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NOMES PRÓPRIOS DE PESSOA: introdução à antroponímia
brasileirafe
Nesta obra, descrevemos e analisamos os nomes próprios de pessoa,
ou
antropônimos, do português brasileiro. Após um panorama histórico
sobre as
pesquisas que se dedicam ao tema, propomos uma tipologia dos nomes
de
pessoa que leva em consideração seus aspectos linguísticos e
pragmáticos. O livro
inclui também capítulos específicos dedicados às características
morfológicas,
sintáticas, semânticas e lexicais dessa categoria de nomes. A
importância que esses
elementos possuem em diferentes áreas do conhecimento também é
contemplada
em um capítulo dedicado à análise dos nomes de pessoa em obras
literárias e em
movimentos migratórios. A obra está pensada para estudantes e
professores da
área de Letras, mas também será de interesse para todos aqueles que
desejam
conhecer um pouco mais sobre os nomes de pessoa da sociedade
brasileira.
fe
NOMES PRÓPRIOS DE PESSOA: introdução à antroponímia
brasileira
2020
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Segundo Novo Acordo Ortográfico, conforme 5. ed. do Vocabulário
Ortográfico da Língua Portuguesa, Academia Brasileira de Letras,
março de 2009.
É proibida a reprodução total ou parcial por quaisquer meios, sem
autorização escrita da Editora.
Nomes próprios de pessoa: introdução à antroponímia brasileira /
Eduardo Tadeu Roque Amaral; Márcia Sipavicius Seide -- São Paulo:
Blucher, 2020.
278p.
Open Access
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
Todos os direitos reservados pela Editora Edgard Blücher
Ltda.
Nomes próprios de pessoa: introdução à antroponímia
brasileira
© 2020 Eduardo Tadeu Roque Amaral, Márcia Sipavicius Seide Editora
Edgard Blücher Ltda.
Diagramação: Laércio Flenic Fernandes
LISTA DE SIGLAS
GDH – Grande Dicionário Houaiss
SN – sintagma nominal
SPrep – sintagma preposicionado
1.1 BREVE HISTÓRIA DOS ESTUDOS ONOMÁSTICOS
....................................................32
1.2 ESTUDOS ANTROPONOMÁSTICOS EM ÂMBITO INTERNACIONAL
...............40
1.2.1 ANTROPONOMÁSTICA FICCIONAL
.............................................................................40
1.2.2 ANTROPONOMÁSTICA COMPARADA
........................................................................41
1.2.4 POLÍTICA LINGUÍSTICA ANTROPONÍMICA E JURISDIÇÃO ANTROPONÍMICA
..........................................................................................................................42
1.2.5 ANTROPONOMÁSTICA HISTÓRICA
............................................................................44
1.4 SÍNTESE DO CAPÍTULO
.............................................................................................................53
2.1 NOMES PRÓPRIOS E A GRAMÁTICA TRADICIONAL
...............................................55
2.2 CARACTERIZAÇÃO DOS NOMES PRÓPRIOS
................................................................
57
2.3 TIPOLOGIA DOS NOMES PRÓPRIOS
................................................................................59
2.4 NOMES PRÓPRIOS E LEGISLAÇÃO
....................................................................................64
2.5 SÍNTESE DO
CAPÍTULO.............................................................................................................68
3.1 DIVERSIDADE INTERNA DO CONJUNTO DOS ANTROPÔNIMOS
................... 71
Nomes próprios de pessoa: introdução à antroponímia
brasileira
6
3.2.1 PRENOME
................................................................................................................................
74
3.2.2 SOBRENOME
..........................................................................................................................
78
3.3.1 APELIDO (OU ALCUNHA OU COGNOME)
...............................................................82
3.3.2 HIPOCORÍSTICO
...................................................................................................................84
3.3.3 PSEUDÔNIMO
.......................................................................................................................85
3.3.4 CODINOME
............................................................................................................................86
3.3.7 NOME DE GUERRA
.............................................................................................................90
4.1.4.1 DE UM TIPO DE ANTROPÔNIMO A OUTRO
................................................. 110
4.1.4.2 DE ANTROPÔNIMO A NOME COMUM
...........................................................
112
4.2 ASPECTOS SINTÁTICOS
..........................................................................................................
