Post on 24-Apr-2015
1
Consentimento Informado em Fisioterapia – Que realidade?
Paula Soares*
“A vida é curta e muito longo o caminho a percorrer. As oportunidades são passageiras, a experiência
traiçoeira e a avaliação difícil”.
Hipócrates _ Aforismos, I
RESUMO:
O consentimento informado em saúde, livre e esclarecido, constitui um requisito
indispensável no desenvolvimento da ética, e das relações humanas, realçando o
princípio da autonomia, na plena relação a dois, na especificidade da sua prática em
pessoas sem capacidade decisiva, e nas regras provenientes dessa mesma ética. As
relações, profissional de saúde, utente/cliente mantêm-se, ainda hoje, e apesar de
vivermos na era da comunicação e da informação, apenas superficiais, continuando o
utente/cliente um mero consumidor de saúde, e o profissional, o detentor, dos poderes e
dos saberes, tornando-se assim difícil, o verdadeiro esclarecimento, devido não só, à
deficitária comunicação, como ainda, à potencial utilização de linguagem técnica,
levando a uma enorme dificuldade de compreensão por parte dos utentes. Não nos
podemos esquecer, também da influência cultural (crenças, valores), quando
efectuamos um acto terapêutico, estes conceitos terão sempre de ser levados em
atenção, quando da prática do consentimento informado. Qual será, na nossa prática
diária a realidade quanto ao consentimento informado em Fisioterapia?
PALAVRAS-CHAVE: consentimento informado, ética, comunicação, fisioterapia, autonomia,
informação
*Mestre ISO Saúde, com Especialização em Políticas de Administração e Gestão de Serviços de Saúde pela Universidade de Évora e Escola Superior De Tecnologia Da Saúde De Lisboa, Fisioterapeuta.
2
ABSTRACT:
The free, pryor , informed consent in health, it's an indispensable require towards
ethics and human relationships, highlighting the concept of autonomy that grows in a
therapeutic relationship, specially in the one's which one of the parts hasn't de ability to
decide in consciousness or by the rules which that ethic define. The relationships
between health professionals and patients/health costumers are kept, in spite of the
changes operated in the society of knowledge and information, in superficial bases only,
where the patient is a simple health consumer and the health professional are still the
one's who possesses the knowledge and the power, making it hard to truly
perform informed consent, this is the consequence, not only to the lack of
communication skills but also due to different terminology used by health professional
causing a major hole in the ability to understand the revealed information. We can’t
forget also the cultural influence (beliefs and values) when we perform a medical act,
because these concepts are the one's that cannot be forgotten. In our daily practice
while Physical Therapists, what is the reality toward procedures of informed consent?
KEY WORDS: Informed Consent; Ethics; Communication; Physical Therapy, Autonomy
Information
3
1. INTRODUÇÃO
É objectivo deste artigo propor uma reflexão sobre a prática do Consentimento
Informado (CI) na área de intervenção da Fisioterapia, assim como, aprofundar em que
contexto, este é na realidade obtido.
O termo de Consentimento Informado é um dever do exercício profissional, bem
como ao nível de qualquer pesquisa envolvendo seres humanos, pois representa o
respeito pela autonomia, e dignidade dos mesmos.
É um tema de extrema pertinência, assim actualmente fala-se cada vez mais de
Consentimento Informado, Direitos dos Utentes, Códigos de Ética, mas essencialmente
ao nível da Medicina e não ao nível da Fisioterapia, ou de outras profissões de saúde,
esta continua a lutar, também ela enquanto profissão por uma verdadeira identidade e
autonomia profissionais.
Falaremos então aqui em autonomia, por um lado na perspectiva do utente,
utilizador de saúde, a quem deverá ser efectuado o Consentimento Informado, e por
outro, na vertente do profissional, que se debate com a autonomia de decisão do seu
utente, paralelamente com a sua própria autonomia enquanto profissional, “amarrado”
que está ainda, ao poder exercido sobre si pela classe médica, formalizado no acto da
prescrição.
Segundo Munoz e Fortes (1998): “A Autonomia é um termo derivado do grego
"autos" (próprio) e "nomos" (lei, regra, norma). Significa autogoverno, autodeterminação da
pessoa para tomar decisões que afectem a sua vida, a sua saúde, a sua integridade físico-
psíquica, e as suas relações sociais. Refere-se à capacidade do ser humano decidir o que é
"bom", ou o que é seu "bem-estar."
É de extrema importância para esta classe profissional, a real percepção, da sua
prestação, ao nível da eficácia, na transmissão, da informação, aos seus utentes, bem
assim como, à comunidade em geral sobre a Fisioterapia e os serviços prestados pela
mesma.
Iremos falar sobre o Consentimento Informado, que prestamos ou deveríamos
prestar aos utentes de quem cuidamos diariamente, e na sua grande maioria por vários
meses ou até mesmo vários anos.
Considerando-se assim, Consentimento Informado a permissão dada por
qualquer individuo para que lhe possam vir a ser prestados os cuidados propostos ou
necessários, isto após lhe ter sido dada uma explicação adequada, tendo esta sido
compreendida com exactidão, devendo o utente saber com rigor, o que se pretende
fazer, como irá ser feito, porquê e ainda qual o resultado esperado com o acto
desenvolvido, Fernandes (2007), define desta forma Consentimento Informado, “ (…)
4
decisão voluntária, realizada por uma pessoa autónoma e capaz, tomada após um
processo informativo e deliberativo, visando à aceitação de um tratamento específico,
sabendo da natureza dos mesmos, das suas consequências e dos seus riscos”.
O exercício do Consentimento Informado torna-se real após a acção conjugada
de autonomia, capacidade, voluntariedade, informação, esclarecimento e do próprio
consentimento.
Entre os elementos que o validam talvez a informação seja um dos mais
importantes, devendo ser clara, objectiva e em linguagem compatível com o
entendimento individual de cada utente, e levando sempre em consideração a situação
(física, psíquica), no qual é efectuado.
2. O CONSENTIMENTO INFORMADO E A DIGNIDADE DO SER HUMANO
O Consentimento Informado é actualmente, um elemento característico no actual
exercício clínico, não sendo apenas uma norma legal, mas um direito moral dos utentes
que cria também, obrigações morais aos profissionais de saúde em geral.
O uso correcto do Consentimento Informado consiste, na total relação do
médico/profissional de saúde com o utente, tendo como objectivo, a clara informação do
procedimento ou terapêutica à qual este será submetido.
Segundo Clotet (1995), “O Consentimento Informado é um direito moral dos
pacientes e uma obrigação moral dos médicos, profissionais da área médica e todos os
prestadores de assistência.”
