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Antijuridicidade ou Ilicitude
1 – Conceito:
A antijuridicidade, ou ilicitude, pode ser conceituada como a
contrariedade da conduta com o ordenamento jurídico. Isto porque temos
que a antijuridicidade em seu significado literal quer dizer: anti
(contrário)juridicidade (qualidade ou caráter de jurídico, conformação ao
direito; legalidade, licitude), ou seja, é o que é contrário a norma jurídica.
Portanto, o conceito de antijuridicidade é mais amplo, não ficando restrito
ao direito penal, podendo ser de natureza civil, comercial, administrativa,
tributária, etc. Se a conduta do agente ferir um tipo legal, estaremos
diante de uma antijuridicidade penal.
O conceito de antijuridicidade, no dizer de Rogério Greco, limita-se a
observar a existência da anterioridade da norma em relação à conduta do
agente, e se há contrariedade entre ambas, onde transparece uma
natureza meramente formal da ilicitude.
Obviamente que, para falar em antijuridicidade, é preciso que o agente
contrarie uma norma, pois, se não partirmos dessa premissa, sua conduta,
por mais anti-social que seja, não poderá ser considerada ilícita, uma vez
que não estaria contrariando o ordenamento jurídico-penal.
Contudo, em determinadas situações, a ilicitude, na área penal, não se
limitará à ilicitude típica, ou seja, à ilicitude do delito, esta, sempre e
necessariamente típica. Um exemplo de ilicitude atípica pode ser
encontrado na exigência da agressão (“agressão injusta”, significa
agressão ilícita) na legítima defesa. A agressão que autoriza a reação
defensiva, na legítima defesa, não precisa ser um fato previsto como
crime, isto é, não precisa ser um ilícito penal, mas deverá ser no mínimo
um ato ilícito, em sentido amplo, por inexistir legítima defesa contra atos
lícitos.
2 – Antijuridicidade Formal e Material:
No início do século passado existiam duas correntes contrárias. De um
lado o positivismo jurídico e do outro lado o positivismo sociológico,
enquanto um defendia o conceito de antijuridicidade legal o outro
defendia o conceito de antijuridicidade sociológico, e este o chamou de
antijuridicidade material.
A esse respeito Rogério Greco cita Miguel Reale Júnior:
"Von Liszt lançou, por primeiro, nas 12ª e 13ª edições de seu trabalho, a
distinção entre o que é formal e o que é materialmente antijurídico. No
seu entender, um fato seria formalmente antijurídico enquanto contrário
a uma proibição legal, e materialmente antijurídico por implicar na lesão
ou perigo a um bem jurídico, ou seja, formalmente, a antijuridicidade se
caracteriza como desrespeito a uma norma, a uma proibição da ordem
jurídica; materialmente, como ataque a interesses vitais de particulares e
da coletividade protegidos pelas normas estatuídas pelo legislador."
Com a finalidade de mostrar que uma mera contradição entre conduta
típica e ordenamento jurídico não é suficiente a fim de se concluir pela
antijuridicidade, Assis Toledo conceitua a ilicitude como:
“A relação de antagonismo que se estabelece entre uma conduta humana
voluntária e o ordenamento jurídico, de sorte a causar lesão ou a expor a
perigo de lesão um bem jurídico tutelado”.
Por esse conceito chegamos a conclusão de que não se faz necessária essa
distinção, isso porque, se o bem está tutelado juridicamente pela norma,
qualquer conduta que a contrarie, desde que não esteja amparada por
nenhuma excludente, irá causar uma lesão ou irá colocá-lo em perigo.
Sendo assim, se faz desnecessária essa dualidade de concepção por
estarem uma ligada diretamente à outra, devendo prevalecer uma
concepção unitária a respeito da antijuridicidade.
Fernando Capez assim conceitua antijuridicidade formal e material:
Ilicitude Formal: mera contrariedade do fato ao ordenamento legal
(ilícito), sem qualquer preocupação quanto a efetiva danosidade social da
conduta. O fato é considerado ilícito porque não estão presentes as
causas de justificação, pouco importando se a coletividade reputa-o
reprovável.
Ilicitude Material: contrariedade do fato em relação ao sentimento
comum de justiça (injusto); O comportamento afronta o que o homem
médio tem por justo, correto. Há uma lesividade social inserida na
conduta, a qual não se limita a afrontar o texto legal, provocando um
efetivo dano à coletividade.