113
4.2.1 ANTROPÔNIMOS SEM DETERMINANTE
................................................................
114
4.2.2 AS CONSTRUÇÕES DO TIPO O PRESIDENTE LULA E A DONA MARIA
....116
Sumário
7
4.2.4 ANTROPÔNIMOS COM ARTIGO DEFINIDO
......................................................... 119
4.2.5 ANTROPÔNIMOS COM ARTIGO INDEFINIDO
....................................................122
4.2.6 OUTRAS CONFIGURAÇÕES DO SINTAGMA ANTROPONÍMICO
................124
4.3 O FENÔMENO DA AUSÊNCIA/PRESENÇA DE ARTIGO DIANTE DE
ANTROPÔNIMOS
......................................................................................................................126
4.4 SÍNTESE DO
CAPÍTULO...........................................................................................................133
5.1 A TEORIA DESCRITIVISTA OU TEORIA DO SENTIDO
............................................137
5.2 A TEORIA REFERENCIAL DIRETA OU TEORIA CAUSAL
........................................146
5.3 O NOME PRÓPRIO COMO PREDICADO E A TEORIA DO PREDICADO DE
DENOMINAÇÃO
..........................................................................................................................154
5.4 SÍNTESE DO
CAPÍTULO...........................................................................................................159
6.1 O NOME PRÓPRIO DE PESSOA SEGUNDO BRÉAL
..................................................161
6.2 O SIGNO ANTROPONÍMICO PARA SAUSSURE E SUA RELAÇÃO COM OS NOMES
PRÓPRIOS
....................................................................................................................163
6.3 QUESTÕES SEMÂNTICAS RECENTES
..............................................................................167
7.1 ESTUDOS SOBRE OS ITENS LEXICAIS DERIVADOS DE NOMES PRÓPRIOS
..............................................................................................................................................178
7.2 A PRESENÇA DE DERIVADOS DE ANTROPÔNIMOS EM DADOS DA LÍNGUA
PORTUGUESA
...........................................................................................................180
7.2.1 NOMES DE INVENÇÕES OU DESCOBERTAS
..........................................................181
7.2.2 NOMES DE MARCA
...........................................................................................................184
7.2.4 NOMES DE TEORIAS, DOUTRINAS E CRENÇAS
...................................................189
Nomes próprios de pessoa: introdução à antroponímia
brasileira
8
8.1.3 USOS TRANSGRESSORES DA CONVENÇÃO LINGUÍSTICA
............................201
8.1.4 O JOGO ESTÉTICO DE LEMINSKI
...............................................................................
205
8.2 ANTROPÔNIMOS E MIGRAÇÃO
.......................................................................................
209
8.2.1 A NOMEAÇÃO DE DESCENDENTES DE MIGRANTES JAPONESES
.............210
8.2.2 PRÁTICAS DE NOMEAÇÃO NO CONTEXTO DE IMIGRAÇÃO LITUANA NO
BRASIL
..................................................................................................................
217
8.3 SÍNTESE DO
CAPÍTULO..........................................................................................................
224
BIBLIOGRAFIA
............................................................................................................................................231
PREFÁCIO
Nomear é uma atividade inerente à espécie humana, portanto, um
privilé- gio dos humanos! Desde os primórdios da humanidade, o ser
humano nomeou pessoas, sensações, coisas, espaços como forma de
identificá-los, de garantir o pertencimento, de marcar territórios,
de imprimir a sua marca a tudo que o rodeia. Assim, os nomes
próprios surgem de motivações distintas e obedecem a lógicas
históricas e culturais que estimulam, desde a escolha do nome para
o filho que nasce, para o novo território conquistado, para a nova
propriedade adquirida, para os caminhos terrestres
recém-descobertos e percorridos até referentes do espaço físico
como elementos da hidronímia, da zoonímia, da oronímia, da
hodonímia...
Nesse processo de nomeação, as práticas e as regras variam ao longo
do tempo – num processo histórico e segundo lógicas distintas de
denominação – e são motivadas por diferentes correntes do
pensamento. Da filosofia de épocas pretéritas às contemporâneas, a
temática da natureza do nome, particularmente a do nome próprio,
tem sido objeto de reflexões, instigado discussões e, consequen-
temente, gerado interpretações distintas de acordo com as diversas
correntes do pensamento e o momento histórico. Da Mitologia, da
Filosofia, da Antropologia, da História das Religiões e da
Linguística têm emergido concepções distintas acerca da natureza e
do conceito de nome próprio.
