projetos, que também pode ter penalizado algumas instituições
que apresentaram projetos mais sólidos em virtude de sua experiência
anterior, mesmo que não tivesse nenhum aspecto inovador. Em outro
parecer, neste caso favorável, o texto de avaliação é até mais crítico do
que o outro, apesar do resultado final.
O projeto apresenta algumas fragilidades no que se refere a sua organização curricular. Em determinado momento, apresenta uma carga horária de 2830 (página 20), em outra página demonstra 3075 horas. Há disciplinas sem bibliografia e com autor não correspondente a obra mencionada. O componente curricular relativo ao estágio não apresenta regras claras e não explicita a forma de cumprimento e acompanhamento discente, bem como a consideração da experiência docente no cálculo das 400 horas, como requer a legislação vigente. Nota-se uma certa similaridade do currículo proposto para EaD com um elaborado para um curso na modalidade presencial. A estrutura proposta para a operacionalização do curso está apresentada de forma pouco minuciosa e apresenta detalhes apenas no que diz respeito as funções dos tutores (Parecer B, emitido em Brasília, em 05 de outubro de 2005).
O resultado final privilegiou um grande número de Instituições e uma
razoável diversidade de cursos, embora a distribuição geográfica não
tenha sido intensificada nas áreas mais carentes, e sim fragmentada em
praticamente todo o território nacional, seja pelas IES representantes,
seja através das consorciadas. Na publicação do resultado, estava ex-
plícito no Art°. 2 que as instituições teriam cinco dias úteis, a partir da
publicação, para a interposição de recurso junto ao MEC questionando
Políticas públicas de formação de professores da educação básica a distância:
o contexto do pró-licenciatura
64 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
o resultado do processo seletivo, embora estivesse claro que só seria
considerado o recurso tempestivo coerente com o objeto de avaliação da
Comissão de Seleção e Julgamento. Não temos informação de quantas
instituições entraram com algum tipo de recurso e qual o resultado
desta interposição.
A partir do resultado das instituições contempladas e seus respectivos
cursos, verificamos que as Universidades confessionais foram contem-
pladas neste processo de seleção. É possível verificar a fragmentação
territorial das instituições contempladas, bem como a diversidade de
cursos propostos. A partir da análise dos pareceres de aceitação e recusa
dos cursos, considerando os critérios abordados, verificamos uma opção
por cursos que atendessem o perfil mais próximo do documento que
estipulou os objetivos, eixos e perspectiva do Pró-Licenciatura, inserido
neste perfil a diversidade institucional e geográfica dos futuros cursos
a distância.
Se considerarmos um quantitativo simples, número de instituições
por cursos, podemos verificar que existe um padrão entre quatro e cinco
instituições por curso, com exceção do curso de Letras que abarca uma
série de habilitações diferenciadas, apresentando doze instituições para a
oferta. A concentração de instituições contempladas está nas regiões do
Centro-Sul, com apenas quatro instituições fora do eixo centro-sul (três
na região Norte, e apenas uma na região Nordeste). Isso não significa
que a área de atuação fosse restrita ou que outras IES não tenham sido
contempladas. É importante lembrar que o resultado mostra apenas o
nome da IES representante, mas todas elas estavam organizadas em
consórcios, com uma área de atuação territorial bastante ampla.
Ao analisarmos a situação de todos os cursos e as suas respectivas
instituições em 2009, verificamos que todas as condições construídas
apresentaram resultados diferentes, reflexo da complexidade nas estrutu-
ras internas das Universidades e do grau de organização dos consórcios e
equipes de gestão da EAD. É importante ressaltar que o Pró-Licenciatura
foi substituído por uma nova proposta, a Universidade Aberta do Brasil
Ana Beatriz Gomes Carvalho
65Educação e Cidadania • número 11 • 2009
(UAB), constituindo uma mudança profunda na proposta governamental
de educação a distância.
5 CONSIDERAçõES SOBRE CRIAçãO DA UNIVERSIDADE ABERTA
DO BRASIL (UAB)
A criação da UAB ocorre em junho de 2006, ao mesmo tempo em
que seu projeto piloto do Curso de Administração a distância iniciava
as atividades. Naquele momento, a articulação para a implementação
do curso nas IES públicas, estava fundamentada no chamado Fórum
das Estatais e na possível existência da Universidade Aberta do Brasil.
Em dezembro de 2005 foi publicado um edital, chamado posteriormente
de Edital UAB 1, seis meses antes da criação oficial do Sistema. O do-
cumento de criação do Sistema Universidade Aberta do Brasil, através
do Decreto n° 5.800, assinado em 8 de junho de 2006, decreta em seu
Art.1o, “Fica instituído o Sistema Universidade Aberta do Brasil-UAB,
voltado para o desenvolvimento da modalidade de educação a distância,
com a finalidade de expandir e interiorizar a oferta de cursos e progra-
mas de educação superior no País”. O primeiro item do parágrafo único
que inicia o Decreto 5.800, afirma que “o objetivo da UAB é oferecer,
prioritariamente, cursos de licenciatura e de formação inicial e continu-
ada de professores da educação básica” (Decreto n° 5.800, 2006, p. 1).
Nos causa estranhamento, portanto, que o curso do Projeto Piloto da
UAB seja um curso de Bacharelado em Administração e não um curso
de Licenciatura, mas considerando as questões operacionais tratadas
anteriormente, é possível compreender a razão principal. Outro fato
importante, é que tanto o Projeto Político-Pedagógico do curso da Ad-
ministração a distância implementado nas Universidades participantes
como todo o material pedagógico, é único, desenvolvido inicialmente
pela Universidade Federal de Santa Catarina e posteriormente pelas
demais Universidades parceiras. Isso significa que um único projeto,
Políticas públicas de formação de professores da educação básica a distância:
o contexto do pró-licenciatura
66 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
com suas bases conceituais e teóricas e grade curricular, foi utilizado
em Instituições que estavam localizadas desde o Rio Grande do Sul até
o Amazonas. Assim, não existe diversidade, seja ela curricular, cultural,
teórica ou pedagógica. É um pacote pronto e acabado que representa
muito bem o modelo proposto por Peters (1983) para a educação fordista.
O Edital também apresenta uma modificação profunda na política de
EAD no país. Enquanto no Pró-Licenciatura o fio condutor da análise
dos cursos selecionados era o Projeto Político-Pedagógica e sua proposta
de ação, no contexto da UAB o único critério era a articulação com os
municípios, responsáveis a partir de então pela estrutura e manutenção
dos polos. As IES seriam responsáveis pela parte acadêmica de produção
dos materiais, oferta de disciplinas e certificação. Isso significa, de forma
bem direta, que os pequenos municípios do interior que se dispusessem
a ofertar um polo para os cursos a distância deveriam prover a estrutura
física com equipamentos, livros, pessoal, laboratórios etc. Considerando
a realidade da educação brasileira nas pequenas cidades e o montante
de recursos que nunca é suficiente para o desenvolvimento de uma
educação realmente de qualidade, é uma surpresa verificar que setenta
municípios aderiram ao projeto, e uma constatação óbvia que poucos
cumpriram com o compromisso firmado. Diante desse quadro, o MEC
foi obrigado a intervir no processo e garantir que equipamentos, livros
e bolsas seriam fornecidos para garantir a continuidade da proposta
inicial. Ou seja, o projeto idealizado no Fórum das Estatais terminou
assumindo uma configuração bastante semelhante ao Pró-Licenciatura,
com o detalhe de que não eram mais as IES públicas que gerenciavam
os processos e sim os gestores Estaduais/Municipais.
A partir da aprovação no Congresso Nacional do novo papel da CAPES
para cuidar da Educação Básica, é criada uma diretoria de Educação
a Distância. Este papel é considerado novo porque, tradicionalmente,
a CAPES era responsável pela pós-graduação no país, sendo um ór-
gão de fomento e regulação da pesquisa acadêmica. A Universidade
Aberta do Brasil é uma articulação entre os polos de apoio presencial
Ana Beatriz Gomes Carvalho
67Educação e Cidadania • número 11 • 2009
(responsabilidade dos Municípios e Estados) e os cursos de graduação
e pós-graduação (responsabilidade de Instituições Públicas de Ensino
Superior), em regime de colaboração pública. Segundo os dados, o
edital da UAB do período 2006-2007, implementou 291 polos e o edital
de 2007-2008 selecionou 271 polos, com 70% de implementação até
março de 2009.
Sobre a migração, foi proposta a incorporação do Pró-Licenciatura
para os polos da UAB, com a apropriação apenas da estrutura física,
considerando que os cursos do pró-licenciatura estão acabando e não
terão uma nova chamada, com a seguinte configuração: financiamento
pela SEED com Diretrizes do Sistema UAB (relacionadas com a gestão
financeira e a articulação dos polos); gestão nas IES integrada ao Sistema
UAB e migração de parte dos Polos do Pró-Licenciatura para o Sistema
UAB, no âmbito do Plano de Ações Articuladas (PAR).
6 CONCLUSãO
Como foi mostrado neste trabalho, o Pró-Licenciatura foi substituído
pela Universidade Aberta do Brasil. Como modelo pronto, a UAB repre-
senta determinados grupos que compreendem a Educação a Distância
como um paradigma hegemônico, no qual é possível realizar matrículas
em grande quantidade, apresentando números surpreendentes no cres-
cimento do Ensino Superior. O discurso é fundamentado em números
impactantes de polos, municípios atendidos, crescimento de matrículas
e cursos oferecidos. A qualidade existe como um discurso disciplinador
para as IES que não seguirem o padrão de qualidade determinado pelo
MEC, incluindo a concordância com o modelo proposto. Não existe um
projeto pedagógico, não é apresentada nenhuma fundamentação teórica
para justificar as estratégias na consolidação dos cursos e polos. Fala-se
em “geopolítica” dos polos e se apresenta diagramas que não traduzem
uma política clara de EAD no ensino superior que esteja dissociada do
Políticas públicas de formação de professores da educação básica a distância:
o contexto do pró-licenciatura
68 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
incremento nos números. Podemos afirmar, diante do discurso gover-
namental oferecido, que o modelo de EAD implementado atualmente
apresenta convergência com a proposta fordista no processo de educação
de massas, apesar da roupagem tecnológica com a qual foi revestida.
O fato é que toda inovação, sobretudo na educação, deve ser realizada
com cautela na experimentação de novas modalidades, especialmente,
as que utilizam forte agregado tecnológico, como é o caso da EAD. É
preciso consolidar as propostas, criar a cultura digital, associar os re-
cursos tecnológicos ao processo de aprendizagem, adaptar os alunos ao
novo ritmo de acesso à informação e avaliar cada etapa cumprida, cada
recurso utilizado. O incremento de cursos superiores na modalidade
a distância propiciou o surgimento de muitas pesquisas na área, mas
muito ainda precisa ser feito. A existência de um modelo hegemôni-
co de EAD reprime as experiências inovadoras, engessa o currículo e
uniformiza a diversidade. Esta ação gera ressentimentos nos gestores,
professores, tutores e alunos, que buscam a flexibilidade na EAD e
encontram imobilidade.
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CASTRO, M. H. Declaração do Brasil para a Cúpula Mundial da Educação de Dacar. In: Fórum Mundial de Educação, 2000.
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ANA BEATRIZ GOMES CARVALHO
Professora do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da Uni-
versidade Federal de Pernambuco e do Programa de Pós-Graduação em
Educação Matemática e Tecnológica (PPGEdumatec).
Recebido em: 10/08/2009
Aceito em: 24/08/2009
Políticas públicas de formação de professores da educação básica a distância:
o contexto do pró-licenciatura
70 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
CARVALHO, Ana Beatriz Gomes. Políticas públicas de formação de
professores da educação básica a distância: o contexto do pró-licenciatura.
Revista Educação e Cidadania. Porto Alegre, ano 11, n. 11, p. 55-70, 2009.
A Problemática da Formação do Docente da Área de Informática
Sidnei Renato Silveira
RESUMOEste artigo apresenta a problemática da formação pedagógica dos professores do ensino superior, em especial dos cursos da área de Informática. Além dis-so, propõe temas que podem ser empregados visando à formação do corpo docente para a promoção de espaços de sala de aula favoráveis à construção do conhecimento.
PALAVRAS-CHAVEFormação Docente; Educação em Informática.
ABSTRACTThis paper presents the problem of teacher training in higher education, espe-cially in Computer Science courses. It also proposes topics that may be used to promote the knowledge construction in classroom spaces.
KEy WORDSTeacher Training; Computer Science Education.
1 INTRODUçãO
Na área de Informática, constata-se que, um dos maiores problemas
existentes nos cursos superiores, envolve a falta de formação pedagógica
do seu corpo docente. A maioria dos professores que atua nesta área pos-
sui experiência profissional e pós-graduação, habilitando-os ao exercício
da docência. Entretanto, muitos não possuem nenhum tipo de formação
pedagógica, que os habilitem a atuar adequadamente em sala de aula. Na
maioria das vezes, suas atividades em sala de aula baseiam-se em estilos
de seus ex-professores, ou seja, o professor aplica com seus alunos o
A Problemática da Formação do Docente da Área de Informática
72 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
estilo de aula de um professor com o qual se identificou durante sua
graduação e/ou pós-graduação (Pimenta e Anastasiou, 2008). Grillo
(2006) coloca que “é frequente o professor orientar-se pela memória
afetiva e procurar reproduzir ou evitar desempenhos conhecidos por
ele enquanto aluno, ou, já como professor, imitar algum colega que o
influenciou. Nesse sentido, visualiza-se o professor como um especia-
lista (...), na ideia de que para ensinar basta ter domínio do conteúdo.
Como especialista, o professor julga possuir um conhecimento pronto,
acabado, existente no exterior do sujeito que aprende. O ensino, en-
tão, tem só uma modalidade: dar aula, transmitindo-se ao aluno esse
conhecimento” (p. 62).
Estas informações estão baseadas na vivência em ambientes univer-
sitários, por mais de duas décadas, e na atuação em gestão acadêmica
de cursos superiores da área de Informática, em diferentes Instituições
de Ensino Superior da Região Metropolitana de Porto Alegre e, também,
embasadas em trabalhos de autores como Cachapuz (2001) e Zabalza
(2004). Zabalza (2004) coloca que “conhecer bem a própria disciplina
é uma condição fundamental, mas não é o suficiente. A capacidade
intelectual do docente e a forma como abordará os conteúdos são
muito distintas de como o especialista o faz. Esta é uma maneira de se
aproximar dos conteúdos ou das atividades profissionais pensando em
estratégias para fazer com que os alunos aprendam” (p. 111).
Atualmente, com a expansão do Ensino Superior no Brasil e o au-
mento no número de pós-graduados, especialmente na área de Infor-
mática, abriu-se um campo para a docência. Esta atividade – professor
de Ensino Superior – precisa ser encarada como uma profissão, ou seja,
além de atuar no mercado, com suas atividades profissionais ligadas
à Tecnologia da Informação, o professor precisa ter conhecimentos de
didática, avaliação, trabalho em grupo, utilização de tecnologias da
informação e comunicação em sala de aula, entre outros, dentro do
contexto da Pedagogia Universitária. Outro ponto agravante envolve a
massificação do ensino superior e a heterogeneidade dos alunos. Esta
Sidnei Renato Silveira
73Educação e Cidadania • número 11 • 2009
heterogeneidade está relacionada a diversas características, tais como
capacidade intelectual, preparação acadêmica, motivação, expectativas,
recursos financeiros, entre outras (Zabalza, 2004).
Neste contexto, este artigo apresenta algumas propostas para a cons-
trução de um programa de formação docente para a área de Informática,
voltado ao ensino superior. Inicialmente, são elencados alguns requi-
sitos considerados básicos para que um profissional exerça a atividade
docente. Além disso, também são apresentadas algumas experiências
desenvolvidas na área de Informática, voltadas à formação e promoção
de espaços para discussão de temas que envolvam a prática docente.
2 REQUISITOS BÁSICOS PARA OS DOCENTES
Inicialmente, cabe discutir quais são os requisitos necessários para
a formação docente na área de Informática. Acredita-se que, um dos
pontos essenciais, é a titulação em nível de Pós-Graduação Stricto Sensu
na área. Pimenta e Anastasiou (2008) colocam que, nos processos de
formação docente “...é preciso considerar a importância dos saberes das
áreas de conhecimento...” (p. 71), já que ninguém ensina o que não
sabe. Acredita-se que, através da formação em nível de Stricto Sensu, o
profissional esteja preparado para atuar na sua área, ou seja, domine
o conhecimento pertinente à área em questão.
Além da formação em nível de pós-graduação, a experiência docente
também é muito importante. Alguns programas de pós-graduação já
estão incorporando em suas atividades a prática docente, através de
estágios de docência. Este é o caso de programas de pós-graduação com
o cunho acadêmico, que exigem dos alunos que cursam Mestrado ou
Doutorado e que possuem bolsas da CAPES (Coordenação de Aperfei-
çoamento de Pessoal de Nível Superior) a participação em atividades
pedagógicas durante a realização do seu curso. Entretanto, existem
mestrados profissionais, reconhecidos como cursos de pós-graduação
A Problemática da Formação do Docente da Área de Informática
74 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Stricto Sensu, que permitem que seus egressos atuem no ensino superior
sem que possuam, necessariamente, habilidades docentes.
Dentro do contexto atual, onde existe um maior envolvimento das
empresas e dos empregadores na formação acadêmica, progressiva
massificação e a consequente heterogeneização dos estudantes (Za-
balza, 2004), especialmente na área de Informática, faz-se necessária
uma forte ligação da teoria com a prática, permitindo uma integração
entre o universo acadêmico e o mundo do trabalho. Estas questões
também precisam estar envolvidas no processo de formação docente.
A atuação docente na área de Informática precisa estar sintonizada
com o mundo do trabalho, buscando aliar os estudos acadêmicos com
as tecnologias utilizadas atualmente. Esta sintonia pode ser buscada
de diferentes formas: 1) o professor pode atuar, simultaneamente, em
empresas de Tecnologia da Informação e em instituições de ensino; 2) o
professor pode realizar projetos de pesquisa em parceria com empresas;
3) o professor pode estudar diferentes tecnologias, relacionando-as aos
fundamentos da Informática, mantendo-se constantemente atualizado.
3 PROPOSTA DE TEMAS PARA PROGRAMAS DE FORMAçãO
DOCENTE
A massificação do ensino superior, segundo Zabalza (2004), foi
seguida de um decréscimo nos investimentos financeiros, motivo pelo
qual as instituições e os professores se viram obrigados a responder
a novos compromissos sem poder contar com os recursos necessários
para fazê-lo, além de existir uma grande indiferença em relação à for-
mação para a docência. Pimenta e Anastasiou (2008) também afirmam
esta indiferença, quando colocam que, na maioria das Instituições de
Ensino Superior, os professores “(...) não recebem qualquer orientação
sobre processos de planejamento, metodológicos ou avaliatórios (...)”
(p. 37). Entretanto, esta mesma massificação impõe que as instituições
Sidnei Renato Silveira
75Educação e Cidadania • número 11 • 2009
invistam em diferenciais que possam atrair e reter seus alunos. Um
dos maiores valores que uma instituição possui são as pessoas que a
compõem. Neste contexto, em uma instituição de ensino, o papel dos
professores tem um valor fundamental. As instituições que formarem,
de forma adequada, seus docentes, terão destaque perante as demais. A
formação docente permitirá que os professores estejam mais preparados
para auxiliar os alunos na construção do conhecimento. Neste sentido,
a proposta de um programa de formação docente deve abordar diversos
aspectos, dentre os quais destacam-se: interdisciplinaridade, articulação
teoria-prática, avaliação, comunicação, construção de conhecimento e
participação em eventos voltados à formação pedagógica.
A adoção de atividades interdisciplinares permite mostrar aos alunos
que os assuntos da disciplina estão relacionados a outros temas da área.
É preciso apresentar aos alunos em que contexto os conteúdos da disci-
plina poderão ser aplicados na vida profissional e como esta disciplina se
relaciona com as demais disciplinas do currículo do curso. Neste sentido,
o professor precisa atuar de forma específica (na sua disciplina) com
uma visão generalista (o todo da profissão e do curso). Braga coloca
que “... é necessário que o especialista adquira certa familiaridade com
outra disciplina diferente da sua” (1999, p. 29). Para isso, o professor
precisa conhecer o Projeto Pedagógico do Curso, onde está estabelecido
o perfil do egresso que o curso se propõe a formar. Além disso, é preciso
ter uma visão mais ampla da área de Tecnologia da Informação e suas
oportunidades. A integração entre as diversas áreas envolve o contexto
da interdisciplinaridade, que visa superar a fragmentação causada pela
epistemologia positivista, que dividiu as ciências em muitas disciplinas,
dificultando a compreensão da complexidade das experiências humanas
e dos fenômenos da natureza.
A Informática, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento
de Sistemas de Informação, é uma área interdisciplinar por natureza,
pois estuda a aplicação dos recursos da Tecnologia da Informação nas
mais diversas áreas do conhecimento humano. Esta interdisciplinaridade
A Problemática da Formação do Docente da Área de Informática
76 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
precisa ser levada, também, aos currículos dos cursos de graduação
em Informática. A partir dos resultados de pesquisas que apresentam
a avaliação de cursos de graduação, Braga coloca que “(...) a avaliação
mostra que os currículos permanecem fragmentários, que as disciplinas
se mantêm independentes, que as intercomunicações desejadas e tidas
como necessárias em alguns casos mostram-se impossíveis de serem
percebidas pelos alunos, dificultando-lhes a realização de análises e
sínteses quando se deparam com situações complexas, nas quais os
variados conhecimentos devem concorrer seja para diagnosticar, planejar
ou para outras capacidades exigidas” (1999, p. 20).
Neste sentido, devem-se relacionar as atividades com o cotidiano da
vida profissional, mostrando onde a teoria será empregada. Além disso,
numa instituição de Ensino Superior, todas as atividades devem estar
voltadas à integração do ensino, pesquisa e extensão, além da prática
profissional, dentro de um princípio de indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão, preconizado pelo MEC (Ministério da Educação).
A articulação teoria-prática encontra, na relação entre o ensino e o
mundo do trabalho, sua forma principal de concretização. A prática,
associada à teoria, deve estar presente durante todo o curso de gra-
duação, permitindo que o acadêmico interprete ou traduza a teoria e
aplique na sua própria prática, a partir de sua reflexão.
Cowan (2002), coloca que a competência dos alunos é aumentada,
particularmente, por métodos ativos de aprendizado que desenvolvam
interesses, habilidades e experiências prévias dos aprendizes. Além disso, a
capacidade de lidar com dificuldades é desenvolvida, encorajando os alunos
a encontrarem soluções para problemas que identificaram pessoalmente.
Fica clara a importância da existência de atividades práticas, que permitam
que os alunos, alicerçados na teoria, possam colocar a “mão na massa”.
O professor pode, visando estimular os alunos, iniciar uma atividade
prática e, após a realização da mesma, apresentar a teoria que a embasa,
inclusive identificando os problemas encontrados pelos alunos, muitas
vezes por falta de conhecimento das teorias existentes sobre o tema.
Sidnei Renato Silveira
77Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Pode-se aplicar o ciclo experimentar-refletir-generalizar-testar (Cowan,
2002). Os alunos são estimulados a experimentar uma atividade prática,
refletir sobre os resultados da mesma, generalizar a solução encontrada
para aplicá-la na solução de outros problemas semelhantes e testar esta
generalização. Na área de ensino de algoritmos e programação (uma das
áreas fundamentais da Educação em Informática), por exemplo, este ciclo
pode ser utilizado de forma bastante adequada. Os alunos podem cons-
truir um algoritmo e/ou programa, verificar os resultados apresentados,
generalizar a solução, ou seja, pensar em um algoritmo que possa ser
aplicado nos mais variados casos e validar esta generalização em outros
problemas apresentados. Além da área de algoritmos e programação, ou-
tras áreas também podem se utilizar deste ciclo que representa um modelo
de como o aprendizado ocorre a partir da experiência (Cowan, 2002).
Além de realizar diferentes atividades de avaliação (trabalhos práti-
cos, provas, trabalhos de pesquisa, atividades em grupo, entre outras),
o professor precisa reservar espaços de sala de aula para fornecer um
feedback destas atividades aos alunos, apresentando os pontos positi-
vos e as características que precisam ser melhoradas. A avaliação da
aprendizagem deve ser um processo contínuo, cumulativo e gradativo,
envolvendo situações de complexidade crescente, utilizando-se diferen-
tes instrumentos.
Devem-se avaliar, preferencialmente, as capacidades de alto nível. Ao
invés de basear a avaliação acadêmica em memorização e transmissão
de conhecimentos e competências pré-estabelecidas, deve-se reforçar a
importância de que os acadêmicos adquiram outras capacidades mais
complexas, tais como a capacidade de lidar com a informação e resolver
problemas, criatividade, capacidade de planejamento e avaliação de
processos, entre outras (Zabalza, 2004).
A atividade de ensinar envolve o ato de comunicação com um deter-
minado grupo social, neste caso, uma turma de alunos. Um dos maiores
obstáculos para o professor é motivar e manter a atenção destes alunos.
Esta motivação não deve ser realizada somente a custo de notas – o
A Problemática da Formação do Docente da Área de Informática
78 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
quanto vale cada atividade na disciplina – ou a custo do autoritarismo
– o professor é o senhor da sala de aula. É claro que uma das respon-
sabilidades do professor é manter a ordem do espaço da sala de aula,
para que o processo de ensino e aprendizagem flua de forma adequada.
Entretanto, esta ordem pode ser obtida sem que seja necessário criar
inúmeras regras ou manter um abismo entre professores e alunos. Santos
(2004 apud Enricone, 2006) coloca que, entre outras habilidades, um
professor competente na área pedagógica precisa motivar os alunos e
mobilizar sua atenção, manejar tensão e conflito, vencer obstáculos e
compreender o ponto de vista do aluno.
O professor deve criar um ambiente propício para que exista um
diálogo. Uma aula extremamente tradicional, expositiva, não permite
que os alunos exponham suas dúvidas. Muitos alunos não se sentem à
vontade para realizar perguntas perante uma turma. É preciso estabele-
cer momentos em que o professor possa ficar mais próximo dos alunos,
acompanhando atividades práticas individuais ou em grupo, permitindo
um acesso mais facilitado. Outra forma é disponibilizar um e-mail para
responder perguntas. Claro, não basta disponibilizar os e-mails e não
respondê-los. Todos as mensagens precisam de respostas.
Nas aulas práticas no laboratório de informática, atividade bastante
comum em cursos de Informática, o professor deve combinar com os
alunos o que eles podem ou não fazer, deixando que, nos momentos
em que estão sendo realizadas as atividades, eles possam acessar con-
teúdos diferentes da disciplina. Se o fato deles acessarem suas caixas
de e-mail, por exemplo, não atrapalha o andamento da aula, para que
criar um clima desestimulante, proibindo este acesso?
Muitos docentes acreditam que as bibliografias clássicas de uma
determinada área são suficientes para seus alunos. Entretanto, alguns
pesquisadores, tais como Demo (2004), colocam que o professor uni-
versitário não deve ser apenas um repetidor de conhecimentos, ou
seja, deve construir conhecimento. Esta construção envolve, também,
a elaboração de materiais didáticos próprios para suas disciplinas.
Sidnei Renato Silveira
79Educação e Cidadania • número 11 • 2009
“O sistema convencional de transmissão de informação por parte
do professor, que parte dos estudos sobre livros-texto é, hoje em dia,
superado: novos meios e novos recursos técnicos cumprem melhor que
os professores essa função transmissora; ao contrário disso, torna-se
necessário um papel mais ativo dos professores como orientadores e
facilitadores da aprendizagem” (Zabalza, 2004, p. 63).
A atividade docente é bastante complexa. O professor precisa domi-
nar a área específica de sua disciplina e, também, características que
envolvem comunicação, didática, trabalho em grupo, gerenciamento
de conflitos, entre outras.
Zabalza (2004) coloca que, além de conhecer os conteúdos os
docentes devem ser capazes de: 1) analisar e resolver problemas;
2) analisar um tópico até detalhá-lo e torná-lo compreensível; 3)
observar qual é a melhor maneira de se aproximar dos conteúdos e
de abordá-los nas circunstâncias atuais; 4) selecionar as estratégias
metodológicas adequadas e os recursos que maior impacto possam
ter como facilitadores da aprendizagem; 5) organizar as ideias, a in-
formação e as tarefas para os estudantes; 6) fazer com que o material
que deve ser ensinado seja estimulante e interessante; 7) explicar o
material de uma maneira clara; 8) deixar claro aos alunos o que se
estudou, em que nível e por quê; 9) improvisar e se adaptar às novas
demandas; 10) utilizar métodos de ensino e tarefas acadêmicas que
exijam dos estudantes o envolvimento ativo na aprendizagem, assu-
mindo responsabilidades e trabalhando cooperativamente; 11) centrar
a disciplina nos conceitos-chave dos temas e nos erros conceituais
dos estudantes antes da tentativa de dominar, a todo custo, todos os
temas do programa; 12) ofertar um feedback de máxima qualidade
aos estudantes sobre seus trabalhos.
Uma das alternativas para se adquirir tais habilidades é participar
de cursos e/ou seminários que abordem a temática da formação pe-
dagógica. Atualmente, inúmeras Instituições de Ensino Superior rea-
lizam seminários de formação pedagógica, abordando diversos temas
A Problemática da Formação do Docente da Área de Informática
80 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
relacionados à Pedagogia Universitária. Estes seminários contam com
palestras, oficinas, minicursos e debates sobre assuntos necessários à
atuação docente. Como a maioria dos docentes não possui formação
para assumir as atividades inerentes aos processos de ensino e aprendi-
zagem, estes espaços podem propiciar a discussão de elementos teóricos
e práticos relativos às teorias pedagógicas.
A participação dos docentes nestes seminários é de extrema impor-
tância. A docência universitária é uma atividade profissional complexa
que requer uma formação específica. O docente deve manter-se cons-
tantemente atualizado, para desenvolver-se pessoalmente e profissio-
nalmente, dentro de um processo que requer atualizações constantes.
“Ensinar é uma tarefa complexa na medida em que exige um conheci-
mento consistente acerca da disciplina ou das suas atividades, acerca
da maneira como os estudantes aprendem, acerca do modo como serão
conduzidos os recursos de ensino a fim de que se ajustem melhor às
condições em que será realizado o trabalho, etc.” (Zabalza, 2004, p. 111).
4 ALGUMAS EXPERIêNCIAS VOLTADAS à FORMAçãO DOCENTE
NA ÁREA DE INFORMÁTICA
Na área de Informática são realizados eventos voltados à discussão do
tema Educação em Informática. Cabe destacar a diferença da Educação em
Informática e de Informática na Educação pois, muitas vezes, estes termos
são interpretados de forma errônea. A Educação em Informática envolve
o estudo de estratégias e ferramentas que podem ser aplicadas no ensino
em cursos específicos da área de Informática (Ciência da Computação,
Engenharia de Computação, Sistemas de Informação). A Informática na
Educação envolve a aplicação das ferramentas de informática no ensino
das mais diferentes áreas, inclusive no apoio à Educação a Distância.