Seguindo a linha de pensamento de Rogério Greco e Assis Toledo,
entende-se ser desnecessária a dualidade conceito de antijuridicidade,
uma vez que estando o bem juridicamente tutelado pela norma a
efetivação do dano ou de sua ameaça fará com que se realize tanto a
antijuridicidade formal quanto a material, ou seja, elas se confundem, não
havendo nenhuma justificativa prática para a sua divisão.
A antijuridicidade possui além da divisão formal e material a que
estabelece a ilicitude objetiva e subjetiva.
Na lição basilar de Zaffaroni, devemos diferenciar o que seja
antijuridicidade do injusto, onde ele classifica a ilicitude como sendo
apenas uma característica do injusto, onde não se pode fazer uma
confusão entre ambos. O injusto é a conduta típica e antijurídica,
enquanto a antijuridicidade é a característica que tem a conduta de ser
contrária à norma. Sendo assim, o injusto não é objetivo.
Se temos por objetiva a antijuridicidade, quando ocorre um fato concreto
que está descrito na lei ou na ordem jurídica e diante desta ocorrência o
juiz terá que analisar o caso, ele deverá ser o mais objetivo possível para
que haja a segurança jurídica. Diante deste ponto de vista, temos que a
objetividade extrai antijuridicidade do subjetivismo arbitrário do julgador,
fazendo com que as decisões judiciais sejam o mais previsível possível.
O que se quer com a objetividade da ilicitude é que o juízo da
antijuridicidade não recaia sobre toda a conduta, mas apenas sobre o seu
aspecto objetivo. Não se pode sustentar que sendo o injusto complexo a
antijuridicidade recaia apenas sobre o aspecto objetivo da tipicidade.
Por outro lado afirmam que a antijuridicidade é objetiva porque não está
restrita às motivações do autor. Acha-se claro que a motivação está ligada
à culpabilidade, enquanto que o injusto se completa com elementos
subjetivos do tipo que devam ser distinguidos das motivações, sendo
assim a antijuridicidade é objetiva.
A teoria de que divide em antijuridicidade objetiva e antijuridicidade
subjetiva, tem por finalidade fazer recair a antijuridicidade somente sobre
o aspecto objetivo do delito, reservando o subjetivo para a culpabilidade.
Havendo uma sustentação de que o injusto seja complexo tem que se
afirmar que o injusto é pessoal e que a antijuridicidade de uma conduta
depende de aspectos objetivos e subjetivos.
Fernando Capez define a antijuridicidade subjetiva como sendo:
"O fato só é ilícito se o agente tiver capacidade de avaliar seu caráter
criminoso, não bastando que objetivamente a conduta esteja descoberta
por causa de justificação" e a antijuridicidade objetiva como sendo
[independente da capacidade de avaliação do agente. Basta que, no plano
concreto, o fato típico não esteja amparado por causa de exclusão].”
Ou seja, para a antijuridicidade subjetiva o agente tem que ter
conhecimento do caráter ilícito de sua conduta, tem que entrar na sua
esfera de conhecimento que está agindo voltado para um fim ilícito para
que esteja presente a antijuridicidade, enquanto que para antijuridicidade
objetiva basta que a conduta esteja descrita como crime para que a
ilicitude se apresente não se faz necessário que o agente tenha
conhecimento do seu caráter ilícito e basta apenas a presença de uma
causa de excludente de ilicitude para o fato deixar de ser típico.
3 – Causas Excludentes de antijuridicidade:
Temos em regra que quando alguém realiza uma conduta típica, ela será
também antijurídica. Porém esta afirmativa não é absoluta, uma vez que o
ordenamento prevê situações em que, apesar de serem típicas, estão
acobertadas por excludentes de ilicitude do agente. Sobre este tema,
Rogério Greco cita Anibal Bruno:
"Pela posição particular em que se encontra o agente ao praticá-las, se
apresentam em face do Direito como lícitas. Essas condições especiais em
que o agente atua, impedem que elas venham a ser antijurídicas. São
situações de excepcional licitude que constituem as chamadas causas de
exclusão da antijuridicidade, justificativas ou descriminantes".
O art. 23 do CP, prevê quatro hipóteses em que o agente está autorizado
a realizar uma conduta típica sem que ela seja antijurídica, ou seja, mesmo
realizando a conduta típica, esta será considerada lícita, é o chamado tipo
permissivo. São elas: estado de necessidade, legítima defesa, estrito
cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito. Além das
causas de justificação contidas na parte geral existem outros casos na
parte especial do código, bem como em outros estatutos jurídicos. Essas
causas de exclusão da antijuridicidade são chamadas de justificações
específicas.