Nomes próprios de pessoa: introdução à antroponímia
brasileira
10
Nesse sentido, os nomes próprios de pessoas podem ser examinados na
perspectiva do sagrado, como ocorre entre muitos povos para quem o
nome confunde-se com o próprio ser, por isso é sagrado: macular o
nome significa macular o ser nomeado. Assim, o repertório lexical
da língua, além de arma- zenar o léxico comum que resulta da
nomeação de elementos físicos, humanos e intelectuais cotidianos de
uma sociedade que, por sua vez, traduz a forma de percepção e
representação da realidade, reúne os nomes próprios de pessoas e de
lugares, com toda a carga cultural, ideológica, mitológica e
referencial neles impregnada. Nesse contexto, não pode ser
desconsiderada a função referencial, denotativa dos nomes próprios,
a par do seu valor simbólico e representativo de uma realidade
motivacional.
A Onomástica é a área de conhecimento que estuda os nomes próprios
em geral, nas suas dimensões mais profundas (aspectos
linguístico-etimológicos, antropológicos, sócio-históricos,
geográficos...), examinando o processo de de- nominação em
diferentes épocas e localidades por meio de suas duas grandes áreas
de investigação: a Antroponímia, que estuda a origem de nomes
próprios de pessoas, nomes individuais, parentais, sobrenomes,
apelidos e alcunhas; e a Toponímia, que tem como objeto de estudo
os nomes de lugares, os enunciados linguísticos que nomeiam e
identificam espaços de áreas rurais (rios, córre- gos, sangas,
corixos, igarapés, cachoeiras, montanhas, serras, cordilheiras...)
e urbanas (cidades, vilas, povoados, bairros, ruas, alamedas,
praças...). O Inter- national Congress of Onomastic Sciences (ICOS
2011) listou entre os termos onomásticos a Toponomástica e a
Antroponomástica para nomear as duas áreas da Onomástica,
tradicionalmente identificadas pelos termos Toponímia e
Antroponímia. Os autores desta obra, seguindo essa tendência,
optaram pelo termo Antroponomástica.
Em síntese, o nome próprio, de pessoa ou de lugar, registra e
perpetua cren- ças, valores, procedências de grupos sociais e, por
extensão, da sociedade em diferentes momentos de sua história com
suas ideologias, devoções, motivações e também seus modismos e
valores. Logo, o estudo dos nomes próprios, para além da dimensão
linguística dos signos antroponímico e toponímico, implica
considerações sobre particularidades que os envolvem, como questões
históricas e ideológicas, incluindo processos de renomeações
(substituições, acréscimos, reduções de palavras), muito
recorrentes sobretudo em nomes de lugares, além de transferências
entre nomes de pessoas e de lugares, fenômeno frequente na nomeação
especialmente de lugares, em que antropônimos se deslocam para o
universo dos nomes de lugares adquirindo o status de topônimos.
Trata-se, pois, de uma área de investigação com forte caráter
interdisciplinar, na medida em
Prefácio
11
que a Onomástica, enquanto campo autônomo e solidificado de
conhecimento, dialoga com a Linguística, área mais ampla a que se
vincula, com a História, a Geografia, a Antropologia, a
Sociologia...
Nesse cenário, entende-se que a obra Nomes próprios de pessoa:
introdu- ção à antroponímia brasileira, de autoria de Eduardo Tadeu
Roque Amaral e de Márcia Sipavicius Seide, pesquisadores
brasileiros especialistas na área dos estudos lexicais, voltada
especificamente para a discussão do nome próprio de pessoa, vem
suprir uma lacuna existente no âmbito da Linguística no Brasil,
mais especificamente no que se refere aos estudos onomásticos, uma
vez que condensa diferentes abordagens epistemológicas acerca do
tema sem desconsi- derar a dimensão histórico-ideológica. Enfim,
dissemina bases teóricas e dire- trizes metodológicas que
sedimentam pesquisas no âmbito da Antroponímia/
Antroponomástica.
