Post on 07-Jan-2017
PAULO MENDES PINTO
Santos e Beatosde Portugal
Rostos de Santidade
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TORostos de Santidade
Santos e Beatos de Portugal
11 A noção de santidade
17 São Teotónio 23 Beatas Teresa, Sancha e Mafalda de Portugal 39 Mártires de Marrocos 47 Beato [São] Gonçalo de Amarante 53 Beato Frei Gil 63 Santo António 75 Beato Lourenço Mendes 79 Rainha Santa Isabel [ Isabel de Aragão ]
89 Beato Gonçalo de Lagos 97 São Nuno de Santa Maria [ o Santo Condestável ]
103 Beato D. Fernando de Portugal [ o Infante Santo ]
1 1 1 Beato Amadeu da Silva 117 Santa Beatriz da Silva 121 Santa Joana Princesa 125 São João de Deus 129 Beato Frei Bartolomeu dos Mártires 133 Quarenta Mártires do Brasil 139 Mártires de Salsete ou de Cuncolim 143 Mártires do Japão 157 Beato Frei Redento da Cruz 161 São João de Brito 167 Beata Maria Clara do Menino Jesus 171 Beata Rita Amada de Jesus 175 Pastorinhos de Fátima [ Beatos Francisco Marto e Jacinta Marto ]
182 Bibliografia
índice
11A NOÇÃO DE SANTIDADE
A santidade, a aura e a re ligaçãoA ideia de santidade é, ao mesmo tempo, simples e complexa.
Se quisermos pedir a uma criança a representação desta ideia, suponho
que ela não hesitará e rapidamente num desenho colocará o signo
essencial. No topo de uma cabeça, uma aura identifica um «santo».
Tão simples quanto isto.
E, de facto, esta imagem de alguém, que foi tocado pelo divino e, por
isso, tem a referida aura, é uma dimensão profundamente cimentada na
nossa cultura. Teologicamente, o catolicismo encontra aí grande parte
do horizonte valorativo em que coloca a santidade: o humano que, por
feitos e posturas ímpares, está numa posição de acesso «direto» a Deus.
A aura, num misto de pureza e de iluminação, mostra ao crente o especial
dentro daquele humano.
De resto, a palavra de que temos estado a falar é uma palavra com uma
raiz complexa e difícil de compreender. Surge no texto bíblico, por
exemplo, no Génesis, na expressão normalmente traduzida para latim
A noção de santidade
1312A NOÇÃO DE SANTIDADESANTOS E BEATOS DE PORTUGAL
como Fiat Lux, o Faça -se Luz, da separação das trevas. A «Luz», no texto
hebraico, é uma palavra cuja raiz é a antepassada, quer de «aurífero»,
«ouro», quer de «aura», «círculo dourado», «luminoso».
Muito antes de haver Cristianismo, já alguns deuses antigos eram
representados com auras, muitas delas raiadas como contem-
poraneamente se recriará em alguma iconografia de simbólica laica,
como a Estátua da Liberdade, em Nova Iorque. Ser aureolado era
simbolicamente ser luminoso, estelar ou mesmo solar. Era, numa
leitura entre os opostos, a imagem do lado da Luz, por oposição ao
lado das Trevas. No fundo, era estar numa direta e plena ligação ao
momento da Criação, rejeitando o Caos.
E a santidade como hoje é vivida, quer no horizonte teológico católico,
quer no popular, é essa ligação profunda e, acima de tudo, eficaz, entre
o crente que cultua e pede, e o divino que se procura atingir, encontrar.
O santo não é a divindade, mas é o portador, o mensageiro e intercessor.
Ele é uma re ligação primordial, como se nada tivesse ocorrido depois
do Fiat Luz.
O uno e o múltiplo O universo conceptual da santidade levanta problemas de
uma grande complexidade quando procuramos cruzar as
definições teológicas com as práticas quotidianas. E esse
cruzar, por vezes prenhe de incompatibilidade e berço de
muita intolerância, levou a que a Igreja Cristã definisse
fronteiras de pertença, de ortodoxia, donde, de heresia.