Dessas quatro hipóteses o legislador achou por bem apenas definir o
conceito das causas de exclusão nos casos de legítima defesa e de estado
de necessidade, deixando o estrito cumprimento do dever legal e o
exercício regular do direito para ser conceituado pela doutrina.
Além das definidas no art. 23 do CP, temos as chamadas excludentes
supralegais que mesmo não estando presente no nosso ordenamento
jurídico, afastam a ilicitude da conduta levada a efeito pelo agente. Entre
as excludentes supralegais a que merece destaque é o consentimento do
ofendido.
Essas excludentes apesar de não estarem amparadas no ordenamento
jurídico, encontram seu fundamento nos costumes, analogia e nos
princípios gerais do direito. Por esse motivo elas podem ter sua origem em
qualquer outro ramo do direito ou até mesmo no costume. O quadro
apresentado é apenas exemplificativo, esta concepção não fere o princípio
da reserva legal, uma vez que trata de uma norma não incriminadora que
beneficia o autor da conduta, sendo uma forma de garantir a liberdade do
agente.
Fragoso classificava as causas de exclusão da ilicitude em três grande
grupos:
- causas que defluem de situação de necessidade (legítima defesa e
estado de necessidade);
- causas que defluem da atuação do direito (exercício regular do direito,
estrito cumprimento do dever legal;
- causas que deflui de situação de ausência de interesse (consentimento
do ofendido).
Dentro das causas de exclusão da ilicitude, temos presentes elementos
objetivos e subjetivos, pois a conduta que a princípio é antijurídica,
deixará de sê-lo no momento em que se verificar a presença de alguns
elementos que excluirão a ilicitude da conduta.
Os elementos objetivos são encontrados de forma expressa a implícita no
texto legal, isso porque o conceito de que seja legítima defesa e o estado
de necessidade encontram-se descritos na lei, enquanto o estrito
cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito coube a
doutrina e a jurisprudência conceituá-los, extraindo os elementos
indispensáveis a sua existência.
Em relação aos elementos subjetivos o agente tem que ter conhecimento
de que atua salvaguardado por uma excludente de ilicitude, sendo este
requisito indispensável.
Welzel nos leciona da seguinte forma:
"As causas de justificação possuem elementos objetivos e subjetivos. Para
a justificação de uma ação típica não basta que se dêem os elementos
objetivos de justificação, senão que o autor deve conhecê-los e ter,
ademais, as tendências subjetivas especiais de justificação. Assim, por
exemplo, na legítima defesa ou no estado de necessidade (justificante) o
autor deverá conhecer os elementos objetivos de justificação (a agressão
atual ou o perigo atual) e ter vontade de defesa ou de salvamento. Se
faltar um ou outro elemento subjetivo de justificação, o autor não se
justifica apesar da existência dos elementos objetivos de justificação."
3.1 – Causas legais de exclusão da Antijuridicidade:
No Código Penal, o Art. 23 preocupou-se em elencar as causas de
justificação, cuidando, ainda, do chamado excesso punível.
No Art. 24 do CP, mantendo a tradição, cuidou de explicitar o estado de
necessidade.
E, a definição de legítima defesa, coube ao Art. 25 do CP.
4 - Estado de Necessidade
Trata-se de um dos diversos instrumentos denominados como causas
excludentes da ilicitude, também entendidas por alguns doutrinadores
como "cláusulas de garantia social e individual.”
Desta maneira, a definição dada pela letra da lei no citado artigo 24 do
CP, dispõe como medida de melhor conveniência, que define o instituto
sob os seguintes termos: "é o sacrifício de um interesse juridicamente
protegido, para salvar de perigo atual e inevitável o direito do próprio
agente ou de terceiro, desde que outra conduta, nas circunstâncias
concretas, não era razoavelmente exigível".
Assim, como define o artigo 24, considera-se em estado de necessidade
quem pratica um ato criminoso para salvaguardar de perigo atual, direito
próprio ou de terceiro, cujo sacrifício em face das circunstâncias, não era
razoável exigir-se.
Portanto, é sabido que existe o estado de necessidade quando alguém,
para salvar um bem jurídico próprio ou de terceiro exposto a perigo atual,
sacrifica outro bem jurídico.