Com relação aos eventos envolvendo Educação em Informática, a
maioria tem apoio da SBC (Sociedade Brasileira de Computação), tais
Sidnei Renato Silveira
81Educação e Cidadania • número 11 • 2009
como o WEI – Workshop de Educação em Informática, realizado junta-
mente com o Congresso Anual da Sociedade Brasileira de Computação.
No Rio Grande do Sul, um grupo de docentes de diversas Instituições
de Ensino Superior iniciou um movimento para qualificar as atividades
pedagógicas na área de Informática. Este movimento iniciou-se no ano
de 2007, com a realização do I WEI Tchê – Workshop de Educação em
Informática do RS e do I FGCoordI – Fórum Gaúcho de Coordenadores
de Cursos de Informática. Ambos os eventos aconteceram nas depen-
dências da ULBRA de Torres, juntamente com o SEMINFO – Seminário
de Informática. No ano seguinte, 2008, o UniRitter de Porto Alegre
sediou o II WEI Tchê e o II FGCoordI. Em 2009, os eventos voltaram
a acontecer na ULBRA de Torres. Nestes eventos são apresentadas pa-
lestras e artigos que discutem temas ligados ao ensino de Informática.
Os docentes discutem estratégias de ensino, construção de currículos,
utilização de ferramentas para apoio às aulas, entre outros temas.
Além destes eventos, muitas Instituições de Ensino Superior desen-
volvem programas de formação e/ou qualificação docente próprios.
Entretanto, a maioria destes programas é genérico, ou seja, o mesmo
formato para todos os docentes. Segundo Pimenta e Anastasiou (2008),
estes programas de formação continuada permitem que a problemática
enfrentada no cotidiano da sala de aula seja discutida, permitindo uma
reflexão em diálogo com as questões teóricas. Uma das experiências neste
sentido, é o Seminário de Pedagogia Universitária realizado, semestral-
mente, no UniRitter. Este seminário conta com atividades para todos
os docentes e atividades específicas, desenhadas pela Coordenação do
Curso, com o apoio da Coordenação Setorial de Ensino e da Pró-Reitoria
de Ensino (Felippe e Silveira, 2008). As atividades específicas permitem
trazer à discussão temas pedagógicos de acordo com o olhar dos docentes
das diferentes áreas, para aproximar as questões pedagógicas da realidade
enfrentada em sala de aula.
A Problemática da Formação do Docente da Área de Informática
82 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
5 CONSIDERAçõES FINAIS
Os docentes precisam revisar suas metodologias de ensino e não
utilizar apenas a aula expositiva como único recurso didático. “Aula
como didática central pode ser considerada hoje como o disparate mais
ostensivo e inábil do professor, porque tende a colocar no centro da
aprendizagem o seu avesso: em vez de procedimentos reconstrutivos,
prefere procedimentos instrucionistas; aula, em si, é apenas suporte
da aprendizagem, nunca necessariamente aprendizagem como tal”
(Demo, 2004, p. 38).
Também se faz necessário que os professores encarem a docência
universitária como profissão. Zabalza coloca que “(...) muitos profes-
sores universitários autodefinem-se mais sob o âmbito científico (como
matemáticos, biólogos, engenheiros ou médicos) do que como docentes
universitários (como “professor” de ...). Sua identidade (o que sentem
sobre o que são, sobre o que sabem; os livros que lêem ou escrevem;
os colegas com quem se relacionam; os congressos que frequentam; as
conversas profissionais que mantêm, etc.) costuma estar mais centrada
em suas especialidades científicas do que em suas atividades docentes”
(2004, p. 107).
O professor precisa estar em constante processo de formação, em
constante aprendizado. Demo coloca que “quem não estuda, não tem
aula para dar. Quem estuda, cuida que o aluno estude” (2004, p. 37).
Com relação às Instituições de Ensino Superior, faz-se necessária a
manutenção de núcleos que permitam o assessoramento e aprimora-
mento constante da atividade docente. Algumas instituições, como é
o caso do UniRitter, possuem um núcleo voltado ao acompanhamento
das atividades docentes (NAP – Núcleo de Assessoramento Pedagógi-
co). Infelizmente, segundo Pimenta e Anastasiou (2008), em algumas
instituições de ensino superior este espaço não existe, o que demonstra
uma indiferença por parte de algumas instituições, no que diz respeito
à formação de seu corpo docente.
Sidnei Renato Silveira
83Educação e Cidadania • número 11 • 2009
REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRAGA, Ana Maria. Reflexões sobre a superação do conhecimento fragmentado nos cursos de graduação. In: LEITE, Denise. Pedagogia Universitária: conhecimento, ética e política no ensino superior. Porto Alegre: Ed. da Universidade da UFRGS, 1999.
CACHAPUZ, António F. Em Defesa do Aperfeiçoamento Pedagógico dos Docentes do Ensino Superior. In: A Formação Pedagógica dos Professores no Ensino Superior. Lisboa: Edições Colibri, 2001, p. 55-61.
COWAN, John. Como ser um Professor Universitário Inovador: reflexão na ação. Traduzido por Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2002.DEMO, Pedro. Professor do Futuro e Reconstrução do Conhecimento. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
ENRICONE, Délcia. A Dimensão Pedagógica da Prática Docente Futura. In: A docência na Educação Superior: sete olhares. Délcia Enricone (org). Porto Alegre: Evangraf, 2006.
FELIPPE, Beatriz Tricerri; SILVEIRA, Sidnei Renato. O Trabalho da Co-ordenação Ampliada na Gestão Acadêmica de Cursos de Graduação. II FGCoordI – Fórum Gaúcho de Coordenadores de Cursos de Informática. Porto Alegre: UniRitter, 2008.
GRILLO, Marlene. Percursos da Constituição da Docência. In: A docência na Educação Superior: sete olhares. Délcia Enricone (org). Porto Alegre: Evangraf, 2006.
PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Docência no Ensino Superior. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
ZABALZA, Miguel A. O Ensino Universitário: seu cenário e seus pro-tagonistas. Traduzido por Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2004.
SIDNEI RENATO SILVEIRA
Doutor em Ciência da Computação pelo Programa de Pós-Graduação
em Computação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGC/
UFRGS), tendo realizado o Mestrado na mesma Instituição. É Especia-
lista em Administração e Planejamento para Docentes e Bacharel em
Informática pela Universidade Luterana do Brasil, Especialista em Gestão
Educacional pelo SENAC e Técnico em Processamento de Dados pelo
Colégio Cristo Redentor. Atualmente, é Professor Titular da Faculdade
A Problemática da Formação do Docente da Área de Informática
84 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
de Informática e Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão do
UniRitter. Atua na docência em disciplinas voltadas à lógica de progra-
mação e introdução à programação desde 1990 (em cursos técnicos) e,
desde 1996 no ensino superior.
E-mail: sidnei@uniritter.edu.br
Recebido em: 13/08/09
Aceito em: 25/08/09
SILVEIRA, Sidnei Renato. A Problemática da Formação do Docente
da Área de Informática. Revista Educação e Cidadania. Porto Alegre,
ano 11, n. 11, p. 71-84, 2009.
Formação inicial e continuada: a articulação fragmentada
José Augusto Pacheco
RESUMOA formação inicial e contínua de educadores e professores é um processo de uma forte regulação política, tal como demonstram diversos documentos a nível internacional. No entanto, a formação inicial continua a ser uma área mais regulada que a formação continuada e entre as duas áreas não existe uma efetiva articulação, mas uma articulação fragmentada.
PALAVRAS-CHAVERegulação; Currículo; Formação Inicial; Formação continuada.
ABSTRACTThe preservice training and the in-service training of teachers is a process of a strong regulatory policy, as has been evidenced by several papers at interna-tional level. However, the pre-service training remains an area more regulated than the in-service training and between the two areas there isn’t an effective articulation but a fragmented articulation.
KEy WORDSRegulation; Curriculum; Preservice training; In-service training.
1 INTRODUçãO
Se há aspecto, na estruturação e organização dos sistemas educativos,
que tem sido biconjugado ao nível das políticas é o da formação inicial e
continuada de educadores e professores (Moraes, Pacheco & Evangelista,
2004). Tal processo tem originado, pelo menos na realidade portuguesa
(Pacheco & Flores, 1999), a existência de dois campos de ação política
opostos, como se a formação inicial e a formação continuada fossem
dois processos dicotômicos e sobrepostos.
Formação inicial e continuada: a articulação fragmentada
86 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Analisamos, neste artigo, a articulação entre formação inicial e con-
tinuada e concluímos que o diálogo interinstitucional, entre instituições
de ensino superior e escolas, é perspectivado, fundamentalmente, a
partir da necessidade institucional e da vontade pessoal. Por outro lado,
concluímos que a regulação supranacional, imposta pelas políticas de
educação e formação, contribui não só para a imposição de standards,
referentes às competências profissionais e à qualidade da formação,
bem como para a recentralização curricular.
2 EFEITOS DA REGULAçãO POLíTICA A NíVEL GLOBAL,
REGIONAL E SUPRANACIONAL
Diversos textos recentes dão-nos a ideia do que significa, hoje em dia,
viver não só num mundo globalizado, dominado por uma cultura-mundo,
em que a unificação e desterritorialização estão bem presentes (Lipovetsky
& Serroy, 2010), como também em espaços regionais e organizações
supranacionais, que se assumem como marcadores fortes de políticas
de educação e formação. Se a homogeneização parece constituir a regra
principal, sobretudo no seu lado mais econômico e político (Ritzer, 2007),
assiste-se, também, no lado cultural, “à multiplicação das solicitações
comunitárias de diferença” (Lipovetsky & Serroy, 2010, p. 23).
No documento da União Europeia “Estratégia para um crescimento
inteligente, sustentável e inclusivo”, publicado em 2010, afirma-se
taxativamente que Estados-Membros devem “assegurar um número su-
ficiente de licenciados em ciências, matemática e engenharia e orientar
os currículos escolares para a criatividade, a inovação e o empreende-
dorismo” (EU, 2010, p. 15).
Num outro documento, assinado, em 2008, pelos Chefes de Estado,
participantes na Cimeira da Organização de Estados Ibero-americanos,
os governantes comprometem-se com o “Projeto Metas Educativas
2021: a educação que queremos para a geração do Bicentenário”, isto
José Augusto Pacheco
87Educação e Cidadania • número 11 • 2009
é, com objetivos estratégicos, metas específicas, indicadores e objetivos
quantificados.
Pela análise do conteúdo dos dois documentos, verifica-se que há uma
relação estreita quer entre currículo e formação de educadores e professo-
res, quer entre resultados e recursos, quer, ainda, entre formação inicial e
continuada, já que os sistemas educativos devem ter com pilar principal
a aprendizagem ao longo da vida, um conceito fronteira da sociedade do
conhecimento (Pacheco, 2009). Por isso, no projeto Ibero-americano (OEI,
2008), “melhorar a qualidade da educação e do currículo” e “reforçar a
profissão docente” são metas gerais, definidas no âmbito dos objetivos es-
tratégicos, para as quais cada Estado deve seguir uma estratégia política de
cruzamento das políticas curriculares com as políticas de formação docente.
Os efeitos da regulação política, centrada numa agenda globalizada
e neoliberalista (Teodoro, 2010), tornam-se visíveis nas políticas cur-
riculares (Pacheco, 2003) e nas políticas de formação de professores
(Formosinho, 2009; Ludke & Boing, 2009), associando a formação de
educadores e professores a resultados de desempenho escolar, entretanto
correlacionados com a definição de competências profissionais, sem que
se considere muito o que conta como pesquisa dos professores (Ludke,
2009), pois o que interessa é o compromisso do cumprimento aritmético
de objetivos e metas quantificáveis a médio prazo.
A formação de profissionais da educação e formação é algo que se
inscreve numa agenda política altamente estruturada, sem que para isso
sejam criados mecanismos de uma maior interligação entre formação
inicial e continuada, permitindo-se que a formação inicial e a formação
continuada continuem com os mesmos problemas (Pacheco, 2004; Silva,
2004; Silva, 2000; Flores, 2004).
Neste caso, a globalização, a regionalização e a supranacionaliza-
ção são fatores políticos que contribuem para uma relação forte entre
contextos globais e agendas de formação vinculadas a formatos estan-
dardizados e a mecanismos de controle, por um lado, e entre políticas
de conhecimento e políticas de docência, por outro (Pacheco, 2010).
Formação inicial e continuada: a articulação fragmentada
88 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Se há dúvidas, e certamente nem todos partilham esta visão, sobre-
tudo os que são defensores de um mundo plano, uniforme e estan-
dardizado, também há certezas, pelo menos estas: a atual turbulência
nas políticas de formação de professores deriva de políticas sociais
mais amplas, ligadas a processos e práticas de formação profissional
pautados por referentes econômicos; o currículo de formação (inicial
e continuada) de professores deverá ser lido como um texto político
(Cochran-Smith & Demers, 2008) que impõe standards de formação.
3 FORMAçãO INICIAL E FORMAçãO CONTINUADA
No estudo “Garantia de qualidade na formação de professores na
Europa”, publicado em 2006, pela Eurydice, estabelece-se a relação
direta entre a qualidade e a eficácia dos sistemas de educação e o papel
desempenhado pelos professores, no seguimento do que é referido, em
2001, no documento “Objetivos futuros concretos dos sistemas educa-
tivos”,1 da Comissão Europeia.
Analisando-se este último documento, constata-se que, para o cum-
primento do objetivo geral “aumentar a qualidade e a eficácia dos
sistemas de educação e formação na União Europeia”, é necessário o
objetivo específico “melhorar a educação e formação de professores e
formadores”, “a fim de que os seus conhecimentos e competências res-
pondam à evolução e às expectativas da sociedade e sejam adaptados aos
diferentes grupos a que se dirigem”2. Para isso, torna-se crucial dotá-los
de competências profissionais, mais recentemente enquadradas pelo
“Quadro Europeu de Qualificações para a Aprendizagem ao Longo da
Vida”3. Trata-se de um documento fundamental da Comissão Europeia,
publicado em 2008, consistindo, de acordo com os conceitos-chave
apresentados, na instituição de um sistema nacional de qualificações
que relaciona a educação e a formação com o mercado de trabalho. A
sua implementação, centrada nos resultados da aprendizagem (learning
1 cf. http://ec.europa.eu /educa t i on /po l i -cies/2010/doc/rep_fut_obj_pt.pdf, acesso em 30 de Maio de 2010.
2 Ibid., p. 8.
3 cf. Comunidades Euro-peias, Quadro Europeu de Qualificação para a Aprendizagem ao Lon-go da Vida - http://ec.europa.eu/dgs/edu-cation_culture/publ/pdf/eqf/broch_pt.pdf, acesso em 4 de Fevereiro de 2010. Este documento foi adoptado normati-vamente em Portugal através da Portaria n. 782/2009, de 23 de Ju-lho.
José Augusto Pacheco
89Educação e Cidadania • número 11 • 2009
outcomes), cuja implementação deve ser realizada em função de oito
níveis de descritores de qualificação, abrangendo, cada um deles,
distintos conhecimentos, aptidões e atitudes. A lógica que se verifica
é a da criação de standards de formação baseados em competências
profissionais, capazes de melhorar a qualidade da formação em função
de um sistema uniformizado.
A questão dos standards de formação de professores foi introduzida,
em Portugal, no início da década de 2000, pelo Instituto Nacional de
Acreditação de Formação de Professores, se bem que, no ordenamento
jurídico da formação de professores, em 1989, já tenham sido adotados
standards relativos às componentes de formação.
Do perfil geral de desempenho profissional dos professores constam
diversas dimensões (profissional, social e ética; de desenvolvimento do
ensino e da aprendizagem; de participação na escola e de relação com
a comunidade; de desenvolvimento profissional ao longo da vida), a
que corresponde uma série de competências profissionais.
A política de formação, delineada a partir de órgãos de acreditação
que atuam na verificação do cumprimento de critérios de exequibilidade
institucional, institui uma legitimação essencialmente administrativa,
ou seja, uma lógica que é implementada através de um processo de
ckeck-list de conformidades ab initio, ao mesmo tempo que, no final,
e coincidente com a entrada na carreira, é realizada a avaliação da
qualificação profissional dos professores.
Neste caso, ocorrem dois momentos na acreditação dos professores:
o primeiro, e depois de uma acreditação institucional do curso, o esta-
belecimento de ensino superior confere-lhes a habilitação acadêmica,
habilitando-os para a docência; o segundo consiste na realização de
uma prova para a obtenção da qualificação profissional. Ao ser rea-
lizada antes da entrada na carreira, tal prova tem todas as condições
para se transformar num mero registo de conhecimentos cognitivos,
mais ainda quando a prática pedagógica, ao nível da formação inicial,
é secundarizada.
Formação inicial e continuada: a articulação fragmentada
90 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Por mais processos de acreditação que sejam criados, o desenvolvi-
mento profissional docente só será devidamente valorizado quando o
candidato a futuro professor tiver na avaliação contínua o critério de
diferenciação, sendo certo que esta avaliação é realizada não só pela
instituição, mas também pelo empregador, em função de critérios de
admissibilidade, de período probatório e de progressão na carreira.
Em consequência, os standards de formação tendem a ter uma expres-
são muito significativa nos processos de formação inicial, verificando-se
que existem tanto a priori quanto a posteriori, sendo que em ambos os
períodos existem mecanismos de certificação distintos: primeiro, uma
certificação por uma avaliação da conformidade legal, depois, uma
certificação por uma avaliação sumativa, com a atribuição de uma
classificação, em que o candidato a educador/professor tem de realizar
uma prova de desempenho.
Estas são as principais mudanças na formação inicial, sem que sejam
criados mecanismos de articulação com a formação continuada, já que,
pragmaticamente, por questões de tradição curricular, se considera que
a formação inicial e a formação contínua são dois momentos distintos,
um, mais da responsabilidade das instituições de ensino superior, outro,
a cargo das escolas ou dos próprios educadores/professores. A separação
dos tempos de formação faz com que a formação inicial e a formação
continuada continuem a ser dois mundos separados, embora o princí-
pio da aprendizagem ao longo da vida pretenda dizer que não há nem
processos lineares, nem práticas dicotômicas em termos de formação.
Se a formação inicial está ligada a uma responsabilidade política, que
define e impõe critérios não só para obter a formação, bem como para a
entrada na carreira, a formação continuada parece depender de uma respon-
sabilidade pessoal, atribuindo-se aos educadores e professores essa missão.
Num estudo realizado pela Rede Eurydice (2008, p. 49), sobre os
“Níveis de autonomia e responsabilidades dos professores na Europa”,
no capítulo dedicado ao “Estatuto do desenvolvimento profissional con-
tínuo”, considera-se que a formação continuada é um dever profissional
José Augusto Pacheco
91Educação e Cidadania • número 11 • 2009
dos professores na maioria dos países, sem que se torne obrigatório
a sua participação, a não ser que se pretenda subir na progressão na
carreira e dessa forma conseguir-se uma melhoria financeira.
Com efeito, um dos principais constrangimentos da formação con-
tinuada, dentro de outros constrangimentos identificados por Silva
(2004), continua a ser o da obrigatoriedade profissional, sem que isso
corresponda a uma prática de desenvolvimento profissional (Day, 2004).
Apesar de existir um órgão de acreditação4, a formação continuada, em
Portugal, vive dois momentos diferentes. Num primeiro, a formação
esteve centrada nas escolas, seguindo, basicamente, a estrutura de curso
e de ações como oficinas de trabalho e projeto. Num segundo, a forma-
ção começa a enveredar por práticas de especialização, para as quais
devem contribuir as instituições de ensino superior, se bem que estas
instituições sempre tiveram a possibilidade de se tornarem em órgãos
conferentes de formação continuada. A realização de diversos estudos
empíricos, no âmbito de trabalhos de mestrado e doutoramento, tem
revelado que os professores se sentem mais próximos da escola do que
das instituições de ensino superior (Formosinho, 2009), por questões
que se prendem com a tendência para a construção de uma autoridade
de formação centrada na prática, ou seja, nos problemas dos professores,
e não nas questões predominantemente teóricas.
4 RECENTRALIzAçãO CURRICULAR DA FORMAçãO INICIAL E
CONTINUADA
Porque são entendidos como “funcionários do Estado”, ainda que
soprem fortes ventos que direccionam a educação para a privatização,
ou para a municipalização, a formação de professores, tanto na fase
inicial como na fase continuada, obedece a mecanismos de regulação
curricular bem diferentes dos de outras profissões. Apesar da autonomia
científica dos estabelecimentos de ensino superior, e não há em Portugal
4 Definido pelo Decreto-lei n. 207/96, de 2 de No-vembro, com alterações introduzidas em 1999 e 2007.
Formação inicial e continuada: a articulação fragmentada
92 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
formação fora destes estabelecimentos (Campos, 1979; Esteves, 2002,
Pacheco & Flores, 1999), os cursos de formação inicial de professores
dos ensinos básico e secundário tendem para a centralização curricular,
tal como tendem os processos de acreditação da formação contínua.
A existência de uma política de formação baseada na uniformização
observa-se, decorrente da aplicação do Processo de Bolonha, mais nos
planos curriculares que nos conteúdos programáticos, ainda que com
a realização da prova de qualificação profissional a recentralização dos
conteúdos seja inevitável, aproximando as instituições das “seitas da
formação para o desempenho”(Hargreaves, 2004, p. 236).
Tal tendência faz parte de orientações centradas na alteração das
práticas curriculares (Gough, 2003), determinadas, grosso modo, pela
linguagem das competências materializadas em resultados da aprendiza-
gem (Pacheco, 2010), pela uniformização de áreas de instrução (Spring,
2008) e pelas medidas de “accountability” (Taubman, 2009), entre outros
aspectos. De fato, a globalização define agendas educacionais que im-
põem reformas curriculares, quer nos sistemas de educação, quer nos
sistemas de formação de professores, orientadas para a competitividade
(Carnoy, 1999), com reflexos significativos nos paradigmas de ensino.
Agora na forma, e mais tarde no conteúdo, a formação de profes-
sores encontra-se num período de viragem, por força da regulação
supranacional e dos standards de formação: a diversidade de modelos
coexistentes no ensino superior, que tem marcado os últimos 30 anos
de formação docente em Portugal, está a ser substituída por um modelo
organizacional quase único.
Enquanto campo de acção institucionalizado (Esteves & Rodrigues,
2003), marcado, durante longo tempo, por uma configuração artesanal
e, mais recentemente, sobretudo a partir dos finais da década de 1970,
por uma dimensão profissional, a formação de professores faz-se na
observação de aquisição e domínio de competências. Esta constatação
não quer dizer que haja somente um modelo de formação e que os seus
princípios sejam determinados por padrões de eficiência.
José Augusto Pacheco
93Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Considera-se, assim, que a definição de um perfil global de com-
petências do professor a formar é “uma pedra angular de qualquer
programa de formação” (Ibid., p. 25), não tendo como pressuposto
a uniformização de processos e práticas dessa mesma formação, que
agendas transnacionais e supranacionais pretendem implementar.
Em tais agendas, que intersectam todos os países (Pinar, 2007) estão
registadas ideias que favorecem a desvalorização da formação acadê-
mica, o reforço das competências instrucionais e a simplificação da
prática pedagógica, no regresso à ideia de que o professor se forma
pelo saber-fazer profissional.
Na análise que faz para a realidade norte-americana, Labaree
(2004) sublinha o baixo e enfraquecido estatuto acadêmico das ins-
tituições de formação, bem como as pressões a que estão sujeitas,
principalmente as que derivam do movimento orientado para a efici-
ência social. Neste processo, o autor reconhece a perda de prestígio
da profissão de professor, considerada socialmente uma profissão
fácil, que não tem de lutar por clientes, e à qual as pessoas podem
aceder sem grandes exigências, já que não exigirá competências
complexas. Esta constatação não é isolada, mesmo que documentos
de referência, já citados anteriormente, contenham a ideia de que
o professor é um profissional importantíssimo na construção da
sociedade do conhecimento.
Quando se afirma que está em curso a reorientação da formação para
competências mais instrucionais, pretende-se dizer que a mudança é
marcada pela didatização, ou seja, pela ênfase que se pretende conferir
às competências mais técnicas, práticas e performativas.
A análise do normativo regulador da formação inicial5, em Portugal,
revela esta mudança. Se na formação dos profissionais da educação e
do ensino, e certamente não tardará a surgir a designação “profissionais
das aprendizagens”, são necessários conhecimentos organizados em
diversas dimensões e delimitados por critérios de profissionalidade,
os planos curriculares tendem a privilegiar conhecimentos específicos
5 c f . D e c r e t o - L e i n . 43/2007, de 22 de Fe-vereiro.
Formação inicial e continuada: a articulação fragmentada
94 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
(conhecimento do conteúdo da disciplina; conhecimento pedagógico
relativo à sala de aula-metodologia), ao mesmo tempo que desvaloriza
outros (conhecimento curricular; conhecimento dos alunos e das suas
características; conhecimento dos contextos educativos; conhecimento
dos fins educativos, propósitos e valores e seus significados históricos
e filosóficos)6.
Apesar de se escrever, no preâmbulo do referido normativo, “que
o desempenho dos professores seja cada vez menos o de um mero
funcionário ou técnico e cada vez mais o de um profissional, capaz
de se adaptar às características e desafios das situações singulares
em função das especificidades dos alunos e dos contextos escolares e
sociais”, a distribuição dos créditos pelas componentes de formação,
para a organização curricular dos ciclos de formação ao nível do
curso de mestrado revela o predomínio de percentagens curriculares
ligadas às didáticas específicas, com a desvalorização da formação
educacional geral.
Face ao que tem sido argumentado, poder-se-ia admitir que não
deveriam existir critérios para a construção de um conhecimento pro-
fissional comum aos professores. O ser professor implica o exercício de
uma profissão com base em dimensões e conteúdos específicos. Se tal
conhecimento profissional não pode ser negado, antes, pelo contrário,
reconhecido, a sua discussão faz-se, presentemente, na base de uma
agenda significativamente politizada pelas ideias produtivistas, em
que se torna fundamental formar o professor na base de competências
técnicas ligadas ao saber-fazer didático, com a inerente desvalorização
do conhecimento pedagógico geral, social e cultural.
A questão que mais tem sido debatida nos quadros teóricos, críticos
da existência de uma racionalidade técnica, de natureza tyleriana, é a
do papel do professor na construção do currículo, largamente explorada
pelas abordagens ligadas à fenomenologia, à investigação-ação e às
narrativas, entre outras. Na revisão de estudos sobre o professor como
construtor do currículo, Craig e Ross (2008) argumentam que o conhe-
6 São citados os tipos de conhecimento referen-ciados por Shulman , 1987, por Wilson, Shul-man e Richert, 1987, e por Sockett, 1989, cf. José A. Pacheco e Maria Assunção Flores, 1999, p. 19-20.
José Augusto Pacheco
95Educação e Cidadania • número 11 • 2009
cimento base profissional dos professores deverá incluir a natureza do
seu trabalho curricular. Do mesmo modo, a formação continuada tem
sido definida por opções políticas quanto às temáticas dominantes,
sendo determinantes quer as que estão ligadas aos períodos de reforma
curricular, quer as que se inscrevem numa agenda política produtivista.
Quer dizer, pois, que a formação continuada realizada pela vontade
pessoal do professor, muito ditada por questões de regulação da carreira,
é politicamente orientada, sendo a tutela a definir as áreas prioritárias
de formação.
5 CONCLUSãO
Quando entendidos como dois mundos incongruentes, a formação
inicial e a formação continuada, embora pertencendo à mesma tu-
tela política, correspondem a uma articulação fragmentada, em que
necessidade institucional se sobrepõe ao critério do desenvolvimento
profissional docente. Se entendidos deste modo contraditório, de que
modo se pode fazer a articulação entre formação inicial e formação
continuada?
A resposta torna-se ainda mais difícil se a regulação política está mais
presente na formação inicial do que na formação continuada, sendo
determinada, esta, pela necessidade pessoal dos docentes e, aquela, pela
obrigação institucional. Assim, e ainda que os sistemas de educação
e formação desenvolvam e implementem mecanismos de formação
continuada, a formação inicial torna-se mais presente e, consequen-
temente, mais uniforme nos seus princípios de regulação curricular,
sobrepondo-se na sua importância curricular à formação continuada,
fato que não contribui, decisivamente, para a criação de mecanismos
de inovação ao nível das práticas curriculares.
Formação inicial e continuada: a articulação fragmentada
96 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
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JOSÉ AUGUSTO PACHECO
Doutorado em Ciências da Educação, especialidade de Desenvolvimento
Curricular. Professor Associado com Agregação do Instituto de Educação,
da Universidade do Minho. Membro do Conselho Nacional de Educa-
ção. Diretor do Centro de Investigação em Educação da Universidade
do Minho. Presidente do Direcção da Sociedade Portuguesa de Ciências
da Educação Universidade do Minho, Instituto de Educação, Campus
de Gualtar, Braga, 4710-057, Portugal
E-mail: jpacheco@iep.uminho.pt.
Recebido em: 03/08/2009
Aceito em: 03/08/2009
PACHECO, José Augusto. Formação inicial e continuada: a articulação
fragmentada. Revista Educação e Cidadania. Porto Alegre, ano 11, n.
11, p. 85-98, 2009.
Formação não rima com solidão
José Augusto Pacheco
RESUMOA formação docente deve de evoluir do foco no professor para a formação de redes de cooperação para a reflexão na prática e sobre a prática. A universidade precisa evoluir de uma pesquisa sobre os professores para uma pesquisa com os professores.
PALAVRAS-CHAVEFormação docente; Professor; Rede; Pesquisa.
ABSTRACTThe teacher’s formation must to develop of the focus in a individual persons to a net’s cooperation formation about the practice over and in the class room. The university must to develop for the search with the teachers and not more about them.
KEy WORDSTeacher’s formation; Teacher; Ret; Search.
Numa Escola ancorada em práticas do século XIX é a cultura da
escola que continua a estar em causa e urge transformar. É tam-
bém a cultura pessoal e profissional dos professores que é preciso
reelaborar. É preciso saber o que podemos ainda fazer da escola
com aquilo que fizemos dela. Talvez possamos sabê-lo, se ousar-
mos questionar a formação que ainda se via fazendo, pautada pela
solidão profissional.
A lógica da “formação centrada na escola” foi contrariada pela
dicotomização entre espaços de formação e de ação. Numa formação
marcada pela linearidade, previsibilidade e profunda determinação, não
há espaço para pensar sobre o processo de pensamento.
Formação não rima com solidão
100 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Não existe um conhecimento profissional prévio, uma única solução
correta, para resolução de cada caso-problema. O professor precisa
refletir na ação, o seu conhecimento vai além dos procedimentos e te-
orias estabelecidas pela pesquisa debitada em “formação”. A formação
acontece numa sobreposição de interrogações críticas inseridas em
contexto de trabalho. Dificilmente acontecerá em cursos de formação,
nos quais os conteúdos são (presumivelmente) transmitidos sem que
se saiba quando e onde as práticas (previstas) decorrerão.
Subsiste uma situação paradoxal: a pesquisa em educação produziu
resultados relevantes, mas esses resultados estão longe de se traduzirem
em mudança da prática educativa. Estará na formação de professores
uma das possíveis explicações para o fato?