Corria o ano de 325 d. C., quando o Cristianismo dava
mais um passo importante no sentido de se normativar, de criar uma
ortodoxia. Neste caso, no Concílio de Niceia, a complexa relação entre
as Pessoas da Santíssima Trindade ganhava folgo e tornava -se regra,
definindo fronteiras e vizinhanças, dando material para inquirir o
dentro e o fora.
Mas este processo de procura de uma unidade, de uma unificação de
crença e, por conseguinte, de uma forma de olhar e de encarar o vivenciar
do Cristianismo, era matizada por um outro fenómeno que terminara
pouco antes e começava a deixar as suas sementes, em especial na
chamada piedade pessoal. Realmente, nos dois séculos
anteriores, num quase constante clima de perseguição,
o Cristianismo crescera e cimentara -se no sangue dos
mártires, recebendo no seu seio a memória, o exemplo
e o incentivo de muitos que morreram ao afirmar a sua fé.
Por um lado, em termos de dogma de fé, o Cristianismo fechava -se,
deixando de fora, de forma irreversível, as gnoses, ao mesmo tempo que
integrava toda a multiplicidade, quer simbólica, quer narrativa, das vidas
e das tradições ligadas aos mártires (a primeira, e uma das essenciais,
matéria da criação da santidade).
Aliás, seria por esta via, pelo caminho do desenvolvimento ou do
acolhimento destes cultos, muitas vezes locais ou regionais, que o
Cristianismo se ia enraizando, integrando práticas populares muitas vezes
milenares, usando este instrumento de evangelização e de integração
que eram as especificidades de cada lugar alto, de cada romaria, de cada
necessidade ou desejo local.
Sem perder a formulação da Trindade de Niceia, o Cristianismo ortodoxo
abria -se à integração de formas que, muitas vezes, ganhavam verdadeira
prática quase -politeísta, tal era a intensidade expressa nos votos, no
ardor, na súplica.
1716SÃO TEOTÓNIOSANTOS E BEATOS DE PORTUGAL
São Teotónio Ganfei, Valença, 1082 – Coimbra, 18 de fevereiro de 1162
Canonização: 1163, pelo Papa Alexandre III
Festa litúrgiCa: 18 de fevereiro
Oração a São TeotónioSenhor nosso Deus, que pela palavra e pelo exemplo de São Teotónio refor-
mastes a disciplina religiosa, concedei -nos, por sua intercessão, que, esco-
lhendo o caminho estreito da perfeição cristã, mais facilmente alcancemos
a vida eterna. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus con-
vosco na unidade do Espírito Santo. Ámen.
S ão Teotónio, o primeiro santo português, foi uma importante figura do século XII, na época
em que o nascente Reino de Portugal procurava um lugar na geopolítica da cristandade, num qua-
dro em que as instituições cristãs, fosse o papado ou as ordens religiosas, tinham um peso fulcral.
A vida, significado e funções de Teotónio atravessam um complexo tempo, marcado pela neces-
sidade de uma ordenação eficaz de um reino em estado muito rudimentar de organização, numa
conjuntura de (re )conquista em que, para a população, a chegada das tropas de líderes cristãos não
seria nem uma imagem tão certa de salvação, nem uma melhoria das condições de vida.