Não age contra a ordem jurídica o que está a lesar direito de outrem para
salvar o seu. Trata este instituto, como destaca João José Legal, a
prevalência pela lei do mais capaz, do mais ágil, do mais inteligente, ou do
mais feliz, que está autorizado legalmente a salvar seu direito a qualquer
preço, frente a outros direitos de valor igual ou inferior e que também se
acham ameaçados por um perigo comum.
Não se põe, contudo, que a pessoa ofenda o direito alheio. É uma
faculdade que ela possui, e não um direito, porque a este corresponde
uma obrigação, e no estado de necessidade não há obrigação para
nenhum dos agentes envolvidos na hipótese de sacrificar seus bens
jurídicos (ou de terceiros).
4.1 – Requisitos
Para haver estado de necessidade é indispensável que o bem jurídico do
sujeito esteja em perigo, que ele pratique o fato típico para evitar um mal
que pode ocorrer se não o fizer.
Esse mal pode ter sido provocado pela força da natureza, ou por ação do
homem.
É necessário que o sujeito atue para evitar um perigo atual, não inclui a
lei o perigo iminente, como o faz na legítima defesa, havendo divergência
na doutrina a respeito do assunto. Não haverá estado de necessidade se a
lesão somente for possível em futuro remoto ou se o perigo já estiver
conspirado, para o reconhecimento da excludente de estado de
necessidade. O que legitimaria a conduta do agente é necessária a
ocorrência de um perigo atual, e não um perigo eventual e abstrato.
É requisito, também, que o perigo seja inevitável, numa situação em que
o agente não podia, de outro modo, evitá-lo. Isso significa que a ação
lesiva deva ser imprescindível, como único meio para afastar o perigo.
Caso, nas circunstâncias do perigo, possa o agente utilizar-se de outro
modo para evitá-lo (fuga, recurso às autoridades públicas etc.), não haverá
estado de necessidade na conduta típica adotada pelo sujeito ativo que
lesionou o bem jurídico desnecessariamente.
Outrossim, é indispensável para a confirmação do estado de necessidade
que o agente não tenha provocado o perigo por sua vontade. Inexistirá a
excludente, por exemplo, quando aquele que incendiou o imóvel para
receber o seguro, mata alguém para escapar do fogo.
4.2 - Exclusão do estado de necessidade
Não pode alegar estado de necessidade o agente que tem o dever legal
de enfrentar o perigo, como reza o § 1º do artigo 24 do CP.
São pessoas que em razão da função ou ofício, tem o dever legal de
enfrentar o perigo, não lhes sendo lícito sacrificar o bem de terceiro para a
defesa do seu próprio. Podemos exemplificar o bombeiro, o guarda de
penitenciária, o soldado, dentre outros.
No entanto, na análise desta exclusão, insurge uma questão fundamental,
pois a lei fala em dever legal. Neste padrão, está impossibilitado de alegar
que se encontra em estado de necessidade quem se acha sob dever
jurídico?
No entanto, assim sendo a obrigação, não se deve exigir qualquer ato de
heroísmo ou ainda abdicação de direitos fundamentais, como bem
ressalta novamente Guilherme de Souza Nucci, concluindo que, a
finalidade do dispositivo é evitar que pessoas obrigadas a vivenciar
situações de perigo, ao menor sinal de risco, se furtem ao seu
compromisso.
4.3 - Espécies de estado de necessidade
- Quanto ao terceiro que sofre a ofensa:
Estado de necessidade defensivo: ocorre quando o agente pratica o ato
necessário descrito no tipo, contra coisa da qual emana perigo para o bem
jurídico em questão.
Estado de necessidade agressivo: verifica-se quando o ato necessário se
dirige contra coisa diversa daquela de que deriva o perigo para o bem
jurídico em defesa.
- Quanto ao bem sacrificado:
Estado de necessidade justificante: trata-se do sacrifício de bem de
menor valor em relação ao bem preservado, ou então, do sacrifício de
bem de igual valor ao preservado.
Estado de necessidade exculpante: remete-se a teoria da inexigibilidade
da conduta diversa, ou seja, nas condições, não era razoável exigir-se do
agente outro comportamento.
- Quanto à titularidade:
Estado de necessidade próprio: refere-se à espécie no qual o agente
protege bem próprio.
Estado de necessidade de terceiro: verifica-se quando o agente protege
bem de terceiro.
