Post on 07-Apr-2016
Amiguinhos
Alberto Cohen
Ele travesso, moleque sem freios, ela menina comportada que ainda cuidava de bonecas.
Não conseguiriam saber, jamais, quando e como se tornaram
amiguinhos. Moravam em casas próximas uma da outra e, de repente, eram inseparáveis.
Brincavam, brincavam e, súbito, o garoto quebrava
uma vidraça com pedrada, ou amarrava latas velhas na
cauda de um cão, só para vê-lo correr pela rua,
desesperado, barulhando.
E assim, muitas outras diabruras sob o olhar assustado da
pequena que jurava não contar a ninguém o malfeito cometido, colocando os
dedinhos em cruz sobre os lábios.
Somente uma vez beijou-a ligeiramente, mas mesmo assim, ela fez o combinado
sinal do silêncio. Eram mesmo amiguinhos...
Algum tempo depois as famílias mudaram-se, indo para bairros diferentes e desconhecidos dos
dois pequenos personagens que, desencontrados, partiram para
vidas diversas. Ela fez faculdade, casou, teve filhos. Ele findou
como habitante das ruas, depois viciado e assaltante.
Décadas passadas, um casal que viajava num automóvel, ao parar
em sinal de trânsito, viu-se abordado por alguém que, de arma na mão, ordenava em linguajar de malandro: “Passa todo o grude, otário!” O motorista assustado entregou ao bandido tudo o que tinha de valor, dinheiro, celular,
relógio, etc.
Foi aí que aconteceu o inusitado: Ao voltar-se o assaltante para a passageira com a finalidade de
roubá-la também, observou, incrédulo, que ela havia colocado os dedos cruzados sobre a boca, no velho sinal de promessa de
silêncio, de não comentar o ocorrido.
O perigoso bandido sentou na calçada e chorou como há
muito não chorava.
O homem ao volante, ao perceber que o marginal quedava-se
estático, sem ação, arrancou com o veículo perdendo-se na
distância.
Apesar de tudo, do tempo decorrido, do afastamento e da adversidade, ELA ainda era a sua amiguinha, sua
eterna amiguinha...
Créditos: AmiguinhosDe Alberto Cohen
Formatação: Cláudia L. MoraesImagens: InternetMúsica: Chopin
Noturno Em Mi Bemol