Apesar de ter nascido e vivido numa época em que os registos eram escassos e com dados
muito lacunares, é muito completa a história de vida de Teotónio, membro de uma família
destacada. Filho de Oveco e Eugénia, Teotónio foi estudar Teologia e Filosofia para Coimbra,
confiado à tutela de um tio, D. Crescêncio, bispo dessa importante cidade de fronteira entre
Milagre de Ourique
Óleo sobre tela de António José Pereira, c. 1880-1890Irmandade de Nossa Senhora de Rodes,
Paróquia de Reriz, Diocese de ViseuFoto: José Alfredo | Diocese de Viseu
2322BEATAS TERESA, SANCHA E MAFALDA DE PORTUGALSANTOS E BEATOS DE PORTUGAL
apariçãO da BeaTa SancHa à BeaTa TereSa e BeaTa Mafalda
Óleo sobre tela de André Gonçalves, c. 1735 -40Igreja do Menino de Deus, Lisboa
©Nuno Saldanha/IADE ‑U
Beatas Teresa, Sancha e Mafalda de PortugalRainha Santa Teresa de PortugalCoimbra, 1175? – Lorvão, 18 de junho de 1250
BeatiFiCação: 13 de dezembro de 1705, pelo Papa Clemente XI
Festa litúrgiCa: 20 de junho
«(…) sendo -lhe revelada sua morte, se preparou para ella como convinha, e
recebidos todos os Sacramentos, se fez levar à Igreja, onde se despedio de todas
as Religiosas abraçando a cada huma per si, e pedindo -lhe perdão de as não
ter a todas tratado com o mimo, e caridade devida, e chorando ellas o seu
grande desamparo, e a falta que lhe havia de fazer huma tão amorosa mãi.»In JosePh Pereyra BayaM, Portugal glorioso e illustrado com a vida, e virtudes das bemaventuradas
Rainhas Santas Sancha, Theresa, Mafalda, Isabel e Joanna..., p. 125.
F ilha de Sancho I de Portugal, D. Teresa casou, com cerca de 15 anos de idade, em 1190,
com Afonso IX de Leão, em Bragança. Seis anos depois, em 1196, quando tinha já três filhos
(Sancha, Fernando e Dulce), viu o seu casamento ser considerado inválido por questões de
consanguinidade, sem nunca ter conseguido obter a necessária dispensa papal em relação ao grau
de parentesco com o Rei de Leão.
Regressada ao Reino português, Teresa traz consigo a filha mais nova, D. Dulce, estabelecendo -se em
Coimbra, junto da irmã D. Sancha, que anos mais tarde acolheria os futuros Mártires de Marrocos.
3534BEATAS TERESA, SANCHA E MAFALDA DE PORTUGALSANTOS E BEATOS DE PORTUGAL
cadeiral (cOrO daS freiraS) dO MOSTeirO de arOuca
Com cenas da vida de Santa Mafalda (aparece-nos na quarta pintura a contar da direita, ainda vestida de rainha, junto às monjas da Ordem Beneditina e na sexta gravura
vê-se a mudança da Ordem Beneditina para a Ordem de Cister). © AKG /Fotobanco
Desde 1215 que aparece citada como padroeira desse
mosteiro, devendo, possivelmente, já então viver nesse
espaço monacal.
Exatamente nesse ano, Afonso II estabelece o casamento
de Mafalda com Henrique I de Castela, então com onze
anos de idade. O tutor do jovem rei, o conde Álvaro
de Lara, procurava uma aliança com Portugal para fazer frente à fação da irmã do rei,
Berengária. Realizou -se o desponsório, mas Berengária atuou junto da Santa Sé e o casamento
MOSTeirO de arOuca
Fundado na primeira metade do século X, a sua importância revigorou-se com o padroado da Beata
Mafalda de Portugal, que aqui viveu entre 1220 e 1256 e aqui se encontra sepultada.
Museu de Arte Sacra da Real Irmandade da Rainha Santa MafaldaFoto: Sofia Vechina
4140MÁRTIRES DE MARROCOSSANTOS E BEATOS DE PORTUGAL
De que tenhamos conhecimento, a primeira versão desta complexa lenda dos mártires de Marrocos
foi redigida ainda em vida de São Francisco, intitulada Chronica Fratis Iordani a Iano, incluída na
Analecta Franciscana. Terá sido no mosteiro de Santa Cruz de Coimbra que se desenvolveram obras
hagiográficas sobre os mártires franciscanos, surgindo documentos de devoção que relatavam
os seus milagres. A sistematização deste grupo de lendas é de 1568, quando foi redigida a obra
Tratado da Vida e Martírio dos Cinco Mártires de Marrocos, de João Álvares, uma adaptação portuguesa da
Legenda Martyrum Marochii (obra de c. 1476).
