Post on 14-Aug-2015
A CLASS ACTION
Como instrumento de tutela coletiva dos direitos
GIDI, Antoni. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as
ações coletias em uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007.
A ideologia jurídica dominante nos sistemas de common law é avessa a
abstrações e extremamente tolerante com a desordem e a incoerência lógica do
sistema, com um preço a ser apgo pela possibilidade de realizar uma justiça
individualizada em cada caso apreciado. O resultado é um sistema extremamente
complexo – tão complexo quanto as relações sociais existentes – quie não se
pretea a generalizações e sistematizações fáceis.
As normas processuais americanas são redigidas em uma linguagem
desconcertamentemetne ampla, deixando uma larga margem de
discricionariedade ao juiz de primeiro grau. Essa flexibilidade é a marca registrada
do direito americano e permite ao juiz adaptar o processo às peculiaridades de
cada caso. Por um lado, isso faz o direito processual americano extremamente
sensível às circunstâncias de cada caso concreto e essa pode ser considerada a
razão do sucesso das ações coletivas. Por outro lado, pode deixar as partes
reféns das convicçoes pessoais de cada juiz. (18)
Como o legislador e o Judiciário também não estão vinculados a
abstrações jurídicas artificalmente criadas, o direito positivo não limita as relações
sociais. Ao contrário, são as relações sociais que forjam a construção do direito.
Consequentemente, o direito está em constante evolução. A evolução jurídica é
tão rápida que um artigo, livro ou decisão podem ser considerados ultrapssados
em quatro ou cinco anos. Ao contrário do que acontece na tradição jurídica de
civil law, em que a autoridade de uma obra tem relação direta com sua idade, nos
Estados Unidos raramente citam-se artigos escritos há mais de cinco ou dez
anos. (19)
1 Economia processual
O objetivo mais imediato das ações coletivas é o de proporcionar eficiência
e economia processual, ao permtir que uma multiplicidade de ações individuais
repetitivas em tutela de uma mesma controvérsia seja substituída por uma única
ação coletiva. (25-26)
As ações coletivas promover economia de tempo e de dinheiro não
somente para o grupo-autor, como também para o Judiciário e para o réu. Para o
grupo-autor, a economia proporcionada pela tutela coletiva é manifesta. Afinal
tanto o custo absoluto de litigar a controvérsia coletiva é reduzido à despesa de
uma única ação, como tais despesas podem ser reteadas proporcionalmente
entre os membros do grupo.
A possibilidade de julgar em um único processo uma controvérsia
complexa envolvendo inúmeras pessoas, por outro lado, representa uma notável
economia para o Judiciário, que se desembaraça de uma grande quantidade de
processos repetitivos.
Ainda que a ação coletiva seja julgada procedente, ela pode ser uma
solução muito mais econômica e menos desgastante para o réu do que ter de
enfrentar as despesas com as inúmeras ações individuais semelhantes
relacionadas à mesma controvérsia. Isso acontece principalmente no campo das
mass tort class actions, em que os valores dos danos individuais sofridos pelos
membros do grupo justificam financeiramente a propositura de ações individuais.
(26)
O simples fato de substituir milahres ou milhões de ações individuais por
apenas uma grande ação coletiva, por mais complexa que seja, já justificaria a
economia processual atingida pelas class actions. Há que se acrescentar, todavia,
a tendência das ações coletivas americanas em serem extintas através de
acordo, o que potencaliza ainda mais a economia atingida. (27)
2 ACESSO À JUSTIÇA
Um segundo objetivo buscado pelas ações coletivas é o de assegurar o
efetivo acesso à justiça de pretensões que, de outra forma, dificilmente poderiam
ser tuteladas pelo Judiciário. Com efeito, abundam exemplos no quotidiano em
que um grupo de pessoas possui um direito no plano teórico, mas não dispõe de
um instrumento prático para efetivamente fazê-lo valer em juízo. Em tais casos, a
única forma de impedir a injustiça é através da concepção de um método eficiente
de controle social, adaptado às peculiaridades da controvérsia coletiva.