Este decorre essencialmente do respeito pela autonomia do indivíduo, e pela
dignidade própria do ser humano, apesar de ser um facto recente na história da
humanidade, segundo Kant (1785), “ (…) as pessoas tem valor absoluto, e devem ser
consideradas sempre e simultaneamente como fim e nunca como meio” .
A dignidade, é pois um atributo essencial, independentemente de raças,
religiões, valores, condições sociais entre outras, significando a não invasão da pessoa
humana, o reconhecimento da sua autonomia para livremente poder guiar a sua
existência, sem limites impostos por outro alguém.
O respeito à dignidade da pessoa humana significa, na realidade, a promoção da
sua capacidade para pensar, decidir e agir.
“ As acusações de assassínio e tortura nos campos de concentração
conduziram à formulação de Código de Nuremberg em Agosto de 1947.” (Shuster,
1997)
5
Este é composto por dez princípios que têm na sua essência, o objectivo de
salvaguardar os direitos dos indivíduos.
Ainda segundo Shuster (1997:1436), “ O código de Nuremberg é o documento
mais importante na história da ética da investigação médica.” , isto porque até à sua
formulação não existiam regras de protecção aos seres humanos ao nível da
investigação na área médica, o que mais se assemelhava era o juramento de
Hipócrates, mas este refere-se essencialmente ao acto do tratamento.
Assim antes de Nuremberg “ (…) os doentes não passavam de acontecimentos
biológicos, nada mais do que meros objectos”. (Shuster, 1997)
Em 1948, após a 2ª guerra mundial foi adoptada a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, em cujo art. 1º refere que “Todos os seres humanos nascem livres e
iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns
para com os outros em espírito de fraternidade.”
Esta tem “ (…) como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as
nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a
constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver
o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de
ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e
efectivos tanto entre as populações dos próprios Estados membros como entre as dos
territórios colocados sob a sua jurisdição”. (DUDH art. 1º, 1948)
Em Novembro de 1950 é assinada em Roma a Convenção Europeia dos Direitos
Humanos, cuja entrada em vigor ao nível internacional se dá em 1953, a sua entrada
em vigor na Ordem Jurídica Portuguesa dá-se somente em Novembro de 1978.
Em 1964 surge a Declaração de Helsínquia, que foi aperfeiçoada
constantemente até ao ano 2000 e que se propõe “ (…) fornecer orientações aos
médicos ou outros participantes em investigação médica que envolva sujeitos
humanos”.
Após este breve historial conseguimos facilmente perceber, a enorme
preocupação ao longo dos “últimos” tempos pela constante defesa dos direitos, e
liberdades do homem, assim como da sua dignidade e autonomia.
Existe pois constantemente por parte dos profissionais de saúde o dever de
informar, e no art. 5º (consentimento) da Convenção dos Direitos do Homem e da
Biomedicina, é referido que: “Qualquer intervenção no domínio da saúde só pode ser
efectuada após ter sido prestado pela pessoa em causa o seu consentimento livre e
esclarecido. Esta pessoa deve receber previamente a informação adequada quanto ao
objectivo e à natureza da intervenção, bem como às suas consequências e riscos. A
6
pessoa em questão pode, em qualquer momento, revogar livremente o seu
consentimento.”, podemos assim verificar que este não é nunca definitivo.
Reflectindo sobre a nossa lei penal e referindo o Código Penal no seu art. 38º,
este diz que, “Além dos casos especialmente previstos na lei, o consentimento exclui a
ilicitude do facto quando se referir a interesses jurídicos livremente disponíveis e o facto
não ofender os bons costumes. O consentimento pode ser expresso por qualquer meio
que traduza a vontade séria, livre e esclarecida do titular do interesse juridicamente
protegido, e pode ser livremente revogado até à execução do facto. O consentimento só
é eficaz se for prestado por quem tiver mais de 16 anos e possuir o discernimento
necessário para avaliar o seu sentido e alcance no momento em que o presta. Se o
consentimento não for conhecido do agente, este é punível com a pena aplicável à
tentativa.”
Podemos assim analisar, que este foi criado com o intuito e objectivo primordial
de garantir os direitos, liberdades e garantias das pessoas, constituindo o início de um
grande desenvolvimento na área da saúde.
Em 1994 e após diversas adaptações, surge a Declaração de Promoção dos
Direitos dos Doentes na Europa, ambas tentam salvaguardar os direitos dos indivíduos
que participam em investigação, enquanto os Códigos de Ética dos profissionais visam
guiar o comportamento desses profissionais para salvaguardar aqueles direitos.
A Declaração dos Direitos dos Doentes na Europa aborda tanto a investigação
terapêutica, como a investigação no sentido global, sendo de extrema importância em
ambos os casos o Consentimento Informado.
A maior participação do utente implica, desde logo um aumento na tomada de
consciência das suas responsabilidades, assim sendo o Consentimento Informado
representa para os utentes uma conquistas que lhe garante o direito à
autodeterminação na área da saúde.
Podemos reconhecer que conjuntamente com estes ganhos por parte dos
utentes, persistem ainda inúmeros problemas, reconhecendo-se assim a necessidade
de uma atenção e de um aperfeiçoamento contínuo.
3. O CONSENTIMENTO INFORMADO
A falta de informação ao nível da saúde é frequente sendo motivo de queixas
regulares por parte dos utentes, o esclarecimento deficiente sobre os procedimentos, é
sem dúvida um dos aspectos mais criticados.
7
Estes, têm o direito de receber dos profissionais de saúde todas as informações
sobre o seu estado clínico, bem como os eventuais tratamentos, exames ou ainda
outras intervenções, de que necessitem, para que, na posse de todos esses elementos,
consigam decidir em consciência, a opção a efectuar em relação ao seu Consentimento.
Segundo Ribeiro (2002), em Portugal, este mesmo Consentimento Informado,
está regulado por leis essencialmente, ao nível da investigação, e ensaios clínicos.
Embora sejam diversas as referências ao Consentimento Informado em
intervenções específicas, na maior parte das vezes, não se indicam as informações a
ser fornecidas, são quase sempre os hospitais, por exemplo, através das suas
Comissões de Ética, ou os profissionais de saúde a decidir, devendo sem dúvida neste
caso, a lei ser mais objectiva, definindo com rigor as situações que exigem o
consentimento escrito e o tipo de explicação a ser efectuada.
O Código Penal, no seu art. 156.º refere que, os médicos ou outros profissionais
de saúde que “ (…) realizem intervenções ou tratamentos sem consentimento do
paciente são punidas com uma pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa (…). “,
exceptuando os casos de urgência.
Para além disso, existem vários documentos com recomendações para os
profissionais sobre o Consentimento Informado, tais como o Código Deontológico da
Ordem dos Médicos, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e na área
da Fisioterapia os Princípios Éticos, estabelecidos pela Associação Portuguesa de
Fisioterapeutas, e extraídos da World Confederation for Physical Therapy, (Actualização
Junho 95).