- Quanto ao elemento subjetivo do agente:
Estado de necessidade real: é a própria tipificação legal, ou seja, quando
efetivamente existe a situação de perigo que descreve o "caput" do artigo
24 do CP.
· Casos específicos de estado de necessidade:
A legislação brasileira prevê em diversas oportunidades o estado de
necessidade, tendo-o por fundamento.
Aborto necessário: encontra-se tipificado no artigo 128, I do CP. Entre os
dois bens que estão em perigo – a vida da mãe e a vida do feto – o direito
penal fez clara opção pela vida da mãe.
Ingresso autorizado por flagrante delito: trata-se de hipótese que leciona
no sentido onde no artigo 150, que dispõe sobre a violação de domicílio,
redige o § 3º, em seu inciso II, a inocorrência de qualquer delito se a
entrada em casa alheia se der quando algum crime estiver acontecendo
naquelas dependências, ou então, na iminência de acontecer. Destaca
ainda que a entrada pode ser tanto para fins de legítima defesa como para
estado de necessidade.
4.4 – Excesso
Excedendo-se o agente na conduta de preservar bem jurídico, responderá
por ilícito penal se atuou dolosa ou culposamente.
Cita-se como exemplo o agente que, podendo apenas ferir a vítima, acaba
por causar-lhe a morte. Poderá haver o excesso doloso ou culposo, a ser
apreciado oportunamente.
•
Estado de necessidade putativo:
Haverá estado de necessidade putativo se o agente supõe, por erro, que
se encontra em situação de perigo.
Supondo o agente, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias,
estar no meio de um incêndio, não responderá pelas lesões corporais ou
morte que vier a causar para salvar-se.
Inexiste a justificativa, mas o agente não responde pelo fato por ausência
de culpa em decorrência de erro de proibição.
5 - Legítima Defesa
A legítima defesa, isto é, o direito de defesa (artigo 21, 2.ª parte, da CF) é
uma das causas de justificação do fato (art. 44.º, n.º 5 do Código Penal).
Comprovada a sua plena verificação, a ilicitude do fato tem-se por
excluída. Isto significa que o agente que praticou um fato típico não deve
ser punido por tal, concluindo-se pela inexistência de ilicitude e, como tal,
de responsabilidade criminal.
A legítima defesa fundamenta-se, em termos objetivos, na consideração
de que o Direito não deve ter de ceder perante o ilícito e subjetivamente,
no reconhecimento aos cidadãos de um direito de auto-defesa dos seus
interesses. O agressor viola a paz jurídica e ameaça bens determinados. O
defendente protege o direito objetivo e os seus interesses.
Na averiguação concreta sobre se uma conduta deve ou não ser
considerada como tendo sido praticada em legítima defesa são tidos em
conta vários critérios:
Os primeiros são critérios de justificação mínimos, sem cuja verificação,
não se pode falar da existência de atuação em legítima defesa. Sem a
verificação dos pressupostos (agressão atual e ilícita) o ato é ilícito, não
havendo justificação, total ou parcial, caso não se verifique outra causa de
justificação (por exemplo, o estado da necessidade).
Os requisitos são critérios de justificação a cuja averiguação só é de
proceder quando se verifique que no caso concreto estão presentes os
pressupostos da legítima defesa. A ausência de requisitos de legítima
defesa significa que o fato é parcialmente justificado, mas não totalmente.
5.1 - Agressão atual ou eminente e injusta
Somente se pode falar em agressão quando parte ela de uma ação
humana. Não há legítima defesa, e sim estado de necessidade quando
alguém atua para afastar um perigo criado pela força da natureza ou por
um animal, salvo se este estiver sendo utilizado por outro para uma
agressão. A agressão pode partir da multidão em tumulto e contra esta
cabe legítima defesa, ainda que, individualmente, nem todos os
componentes desejem a agressão que pode ser atual ou eminente.
Não atua, porém, em legítima defesa aquele que pratica o fato típico após
uma agressão finda, que já cessou.
Só estará protegido pela lei aquele que reagir a uma agressão injusta.
Injusta é a agressão não autorizada pelo Direito. Não se deve confundir,
porém, agressão injusta e ato injusto, que não constitua em si uma
agressão e que pode apenas provocar violenta emoção no agente,
erigindo-se em certas circunstâncias em atenuante ou causa genérica de
diminuição de pena.