Merece destaque também em relação à obra o fato de ela ser fruto de
refle- xões teóricas dos autores com base em resultados de projetos
de pesquisa desen- volvidos no âmbito dos Programas de
Pós-Graduação a que estão vinculados, reflexões essas em sua grande
maioria partilhadas e discutidas nos encontros anuais do Grupo de
Trabalho de Lexicologia, Lexicografia e Terminologia (GTLEX),
vinculado à Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Letras e Linguística (ANPOLL), que congrega pesquisadores
associados a programas de pós-graduação em Linguística com linhas
de pesquisa que con- templam os estudos lexicais nas suas
diferentes perspectivas, incluindo a dos estudos onomásticos.
Um olhar mais abrangente para o plano da obra demonstra que, a par
da discussão teórica, é latente a atenção para a sua dimensão
didática, o que fica evidente na estrutura do livro como um todo,
mas de forma especial no fecha- mento de cada capítulo por meio do
tópico “síntese do capítulo”.
O percurso da obra persegue essa linha de raciocínio, e cada
capítulo discu- te uma dimensão do estudo dos nomes próprios. Os
dois primeiros fornecem ao leitor informações mais genéricas acerca
da temática da obra. O primeiro capítu- lo traz um “panorama sobre
os estudos onomásticos”, preparando assim o leitor para a sua
imersão no conteúdo específico do livro que começa a se desenhar a
partir do segundo capítulo – “A categoria do nome próprio”. Os seis
capítulos subsequentes voltam-se diretamente para os antropônimos,
o tema central da obra: “Tipologia dos antropônimos” (Cap. 3);
“Morfossintaxe dos antropônimos” (Cap. 4); “Semântica dos
antropônimos – parte 1” (Cap. 5); “Semântica dos an- tropônimos –
parte 2” (Cap. 6); “Antropônimos e léxico” (Cap. 7) e
“Antropô-
Nomes próprios de pessoa: introdução à antroponímia
brasileira
12
nimos e outras áreas” (Cap. 8). Os capítulos são precedidos pela
“Introdução” e sucedidos pelas “Considerações finais e
perspectivas”, a “Bibliografia” e os “Dados sobre os
autores”.
Apresentadas essas considerações preliminares sobre o conteúdo da
obra, na sequência são realizadas ponderações acerca de cada
capítulo em particular, destacando-se aspectos julgados mais
relevantes para o teor deste texto intro- dutório da obra em foco –
Nomes próprios de pessoa: introdução à antroponí- mia brasileira –,
que tem como proposta mais ampla “apresentar ao leitor uma
descrição e uma análise dos nomes próprios de pessoa na língua
portuguesa do Brasil” (p. 28).
O primeiro capítulo do livro, “Panorama dos estudos onomásticos”,
propicia ao leitor um “voo panorâmico” sobre as investigações
relacionadas à área da Onomástica, com foco em dois grandes eixos:
o internacional e o nacional. Para tanto, os autores buscam
destacar contribuições de “entidades científicas, grupos de
pesquisa e eventos importantes para a área” (p. 31). Trata-se de um
capítulo de suma importância para estudiosos de temas relacionados
à Onomástica, em especial para os que estão galgando os primeiros
degraus no universo dessa área, ao mesmo tempo ampla e
instigadora.
No tópico Breve história dos estudos onomásticos, os autores
recuperam informações relacionadas a estudos pioneiros acerca do
estudo dos nomes pró- prios, destacando inicialmente a contribuição
dos egípcios, que já “diferencia- vam os nomes comuns dos nomes
próprios nas inscrições”, o que se confirma com o hieróglifo que
“representa o nome de Cleópatra”, reproduzida na Figura 1.1 (p.