Poderemos continuar a permitir que uma escola básica democrática
seja dominada por práticas de natureza seletiva? Poderemos permitir
que uma escola preocupada com a formação para a cidadania recorra
a modelos epistemológicos normativos e conformistas? Onde está a
formação que permita que a formação pessoal e social dos alunos acon-
teça? Onde está a formação que liberte os professores da elaboração
de planejamentos de aula de ensinar a todos como se fossem um só?
Onde está a formação que questione a divisão dos alunos por turmas e
a segmentação em ciclos e anos de escolaridade? Onde está a formação
que liberte as escolas do uso de manuais que idiotizam alunos? Onde
está a formação que habilite os professores a interpelar uma gestão
rígida de tempos e espaços educativos? Onde está a formação que
dispense o trabalho do professor isolado física e psicologicamente na
sua sala de aula, e promova a cooperação, para além da teoria? Onde
está a formação que viabilize uma efetiva autonomia pedagógica? Onde
está a formação que interpele abstrações como “turma homogênea”?
Recordo algo que qualquer manual de história ou de sociologia de
educação explicará. A escola contemporânea – tal qual a conhecemos
enquanto formação experiencial de alunos e professores – é herdeira de
necessidades sociais do século XIX, ainda que as suas raízes vão mais
José Augusto Pacheco
101Educação e Cidadania • número 11 • 2009
fundo, adentrando os séculos anteriores. O modelo “tradicional” de
escola adotou formas e procedimentos característicos das instituições
mais respeitadas na época em que foi implementado. Como poderá
uma escola fragmentada, distante da vida real dos professores e dos
alunos, encarar os desafios da educação no mundo contemporâneo?
Como explicar o fato de referências teóricas básicas contarem mais de
um século de existência e as escolas se manterem ancoradas em práticas
obsoletas, apesar e contra o desenvolvimento das ciências da educação,
que continuam à porta das escolas, sem que as deixem entrar? Quando
nos confrontamos com o fato de milhões de alunos não completarem
com sucesso a sua escolarização, não será preciso ultrapassar a atribui-
ção de culpas ao “sistema”, não será também necessário interrogarmos
a nossa formação e a nossa cultura pessoal e profissional? Poderemos
permitir que uma escola preocupada com a relação entre saber escolar
e sociedade se limite a reproduzir informação socialmente inútil? E o
que tem a formação de professores a ver com isso?...
Se a competência dos professores fosse medida pelo número de di-
plomas, a qualificação dos professores seria extraordinária, aconteceria
uma revolução em cada escola. Mas sabemos que professores assíduos
de cursos não melhoram o aprendizado dos seus alunos. Insiste-se na
crença da transferibilidade linear de saberes pretensamente adquiridos.
Talvez porque se tenha esquecido que o modo como o professor aprende
é o modo como o professor ensina... Que o modelo predominante da
formação universitária é, por vezes, a negação daquilo que pretende
transmitir. Talvez porque se descurasse a necessidade de criar disposi-
tivos de auto formação cooperativa, que rompessem com a cultura do
isolamento e auto suficiência que ainda prevalecem nas nossas escolas.
Há uns vinte anos atrás, fiz uma curta incursão na formação inicial
de professores, numa faculdade portuguesa. Ao cabo de cinco anos, fui
embora para não mais voltar. Dessa breve experiência, ficaram amigos
(que, pacientemente, buscam melhorar instituições e formações) e algu-
ma formação experiencial. Ficou a confirmação de que outra formação
Formação não rima com solidão
102 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
de professores é possível. Recusei trabalhar sozinho. Avisaram-me que
era norma os alunos assinarem à entrada e à saída de cada aula. Recusei
o uso das “listas de presenças”, por serem inconciliáveis com a forma-
ção de professores autônomos e responsáveis. E, também, porque não
dava aula – eu aprendia com os jovens alunos que, hoje, são professores
diferentes daqueles que uma formação inicial obsoleta engendra.
Perante a consensual descoberta da falência do modelo epistemológico
baseado na pretensa transmissão de saberes, o modelo organizacional que
o sustenta mantém-se hegemônico e inquestionável. Um curso ou palestra
sobre autonomia, convivência e participação é, quase sempre, a negação
do que pretendem transmitir, por se basear numa relação vertical, que
gera dependência no objeto-ouvinte. O modelo transmissivo de palestra
e de aula, que ignora a possibilidade de produção de conhecimento a
partir da interrogação e do diálogo, produz condicionantes sócio culturais,
que impedem a plena realização do ser humano. No campo da formação,
subsiste um modelo profundamente enraizado, baseado na crença da
transferência linear do conhecimento. Apesar dos seus trágicos efeitos,
essa cultura, sedimentada ao longo de quase três séculos, reproduz-se a
si própria, desde a universidade ao chão das escolas, impedindo a emer-
gência de outras práticas. Afastei-me desse modelo, mas verifico que ele
permanece quase hegemônico em outros lugares.
Se perfilharmos o princípio do isomorfismo, a formação de professo-
res deverá adotar processos idênticos aos das práticas que visa suscitar
no quotidiano das escolas. Os processos de aprendizagem não deverão
estar centrados no professor nem no aluno, pois tudo passa pela rela-
ção. Nesse sentido, o educador deverá saber gerir a imprevisibilidade
da relação, por ser impossível prever a multiplicidade e a variedade de
situações com que pode deparar. O educador reconhecerá que, assim
como formação não rima com solidão, autonomia não rima com hie-
rarquia, nem com burocracia. Que se aprende a conviver, convivendo
e que é a autoria que confere dignidade ao ato educativo. Evoco um
episódio “exemplar”, para ilustrar estas considerações.
José Augusto Pacheco
103Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Recebi convite para realizar uma palestra, acompanhado do pedido
do “texto da comunicação”. Respondi que aceitaria o convite, mas que
não poderia enviar o “texto da comunicação”. Expliquei que pratico o
diálogo entre aprendizes. Que somente após escutar as perguntas eu
poderia ensaiar as respostas, que não poderia adivinhá-las. A resposta
da instituição de formação (disso se tratava) voltou definitiva: “todos
os palestrantes enviaram as comunicações. Por isso...”. Compreendi
que não poderia constituir exceção e enviei a derradeira mensagem:
“junto envio um texto; se houver alguém que o leia, evitarei o desgaste
da viagem e vós evitareis o gasto”. Não obtive retorno.
O uso da pergunta não é mero ornamento pedagógico, é algo indis-
pensável, quer no âmbito da formação de professores, quer no contexto
das práticas escolares.
Só quem permanecer ancorado em velhos paradigmas poderá duvidar
e se surpreender perante situações como aquela que acabo de descrever.
Algo semelhante acontece, quando vou “palestrar” e jornalistas me
colocam a sacramental pergunta: O que vai dizer-nos na sua palestra?
Invariavelmente, respondo: Não faço ideia alguma. Não adivinho as
questões que me vão ser colocadas.
Em Portugal, após o incremento da formação continuada de profes-
sores, decorrente da institucionalização de um subsistema de formação
e do investimento de milhões de euros, os resultados foram decepcio-
nantes. Após vinte anos e milhares de cursos e palestras, pouco ou
nada se alterou na atitude dos professores, pouco ou nada terá mudado
nas suas práticas: “o professor vai, fica ouvindo e, no fim, não aprende
nada que consiga usar”. Há mais de três décadas, compreendi que não
deveria continuar a reproduzir o modo como me adestravam em cur-
sos e palestras. Num tempo em que não havia computadores, assistia
à projeção de transparências com súmulas de teorias e propostas de
práticas. Nenhuma delas se encaixava no hic et nunc da minha prática,
talvez porque nenhum dos palestrantes tivesse posto em prática as
teorias e práticas que recomendava... Nas suas preleções, exortavam
Formação não rima com solidão
104 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
ao uso de uma técnica ou falavam daquilo que tinham lido em livros –
em livros que eu poderia ler, sem necessidade de perder tempo a ouvir
palestras. Ainda hoje, vemos formadores e palestrantes estabelecerem
a sequência e o ritmo da aula ou preleção, numa atitude de que não
tomam consciência e cujas consequências – quero crer – ignoram total-
mente. Recorrem à apresentação de slides e vídeos, quando poderiam
constituir-se em mediadores entre o saber constituído e o domínio das
preocupações daqueles que com eles interagem.
No início das minhas conversas com professores, exponho a lista
de livros que publiquei. Perante perguntas cuja resposta conste de um
desses livros, remeto para a leitura do livro. Não faz sentido que eu
desperdice tempo a papaguear aquilo que escrevi num livro. Se o escrevi,
foi para me dispensar de repetir respostas, foi para que alguém o lesse.
Atrevo-me a registrar outro episódio “exemplar”. Teve lugar numa
faculdade portuguesa, onde se fazia formação inicial de professores.
Perguntei aos meus alunos o que queriam aprender. Responderam
que desejavam que eu falasse de Jerome Bruner. Manifestei a minha
satisfação por irmos abordar o pensamento e a obra de um autor que
eu admiro e quis saber a razão pela qual haviam escolhido esse autor.
Esclareceram-me: na semana seguinte, iriam fazer uma prova de psico-
logia da educação e, entre os possíveis conteúdos da prova, estariam os
trabalhos de Bruner. Quando eu quis saber o que já tinham estudado
desse autor, responderam que nada tinham estudado, que bastaria uma
decoreba feita na véspera da prova e... a minha preleção. Recusei fazê-la
e mandei-os para a biblioteca, para que lessem os livros do Bruner. Se
desse estudo resultassem dúvidas, eles poderiam vir ao meu encontro.
Passei todo o dia fiquei na faculdade. No final da tarde, dialoguei com
um pequeno grupo de alunos, que me trouxeram interrogações decor-
rentes das leituras que fizeram.
Toda e qualquer atividade de formação deve ser precedida e acompa-
nhada por uma reflexão sobre a pessoa humana, por uma análise das
condições concretas do seu existir. Mais importante que os conteúdos
José Augusto Pacheco
105Educação e Cidadania • número 11 • 2009
da formação são os modos, as relações que se estabelecem. O desen-
volvimento humano ocorre em redes de relações sociais marcadas por
um contexto sociocultural específico.
Será preciso contrariar a formação que esgota-se em si mesma, que
é repositório de receitas avulsas debitadas sobre auditórios passivos.
Será preciso encarar a possibilidade da elaboração participada de uma
gramática indiciadora de práticas formativas ainda não compendiadas,
orientadas por uma lógica de formação de pressupostos epistemológi-
cos qualitativamente diferentes dos que ainda prevalecem no campo
da formação tradicional. Será necessário considerar as utopias como
função crítica do real. Nos espaços intersticiais das contradições dos
sistemas sociais, será preciso mobilizar energias criativas fundadoras
de uma atividade humana não alienada.
Creio ser possível que os professores prestem atenção ao tipo de
racionalidade que molda as suas próprias pressuposições e ao modo
como essa racionalidade produz mediações com as regras da cultura
dominante. Urge sobrevalorizar interditos, interpelar a vida social tecida
sobre ilusões, as ideologias que legitimam explicações para o mundo
inexplicável. Inovar é estar em conflito com hábitos e preconceitos. Por
isso, atrevo-me a não omitir heterodoxias e transgressões, quando o que
é necessário revelar para ser compreendido se apresenta como produtor
de “inéditos viáveis”. Quando a retórica é contraditória com as práticas,
há espaço para desenvolver outras práticas... legitimadas pela retórica.
Quem são muitos dos nossos professores e o que aprenderam que lhes
permitisse ser professor? Os futuros professores consumiram o melhor
do seu tempo a assistir a aulas de cuspo e giz. Ano após ano, decoraram
manuais e sebentas para debitar ciência compendiada em inúteis rituais de
“avaliação”. De exame em exame, a corrida de obstáculos aproximava-os
do fim. Um dia, tão ignorantes das coisas da educação como estavam
à partida para o curso de formação de professores, cortaram a meta da
licenciatura. E fizeram, então, a sua primeira descoberta: o diploma de
licenciado de nada lhes serviria. Lá fora, a vida real era difícil. Tinham
Formação não rima com solidão
106 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
um canudo, mas faltava-lhes a qualificação profissional. Na falta dos
saberes essenciais para o exercício da função, enfrentavam nos primeiros
tempos de sala de aula “dando lições e mantendo a disciplina”.
Quem são muitos dos professores do ensino médio? Passaram pelas
mesmas aulas de cuspo e giz, até que fizeram a sua primeira descoberta:
para se ser professor, não basta ter uma licenciatura. Não importava se
o diploma era de Teologia, de Engenharia, de História ou de Relações
Internacionais. A profissão já tinha sido invadida por militares, padres,
arquitetos, engenheiros, advogados e outros desempregados para os
quais o Ensino constituía a última oportunidade de “ganhar a vida”.
E o ministério - mãe-galinha de grandes asas - a todos dera guarida e
proteção. Armados de faltas disciplinares lá iam conseguindo meter na
ordem os bagunceiros que entravam nas suas salas de aula, de cinquenta
em cinquenta minutos, por via da massificação.
Quando a meta – claramente assumida por esses profissionais – não é
a formação de todos os jovens, mas o alcançar de performances elitistas
acessíveis apenas a alguns, os professores dão um passo definitivo para
a desqualificação da pedagogia e para a sua própria desqualificação.
Quando se admite (profecia auto realizada...) haver alunos que não
aprendem, urge passar de uma formação individualista uma formação
mutualista. Porque os professores partilham não apenas o que sabem,
mas aquilo que são. Se admitirmos que cada professor elabora a sua
própria história reelaborando-a com outros professores, todos serão,
simultaneamente, ensinantes e aprendentes. Isto é, todos aprendem.
Nesse sentido, apresenta-se como indispensável a criação de espa-
ços de aprendizagem transformadora, a organização de comunidades
de prática, ambientes reais de educação, nos quais sejam levados em
consideração os desejos, as necessidades, a história de cada aprendiz.
Onde sejam incentivados procedimentos que estimulem a curiosidade
e o pensamento crítico, solicitem saberes e estimulem a autonomia.
Onde se fundamente o fazer cotidiano em referências teóricas, políticas,
éticas e estéticas.
José Augusto Pacheco
107Educação e Cidadania • número 11 • 2009
A formação terá de evoluir da incidência no professor isolado para
a formação de redes de cooperação, da formação por catálogo para a
reflexão na prática e sobre a prática. As faculdades evoluem de uma
pesquisa sobre os professores para uma pesquisa com os professores.
Toda e qualquer atividade pedagógica deve ser precedida e acompanhada
por uma reflexão sobre a pessoa humana, por uma análise das condi-
ções concretas do seu existir. No contexto de uma formação isomórfica
e mutualista, o professor mantém uma forte relação (também afetiva)
de pertença a um grupo organizado. E a formação passa a ser pensada
em função dos espaços sociais do exercício da profissão.
Mais importante que os conteúdos da formação são os modos, os
modelos, as relações sociais, culturais e pessoais que esses modelos
veiculam e concretizam A prática da formação entendida como aprendi-
zagem cooperativa requer a interpelação das relações de poder vertical
e uma profunda reelaboração da cultura pessoal e profissional.
A consideração da pessoa na consideração da equipa sugere um
conceito de desenvolvimento profissional que implica uma dimensão
contextual e organizativa, na qual não é apenas afetado o professor
isolado. No contexto de uma formação isomórfica e mutualista, o
desenvolvimento não segue a lógica da teoria neo-clássica do “capital
humano”. A concepção e desenvolvimento de um projeto é um ato
coletivo, rompe com culturas de isolamento, por recurso a dispositi-
vos que viabilizam autodidatismo e formação cooperativa. Estes não
são dispositivos inconcicliáveis, agem concomitantemente, porque a
partilha mais profunda é aquela em que cada partilhante continua, o
mais possível, ele próprio, na qual cada um possibilita rumos seguros
a outras vidas, inventando a sua própria existência no seio de práticas
quotidianas tão seguras quanto incertas. Essa partilha requer condições
de descentralização, o questionamento do modelo de relação hierár-
quica, negociação e contrato, iniciativas culturais, disponibilização de
equipamentos coletivos e espaços de encontro, flexibilidade na organi-
zação, respeito pela diversidade.
Formação não rima com solidão
108 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Outras condições poderão ser inventariadas: que o objetivo da for-
mação não seja de conhecimento, mas de conhecimento na ação e para
a ação; que a autoria seja do grupo de formação; que a formação seja
indissociável da ideia de um projeto político pedagógico transformador.
Os adultos “formam-se” numa sequência de momentos críticos, num
processo complexo de apropriação e de ruptura, de adesão e de confronto.
A formação acontece em interações, onde agem as biografias pessoais,
os sistemas de valores, a ideologia. A formação acontece numa sobre-
posição de interrogações críticas inseridas em contextos de trabalho.
Dê-se, por isso, especial atenção às dimensões pessoais, trabalhando
a capacidade de relação e de comunicação, valorizando o trabalho em
equipe e o exercício coletivo da profissão.
Creio que o objetivo da formação não é adquirir conhecimentos,
mas adquirir a capacidade de adquirir conhecimentos, que conduzam
a mudanças no modo de ser e de agir dos professores. A formação é
um processo social, através do qual os grupos humanos transformam
o conhecimento que têm da realidade. Nesse processo, talvez os pro-
fessores em formação compreendam ser necessário ver para além das
evidências, talvez consigam identificar a racionalidade que subjaz à
organização das suas práticas. Talvez consigam concluir que formação
não rima com solidão...
JOSÉ AUGUSTO PACHECO
Doutorado em Ciências da Educação, especialidade de Desenvolvimento
Curricular. Professor Associado com Agregação do Instituto de Educação,
da Universidade do Minho. Membro do Conselho Nacional de Educação.
Diretor do Centro de Investigação em Educação da Universidade do
Minho. Presidente do Direcção da Sociedade Portuguesa de Ciências
da Educação Universidade do Minho, Instituto de Educação, Campus
de Gualtar, Braga, 4710-057, Portugal.
E-mail: jpacheco@iep.uminho.pt
José Augusto Pacheco
109Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Recebido em: 02/09/2009
Aceito em: 15/09/2009
PACHECO, José Augusto. Formação não rima com solidão. Revista
Educação e Cidadania. Porto Alegre, ano 11, n. 11, p. 99-109, 2009.
Perspectivas sobre universidade e sociedade
Wagner Luiz de Menezes – UTIC/UNU
RESUMOApresentação sobre os caminhos percorridos pela Educação Superior no Brasil. Trazendo considerações sobre o papel da universidade, os dilemas enfrentados e sobre a socialização do conhecimento acadêmico e suas práticas, sob o ponto de vista docente. Trabalho fundamentado em leituras de documentos oficiais e na obra de Pedro Demo, entre outros, a partir de uma retomada histórica da educação superior nacional e suas perspectivas, após visualização da primeira década do Século XXI.
PALAVRAS-CHAVE Educação superior; Formação docente; Universidade.
ABSTRACTPresentation on the ways covered for the Superior Education in Brazil. Bringing considerations on the paper of the university, the quandaries faced and on the socialization of practical the academic knowledge and it’s, under the teaching point of view. Work based on official document readings and the workmanship of Pedro Demo, among others, from one retaken of the national Superior Edu-cation and its perspectives historical, after visualization of the first decade of Century XXI.
KEy WORDS
Superior education; Teaching formation; University.
1 UNIVERSIDADES BRASILEIRAS
Como qualquer instituição, as Universidades se subordinam a re-
gras externas – legislações federais, estaduais, municipais – e àquelas
oriundas de seus pequenos e grandes colegiados – resoluções, portaria
e deliberações. Estas disposições afetam tanto sua governança como as
expectativas nelas depositadas.
Perspectivas sobre universidade e sociedade
112 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Embora estruturadas hierárquica ou matricialmente, as instâncias
de poder nas universidades – sem muita variação – se concretizam em
reitorias que, por sua vez, se constituem de pró (s) ou sub-reitorias,
responsáveis pelas ações referentes a cada um dos fins da Instituição
Educacional – ensino, pesquisa e extensão.
1.1 Universidade – Tênues Laços
Nascida de uma sociedade marcadamente segregada – e bastante
dependente do que se passava em outras nações, até hoje a universidade
brasileira não deixou transparecer em sua história a forma com que se
articulou e tem se articulado aos interesses nacionais. Ou seja, são tênues
laços que foram e têm sido criados entre a universidade e a sociedade.
1.2 Colonização
Os fracos vínculos criados entre as universidades e a sociedade se
teceram no desprezo dado pela colonização portuguesa à educação das
populações de suas colônias.
Diferentemente das colônias espanholas – que tiveram benefícios
com a formação de universidades – as colônias portuguesas foram
submetidas a um claro processo de deseducação das massas.
O produto deste processo foi a formação de uma reduzida e segre-
gada elite intelectual. O que tem mantido camuflada segregação são
os interesses coincidentes entre esta elite e a maioria da população.
Foi assim na Independência do Brasil, na libertação dos escravos, na
Proclamação da República...
Apesar de muitos intelectuais serem marcantemente reacionários,
outros constituíram grupos de vanguarda, o que possibilitou algumas
reformas no meio científico-acadêmico.
Wagner Luiz de Menezes
113Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Entre 1920 e 1964, os intelectuais de vanguarda e a universidade
viveram um momento de razoável identidade com o povo. Ao longo
desse período, a nação permitia o nacionalismo... exigia reformas...
inventava tecnologia própria.
No recorte espaço-temporal entre 1930 e 1945, os intelectuais tiveram
a mesma perplexidade e ambivalência de todo o país... O Brasil estava
dividido entre ideologias que iam desde o nacionalismo ao entreguismo,
atravessando a heróica luta pela democracia.
A própria ambivalência da ditadura Vargas forçava essa perplexi-
dade.
1.3 Século XXI
Mais que nunca a universidade deve ter claro seu papel, pois em
face da crise mundial que assola quase todas as nações, a universidade
perde seus privilégios, bens e recursos...
A mais relevante missão da universidade tem de ser a de se trans-
formar em um instrumento que rompa com a segregação social. A
mais relevante missão da universidade tem que ser a de promover uma
sociedade integrada, eficiente e soberana.
1.3.1 Desafios
O desafio da universidade – não restam dúvidas quanto a isto – é de
se situar e marcar seu espaço no contexto da sociedade brasileira. O
desafio é colaborar na organização e na construção de uma nação que
busque, efetivamente, alcançar sua soberania.
Neutralizar esses desafios exige uma cuidadosa sintonia dos projetos
científicos e tecnológicos com os interesses do país. Contudo, para que
isto ocorra, a universidade deve romper – ela própria – com seus vícios,
que inviabilizam o cumprimento de seu papel de pensar o futuro da
nação e da humanidade.
Perspectivas sobre universidade e sociedade
114 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
1.3.2 Expectativas
A consciência da crise faz da universidade a instituição com mais
condições de adotar uma postura aberta para integrar o conjunto do
país; abandonar o apego ao presente para comprometer-se com o futuro;
neutralizar a visão dependente para formular um pensamento naciona-
lista consciente com o progresso e possibilitar o progresso.
1.3.3 Novos cenários
Em um passado não muito remoto, a divulgação do conhecimento
científico era feita, exclusivamente, nas revistas científicas. Hoje – face
aos inumeráveis recursos tecnológicos – o ritmo da divulgação do conhe-
cimento científico tem produzido uma universalização vertiginosamente
rápida das informações.
Este ritmo, contudo – que interfere na produção do conhecimento
novo, de sua divulgação e de sua aplicação tecnológica – ainda hoje é
um desafio para a universidade brasileira.
2 O PAPEL DA UNIVERSIDADE
Considerando que todos os objetivos da educação convergem para um
único foco – o desenvolvimento harmônico do homem – os objetivos
mais relevantes da universidade são:
Universalização da cultura – cabendo à universidade preservar as
conquistas culturais da humanidade, contribuindo para a neutralização
das barreiras nacionais e ideológicas que segmentam os povos.
Socialização do saber – cabendo à universidade estender os conhe-
cimentos que produz à comunidade, contribuindo para a resolução
tanto dos problemas sociais crônicos quanto dos que vierem a emergir.
Formação de profissionais – cabendo à universidade acompanhar os
movimentos de trabalho, contribuindo para o atendimento da demanda
de mão-de-obra profissionalmente especializada.
Wagner Luiz de Menezes
115Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Formação de pesquisadores – cabendo à universidade buscar as
incertezas, contribuindo para a formação de especialistas que se dedi-
quem à produção do conhecimento em todas as áreas do conhecimento.
2.1 Compromisso Social
O primeiro compromisso a ser firmado pela universidade é – com a
qualidade do trabalho intelectual nela gerado – alcançar a modernidade
Nessa missão, devem estar incorporadas tanto a criatividade própria
do ineditismo – estimulador da produção científica – quanto a sinergia
entre os trabalhos nela produzidos.
Modernidade e soberania se associam quando a questão é desen-
volvimento. Sem abrir mão de sua autonomia acadêmico-científica, a
universidade deve buscar a qualidade de seu trabalho.
É aqui que se dá sua maior contribuição à soberania de uma nação.
2.2 AVALIAçãO
É necessário avaliar – não por uma visão míope norteada pela
relação custo-benefício – até que ponto a universidade está cum-
prindo seu papel. É preciso avaliar-se até que ponto ela abandona
o papel de legitimadora do saber, adotando o axioma da dúvida,
desbancando seus dogmas, confrontando seu saber com os conhe-
cimentos emergentes.
Provocar sinergia entre a produção individual e a coletiva, possibili-
tando a transformação d hipóteses particulares em teorias é fundamen-
tal, assim como a articulação entre a ciência à tecnologia, dando suporte
ao crescimento do setor produtivo sem deixar-se levar pelo imediatismo
de modo a enfrentar os problemas da sociedade, buscando saídas que
preservem a soberania do país e igualdade entre os povos.
Perspectivas sobre universidade e sociedade
116 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
3 DILEMAS DA EDUCAçãO SUPERIOR
No processo de produção do conhecimento, o pesquisador não parte,
em cada investigação, do nada. Ao contrário, o pesquisador se debruça
sobre conhecimentos já elaborados, para afirmá-los, para questioná-los,
e até mesmo para negá-los.
Para possibilitar que o conhecimento por ele produzido possa gerar novos
conhecimentos, o pesquisador deve expor, não somente o que ele produziu,
mas também o caminho de suas buscas e de seus momentos de incerteza.
3.1 Socialização Do Saber
Da socialização do conhecimento, emergem, na universidade, duas
outras funções: a transmissão do conhecimento por meio das atividades
de ensino e a extensão do conhecimento à comunidade, de modo a dar
conta de seus problemas.
Porém, por ter ainda um caráter histórico, o conhecimento é produ-
zido, revisto, acrescido, substituído e retificado por sujeitos historica-
mente situados.
3.2 Extensão Universitária
Não se pode questionar o papel da universidade como produtora,
transmissora e socializadora de conhecimentos. Contudo, conforme
afirma CHAGAS (2004, p. 3) “como o conhecimento criado pela uni-
versidade poderá ser estendido a faixas mais amplas da sociedade se
enquanto espaço de produção de conhecimento – a universidade ainda
não consegue ser livre e crítica?
Se enquanto formadora de profissionais – a universidade ainda não con-
segue neutralizar relações sociais marcadamente segmentadora e elitista?”
Wagner Luiz de Menezes
117Educação e Cidadania • número 11 • 2009
4 TRANSMISSãO DO CONHECIMENTO
Cada época formata o conhecimento procurando atender às neces-
sidades próprias de cada período histórico, onde cada época ajusta a
educação, adequando-se às novas exigências impostas ao cenário social.
Apesar destes ajustes – que constituem um lento processo, marcado
por conflitos, produtos da mudança – a educação nunca conseguiu dar
conta das reais necessidades devido a pressões culturais e ideológicas
que perduram no tempo, além de tornar os cidadãos – no limite das
possibilidades individuais – plenamente participantes das comunidades
em que estão inseridos.
4.1 Construção Do Saber
Seja qual for a concepção que se tenha de currículo, não há como
negar-se que se trata de repositórios de conhecimento. Demo (2009)
discute a questão do currículo intensivo na universidade e a formação
aí procurada, tomando em conta, sobretudo teorias pós-modernas
da aprendizagem de teor político, para o autor, entre os traços mais
marcantes deste momento social está a intensividade cada vez maior
do conhecimento, ou, como quer Castells, um modo de vida marcado
pela “network society”.
Tais conhecimentos são produtos de práticas coletivas, envolvendo
séries de ações transformadoras que resultam, cada uma delas, em
novos conhecimentos.
Se o conhecimento é coletivo, consequentemente o saber também o
é. Por não ser apresentado como pronto e acabado, o saber não pode
ser encarado como uma mercadoria a ser consumida por nossos alunos.
Ao se identificar as diferentes ações/transformações que integram o
processo de produção do conhecimento – e se for o caso, de sua valo-
rização em saber – será fragilizada a sua aparente totalidade.
Perspectivas sobre universidade e sociedade
118 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Contrariando o que as teorias pós-modernas apontam em termos de
falibilidade típica do conhecimento (DEMO, 2001), o professor compa-
rece com conhecimento tão respeitável que merece ser referenciado.
É difícil para o docente, ainda conforme o autor (2001) aceitar que se
está no mesmo barco que seus alunos, nadando nas águas da dúvida.
Aprender não é – de nenhum modo – manejar certezas, mas trabalhar
com inteligência as incertezas, porquanto, sendo função vital que se
confunde com a vida, não se podendo fantasiar propostas contraditórias
com a criatividade e com a fragilidade da vida.
Alguns professores vão ao extremo de garimpar no termo tons profé-
ticos – professar estaria na base do conceito de ser professor – evocando
os mesmos laivos do profeta que fala em nome de Deus e que, por isso,
não poderia ser contestado.
4.2 Avaliação
Sempre que algo é realizado, existe um desejo latente de acompa-
nhar-se os resultados de seus esforços, isto é próprio do ser humano.
Neste sentido é natural que os alunos e seus professores possuam interesse
em mensurar o produto do trabalho que é realizado em sala de aula.
Em outras palavras, medir o conhecimento aprendido é um dos
processos essenciais do trabalho docente. Entretanto, quando se
percebe que os instrumentos de avaliação utilizados não oferecem as
respostas esperadas, de alguma forma, busca-se eliminar do cotidiano,
as provas e os exames.
Raras são as vezes em que se busca criar novos instrumentos de ava-
liação ou tentar aprimorar os que estão em uso. Muitas vezes, são consi-
derados os testes e as provas mais importantes que o trabalho realizado.
A avaliação só é plena se (DEMO 2001) der conta tanto do conteú-
do que foi transmitido quanto dos processos vivenciados pelo aluno.
Contudo, nem sempre é isso que acontece.
Wagner Luiz de Menezes
119Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Muitas avaliações tendem a enfatizar, essencialmente, o conhecimen-
to factual, abdicando desses processos. Quanto mais o aluno se envolve
nessa discussão, mais ele perceberá o valor da avaliação.
4.2.1 Prática da avaliação escolar
Dentro do modelo liberal conservador, a prática da avaliação escolar
deverá obrigatoriamente ser autoritária, pois esse caráter pertence à
essência dessa perspectiva de sociedade, que exige controle e enqua-
dramento dos indivíduos nos parâmetros previamente estabelecidos de
equilíbrio social, seja pela utilização de coações explícitas, ou seja, pelos
meios sub-reptícios das diversas modalidades de propaganda ideológica.