5.2 - Direito próprio ou alheio
A defesa deve amparar um direito próprio ou alheio. Embora, em sua
origem, somente se pudesse falar em legítima defesa quando estivesse
em jogo a vida humana, modernamente, se tem disposto que qualquer
direito pode ser preservado. Protege-se a vida, a integridade física, o
patrimônio, a honra, ou seja, os bens materiais ou morais.
Controvertida é a possibilidade da legítima defesa em honra.
Inegavelmente, o sentido da dignidade pessoal, a boa fama, a honra,
enfim, são direitos que podem ser defendidos, mas a repulsa do agredido
há de apoiar-se sempre aos limites impostos pelo art. 25 CP.
Para o titular do bem jurídico que está sujeito à agressão, há duas formas
de legítima defesa, as duas formas estão prevista no art.25 do CP.
Legítima defesa própria: ocorre quando o autor da repulsa é o próprio
titular do bem jurídico atacado ou ameaçado;
Legítima defesa alheia: ocorre quando a repulsa visa a defender interesse
de terceiro.
A agressão pode ser dirigida contra qualquer bem jurídico, não existe
mais a limitação à defesa da vida ou da incolumidade física.
O direito a ser tutelado pode ser próprio ou de terceiros.
A legítima defesa de terceiro consagra o sentimento de solidariedade
inerente ao ser humano. Não é necessário relação de parentesco ou
amizade com o terceiro em favor de quem exercita a legítima defesa. O
terceiro agredido pode ser uma pessoa jurídica, o nascituro, a coletividade
e também o próprio Estado.
A legítima defesa de terceiros inclui os bens particulares e também o
interesse da coletividade (como na hipótese da prática de atos obscenos
em lugar público, da perturbação de uma cerimônia fúnebre etc.), bem
como do próprio Estado, preservando-se sua integridade, a administração
da justiça, o prestígio de seus funcionários etc.
5.3 - Uso moderado dos meios necessários
Na reação, deve o agente utilizar moderadamente os meios necessários
para repelir a agressão atual ou eminente e injusta. Tem-se entendido que
meios necessários são os que causam o menor dano indispensável à
defesa do direito, já que, em princípio, a necessidade se determina de
acordo com a força real da agressão. É evidente, porém, que "meio
necessário" é aquele de que o agente dispõe no momento em que rechaça
a agressão, podendo ser até mesmo desproporcional com o utilizado no
ataque, desde que seja o único a sua disposição no momento.
Exemplo clássico de falta de moderação e de uso de meios não
necessários é o de matar a tiros um menor, para impedir a subtração de
frutos de uma árvore.
5.4 - Inevitabilidade da agressão
A legitimidade da defesa não pode ficar submetida à exigência de o
agente evitar a agressão ou afastar-se discretamente. A lei brasileira não
exige obrigatoriedade de evitar-se a agressão. Não repete os termos
utilizados na conceituação do estado de necessidade, e assim o agente
poderá sempre exercitar o direito de defesa quando for agredido. Não se
obriga ninguém a que, por exemplo, sabendo que um desafeto o espera
para agredi-lo, de uma volta no quarteirão para ingressar em casa por
outra entrada.
Essa regra, porém sofre atenuação. Diante das crianças, jovens imaturos,
doentes mentais, agentes que atuam em estado de erro etc..., as
agressões devem ser evitadas, desviadas, a não ser que sejam elas a única
forma de defesa dos interesses legítimos.
5.5 – Excesso:
O excesso pode ser punido a título de dolo ou de culpa, se for o caso.
(art.23, parágrafo único, do CP).
Fala-se em excesso na legítima defesa quando a reação ultrapassa, dolosa
ou culposamente, os limites legais estabelecidos para a excludente, ou
porque desnecessário o meio defensivo escolhido (poderia o agente valer-
se de meio de igual eficácia para cessar o ataque, mas menos lesivo do
que o escolhido, que se mostra, assim, "desnecessário" frente à gravidade
da agressão), ou porque, apesar da adequada escolha, o uso do meio foi
além do necessário para cessar a agressão e evitar a lesão ao bem jurídico
injustamente agredido (o agente deveria defender-se atuando de forma
proporcionada à agressão).
5.6 - Legítima defesa recíproca
Pressupondo a justificativa uma agressão injusta, não é possível falar-se
em legítima defesa recíproca. Um dos contentores (ou ambos, no caso de
duelo) estará agindo ilicitamente quando tomar a iniciativa da agressão.