O imaginário cristão foi tão forte em torno das tradições dos Mártires de Marrocos que rapidamente
a iconografia se desenvolveu. As primeiras obras artísticas dedicadas a este martírio também têm
origem conimbricense, só depois passando a ser um assunto utilizado pelos artistas de todo o
País, quer em quadros e esculturas, quer em gravuras ou peças de ourivesaria, proporcionando
um dos temas mais recorrentes na iconografia portuguesa.
Contudo, os Santos Mártires de Marrocos não são, de facto, naturais de Portugal. São cinco
frades italianos da região da Toscânia, de seu nome: Frei Berardo, pregador e arabista; Frei Otto,
sacerdote; Frei Pedro, diácono; Frei Adjuto e Frei Acúrsio, frades leigos, a que acrescia Frei
Vidal, que presidia a missão.
A origem da missão encontra-se na II Assembleia Geral da Ordem Franciscana em Assis, onde
Francisco de Assis elegeu esses frades como missionários em Marrocos. De Itália saíram os seis
missionários rumo à Ibéria, de onde pretendiam partir para Marrocos.
E é logo nos primeiros momentos que a missão ganha contornos inesperados: em Aragão, Frei
Vidal adoece gravemente e fica impossibilitado de prosseguir com os seus companheiros. Sem
outra solução, nomeia para o substituir na presidência da missão Frei Berardo. Debilitado, Frei
Vidal acabaria por morrer sem a coroa do martírio, poucos dias após a notícia da morte dos
cinco frades.
Seguindo caminho, os missionários dirigem-se a Coimbra, onde D. Urraca lhes dá guarida. Num
misto de fé e de misticismo, a rainha suplica aos frades que lhe revelem o momento da sua morte.
Relutantes, acabam por predizer que a vida de D. Urraca apenas chegaria ao seu termo quando de
Marrocos os cristãos trouxessem os seus corpos martirizados.
Nesta estadia em Coimbra, um jovem, Fernando de Bulhões, que, mais tarde, será outro grande
santo português (Santo António), terá ouvido as suas prédicas no mosteiro de Santa Cruz, episódio
que em muito lhe influenciou a vida.
Pararam ainda em Alenquer, vila que recebera foral em 1212, de D. Sancha (beatificada em 1705),
filha de D. Sancho I e irmã do rei D. Afonso II. Aí, a princesa os dotou de víveres e trajes de
mercadores, com os quais se deveriam disfarçar quando chegassem a Sevilha.
Iniciando uma postura de assumida afronta, denotando a crença na posse do Espírito Santo
que, não apenas os livraria de qualquer medo, como os dotaria das palavras que levariam à
imediata conversão dos mouros, trocaram as vestes,
generosamente ofertadas por D. Sancha, pelo hábito
franciscano e, assim vestidos, apresentaram-se na
mesquita de Sevilha, onde iniciaram a sua pregação
diante de uma multidão de muçulmanos. Julgando-os
loucos, foram escorraçados da mesquita.
arca‑relicáriO dOS MárTireS de MarrOcOS
Escultura funerária em calcário, século XIII-XIV (1290-1320)
Museu Nacional de Machado de Castro, CoimbraFoto: Arnaldo Soares/DGPC/ADF
6362SANTO ANTÓNIOSANTOS E BEATOS DE PORTUGAL
SanTO anTóniO cOM O MeninO JeSuS
Óleo sobre tela de Francisco Vieira de Matos [Vieira Lusitano], século XVIII
Museu Nacional de Arte Antiga, LisboaFoto: José Pessoa/DGPC/ADF
Santo AntónioLisboa, 1195? – Pádua, 13 de junho de 1231
Canonização: 30 de maio de 1232, pelo Papa Gregório IX
Proclamado Doutor da Igreja em 16 de janeiro de 1946, pelo Papa Pio XII
Festa litúrgiCa: 13 de junho
«Ora, se acontecia o Santo não dar pronta notícia do objeto perdido, a
devota desterrava o padre Santo António da companhia dos outros Santos,
e exilava -o para um canto escuro da alcova por espaço de vinte e quatro
horas; findas as quais, se o objeto não tinha aparecido, o rebelde Santo era
amarrado pelo pescoço com uma guita, e pendurado à borda do poço, até lhe
dar água pela barba. Se a coisa perdida vinha a descobrir -se, então saía o
santo da cisterna, e era processionalmente conduzido ao oratório, por entre
lâmpadas e perfumes, terminando o triunfo por um laudo jantar ao qual
eram convidados os parentes e amigos.»CaMilo Castelo BranCo, O Judeu
E ntre Lisboa e Pádua – uma atribuição toponímica que como epíteto é disputada no seu
nome – se fez grande parte da vida de António, o santo mais popular em Portugal, que na cidade
de Lisboa ocupa o lugar de destaque no mês dedicado às festas, à alegria e à boémia.