A avaliação educacional será desta forma, um instrumento discipli-
nador, não só nas condutas cognitivas como também nas sociais, no
contexto da escola.
O processo de avaliação pode ser caracterizada como uma forma de
ajuizamento da qualidade do objeto avaliado, fator que implica em uma
tomada de posição a respeito do mesmo, para aceitá-lo ou transformá-lo.
A definição adequada mais comum, encontrada nos clássicos manu-
ais, estipula que a avaliação é um julgamento d valor sobre manifes-
tações relevantes da realidade, tendo em vista uma tomada de decisão
(LUCKESI, 1978 In DEMO, 2001).
Primeiramente, ela é um juízo de valor, o que significa uma afirmação
qualitativa sobre um dado objeto, a partir de critérios preestabelecidos,
portanto diverso do juízo de existência que se funda nas demarcações
físicas do objeto.
O objeto avaliado será tanto mais satisfatório quanto mais se
aproximar do ideal estabelecido, e menos satisfatório quanto mais
distante estiver da definição ideal, do protótipo ou como estágio de
um processo.
Em segundo lugar, esse julgamento se faz com base nos caracteres
relevantes da realidade – do objeto da avaliação. Portanto, o julgamento,
apesar de qualitativo, não será inteiramente subjetivo.
Perspectivas sobre universidade e sociedade
120 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
O juízo emergirá dos indicadores da realidade que delimitam a qua-
lidade efetivamente esperada do objeto. São os sinais do objeto que
elucidam o juízo. E, evidentemente, a seleção dos sinais que funda-
mentarão o juízo de valor dependerá da finalidade a que se destina o
objeto a ser avaliado.
Em terceiro lugar, a avaliação conduz a uma tomada de decisão.
O julgamento de valor, por sua constituição mesma, desemboca num
posicionamento de não indiferença, o que significa obrigatoriamente
uma tomada de posição sobre o objeto avaliado e, uma tomada de de-
cisão quando se trata de um processo, como é o caso da aprendizagem.
A atual prática da avaliação escolar estipulou como função o ato de
avaliar a classificação e não o diagnóstico, como deveria ser, constitu-
tivamente. Ou seja, o julgamento de valor, que teria a função de possi-
bilitar uma nova tomada de decisão sobre o objeto avaliado, passa a ter
a função estática de classificar um objeto ou um ser humano histórico
num padrão definitivamente determinado.
Classificações são registradas em números e, por isso, adquirem a
possibilidade de ser somadas ou divididas em médias. Será que o infe-
rior não pode atingir o nível médio ou superior? Todos os educadores
sabem que é possível e defendem a ideia do crescimento.
5 CONSIDERAçõES FINAIS
Na primeira década do novo Século, o desenvolvimento das TIC’s
(Tecnologias da Informação e Comunicação) redesenharam novos para-
digmas educacionais, redimensionados pela ampliação dos mecanismos
de interação e pela adequação às necessidades imediatas.
Cria-se então uma modalidade de ensino – ensino a distância – que
possibilitou a gestão do acesso ao conhecimento por sujeitos que, por
alguma razão, não podem ou não querem realizar estudos presencial-
mente.
Wagner Luiz de Menezes
121Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Com o advento da EaD, surgiu a escola virtual – espaço criado pelo
ensino a distância veiculado via Internet. O que interessa tanto o de-
senho de um novo perfil para o aluno quanto as novas funções que a
partir daí começam a ser redesenhadas.
Para tornar a aprendizagem mais motivadora e eficaz, é necessário ma-
ximizar o aproveitamento dos recursos das novas tecnologias educacionais.
Logo não é necessário apenas conhecer esses recursos, mas estar disposto
a assumir novos papéis na educação do futuro que aqui se descreve.
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WAGNER LUIZ DE MENEZES
Doutor em Educação. Voluntário na Fundación Dequení/Paraguai,
Instituto Brasil Voluntário, Pastoral da Criança e UNESCO. Docente em
Graduação e Pós-Graduação, membro dos Comitês: Informação e Docu-
mentação e de Qualidade da ABNT e da LASA. Atuando em Antropologia,
Didática e Metodologia do Ensino Superior, Estudos Latino-americanos,
Gerenciamento de Projetos e Metodologia de Pesquisa.
Recebido em: 14/09/2009
Aceito em: 30/09/2009
MENEZES, Wagner Luiz de. Perspectivas sobre universidade e so-
ciedade. Revista Educação e Cidadania. Porto Alegre, ano 11, n. 11, p.
111-122, 2009.
Criatividade, expressões artísticas e auto-regulação da aprendizagem:
por uma educação que não corte asas
Luiz Gustavo Lima Freire
O dia em que entrei na aula de física foi mortal. Um homem escuro e baixo, de voz aguda e ciciante, conhecido como Sr. Manzi, estava frente à turma com um apertado terno azul segurando uma pequena bola de madeira. Colocou a bola numa canaleta inclinada e a deixou rolar até embaixo. A seguir, começou a dizer: suponhamos que a é igual a aceleração e que t é igual a tempo. E de repente se pôs a rabiscar letras e números e signos sem distinção por todo o quadro-negro, e minha mente deixou de funcionar. (Sylvia Plath)
RESUMOEsse artigo versa sobre a criatividade, sua relação com a arte, expressões artísticas e a auto-regulação da aprendizagem; pretende-se demonstrar a importância do ensino criativo e que desenvolve a criatividade nas escolas.
PALAVRAS-CHAVECriatividade; Ensino; Aprendizagem; Arte.
ABSTRACTThis article focuses on creativity, its relationship with art, artistic expressions and self-regulated learning, it is intended to demonstrate the importance of creative teaching and the education that develops the creativity in the schools.
KEy WORDSCreativity; Teaching; Learning; Art.
A criatividade enquanto capacidade do homem pensar sobre si próprio
sempre existiu, apesar disso o seu estudo sistemático só começou a pouco
mais de um século. Muitas das concepções tomadas hoje sobre as suas
Criatividade, expressões artísticas e auto-regulação da aprendizagem:
por uma educação que não corte asas
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particularidades ainda representam ideias antigas e místicas, o que tem
se constituído num entrave para o seu desenvolvimento. No entanto, o
cenário atual exige que os indivíduos possuam a capacidade de refletir
criativamente sobre os problemas da humanidade, nesse sentido, a escola
pode e deve ser um lugar privilegiado para a consecução desse objetivo.
Para tal, deverá valorizar o ensino-aprendizagem da arte (embora, não
só) tantas vezes descurado nas escolas. Importa que a criatividade seja
pensada (desenvolvimento histórico, o que dizem os teóricos atuais,
formas de avaliar e intervir). Procuraremos abordar as concepções usuais
da criatividade como obstáculos para o seu progresso, assinalar que o
seu estudo é difícil e complexo, mas que é altamente necessário, apontar
que a criatividade existe desde sempre, mas que só nesse último século
tem sido estudada com mais propriedades, e discorrer sobre o que tem
se pensado atualmente e como se pode avaliar e intervir sobre ela (na
escola). A relevância desse trabalho consiste na necessidade de refletir
sobre formas construtivas, cooperativas e significativas de desenvolver
a criatividade e as expressões artísticas nas escolas.
A atualidade exige que os indivíduos reflitam, buscando novas
soluções e ideias. Os velhos procedimentos já não atendem às necessi-
dades cambiantes modernas. Daí o imperativo do pensamento flexível
e inovador, capaz de estabelecer soluções, pois num mundo instável e
fragmentário, a criatividade passa a ser uma capacidade para a própria
sobrevivência. Segundo (MORIN, 2001) é preciso ensinar estratégias
que permitam enfrentar os imprevistos, o inesperado e a incerteza, e
modificar seu desenvolvimento, em virtude das informações adquiridas
ao longo do tempo.
Assim, abordamos a ideia da “criatividade com c pequeno”, aquela
que necessitamos para encontrar caminhos ao longo da vida, ou seja,
a criatividade que permite uma capacidade durável para agir diante das
oportunidades e obstáculos que caracterizam a contemporaneidade.
Essa criatividade pode e deve ser desenvolvida pela escola. Ela surge
como uma das muitas aprendizagens transversais aos vários contextos
Luiz Gustavo Lima Freire
125Educação e Cidadania • número 11 • 2009
e conteúdos acadêmicos, o que vem a requerer que os professores,
alunos e demais intervenientes dos processos de ensino-aprendizagem
redefinam seus papéis. Isso implica uma educação que deixe de se
centrar mais ou exclusivamente na razão e passe a se centrar também
nas aprendizagens vivenciais, artísticas, contemplativas e criativas.
A descentração do conhecimento e a relativização do saber têm
convidado cada vez mais ao abandono de uma perspectiva realista,
caracterizada por formas de aprendizagens que possuem o objetivo de
conquistar um saber absoluto e objetivo. Pelo contrário, a modernidade
propõe que se abandone o realismo em detrimento do construtivismo.
Construtivismo significa isto: a ideia de que nada, a rigor, está pronto, acabado, e de que, especificamente, o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como algo terminado. Ele se constitui pela interação do indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo humano, com o mundo das relações sociais; e se constitui por força da sua ação. (BECKER, 1993, p. 88-89)
A realidade passa a ser então, o que podemos ver e sentir, o que po-
demos construir a partir da forma como experienciamos um fenómeno.
O conhecimento fatual começa assim, a perder prestígio e a abrir espaço
para as nossas sempre limitadas, inclusive porque apenas aproximadas,
interpretações da realidade. Desde que a escola substituiu a aprendiza-
gem como meio de educação, que não se aprende na relação direta com
a vida. É isso que é a escolarização, um processo de enclausuramento
que conduz a conformidade, ou seja, que reprime a criatividade tão
comumente encontrada nas crianças. A par das atividades de índole
transmissiva, à escola cabe propiciar a busca de significados e do au-
toconhecimento, o que implica considerar a importância dos símbolos
e do prazer.
Acho o prazer uma coisa divina. Para ele fomos feitos. O amor, o humor, a comida, a música, o brinquedo, a caminhada, a viagem, a vadiagem,
Criatividade, expressões artísticas e auto-regulação da aprendizagem:
por uma educação que não corte asas
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a preguiça, a cama, o banho de cachoeira, o jardim, para estas coisas fomos feitos. Para isso trabalhamos e lutamos: para que o mundo seja um lugar de delícias. Pois esse, somente esse, é o sentido [da vida]: O lugar onde o corpo experimenta o prazer. (ALVES, 1995, p. 33)
Nesse sentido, a escola deverá constituir-se num lugar de prazer e
alegria, tanto quanto num lugar de trabalho, para isso é importante
considerar que essas duas dimensões não são excludentes, mas que
na verdade se complementam. A escola criativa e que ensina para a
criatividade será aquela que for capaz de formar para a vida, e não
apenas para o prosseguimento nos estudos e acúmulo do conhecimento.
1 EDUCAçãO ARTíSTICA E CRIATIVIDADE
Uma das formas de explorar a criatividade nas escolas é incentivar
a sensibilidade e a intuição através da realização de manifestações
artísticas, pois a arte com o seu caráter multissignificativo carrega a
sensibilidade e os impulsos intuitivos como parte integrante da sua
significação. Como é óbvio, a criatividade é uma, entre muitas outras
componentes dos processos e manifestações artísticas. Da mesma for-
ma que podemos ser criativos e estimular a criatividade em todos os
domínios científicos. Pelo que se pode e se deve estimular a criativi-
dade em todas as disciplinas e atividades escolares, mas apesar disso,
consideramos o ensino das artes essencial para a formação completa e
emancipadora do ser humano. Piaget (1999) associa o desenvolvimento
das funções mentais e das aptidões da criança ao desenvolvimento da
expressão artística:
(...) muito freqüentemente a criança pequena parece melhor dotada do que a criança mais velha, nos domínios do desenho, da expressão simbólica (representação plástica, papéis desempenhados em cenas coletivas organizadas espontaneamente,
Luiz Gustavo Lima Freire
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etc) e, por vezes, da música. Quando se estudam as funções intelectuais ou os sentimentos sociais, verfica-se um progresso mais ou menos contínuo, enquanto no domínio da expressão artística, tem-se, pelo contrário, a frequente impressão de um retrocesso. (p. 179)
Na sua opinião, o problema do retrocesso, que deve ser estudado afim
de que seja neutralizado, está relacionado aos obstáculos que surgem
no decurso (inclusive escolar) da evolução da criança.
Sem uma educação artística adequada que consiga cultivar esses meios de expressão e encorajar estas primeiras manifestações da criação estética, a ação do adulto e os constrangimentos do meio familiar ou escolar acabam, geralmente, por travar ou contrariar tais tendências, em lugar de as enriquecer. (p. 180)
Um dos motivos responsáveis pelo pouco incentivo à criatividade
refere-se à ciência e aos próprios sistemas de ensino da contemporanei-
dade, que, pode-se dizer com segurança, interpõem o intelecto (lógicas,
métodos, classificações) à sensibilidade, e nesse sentido seria preciso
acionar o conhecimento intuitivo para o aprendizado. Mas seria preciso
por quê? Por que intuição e intelecto são duas formas de conhecimento
que se ajustam e complementam diante do desejo de compreensão
profunda, não existindo suplantação de uma dessas formas, pois ambas
são humanas. O ensino da arte, da beleza e da estética é tão essencial
quanto qualquer outro. Essa é a parte que cabe à promoção das formas
mais conscientes e livres de atuar e interatuar, e não é preciso ensinar
apenas a saber apreciar uma obra de arte, é preciso ensinar para a
sensibilidade e para a conscientização.
A arte é uma atividade normal da vida humana. O pintor das cavernas não fez nada mais extraordinário quando pintou, do que quando ele ou outro inventou a lança: e as duas proezas do espírito são tão naturais e tão necessárias ao aperfeiçoamento do homem como são queridas e consideráveis (...) Aquilo que o inventor e o
Criatividade, expressões artísticas e auto-regulação da aprendizagem:
por uma educação que não corte asas
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pintor estavam a fazer na caverna era desenrolar o dom do ato inteligente. (BRONOWSKI, 1993, apud GRAÇA, 2002, p. 38)
Ensinar arte não é propriamente ensinar a ser artista, pois a arte pode
e deve ser a possibilidade para as pessoas expressarem-se subjetivamen-
te, ou seja, humanamente, tanto quanto objetivamente, enfim é uma
manifestação humana que se atualiza na relação entre o individual e o
coletivo, entre o pessoal e o social.
Manipular linguagens artísticas, antes de mais nada, é permitir um encontro consigo mesmo, e dar significado à própria existência. Só levando em conta a pessoa humana que está produzindo alguma coisa é que se pode compreender e respeitar sua expressão. A partir daí, é possível ajudá-la a crescer e ser feliz. (SARUBBI, 1986, p. 12)
A manifestação artística e ou a criatividade necessariamente não têm
que ser prescritivas. Gabriel dos Santos, por exemplo, foi considerado
por muitas personalidades, inclusive por Ariano Suassuna (2008, s.
p.) como uma das maiores representações da capacidade criadora. Ele
construiu uma casa, que foi considerada uma obra-prima da arquitetura
espontânea no país. “Muitos vão se surpreender mas, para mim, uma
das obras mais importantes da arquitetura brasileira é a Casa da Flor
... Para mim, é um exemplo raro de arquitetura espontânea, poética,
sem qualquer imposição”.
2 FOTO DA CASA DA FLOR, FONTE: INSTITUTO CULTURAL CASA
DA FLOR
O retrato de Gabriel dos Santos exemplifica muitas das competências
e características que marcam a criatividade. Gabriel foi tido erronea-
mente como louco e foi “rejeitado” pelo público. Com efeito, aquilo
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que desenvolveu é invulgar, portanto, não pode ser classificado dentro
dos padrões normais (aceitos). Sua casa não é apenas de madeira,
tijolos ou telhas, como todas as outras do lugar onde mora. Gabriel foi
capaz de utilizar materiais pouco valorizados, que quem sabe, serão
valorizados futuramente. Foi capaz de gerar uma ideia nova e interes-
sante (capacidade imaginativa) foi capaz de escolher materiais, avaliar
procedimentos, enfim, materializar as suas ideias.
3 A ESTIMULAçãO DA CRIATIVIDADE NA ESCOLA
A escola tem um papel preponderante na estimulação da criativida-
de. E se é verdade que esse papel tem sido fortemente apresentado e
admitido, tanto pela própria escola, quanto pela sociedade, na nossa
opinião parece que sua concretização, ou seja, a estimulação da criativi-
dade, não tem sido tão bem conseguida, pelo menos, não tanto quanto
divulgadamente desejamos e necessitamos.
Desde há décadas que Rogers (1959) autor consagrado das teo-
rias humanistas da personalidade aponta a criatividade como uma
dimensão importante da “pessoa plena”. Segundo ele, ser criativo
é uma tendência do homem para atualizar-se e concretizar suas
potencialidades.
As investigações na área da criatividade têm progredido ao longo dos
tempos com retrocessos, mas principalmente com avanços, permitindo
que estabeleçamos planos para incentivá-la em todas as pessoas. A
fase que admitiu a criatividade de forma estereotipada, ainda permeia
o imaginário popular e tem sido frequentemente admitida como um
entrave para o progresso das investigações e ações na área do campo
educativo, mas pode-se dizer que os estudos deixaram de centrar-se
apenas nos condicionamentos psicológicos individuais e mensuráveis
(capacidade criativa atribuída à figura do gênio e aos dons divinos)
(TORRANCE, 1974).
Criatividade, expressões artísticas e auto-regulação da aprendizagem:
por uma educação que não corte asas
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Desde as décadas de 80 e 90 que as abordagens começaram a se
debruçar sobre as pessoas comuns, os estudos deixaram de ser positi-
vistas e passaram a ser qualitativos, procuraram compreender o espírito
criativo em termos da inteligência (GARDNER, 1993) e trouxeram para
dentro do debate a influência das estruturas e sistemas sociais sobre a
criatividade individual (RYHAMMAR, 1999). A criatividade passou então
a residir mais na sociedade do que propriamente a um nível individual,
deveria estar ancorada na troca que poderia existir entre as pessoas e
poderia ser plenamente desenvolvida pela educação e pela aprendiza-
gem em todos os indivíduos. Concepções perfeitamente coerentes com
a ideia de arte como um conhecimento ou como cognição.
Ainda não existe um consenso teórico sobre a criatividade, mas já
pode-se falar de um quadro que permite conhecê-la e estimulá-la melhor.
Para a maioria dos autores, trata-se de um processo multifacetado, de
nível distinto (modo válido e superior de pensar) e ligado à inteligência,
que envolve definição e redefinição de problemas e combinação de
conhecimento anterior numa nova forma de aplicação. A criatividade
depende da motivação para a tarefa, capacidade e conhecimento num
domínio, competências cognitivas, e de um trabalho concentrado e
enérgico. Para ser criativo, o aluno deve acreditar em si mesmo, confiar
nas suas capacidades e sentir desejo e prazer para realizar os trabalhos
de forma persistente, elaborada e fecunda (BAHIA e NOGUEIRA, 2005).
A reunião de competências cognitivas, como a flexibilidade, fluência,
imaginação, expressividade e elaboração de ideias é o alicerce para o
pensamento criativo. Mas a elaboração da ideia não surge do nada,
e sim da reacomodação de imagens anteriores, pois só podemos ser
realmente criativos se possuirmos conhecimento anterior. Ser criativo
requer tempo, esforço e dedicação. Até que o produto final seja apresen-
tado, muitas horas terão sido utilizadas e ideias terão sido selecionadas,
confrontadas e refletidas (idem).
A criatividade implica o exercício da capacidade imaginativa,
mas também a capacidade de percepção do domínio aplicativo, não
Luiz Gustavo Lima Freire
131Educação e Cidadania • número 11 • 2009
basta ter boas ideias, há que aplicá-las, expressando-as ou trans-
formando-as em “produtos”, por isso, a estimulação da criatividade
pela escola depende de um ensino para a criatividade, potencializa-
do por um ensino criativo. Embora possam andar de mãos dadas, o
ensino criativo pode não se traduzir num ensino para a criatividade.
Mas como poderia ser um ensino que estimulasse a capacidade criativa?
A escola deve promover a esperteza e a agudeza, através do fomento de
hipóteses alternativas, através do jogo e das atividades em grupo, como
por exemplo, o teatro, a dança, a música, mas também a matemática,
a física, a religião, etc. Ensinar para a criatividade pressupõe abrir-se
às possibilidades e ter imaginação, significa fazer escolhas, ser lúdico
e gostar de desafios.
Não existem receitas rígidas e universais para estimular a criativi-
dade, por isso não se pode generalizar procedimentos. Apesar disso,
uma integração dos investigadores com os “práticos” (professores,
diretores, alunos) pode ser bastante proveitosa, na medida em que a
troca de informações e experiências pode beneficiar a ambos, e subsi-
diar ações programadas e controladas. As teorias acerca da criatividade
podem funcionar como “pano de fundo” impulsionando reflexões que
se traduzam em ações.
Aquilo que for mais indicado para um caso específico pode não ser
para outro, por exemplo: o oferecimento de atividades de leitura parti-
cular pode beneficiar mais um aluno do que outro. O que importa de
verdade é saber o que se pretende estimular, qual a melhor maneira
para fazer (que procedimentos e métodos serão mais indicados) e como
julgar o grau de atendimento dos objetivos. Para o construtivismo o
conhecimento não existe à partida.
Conhecer é construir significados e relações. Portanto, para aprender, além da construção de significados, se faz necessário construir relações, ir além do conhecimento espontâneo, da bagagem da [pessoa], realizando uma ação pedagógica, um planejamento, uma proposta. Há uma coerência, aqui, com a fenomenologia. (LIMA, 1990, p. 1)
Criatividade, expressões artísticas e auto-regulação da aprendizagem:
por uma educação que não corte asas
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Apontando uma solução para enriquecermos a capacidade criativa
dos alunos, Sternberg (1985; 1988) e Sternberg e Lubart (1995) referem
que o trabalho criativo requer a aplicação e o equilíbrio de três capa-
cidades que podem ser todas desenvolvidas pela escola. A capacidade
de gerar ideias novas e válidas (capacidade sintética) a capacidade para
avaliar as ideias, analisar e diferenciar as boas das más (capacidade
analítica) e a capacidade de transformar as ideias em realizações prá-
ticas (capacidade prática).
Embora o ensino criativo e para a criatividade não seja uma
panaceia, existem, como sugerem Sternberg e Lubart (idem) um
conjunto de estratégias que podem ajudar os professores a desen-
volverem a criatividade. Antes de tudo, o professor, enquanto mo-
delo, deve revestir-se de criatividade e deve estimular a motivação
(auto-eficácia) para que o aluno tenha vontade de ser inovador e de
aprender de forma criativa. Também é importante procurar adaptar
os ambientes, conseguir materiais, refletir sobre as potencialidades e
as limitações do contexto físico. Algumas técnicas básicas de apren-
dizagem, como o questionamento, estabelecimento de suposições,
definição e redefinição de problemas e o encorajamento de geração,
cruzamento e polinização de ideias, podem ser proveitosas. O ensino
por sua vez, deve dar tempo para o pensamento criativo, há que se
instruir e avaliar a criatividade, premiar as ideias e produtos criativos,
estimular riscos, tolerar a ambiguidade, permitir erros e identificar
e ultrapassar obstáculos.
A criatividade é tanto uma questão de talento, quanto uma atitude
frente à vida, no dia-a-dia pode-se testemunhar com mais frequência a
criatividade nas crianças, enquanto nos adultos é mais difícil fazê-lo,
pois a sociedade com a sua disposição para a conformidade intelec-
tual, tende a reprimir o potencial criativo das pessoas (STERNBERG e
WILLIAMS, 2003).
Luiz Gustavo Lima Freire
133Educação e Cidadania • número 11 • 2009
4 CRIATIVIDADE E AUTO-REGULAçãO DA APRENDIzAGEM
Ser criativo é muito mais uma postura, uma dimensão, do que uma
estratégia, uma ação específica ou um método. A criatividade é uma
competência do aluno auto-regulado, por esse ser capaz de coordenar
saberes para atingir suas aprendizagens. O ato criativo implica que
se saiba o que vai ser criado e como, que se conjugue dificuldades e
capacidades, elimine distrações, que o medo do fracasso seja negado e
o tempo seja utilizado estrategicamente. Os alunos devem ser capazes
de controlar os processos, eles próprios, ou seja, agir autonomamente
ou de forma auto-dirigida, essa capacidade é inclusive uma necessida-
de dos tempos pós-modernos, pois numa sociedade onde não existem
certezas, faz-se necessário que os alunos “aprendam a aprender” para
que possam se adaptar às constantes transformações sociais.
Silva (2004) defende que a auto-regulação da aprendizagem supõe que
o indivíduo possa modificar a ação, possa em função das representações
pessoais aproximá-la dos objetivos traçados e possa controlá-la para man-
ter um rumo previsto e alcançar os resultados anteriormente desejados.
O aluno auto-regulado não adota padrões pessoais demasiado elevados,
não elabora metas irrealistas, não desenvolve expectativas de resultados
escolares negativos, não atribui as causas dos seus insucessos às variáveis
pessoais e contextuais inalteráveis e não perpetua sentimentos de desva-
lorização pessoal. É essencial lembrar que a criatividade é autodirigida,
logo, as estratégias para o controle dos processos de aprendizagem têm
que partir do próprio indivíduo. Assim, conforme os alunos tornam-se
mais criativos, devem e de fato tornam-se mais auto-regulados.
À escola cabe abandonar os métodos puramente memorísticos e dei-
xar de ser um lugar apenas para dar respostas, de forma complementar,
deve passar a ser um lugar fundamentalmente para fazer perguntas.
“Decorar” não é saber, é armazenar receitas. E se é verdade que estas
permitem andar pelas trilhas já feitas, como diz Alves (2004, p. 62)
nada têm a dizer sobre mares desconhecidos.
Criatividade, expressões artísticas e auto-regulação da aprendizagem:
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Aqui se encontra o perigo das escolas: de tanto ensinarem o que o passado legou – e ensinarem bem – fazem os alunos se esquecerem de que o seu destino não é o passado cristalizado em saber, mas um futuro que se abre como vazio, um não saber.
A escola pode estimular a criatividade se promover uma aprendi-
zagem construtiva, cooperativa e significativa, se utilizar critérios que
valorizem a expressividade e a originalidade, se recorrer ao conheci-
mento dos diversos domínios, se utilizar os processos de memorização
como meio e não como um fim, se valorizar a compreensão, se aplicar
e combinar métodos criativos, sintetizando: se promover uma educação
baseada na conjugação e aprimoramento das motivações e potencia-
lidades dos contextos, e finalmente se estimular a auto-regulação da
aprendizagem e o ensino de capacidades e habilidades para aprender ao
longo de toda a vida. Como sabiamente refere Montaigne (1993, p. 46):
saber de cor não é saber, é conservar o que se guardou na memória, que não seja pedido ao aluno apenas contas das palavras da lição, mas do sentido e da substância, que se julgue do proveito que tiver tirado, não pelo testemunho da sua memória, mas da sua vida.
Não é fácil a tarefa de aumentar a criatividade. Muitos professores
dirão que ensinar para a criatividade é uma utopia, pois têm que seguir
parâmetros, procedimentos, programas, etc. Apesar do cenário atual
impelir para a criatividade, na nossa opinião o ensino ainda não é
capaz de estimulá-la tão satisfatoriamente quanto necessário. Estamos
de acordo que a burocracia do ensino pode constituir-se num entrave,
mas pensamos que ela não pode ser utilizada como desculpa para não
se fazer nada. Mesmo com todas as limitações, professores, alunos e
demais intervenientes, precisam ser capazes de fazer escolhas e agir
autonomamente.
Como é óbvio, o ensino para a criatividade, não será o apanágio
para todos os males do ensino-aprendizagem e da educação, o sucesso
das escolas depende de condicionantes complexos que escapam às
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vontades e competências dos professores, mas não há dúvida que a
estimulação da criatividade pode ser utilizada como uma ferramenta
para ultrapassar as razões do fracasso. Não fazer nada significa estar
fazendo alguma coisa. A escola, com o seu ensino para formar cidadãos
livres e alegres, perderá espaço se não for capaz de apreender os novos
dados da contemporaneidade, se não adquirir meios de fazer com que
a humanização se dê de modo genuinamente progressista, desenvol-
vendo referências de liberação, criando novos espaços de liberdade,
sugerindo novos horizontes à subjetivação, fora dos limites tradicionais
e conservadores, e em especial, reinventando os modos de fazer e ser.
Essa temática não é só ideológica e não será satisfatória se a escola não
começar a fazer uma conflagração, uma análise institucional, o que
equivale dizer, que seria necessária uma descentração da tradição, do
amoldamento e da conformação.
Não nos esqueçamos que a criatividade é uma ferramenta humana
para ajudar o homem a criar-se a si próprio permanentemente. É pre-
cisamente o produto do erro, da imperfeição, do esquecimento e do
inacabamento humano. Como diz Alves (2003) quem está satisfeito com
as coisas como são e estão não cria nada. Como diz Rogers (1959, p.
251) “ninguém aprende nada de significativo a partir de conclusões”.
Deve ser por isso que os “loucos” frequentemente são vistos como cria-
tivos e por isso mesmo, que Erasmo de Roterdão (1466-1536) dizia que
odiava a boa memória, e quem não esquecia nada, brindando pois, à
loucura! Para terminar apoiamos a ideia de que o ensino criativo e para
a criatividade é mesmo indispensável para continuarmos vivendo. Por
isso há de chegar o dia em que teremos construído as bases para que
a educação não esteja apartada da vida e cumpra o que sonhou Victor
Hugo (1802-1885) nas suas Contemplações de 1856:
Mercadores de grego! Mercadores de latim! Pedantes! Cães de guarda! Filisteus! Mestres! Odeio-vos, pedagogos! (...) Eles Ignoram como nasce e cresce a alma, (...) Estão no A, B, C, D, do coração humano; são o horrível ontem que quer
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matar o amanhã; (...) Um, dia quando o homem for sábio, no tempo em que não mais se instruir as aves pela gaiola, quando as sociedades disformes sentirem reergue-se o rosto da criança melhor compreendida e tendo perscrutado as regras dos vôos em liberdade se conhecer a lei do crescimento das águias, e a plenitude do dia raiar para todos, sendo saber sublime, doce aprender será.
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LUIZ GUSTAVO LIMA FREIRE
É Doutorando em Psicologia da Educação pela Faculdade de Psicologia
da Universidade de Lisboa. Bolsista da FCT, Fundação de Apoio à Ciência
e à Tecnologia, a quem agradece. É professor, psicólogo, pós-graduado
(Lato Sensu) em Psicologia Organizacional e do Trabalho (UNICAP-
-Universidade Católica de Pernambuco) e mestre em Ciências da Edu-
cação (FPUL).
E-mail: luizgustavolfreire@ig.com.br
Criatividade, expressões artísticas e auto-regulação da aprendizagem:
por uma educação que não corte asas
138 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Recebido em: 01/10/2009
Aceito em: 23/10/2009
FREIRE, Luiz Gustavo Lima. Criatividade, expressões artísticas
e auto-regulação da aprendizagem: por uma educação que não
corte asas. Revista Educação e Cidadania. Porto Alegre, ano 11,
n. 11, p. 123-138, 2009.