É lugar comum reconhecer que alguns direitos estão à margem da
proteção judicial do Estado. Isso acontece, por exemplo, quando uma pessoa
sofre uma lesão de reduzido valor financeiro ou é lesada de uma forma sem
repercussão financeira imediata, como acontece nos caos de aquisiçaõ de
produtos sem informação do prazo de validade ou da correta composição
química. Os custos financeiros e psicológicos de uma ação judicial seriam
desproporcionais ao dano efetivametne sofrido pela pessoa lesada. Em mutios
casos, nem mesmo um tribunal de pesquenas causa é alternativa
economicamente viável. Ademais, mesmo que a pessoa lesada saia vitoriosa,
esse resultado não obrigará ou incentivará a empresa ré a alterar a sua conduta
perante os demais membros do grupo. A vitória em uma ação individual é
comparável a uma mosca pousada nas costas de um elefante.
O equilíbrio da situação se altera, porém, quando centenas ou milhares de
pessoas em uma mesma situação podem se reunir com o objetivo de solucionar
toda a controvérsia coletiva através de um único processo e de uma única
sentença, que vincule definitivamente todos os interessados. A ação coletiva
coloca, portanto, ambas as partes (o grupo lesado e o réu) em uma posição de
igualdade.
Nos casos que envolvessem uma injunção contra a violação de um direito
indivisível de um grupo, por exemplo, todos os membros deveriam, em tese, fazer
parte do processo, para que o tribunal pudesse conhecer a controvérsia coletiva
em sua inteireza. Quando o grupo fosse numeroso demais, a ponto de tornar
impossível o litisconsórcio de todos os seus memmrbos em uma única ação, a
tutela coletiva da pretensão coletiva indivisível seria inviáel, não fosse a
possibilidade de um deles representar o interesse dos demais.
Uma outra situação em que a importância das ações coletivas é manifesta
são as condutas ilícitas cometidas em larga escala, prejudicando um grande
grupo de pessoas de forma similar. Isso é verdade principalmente nos casos em
que, muito embora o valor total do dano causado ao grupo seja elevado, as
correspondentes pretensões individuais são tão dispersas e tão reduzidas, que a
propositura de ações individuais por cada lesado seria financeiramente inviável e
irrealista (small claims class actions). Esse tipo de violação em masa dos direitos
é extremamente corriqueiro no mundo moderno, em que uma siples decisão de
uma empresa pode prejudicar, de uma só vez, milhares ou milhões de pessoas,
principalmente nas áreas do consumidor, antitruste e mercado de valroes. Em
face da notória disparidade entre o indivíduo membro do grupo lesado e a
empresa violadora, em termos de informação, organização e capacidade
financeira, negar a possibilidade de tutela coletiva dos direitos lesados, em tal
situação, significa negar a tutela jurisdicional de tais direitos. (30)
A ação coletiva também pode proporcionar a proteção de interesses de
pessoas hipossuficientes, que nem mesmo sabem que seus direitos foram
violados ou não possuem a inicaitva, independência ou organização necessária
para fazê-los valer em juízo. Potenciais beneficiários são crianças, deficientes
físicos ou mentais, pessoas pobres ou de pouca educação ou simplesmente
ignorantes dos fatos ou de seus direitos. (31)
A ação coletiva também pode tutelar os interesses de pessoas temerosas
de enfrentar diretamente o responsável pela conduta ilícita, com receio de
represálias ou porque mantêm com ele uma relação que não querem ou não
podem interromper. São os caos, por exemplo, das ações coletivas trabalhstas e
em proteção de franqueados numa relaçaõ de franchising. (31)
A ação coletiva também pode ser utilizada por minorias oprimidas da
sociedade, que, em razão mesmo de serem minorias, não têm acesso às
instituições representativas do regime democrático, como negros, mulheres e
mossexuais. Dessa forma funciona como um instrumento alterantivo para aqueles
grupos que não podem fazer valer o seu interesse através das urnas. Assim, as
ações coletivas, conjugadas com outros instrumentos políticos, podem ser usadas
como instrumento catalizador de uma ampla alteração social. A ação coletiva é
um dos poucos instrumentos que o homem comum tem contra quem comanda o
status quo. A ação coletiva reestabelece o equilíbrio entre o indivíduo e as
instituições que o oprimem, como o governoe as grandes empresas, na medida
em que proporciona uma igualdade de armas e do poder de barganha. (32)
Takeshi Kojima – O objetivo das ações coletivas é amoldar o processo de
forma a refletir melhor a realidade da controvérsia em questão. Se uma empresa
pratica uma conduta ilícita contra um grupo de pessoas, a controvérsia existente
naõ é entre essa empresa e cada um dos consumidores separada e
individualmente, mas entre ela e todos os consumidores reunidos. Assim, o objeto
desse processo deve ser avaliar o dano total causado e o enriquecimento ilícito
obtido pela emrpesa com a sua conduta. O reestablecimento da igualdade
entreas partes é mera consequência. A ação coletiva seria, assim, simplesmente
um instrumento processual para resolver um conflito coletivo de ofrma coletiva.