Pouco se sabe das origens deste Doutor da Igreja, o mesmo se passando em relação a muitos dos
importantes factos da sua vida, mais envoltos em narrativas de natureza da lenda do que da história.
7170SANTO ANTÓNIOSANTOS E BEATOS DE PORTUGAL
SanTO anTóniO pregandO aOS peixeS
Óleo sobre carvalho de Garcia Fernandes, século XVI
Museu Nacional de Arte Antiga, LisboaFoto: José Pessoa/DGPC/ADF
Da mesma forma, o elemento que será,
para sempre, a marca distintiva da sua
iconografia – o Menino sentado em cima
de um livro aberto nas suas mãos –,
reflete muito bem uma sinonímia criada
pelo acaso: o Menino que do frade se
aproximou e por ele fora trazido para o
improvisado colo, como que embevecido
pelas palavras que da sua boca ecoavam,
é a dupla imagem, quer do episódio
de Jesus em que pede que deixem vir
a si as criancinhas, as mais puras e as
únicas, talvez, a conseguir aceder às
suas palavras, mas é também como que
imagem do próprio Menino Jesus como
muito popularmente se crê, como que
validando essas mesmas palavras tidas
por inspiradas – na mais pura forma,
como criança, é o Verbo de Deus a sair do
texto das suas palavras.
Em Lisboa, as festas em sua honra mar-
cam atualmente o calendário de forma
inquestionável. Já o marcariam quando,
na instauração da República, estas festas
eram um lugar de apaziguamento entre as autoridades repu-
blicanas muitas vezes anticatólicas e a população que adere de
maneira quase automática às festas do seu Santo.
As atuais festividades, com centro nas Marchas e nos Casamentos
de Santo António, são criações da década de 30 do século XX,
SanTO anTóniO
Óleo sobre tela de José de Almeida Furtado,século XIX
Museu de Grão Vasco, ViseuFoto: José Pessoa/DGPC/ADF
79RAINHA SANTA ISABEL [ ISABEL DE ARAGÃO ]
78SANTOS E BEATOS DE PORTUGAL
rainHa SanTa iSaBel, Milagre daS rOSaS
Óleo sobre carvalho, autor desconhecido, século XVI (1540-1550)
Museu Nacional de Machado de Castro, CoimbraFoto: José Pessoa/DGPC/ADF
Rainha Santa Isabel [ Isabel de Aragão ]Saragoça, c. 1270 ‑ Estremoz, 4 de julho de 1336
BeatiFiCação: 1516, pelo Papa Leão X
Canonização: 1625, pelo Papa Urbano VIII
Festa litúrgiCa: 4 de julho
«Não sabes tricana linda
Porque chora quando canta
O rouxinol do Choupal;
É porque ele chora ainda
Pela rainha mais santa
Das santas de Portugal
Rainha que mais reinou
No coração da pobreza
Do que no faustuoso Paço
Milagreira portuguesa
Que no seu alvo regaço
Pão em rosas transformou
E as lindas rosas geradas
Por um milagre fermente
Que a santa rainha fez
Viverão acarinhadas
Com amor eternamente
No coração português
Santa Isabel, se algum dia
Seu nome de eras famosas
Fosse esquecido afinal
Outro milagre faria
E nunca mais haver rosas
Nos jardins de Portugal»
Fado Rainha Santa, Letra de henrique rego
SelO da rainHa SanTa iSaBel
Emissão Rainha Santa Isabel e São Teotónio, de Jaime Martins
Barata, 1958.