A relevância das disciplinas indagativasna formação de professores
para as séries iniciais do ensino fundamental
Leocadio Lameira
RESUMOAcreditamos que a pesquisa pode e deve ser trabalhada desde as séries iniciais do Ensino Fundamental. Precisamos submeter nossos alunos à situações de experiência, através de atividades práticas, se queremos desenvolver neles a capacidade criadora. Para concluir, queremos deixar alguns critérios que servirão de contribuição para repensar a indissolubilidade entre formação do professor e qualidade do ensino que será ministrado em sala de aula.
PALAVRAS-CHAVE:Pesquisa; Disciplinas indagativas; Educação cientifica.
ABSTRACTWe believe that research can and should be addressed since the early grades of elementary school. We need to bring our students to experience situations through practical activities, whether we want them to develop creative ability. To conclude, we want to leave some criteria which will contribute to rethinking the inseparability of teacher training and quality of education will be taught in the classroom.
KEy WORDSResearch; Speculative disciplines; Science education.
NOTA INTRODUTóRIA
Ao longo de nossa vida profissional, o ato de ensinar foi, gradati-
vamente, cedendo espaço para o ato de orientar, a tal ponto que hoje
não podemos mais aceitar o “processo ensino-aprendizagem”. Primeiro
porque implica, de um lado, alguém que ensina e de outro, alguém
A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores
para as séries iniciais do ensino fundamental
140 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
que aprende; segundo, porque na verdade ensinamos aprendendo e
aprendemos ensinando, numa ação recíproca, dialética. Portanto, no
contexto semântico deste estudo, preferimos utilizar a acepção “relação
ensino-aprendizagem”, por ser um ato mútuo e recíproco.
Entendemos que o currículo das séries iniciais do Ensino Funda-
mental, por ser trabalhado sob forma de atividades, tem um caráter
teórico-experimental. Portanto, a análise feita para o ensino de Ciências
é estendida a todos os demais campos do conhecimento deste currículo.
Acreditamos que a pesquisa pode e deve ser trabalhada desde as séries
iniciais do Ensino Fundamental. Existe uma natural curiosidade na crian-
ça que deve ser canalizada, orientando-a para a investigação sistemática,
promovendo a descoberta. Para isso é preciso que os professores saibam
como estimular seus alunos, como desenvolver neles a capacidade para a
indagação, trabalhando com as habilidade mentais (habilidades de pensa-
mento) que irão facilitar a aprendizagem. Se é verdade que as habilidades
científicas, tais como trabalhar com variáveis, exige um nível mais com-
plexo de desenvolvimento mental da criança, também é verdade que, se as
habilidades gerais, as habilidades de pensamento forem trabalhadas desde
cedo, mais rápido e com mais facilidade a criança desenvolverá aquelas.
Neste estudo, consideramos disciplinas indagativas aquelas que dão
subsídio metodológico à pesquisa, entendida como um ato sistemático
de busca de soluções das questões inerentes à curiosidade intelectual do
pesquisador ou à resolução de problemas oriundos da realidade social
ou natural e não as metodologias do ensino. Durante nossa vida profis-
sional, o que temos observado é que existem as disciplinas indagativas
nos currículos dos cursos de formação de professores mas não há um
repasse do que os professores aprenderam nestas disciplinas, quando
trabalham com seus alunos, em sala de aula.
Neste contexto, as disciplinas indagativas têm uma relevância signifi-
cativa pois serão elas que darão o suporte teórico-prático aos professores.
É preciso apreender sua importância e seu significado para que não sejam
apenas disciplinas complementares de um currículo mínimo.
Leocadio Lameira
141Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Este estudo, portanto, acompanha o seguinte delineamento: num pri-
meiro momento explicitamos a configuração metodológica da pesquisa
e análise dos programas para verificar se eles abordam os conteúdos
com propósitos indagativos. O número de referências bibliográficas in-
dicadas, a sua vigência, a sua afinidade com os objetivos da disciplina,
bem como a incidência dos referidos programas na relação entre teoria
e prática, serão considerados como categorias de especial relevância.
Num segundo momento, elaboramos um prévio referencial teórico
que oferece, junto com a metodologia, sustentação à interpretação a
ser efetuada em torno das informações coletadas nas Instituições que
compreendem o universo deste estudo. Uma terceira instância abrange
a interpretação de texto propriamente dita e numa quarta são feitas as
considerações finais que incluem uma série de critérios que servem
de contribuição para repensar a indissolubilidade entre a formação do
professor e a qualidade do ensin o que ele exercerá no desempenho
das suas funções docentes.
1 CONSIDERAçõES INICIAIS
O avanço de uma sociedade está na relação direta de quanto e como
seus indivíduos são “educados”. A educação é, portanto, a mola propul-
sora do progresso da humanidade. Para que isto aconteça é necessário
que esteja na frente, indicando-lhe o caminho.
A sala de aula tem perdido a atenção dos alunos por ser um espaço
onde se faz “aprendizagem” em excesso. Hoje os alunos querem mais
é participar, envolver-se na aprendizagem, em novas descobertas, em
desafios. É preciso aproveitar essa natural curiosidade da criança para
desenvolver seu espírito crítico-criativo. Muito mais do que conteúdos,
precisamos desenvolver habilidades em nossos alunos. Se é relevan-
te preparar-se para enfrentar situações específicas, mais relevante é
preparar-se para enfrentar qualquer situação nova.
A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores
para as séries iniciais do ensino fundamental
142 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
A pesquisa como princípio educativo é um dos caminhos que se
apresenta para a emancipação da criança. Neste aspecto, o ensino
de ciências pode contribuir sobremaneira para que a criança não seja
apenas um objeto da aprendizagem mas sujeito que precisa aprender
a aprender para compreender. Pesquisar significa não bastar-se com o
conhecimento atual, mas buscar o novo partindo da insatisfação e da
dúvida.
Trabalhar o “aprender a aprender para compreender” não exclui a
aprendizagem. A inovação está em ativar de maneira criativa a curio-
sidade da criança para que, partindo do conhecimento que já possui,
vá construindo novos conhecimentos, estimulando o desenvolvimento
de estruturas mentais. Acreditamos que a criança estimulada desde
cedo terá mais facilidade para resolver problemas do cotidiano do que
aquelas que estão sujeitas apenas ao processo ensino-aprendizagem,
esperando que as estruturas mentais se desenvolvam, para depois
serem trabalhadas.
A pesquisa como princípio educativo tem que levar em conta a in-
teração entre teoria e prática, sem preponderância de qualquer lado.
Saber pensar é também elaborar soluções concretas além de ficar apenas
especulando ou divagando.
Para muitos, pesquisar é privilégio de poucos. Portanto, concordamos
com Demo quando diz que é preciso desmitificar a pesquisa e entendê-la
como capacidade de dialogar crítica e criativamente com a realidade,
como atitude cotidiana. Isto não significa que pesquisa seja qualquer
coisa, apenas para salientar-se o lado educativo. “A capacidade de criar
inicia com a cópia. O ‘criativo’ estará sobretudo em descobrir que a
cópia não é criativa. É mister sair dela.” (DEMO, mimeografado)
Sabemos o quanto é difícil para o professor que não foi preparado para
trabalhar com determinada metodologia, introduzir inovações em sua
prática pedagógica. Para obter sucesso terá que dedicar-se ao trabalho
com muita força de vontade, buscando individualmente a superação
de suas deficiências.
Leocadio Lameira
143Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Diante desse quadro, nosso questionamento é: Como são preparados
os professores que irão atuar nas séries iniciais da educação básica,
utilizando a pesquisa como modalidade indagativa?
Existem atualmente no Rio Grande do Sul vinte (20) Instituições de
Ensino Superior que possuem o Curso de Pedagogia - Licenciatura Plena,
conforme o Cadastro das Instituições de Ensino Superior do Brasil - 1992,
elaborado pela Coordenação de Informações para o Planejamento (CIP),
unidade da Coordenação Geral de Planejamento Setorial - CPS, da Secre-
taria de Administração Geral - SAG, do Ministério da Educação.
A Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões -
URIAUM, com sede em Erechim, possui três (3) campi localizados em
Frederico Westfalen, Santo Ângelo e São Luiz Gonzaga, respectivamente; a
Universidade Católica de Pelotas - UCPel, com sede em Pelotas, possui um
campus em Camaquã; a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul - PUC/RS, com sede em Porto Alegre, possui um campus em Uruguaia-
na; a Universidade da Região da Campanha - URCAMP, com sede em Bagé,
possui quatro (4) campi localizados em Caçapava do Sul, Dom Pedrito,
São Gabriel e Santana do Livramento, respectivamente; a Universidade
de Ijuí - UNIJUÍ, com sede em Ijuí, possui um campus em Santa Rosa e a
Fundação Universidade do Rio Grande - FURG, com sede em Rio Grande,
possui um campus em Santa Vitória do Palmar. Considerando os onze (11)
campi, temos, hoje, trinta e um (31) cursos de Pedagogia - Licenciatura
Plena em funcionamento no Estado do Rio Grande do Sul.
Entretanto, apenas doze (12) Instituições de Ensino Superior possuem
o curso de Pedagogia com Habilitação em Séries Iniciais.
A fim de viabilizarmos nosso estudo, visitamos as doze Instituições
de Ensino Superior que possuem o Curso de Pedagogia com Habilitação
em Séries Iniciais, a saber: Universidade da Região da Campanha - UR-
CAMP, em Caçapava do Sul; Universidade Federal de Pelotas - UFPel,
em Pelotas; Fundação Universidade do Rio Grande - FURG, em Rio
Grande; Universidade de Passo Fundo - UPF, em Passo Fundo; Univer-
sidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URIAUM,
A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores
para as séries iniciais do ensino fundamental
144 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
em Erechim; Universidade de Caxias do Sul - UCS, em Caxias do Sul;
Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, em São Leopoldo;
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC/RS, em
Porto Alegre; Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, em
Porto Alegre; Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, em Santa Cruz
do Sul; Universidade de Ijuí - UNIJUÍ, em Ijuí e Universidade Federal
de Santa Maria - UFSM, em Santa Maria.
Foram escolhidas as matérias Métodos e Técnicas de Pesquisa Peda-
gógica, Estatística Aplicada à Educação (UNISC); Metodologia e Técnica
da Pesquisa (URCAMP); Método e Técnicas de Pesquisa Pedagógica,
Medidas Educacionais I, Introdução à Metodologia Científica (FURG);
Estatística Aplicada à Educação, Metodologia Científica e do Estudo,
Metodologia da Pesquisa em Educação (UFPel); Iniciação à Pesquisa
(UCS); Matemática e Estatística para a Pedagogia, Metodologia da Pes-
quisa Educacional (UNISINOS); Metodologia Científica, Metodologia da
Pesquisa Educacional e Métodos Quantitativos em Pesquisa Educacional
(UFSM) por serem disciplinas indagativas, cujos objetivos e conteúdos
serão analisados a partir de uma interpretação sistemática.
Das Instituições visitadas, não conseguimos nenhum dos programas
da PUC/RS e da UNIJUÍ. Na UFRGS, não conseguimos os planos de
ensino das quatro disciplinas indagativas objeto de estudo (Pesquisa em
Educação, Metodologia da Pesquisa Bibliográfica, Estatística: Métodos
Quantitativos Aplicados à Educação e Metodologia da Pesquisa) devido
a entraves de ordem burocrática. Na UPF, embora no currículo do Curso
de Pedagogia Diurno conste uma disciplina (Metodologia Científica) e
no Curso Noturno conste duas disciplinas (Metodologia do Ensino e
Teoria do Conhecimento) o autor deste estudo não conseguiu obter os
planos de estudo pela indisponibilidade destes, o mesmo acontecendo
com uma disciplina (Metodologia Científica e da Pesquisa) que compõe
o currículo do curso de Pedagogia - Séries Iniciais, da URIAUM.
Portanto, as Instituições de Ensino Superior do Rio Grande do Sul, que
fazem parte deste estudo são: URCAMP - Universidade da Região da Cam-
Leocadio Lameira
145Educação e Cidadania • número 11 • 2009
panha, Caçapava do Sul; FURG - Fundação Universidade do Rio Grande,
Rio Grande; UFPel - Universidade Federal de Pelotas, Pelotas; UCS - Uni-
versidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul; UNISINOS - Universidade do
Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo; UNISC - Universidade de Santa Cruz
do Sul, Santa Cruz do Sul e UFSM - Universidade Federal de Santa Maria.
Durante nossa visita, procuramos coletar informações a respeito dos
programas das disciplinas que fazem parte do currículo e estão voltadas
à formação do professor para as séries iniciais do primeiro grau. Isto,
com a intenção de verificar se o professor das séries iniciais está tendo
uma formação adequada que lhe permita trabalhar com as crianças
utilizando a pesquisa como modalidade indagativa.
Analisando o material coletado nas Instituições de Ensino Supe-
rior, realizamos uma amostragem não-aleatória dos planos de estudo,
utilizando critérios de julgamento especializado. Primeiro, porque os
próprios materiais além de se adequarem espontaneamente aos obje-
tivos da pesquisa foram submetidos a um ajuizamento criterioso do
autor deste trabalho que entendeu pertinente a escolha das unidade
de observação (planos de estudo, conteúdos programáticos, plano de
ensino ou programas das disciplinas). Uma vez que
Não há nenhum critério metodológico que nos forneça razões im-
perativas para a amostragem aleatória. (...) O que nos garante que o
tratamento é científico não é alguma regra rígida e imutável, como a
necessidade de usar amostras aleatórias — mas o princípio geral de
que devemos adotar o tratamento mais rigoroso possível e que o nosso
procedimento seja eficiente. (CASTRO, 1978, p. 91-92)
Como resultado da referida escolha não-probabilística, os materiais
selecionados, além de preservarem a representatividade e a confiabilida-
de, possuem também o atributo de proporcionar inferências extensivas
à população como um todo.
Para tal efeito, o procedimento metodológico adotado neste trabalho
emoldura-se dentro de uma análise que objetiva, precipuamente, eluci-
dar a dúvida científica enunciada no problema de pesquisa.
A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores
para as séries iniciais do ensino fundamental
146 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Sendo assim, o presente estudo, efetuou uma análise do ponto de
vista hermenêutico, trabalhando com a ideia de discurso como texto.
Vale lembrar que as línguas naturais (línguas vivas) possuem o caráter
da polissemia, que faz com que nossas palavras tenham mais de um
significado. A interpretação implica numa atividade de discernimento
entre os interlocutores, considerando o jogo da questão e da resposta.
Esta atividade (...) consiste em reconhecer qual a mensagem relati-
vamente unívoca que o locutor construiu apoiado na base polissêmica
do léxico comum. Produzir um discurso relativamente unívoco com
palavras polissêmicas, identificar essa intenção de univocidade na re-
cepção das mensagens, eis o primeiro e o mais elementar trabalho da
interpretação. (RICOEUR, 1977, p. 19)
Quando passamos da oralização à escrita, procuramos fixar o dis-
curso, numa tentativa para que não se perca. A partir desse momento,
o autor perde o controle sobre o que escreveu, pois ficará, a cargo do
leitor, a interpretação.
“O que o texto significa, não coincide mais com aquilo que o autor
quis dizer. Significação verbal, vale dizer, textual, e significação mental,
ou seja, psicológica, são doravante destinos diferentes.” (RICOEUR,
1977, p. 53)
A assertiva de Ricoeur se enquadra dentro das circunstâncias da
processualidade dialética, ou seja, a indiscutível primazia do contexto
sobre os seus fatos constitutivos. Pinçar um fato, para abordá-lo de uma
maneira isolada, significa efetuar uma observação excluída da relação
que ele tem com outras categorias fatuais que fazem parte do mesmo
âmbito que está em constante mudança. Levando essas considerações
às relações entre os homens no seio da sociedade, significaria descon-
siderar a relevância da cotidianidade bem como outorgar a primazia
ao imaginário em detrimento do real. Por isso, o concreto é a própria
história do homem, em que as relações sociais de poder e a produção
científico-cultural se articulam de forma orgânica em torno da produção
material do homem. O concreto na investigação científica, portanto, é
Leocadio Lameira
147Educação e Cidadania • número 11 • 2009
todo o quadro histórico, com suas condições materiais de produção,
com suas correlações de forças, considerando-se sobretudo a direção
da história (seu vetor). Mais do que isso, o concreto é um desafio que
se define no e pelo trabalho do intelectual, que se verifica e avalia na
prática transformadora. (NOSELLA, 1984, p. 11-12)
Portanto, qualquer análise textual implica necessariamente uma
constante revisitação às circunstâncias das quais ela se deriva. Circuns-
tâncias conjunturais que tornaram esse texto devem, necessariamente,
ser vinculadas ao universo do qual historicamente elas procedem.
Para Japiassu, o ideário metodológico de Ricoeur se resume à se-
guinte proposição:
Seu objetivo é atingir e formular uma teoria da interpretação do ser.
A fenomenologia constitui um momento decisivo de sua metodologia.
(...) Trata-se de um pensamento que se propõe a adotar um método
reflexivo capaz de romper todo e qualquer pacto com o idealismo. (...)
Por isso, o problema próprio a Ricoeur é o da hermenêutica, vale dizer,
o da extração e da interpretação do sentido. (...) Toda a crise atual da
linguagem pode ser resumida na oscilação entre a desmistificação e a
restauração do sentido. E o projeto de Ricoeur não é outro senão o de
redescobrir a autenticidade do sentido graças a um esforço vigoroso de
desmistificação. (Japiassu in RICOEUR, 1977, p. 1)
O sentido das palavras possuem uma origem indubitável no mundo
da concretude, do real, do tangível ou como afirma FREIRE (1983, p. 12)
“A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica
a percepção das relações entre o texto e o contexto.”
Logo, além das diversas conotações que podemos dar ao significado
amplo da pesquisa bibliográfica que pode incluir, além da interpretação,
outras modalidades como a análise de conteúdo, a semiótica, a semân-
tica ou a hermenêutica pode-se inferir que a racionalidade comum à
estas alternativas se resumem no fato de que
(...) os teóricos da hermenêutica têm devotado muito esforço ao
problema do porque e como os seres humanos são capazes de efetuar o
A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores
para as séries iniciais do ensino fundamental
148 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
ato interpretativo. Eles também têm desenvolvido conceitos e métodos
que podem orientar a interpretação de um texto. Um deles é o círculo
hermenêutico que envolve um processo contínuo de alternância entre
interpretar o significado de cada parte do texto e do texto como um
todo. Sendo assim, a interpretação do texto como um todo ajuda a in-
terpretação das partes e vice-versa. O outro princípio reúne situações
deliberativas, a partir do diálogo participativo de encontros em grupo
sobre as características do texto em questão. (Gall et al apud MAGA-
LHÃES, 1996, p. 17-18)
Para atingir os propósitos desta pesquisa, além das colocações acima
referidas, pode-se localizar o princípio metodológico deste trabalho den-
tro do círculo hermenêutico referido por Gall, uma vez que analisando
a documentação das sete (7) Instituições de Ensino Superior que foram
objeto deste estudo, podemos fazer algumas considerações.
Antes de qualquer análise com vistas a interpretação é preciso escla-
recer que, ao chegarmos nas Instituições de Ensino Superior, solicitáva-
mos a listagem das disciplinas que fazem parte do currículo do curso
de Pedagogia - Habilitação Séries Iniciais. Após uma primeira análise,
destacávamos aquelas disciplinas que tinham conotação indagativa
e, deliberadamente, solicitávamos o “programa” dessas disciplinas,
já numa primeira tentativa de verificar seus diferentes significados
bem como suas diferentes formas de apresentação. Para muitas IES,
o Programa da disciplina é apenas o rol das unidades e sub-unidades
que serão desenvolvidas num determinado espaço de tempo, enquanto
que para outra (UFPel), o programa é parte integrante do Plano de
Ensino englobando, além dos conteúdos, os objetivos, a avaliação e
uma bibliografia básica. Uma outra universidade pesquisada (UFSM)
possui o Programa de Ensino apenas com a listagem das unidades e
sub-unidades e um Ementário onde, além da eme nta, encontramos
os objetivos da disciplina. Com relação às leituras indicadas, consi-
deramos bibliografia recente, aquelas obras publicadas há cinco (5)
anos ou menos.
Leocadio Lameira
149Educação e Cidadania • número 11 • 2009
2 AS UNIDADES DE OBSERVAçãO COMO CRITéRIOS PARA UMA
ANÁLISE INTERPRETATIVA
2.1 A FONTE
Para dar início ao princípio do círculo hermenêutico proposto na
metodologia deste estudo, se faz mister, inicialmente, apresentarmos o
elenco de IES que, dentro do conteúdo de seus currículos, apresentam
uma ou mais disciplinas indagativas. Para tal efeito passa-se a consi-
derar tais disciplinas aquelas que dão suporte à pesquisa sistemática.
Entre estas, consideram-se as seguintes: Métodos e Técnicas de Pesquisa
Pedagógica, Estatística Aplicada à Educação, Metodologia e Técnica da
Pesquisa, Medidas Educacionais I, Introdução à Metodologia Científica,
Metodologia Científica e do Estudo, Metodologia da Pesquisa em Edu-
cação, Iniciação à Pesquisa, Matemática e Estatística para Pedagogia,
Metodologia da Pesquisa Educacional, Metodologia Científica, Métodos
Quantitativos em Pesquisa Educacional. Esses conteúdos são aborda-
dos nas seguintes Universidades: Universidade de Santa Cruz do Sul
(UNISC), Universidade da Região da Campanha (URCAMP), Fundação
Universidade do Rio Grande (FUR G), Universidade Federal de Pelotas
(UFPel), Universidade de Caxias do Sul (UCS), Universidade do Vale do
Rio dos Sinos (UNISINOS), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
2.2 A INTERPRETAçãO
2.2.1 A questão do conteúdo
Analisando o conjunto das Instituições de Ensino Superior podemos
fazer três considerações, a saber:
1) A metade das IES estudadas deixam entrever, ora de forma explícita,
ora de forma implícita, uma abordagem das disciplinas analisadas
A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores
para as séries iniciais do ensino fundamental
150 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
com um propósito indagativo. Em algumas, fica claro o envolvimento
do aluno durante todo o semestre, através de seminários e de um
relatório no final da disciplina, o que demonstra um espírito inovador.
As demais apresentam apenas a listagem das unidades e sub-unidades
que serão trabalhadas durante o semestre, sem indicação bibliográ-
fica, dando a entender que são trabalhadas de forma convencional.
2) Das IES que apresentam bibliografia, apenas uma sugere treze (13)
autores, sendo nove (9) indicações e quatro (4) leituras de apoio, as
demais sugerem seis (6) ou sete (7) autores. As publicações são, via
de regra, da década de 70-80, sendo poucos com menos de cinco (5)
anos, o que não tira o mérito dos autores, por serem, na sua maioria,
clássicos em suas áreas. No obstante, o autor desta pesquisa acredita
que uma permanente inserção de obras mais recentes seja adequada
às exigências da inovação do conhecimento no que se refere à forma
de conduzir as investigações e à interpretação do real.
3) De modo geral, não há referência à ação recíproca entre teoria e
prática. Uma ou outra disciplina propõe análise de revisões, teses ou
dissertações. O que podemos constatar é que se privilegia o teórico
em detrimento da prática, como se fosse possível essa dicotomia.
Com o avanço das ciências, está cada vez mais difícil identificar os
limites dos diferentes campos do conhecimento. Biologia e química
(na bioquímica), história e antropologia, antropologia e sociologia são
áreas onde não há como trabalhar sem recorrer aos princípios teóricos
das demais que circunvizinham.
Hoje é praticamente impossível avançar num determinado campo do
conhecimento sem a contribuição das áreas que estejam interligadas
a ele.
De uma forma geral nossos principais ensaístas e pesquisadores
isolam-se em “seus paradigmas” e tendem a ignorar, ou a não incorporar,
os debates das área afins, no trato de questões que se relacionam dire-
tamente com os “recortes” e os problemas de pesquisa que os ocupam.
Leocadio Lameira
151Educação e Cidadania • número 11 • 2009
(...) Está se caminhando, a passos largos, do modelo paradigmático,
das “antigas” ciências da natureza, para o modelo multiparadigmático
das ciências históricas e sociais. No entanto, na área da educação ainda
são muito prestigiadas as fórmulas teóricas abrangentes e, sobretudo
exclusivas, encontramo-las em determinadas formulações teóricas
que invadiram o campo da educação com a pretensão de esgotar o
trato de determinados problemas no âmbito da política educacional,
do desenvolvimento cognitivo, do pensamento educacional etc ... (o
“gramscianismo”, por exemplo, sucedendo o “reprodutivismo”, ou o
“vygotskcismo” destronando o “piagetianismo”...). (BRANDÃO, 1992,
p. 166-167)
O deslumbramento dos recém pós-graduados com o conhecimento
novo adquirido através de seus estudos têm sido o responsável pela
disseminação dessas ideias que, para muitos, se transforma nos modis-
mos téorico-metodológicos.
2.2.2 A questão da relação teoria-prática
A palavra prática é originária do grego práxis que tem o sentido de
agir, de produzir, de executar. Em português, entre outros significados,
encontramos como sinônimo de experiência, maneira de proceder,
aplicação das regras e princípios de uma arte ou ciência. Já a palavra
teoria, também originária do grego theoría, refere-se originalmente à
viagem da delegação das festividades aos locais dos sacrifícios, donde
se desenvolverá a theoría como igual à experiência, isto é, investigação
de eventos e guia para a ação. (SCHMIED-KOWARZIK, 1983, p. 19)
Também em português, dentre outros significados, encontramos
teoria como sinônimo de parte especulativa de uma ciência, conjunto
de princípios fundamentais de uma ciência ou arte. Encontramos em
Sócrates e em Platão a correlação entre teoria e prática, embora com
prioridades diferentes. Enquanto em Sócrates a teoria se coloca a ser-
viço da possibilidade de uma práxis virtuosa do indivíduo, enquanto
revelação maiêutica da consciência, estimulando-o a fazer o que lhe
A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores
para as séries iniciais do ensino fundamental
152 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
cabe na comunidade ética da pólis, em Platão a teoria se coloca numa
ordem hierárquica inversa, reivindicando a transformação da práxis
social que ultrapassa o indivíduo singular, e partindo da ideia do bem
e da justiça. (apud SCHMIED-KOWARZIK, 1983, p. 20)
Aristóteles não aceita esta dependência recíproca entre teoria e prá-
tica, apontada por Sócrates e Platão.
Para ele a teoria é uma forma de reflexão científica básica em todas
as ciências do conhecimento, referida a elementos práticos apenas na
medida em que — por ser vinculada ao processo concreto de investi-
gação — jamais pode se erigir em um puro pensar-se a si mesmo do
pensamento, exclusiva atribuição divina. (...) A este conceito de teoria
se contrapõe um conceito igualmente purificado de prática, que apenas
encerra um momento teórico na medida em que a atividade humana
é mediatizada pela educação em seu sentido mais amplo, nunca po-
dendo ser interpretada como um acontecer natural cego. A diretriz da
prática não é atribuída por Aristóteles a uma teoria científica, mas a
um ensinamento para a ação (téchne) que repousa na própria prática
e funciona como exercício conscientizador dos costumes existentes.
(apud SCHMIED-KOWARZIK, 1983, p. 20)
Denominamos prática toda atividade realizada pelo indivíduo, dife-
rente de qualquer comportamento natural. Como toda ação que não
seja um comportamento natural requer uma decisão consciente, sempre
haverá elementos teóricos nesta ação.
Portanto, a dicotomia entre teoria e prática não é mais possível pois
ambas andam junto, permanentemente, ora com predominância de
uma, ora de outra.
Ao se defrontarem em sala de aula, professor e alunos têm expectati-
vas diferentes, pois possuem diferentes visões de mundo em função das
leituras que fazem da realidade, o que faz com que tenham interpreta-
ções teóricas e experiências de vida próprias. O ato pedagógico deveria
iniciar por levar em consideração tais diferenças e trabalhar com o aluno
a partir das suas (do aluno) experiências e vivências. A realidade que
Leocadio Lameira
153Educação e Cidadania • número 11 • 2009
temos encontrado é bem outra: as disciplinas são enfocadas de uma
maneira intramuros, sem nenhum vínculo com a realidade. A discipli-
na Metodologia da Pesquisa não precisa ficar somente no âmbito da
Universidade. O aluno pode realizar levantamentos junto à Secretaria
Municipal de Educação e/ou nas escolas da região, por exemplo. Tam-
bém a disciplina Métodos Quantitativos, que na verdade trata-se de
Estatística, é trabalhada de forma a causar verdadeiro pânico entre os
alunos da Pedagogia. Não se trabalha com situações que representem
o concreto. Os exemplos, ou s ão retirados de livros que nada têm
a ver com a realidade dos alunos, ou são inventados no momento.
Quando se estuda média, por exemplo, poderia ser trabalhado a
média do aproveitamento dos alunos numa determinada disciplina
ou a média das idades da turma. Enfim, a sala de aula é um espaço
riquíssimo e pouco, ou quase nada, explorado pelos professores. O
incrível é que na hora do Estágio Supervisionado, no final do curso,
é cobrado dos alunos esta visão de conjunto. Eles têm que fazer a
integração dos conteúdos, utilizar as situações do cotidiano e trabalhar
a interdisciplinaridade mas, em momento algum, foram preparados
pelos seus professores durante sua formação.
Os programas não contemplam a relação da teoria com as cir-
cunstâncias reais da escola, da educação escolar, da natureza da
comunidade onde este estabelecimento de ensino está inserido.
Apenas numa das IES estudada, o programa previa um envol-
vimento maior, por parte dos alunos, em atividades indagativas,
quando tinham que elaborar um projeto, ao longo do semestre, e
participar de seminários de estudo, entregando, juntamente com o
relatório final, o fichamento das leituras realizadas.
O papel dos investigadores profissionais é o de produzir conhe-
cimentos gerais, organizados e transmissíveis no âmbito de uma
disciplina científica construída. A vocação dos professores é outra.
Apenas uma minoria será chamada a colaborar activamente em
verdadeiras investigações científicas; um número menor ainda
A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores
para as séries iniciais do ensino fundamental
154 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
trabalhará como professor-investigador num tempo limitado. (PER-
RENOUD, 1993, p. 117)
A formação de professores é distinta da formação de outros profissio-
nais, como os médicos, por exemplo. Quem compreende a fisiologia do
rim tem conhecimento suficiente para entender como funciona o rim do
homem, do macaco ou da galinha. O mesmo acontece com os demais
órgãos. Mas trabalhar com Pedagogia não é a mesma coisa, pelo sim-
ples fato de que se trabalha com a mente das pessoas. E cada pessoa é
única, com suas vontades, seus defeitos, sua virtudes, suas predileções.
A sala de aula é um espaço precioso para o qual o professor deve
estar preparado ou, pelo menos, prevenido. É o local onde surgem si-
tuações inéditas, imprevistas. E o professor deve saber procurar como
enfrentá-las.