Poderá ocorrer a absolvição de ambos os contentores se, por falta de
provas, não se apurar qual deles tomou a iniciativa, mas não se poderá
falar em legítima defesa.
Poderá, porém, alguém se defender ilicitamente quando for atacado por
terceiro que supõe ser vítima de agressão por erro. O primeiro age em
legítima defesa real e o segundo em legítima defesa putativa.
5.7 - Legitima defesa e estado de necessidade
Apontam-se várias diferenças entre o estado de necessidade e a legítima
defesa, embora muitos considerem esta como uma das espécies daquele.
No estado de necessidade há conflito entre titulares de interesses
jurídicos lícitos e nesta uma agressão a um bem tutelado. Aquele se
exerce contra qualquer causa (de terceiros, caso fortuito etc.), mas só há
legítima defesa contra a conduta do homem. No estado de necessidade há
ação e na legítima defesa, reação. Naquele o bem jurídico é exposto a
perigo, nesta é exposto a uma agressão.
Só há legítima defesa quando se atua contra o agressor; há estado de
necessidade na ação contra terceiro inocente.
No estado de necessidade a ação é praticada ainda contra agressão justa,
como no estado de necessidade recíproco; na legítima defesa a agressão
deve ser injusta.
Podem coexistir, num mesmo fato, a legítima defesa com o estado de
necessidade, como na hipótese sempre lembrada do agente que quebra
uma estatueta de terceiro (estado de necessidade) para defender-se de
uma agressão (legítima defesa).
6 - Estrito Cumprimento de Dever Legal
Diferentemente do que fez com o "estado de necessidade" e com a
"legítima defesa", o Código Penal não definiu o conceito de "estrito
cumprimento de dever legal", limitando-se a dizer que:
"Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:
(...)
III – em estrito cumprimento de dever legal..."
Sua conceituação, porém, é dada pela doutrina como, por exemplo,
Fernando Capez, que assim define o estrito cumprimento do dever legal:
"É a causa de exclusão da ilicitude que consiste na realização de um fato
típico, por força do desempenho de uma obrigação imposta por lei, nos
exatos limites dessa obrigação".
Em outras palavras, a lei não pode punir quem cumpre um dever que ela
impõe.
Dentro desse conceito, importante atentar para duas expressões: "dever
legal" e "cumprimento estrito".
Dever legal Como a própria expressão sugere, é uma obrigação imposta
por lei, significando que o agente, ao atuar tipicamente, não faz nada mais
do que "cumprir uma obrigação".
Mas para que esta conduta, embora típica, seja lícita, é necessário que
esse dever derive direta ou indiretamente de "lei".
Cumprimento estrito: É que quando a lei impõe determinada obrigação,
existem limites, parâmetros, para que tal obrigação seja cumprida, isto é,
a lei só obriga ou impõe dever até certo ponto, e o agente obrigado só
dever proceder até esse exato limite imposto pela lei.
Dessa forma, exige-se que o agente tenha atuado dentro dos rígidos
limites do que obriga a lei ou determina a ordem que procura executar o
comando legal. Fora desses limites, desaparece a excludente, surgindo
então o abuso ou excesso.
Exemplo clássico de estrito cumprimento de dever legal é o do policial
que priva o fugitivo de sua liberdade, ao prendê-lo em flagrante. Nesse
caso, o policial não comete crime de constrangimento ilegal ou abuso de
autoridade, por exemplo, pois que ao presenciar uma situação de
flagrante delito, a lei obriga que o policial efetue a prisão do respectivo
autor, mais precisamente o art. 292 do CPP (1). Preenchido, portanto, o
requisito do dever legal.
Por outro lado, necessário, também, que o policial se limite a cumprir
exatamente o que a lei lhe impõe, isto é, que o cumprimento desse dever
cinja-se estritamente ao imposto por tal lei. Assim, basta que o policial
prenda o agente flagrado, privando sua liberdade.
Haveria abuso ou excesso se o policial, depois de contido o sujeito,
continuasse desnecessariamente a fazer uso da força ou de ofensas físicas
contra aquele.
Assim como as demais excludentes de ilicitude, o estrito cumprimento do
dever legal exige que o agente tenha consciência de que age sob essa
causa de justificação. É preciso que o agente que praticou a conduta típica
tenha atuado querendo praticá-la, mas com a consciência de que cumpria
um dever imposto pela lei.