8988BEATO GONÇALO DE LAGOSSANTOS E BEATOS DE PORTUGAL
eSTáTua de SãO gOnçalO de lagOS
na cidade que lhe dá nomeFoto: Francisco Castelo/Câmara Municipal de Lagos
Beato Gonçalo de LagosLagos, 1360? – Torres Vedras, 15 de outubro de 1422
BeatiFiCação: 1778, pelo Papa Pio VI
Festa litúrgiCa: 27 de outubro
D esconhece -se a data de nascimento e a genealogia daquele que é o padroeiro dos pescadores
do Algarve, assim como da cidade de Lagos. Apenas se depreende que Frei Gonçalo terá nascido
no seio de uma família humilde.
Da sua biografia, pouco se sabe até ao início da década de oitenta do século XIV. Por volta de 1380,
por ocasião de uma deslocação da família a Lisboa, Gonçalo toma contato com várias ordens
Se as suas virtudesSão nossa instrucção,Tambem seus milagresAssombros nos são.
No mar, e na terraTemos admirado,Quão largo poderPor vós lhe foi dado.
Vence as tempestades,E as fúrias dos ventos,Qual o grande EliasManda aos Elementos.
Cedem os perigosA' sua virtude,Por ella os enfermosAlcanção saude.
O' Santo bemdito,O' honra immortalDo Reino do Algarve,
Mais de Portugal.
Novena do glorioso S. Gonçalo de Lagos, composta por hum seu devoto e indigno irmão. [durão, José de santa rita, 1722? -1784], p. 5.
SãO gOnçalO de lagOS
Retratos de cardeaes, bispos, e varoens portuguezes illustres em nobreza, armas, letras, e santidader, de João Álvares, 1791
Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa
9392BEATO GONÇALO DE LAGOSSANTOS E BEATOS DE PORTUGAL
meninos pelas ruas, para lhes ensinar a doutrina cristã. E, como os tinha
juntos, fazia -lhes a todos outra muito devota pregação, acomodada às suas
idades; e depois lhes fazia dizer a doutrina cristã. E, como para aquela idade
pueril, todas as coisas de siso são desgostosas, para que não fugissem dele,
trazia sempre as mangas cheias de pedaços de pão e de fruta, de verónicas,
contas e registos de Santos, que ele mesmo, como grande escrivão que era, de
livros, debuxava e iluminava para este fim.
Com estas e outras prendas, que os meninos estimavam, os atraía a si, de
maneira que lhe eram todos tão familiares que o não viam na rua, sem que se
fossem logo a ele a apalpar -lhe as mangas, a ver o que lhes trazia. E, muitas
vezes, se ajuntavam a brincar com ele, como se fosse outro da sua idade.
O que tudo consentia o servo de Deus com grande alegria, sofrendo todas
essas meninices aos meninos, guardando a doutrina do Apóstolo que diz
de si que todas as coisas se fazia com todos para que assim aproveitasse
a todos.»
A sua proximidade aos pescadores, que já se referiu a propósito da sua entrada no Convento
da Graça, foi lendariamente construída com base em alguns milagres, especialmente um que é
retratado nos painéis de azulejos que hoje em dia adornam o Museu Municipal de Torres Vedras.
Nada como regressar a um texto antigo para nos dar o verdadeiro espírito da lenda e da tradição,
que neste caso justifica, não apenas a beatitude de Frei Gonçalo, como o coloca na primeira pessoa
a dar início ao seu próprio culto. Vejamos:
«No ano de 1437, que são 15 depois da sua morte gloriosa, aconteceu que
certos homens do Reino do Algarve, naturais de Lagos, pátria do mesmo Santo,
O BeaTO gOnçalO, Já glOriOSO, aparece a uM Seu SOBrinHO naufragandO na praia de lagOS.