Sabemos que nem todos os assuntos ou situações, se prestam para
uma investigação, por parte das crianças. Nestas circunstâncias é cor-
reto “criar” mecanismos que forçam a resolução de problemas? Em se
tratando da formação de professores acreditamos que tal procedimento
é válido, enquanto processo cognitivo. É preciso ter consciência de que
o mais importante, neste caso, é a questão didático-metodológica e não
o rigor científico. O que vale dizer que importa a experiência vivenciada
e não a produção propriamente dita do conhecimento daí decorrente.
Isto não significa tratar a investigação de forma leviana. Pelo contrário,
o que se pretende é que o foco não esteja centrado no rigor científico,
nas questões burocráticas (financiamentos, encaminhamentos), nas
questões técnicas, em se ter uma equipe de especialistas altamente
qualificados e sim que esteja voltado para as questões didáticas.
A investigação obriga a uma maior atenção aos fatos e fenômenos
que normalmente nos passariam desapercebidos. A investigação obriga
a ter uma disciplina tanto na observação em si como nos registros que
devam ser feitos, evitando que sejamos ludibriados por nossos sentidos.
A percepção que temos do mundo que nos rodeia está condicionada
aos conceitos que construímos sobre as coisas que nos rodeiam. E esta
Leocadio Lameira
155Educação e Cidadania • número 11 • 2009
concepção de mundo, por sua vez, depende dos valores (morais, espi-
rituais, intelectuais) que possuímos. A investigação pode nos levar a
modificar esses valores e, consequentemente, modificar nossas concep-
ções o que mudará a percepção que temos do mundo. Aí sim teremos
adquirido conhecimento novo, profundo, não superficial.
A verdadeira investigação, na minha opinião, é aquela em que, mes-
mo com fins didáticos, professor e alunos não conhecem os resultados
previamente, o que somente viria desestimular o trabalho, tornando-o
enfadonho e desinteressante.
A iniciação à investigação é apenas uma entre tantas outras formas
de conduzir um trabalho sobre o real e sobre a própria pessoa. Em
contrapartida, talvez seja esta a única maneira eficaz de desenvol-
ver o espírito crítico e a autonomia dos professores face ao discurso
das ciências humanas, incentivando, ao mesmo tempo, uma atitude
activa, exigente e pragmática relativamente às investigações em
educação. (PERRENOUD, 1993, p. 125)
3 CONSIDERAçõES FINAIS
O desenvolvimento de uma sociedade está diretamente relacionado ao
desenvolvimento de seus indivíduos. O homem se faz nas inter-relações
com as outras pessoas. Se queremos uma sociedade desenvolvida então
teremos que apostar no desenvolvimento de suas crianças.
Enquanto para Piaget a criança não pode aprender se não desenvolver
suas etapas, para Vygotski, as tarefas levam ao amadurecimento das
zonas não desenvolvidas. Ambos concordam que é preciso estimular
desde cedo as crianças para promover seu amadurecimento. É preciso
estimular cedo as crianças para termos investigadores cedo.
A capacidade criadora (produtora) tem por base as experiências anterio-
res, individuais ou dos outros. Não podemos criar sem passarmos pela re-
produção das experiências passadas, recombinando experiências passadas.
A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores
para as séries iniciais do ensino fundamental
156 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Precisamos submeter nossos alunos à situações de experiência, atra-
vés de atividades práticas, se queremos desenvolver neles a capacidade
criadora.
Neste estudo não foi levantada a discussão das disciplinas Meto-
dologia do Ensino [de História, de Matemática, de Ciências, etc.] e
Prática de Ensino. Porém vale lembrar que também são disciplinas
que fazem uma abordagem indagativa, sendo de suma importância
para a investigação. Trabalhamos apenas com as disciplinas que
dão subsídio metodológico à pesquisa, formalmente colocadas no
currículo.
Para concluir, queremos deixar alguns critérios que servirão de
contribuição para repensar a indissolubilidade entre formação do
professor e qualidade do ensino que será ministrado em sala de aula,
considerando que se queremos uma Educação Científica, precisamos
promover a Iniciação à Educação Científica desde as Séries Iniciais do
Ensino Fundamental.
1) Preparo - Os professores das séries iniciais do Ensino Fundamental
devem estar preparados para este tipo de atividade. Esta preparação
não pode se limitar a estudos, sem foco definido, de psicologia in-
fantil ou teorias da aprendizagem e muito menos no que se refere
às questões didático-metodológicas da alfabetização.
Segundo PERRENOUD (1993), ensinar a ler uma criança que chega à
escola quase lendo é uma tarefa que não exige muito preparo. Ensinar
uma criança que não sabe ler mas quer aprender pois convive num
ambiente de ótimo nível intelectual, onde o pai ou a mãe sempre
contam (ou lêem) histórias antes de dormir, é uma tarefa que não
requer um método especial. Mas ensinar uma criança desmotivada,
sem apoio familiar ou que apresenta dificuldades de desenvolvimento
ou de relacionamento é uma atividade que requer um profissional
especializado e competente.
2) Qualidade - Os cursos de formação de professores precisam estar
estruturados de tal forma que possuam disciplinas indagativas em
Leocadio Lameira
157Educação e Cidadania • número 11 • 2009
seus currículos e que sejam efetivamente trabalhadas, ensejando ao
futuro professor uma prática.
A Universidade precisa encarar a formação de professores como uma
tarefa tão importante quanto qualquer outra formação nas diferentes
áreas do conhecimento. E o professor das séries iniciais do Ensino
Fundamental é quem vai construir a base da educação do país. É a
ele que cabe a tarefa de assentar bons alicerces. Qualidade no ensino
não se obtém com decretos ou normas e sim com trabalho sério feito
na sala de aula. E isto só pode ser alcançado por professores que
tiveram, por sua vez, uma formação de qualidade.
3) Teoria X Prática - Não existe teoria sem uma prática assim como não
existe prática que não esteja alicerçada numa teoria. Portanto, não
há como privilegiar uma em detrimento da outra pois elas acontecem
juntas.
4) Em formação - É preciso desmistificar a ideia de formado. Os cursos
de formação de professores, na sua maioria, ao entregar o diploma,
considera o aluno habilitado para o exercício do magistério e não
formado, pronto, acabado. A verdadeira formatura irá acontecer ao
longo da sua vida profissional.
5) Atualização - A atualização permanente, através da participação em
eventos bem como através de leituras é condição imprescindível para
um bom trabalho em sala de aula. A pós-graduação, além de outras
modalidades de caráter informal e não-formal de educação, também
é um caminho propício para a educação continuada.
6) Pesquisa como modalidade indagativa - É possível trabalhar com
crianças das séries iniciais do primeiro grau utilizando a pesquisa
como modalidade indagativa mas é preciso que os professores estejam
preparados para tal pois estarão trilhando caminhos desconhecidos
— para eles e para os alunos — mas que proporciona uma enorme
satisfação quando a descoberta acontece.
158 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores
para as séries iniciais do ensino fundamental
REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DEMO, Pedro. Introdução à metodologia da ciência. São Paulo: Cortez, 1987.
______. Pesquisa. Princípio científico e educativo. São Paulo: Cortez, 1990.
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FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1983.
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MAGALHÃES, Carmem Maria Blanco. Avaliação do aprendizado escolar: uma proposta alternativa. Santa Maria: Dissertação de Mestrado,1996.
NOSELLA, Paolo. Aspectos teóricos da pesquisa educacional: da metafí-sica ao empírico, do empírico ao concreto. Educação e Sociedade. São Paulo: Cortez, n. 19, dez. 1984.
PERRENOUD, Philippe. Práticas pedagógicas, profissão docente e forma-ção: perspectivas sociológicas. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1993.
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SCHMIED-KOWARZIK, Wolfdietrich. Pedagogia dialética: de Aristóteles a Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 1983.
LEOCADIO JOSÉ CORREIA RIBAS LAMEIRA
Licenciado em Ciências (UFRGS), Licenciado em Ciências Biológicas
(UFSM), Especialista em Ensino de Ciências (UCS), Especialista em
Educação a Distância (UnB), Mestre em Educação (UFSM) e Doutor
em Educação (Unicamp), Membro da 1ª Missão Brasileira Mec/Capes
no Timor Leste.
E-mail: leo.lameira@uol.com.br
Leocadio Lameira
159Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Recebido em: 16/09/2009
Aceito em: 30/09/2009
LAMEIRA, Leocadio José Correia Ribas. A relevância das disciplinas
indagativas na formação de professores para as séries iniciais do ensino
fundamental. Revista Educação e Cidadania. Porto Alegre, ano 11, n.
11, p. 139-159, 2009.
Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor1
Leda Lísia Franciosi Portal
RESUMOInstigados pelo desamor do mundo, vazio de sentido e significado de vida, carên-cia de ética e moralidade, falta de estímulo profissional e necessidade de maior investimento no processo evolutivo individual do Ser Humano Integral (Social, Emocional, Espiritual e Racional) a pesquisa investiga a complexidade do Ser Professor em seu estar, fazer e conviver no mundo. Selecionados, por alunos, professores do Curso de Pedagogia UniRitter em Inventário de Desempenho Do-cente, objetivou apontar os que em sua docência mais se aproximam de processo educativo de inteireza, revelador, possivelmente, de sua própria formação. De abordagem metodológica qualitativa/transdisciplinar o estudo sugeriu dimensões: História de Vida e Auto Formação: a construção do Ser; Professores: a complexi-dade de Ser; Convivência: a travessia na relação com o outro e Educação e Ação Docente: uma sutil tessitura, evidenciando entrevistados que refletem sobre seu trabalho, mobilizam conhecimentos, vontades e competências. Investem na autoformação pela importância que atribuem ao processo pedagógico e exemplo que julgam dar de responsabilidade e compromisso de profissionais experientes, reconhecidos, respeitados, prestigiados e merecedores de confiabilidade. Media-dores de alternativas de formação, contribuem para ótimo ambiente de trabalho, sensíveis ao diálogo, atentos à escuta, à perspicaz capacidade de leitura, análise e interpretação das situações pedagógicas. Parceiros de jornada, disponíveis no apoio na superação de dificuldades/imprevistos na construção de conhecimentos que oportunizem o “tornar-se”. Preocupados com seu próprio desenvolvimento, rigorosos avaliadores de suas práticas, reflexivos sobre suas vivências/experiên-cias, são capazes de responder às exigências educativas da contemporaneidade. Resultados alertam novas proposições curriculares aos cursos de Pedagogia para investimento em autoformação; educação continuada; princípios de atenção a si no exercício da docência. A Inteireza do Ser, vivenciada pelos professores, é a própria existência transdisciplinar, indicando busca de prática transformativa integral na construção/tradução de novo homem com características dessa In-teireza: uma aposta na sua condição de humanidade.
PALAVRAS-CHAVEInteireza do ser; Significado da vida; Pensar ousado e prática integrada.
ABSTRACTAmazed by the absence of love in the world, by the meaninglessness of life, by the deficiency of ethics and morality, by the lack of professional stimulus and by
1 Este artigo deriva de projeto de pesquisa que conta com a participação de bolsistas de Iniciação Científica, mestrandos e doutorandos, a quem agradecemos: Adriana Loss zorzan, Clarita Eveline Moraes Varella, Cristiane Diello Granville, Fátima Veiga Mendonça, Gionara Tauchen, Isinha Marques, Izabel Cristina Feijó de Andrade, Jair Felipe.
Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor
162 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
the need of greater investment in human being’s individual integral evolutional process (in the social, emotional, spiritual and rational senses), this study re-searches the complexity the Teacher-Being in their existing, doing and living in the world with others. Selected by their students, professors from the Pedagogy Course at UniRitter responded the Teachers’ Performance Inventory, whose objective is to reveal the ones that, in their teaching practice, come the closest to an educational process directed towards wholeness. This ability is possibly due to their own formation. The study follows the qualitative-transdisciplinary methodology, and suggests some dimensions: Life histories and self-formation: the building of the being; Teachers: the complexity of being; Living together: a journey in the relation with others; and Education and pedagogical action: a subtle interweaving. 2Adriana Loss Zorzan, Clarita Eveline Moraes Varella, Cristiane Diello Granville, Fátima Veiga Mendonça, Gionara Tauchen, Isinha Marques, Izabel Cristina Feijó de Andrade, Jair Felipe Umann, Jaqueline Maissiat, Lisandra Alves Nascimento, Marisonia Pederiva da Broi, Mônica Riet Goulart, Valderesa Moro, Valquíria Pezzi Parode. Inajara Barreto Kirst3
These dimensions unveil participants that reflect upon their work and dy-namize their knowledge, will and competences. The teachers invest in self-formation because they attribute importance to the pedagogical process and because they consider themselves models of responsibility and commitment, being the experienced, acknowledged, respected, distinguished and trust-worthy professionals that they are.They are also mediators of alternatives of formation. Moreover, they contribute to creating an ideal work environment, as they open to dialog, listen attentively, read, analyze and interpret pedagogical situations. These teachers are partners in a journey, available to help others to overcome difficulties and contingencies in the construction of knowledge that offers others the opportunity to “become”. Concerned with their own de-velopment, they are rigorous evaluators of their own practices. As they reflect on their background and experience, they can respond to present educational demands. The results of the study point toward new curriculum propostions for the Pedagogy courses that aim at continual educational self-formation and at building principles of attention both to pedagogical action and to the self. Wholeness of being, when pursued by teachers, is transdisciplinary experi-ence itself, indicating the search of a transforming integral practice towards the building-translation of a new human being that holds the characteristics of wholeness: a wish for human condition.
KEy WORDSWholenss of being; Meaning of life; Daring thinking; Integral practice.
Este artigo relata e analisa os resultados obtidos na segunda etapa
da Pesquisa desenvolvida no UniRitter “O Despertar da Inteireza: um
Leda Lísia Franciosi Portal
163Educação e Cidadania • número 11 • 2009
pensar ousado, uma prática integrada para a importância e significado
da vida humana na gestão educacional de pessoas”, que propõe como
objetivo investigar a complexidade do Ser humano professor, que na
percepção de seus alunos, demonstra, em suas práticas docentes,
preocupação com o seu estar, seu fazer, seu conviver e o seu ser no
mundo, o que o torna diferente O referido estudo está inserido no
Grupo de Pesquisa “Educação para a Inteireza: um (re) descobrir-se”,
pertencente ao Programa de Pós-Graduação em Educação PUCRS,
em seu eixo temático “Inteireza do Ser”. O projeto, numa abordagem
qualitativa de cunho transdisciplinar, teve seu início em 2006 com
previsão de término em 2008, envolvendo como sujeitos do estudo
professores docentes dos Cursos de Pedagogia de Universidades de
Porto Alegre – PUCRS, UNIRITTER, UFRGS. Esclarecidos e orientados
os alunos sobre a importância de sua participação na avaliação de
seus professores e os objetivos da pesquisa, foram selecionados em
cada uma das Universidades os dez professores mais pontuados pela
indicação de no mínimo dez de seus alunos por meio de Inventário de
Desempenho Docente (Ungaretti, 2005), construído segundo critérios
de Inteireza (Wilber, 2003).
Com os professores selecionados foram realizadas entrevistas
semi-estruturadas com questões alusivas aos objetivos e ao problema
que se pretendeu investigar: Como os professores que propiciam uma
Educação para a Inteireza concebem e percebem seu próprio processo
subjetivo e como se manifesta em sua prática docente (gestão de pessoas
no processo educacional)?
Analisados os resultados emergentes orientados pela triangulação
do Referencial Qualitativo Textual (Moraes, 2007), Metodologia Trans-
disciplinar (Nicolescu, 2001) e Sete saberes Necessários à Educação
do Futuro (Morin, 2000), optou-se por agrupá-los, tal como em sua
1ª etapa, em dimensões que expressaram o processo em investigação
nessa Universidade.
Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor
164 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
1 HISTóRIA DE VIDA E AUTOFORMAçãO: A CONSTRUçãO DO
SER
Nas histórias de vida contadas pelos entrevistados aparecem momen-
tos de tristeza e de alegria, a partir das experiências por eles vivencia-
das na infância que exigiram de muitos deles, um intenso processo de
autotransformação. Segundo eles seus problemas familiares foram tão
significativos (por um lado, pais alcoólatras, separados e com problemas
de saúde e, por outro, amor filial e interação fraterna) que eles próprios
tiveram que encontrar um caminho para se tornarem pessoas melhores
e profissionais dotados de “um olhar essencialmente humano diante de
seus alunos, independente da faixa-etária que lecionam”. Tais fatos em
suas falas, marcaram suas escolhas profissionais, sendo referendados
a partir de Josso (2004, p. 41), quando afirma que:
A formação descreve os processos que afetam as nossas identidades e a nossa subjetividade. Ela indica, assim, um dos caminhos para que o sujeito oriente, com lucidez, as próprias aprendizagens e o seu processo de formação. Se aprendizagem experiencial é um meio poderoso de elaboração e de integração do saber-fazer e dos conhecimentos, o seu domínio pode torna-se um suporte eficaz de transformações.
No processo de auto-transformação dos entrevistados percebeu-se um
forte vínculo com a experiência vivida seja no contexto familiar, cultural,
social ou religioso que os influenciou em suas decisões profissionais.
Assim, é importante ter em mente a ênfase dada por Jung (1988) à
educação, quando defende que o exemplo pessoal e a personalidade dos
pais como, também, dos professores, pode se tornar um fator decisivo
em qualquer pedagogia. A influência dessas pessoas neles exercida fez
nascer o desejo pelo testemunho e pela forma de atuarem junto aos
alunos ou em outros espaços de suas vidas, levando-os a perceber o
quanto essas pessoas mostraram-se extremamente competentes, indo em
Leda Lísia Franciosi Portal
165Educação e Cidadania • número 11 • 2009
busca de desafios. Um dos depoimentos revela tal situação: “[...] quando
adolescente tive uma professora muito importante e ela influenciou muito
na hora da minha escolha profissional. Na Universidade encantei-me com
a Filosofia e tive outros professores que me influenciaram, pois tinham
segurança muito grande nos valores que pregavam. Outra influência
foi de minha avó que era dona de escola e professora alfabetizadora”.
Hoje sabemos que não é possível separar o eu pessoal do eu profissional, sobretudo numa profissão fortemente impregnada de valores e ideais e muito exigente do ponto de vista do empenhamento e da relação humana. Houve um tempo em que a possibilidade de estudar o ensino, para além da subjetividade do professor, foi considerada um sucesso científico e um passo essencial em direção a uma ciência da educação. (NÓVOA, 1995, p. 7)
Ser professor é um desafio que possibilita reflexões sobre a real
satisfação do profissional que optou por este caminho. Quanto a este
enfoque, verificou-se que a maioria dos entrevistados se sente satisfeita
com a realidade vivenciada, evidenciando-se em alguns deles certa
insatisfação vinculada às questões sociais como, por exemplo, “preo-
cupação com as crianças de rua” ou mesmo com as questões educacio-
nais, definindo-as como situação geradora de desânimo: “às vezes tem-se
desânimo, ganha-se pouco, não se é reconhecido” e os alunos, muitas
vezes, não demonstram reciprocidade com a intencionalidade docente.
Para os entrevistados, ser professor é, sobretudo, ser feliz, professar
a fé e a certeza de que nada terá sido em vão (tudo terá valido a pena)
se o aluno sentir-se feliz pelo que foi aprendido e pelo que foi ensinado.
Esta situação de felicidade relatada, relaciona-se à busca de sentido,
que segundo Josso:
Trata-se do amor, dado ou recebido sob todas as formas: sentimento amoroso, paixão, amizade, amor filial, camaradagem, compaixão, solicitude, por outras palavras, todas as formas
Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor
166 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
de ligação ou de relação em que uma pessoa considera afetivamente significativa (JOSSO, 2004, p. 92).
Ser feliz neste professar, poderia estar relacionado à diferenciação
estabelecida entre professor e educador como afirmaram alguns pro-
fessores entrevistados, ao dizerem que ser educador significa “perce-
ber o professor num sentido muito pleno, que vai além do desenvolver
conteúdos, comprometendo-se com a construção de um novo homem e
de uma nova sociedade, na busca de compreensão do mundo em que se
vive, em todas as perspectivas. É ser parceiro na busca da compreensão
do mundo, ou ainda, é um ser descobridor de saberes”.
As opções teóricas e pedagógicas, a abertura ou resistência à inovação não é tanto uma questão de ignorância dos mestres e dos familiares, de esclarecimento ou de conhecimento teórico, nem ideológico e político, mas é basicamente uma questão de auto-imagem e identidade pessoal e profissional reforçada por interesses sociais. Não é fácil redefinir valores ou pensamentos, práticas ou condutas socialmente incorporadas a nossa personalidade profissional. (...) Está em jogo o pensar, o sentir e ser da gente. (ARROYO, 2000, p. 70)
Esta auto-imagem e identidade pessoal e profissional dos professo-
res revelam-se a partir de algumas características fundamentais que
em seus entendimentos acompanha o “ser professor”: gosto, carinho,
admiração, disposição, aparência física, dedicação, vontade, amor ao
que se faz, humildade, responsabilidade, disposição de compartilhar e
acreditar muito na possibilidade do crescimento do outro. É desejo do
professor manter com a escola e a comunidade uma relação de parceria,
de proximidade, relacionando-se, no contexto profissional, de maneira
extremamente amorosa para consequentemente, sentir-se valorizado,
amado e respeitado. Se admitirmos a complexidade de Morin (2001, p.
108-109), ser professor é:
Leda Lísia Franciosi Portal
167Educação e Cidadania • número 11 • 2009
(...) um ser de afetividade intensa e instável, que sorri, ri, chora, um ser ansioso e angustiado, um ser gozador, ébrio, estático, violento, furioso, amante, um ser invadido pelo imaginário, um ser que conhece a morte, mas que não pode acreditar nela, um ser que segrega o mito e a magia, um ser possuído pelos espíritos e pelos deuses, um ser que se alimenta de ilusões e de quimeras, um ser subjetivo, cujas relações com o mundo objetivo são sempre incertas, um ser sujeito ao erro e à vagabundagem, um ser úbrico que produz desordem.
Diante das ideias emergentes, ser professor “não é uma relação só pro-
fissional, é uma relação também de afeto, de construção, de prova, porque
daí eu também me construo”. A convivência é um aspecto importante
na vida destes professores e é a base para o ser humano compartilhar
e sobreviver. Nesta convivência, acreditam que o aluno evidencia uma
relação de respeito, de afetividade, reciprocidade, confiança e abertura.
Apenas um entrevistado relacionou o “ser professor” com “o domínio
de conteúdos”: um conjunto de conhecimentos básicos (pedagógicos e
específicos) que deve ser dominado pelo professor de modo a ensinar
algum conhecimento particular. Contrapondo essa idéia, outros entrevis-
tados apontaram para o desenvolvimento do educador-pesquisador que
está sempre buscando aprender. É nessa perspectiva que Josso procura
estudar os processos de formação do ponto de vista do aprendente:
Como objeto de observação e objeto pensado, a formação, encarada do ponto de vista do aprendente, torna-se um conceito gerador em torno do qual vêm agruparem-se, progressivamente, conceitos descritivos: processos, temporalidade, experiência, aprendizagem, conhecimento e saber-fazer, temática, tensão dialética, consciência, subjetividade, identidade. Pensar a formação do ponto de vista do aprendente é, evidentemente, não ignorar o que dizem as disciplinas das ciências do humano. [...] É procurar ouvir o lugar desses processos e sua articulação na dinâmica dessas vidas (JOSSO, 2004, p. 38).
Outra leitura vinculada à profissão do professor, mencionada pelos
entrevistados, é a sua competência técnica e o componente político da
Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor
168 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
clareza de sua intencionalidade. Acreditam que ser professor é um
desafio constante, considerando-se a necessidade de se desacomodar
e mostrar-se sensível e disponível para cada dia fazer diferente. O
domínio técnico, quando desvinculado da dimensão humana, parece
não dar conta do sucesso profissional o que se evidencia na fala: “só
porque o professor domina o conteúdo, não quer dizer que seja um
bom professor”.
É importante frisar que, para os entrevistados, o que é essencial é
“saber lidar com o ser humano, ou seja, ser professor é se sensibilizar
e acolher o sujeito, promover e exaltar a vida em termos de desenvolvi-
mento, aprender com os alunos, ter cumplicidade, humildade e reconhe-
cimento de sua incompletude e de sua finitude. Tais posicionamentos
vêm ao encontro do que propõe Libâneo (2005, p. 13), quando diz:
um projeto educativo que visa promover e conscientizar as pessoas de que a vida é pertencimento ao universo e que o desenvolvimento da espécie humana depende de um projeto mundial de preservação da vida, não rejeita o conhecimento racional e outras formas de conhecimento, mas insiste em considerar a vida como uma totalidade em que o todo se encontra na parte, cada parte é um todo, porque o todo está nela. Daí que a consciência da pessoa só pode ser comunitária, ecológica e cósmica.
Por isso, é importante pensar sobre as implicações das propostas de
trabalho para os alunos, o que vem ao encontro do que Perrenoud (2000)
aponta quando diz que o professor deverá ter claro aonde quer chegar, o
que quer trabalhar, quais os obstáculos com os quais pode se confrontar
com todos ou parte de seus alunos. Precisa estar envolvido por inteiro
no processo educativo e esta ideia está presente no depoimento dos
professores entrevistados: “um professor por inteiro é essencial e para
tanto é preciso tempo e dedicação”; “é estar apaixonada pelo que faz e
apaixonada pela educação” ; “é ser otimista, entusiasmada, inquieta e
gostar de desafios”.
Leda Lísia Franciosi Portal
169Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Refletindo sobre esses depoimentos, é possível relacioná-los ao que
propõe Morin (2000) quando se refere aos problemas fundamentais do
homem, vinculados ao amor, à morte, à doença, ao ciúme, à ambição
e ao dinheiro. Elementos necessários para compreender a vida, mas
não suficientes. É preciso que o ser humano perceba a poesia no viver.
Neste sentido, Morin alerta:
“há uma resistência a uma vida unicamente utilitária que se manifesta na busca de uma vida mais intensa, poética. Porque se pode dizer que na vida há dois eixos: o prosaico e o poético. O prosaico são as coisas que devemos fazer por obrigação, comer, estudar e outras necessidades vitais. A qualidade poética vem das coisas feitas com gosto, amor, prazer e paixão”. (p. 18)
Para tanto, a literatura e a poesia têm a vantagem de refletir a com-
plexidade do ser humano e a quantidade incrível de seus sonhos. Estar
apaixonado pela Educação pode ser exemplo desta essência sonhadora
vivenciada pelos professores investigados.
Identificamos na pesquisa, o quanto ser professor é uma opção de
vida e o quanto precisa de uma longa trajetória na sua ação docente,
para alcançar a perspectiva de sentir-se professor, educador, mediador de
sonhos e de ideais. As experiências de vida são essenciais na formação
do professor e é necessário conhecer e trabalhar suas consequências na
prática docente. A reflexão sobre as ações empreendidas na práxis pro-
move aprendizagens tendo como eixo as experiências e a auto-formação/
auto-transformação do professor. A experiência se torna fonte de saber
e ponto de partida para a construção profissional.
Segundo Josso (1988), na narração sobre a história de vida, o profes-
sor se depara com questões objetivas e com a exaustividade do que vai
falar. Ao longo do processo das entrevistas, os professores percebem que
a “rememoração é um processo associativo que se refina e se enriquece
com as outras narrativas e com as questões suscitadas em cada nar-
rativa”. Isso foi evidenciado pelos entrevistados, quando questionados
Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor
170 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
sobre sua concepção de vida. Neste percurso perceberam que o caráter
da questão seria trazer pontos da subjetividade, já que se trata de “co-
nhecer e compreender os significados que cada um atribui ou atribuiu
em cada período de sua existência aos acontecimentos e situações que
viveu”, enquanto formadores docentes (JOSSO, 1988, p. 42).
A concepção de vida externalizada vincula-se ao caráter de dádiva
e de graça, traduzindo-se como alegria, energia, esperança, família,
trabalho, celebração, humor, emoção, afeto, plenitude, harmonia, eter-
nidade, felicidade integral, saúde, dinheiro, sol, luz, pessoas, amizade,
humanidade, verdade, doação, sonhos, relacionamentos e conforto.
Os entrevistados ressaltaram o sentido integrado e integrador que a
vida tem para si, representado na fala: “[...] é um estar, mas um estar
inteiro, ou seja, na perspectiva da inteireza do ser”. Em outra fala foi
pontuada a transitoriedade da vida: “[...] é uma travessia, um simples
correr rapidamente que se dá na relação com o outro, num mundo que se
mostra paradoxal”, ou ainda, “[...] a vida é uma forma de experimentar
relações humanas em toda a sua potencialidade”.
A vida que se mostra em construção na relação com o outro foi tam-
bém um fator ressaltado nas entrevistas. A necessidade de estar com
o outro e considerar o outro é intrínseca à vida desses professores. Por
isso, ao utilizarmos as narrativas para nos aproximarmos das experiên-
cias por eles vividas foi possível fazer uma análise das aprendizagens
experienciais relacionadas aos seus processos de formação pessoal e
profissional compreendidos como auto-formação. Resolver problemas
do cotidiano, sem se dar conta das formulações e soluções teóricas
que podem se aplicar a eles, faz com que o sujeito aprenda a partir da
experiência que essa ação produziu. O professor cria representações,
compreende e orienta sua prática pedagógica, utilizando o que apren-
deu com a experiência. É nesse sentido que Josso (2004) introduz o
conceito de experiências formadoras e procura tratar dessas experiências
vividas e da aprendizagem que elas produzem, acompanhadas de uma
formulação teórica e uma simbolização.
Leda Lísia Franciosi Portal
171Educação e Cidadania • número 11 • 2009
[...] o que faz uma experiência formadora é uma aprendizagem que articula, hierarquicamente: saber-fazer e conhecimentos, funcionalidade e significação, técnicas e valores num espaço-tempo que oferece a cada um a oportunidade de uma presença para si e para a situação, por meio da mobilização de uma pluralidade de registros (JOSSO, 2004, p. 39).
Entendendo-se experiências como vivências particulares que adqui-
rem status de significação quando é feito certo trabalho de reflexão
sobre o que passou, sobre o que foi observado, percebido e sentido,
percebe-se esta dinâmica marcar as histórias de vida dos professores
entrevistados, estando presente na concepção de vida que apresentaram
a responsabilidade de sua contribuição: “[...] quero contribuir com que
estou fazendo”; “[...] tudo está ao nosso alcance, e nós mesmos temos
que tentar fazer”; “[...] é um momento de parar e pensar não é mais só
aquilo que eu tenho, que eu posso, nós não nos bastamos mais”.
Nesta construção que se faz individual, porém, também coletiva,
surgiu a preocupação com o momento que vivem marcado por ruptu-
ras, crises que os levam a um repensar suas atitudes e propósitos de
vida. Retratou-se na fala a seguir a expressão dessa preocupação: “[...]
estamos passando por uma fase de crise e rupturas; estamos perdendo
coisas importantes, laços importantes. As pessoas estão muito concen-
tradas no consumir, no ter e a identidade acaba se constituindo de uma
forma muito individual.”
A percepção do contexto é algo constante na visão dos entrevistados.
Se por um lado ressaltaram o “momento bom de suas vidas”, por outro,
dado ao caráter intrínseco que imprimem à mesma, de relação com o
outro, revelaram a “preocupação com os rumos pelos quais se encaminha
a humanidade”. Nesse aspecto aparece a necessidade que sentem de
“colaborar com a melhoria das relações humanas”.