O Consentimento Informado dá múltiplas vezes origem a questões não só morais
como éticas.
Segundo Baú e Pithan (2006) a palavra Ética origina-se da palavra grega ethos,
que significa carácter ou modo de ser, para estas autoras a palavra não é indicativa de
uma maneira de agir, mas uma resposta à pergunta, sobre porque agir desta ou
daquela forma, revelando-se de maneira diferente da opção normativa que muitos
autores reconhecem na ideia de Ética. “A Ética visa fundamentar racionalmente o agir
humano considerando o correcto ou incorrecto.” (Baú; Pithan, 2006)
Neste mesmo artigo as autoras demonstram que a moral teria maior relação com
a conduta, e com os costumes, relacionando-se com as regras.
Define-se Moral como um conjunto de normas, princípios, preceitos, costumes, e
valores que orientam o comportamento do indivíduo no seu grupo social.
Moral e Ética não devem ser confundidas, pois enquanto a Moral, se rege por
normas, a Ética é teórica, tentando dar explicações e justificar os costumes de uma
determinada sociedade, assim como fornecer soluções, para os seus problemas mais
8
comuns, porém, são expressões sinónimas, sendo Ética de origem grega, e Moral a sua
tradução para o latim. A Ética não deve ser confundida com lei, embora frequentemente
a lei tenha por base princípios Éticos.
Actualmente, a grande maioria das profissões, principalmente ao nível da saúde
regem-se pelos seus Códigos de Ética Profissional, estes são conjuntos de normas que
deveram ser cumprimento por todos os elementos da classe profissional.
Segundo Guerra (2008), “Uma das características de ser profissão, é ser
regulada por um código de ética, auto imposto. (…) O altruísmo e a responsabilidade,
são valores fulcrais para o conceito de profissionalismo e os códigos de ética
profissional podem ser vistos como a afirmação destas noções.”
Estes códigos são compostos por um determinado número de princípios, ou
regras, cuja pretensão, é orientar na prática os membros dessa mesma profissão.
No caso dos Fisioterapeutas, estes são regidos pelos Princípios Éticos definidos
pela WCPT, de 1963 quando a Associação Portuguesa de Fisioterapeutas se tornou
membro desta Confederação Mundial de Fisioterapeutas, adoptando o Código de Ética
Mundial, ao qual fez as devidas adaptações à realidade Portuguesa.
Para todas as intervenções invasivas que implicam uma “entrada” no corpo ou a
interrupção de funções, como cirurgias, é indispensável o Consentimento escrito. O
mesmo se aplica aos exames e tratamentos com riscos, como rádio e quimioterapia.
Além da identificação e assinatura do profissional de saúde, os formulários
devem descrever a intervenção, consequências, contra-indicações e riscos, em
linguagem simples e clara, ao utente deve ser entregue uma cópia, de preferência, e
sempre que a situação o permitir, com a antecedência suficiente para uma decisão
tomada em plena consciência.
O Consentimento Informado, não deve de forma alguma ser visto apenas como
uma burocracia, sendo dever dos profissionais o adequado fornecimento dos dados, em
linguagem adequada ao utente em causa, mesmo quando da existência de informação
científica, e em escrita legível, a comunicação com o utente é pois a base fundamental,
para que possa realmente haver uma decisão esclarecida sobre a saúde do utente.
Existem elementos fundamentais, que se tornam necessários para que o
Consentimento Informado seja considerado válido, sendo estes a disponibilização de
informações correctas, a compreensão dessas informações por parte do utente, e por
fim o próprio Consentimento fornecido pelo mesmo, e efectuado com plena consciência
em liberdade e sem coação. Este deve sempre ser elaborado dentro de um contexto
legal, moral e ético.
9
4. O DEVER DE INFORMAR
Segundo Oliveira (2001) citado por Rodrigues (2007:1), “A bondade das
motivações técnico-profissionais, por um lado, e a necessidade de quem se encontra
fora das condições físico-psíquicas prévias (…), por outro lado, pressionam o paciente
(…) para a aceitação da intervenção.”
Já Appelbaum et al (1987) citados também, por Rodrigues (2007:2), diz que, “A
própria expressão consentimento informado sugere muito mais a expectativa de os
pacientes aceitarem ser tratados do que a de declinarem o tratamento.”
Mas pode também acontecer precisamente o contrário, ou seja o doente
simplesmente recusar a informação (dissentimento), tendo ele igualmente o direito de
não querer saber a sua situação clínica.
Uma correcta, e perfeita informação engloba os meios alternativos de diagnóstico
e de tratamento.
No caso dos Fisioterapeutas e principalmente dos que exercem as suas
actividades na prática privada, em cujos locais se pensa primeiramente no factor
económico, o primeiro obstáculo com que nos deparamos é sem dúvida com a escassez
de tempo para efectuarmos de forma correcta essa informação.
O aumento de autonomia técnica condiciona também esse consentimento, visto
que a prática profissional fica muitas vezes sujeita a vontades externas aos próprios
profissionais, condicionando assim também a sua autonomia profissional, em detrimento
da autonomia expressa pelos utentes.
Segundo Granadeiro (2004:52), citado por Rodrigues (2007), e referindo-se à
baixa taxa de recusas por parte dos utentes este afirma que “O medo de não se
devidamente atendido se alguém se negar a uma intervenção e ser recriminado e
catalogado de não cooperante, limita a autonomia do paciente. (…).”
Podemos então dizer, que mutuamente a autonomia fica condicionada, ou seja,
por parte do utente verifica-se, ainda actualmente o medo da descriminação quando da
imposição da sua opção por receios fundamentados ou não de recriminação, por parte
dos profissionais de saúde essa condicionante pode ser sentida, como uma limitação
dos seus saberes, os quais ficam simplesmente “à mercê” das vontades dos utentes.
Podemos assim concordar com Oliveira (2001), quando este refere, “Tenho para
mim que o «consentimento informado» vai ser uma dor de cabeça para os profissionais
da saúde, nos próximos anos. Há muitas normas legais a falar dele e há pouca tradição
de o praticar (…).”
O Art. 157º diz do Código Penal, (Dever de esclarecimento) diz que “ (...) o
consentimento só é eficaz quando o paciente tiver sido devidamente esclarecido sobre
10
o diagnóstico e a índole, alcance, envergadura e possíveis consequências da
intervenção ou do tratamento (...)”.
Falamos no dever de informar, que por sua vez, consiste no dever que o
prestador de um acto terapêutico, tem para com o utente de informá-lo sobre o referido
acto, que lhe será prestado de forma clara e específica, resultando esta conduta no
princípio da boa-fé objecto das relações de mútua confiança.