põe na praia O SOBrinHO e Manda‑O viSiTar a Sua SepulTura neSTa vila [TOrreS vedraS]
Igreja e Convento da Graça, Paróquia de São Pedro e São Tiago de Torres Vedras
© Rodrigo Tiago e Marlene Oliveira
9796SÃO NUNO DE SANTA MARIA [ O SANTO CONDESTÁVEL ]SANTOS E BEATOS DE PORTUGAL
eSTáTua de nunO álvareS pereira
Exterior do Mosteiro de Santa Maria da Vitória, BatalhaFoto: José Paulo Ruas/DGPC/ADF
São Nuno de Santa Maria [ o Santo Condestável ]Paço do Bonjardim ou Flor da Rosa, 24 de junho de 1360 – Lisboa, 1 de novembro de 1431
BeatiFiCação: 23 de janeiro de 1918, pelo Papa Bento XV
Canonização: 26 de abril de 2009, pelo Papa Bento XVI
Festa litúrgiCa: 6 de novembro
«Aqui jaz aquele famoso Nuno, o Condestável, fundador da Sereníssima Casa
de Bragança, excelente general, beato monge, que durante a sua vida na terra
tão ardentemente desejou o Reino dos Céus depois da morte, e mereceu a
eterna companhia dos Santos. As suas honras terrenas foram incontáveis, mas
voltou -lhes as costas. Foi um grande Príncipe, mas fez -se humilde monge.
Fundou, construiu e dedicou esta igreja onde descansa o seu corpo.»Epitáfio no seu mausoléu (destruído pelo terramoto de 1755)
Conhecido como «Santo Condestável», Nuno Álvares Pereira é o exemplo perfeito e
paradigmático de um modelo de religiosidade que une o monge ao cavaleiro, neste caso já não num
horizonte de cruzada, de luta contra um infiel ou herege, mas na luta pela definição de uma dinastia.
Numa corruptela de «Conde do Estábulo» da hierarquia palaciana carolíngia, o Condestável é
o supremo chefe militar, o estratega mítico de uma luta tida como primordial, que afirma a
nacionalidade e por isso é recorrentemente revisitado por todos os movimentos nacionalistas ao
longo dos séculos.
125124SÃO JOÃO DE DEUSSANTOS E BEATOS DE PORTUGAL
S. T. Jean de dieu
Litografia de Louis-Pierre Lasnier, 1875?Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa
São João de DeusMontemor ‑o ‑Novo, 1495 – Granada, 8 de março de 1550
BeatiFiCação: 21 de setembro de 1630, pelo Papa Urbano VIII
Canonização: 16 de outubro de 1690, pelo Papa Alexandre VIII
Festa litúrgiCa: 8 de março
São João de Deus é um exemplo em constante atualização da própria noção de santidade.
Com uma história de vida bastante complexa, a santidade que a Igreja Católica acaba por lhe
reconhecer é hoje em dia um exemplo e uma vocação que continua a dar frutos no campo
da mais simples e profunda caridade, enquanto Virtude Teologal, e que aqui, deixa esse quadro
pietista cristão, para se afirmar como uma efetiva Fraternidade.
Acolhendo todos os que sofrem de doença mental profunda, mais do que tratar, os Irmãos hoje
inspirados por esta figura afirmam a mais vasta irmandade em relação a todos, sejam doentes
mentais ou não. De uma forma espantosa, hoje em dia, uma grande parte dos doentes mentais
portugueses internados, encontra -se em instituições da Ordem Religiosa fundada por S. João
de Deus.
Nascido no seio de uma família muito pobre, João Cidade, de seu nome, era filho de André Cidade
e de Teresa Duarte. Possivelmente por questões de sobrevivência, aos 8 anos sai da casa dos pais
em Montemor -o -Novo e segue para Oropesa, perto de Toledo. Terá sido pastor, o que já faria em
Montemor.
Pouco se sabe da sua vida, mas aos 22 anos de idade, o ainda João Cidade alista -se no exército
do Conde de Oropesa e participa na conquista de Fuenterrabia, em 1523, então ocupada pelos
franceses. Regressa depois à sua vida de pastor em Oropesa, voltando a alistar -se quatro anos
depois, quando as tropas do Conde de Oropesa lutavam na Hungria contra as forças turcas.