(32)
3 EFETIVAÇÃO DO DIREITO MATERIAL
O terceiro objetivo buscado pela tutela coletiva dos direitos é o de tornar
efetivo o direito material e promover as políticas públicas do Estado. Isso é obtido
de duas formas. A primeira é através da realização autoritativa da justiça no caso
concreto de ilícito coletivo, o corrigindo de forma coletiva o ilícito coletivamente
causado (corrective justice). A segunda é realizada de forma profilática através do
estímulo da sociedade ao cumprimento voluntário do direito, através do
desestímulo à prática de condutas ilícitas coletivas, por meio da sua efetiva
punião (deterrence). Numa posição intermediária, entre compensação e
prevenção, está o cumprimento voluntário através da ameaça de realização
autoritativa: os acordos coletivos.
O principal fator de estímulo à prática de ilícitos de pequeno valor contra
um grupo de pessoas em uma sociedade desprovida da tutela coletiva de direitos
é a sua alta lucratividade associada à certeza de impunidade. É um fato
incontestável que qualquer pessoa que esteja interessada em violar o direito de
outra está razoavelmetne imune ao poder controlador do Estado, desde que os
danos causados sejam relativamente pequenos a ponto de não justificar
financeiramente os custos com a propositura de uma ação civil ea conduta não
seja tipificada como crime ou regulamentada por alguma entidade governamental.
Anda em tais casos, o controle estatal pode se revelar insuficiente quando, por
exemplo, é realizado através de multas de valor incompatível com o lucro obtido
com a atividade ilícita. Ademais, o controle criminal ou administrativo não provê
compensação para os prejuízos efetivamente sofridos pelos membros do grupo.
Se essa pessoas estiver em posição de poder violar o direito de inúmeras
pessoas, de forma a somar todos os inúmeros pequenos prejuízos do grupo
violado, ela pode contar com a inércia dos lesados e obter, ilícita e impunemente
um lucro extremamente alto.
Exatamente porque se proporciona o acesso econômico e efetivo à justiaç
de pretensões de pequeno valor, estimula-se a aplicação voluntária e autoritativa
do direito material. (33)
A class actions é uma forma extremamente efetiva de realizaçaõ das
políticas públicas, uma vez que permite ao Estado conhecer e resolver a
totalidade da controvérsia coletiva em um único processo. Essa visão global e
unitária da controvérsia permite ao Judiciário levar em consideração todas as
consequências da sua decisão, na medida em que toma conhecimento de todos
os diversos interesses existentes dentro do grupo e não somente dos interesses
egoísticos das partes em uma ação individual. Ademais, obriga a parte que
cometeu o ilícito coletivo a responder em juízo pela totalidade da conduta ilícita
realizada contra a comunidade, o que potencializa a sua função de deterrence.
O direito americano moderno percebeu que a forma mais eficiente de
controlar o cumprimento (enforcement) de alguns tipos de leis com dimensões
socials (como as leis do consumidor, antritruste, civil rights, securities etc.) é
atribuir tal controle diretamente às pessoas interessaas, e não somente através
do controle monopolístico do Estado. Essa concepção deu origem à private
attorney general litigation, ações de interesse social (cuja legitimidade, no Brasia,
seria tendencialmente atribuída ao Ministério Público), propostas de forma privada
diretamente pelas pessoas cujos direitos foram violados. O cidadão, ao lutar pelo
seu interesse pessoal, está tutelando o interesse da comunidade à qual pertence.