5. A IMPORTÂNCIA DO CONCENTIMENTO INFORMADO
Nesta fase, entrecruzam-se vários aspectos Éticos e Legais, pois não sendo
efectuado o Consentimento Informado, o utente pode sempre acusar o profissional de
saúde de negligência.
Podemos, na realidade imaginar facilmente um tratamento efectuado sem o
Consentimento do utente, no qual ocorra uma situação não desejada para o mesmo,
este poderá sem dúvida acusar o profissional de negligência, pois, devido à
desinformação, e a não lhe terem sido facultadas todas as oportunidades de escolha,
não teria tido condições de decidir atempadamente pelo Dissentimento, ficando assim
sujeito à exposição desnecessária de riscos não especificados.
A competência do profissional passa igualmente pelo conceito relacional, que se
reflecte na relação entre as capacidades dos profissionais e o bom desempenho por
parte dos mesmos na execução de diferentes tarefas.
Estas competências, passam também pela esfera comunicacional, devendo sem
dúvida, ser suficientes para que possa haver segurança e eficácia quando esta
comunicação for efectuada, entre este profissional e outros, bem como com os utentes,
assim como com os seus acompanhantes ou representantes, levando sempre em conta,
não só, as capacidades físicas dos indivíduos como também as psicológicas e culturais.
O Fisioterapeuta tem o dever de considerar sempre, o contexto da sua actuação,
bem como a “Compreensão integrada dos aspectos éticos, morais e legais relacionados
com a prática da Fisioterapia.” GTF (2004:8).
Deve ainda “Comunicar e cooperar eficazmente com outros membros da equipa
de cuidados de saúde e com acompanhantes de forma a servir, com Consentimento
Informado os interesses dos utentes (…) Implementar práticas não discriminatórias,
informadas por uma legislação relevante e códigos nacionais e locais de boas práticas
(…) respeitar as convicções pessoais, dignidade e identidade do utente”. Ibidem
(2004:15)
11
No entanto deve-se ter sempre presente que podem existir excepções ao
Consentimento Informado, como é o caso de incompetência, incapacidade, ou ainda em
situações de urgência referidas no art.8º dos Direitos do Homem e Biomedicina
“Sempre que, em virtude de uma situação de urgência, o consentimento apropriado não
puder ser obtido, poder-se-á proceder imediatamente à intervenção medicamente
indispensável em benefício da saúde da pessoa em causa.”
Em termos de Consentimento Informado livre e esclarecido, há que ter em conta
que as prioridades do utente ou de quem o representa, voltamos assim e uma vez mais,
ao respeito à autonomia e à aceitação informada da vontade do utente, opte ele pelo
Consentimento (aceitar) ou pelo Dissentimento (recusar), o respeito pela sua autonomia
implica assim respeitar sua decisão seja ela qual for.
6. A FISIOTERAPIA E OS CÓDIGOS DE ÉTICA OU A ÉTICA EM FISIOTERAPIA?
Ética em cuidados de saúde, deverá conseguir definir as acções que são
moralmente correctas e as que são moralmente incorrectas.
Este é, um processo baseado inicialmente, em critérios morais em oposição a
decisões clínicas, administrativas ou outras. O raciocínio ético é aplicado aos cuidados
de saúde e não resultado deles.
O objectivo final do processo é, sem dúvida a tomada de decisão, ou seja a
opção da acção que pode por um lado ser clinicamente correcta, mas por outro, ser sem
dúvida moralmente incorrecta.
A Fisioterapia partilha assim as suas questões fundamentais, com a Ética
Médica, a Bioética e a Ética em geral, estando os fisioterapeutas cada vez mais
preocupados com as suas responsabilidades Éticas em relação aos seus utentes.
Esta responsabilização advém, igualmente do próprio crescimento da
Fisioterapia como profissão, bem como do aumento dos seus saberes e competências,
levando-os a preocupar-se com questões específicas, e também sem dúvida e cada vez
mais a ter uma crescente preocupação com as questões éticas e morais dos cuidados
de saúde.
Podemos assim dizer que, a um aumento dos saberes e competências
profissionais, corresponde também um aumento da responsabilidade profissional.
Com que realidade tem que lidar os Fisioterapeutas, e com que problemas se
devem na realidade preocupar?
“ A Fisioterapia envolve a interacção entre fisioterapeutas, utentes ou clientes,
famílias e prestadores de cuidados, num processo de avaliação do potencial de
movimento e no estabelecimento de objectivos e metas, usando conhecimentos e
12
competências clínicas dos fisioterapeutas. A interacção é pré – requisito para uma
alteração positiva na consciência corporal e comportamento do movimento, levando à
promoção da saúde e bem-estar. A interacção envolve trabalho em equipas inter
disciplinares, com o objectivo de determinar necessidades, formular objectivos para a
intervenção da fisioterapia, reconhecendo o utente/cliente/família e prestadores de
cuidados de saúde, como participantes activos neste processo.” GTF (2004:3)
“ (…) é parte essencial do sistema de saúde. A crescente complexidade da
prestação de cuidados de saúde associados aos altos níveis de exigência por parte de
todos os intervenientes envolvidos no processo do «cuidar» tem obrigado a que este
grupo profissional assuma diferentes papéis e competências”. Ibidem (2004:4)
“Os fisioterapeutas regem-se por códigos e princípios de ética próprios, e podem
praticar independentemente de outros profissionais de saúde bem como no contexto de
programas e projectos interdisciplinares de habilitação/reabilitação, com o objectivo de
restaurar a função e a qualidade de vida, em indivíduos com alterações de movimento.”
Ibidem (2004:4)
Será que temos sempre de obter o Consentimento Informado, antes de cada
abordagem efectuada aos nossos utentes, e assim sendo, que informação se deve
transmitir, de que forma o devemos fazer, e como utiliza-la?
Como já foi referido esta classe rege-se por Códigos de Ética próprios podendo
praticar a sua profissão independentemente de outros profissionais de saúde,
respeitando e tendo sempre presentes esses Princípios Éticos, estabelecidos pela
Associação Portuguesa de Fisioterapeutas, com base na World Confederation for
Physical Therapy tendo sido adaptados à nossa realidade, o Código de Ética dos
Fisioterapeutas, diz que, cada fisioterapeuta enquanto profissional deve:
o “Respeita os direitos e a dignidade de todos os indivíduos;
o Actuar de acordo com as leis e regulamentos que regem a prática da
Fisioterapia do país onde trabalha;
o Assumir a responsabilidade da sua prática profissional e das suas decisões;
o Realizar um serviço profissional honesto, competente e responsável;
o Está obrigando a prestar serviços de qualidade de acordo com as políticas de
qualidade e os objectivos definidos pela sua associação nacional de
Fisioterapia;
o Tem direito a um nível de remuneração justo e satisfatório pelos seus serviços;
o Presta informações correctas aos clientes, a outros agentes e à comunidade
sobre a Fisioterapia e sobre os serviços prestadores de Fisioterapia;
o Contribui para o planeamento e desenvolvimento dos serviços destinados a
satisfazer as necessidades de saúde da comunidade.” (APF, Junho 1995)
13
Como último repto, fica a questão, se como profissionais responsáveis, e que
cumprem um Código de Ética próprio, podemos ou devemos manter, um tratamento
provadamente ineficaz, e que não raras vezes é mesmo prejudicial ao utente, no
sentido apenas e só, da manutenção de uma qualquer prescrição, simplesmente por se
tratar de um acto médico, que hierárquica e deontologicamente sabemos ter a
“obrigação” de cumprir?