Dessa forma, se, por exemplo, o delegado de polícia, querendo vingar-se
de seu desafeto, prende-o sem qualquer justificativa, amedrontando-o
pelo fato de "ser delegado", descobre, posteriormente, que já existia
mandado de prisão preventiva contra aquele cidadão, cabendo a ele,
delegado, cumpri-lo, nem por isso sua conduta deixa de ser criminosa,
porque atuou sem a consciência e sem a intenção de cumprir o seu dever.
7 - Exercício Regular de Direito
"Uma ação juridicamente permitida não pode ser, ao mesmo tempo,
proibida pelo direito. Ou, em outras palavras, o exercício de um direito
nunca é antijurídico".
Causa de exclusão da ilicitude que consiste no exercício de uma
prerrogativa conferida pelo ordenamento, caracterizada como fato típico.
Qualquer pessoa pode exercitar um direito subjetivo ou uma faculdade
previstos em lei (penal ou extrapenal). A Constituição Federal reza que
ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude da lei. (CF, art. 5º, II). Disso resulta que se exclui a ilicitude nas
hipóteses em que o sujeito está autorizado a esse comportamento.
Exemplo: prisão em flagrante por particular. O próprio Código Penal prevê
casos específicos de exercício regular de direito, como a imunidade
judiciária (CP, art. 142, II) e a coação para evitar o suicídio ou para a
prática de intervenção cirúrgica (art. 146 Parágrafo 3º).
O exercício regular do direito praticado com espírito de mera emulação
faz desaparecer a excludente. É necessário o conhecimento de toda a
situação fática autorizadora da excludente. É esse elemento subjetivo que
diferencia, por exemplo, o ato de correção executado pelo pai das vias de
fato, da injúria real ou até de lesões, quando o genitor não pensa em
corrigir, mas em ofender ou causar lesão.
8 - Excesso nas causas justificativas
Excesso doloso e culposo
Dispõe o art. 23, parágrafo único, que o agente responderá pelo excesso
doloso ou culposo nas descriminantes (estado de necessidade, legítima
defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito).
Em todas as justificativas é necessário que o agente não exceda os limites
traçados pela lei.
Na legítima defesa e no estado de necessidade, não deve o agente ir além
da utilização do meio necessário e da necessidade da reação para rechaçar
a agressão e na ação para afastar o perigo.
No cumprimento do dever legal e no exercício de direito, é indispensável
que o agente atue de acordo com o ordenamento jurídico. Se,
desnecessariamente, causa dano maior do que o permitido, não ficam
preenchidos os requisitos das citadas descriminantes, devendo responder
pelas lesões desnecessárias causadas ao bem jurídico ofendido.
O excesso pode ser doloso, hipótese em que o sujeito, após iniciar sua
conduta conforme o direito, extrapola seus limites na conduta, querendo
um resultado antijurídico desnecessário ou não autorizado legalmente.
Excluída a descriminante quanto a esse resultado, responderá o agente
por crime doloso pelo evento causado no excesso.
Assim, aquele que, podendo apenas ferir, mata a vítima, responderá por
homicídio, o que podia evitar a agressão através de vias de fato e causou
lesão responderá por esta etc...
É culposo o excesso quando o agente queria um resultado necessário,
proporcional, autorizado e não o excessivo, que é proveniente de sua
indesculpável precipitação desatenção etc.
Na realidade, há conduta dolosa, mas, por medida de política criminal, a
lei determina que seja fixada a pena do crime culposo, se previsto em lei
já que o sujeito atuou por um erro vencível na sua ação ou reação, diante
do temor, emoção que o levou ao excesso.
Também nesta hipótese o agente responderá apenas pelo resultado
ocorrido em decorrência do excesso.
Por força do art. 1º, da lei n.º 9.113, de 16/10/95, que alterou o inciso III
do art. 484 do Código de Processo Penal, obrigando a inclusão de quesitos
de excesso culposo e excesso doloso quando reconhecida qualquer
excludente da ilicitude, há que se reconhecer a admissão pelo direito
penal brasileiro do excesso fortuito, ou seja, do excesso sem dolo ou
culpa, que não descaracteriza a descriminante.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
MIRABETE, Julio Fabbrini Manual de Direito Penal. 5 ed. São Paulo: Atlas, 1990.
MAXIMILIANUS, Claudio Américo Fuhrer Resumo de Direito Penal - Parte Geral.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 4 ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2004