A legitimidade para agir é dada ao cidadão, mas a função da ação proposta é a
mesma daquela proposta pelo attorney general: a tutela do interesse público. É o
que também (34) poderia ser chamado de “administração privada do interesse
público”. (35)
Em vista da natural limitação do Estado e da desconfiança na atuaçaõ
competente e desinteressada dos funcionários públicos, a iniciativa privada é vista
como um importante e desejável complemento à ação estatal. Ao contrário da
concepção estatista europía, que privilegia a atividade pública regulamentadora
do Estado, nos Estados Unidos o processo civil em geral e as ações coletivas em
particular são considerados instrumentos centrais do processo regulatório da
sociedade (regulatory process), tanto através das ações injuntivas como das
ações indenizatórias. (35).
Essa é uma função educativa exercida pelas ações coletivas. Assim, ainda
que em determinada class action não haja benefício financeiro efetivo para os
memmrbos do grupo, isso não significa que o prosseguimento da ação seja inútil.
O que importa é punir aquele que praticou a conduta ilícita, sem deixá-lo
locupletar-se com os lucros obtidos com a conduta praticada (enriquecimento
ilícito), fazendo-o responder em juízo pelo prejuízo coletivo que casou e
desmotivando a prática (35) ilícita no futuro. Não importa muito para onde ou para
quem o dinheiro vai: se para pagar as despesas processuais, para o Estado, para
o representante, ou para os advogados, para os membros do grupo, para uma
instituição de caridade ou para um fundo desconhecido. O que é importante é que
nenhuma conduta ilícita fique impune pelo simples fato de que foi tão
inteligentemente perpetrada que não se sabe com calcular ou o que fazer com o
dinheiro da indenização devida. Seria permitir que o infrator se beneficie da sua
própria torpeza
A simples possibilidade da tutela coletiva, e da consequente
responsabilidade civil em massa, faz com que potenciais infratores se sintam
desencorajados de praticar condutas ilícitas coletivas e resstam à tentação de
obter lucros fáceis em detrimento de direitos e interesse de uma coletividade que,
de outra forma, estaria competamente indefesa e vulnerável (deterrence). (36)
A função deterrence da responsabilidade civil, extremamente evoluída e
bem explorada pelo direito privado americano, é um aspecto negligenciado tanto
em nossa cultura, como em nossa doutrina jurídica e nossa política legislativa.
Ainda não aprendemos que não é possível ao Estado controlar a conduta de cada
cidadão e é mais efetivo incentivar o cumprimetno voluntário do direito, através do
exemplo e de incentivos e puniões. No Brasil, os elementos inibitório e dissuasor
do direito são identificados apenas no direito penal, ainda que, como sabemos,
sejam pouco efetivos na prática, em face da certeza da impunidade. É ilustrativo
que as expressões “deterrência” e “deterrente” não sejam sequer utilizadas no
discurso jurídico brasileiro. (37)
4 SOBREPOISÇÃO E CONFLITO ENTRE OS OBJETIVOS
Todos esses objetivos estão presentes, ao menos potencialmente, em toda
ação coletiva, havendo substancial sobreposiçaõ entre eles. Assim, na medida em
que as ações coletivas são um instrumento de economia processual, realizam o
iedal de acesso à justiça e, consequentemente, de efetivação do direito material.
A depender da situação fática envolvida no caso concreto, porém, um ou
outro desses aspectos pode ser mais ressaltado do que os demais. (37)
Em face dessa multiplicidade de objetivos divergentes e conlfitantes, as
ações coletivas jamais puderam consolidar uma teoria jurisprudencial uniforme e
invariável, aplicável em todas as situações. Portanto, a base interpretativa dos
diversos dispositivos das class actions, seja os requisitos, as hipóteses de
cabimento ou outros instrumentos procedimetnais, oscila de acordo com a
situação fática de o caso concreto pôr em evidência necessidade de um ou outro
objetivo.