Aonde fica numa situação como esta a nossa almejada autonomia profissional,
em relação ao poder prescritivo médico inúmeras vezes com execução tão díspar da
nossa acção interventiva, e sem dúvida de provada insuficiência e ineficácia?
7. INFORMAÇÃO E CONSENTIMENTO EM FISIOTERAPIA, QUE REALIDADE?
As novas tecnologias de informação, nomeadamente o progresso da Internet, vieram
reforçar, o aumento de conhecimento por parte dos utentes, desenvolvendo nestes, as suas
capacidades ao nível das trocas de informação, e do aumento do diálogo com os
profissionais de saúde.
Isto apesar dessa informação disponibilizada via Internet, nem sempre ser obtida
através de sites credíveis, não tendo estes na sua grande maioria exactidão cientifica, e
levando não raras vezes, ao aumento das dúvidas por parte dos utentes, os quais
questionam assim as acções desencadeadas pelo profissional, que na realidade, faz uso
das suas competências no sentido da eficácia das técnicas aplicadas.
De forma geral os utentes criam assim, expectativas diferentes em relação a estes
profissionais, não se limitando unicamente às suas capacidades técnicas, aos seus saberes
e competências, mas exigindo deles também uma maior eficácia ao nível das relações
humanas.
Os novos utentes estão pois, mais activos e intervenctivos, em relação à assistência
que lhe é agora prestada, criando novas expectativas e necessidades. A evolução destas,
tem vindo a originar uma profunda transformação na sociedade, que tende a adaptar e a
promover um modelo de autonomia e afirmação dos direitos dos utentes. Abandonamos
assim o modelo paternalista encarando agora o utente como par, com novos direitos e
deveres.
O Fisioterapeuta tem procurado acompanhar essa evolução, ao nível das
necessidades da saúde e também das expectativas dos utentes, este profissional respeitou
desde sempre o utente no seu meio, pois é para ele de extrema importância o contexto em
que o mesmo está integrado, considerando assim, o meio familiar, profissional entre outros,
no qual se pretende que seja feita a integração após a sua recuperação.
14
Se estivermos a lidar com uma criança ou um idoso, é da maior importância o meio
familiar, enquanto se estivermos a lidar com utentes de outra faixa etária, não nos podemos
limitar ao conhecimento desta envolvente, mas sim ao de todas as restantes.
O utente deve confiar nos profissionais de saúde com que lida, e estes por seu lado
devem estar sempre atentos aos seus comportamentos, de forma a poderem adaptar mais
facilmente os seus discursos, tratamentos assim como esclarecimentos.
Esta troca efectuada entre profissional de saúde/utente passa igualmente por uma
escuta activa, fortalecendo assim esta relação.
É de referir que quando falamos de Consentimento Informado, temos de ter
presente que este pode ser efectuado de diversas formas, o art. 39.º do Código Penal,
refere “O consentimento efectivo é equiparado ao consentimento presumido. Há
consentimento presumido quando a situação em que o agente actua permitir
razoavelmente supor que o titular do interesse juridicamente protegido teria eficazmente
consentido no facto, se conhecesse as circunstâncias em que este é praticado.”
O Consentimento Presumido pode ser entendido como a vontade hipotética do
paciente, no entanto alguns autores são muito cépticos sobre esta modalidade de
Consentimento, e segundo Andrade (2004:132), este pode “ (…) representar o triunfo
da heteronomia sobre a autonomia”.
Para além do já falado Consentimento Presumido, existem ainda diversas formas
de obter o Consentimento Informado, podendo este ser Expresso, (traduzido de forma
escrita e/ou oral), Implícito, (no qual apesar de não ser dado de forma explicita o
individuo demonstra de alguma forma o seu consentimento), sendo este semelhante ao
Presumido, e ainda Tácito, (aquele em que a pessoa simplesmente não se mostra
contrária à acção).
Os profissionais de saúde deverão obter sempre que possível, um consentimento
expresso junto dos utentes, para que assim possam sempre salvaguardar a sua
intervenção, em circunstâncias especiais, nas quais essa acção não seja possível, a
atitude profissional assim como e as estratégias seleccionadas, terão que estar de
acordo com o respeito pela dignidade e pela autonomia dos utentes.
Em Fisioterapia, a maior parte do Consentimento Informado é o Implícito, pois
após a sua ida à consulta médica o utente, surge-nos com uma prescrição a qual temos
de cumprir, deduzindo que o mesmo foi previamente informado pelo médico do acto a
ser praticado pelo fisioterapeuta.
Mas esta situação raras vezes acontece, ou seja apesar de prescrever o médico
não esclarece o utente dos actos a serem praticados cabendo assim ao fisioterapeuta, a
informação, e explicação detalhada, não só da prescrição médica como também dos
actos terapêuticos que irá praticar no utente.
15
O doente tende assim a colaborar com o fisioterapeuta, visto este estar na maior
parte das vezes, simplesmente a cumprir a prescrição médica, e colaborando está então
consentindo.
Um acto terapêutico efectuado em alguém que não nos concedeu o seu
consentimento, é sem dúvida uma falta de respeito pela dignidade do utente em
questão, até porque em Fisioterapia a proximidade física, entre utente e profissional é
enorme, levando a uma invasão da intimidade do mesmo, não só simbólica, como real,
como no caso de ter de permanecer total ou parcialmente despido, levando-o a
situações constrangedoras, principalmente de inicio, tendo ambos que aprender a lidar
com a circunstância da melhor forma. Deveremos ter toda a atenção e prudência para
puder captar desde logo a confiança do utente, facilitando a relação profissional, e
procurando o equilíbrio, e bom senso sabendo desde logo, respeitar os timings do
utente, e deixando-o adaptar-se à sua nova condição, respeitando também uma
possível recusa inicial ao tratamento.
O utente sente-se despido do seu eu, enquanto o profissional, não raras vezes
passa a considera-lo apenas como seu objecto de trabalho.