32). À esteira dessa linha de raciocínio, os autores sistematizam
dados que permitem a construção de uma linha do tempo dos estudos
onomásticos. Para concretizar esse intento, recuperam casos da
presença de nomes próprios em mitos, lendas e textos literários
produzidos há milhares de anos, dentre outros, a Bíblia Sagrada dos
cristãos e a Teogonia: a origem dos deuses (Hesíodo), passam pela
contribuição dos filósofos gregos (Platão), pelos dicionários do
século XVI que registraram listas trilíngues de nomes próprios
(grego, latim e alemão), sem desconsiderar o papel dos calendários
cristãos e dos martirológios na atribuição e difusão de nomes
próprios. Destacam também a preocupação com o estudo etimológico
dos nomes que marcou as pesquisas onomásticas iniciais em alguns
países europeus no século XVIII. O estudo da história dos nomes
também ganha força no século XIX com o desenvolvimento dos métodos
de pesquisa filológica. Segundo os autores, “a virada do século XIX
para o século XX presenciou um aumento geral na investigação de
nomes próprios em todo o mundo” (p. 35).
Prefácio
13
Nesse contexto destacam-se as contribuições de Albert Dauzat
(1877-1955), na França, e de José Leite de Vasconcelos (1858-1951),
em Portugal, que se tornam referência para os estudos onomásticos.
No século XX, é destaque a importância de associações ou sociedades
civis para o desenvolvimento de pesquisas onomás- ticas, com
destaque para a importância do International Congress of Onomastic
Sciences (ICOS), promovido pelo Conselho Internacional de Ciências
Onomás- ticas. As informações relacionadas a esse último enfoque
estão sintetizadas no Quadro 1.1 – Instituições estrangeiras de
pesquisa onomástica (p. 38). O caráter interdisciplinar marca as
pesquisas onomásticas nos séculos XX e XXI, que evi- denciam a
interface entre “os estudos linguísticos e a antropologia, a
sociologia, a literatura, etc.” (p. 39).
Na sequência do capítulo, Amaral e Seide abordam com muita
pertinência os Estudos antroponomásticos em nível internacional ao
qual se vinculam os seguintes tópicos: Antroponomástica ficcional;
Antroponomástica comparada; Antroponomástica aplicada aos estudos
da tradução; Política linguística antro- ponímica e jurisdição
antroponímica e Antroponomástica histórica.
Já no que concerne ao eixo nacional, aqui estabelecido, o primeiro
capítu- lo, no tópico Estudos antroponomásticos em âmbito nacional,
destaca o caráter recente das pesquisas antroponímicas no Brasil em
comparação com as ante- riormente mencionadas, fenômeno também
observado em relação às descrições linguísticas em geral.
Pontuam ainda os autores, com base em Pinto (1978), o surgimento do
“pressuposto da existência de uma realidade linguística brasileira
em oposi- ção à portuguesa” (p. 46). Além disso, destacam: i) o
início dos estudos dia- letais da língua portuguesa do Brasil no
início do século XX, voltado apenas para nomes comuns1; ii) a
criação das primeiras faculdades de filosofia no Rio de Janeiro e
em São Paulo, que provocam o início de “um processo de
‘cientifização’ dos estudos linguísticos no Brasil”; iii) o estudo
sobre nomes próprios de base indígena levado a cabo por
pesquisadores de áreas diversas, dentre outros, os realizados por
Carlos Drumond a partir de nomes bororos (DRUMOND, 1954; 1965).
Nesse contexto é defendida, sob a orientação desse mesmo
pesquisador, em 1980, na Universidade de São Paulo, a tese de
douto- rado A motivação toponímica: princípios teóricos e modelos
taxionômicos, de autoria de Maria Vicentina de Paula do Amaral
Dick, obra que se transformou em um divisor de águas nas pesquisas
onomásticas no Brasil, em especial para
1 Entende-se que os autores referem-se aqui à publicação do Dialeto
Caipira, de Amadeu Amaral, em 1920.