Reforçaram insistentemente o objetivo de “transformar um viver que
é fragmentado e individualista em um viver que é integral e coletivo
vinculando sua Vida a vida na Terra”, enfatizando a visão ecológica de
Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor
172 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
seu estar no mundo “[...] nós vamos ter que fazer alguma coisa. E esse
fazer não são as grandes revoluções, mas fazeres locais que darão certo,
nas comunidades, nas escolas, nas universidades [...]”.
Acreditamos que essa perspectiva propicia o prazer em atuar e ali-
cerça novos desafios, em tempos de tantas mudanças. Esses professores
deixaram perceber, além da formação técnica, algo mais. Suas vidas
são pontuadas por um envolvimento elevado com sua própria pessoa e
a pessoa do aluno e somente aqueles que se compreendem a si, é que
conseguem projetar em sua ação docente este desejo de compreender
o outro. Talvez seja esta a marca que diferencia estes professores, dos
demais.
2 PROFESSORES: A COMPLEXIDADE DE SER
Os entrevistados, quando questionados sobre quem são, descre-
veram-se como aprendentes, incompletos, criativos, sensíveis, afetivos,
alegres e otimistas. Demonstram em suas palavras alegria em viver e preo-
cupação com suas relações inter-pessoais: “[...] minha razão é a razão de
viver”. Falam de uma vida simples, com momentos de convivência e lazer.
Percebeu-se um posicionamento “[...] ético, respeitoso, batalhador e
proativo” em diversas falas: “[...] respeito e gosto de respeitar eticamente
meus colegas, mas, também, sou uma pessoa que busca seu espaço, sou
batalhadora”.
Em relação ao seu aspecto físico, pouco foi citado, mas entre as falas
surgiu a preocupação com as atividades físicas, com a aparência, com
uma vida saudável e com o sentir-se bem física e espiritualmente, na
busca de equilibração dessas polaridades.
A família – parceiros, filhos, pais – foi lembrada quando pensam
em expectativas, medos e relações. Destacaram a importância dessas
pessoas em suas vidas e a necessidade de ver que “[...] estejam bem,
sejam pessoas legais, bem sucedidas, felizes e honestas”. Muitos entre-
Leda Lísia Franciosi Portal
173Educação e Cidadania • número 11 • 2009
vistados falaram do quanto não saberiam viver sozinhos e do quanto
essas pessoas influenciaram e influenciam em suas vidas, em suas
crenças e em seus valores.
Ao remeterem-se à descrição de vida, é interessante salientar como
a questão profissional veio à tona, pois descrevem a sala de aula como
um espaço de tessitura de relações e de um momento no qual podem
colaborar com outras pessoas na construção de uma vida melhor. Lu-
tam pela educação e acreditam em sua potencialidade, vendo nela um
caminho de “[...] construção coletiva, de respeito às pessoas, de sensi-
bilidade, de busca de um ambiente harmonioso”. Essa relação aparece
mais fortemente na frase: “[...] eu tenho muita esperança, eu acredito
muito, eu tenho um lado bem de utopia, eu tenho muita esperança que
possamos, ainda ver um mundo melhor, uma sociedade melhor e a
educação tem uma parcela muito grande nisso. Sou uma educadora de
plantão sempre, não relaxo em casa com relação a isso, a educadora
está presente em todas as situações da minha vida.”
Para Nòvoa (1997) fica claro que as dimensões pessoais e profissionais
não podem ser separadas e que uma influenciará fortemente na outra:
no professor não é possível separar as dimensões pessoais e profissionais; a forma como cada um vive a profissão de professor é tão (ou mais) importante do que as técnicas que aplica ou os conhecimentos que transmite; os professores constroem a sua identidade por referência a saberes (práticos e teóricos), mas também por adesão a um conjunto de valores. (NÓVOA, 1997, p. 33)
Paralelo aos depoimentos surgiu a necessidade sentida pelos profes-
sores de equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal e o quanto
a profissão absorve as horas de lazer e de convivência. Sobre sonhos
e expectativas, os entrevistados disseram esperar poder viajar, ter ho-
rários mais livres e flexíveis para o lazer, citando como atividades que
proporcionam prazer: caminhar, dançar, ler um bom livro, assistir uma
boa peça de teatro, um bom filme e estar próximo da natureza.
Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor
174 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
O momento social atual foi o mais citado ao falarem de seus medos
e desafios: “[...] os medos na travessia; o medo de que com este mundo
que está se apresentando não consigam gerar uma síntese em tempo”.
Vêem como desafios o continuar crescendo, trabalhando, contribuindo
na vida de outras pessoas, podendo dar e receber ajuda nessa sociedade
individualista e pobre de valores. Incomodam-se com as questões da
política brasileira, o futuro do Brasil, a falta de dinheiro, a violência, o
desemprego, a exploração do empregado: “[...] tu estás numa instituição,
tu tens horários de ponto, tu tens demissão, tu tens argüição, tu tens
colegas indo pra rua, tu tens que te adequar aos trâmites burocráticos”.
A crise paradigmática também atinge a escola e ela se pergunta sobre si mesma, sobre seu papel como instituição numa sociedade pós-moderna e pós-industrial, caracterizada pela globalização da economia, das comunicações, da educação e da cultura, pelo pluralismo político, pela emergência do poder local. Nessa sociedade cresce a reivindicação pela participação e autonomia contra toda forma de uniformização e o desejo de afirmação da singularidade de cada região, de cada língua, etc. A multiculturalidade é a marca mais significativa do nosso tempo. (GADOTTI, 2003, p. 33)
Para Gadotti (2003) a escola, agente que reproduz e transforma a
sociedade e a cultura, mantém uma relação dialética com a sociedade,
buscando, através de práticas inovadoras, o compromisso com a for-
mação crítica e integral do homem, tornando-o um sujeito capaz de
analisar a realidade e transformá-la a partir de determinantes sociais,
políticos, econômicos e ideológicos fundamentados. Os movimentos
de reprodução e transformação, função primeira da escola, ocorrem si-
multaneamente. A prática educativa dos docentes se apresenta bastante
complexa, diante dessa realidade, e as preocupações que trazem em suas
falas perpassam justamente as constantes e ininterruptas transformações
pelas quais escola e sociedade estão passando.
A consciência do passar do tempo e do envelhecimento também foi
um aspecto que surgiu como preocupação dos professores entrevistados
Leda Lísia Franciosi Portal
175Educação e Cidadania • número 11 • 2009
ao falarem de seus medos: “[...] não o medo do envelhecimento, que
isso aí tu tens que te acostumar com os traços, com as marcas, elas são
bonitas, estão aí, é a tua vida que está sendo forjada no teu corpo, no
teu rosto. Mas a questão do teu desempenho intelectual, é uma preocu-
pação que a gente tem que ter, de estar sempre se exercitando, ligado
nas coisas, porque o idoso começa a passar por um processo de alienação
que não depende dele, quando ele começa a perder a possibilidade de
se comunicar com o mundo. É uma coisa que temos que nos preocupar
e estar sempre atentos a isso, fazer ginástica, ler bastante, estar atento
ao que acontece com o mundo, tem que ser uma pessoa do mundo que
acompanhe tudo que está acontecendo e se adaptando às mudanças do
seu tempo”.
Em relação às questões de espiritualidade, com exceção de um
entrevistado, que se referiu à confissão religiosa, os demais apre-
sentaram visão de desenvolvimento espiritual relacionado à fé, ao
equilíbrio, à energia superior. Os rituais, principalmente os da igreja
católica – religião da maior parte do grupo entrevistado – não são o
meio principal pelo qual os professores entrevistados desenvolvem a
sua espiritualidade. Surgiu a ideia de um sentido maior em tudo o que
fazem e o que acontece em suas vidas. Consideram que não se está
aqui a passeio e que há uma vida além da terrena. Mais uma vez, as
relações humanas afloraram por meio do respeito na proximidade,
no afeto, no olhar o outro. “[...] é essa coisa de viver intensamente.
Cada dia, cada instante o que tu estás fazendo naquele momento”.
Falaram da crença em um mundo melhor e acreditam em energias
que movem as pessoas e as situações, o que alguns chamam de Deus,
outros de universo.
Zohar e Marshall (2000, p. 21) enfatizam que
a inteligência espiritual unifica, integra [...] facilita um diálogo entre razão e emoção, entre mente e corpo. Fornece um centro de crescimento e transformação; dá ao Eu, um centro ativo, unificado, gerador de sentido.
Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor
176 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Outro aspecto que apareceu na compreensão de espiritualidade foi o
equilíbrio entre o emocional, o racional e o espiritual: “[...] as pessoas
têm que estar em um constante equilíbrio, pois não seria bom se pre-
ocupar somente em aprender coisas da sua área sem equilibrar o lado
espiritual. Apesar de cada pessoa acreditar em uma coisa diferente, cada
um deve buscar o seu equilíbrio, uma conexão consigo mesmo e com o
universo, com a terra, o sol, o vento [...] tudo tem uma certa energia”. A
espiritualidade se caracteriza por sua natureza transformadora, sendo
através dela que podemos exercer plenamente o livre-arbítrio.
Apesar dessa diversidade de visões e crenças, foi marcante a impor-
tância da oração e da espiritualidade na vida de cada um dos profes-
sores que foram ouvidos nessa pesquisa. Falas como estas traduzem
essa necessidade de forma clara e objetiva: “[...] é importante ter uma
religiosidade, uma espiritualidade, o que não se restringe em ir numa
missa. Já tive épocas que eu ia, hoje aquele ritual de ali ficar sentada,
aquilo não me diz muito, e sim uma oração, um pensamento, momentos
de estar mais introspectiva, de agradecer, de pedir alguma coisa. Essa
espiritualidade de parar um pouco pra pensar, incluindo as frustrações”.
“Sou uma pessoa que reza muito, acredito em Deus. Lido bem com as
coisas de afeto, de religião”. “A minha trajetória é muito iluminada.
Quando tenho alguma dificuldade eu rezo, peço a Deus que me ajude,
eu mentalizo muita coisa positiva”.
Afirma Tardif (2002) que, “todo o professor transpõe para a sua prática
aquilo que é como pessoa”, portanto essas questões que emergem no
desenvolvimento espiritual destes professores são as que possivelmente
os fazem ser um diferencial para seus alunos.
Dentro desse contexto, de acordo com Nòvoa (1997), o processo
identitário passa também pela capacidade de exercermos com autono-
mia a nossa atividade, pelo sentimento de que controlamos o nosso
trabalho. A maneira como cada um de nós ensina, diretamente depende
da imagem que temos da profissão, e está em relação direta com aquilo
que somos como pessoa quando exercemos o ensino.
Leda Lísia Franciosi Portal
177Educação e Cidadania • número 11 • 2009
3 CONVIVêNCIA: A TRAVESSIA NA RELAçãO COM O OUTRO
A maioria dos professores do estudo busca uma relação boa e feliz.
Acreditam nas pessoas e em suas possibilidades, respeitando as diferen-
ças como fundamentais, sendo necessário suportarem-se e aprenderem
nesse convívio. Prezam o relacionamento com todos da instituição,
citando a transparência e o prazer nestas relações, como questões que
pautam suas vidas. Vivenciam, em grande parte, o convívio com fami-
liares: pais, irmãos, cônjuge e filhos bem como com amigos; colegas
e alunos, sendo fundamental para suas vidas, em termos de valores.
Consideram a convivência o ponto mais importante em suas vidas, a
base do ser humano, uma questão de sobrevivência: “[...] convivência é
tudo, devemos estar sempre retomando pontos, reativando e revigorando
os relacionamentos”. Salientaram a grande importância da convivência,
apontando não conseguirem viver sós e reforçam essa importância ao
acrescentarem ser a mesma uma forma de sentirem-se completos. “[...]
toda pessoa é o que é na relação com os outros”.
Citaram a importância dos relacionamentos como forma até de tera-
pia, chegando a dizer que a relação em sala de aula é mágica, pois apesar
de estarem muitas vezes cansados e deprimidos, ao entrarem na sala de
aula se transformam, necessitando da ajuda dos alunos para se mante-
rem saudáveis. A questão saudável foi reafirmada quando acrescentaram
que o convívio com os jovens os faz manterem-se ativos. O compartilhar
foi mencionado como extremamente gratificante, relacionando-o com
a vivência com os alunos, não só no aspecto profissional (professor/
aluno), mas em um convívio de afeto, de construção e de muita auto-
nomia para ambos. “Nosso coração tem que ser acarinhado, fortificado”.
“Aí está o encantamento maior, que talvez não seja o próprio trabalho,
mas o convívio com aquele universo de pessoas.” Afirmaram, também,
que “[...] temos que ser pessoas de paz e na medida em que se procura
fazer acontecer isso, o mundo também responde dessa forma. É preciso
conseguir viver relações de paz. E isso é um compromisso de todos.”
Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor
178 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Houve uma menção de que embora busquem uma aproximação saudável
são, algumas vezes, surpreendidos com respostas negativas por parte dos
alunos que muitas vezes dizem preferir: “[...] um professor que chegue, dê
o texto e que baixem a cabeça e trabalhem”. Enfatizaram ser propiciadores
de um relacionamento “[...] bem aberto, transparente, sincero e de trocas
intensas”, considerando ser de sua responsabilidade “[...] a criação e ma-
nutenção de um clima de harmonia, promissor para uma “excelência” no
trabalho”. Família foi apontada como base, como porto seguro e que pela
qual enfrentariam todas as dificuldades diversas vezes. Amigos são consi-
derados “preciosos”, revelam escolhas e sua importância é atribuída pela
possibilidade dessa relação ser viabilizadora de aprendizagem em termos
de convivência, de respeito e de saber dividir. O conflito foi enfocado como
necessário, natural nos relacionamentos devendo neles ser mantido o amor,
o afeto e a parceria, bem como percebê-los como possibilidade de manter
a capacidade de transformação. “O conflito serve para o engrandecimento”
Esta complexidade, para os entrevistados permite que compreendam
as teias das relações existentes entre todas as coisas. Trata-se, porém, de
perceberem que ao transformarem suas práticas estarão se renovando
para um caminho multidimensional, para além do conteúdo e das aulas
tradicionais. A relação dialógica, neste sentido, a partir das entrevistas,
produz condições para que essa prática renovadora e autônoma possa
se solidarizar com outras e outros companheiros de formação da edu-
cação. A fala a seguir, dialoga com a afirmação de Morin (2000, p. 77):
(...) a agonia planetária não é só a soma de conflitos tradicionais de todos contra todos, mas as crises de diversas espécies, mais o surgimento de problemas novos sem solução, é um todo que se nutre desses ingredientes conflituais, de crise e de problemas, englobando-os, ultrapassando-os e, por sua vez, alimentando-os (...)
Na relação dialógica crêem, que o ser humano desenvolve-se e organi-
za-se, transformando-se e, como sujeito participa de seus grupos sociais,
de sua cultura; têm sentimentos e sente a necessidade de expressá-los,
Leda Lísia Franciosi Portal
179Educação e Cidadania • número 11 • 2009
porque é gente, é humano. Nesta compreensão, a transdisciplinaridade
surge como maneira de romper com os limites que fragmentam o saber
e a visão de educadores e alunos. A consciência reflexiva de si e do
mundo implica necessidade de mudança diante da vida, respaldado em
Morin (2000, p. 100), ao afirmar:
O problema da complexidade joga-se em várias frentes, vários terrenos. O pensamento complexo deve preencher várias condições para ser complexo: deve ligar o objeto ao sujeito e ao seu ambiente; deve considerar o objeto, não como objeto, mas como sistema-organização levantando os problemas complexos da organização. Deve respeitar a multidimensionalidade dos seres e das coisas. Deve trabalhar-dialogar com a incerteza, com o irracionalizável. Não deve desintegrar o mundo dos fenômenos, mas tentar dar conta dele mutilando-o o menos possível.
Uma característica marcante entre os professores entrevistados foi a
capacidade de rever suas atitudes, pois embora percebam haver con-
flitos, divergências, diversidades, imperfeições e constantes trocas nas
relações buscam retomar o equilíbrio, exercitando, ao surgir estranha-
mentos, a tolerância e o perdão. “A vida é aquilo que se transmite e se
compartilha na prática;” “sem querer ser negativista, num mundo onde
o que se vê e se vivencia ao nosso redor, tudo que se escuta, são experi-
ências de não vida. Num mundo onde as pessoas vão se devorando, se
caçando, onde a desesperança e o negativismo campeiam por ai, produz
dificuldades de toda ordem. A relação com o mundo é uma guerra que
se tem a conquistar”
Mostraram, em suas narrativas, serem pessoas exigentes e essa
exigência estar presente nos relacionamentos para que possam ser de
qualidade. São pessoas abertas ao diálogo, dizendo ser fundamental
acima de tudo ouvir e não só falar.
Demonstraram consciência da complexidade dos relacionamentos e
por isso, buscam sempre melhorá-los, tornando estes laços mais fortes
em suas vidas.
Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor
180 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Salientaram basear a sua convivência com os outros na sua relação
pessoal com Deus, bem como considerar todas as pessoas importantes.
Cumpre ressaltar, considerarem mais importante, antes mesmo do
convívio com os outros o estar-bem consigo mesmo para que assim
possam estar bem com quem se relacionam. Manifestaram ser cuida-
dosos inclusive com o ambiente externo que os cerca para torná-lo o
máximo possível agradável.
4 EDUCAçãO E AçãO DOCENTE: UMA SUTIL TESSITURA
Nas entrevistas realizadas, os professores desvelaram seus mundos,
compartilharam suas histórias de vida vivenciando cada emoção revi-
sitada naquele momento, salientando suas palavras impregnadas de
subjetividade o que representa as trajetórias de vida e as circunstâncias,
que dizem respeito ao caminho individual percorrido em sua vida.
Josso (2004) defende que a construção pessoal ajuda o outro a se
mobilizar, no sentido de buscar seu próprio caminho no processo
formativo. Dessa forma, evidencia os referenciais, as estratégias e os
recursos utilizados na busca de sua autoformação, na procura de um
saber viver a própria existencialidade. Proporciona ao outro a reflexão
sobre si mesmo e um olhar retrospectivo e prospectivo de quem é, o que
pensa, faz, valoriza e deseja na sua relação consigo, com o outro, com o
ambiente e o mundo, em uma dimensão afetiva sobre o que foi vivido.
Na questão referente aos conceitos, posicionamentos e reflexões sobre
educação, emergiram palavras a ela relacionadas como peças de um
grande mosaico: inter-relação, convivência, interação, diálogo, tolerância,
bem-estar, paixão, compromisso, dedicação, formação, conhecimento,
orientação e referência. Diálogo, construção, crescimento recíproco,
parceria, intercâmbio, cooperação, inclusão, acesso, possibilidade,
emancipação, democratização, igualdade, cidadania, humanização,
problema social.
Leda Lísia Franciosi Portal
181Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Educação se coloca como um problema social e um fenômeno de
inter-relação que se constrói a cada encontro e movimento, estando
vinculada ao propósito de construir um ser humano por inteiro, A edu-
cação precisa ser um instrumento de construção de um mundo em que
caibam todos, sob todos os aspectos: material, ético, biológico, estético,
enfim, um ser sob todos os pontos de vista, um Ser de Inteireza.
Nesta direção, Wilber (2003) reforça que a vida é uma série de
espirais dentro de espirais, aos quais denominou de hólon dentro de
outros hólons em busca do desenvolvimento integral; físico, mental,
espiritual e emocional.
A educação é entendida pelos entrevistados como formação; modifi-
cação de atitude e de comportamento, transformação da personalidade,
equilíbrio em todos os níveis, acrescida de orientação e referência que
possibilita a cada um se encontrar e se constituir como sujeito individual
e coletivo tendo um desenvolvimento integral.
“[...] educação é o despertar o desejo que o aluno tem desde pequeno
de pesquisar, de descobrir coisas, de perguntar, de saber mais. Educar é
formar uma pessoa melhor, não naquilo que tu acreditas ser melhor, mas
em relação ao que ela vai definindo, na medida em que, vai avançando
ao longo da sua escolaridade. Educação é uma coisa para vida toda,
a gente está sempre se formando”. “[...] educação é emoção, desejo de
aprender, mobilização para a transformação”.
Conforme Maturana (1999), a educação vai ocorrer o tempo todo no
convívio com o outro; de maneira recíproca, ocorre uma transformação
estrutural, contingente com uma história no conviver e na troca afetiva.
Tal posicionamento se reforça nas falas
“[...] educação tem a haver com convivência, conhecimento, constru-
ção, interação e bem-estar, para mim é uma coisa muito mais ampla
que somente uma escola, uma instituição de ensino.” “[...] é uma pre-
disposição, um cenário, uma coisa muito mais abrangente do que um
aprendizado dentro de uma instituição de ensino, ou sala de aula, seja,
no ensino fundamental, pré-escola ou ensino superior.” Asseveraram,
Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor
182 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
ainda a necessidade de um cenário para configurar essa educação, quer
seja, de bem estar físico como de saúde. Entendem que são necessários
vários elementos que propiciem momentos de aprendizagem, ressal-
tando a importância das questões da ética, da moral e da convivência.
Dentro dessa perspectiva, a educação é entendida pelos professores
entrevistados como algo que torna viável o desenvolvimento humano,
que é o processo. O humano não se torna humano sem educação. Cor-
roborando com essa ideia, afirmaram que “[...] a educação é um projeto
que não se faz solitariamente, mas de forma compartilhada e que só
pode se desenvolver através de um objetivo claro e consciente de pessoas
que compartilham deste projeto, e, ao mesmo tempo, traçam alianças
de parceria para tornar vivo e real os propósitos que o definiram e que
se construiram de forma partilhada (...)”. Consideram fundamental a
coerência do que pensam com o que fazem acreditando que as pessoas
são importantes para mostrarem nossas contradições - isto é cooperação.
Desse modo, sob uma abordagem transdisciplinar, essas contradições
precisam estabelecer relações que possibilitem trocar ideias, debater,
argumentar, planejar e articular conhecimentos diversos, criando, por-
tanto, “a cooperação e a policompetência” (Morin, 2003).
Isso é confirmado a partir de depoimentos como de um entrevistado
que propõe: “Não vai haver desenvolvimento sem descentração, sem
pessoas que compartilhem deste projeto e que se suportem e se acolham
nas diferenças; é a questão da tolerância, que sem Deus é impossível”.
Essa postura representada pode ser interpretada a partir dos estudos
em que Morin (2001) afirma que a condição humana depende das ci-
ências naturais renovadas e reunidas: cosmologia, ciências da Terra e
Ecologia. Essas apresentam um tipo de conhecimento que organiza um
saber anteriormente disperso e compartimentado, despertando questões
fundamentais: o que é o mundo, o que é nossa Terra, de onde viemos?
“Elas nos permitem inserir e situar a condição humana no cosmo, na
terra, na vida, ”(MORIN, 2001, p. 45) e consequentemente na ideia de
Deus.
Leda Lísia Franciosi Portal
183Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Face ao exposto, a educação se revela como uma vivência de huma-
nização entre a razão e o sagrado que trazem também uma vertente
epistemológica que permite olhar o outro de outro modo. Traz uma ideia
de dialética, de dialógica, de unidade dos contrários e de complexidade.
De acordo com o mesmo autor (2001), para conhecer a realidade é ne-
cessário conhecer a complexidade das coisas, olhar a realidade de outra
forma, de forma complexa. Mas, não basta saber, conhecer, tem que ser.
O complexo se opõe ao pensamento linear, sendo que a complexidade
está em aprender a dialógica, a dialética, os elos, não só de conexão,
mas de transformação que ocorre em todas as situações possíveis. A
complexidade é uma forma de conhecer a realidade integrando, ao
mesmo tempo, o desconhecido, de tal forma que nos libera de toda a
racionalidade e torna possível o inconcebível. Segundo Morin (2000,
p. 207):
O pensamento complexo é, pois, essencialmente o pensamento que trata com a incerteza e que é capaz de conceber a organização. É o pensamento capaz de reunir (complexus: aquilo que é tecido conjuntamente), de contextualizar, de globalizar, mas, do mesmo tempo, capaz de reconhecer o singular, o individual, o concreto.
Assim, pode-se afirmar que através do pensamento complexo, o que
importa ressaltar é o fato de que, no lugar do sujeito seguro, baseado
em certezas absolutas, tem-se tal como os encontrados no estudo, um
sujeito interrogante que, diante desse mundo complexo, em acelerado
processo de transformação, tenta encontrar um novo centro ou uma
nova ordem, considerando a relevância das dúvidas e das incertezas. As
crises e os desafios da educação, da formação docente, das exigências
do mercado e das políticas neoliberais; da exclusão social e da falta de
significado para a práxis pedagógica, retrataram o complexo contexto
em que se vive.
O mais importante, de acordo com os entrevistados, é a questão do
outro, do olhar, do querer estar junto, ombro a ombro numa relação de
Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor
184 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
parceria, que reflete a maneira de cada ser ver a educação, tornando
possível o que parece muitas vezes inconcebível. Merece transcrição a
fala que sintetiza o contexto da educação dos entrevistados: “Educação
é tudo, é a base que dá a possibilidade de buscar os direitos que se têm,
de se tornar um sujeito mais crítico, que possa fazer escolhas.”
Os entrevistados ressaltaram, também, a importância da inter-relação
entre teoria e prática. Afirmam não ter como separar a própria vivência,
questões do cotidiano com outras áreas do conhecimento e com suas
práticas pedagógicas, até porque, concebem que as coisas não estão e
não são separadas, mas, interligadas “perspectiva interdisciplinar e trans-
disciplinar”. Assim, a educação por eles vivenciada se reflete em suas
práticas; há uma identificação da educação vivenciada, uma articulação
com as coisas do cotidiano e o conceito que eles possuem de educar.
Admitem trabalhar buscando à integração do grupo, mas, afirmaram
que para que isso aconteça, é preciso cada um estar inteiro na relação
consigo, com o educando, estabelecendo uma relação de troca, de diá-
logo e de parceria. É necessário interagir com eles para ter uma profunda
motivação, vivenciar esta proposta de forma intensa.
A sala de aula é considerada como um espaço mobilizador de reflexão,
de prazer, mas, também, de exigência, onde o aluno, através da proposta
do professor, tem que construir a sua própria proposta: “autonomia é
extremamente importante”.
A forma de expressarem seus valores na prática é fruto do entusiasmo
com suas próprias ideias e da paixão de serem educadores, também, a
partir de suas sensibilidades com relação aos seus próprios preconceitos.
Assim, o papel do profissional é o de socializar e reformular, repensar
suas próprias ideias. O entusiasmo viabiliza ainda, a construção da boa
convivência para com as outras pessoas: “[...] gostar muito dessa coisa
de fazer junto, trocar com o grupo, viver”.
Os entrevistados colocaram a importância da articulação com outras dis-
ciplinas, com outras áreas de conhecimento que estão a serviço da pesquisa
em educação e direcionadas para formação de professores, portanto não
Leda Lísia Franciosi Portal
185Educação e Cidadania • número 11 • 2009
podem ser isoladas, mas devem estar dentro de um contexto maior: “[...]
não adianta o aluno saber ler e escrever e não ter opinião crítica, então tem
que ter esse conhecimento amplo, isso é importante, faz parte da cidadania”.
De acordo com Nicolescu (2001), a transdisciplinaridade é complementar
a disciplinaridade, assim como, a multi e a interdisciplinaridade, ela cria
um espaço no qual as disciplinas se encontram e transcendem suas bar-
reiras imaginárias. Funciona como uma ligação entre todas as disciplinas
ocupando-se com que está ao mesmo tempo entre, através e além delas.
Enfatizaram as questões de valor ao afirmarem: “[...] temos que
aprender a conviver em grupo, então o jogo, a condição compartilhada,
a discussão em grande grupo, isto é metodologia de ensino” que necessita
pautar-se em outras possibilidades, exigindo um outro olhar, um outro
atuar e um outro pensar.
Quanto à avaliação do desempenho profissional e desempenho de
seus alunos, os entrevistados “[...] revelaram ousar viver de forma mais
próxima possível daquilo que acreditam, pois é difícil ser uma pessoa no
campo profissional e outra no pessoal”. Têm convicção de que são “[...]
esforçados e que deram certo na área profissional”, o que ficou evidente
e comprovado na coerência de suas práticas educativas. Sentem-se
profissionais bem sucedidos, reconhecidos, pelo próprio retorno que
têm de seus alunos, por isso mesmo, entendem que precisam se com-
prometer cada vez mais com eles. Enfatizaram não entrarem em sala
de aula sem preparação; consideram-se dedicados, envolvidos com o
que fazem, investindo em querer buscar sempre mais; são movidos
pela paixão pelas coisas que fazem.
A avaliação é percebida e vivenciada por eles como um processo que
percorre envolvimento, não exigindo um padrão, mas, implicando busca
de soluções, de respostas, para encontrar alternativas na superação ou
minimização das dificuldades. Assim, a avaliação é realizada a cada
aula, com o intuito de verificar os avanços e as dificuldades dos alunos.
Os trabalhos são escritos, individuais e em grupo, nos quais os alunos
têm que desenvolver a argumentação e apresentar um posicionamento.
Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor
186 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Em termos profissionais reforçam ser difícil separar a vida pessoal da
profissional, até porque entendem estar tudo interligado. “[...] na medida
em que se vai observando como conduzir a aula e como o grupo está se
relacionando dentro disso, se avalia a melhora profissional e também, se
avalia a pessoa em si, tudo junto”. Afirmaram que sua avaliação pessoal
e profissional não é medida por nenhum instrumento, porque ela se
dá no sentido de construção. Acreditam que seu papel é mobilizar os
alunos, para que busquem o seu aprimoramento. Consideram-se pes-
soas insatisfeitas, imperfeitas e incompletas em termos de construção
de conhecimentos, pois estão sempre buscando melhorar. “Tenho muito
a crescer enquanto pessoa, enquanto relacionamento aprimorar, tanto
com meus filhos, quanto com minha família em geral, com as pessoas
com que convivo”.
Os entrevistados afirmaram conceber a avaliação como um proces-
so sempre continuado, preocupando-se quando os alunos não estão
construindo um conhecimento significativo: ”[...] se o aluno não está
construindo, necessariamente é porque também preciso me reavaliar,
porque alguma coisa não está bem no meu trabalho, então, procuro
sempre me incluir no processo de avaliação. O fracasso do aluno é o fra-
casso do professor”. Crêem que aquele aluno que não está conseguindo
acompanhar merece ser reorientado com atividades diferenciadas, com
outro tipo de proposta para que ele realmente possa se incluir: ”[...]
eu sou crítica comigo, porque estou sempre procurando melhorar, mas
procuro aceitar também as minhas limitações na busca desta melhoria”.