O Consentimento Expresso para além de raramente efectuado, pode funcionar
através de uma dualidade de acções, protegendo tanto o utente, como o fisioterapeuta,
este de forma inequívoca nas sua prática padrão, mas esta não será talvez, a melhor
forma de iniciar uma relação que se pretende, seja de confiança, comunicação e
empatia, confrontando-o desde logo com um papel, o qual ele terá de ler, compreender,
e posteriormente se concordar com os termos assinar, este pode representar, a “quebra
do elo” na relação fisioterapeuta/utente.
O Fisioterapeuta é considerado um dos profissionais de saúde que mais tempo
contacta com o mesmo utente, dependendo da situação clínica, assim como da sua
evolução.
Periodicamente, devemos então assegurarmo-nos da compreensão e da
satisfação face aos resultados obtidos, por parte do utente, ou do seu representante
legal, esta sua participação não significa, a transferência das nossas responsabilidades,
mas antes uma forte ralação na qual ambos devemos saber manter os nossos direitos,
autonomias e limites de responsabilidade.
8. CASOISTICAMENTE FALANDO
Vai já longa a minha experiência profissional, conto mesmo sem querer com
vinte e quatro anos de exercício diário, entre as centenas de casos, e para qualquer
16
profissional de saúde, é fácil concordar comigo quando digo que muitos de entre eles
ficaram gravados na minha memória.
No inicio pela inexperiência, e mais tarde, porque obtivemos um bom resultado,
ou pelo contrário o resultado que não queríamos obter, ou simplesmente porque nos
tocaram mais fundo nos nossos corações, que com os anos vão “endurecendo”, mas
que, agradavelmente nunca deixam de ser profundamente humanos. Costumo mesmo
dizer que a experiência é tão grande que os olhos conseguem muitas vezes trespassar
o que é realmente físico para tocar, o mais íntimo e profundo que existe nos nossos
utentes.
Esta é realmente a grande táctica dos Fisioterapeutas para, como vulgarmente
dizemos “ganhar” o utente, ou seja criar com ele uma empatia que se possa traduzir em
confiança profissional por sua parte, e numa maior dádiva da nossa parte. Isto porque
se estivermos a lidar com um utente ao qual não conseguimos ganhar a confiança, por
muito profissionais, competentes e sabedores que sejamos, dificilmente conseguiremos
efectuar o tratamento da forma mais correcta.
Nesta fase final do artigo, e sabendo que por ser um artigo científico não deveria
deixar transparecer a minha própria opinião, arrisquei, pensado que sem a transmissão
de exemplos da minha realidade nada teria sentido.
Estes têm como intenção ilustrar, simbolicamente tudo o que na realidade já foi
dito e fundamentado.
Começo pelo João jovem de vinte e poucos anos que na sequência de uma
viagem de finalistas mal sucedida, cujo transporte era feita num autocarro de longo
curso, despistando-se este e capotando, o João é cuspido e o autocarro aterra sobre
ele nas quatro rodas, para além dos poli traumatismos, os ácidos que entretanto saem
do motor caiem sobre o jovem que fica assim também, com queimaduras vastas.
Após um período de internamento em Espanha local do acidente regressa a
Portugal e passa a ser meu doente. Inicialmente era uma situação confrangedora, pois
o João encontrava-se muito afectado psicologicamente, não só pela sua actual
situação, mas também porque no acidente tinha perdido quase todos os seus
companheiros, tendo apenas sobrevivido ele e outra colega.
Quando me deparei com o João, ele era uma pessoa muito triste, fechado em si
próprio, com o qual foi muito difícil, inclusive iniciar uma conversa, lembro-me que, me
tentei aperceber da situação clínica, sem tocar no assunto acidente, e apenas
focalizando a situação no tratamento a efectuar, depois de fornecidas todas as
explicações da actuação que iria inicialmente ser desencadeada, como aliás tento
sempre fazer com todos os utentes, quando o tempo e a situação mo permite, percebi
que o João, não expressara o mínimo esforço no sentido de tentar iniciar comigo uma
17
relação cordial, apenas se mantinha calado, aguardando o início da minha intervenção,
numa demonstração expressa de Consentimento Implícito. Assim, iniciei a minha
actividade calmamente, apesar de o primeiro dia de tratamento ter sido o mais
importante para mim, pois foi neste que me comecei a aperceber das limitações, tanto
físicas como psíquicas do João.
Ao fim de longos meses de sessões diárias a evolução física do João foi
excelente, não ficando quase com nenhumas sequelas, a não ser as queimaduras
ácidas, com as quais teve de aprender a lidar e que o levaram algumas vezes a
intervenções de Cirurgia Plástica, fora essa situação tornou-se um jovem comunicativo,
confiante, e que demonstrou uma enorme força psicológica, para enfrentar uma vida
com um novo rumo, no qual espero sinceramente ter conseguido contribuir da melhor
forma.
Passo agora a referenciar um novo caso, este da Conceição, também ela jovem
na faixa dos vinte e cinco anos, tinha feito uma artróscopia a um joelho, mas com ela a
situação foi completamente diferente, era uma jovem muito comunicativa, activa, que
queria simplesmente ficar boa rapidamente.
Na primeira sessão expliquei-lhe, como se iriam desenrolar, os tratamentos, e
após avaliação inicial começamos imediatamente a prática, tendo sido fácil obter da
parte dela o Consentimento Expresso, apesar de este ter sido dado de forma oral e
informal, hoje e à distância dos anos penso que este é o exemplo de um caso em que o
Consentimento deveria ter sido obtido de forma escrita, senão vejamos, a pressão que
a utente colocava sobre mim enquanto profissional, levou-me a tentar avançar no
tratamento, contornando por vezes uma regra de ouro da Fisioterapia, que é, o nunca
passar o limiar da dor.
Assim neste caso e em algumas vezes, com o consentimento da utente esse
limiar foi ultrapassado, levando a que o joelho inicialmente melhorado, com ganho de
maior amplitude e mobilidade, passa-se a referenciar dor e a apresentar edema.
Mesmo perante as minhas advertências a doente apresentava-se obstinada e só
perante a minha recusa em continuar com o mesmo esquema de tratamento a fez parar,
mas não pensar da melhor forma, pois passou a coagir-me, levando elementos da
família e ameaçando levar-me a tribunal, agora por lhe ter estragado o joelho.
Situação complicada esta, apesar de ter Consentimento Expresso, foi muito dificil
provar, e só com o testemunho da minha colega de profissão que diariamente
trabalhava a meu lado, e com a confiança depositada no meu profissionalismo por parte
da Directora Clínica, não me vi envolvida num processo legal.
Surge-me então uma entre muitas questões, será que depois de toda a reflexão feita
neste artigo valerá mesmo a pena obter do utente o Consentimento Informado?