É após esta segunda etapa militar que João Cidade, desembarcando na Corunha, resolve regressar
129128BEATO FREI BARTOLOMEU DOS MÁRTIRESSANTOS E BEATOS DE PORTUGAL
fr. BarTOlOMeu dOS MárTireS
Óleo sobre tela de António André, século XVII (c. 1619-1625)
Museu de AveiroFoto: José Pessoa/DGPC/ADF
Beato Frei Bartolomeu dos MártiresLisboa, 3 de maio de 1514 – Viana do Castelo, 16 de julho de 1590
BeatiFiCação: 26 de julho de 2001, pelo Papa João Paulo II
Festa litúrgiCa: 16 de julho
A rcebispo de Braga e figura de destaque no Concílio de Trento, foi
batizado com o nome Bartolomeu Fernandes do Vale, na freguesia dos
Mártires, orago que viria a adotar no seu nome religioso.
Com origens familiares humildes, era filho de Domingos Fernandes e
de Maria Correia e terá entrado para o noviciado no convento de São
Domingos de Lisboa em 1528. No ano seguinte professava e nove anos
depois era já leitor, começando a ensinar Teologia no principal studium
dominicano em Portugal, no Mosteiro da Batalha, em 1542.
A sua carreira académica é sólida e, em 1548, inicia os comentários a
uma secção da Summa de São Tomás de Aquino (Secunda Secundae, dedicada à
Teologia Moral) e, no ano de 1551, obtém o título de Mestre em Teologia
na congregação geral dos dominicanos, em Salamanca.
No ano seguinte, segue para Évora, onde se torna preceptor de D. António
Prior do Crato. Por fim, regressa a Lisboa e no ano de 1557 é prior no
Convento de São Domingos de Benfica.
É nesta fase da sua vida que é escolhido para arcebispo de Braga, por
indicação de D. Catarina. É nomeado pelo Papa Paulo IV a 27 de janeiro
de 1559 e é ordenado arcebispo na Igreja de São Domingos de Lisboa
a 3 de setembro desse ano. A 4 de outubro, entra em Braga.
No arcebispado de Braga, Frei Bartolomeu vai ficar conhecido pelo seu
cruz prOceSSiOnal de
frei BarTOlOMeu dOS MárTireS
Diocese de Viana do CasteloFoto: Félix Iglesias Llano
175174PASTORINHOS DE FÁTIMASANTOS E BEATOS DE PORTUGAL
franciScO e JacinTa MarTO
Foto cedida pelo Postulado de Francisco e Jacinta Marto
Pastorinhos de FátimaFrancisco MartoFátima, 11 de junho de 1908 – Fátima, 4 de abril de 1919
Jacinta MartoFátima, 11 de março de 1910 – Lisboa, 20 de fevereiro de 1920
BeatiFiCação: 13 de maio de 2000, pelo Papa João Paulo II
Festa litúrgiCa: 20 de fevereiro
«Sacrificai-vos pelos pecadores e dizei muitas vezes, em especial sempre
que fizerdes algum sacrifício: Ó Jesus, é por Vosso amor, pela conversão
dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado
Coração de Maria!»Indicação de oração dada por Nossa Senhora, a 13 de julho de 1917, contada
pela Irmã Lúcia na 4.ª Memória
C om alguma ironia, nunca terá imaginado a filha do Profeta Maomé vir a dar nome a um
dos maiores santuários cristãos do mundo. As aparições de Fátima, na Cova da Iria, decorreram
regularmente entre maio e outubro de 1917, no dia 13 de cada mês. Foram protagonizadas por
três jovens pastorinhos, ainda em idade «inocente», como no caso de Lourdes.
Os chamados «Pastorinhos de Fátima», Francisco, Jacinta e Lúcia, com este diminutivo significativo,
são das personagens religiosas mais acarinhadas pelos portugueses. No seguimento das aparições