Post on 14-Jan-2016
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O que uma prova?
Paulo Feofiloff
http://www.ime.usp.br/~pf/amostra-de-prova/
Em matemtica, uma prova uma argumentao precisa que procura convencer oleitor de que uma certa proposio, previamente enunciada, est correta. Num sen-tido mais informal, uma prova um texto que ajuda o leitor a entender por que umadada afirmao verdadeira.
Que cara tem uma prova? Uma prova uma sequncia de afirmaes organizadada seguinte maneira: cada afirmao consequncia simples das afirmaes anteri-ores e das hipteses da proposio em discusso; a ltima afirmao a proposioque se deseja provar.
Exemplo 1
? ? 1 1 B? ? 2 2 B? ? 3 B? ? B 2? ? 2 1? ? 3 12 B B 12 3 3 1
Considere a configurao do jogo Minesweeper indicada aolado. Cada B representa uma bomba. As posies em brancono tm bombas. As posies marcadas com ? podem ouno ter bombas. Uma posio marcada com um nmero k notem bomba mas vizinha de exatamente k bombas.
Cada posio do tabuleiro especificada por suas coordena-das. Assim, por exemplo, o extremo superior esquerdo dotabuleiro tem coordenadas (1, 1) e o cruzamento da primeiralinha com a segunda coluna tem coordenadas (1, 2).
Proposio: No h bomba na posio (1, 2) da configurao acima.
Prova, por contradio:
Suponha, por um momento, que h uma bomba em (1, 2).
A posio (2, 3) vizinha de duas bombas e h uma bomba em (3, 4);
logo, as posies (2, 2) e (3, 2) no tm bomba alguma.
Portanto, o 3 na posio (3, 3) garante que h uma bomba em (4, 2).
Agora, o 2 na posio (5, 3) garante que no h bomba em (5, 2) nem em (6, 2).
1
Mas isso inconsistente com o 3 na posio (6, 3).
Esta contradio mostra que (1, 2) no pode conter bomba.
Exemplo 2
Proposio: A raiz quadrada de 2 irracional, ou seja, no existem nmeros inteirospositivos p e q tais que p/q =
2.
Prova, por contradio:
Suponha que existem nmeros inteiros positivos p e q tais que (p/q)2 = 2.
Escolha p e q de modo que eles no tenham divisor comum, ou seja,
de modo que no exista um nmero inteiro maior que 1 que divida p e q.
O nmero p2 par (pois p2 = 2q2).
O nmero p par (pois o produto de quaisquer dois nmeros mpares mpar).
Seja s o nmero p/2.
O nmero q2 par (pois q2 = p2/2 = (2s)2/2 = 2s2).
O nmero q par.
Os nmeros p e q so divisveis por 2.
Isso contradiz a maneira como escolhemos p e q.
A contradio mostra que a raiz quadrada de 2 irracional.
Exemplo 3
Proposio: Para qualquer nmero natural no nulo n tem-se 12+22+32+ +n2 =16n(n+ 1)(2n+ 1).
Prova, por induo em n:
Base da induo: n = 1.
Nesse caso, os dois lados da identidade valem 1 e portanto so iguais.
Passo da induo: n > 1.
Por hiptese de induo, 12 + 22 + + (n 1)2 = 16(n 1)n(2n 1).
Portanto, 12 + 22 + + n2 == 12 + 22 + + (n 1)2 + n2= 1
6(n 1)n(2n 1) + n2
2
= 16n ((n 1)(2n 1) + 6n)
= 16n (2n2 3n+ 1 + 6n)
= 16n (2n2 + 3n+ 1)
= 16n(n+ 1)(2n+ 1) , como queramos provar.
Mau exemplo. Eis uma maneira feia de organizar a induo:
Base da induo:
Se n = 1 ento os dois lados da identidade valem 1 e portanto so iguais.
Passo da induo:
Suponha que a identidade vale para n.
Vamos provar a identidade para n+ 1:
12 + 22 + + n2 + (n+ 1)2 == 1
6n(n+ 1)(2n+ 1) + (n+ 1)2
= 16(n+ 1) (n(2n+ 1) + 6(n+ 1))
= 16(n+ 1) (2n2 + 7n+ 6)
= 16(n+ 1) (n+ 2)(2n+ 3)
= 16(n+ 1)(n+ 2)(2(n+ 1) + 1)) , como queramos provar.
Exemplo 4
Proposio: Em qualquer grafo (V,E), a soma dos graus dos vrtices igual ao dobrodo nmero de arestas, ou seja,
vV d(v) = 2|E|.
Prova, por induo em |E|:Base da induo: |E| = 0.Nesse caso, d(v) = 0 para todo vrtice v e portanto
v d(v) = 2|E|.
Passo da induo: |E| > 0.Hiptese de induo: a identidade vale em qualquer subgrafo prprio de (V,E).
Seja xy uma aresta do grafo.