18
Claro que teria muitos mais casos para expor mas, não quis deixar de referir, um
bom caso e um mau caso, pois com estes vamos aprendendo a reflectir, e hoje apesar de
continuar a proceder da mesma forma, na tentativa constante da obtenção de
Consentimento Informado, tenho a noção exacta que raras são as vezes, em que não o faço
de formal informal, ou seja depois da prescrição médica, início o tratamento do utente e ao
mesmo tempo vou falando com ele, explicado e esclarecendo todas as suas dúvidas, desde
que ele as apresente, pois em prática privada convencionada o tempo urge, não se
condoendo a maior parte das vezes com Códigos de Ética, Praticas Padrão, entre outros,
confirmando assim que a prática contraria por diversas vezes a teoria.
9. CONCLUSÕES
Em Portugal e já com vários anos de prática profissional, confronto-me cada vez
mais com situações, às quais vulgarmente designamos de burocráticas, pois apesar de
o Consentimento Informado, ser como nos apercebemos ao longo do artigo uma
obrigação inscrita no Código Penal, bem como nos Códigos de Ética Profissional, não é
habitual a sua prática vulgarizada no nosso país. Quanto será ele aplicado nas
Unidades Privadas de Fisioterapia, nos Centros de Saúde, nos Hospitais Públicos e
Privados, e mesmo nos indivíduos submetidos a situações experimentais?
Será prática comum, no momento de um internamento hospitalar, ser
apresentado ao utente ou ao seu acompanhante um termo de Consentimento Informado
para ser assinado? E qual será ainda a sua validade, visto que, mesmo se cumprirmos
todas as regras para um Bom Consentimento Informado, termos ainda de contar com
situações de envolvência psico traumática no qual o utente se encontra nesse
momento, e que como refere Lesage-Jarjoura (1990:144), citada por Rodrigues (2007),
limitam igualmente a compreensão dos indivíduos, “ (…) sobre o efeito da ansiedade e
do medo, o paciente ouve sem compreender”.
Temos ainda, vulgarmente uma situação repetida na qual, esse mesmo termo
está escrito sob um padrão comum para todos os utentes. Se a situação psico
traumática não for o suficiente para interferir nessa análise, estará a linguagem
adequada a todos os indivíduos? Não estará, nesse momento, o indivíduo sob
condições de tal forma vulneráveis que dificilmente compreenderá o documento?
Como já foi ressalvado anteriormente, o Consentimento Informado é a
materialização do respeito à autonomia, sendo importante acautelar a condição mental,
emocional, cultural e educacional do indivíduo, bem como a situação do mesmo no
momento em que se lhe apresenta o documento. A circunstância mais difícil é pois,
19
reconhecer a condição real de entendimento do indivíduo, mesmo em situação normal e
na ausência de períodos de emergência.
A International Ethical Guidelines for Biomedical Research Involving Human
Subjects dá grande importância a alguns aspectos, tais como linguagem acessível,
informação adequada ao indivíduo, à finalidade e método a utilizar, duração, benefícios
esperados, possíveis riscos, tratamentos alternativos, grau de confidencialidade,
responsabilidade do pesquisador (se for o caso), terapia gratuita no caso de danos ou
resultados negativos, tipo de compensações e liberdade de abandonar a
pesquisa/tratamento em qualquer altura.
Voltando à Fisioterapia razão deste artigo, foi sempre actuação vulgarizada para
todos nós profissionais “uma espécie” de Consentimento Informado, ao longo da prática
efectuada num mesmo utente, pela forma que comunicamos e vamos sempre
respondendo às suas questões, apesar de claro gostarmos sempre mais do utente que
se submete sem fazer grandes questões, isso deixa-nos geralmente pouco à vontade,
não devido a ausência de conhecimentos, mas sim devido a uma questão cultural na
qual ainda nos vimos como utilizadores essencialmente do modelo biomédico.
Será que vamos conseguir alterar esta forma de Consentimento Informado
Informal?
Será importante que esta classe profissional compreenda, que a forma como
cumpre as regras terá também um significado deveras importante, não só para a sua
protecção enquanto profissional, evitando desagradáveis situações legais, que podem
hoje, e cada vez mais ocorrer pelo aumento das capacidades de esclarecimento
pessoal dos próprios utentes, mas também levando a um esclarecimento da própria
classe profissional, por uma maior fundamentação das certezas das suas competências
e dos seus saberes.
O exercício da autonomia, valor indiscutível na sociedade, mesmo no campo
particular das intervenções médicas é, ainda, em Portugal, pouco ou nada praticado.
Mas é importante e necessário que as profissões da área da saúde percebam que as
pessoas cada vez mais irão exercer a sua autonomia na decisão clínica, partilhando a
informação necessária com o profissional e formalizando o seu consentimento.
20
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS Appelbaum, P.S., L.C., M., A., (1987), “Informed Consent — Legal Theory and Clinical Practice”, Oxford. Andrade, C. M. da, (2004), “ Direito Penal Médico”, Coimbra Editora. Baú, M., K., Pithan, L. H., (2006,)“Aproximação entre bioética e direito”, In: Kipper, D. J., (Org.), “Ética: teoria e prática, uma visão multidisciplinar”, Porto Alegre, Edipucrs
Biondo-Simões M.L.P., et al., (2007) “Compreensão do termo de consentimento informado”, Rev Col Bras Cir. Maio/Jun. 2007, vol.34, no.3, p.183-188. ISSN 0100-6991. http://www.scielo.org/php/index.php
Clotet J, Francisconi CF, Goldim JR., (2000) “Consentimento informado e sua prática na assistência e pesquisa no Brasil”, Porto Alegre, EDIPUCRS Clotet J., (1995), “O consentimento informado nos Comités de Ética em pesquisa e na prática médica: conceituação, origens e actualidade Bioética”, (1): 51-59 Council for International Organizations of Medical Sciences,(CIOMS), (1993), World Health Organization (WHO), International ethical guidelines for biomedical research involving human subjects, Genebra., CIOMS, OMS. Fernandes, C.F., Pithan, L. H., (2007), “O consentimento informado na assistência médica e o contrato de adesão: Uma perspectiva jurídica e bioética”, Rev HCPA 2007;27 (2): 78-82 Granadeiro, V., Cerzo, J., (2004), “Consentimento Informado — A verdade com sentido”, Lisboa, (dissertação de mestrado apresentada, discutida e aprovada na FML). Grupo de Trabalho da Fisioterapia (2004) – “Perfil de Competências de Formação para o 1º e 2º Ciclo”-Princípios Orientadores para a definição do Plano de Estudos: Implementação do Processo de Bolonha Guerra, I.S., (2008), “ Ética e Fisioterapia – O Consentimento Informado”, Revista de Fisioterapia, n.º 1 Jan. 2008, pp 4-7
Kant, I., (1785), “ Fundamentação da metafísica dos costumes”, tradução Paulo Quintela, Lisboa, Edições 70, 1986 Kant I., (2002a), “Fundamentos da metafísica dos costumes e outros escritos”, São Paulo: Editora Martin Claret. Lesage-Jarjoura, P., (1990), “La Cessation de traitement: au carrefour du droit et de la médecine “, Ed. Yvon Blais, Québec. Marques C.L., (2004), “A responsabilidade dos médicos e do hospital por falha no dever de informar ao consumidor”, Revista dos Tribunais 827:11-48. Muñoz, D.R. Fortes, P.A.C., (1998), “O princípio da autonomia e o consentimento livre e esclarecido”, In: Costa, S.I.F., Garrafa, V., Oselka, G., (org.), “Iniciação à bioética”, Brasília, Conselho Federal de Medicina, pp. 53 – 70. Oliveira, G., (2001), de: “Temas de direito da Medicina”, Coimbra Editora, 2.ª edição. Ribeiro, J. L. P., (2002), “O Consentimento Informado na Investigação em Psicologia da Saúde é necessário?”, Psicologia, Saúde & Doenças, 3 (1), pp 11-22 Rodrigues, V. J., (2001), “O Consentimento Informado para o Acto Médico no Ordenamento Jurídico Português”, CDBM da FDUC, Coimbra Editora. Rodrigues, V. J., (2007), “ As relações entre os agentes médicos e o paciente: Reflexões sobre o Dissentimento (informado e esclarecido?)” Artigo no prelo da Revista Economia e Sociologia Shuster, E., (1997), “Fifty Years Later, the Significance of the Nuremberg Code”, The New England Journal of Medicine, 337, pp 1430-1440.