Nomes próprios de pessoa: introdução à antroponímia
brasileira
14
as pesquisas linguísticas na área da Toponímia; iv) a publicação
das obras Di- gressões Antroponímicas em 1951, de autoria de
Henrique Fontes (1885-1966), que aborda aspectos etimológicos de
nomes próprios de pessoas brasileiras, e Dicionário etimológico de
nomes e sobrenomes (1949), de Rosário Farâni Mansur Guérios
(1907-1987), já na terceira edição (1981) – conforme Amaral e Seide
a respeito dessa última obra, a sua “contribuição aos estudos
onomásti- cos no Brasil é de extrema relevância para muitos
trabalhos contemporâneos” (p. 47); v) o registro de uma maior
aproximação entre estudos onomásticos e linguísticos passa a
ocorrer a partir da segunda metade do século XX, estes “geralmente
[...] desenvolvidos por docentes e alunos de instituições brasilei-
ras de ensino superior” (p. 47) e por alunos de pós-graduação a
partir do final dos anos 1960 e do início da década de 1970, quando
começam a ser criados cursos de pós-graduação no Brasil; vi) a
criação do Grupo de Trabalho de Lexicologia, Lexicografia e
Terminologia (GTLEX) da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Letras e Linguística (ANPOLL), em 1986, e a criação da
revista eletrônica GTLEX (2015), por esse grupo, iniciativas que
representaram um avanço para as pesquisas sobre nomes próprios no
Brasil, tendo em vista que o GTLEX congrega “pesquisadores de
diferentes insti- tuições que se ocupam dos nomes próprios,
especialmente dos topônimos e antropônimos” (p. 48).
Já no item Publicações sobre antropônimos no Brasil, Amaral e Seide
apre- sentam um panorama geral do estado de arte das “publicações
sobre os estudos antroponímicos realizados no Brasil”, discutindo
dados oriundos de 45 traba- lhos, 43 pesquisas2 e “dois capítulos
da série Ciências do Léxico que tratam da antroponímia brasileira”
(p. 48). Os autores consideram que “as pesquisas apre- sentadas em
conjunto [...] adotam um mesmo viés ou seguem o mesmo paradig- ma
de pesquisa ou focam objetos de estudo semelhantes” (p. 48). Na
sequência do capítulo, são descritas e comentadas essas
publicações.
É importante registrar que, em vários momentos ao longo do capítulo
dois, os autores fazem remissões a diferentes capítulos da obra que
tratam da temática em questão de forma mais pontual, o que soma
positivamente no conjunto do livro, pois garante o diálogo entre os
seus diferentes capítulos. Esse recurso é recorrente nos demais
capítulos. Positiva também é a estratégia de apresentar no final do
capítulo uma síntese da temática abordada, o que ocorreu por meio
do Quadro 1.2 – Síntese do capítulo 1.
2 Dados obtidos pelos autores por meio de pesquisa realizada em
dezembro de 2018, referentes ao período de 2011 a 2018, por meio da
ferramenta de busca Google Acadêmico.
Prefácio
15
Por sua vez, o segundo capítulo da obra – “A categoria dos nomes
próprios” – centra a discussão nessa classe de nomes e fornece
informações básicas sobre a categoria dos nomes próprios. Para
tanto, os autores partem de contribuições fornecidas por gramáticas
tradicionais e por gramáticas descritivas. O capítulo tem como meta
tentar responder à pergunta “o que são os nomes próprios”. Para o
alcance desse propósito, Amaral e Seide discutem a temática a
partir de quatro parâmetros: Nomes próprios e a gramática
tradicional, recuperando, para a tarefa, tanto a posição de
gramáticos tradicionais como Dionísio da Trácia (séc. II-I a.C.) e
João de Barros (1496-1570), quanto de gramáticos contemporâneos
como de Cunha e Cintra (2008) e Bechara (2015). Os autores
consideram que “as gramáticas descritivas da língua portuguesa
ampliam um pouco a visão tradicio- nal, mas não chegam a se
debruçar sobre as propriedades específicas dos nomes próprios” (p.
57) e retomam as posições de linguistas brasileiros contemporâne-
os como Castilho (2010) e Neves (2000).
Nesse mesmo tópico, Amaral e Seide destacam o interesse de
diferentes áreas do conhecimento pela natureza do nome próprio,
como a Psicologia, a Psicopedagogia, a História, a Antropologia, a
Lógica e a Filosofia, indicando fontes específicas de cada um
desses ramos do saber em termos de abordagem do nome próprio. Na
sequência, agora focando estudos voltados para elementos lin-
guísticos, os autores listam áreas de estudo que se ocupam da
temática em pauta, como a Sociolinguística, a Semântica, a
Dialetologia, a Linguística Histórica, a Lexicologia e a
Lexicografia, a Tradução e a Linguística de Corpus, indicando
também referências bibliográficas relacionadas a cada uma delas que
focalizam o nome próprio.