Consideram avaliação inerente a uma proposta político-pedagógica
de educação, a um referencial teórico-metodológico assumido e que
traduz as concepções e crenças do professor, porém está atrelada a
certas exigências administrativas do curso, da disciplina e depende da
modalidade de organização curricular da instituição a qual pertence,
em determinado momento histórico. “Não podemos pensar na avalia-
ção desvinculada da epistemologia do conhecimento e das práticas que
desenvolvemos, o que desvela nossas próprias crenças“. Enfatizam ser a
Leda Lísia Franciosi Portal
187Educação e Cidadania • número 11 • 2009
avaliação um processo social interativo em (re) construção, priorizando
a necessidade “[...] do sujeito exercitar sua autoria, construir sua iden-
tidade na descentração, na convivência em grupo, no jogo, na condição
compartilhada e na discussão em grande grupo”. Vêem a aprendizagem
como uma construção auto-biográfica, e, em função disso, organizam
a avaliação de suas disciplinas como auto-reflexão das aprendizagens,
para que se torne processual: “[...] a avaliação é processo que requer
compromisso de ambos os lados.”
5 UMA POSSíVEL CONTRIBUIçãO
Analisadas as falas, longe de identificar os professores escolhidos
com listas intermináveis de atributos, de competências abundantes
descritas nos tratados de pedagogia e nos relatórios internacionais, a
pesquisa deixou notório o que nos aponta Nóvoa (2007) no que enten-
de por ser um autêntico professor: “Possui conhecimento, revela tacto
pedagógico e assume responsabilidade profissional plena”. Demonstra
a impossibilidade de separar as dimensões pessoais das profissionais,
pois “ensinamos aquilo que somos e naquilo que somos encontra-se
muito daquilo que ensinamos” (p. 27)
Os professores entrevistados refletem sobre seu trabalho, mobilizam
conhecimentos, vontades e competências. Investem em sua autoforma-
ção não só pela importância que atribuem ao processo pedagógico, mas
pelo exemplo que julgam dar de responsabilidade e de compromisso de
profissionais com experiência, reconhecidos, respeitados e prestigiados
por seus pares e, principalmente por seus alunos, sendo merecedores
deles de confiabilidade, instaurando entre eles clima de confiança. Exce-
lentes mediadores de alternativas de formação, contribuem na criação de
um ótimo ambiente de trabalho, sensíveis a um diálogo franco e aberto,
estando atentos à escuta aliada a uma perspicaz capacidade de leitura,
de análise e de interpretação das situações pedagógicas. Parceiros de
Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor
188 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
jornada disponibilizam-se no apoio e auxílio na superação de dificul-
dades e imprevistos, vislumbrando a construção de conhecimentos que
oportunizem o “tornar-se”. Preocupados com seu próprio desenvolvi-
mento são rigorosos avaliadores de suas práticas, reflexivos sobre suas
próprias vivências e experiências, tornando-se capazes de responder
às exigências educativas da sociedade contemporânea: “Educar para
a compreensão humana” (102) ... “tendo na consciência a emergência
última da qualidade do sujeito” (126)
Os resultados obtidos podem vir a contribuir para a autoformação dos
professores tanto nos cursos de formação, no desafio em novas proposi-
ções curriculares, quanto no investimento na educação continuada, nos
princípios de atenção a si, no que o professor pensa, diz, sente, significa e
faz e na ética que permeia o trabalho educativo. Trata-se de um processo
de permanente reflexão e compreensão do compromisso profissional que
também constitui-se compromisso social. Pouco a pouco vislumbra-se o
renascer de uma nova perspectiva de “fazer-se”, “tornar-se” professor
de pensar ousado, de prática integrada para a importância e significado
na vida humana na gestão educacional de pessoas. São inspiradores
de uma aprendizagem cidadã capaz de repor a dignidade da condição
humana e da criação de novas instituições educacionais pluraristas,
transgressoras e democráticas que pretendam encorajar as futuras ge-
rações no exercício de seu direito planetário de repensar o mundo de
modo mais ético e responsável.
Os professores analisados são as suas próprias falas e o resultado
da pesquisa é uma nova elaboração textual, a construção de uma nova
fala, elaborada na interação triangulada pelos pensamentos dos entre-
vistados, dos teóricos e dos pesquisadores. Suas falas são produto e
representação dos quadrantes de Wilber, anunciando que a consciência
do que se é, não se altera de um quadrante para o outro. Deixam perce-
ber que nossa existência é transdisciplinar (Nicolescu) porque vivemos
uma realidade complexa não só representada nos referidos quadrantes,
mas pelas relações por eles estabelecidas, mediadas pelos diferentes
Leda Lísia Franciosi Portal
189Educação e Cidadania • número 11 • 2009
níveis de realidade, percebidos pelos diferentes níveis de consciência da
dinâmica da espiral (Wilber, Beck. e Cowan) em que a sobrevivência e
a transcendência (D`Ambrosio) são, nas palavras de Nicolescu, flechas
do mesmo arco. O terceiro incluído: o próprio sujeito professor atravessa
verticalmente os níveis de realidade, exercendo a ação de transformação
pelos movimentos holográfico, autônomo, dialógico e recursivo (Morin),
agindo e complexificando a realidade construída. Assim a Inteireza do
Ser é a própria existência transdisciplinar, indicando uma busca por
uma prática transformativa integral na construção e tradução de um
novo homem com características na Inteireza do Ser: uma aposta na sua
condição de humanidade, vivenciada pelos professores dessa pesquisa
em suas docências no Curso de Pedagogia da UniRitter.
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Leda Lísia Franciosi Portal
191Educação e Cidadania • número 11 • 2009
LEDA LÍSIA FRANCIOSI PORTAL
Doutora em Educação, professora adjunta do PPGE/PUCRS, coordena-
dora da pesquisa que deu origem a este artigo.
E-mail: llfp@pucrs.br
Recebido em: 01/10/2009
Aceito em: 22/10/2009
PORTAL, Leda Lísia Francios. Inteireza do ser: um processo educa-
tivo de autoformação do ser humano professor. Revista Educação e
Cidadania. Porto Alegre, ano 11, n. 11, p. 161-191, 2009.
Projetos na pauta de duas revistas educacionais (1939-2009)
Lenir dos Santos Moraes
“Sixto Martínez fez o serviço militar num quartel de Sevilha. No meio do pátio desse quartel havia um banquinho. Junto ao banquinho, um soldado montava guarda. Ninguém sabia por que se montava guarda para o banquinho. A guarda era feita porque sim, noite e dia, todas as noites, todos os dias, e de geração em geração os oficiais transmitiam a ordem e os soldados obedeciam. Ninguém nunca questionou, ninguém nunca perguntou. Assim era feito, e sempre tinha sido feito. E assim continuou sendo feito até que alguém, não sei qual general ou coronel, quis conhecer a ordem original. Foi preciso revirar os arquivos a fundo. E depois de muito cavoucar, soube-se. Fazia trinta e um anos, dois meses e quatro dias que um oficial tinha mandado montar guarda junto ao banquinho, que fora recém-pintado, para que ninguém sentasse na tinta fresca” (Eduardo Galeano, 2005).
A pesquisa intitulada “Projetos na pauta de duas revistas educacio-
nais: (1939-2009)” teve como foco as práticas escolares realizadas sob
a denominação de projetos. Como professora e profissional envolvida
com o campo educacional há quase 24 anos, esse tema se delineou na
recorrência de planejamentos que se faziam por meio da organização
por projetos. Para ilustrar meu interesse por tal tema, recorro à imagem
de uma figura questionadora que protagoniza uma das histórias do
“Livro dos abraços”, de Eduardo Galeano, de 2005.
Assim como a personagem “Martínez” da referida obra, a vontade
de saber me impeliu a tomar quase como uma responsabilidade o ques-
tionamento seguinte: como se instaurou esse estatuto de verdade que
alçou as práticas de projetos pedagógicos a um estatuto tão privilegiado
nas decisões no campo do planejamento em educação?
Projetos na pauta de duas revistas educacionais (1939-2009)
196 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Essa pergunta não foi fruto de algum tipo de insatisfação em rela-
ção ao planejamento por meio de projetos, mas da constatação de que
práticas produzidas sob a organização de projetos tornaram-se tema
privilegiado de conversas na educação, ocupando um espaço de prefe-
rência como modalidade de organização de ensino quase hegemônico.
Dessa forma, passei a investigar os modos pelos quais a prática de
projetos entra no cenário educacional movimentando sentidos e pos-
sibilidades e assume caráter de planejamento e organização curricular
privilegiada.
Problematizei, também, continuidades e descontinuidades nesse mo-
vimento, procurando mostrar os sentidos e os significados que projetos
tomam em diferentes tempos, conforme condições de possibilidades
específicas.
Além disso, tive a intenção de mostrar como o planejamento edu-
cacional através de projetos de ensino se manteve presente como
um dos princípios e verdades que sustentam as práticas pedagógicas
consideradas “adequadas” na ordem do discurso educacional, e como
ele passou a ser considerado uma importante estratégia para produzir
sujeitos escolares em uma sociedade disciplinar e também de seguridade.
Esse contexto educacional, de certa forma, estava a exigir uma análise
de como se gestaram as condições para esse entendimento dos projetos
de ensino na educação contemporânea e de que forma o uso de pro-
jetos como prática pedagógica nos currículos escolares brasileiros se
tornou comum e, até mesmo, quase “natural”, porque não mais objeto
de discussão, sendo defendido pela grande maioria dos educadores e
dos sistemas de ensino. Existe, com certeza, um espaço que precisa
ser ocupado no campo dos debates educacionais por essas indagações
que buscam compreender quais foram as condições de possibilidade
para que essa prática tenha se tornado considerada a excelência do
planejamento e da organização curricular. Investigar as racionalidades
que deram emergência a essa forma de pensar e realizar a prática pe-
dagógica para entender como e por que a educação viu nos projetos
Lenir dos Santos Moraes
197Educação e Cidadania • número 11 • 2009
a possibilidade de uma prática exemplar é importante, quando mais
não seja, para que possamos assumir essa proposta com consistência
teórica e capacidade de defesa de seus princípios, assim como se evite
colocar um específico tipo de organização de ensino no lugar da única
possibilidade prestigiada.
Neste estudo, então, partiu-se do entendimento de que os projetos
se constituíram como uma das estratégias que implementam uma
racionalidade política para a potencialização das forças do Estado no
governo de indivíduos. O planejamento por projetos e as decorrências
de organizar a prática educativa dessa maneira foram abordados como
estratégias de poder que constituem uma forma de pensar e de organizar
modos de vida em sintonia com uma razão de Estado.
A escolha metodológica para efetivar essas investigações que tentam
identificar o momento em que se criam as condições nas quais se dá a
emergência dos projetos na ordem do discurso educacional foi a análise
documental de revistas educacionais voltadas ao público docente. O
material empírico escolhido para analisar foram exemplares da Revista
do Ensino do Rio Grande do Sul e da Revista Nova Escola.
As edições da Revista do Ensino do Rio Grande do Sul que circularam
de 1939 até 1995 serviram de base para mostrar os sentidos e as produti-
vidades nas enunciações. Para dizer do olhar que recebem os projetos de
ensino no presente, foram utilizadas as edições de 1986 a 2009 da Revista
Nova Escola. Por meio da pesquisa nesses materiais, procurou-se entender
como se relacionaram efeitos de verdade, relações de saber-poder nos
regimes de produção da verdade. Ao garimpar excertos que enunciavam
a importância e a relevância de realizar projetos educativos, a intenção
foi destacar a recorrência de enunciações, separando-as em unidades de
sentido conforme o modo de argumentação em torno das afirmações que
respaldam práticas pedagógicas ou a organização curricular por projetos.
Foram analisadas recorrências dos discursos que circulam nessas
revistas optando-se por assumir um olhar de inspiração foucaultiana
como ferramenta de análise teórica. Essa escolha se deveu à inten-
Projetos na pauta de duas revistas educacionais (1939-2009)
198 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
cionalidade da pesquisa de procurar as condições de possibilidade
que deram sustentação para os significados construídos para projetos
na contemporaneidade e como essas estratégias vêm funcionando na
condução das condutas em diferentes configurações da escola, da so-
ciedade e do Estado.
O primeiro passo para a realização desse tipo de análise foi fazer
exercícios de “desnaturalização” dos projetos como prática pedagógica
privilegiada. Nesse sentido, a principal hipótese levantada foi a de que
esse tipo de organização de ensino atua como uma estratégia de con-
trole, regulação e normalização. Essa explicação ganha força quando
se procede ao exame dos usos e das rotinas próprias às práticas de
projetos que buscam dar visibilidade ao que se diz sobre e em deter-
minado tempo acerca do que sejam as “boas práticas pedagógicas”,
interrogando evidências que produzem uma “verdade” ao propagar um
tipo de prática como a melhor, a mais atualizada, a mais inovadora, a
mais significativa, a que melhor ensina.
A vontade de saber sobre as práticas que permitiram que a realização
de projetos de ensino passasse a ser entendida como “a inovação e a
eficiência pedagógica da escola” levou à necessidade de olhar, desde a
exterioridade dos ditos projetos, os efeitos de emergência que assumem
na contemporaneidade escolar. Sendo assim, durante todo o processo de
pesquisa e de análise do material documental fornecido pelas revistas,
procurou-se explicitar as condições que fizeram de práticas nominadas
por projetos a lógica quase hegemônica (pelo menos na ordem do dis-
curso) do planejamento pedagógico e da organização curricular.
Para tanto, as perguntas que nortearam a análise documental que
sustentou metodologicamente essa dissertação foram:
• Comoseevidenciaapráticadeprojetosnoperíodode1930a2009
nas revistas analisadas? Que sentidos e produtividades enunciam?
• Que verdades deram sustentação para que a prática de projetos
assumisse a centralidade e se mantivesse atualizada na ordem do
discurso escolar?
Lenir dos Santos Moraes
199Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Para a leitura dos materiais, foram usadas como ferramentas analíticas
as categorias “discurso”, “verdade” e “tecnologia de poder”. Também se
buscou manter uma perspectiva metodológica inspirada na “genealogia”
de Michel Foucault, uma vez que apenas com o tempo do processo de
mestrado não seria possível realizar um estudo genealógico na acepção
foucaultiana. A análise de discurso serviu de base ao estudo das recor-
rências e deslocamentos vislumbrados à proporção que se adotou uma
posição de recusa às explicações unívocas e às fáceis interpretações. O
conceito de “tecnologia de poder” mereceu destaque na investigação das
regularidades enunciativas que produziam efeitos que operavam como
um conjunto de estratégias ligadas ao campo do poder. A inspiração
genealógica, definida como uma prática de pesquisa num sentido his-
tórico que não se apoia em nenhum absoluto, apreende os movimentos
de um campo de verdade, destacando as relações de poder, a fim de
analisá-las em suas tecnologias, ressituando a constituição dos campos,
dos domínios e objetos de saber (FOUCAULT, 2008b).
Foi possível observar as descontinuidades no exercício do planejamen-
to por projetos de ensino na sua orientação pelos princípios regidos pelo
movimento da Escola Nova. Os projetos emergem na cena educacional
quando a escola assume que seu papel não se centra mais na transmis-
são dos conhecimentos, mas sim, na intenção de forjar subjetividades
escolares com capacidade de inserção na vida social e profissional para
a nova sociedade homogênea e democrática, pautada pelo princípio de
igualdade de oportunidade para todos.
Quando nos interrogamos - Será que tudo virou projeto? – evidencia-
mos nosso desconcerto diante da polissemia e da proliferação discursiva
que produzem e divulgam projetos como a prática mais adequada atra-
vés das recorrências dos discursos e condições das suas possibilidades
de deslocamento na escola.
Na análise das descontinuidades, podemos perceber a lógica exercida
num planejamento de práticas de projetos como metodologia e como
prevenção e gestão. Já no campo das continuidades, é possível assinalar
Projetos na pauta de duas revistas educacionais (1939-2009)
200 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
algumas das verdades que continuam sustentando a permanência da
prática de projetos de ensino na pauta da escola contemporânea. Podemos
destacar: Projetos para uma aprendizagem pelo interesse e pela necessi-
dade, Projetos para uma aprendizagem na busca de soluções e preparação
para a vida e Projetos para uma aprendizagem eficaz e inovadora.
Num deslocamento pautado pelo neoliberalismo, os projetos são in-
vestidos da capacidade de criar possibilidades de parcerias com outras
instituições da sociedade organizada, ampliado de tal maneira seu sen-
tido, que passam a integrar a pauta das propostas de encaminhamento
às questões de âmbito social, operando como se fossem estratégia de
prevenção de riscos e de gestão de situações. Nesse movimento de
deslocamento se manifesta a vontade de governar as condutas indi-
viduais e coletivas através de políticas assistencialistas que buscam
se justificar atribuindo-se o mérito da promoção do sucesso escolar.
Também foi possível perceber discursos das teorias psi, do movimento
da Escola Nova, do Neoliberalismo e discursos legais dando condições
de possibilidade ao deslocamento da escola para uma permanência de
projetos no campo educacional.
Nas continuidades analisadas, marquei algumas das verdades que
sustentam a prática de projetos, evidenciando ressonâncias que dão
condições para que estas práticas permaneçam na pauta da escola
contemporânea, destacando projetos para uma aprendizagem pelo in-
teresse e pela necessidade, projetos para uma aprendizagem na busca
de soluções e preparação para a vida e projetos para uma aprendizagem
eficaz e inovadora.
O imperativo de realizar projetos como prática no campo educacional
assumiu vigor e encontrou-se em terreno sempre fértil à medida que
foram sendo acrescidas novas funções à escola, ao mesmo tempo em
que ela manteve o lugar da instituição que ensina e educa. Desde os
movimentos da modernização pedagógica, os projetos se fazem como
útil estratégia para o governo da população, como possibilidade de ma-
nutenção da ordem social no controle dos riscos e busca de segurança.
Lenir dos Santos Moraes
201Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Assim, o anseio de se realizar projetos no campo pedagógico
mantém-se presente como essa vontade de verdade num estatuto de
prática que melhor atende aos desejos e necessidades da população,
da educação, da sociedade.
Os conhecimentos têm uma função social. Mesmo com diferentes rela-
ções de poder, mesmo com diferentes deslocamentos, a escola continua
desempenhando uma função importante na condução das condutas.
Entendendo-se essas práticas como importante estratégia para a
maquinaria escolar colocar em funcionamento uma racionalidade de
governo, projeto torna-se potencialmente útil para que se constituam
sujeitos que atendam a verdades, a certos domínios de saber que res-
pondam a certas condições políticas.
Num exercício de estranhamento, minha pesquisa intencionou des-
naturalizar o sentido dado a práticas denominadas por projetos, a fim
de ver como esse tipo de planejar tornou-se um fazer privilegiado nas
escolas. Foi possível perceber que essa prática atua como uma estratégia
de controle, regulação e normalização, exercendo uma biopolítica esco-
lar, tornando-se uma verdade que atende às exigências de atualização
e inovação educacional.
Pensar o planejamento e a organização do ensino por projetos como
estratégias potentes para manter presente um estatuto marcado pela
lógica da maquinaria escolar moderna, viabiliza especialmente duas
racionalidades políticas: a disciplinar e a de seguridade. Essa última se
dá na transição de uma sociedade disciplinar para uma sociedade de
controle, onde convivem e são visibilizadas em termos de ênfase, ora
mais disciplinar ora mais de seguridade.
Veiga-Neto (2008), ao falar sobre as transformações do currículo e
das numerosas alternativas que se apresentam aos educadores e aos
planejadores e ges tores das políticas educacionais no campo do currícu-
lo, divulgando como de vem ser conduzidas as práticas curriculares ou
como estas têm servido de remédios para salvar a educação e a socie-
dade, fala do fazer que se pauta por uma busca incessante de inovação.
Projetos na pauta de duas revistas educacionais (1939-2009)
202 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Nas políticas neoliberais, a pertinência de um ensino eficiente torna-se
marca de um sistema educativo que deve funcionar como um mercado.
Os discursos recorrentes de uma lógica empresarial enfatizam que é
preciso esforço, responsabilidade, empreendedorismo, competitivida-
de, etc. A qualidade desejada para a educação sugere a formação de
sujeitos flexíveis e ágeis:
Enfatiza-se a flexibilidade. Atacam-se as formas rígidas de burocracia, e também os males da rotina cega. Pede-se aos trabalhadores que sejam ágeis, estejam abertos a mudanças em curto prazo, assumam riscos continuamente, dependam cada vez menos de leis e procedimentos formais (SENNETT, 2004, p. 9).
Na ótica de um paradigma administrativo, os termos “eficaz” e
“inovador” são associados a demandas educacionais para falar da ne-
cessidade de dar qualidade ao ensino e adequar a escola às mudanças
que trazem para o planejamento parâmetros de eficiência e eficácia –
termos associados a uma economia de mercado que são internalizados
pelos sistema escolar.
Nesse contexto, foi possível entender a escola como um dos focos
de atenção do Estado para o desenvolvimento das políticas de Estado
na produção de identidades e subjetividades específicas, exercendo um
papel fundamental na construção das identidades, uma vez que produz
uma visão própria da organização do planejamento e porque atua na
subjetivação das pessoas. Práticas sob a lógica de planejamento por
projetos são úteis para atender às modificações econômicas, culturais
e sociais, aspirando projetar modos de ser e viver.
Para Sawicki,
Nenhum discurso é inerentemente libertador ou opressivo. A condição
libertadora de qualquer discurso teórico é uma questão de investigação
histórica, não de proclamação teórica (Hana Sawicki, 1998, apud GORE,
1995, p. 17).
Lenir dos Santos Moraes
203Educação e Cidadania • número 11 • 2009
Ela ressalta a ideia de que não existe nada inerentemente libertador e
nada inerentemente opressor nas práticas pedagógicas que não mereça
constantemente um olhar desde outros lugares, colocando sob suspeita
o que somos, como nos tornamos o que somos, o que fazemos e como
o fazemos, questionando verdades cultivadas nas práticas discursivas
pedagógicas.
O valor da discussão estabelecida por essa dissertação reside na
colocação de questionamentos que podem contribuir para uma melhor
compreensão das pautas pedagógicas em torno das quais se organizam
os debates e as iniciativas de formação docente e o estímulo à adoção
de práticas escolares que seriam respostas aos impasses e desafios da
educação contemporânea.
Seria interessante analisar como os projetos foram influenciando um
jeito de ensinar e constituindo um discurso sobre uma nova docência.
Outra possibilidade seria estudar como as práticas de projeto como
organização curricular têm movimentado e potencializado a formação
docente.
Talvez o aprendizado mais importante que essa reflexão tenha opor-
tunizado tenha sido o de que não há lugar livre das relações de poder e
que, portanto, precisamos desenvolver nossa capacidade de estranhar
o naturalizado e assumir discursos unívocos e simplistas que atribuem
a uma ferramenta metodológica ou a uma forma de organização do en-
sino um estatuto maior do que aquele que lhe é devido. Penso que esse
movimento pode nos ajudar a viver uma docência mais comprometida
com as necessidades, as incertezas e os desafios da vida contemporânea.
REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Organização de Roberto Ma-chado. São Paulo: Graal, 2004.
Projetos na pauta de duas revistas educacionais (1939-2009)
204 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 16. ed. São Paulo, Loyola, 2008.
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______. Coisas do governo. In: RAGO, Margareth; ORLANDI, Luiz; VEIGA-NETO, Alfredo (orgs.). Imagens de Foucault e Deleuze: ressonân-cias nietzschianas. Rio de Janeiro: DP & A, 2002, p. 13-38.
______. Foucault & a Educação. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
LENIR DOS SANTOS MORAES
Mestre em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS), especialista em Supervisão Educacional pela Faculdade
Porto-Alegrense de Educação, Ciências e Letras (FAPA) e graduada em
Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É
Professora do curso de Pedagogia da Uniritter e Coordenadora Pedagó-
gica na rede particular de ensino.
E-mail: lenir_moraes@uniritter.edu.br
Recebido em: 05/10/2009
Aceito em: 21/10/2009
Lenir dos Santos Moraes
205Educação e Cidadania • número 11 • 2009
MORAES, Lenir dos Santos. Projetos na pauta de duas revistas edu-
cacionais (1939-2009). Revista Educação e Cidadania. Porto Alegre, ano
11, n. 11, p. 195-205, 2009.
PAIN, Sara. Subjetividade e objetividade – Relação entre Desejo e Conhecimento.
Petrópolis, Vozes, 2009.
Rita Abbati
“Em pedagogia, a ambição é um dever.”Sara Pain
Ao fazer a declaração acima, a Doutora em Filosofia e Psicologia, Sara
Pain, fala sobre o amor à educação. É o que ela vem exercitando ao longo
de toda sua vida e de sua obra: o amor e o compromisso com a pedagogia.
Para quê ensinamos? Eis a pergunta instigante que tem direcionado
seus estudos.
Ensinar, diz ela, é exercer o desejo de reprodução na sua forma mais
radical, pois carente de inscrições instintivas. O ser humano só chega
à condição de humanidade através da aprendizagem e esta última não
pode ser entendida fora da dimensão do conhecimento.
Nesse ponto, Sara Pain, nos provoca um pouco mais ao dizer que
“todo conhecimento é o conhecimento do outro”.
Como professores, estamos (ao ensinar) diante de alunos que têm
de aprender porque é pelo aprender que se constituirão como sujeitos.
A aprendizagem é a condição de possibilidade para o “nascimento”
de um sujeito, uma vez que a assunção desse estatuto decorre da sua
“sujeição” ao conhecimento.
Esse processo de subjetivação implica dois sujeitos e um objeto:
aquele que aprende, o que ensina e o conhecimento.
Ensinar implica fazer do outro um ser humano, um “semelhante”
que precisa aprender a usar suas capacidades e potencial para produzir
e participar da cultura.
Por isso, “em pedagogia, a ambição é um dever” que temos para
com a humanidade. Foram “os outros” que nos acolheram na cultu-
PAIN, Sara. Subjetividade e objetividade –
Relação entre Desejo e Conhecimento. Petrópolis, Vozes, 2009.
210 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
ra, através do ensino que nos transmitiram, a fim de nos fazer seus
“semelhantes”.
Então se, em primeira instância, o ensino poderia (grosso modo)
ser entendido como transmissão de conhecimento, aquilo para o quê
Sara Paim nos chama a atenção na obra resenhada aqui é o papel da
relação entre desejo e conhecimento para que se possa, a partir de uma
objetividade, aceder ao conhecimento que extrapola em muito a mera
transmissão. O desejo de conhecimento se transmite numa relação de
amor ao conhecimento e ao outro: o conhecimento como ferramenta de
humanização e subjetivação; o outro como nosso potencial semelhante.
Para Sara Paim, na obra “Subjetividade e objetividade – relação
entre desejo e conhecimento”, duas perguntas norteiam a busca de
compreensão e explicitação dessa triangulação (aprendente, ensinante,
conhecimento):
Como concebemos esse ser humano que nos propomos educar?
Como concebemos o processo pelo qual o pensamento dele se apropria
do conhecimento transmitido?
Na reflexão da autora, a relação entre desejo e conhecimento se
constrói de forma dinâmica, plástica e simultânea entre as objetividades
e as subjetividades daquele que ensina e daquele que aprende. É essa
rede de laços tecida entre o desejo de ensinar, o amor ao conhecimento
e o desejo de aprender que constitui o pano de fundo do cenário dos
processos de aprendizagem. Por isso, a autora diz que cabe ao professor
criar um lugar próprio e possível para esse cenário.
Para isso, há que travar-se uma luta constante contra o que mais
obstaculiza esse processo: os preconceitos em relação à capacidade de
aprender dos alunos e a falta de paixão pelo conhecimento e pelo ensino
dos professores. Daí que a didática precise se basear também num co-
nhecimento mais profundo do que faz do ser humano um ser humano.
Em “Subjetividade e objetividade – relação entre desejo e conhecimen-
to”, Sara Pain vai dialogando com o leitor enquanto ensina quais esque-
mas de pensamento participam da construção das relações complexas
Rita Abbati
211Educação e Cidadania • número 11 • 2009
entre o desejo e o conhecimento. Num quadro, na página 24, ela sintetiza
o vai e vem das relações que acontecem entre os três vértices do triângulo
da aprendizagem (aluno, conhecimento e professor). Mostra como a
grande responsabilidade do professor é incluir seus alunos no mundo
da cultura, das relações sociais e subjetivas e das realizações materiais
dos homens. E essa tarefa ela cumpre com maestria, desenvolvendo
suas reflexões que são complexas de uma maneira que desafia o leitor
a se questionar, criticar e assumir a autoria de suas próprias reflexões.
Sara ressalta a importância de o professor criar instrumentos que lhe
permitam observar os esquemas de pensamento a que seus alunos re-
correm para aprender. Por isso, ela considera que a pouca oportunidade
para os alunos fazerem perguntas e proporem respostas e soluções nas
aulas é extremamente empobrecedora para os processos de ensino e
aprendizagem. Fazer perguntas, conforme Sara, é dispor-se a ir além,
criar, ousar, imaginar, subverter a ordem e, portanto, crescer e aprender.
A resposta “dada”, no mais das vezes, é o contrário disso: ela embrutece.
O foco do livro, como explicita seu título, é a relação entre a objeti-
vidade que instaura a realidade, nosso contexto, e a subjetividade que
se instaura na esfera do desejo. Para a autora, essas duas estruturas –
realidade e desejo -, junto com o corpo e o organismo, constituem as
quatro instâncias da aprendizagem.
Nas situações de aprendizagem, a construção do conhecimento ocorre
na trama tecida entre inconsciente e consciente, nos diz Sara Pain. E,
ainda segundo ela, tanto a estrutura objetiva, cognitiva, como a subjetiva
ou “dramática” que atuam permanentemente durante os atos de ensinar
e aprender, através de mecanismos, operações e categorias, na maioria
das vezes são imperceptíveis para nós ou simplesmente desconsideradas.
Enfim, o livro é uma preciosidade posta ao alcance das mãos de todo
professor, tratando da aprendizagem do ser humano enquanto sujeito,
em qualquer idade ou fase da vida.
A riqueza da obra reside precisamente na forma didática como Sara
Pain conseguiu sintetizar e formalizar conceitos complexos como,
PAIN, Sara. Subjetividade e objetividade –
Relação entre Desejo e Conhecimento. Petrópolis, Vozes, 2009.
212 Educação e Cidadania • número 11 • 2009
por exemplo, pensamento, conhecimento e desejo. Aborda em pro-
fundidade temas que vão do pensamento consciente ao inconsciente,
utilizando como ferramentas teóricas os achados de Piaget e Freud às
quais acrescenta sempre a contribuição e os questionamentos pessoais
que a tornaram uma intelectual de respeito no cenário internacional.
Ler Sara é navegar nas águas da intertextualidade, fazendo novas
inferências, descobrindo sutilezas de pensamento, aceitando nossas
ignorâncias e recolocando tudo isso a serviço do ofício de ensinar, já
que, em última análise, o leitor visado pela autora é o professor que
questiona seu próprio fazer.
Rita Abbati
Professora e psicopedagoga com formação realizada em Buenos Aires.
Possui larga experiência, tanto em sala de aula, quanto no assessora-
mento e acompanhamento de alunos com dificuldades de aprendizagem.
Foi aluna de Sara Pain, realizando seu estágio em arte-terapia em Paris.
E-mail: ritaprendizagem@gmail.com
Recebido em: 05/10/2009
Aceito em: 26/10/2009
ABBATI, Rita. PAIN, Sara. Subjetividade e objetividade - Relação entre
Desejo e Conhecimento. Revista Educação e Cidadania. Porto Alegre,
ano 11, n. 11, p. 209-212, 2009.