21
APF (2008) – “Normas de Boas Práticas para as unidades de Fisioterapia” in www.apfisio.pt Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes da DGS – www.dgsaude.pt Código Penal, (2007), Aprovado pelo decreto – Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, Republicado pela Lei 59/2007 de 04 de Setembro, http://www.verbojuridico.net/ Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais- Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/conv-tratados-04-11-950-ets-5.html Declaração Universal dos Direitos do Homem, (1948) Adoptada e proclamada pela Assembleia-geral na sua Resolução 217A (III) de 10 de Dezembro, Publicada no Diário da República, I Série A, n.º 57/78, de 9 de Março de 1978, mediante aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros. http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/cidh- dudh.html Plano Nacional de Saúde – Mudança Centrada no Cidadão www.dgsaude.pt World Confederation for Physical Therapy - www.wcpt.org/ LEGISLAÇÃO Lei de Bases da Saúde Lei 48/90, de 24 de Agosto www.dgsaude.pt
Dec. Lei n.º 261/93 de 24 de Julho
Dec. Lei n.º 320/99 de 11 de Agosto
22
ANEXOS
23
ANEXO- 1
Associação Portuguesa de Fisioterapeutas
Consentimento Informado
Padrão 2 Deve ser dada ao utente toda a informação relevante sobre os procedimentos propostos pelo Fisioterapeuta, tendo em consideração a sua idade, estado emocional e capacidade cognitiva, de forma a permitir o consentimento expresso, claro e informado. Orientação: No caso de utentes que não apresentem capacidade para dar consentimento informado, por exemplo, utentes inconscientes, crianças, utentes com problemas mentais severos, confusos e alguns utentes com dificuldades de aprendizagem, o consentimento deve ser obtido, sempre que possível, por parte dos pais, tutores, ou outros indivíduos legalmente designados para representar o indivíduo. Na presença de decisões complicadas, relacionadas com o consentimento, estas devem ser discutidas com outros colegas, bem como com outros profissionais envolvidos na intervenção, antes de ser tomada a decisão final. A declaração de princípios da WCPT (1995)
deve ser considerada em conjugação com estes padrões. Critérios 2.1- O consentimento do utente é obtido antes de se iniciar qualquer exame ou intervenção. 2.2- As opções de intervenção, incluindo benefícios significativos, riscos e efeitos secundários são
discutidos com o utente. Orientação: Por exemplo, se o fisioterapeuta considerar a utilização de electroterapia, deverá discutir com o utente a relevância científica da sua efectividade, mas também chamar a atenção para o eventual risco de queimaduras. 2.3- É dada ao utente, a oportunidade de colocar questões.
Orientação: Os utentes podem necessitar de tempo para absorver a informação e deverá ser dada a oportunidade de colocar questões em todas ocasiões, de molde a que o consentimento seja claro e expresso. 2.4. O utente é informado do seu direito de recusar a fisioterapia em qualquer fase sem ser
prejudicado em cuidados futuros. 2.5- Se o utente declinar ou rejeitar a fisioterapia este facto deve ser documentado no processo
clínico, conjuntamente com as razões invocadas, sempre que estas sejam conhecidas. 2.6- O utente é informado de que pode ser consultado ou intervencionado por um aluno de
fisioterapia, sendo-lhe dado o direito de recusar e nesse caso ser tratado por um Fisioterapeuta. Orientação: Este critério só é aplicado nos locais onde existam alunos de fisioterapia.
2.7- O documento de consentimento informado para a intervenção é guardado no processo clínico do
utente.
Fonte: APF – Padrões de Prática, (2005), 3ª Edição, pp 10
http://www.apfisio.pt/Ficheiros/Pad_Pratica.pdf
24
ANEXO – 2
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
Pelo presente instrumento, declaro que fui suficientemente esclarecido (a) pelo (a)
Médico/Fisioterapeuta (nome completo do médico/fisioterapeuta) sobre os procedimentos
(esclarecer quais procedimentos), a que vou me submeter, ou a que vai ser submetido
(nome do paciente), do qual sou responsável legal, bem como do diagnóstico, prognóstico,
riscos e objectivos do tratamento (discriminar).
Declaro também que fui informado (a) de todos os cuidados e orientações (discriminar) que
devo seguir a fim de alcançar o melhor resultado. Estou ciente que o tratamento não se
limita ao (colocar o procedimento realizado), sendo que deverei retornar ao
consultório/clínica nos dias determinados pelo médico/fisioterapeuta, bem como informá-lo
imediatamente sobre possíveis alterações / problemas que porventura possam surgir.
Pelo presente também manifesto expressamente minha concordância e meu consentimento
para realização do procedimento acima descrito.
Local e data
____________________________________________
Nome e assinatura do paciente (ou representante legal)
Documento de Identidade
Testemunha
__________________________ Testemunha
Fonte: http://www.ammg.org.br/guia/termo.doc (Adaptado e utilizado no nosso serviço)