Seja F o conjunto E {xy}.Seja dF (v) o grau de v no grafo (V, F ).
Por hiptese de induo,
v dF (v) = 2|F |.Temos d(x) = 1 + dF (x), d(y) = 1 + dF (y) e
3
d(v) = dF (v) para todo v diferente de x e y.
Portanto,
v d(v) = 1 + 1 +
v dF (v) = 2 + 2|F | .Mas 2 + 2|F | = 2|E|, e portantov d(v) = 2|E|, como queramos demonstrar.
Errado. Eis uma verso errada da induo:
Base da induo: |E| = 0.Nesse caso, d(v) = 0 para todo vrtice v e portanto
v d(v) = 2|E|.
Passo da induo: Vamos supor que
v d(v) = 2|E| para um certo grafo (V,E).Acrescente ao grafo uma nova aresta xy.
Seja E o novo conjunto de arestas e
denote por d os graus dos vrtices no novo grafo.
Temos d(x) = 1 + d(x), d(y) = 1 + d(y) ed(v) = d(v) para todo v diferente de x e y.
Portanto,
v d(v) = 1 + 1 +
v d(v) = 2 + 2|E|.
Mas 2 + 2|E| = 2|E |, e assimv d (v) = 2|E |.Exemplo 5
Proposio: Em qualquer grafo, todo vrtice no isolado saturado por um empare-lhamento mximo.
Prova:
Seja G um grafo e u um vrtice no isolado de G.
Seja M um emparelhamento mximo em G.
Se M satura u ento nada mais temos que provar.
Suponha agora que M no satura u.
Seja uv qualquer uma das arestas que incidem em u.
O emparelhamento M satura v (pois mximo).
Seja vw a aresta de M que incide em v.
O conjunto(M {uv}) {vw} um emparelhamento.
Esse emparelhamento mximo (pois tem o mesmo tamanho que M ).
Esse emparelhamento satura u, como queramos provar.
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Observao final
claro que voc no precisa seguir fielmente o formato dos exemplos acima: o textoda prova pode ser complementado com comentrios e observaes que tornem aleitura mais fcil e agradvel.
A propsito, veja o artigo de Reuben Hersh (Math Lingo vs. Plain English: DoubleEntendre, The American Mathematical Monthly, v.104 (1997), pp. 48-51) sobre o jargoda matemtica.
Exerccios
1. Prove, por induo em k, que 20 + 21 + + 2k = 2k+1 1.2. [D. E. Knuth, Fundamental Algorithms] Seja a um nmero positivo qualquer.
Afirmo que para todo inteiro positivo n tem-se
an1 = 1 .
Eis a prova (por induo em n): Se n = 1 ento an1 = a0 = 1 e portanto aafirmao est correta nesse caso. Agora tome n > 1 e suponha, a ttulo dehiptese de induo, que ak1 = 1 quando k = n 1, n 2, . . . , 1. Temos ento
an1 = an2a1 = an2an2
an3= 1 1
1= 1 .
Portanto, a afirmao est correta para todo inteiro positivo n, como queramosprovar. Onde est o erro da prova?
3. [D. E. Knuth, Fundamental Algorithms] Afirmo que para todo nmero inteiropositivo n tem-se n1
i=1
1
i (i+ 1) =3
2 1n. (1)
Eis a prova (por induo em n): Para n = 1, ambos os lados de (1) valem 1/2e portanto a afirmao est correta nesse caso. Agora tome n > 1 e suponha,como hiptese de induo, que
n2i=1
1i (i+1)
= 32 1
n1 . Teremos enton1i=1
1
i (i+ 1)=
n2i=1
1
i (i+ 1)+
1
(n 1)n=
3
2 1n 1 +
1
(n 1)n=
3
2 1n 1 +
1
n 1 1
n
=3
2 1n,
como queramos demonstrar. Onde est o erro da prova? Alguma coisa deveestar errada, pois quando n = 6 o lado esquerdo de (1) vale 5/6 enquanto o ladodireito vale 4/3.
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4. [M. Blum] Imagine uma dessas barras de chocolate retangulares que consisteem quadradinhos dispostos em linhas e colunas. Uma tal barra pode ser que-brada ao longo de uma linha ou de uma coluna produzindo assim duas barrasmenores. Qual o nmero mnimo de quebras necessrio para reduzir uma barracom m linhas e n colunas aos seus quadradinhos constituintes?
5. [M. Blum] Imagine uma jarra contendo um certo nmero de bolas brancas ebolas pretas. Suponha tambm que voc tem um suprimento ilimitado de bolasbrancas fora da jarra. Agora repita o seguinte procedimento enquanto ele fizersentido: Retire duas bolas da jarra; se as duas tiverem a mesma cor, coloqueuma bola branca na jarra; se as duas tiverem cores diferentes, coloque uma bolapreta na jarra. Qual a cor da ltima bola a sobrar na jarra?
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