No tópico subsequente, Caracterização dos nomes próprios, os
autores as- sumem que “os nomes próprios são unidades linguísticas
desprovidas de traços semânticos identificadores de classe, que
fazem parte do repertório linguístico do falante,
possibilitando-lhe fazer referência a uma entidade única em um uni-
verso de conhecimento” (p. 57). De forma bastante didática, por
meio do Quadro 2.1 – Características gerais dos nomes próprios,
sistematizam os traços básicos que identificam nomes dessa
natureza: “a) possibilitam a identificação direta de um referente
único em um universo de conhecimento compartilhado por emissor e
receptor; b) possuem capacidade de referir, independentemente da
presença de determinante; c) não apresentam traços semânticos
identificadores de classe; d) são grafados com maiúscula inicial”
(p. 58).
Merece destaque ainda no capítulo dois a temática tratada no tópico
Ti- pologia dos nomes próprios, por fornecer uma significativa
contribuição para
Nomes próprios de pessoa: introdução à antroponímia
brasileira
16
a área dos estudos onomásticos. Por tratar-se de uma classe de
nomes bastante heterogênea, toda tentativa de estabelecer
tipologias requer estudos comparati- vos acerca das diferenças
entre as diversas categorias de nomes próprios a partir de
parâmetros distintos. Os autores examinam diferentes taxionomias
para, no final, apresentarem a proposta adotada na obra. Dentre
outras, descrevem, por exemplo, a proposta de classificação
semântica de Allerton (1987), que contém seis subcategorias; a de
Wilmet (1995a), que distingue nomes comuns essenciais, nomes
próprios essenciais, nomes comuns acidentais e nomes próprios
aciden- tais; a de Bajo Pérez (2008), que apresenta uma
classificação com oito categorias; a de Van Langendonck (2007), que
distingue os nomes próprios prototípicos dos nomes próprios não
prototípicos. Nesse conjunto de propostas, segundo os auto- res, um
dado é indiscutível: “a presença de antropônimos e de topônimos.
Todos reconhecem que os nomes próprios de pessoa e os nomes
próprios de lugares constituem categorias importantes, isto é,
classes de elementos dentro do conjun- to de nomes próprios” (p.
62).
Concluídas as ponderações acerca das propostas de tipologias
apresentadas, por meio do Quadro 2.2 – Proposta tipológica dos
nomes próprios, Amaral e Seide compartilham a proposta defendida
por eles no âmbito da obra, elaborada com base em critérios
linguísticos e sociais, além de considerarem o princípio de que “os
nomes próprios, por serem objetos transdisciplinares, não podem ser
identificados apenas por um critério específico” (p. 62).
Pautando-se, pois, nesses pressupostos, a proposta de tipologia de
Amaral e Seide é organizada segundo seis grandes categorias de
nomes próprios: 1. An- tropônimos (nomes de pessoas), com cinco
subcategorias; 2. Topônimos (nomes de lugares), com quatro
subcategorias; 3. Organizações sociais públicas ou pri- vadas, com
seis subcategorias; 4. Produtos da atividade humana, com quatro
categorias; 5. Animais individualizados, com duas subcategorias; 6.
Eventos individualizados, com quatro subcategorias (p. 63).
Por fim, o item Nomes próprios e legislação focaliza a relação
entre nomes próprios e a legislação que regulamenta a atribuição de
nomes a pessoas, a lu- gares e a sociedades empresariais, em âmbito
nacional e internacional. O último tópico – Síntese do capítulo –
traz a síntese do conteúdo do capítulo que está organizada no
Quadro 2.4 – Caracterização da categoria dos nomes próprios.
Como já assinalado anteriormente neste texto, a partir do terceiro
capítu- lo os autores centram-se mais especificamente na temática
da obra, discutindo a categoria dos antropônimos sob diferentes
perspectivas. O capítulo três, por exemplo, discute a Tipologia dos
antropônimos, que está organizada segundo
Prefácio
17
dois pontos de vista: apresentação e discussão de propostas de
classificação de antropônimos defendidas por diferentes autores e
apresentação da propos- ta de classificação de antropônimos voltada
para a “realidade antroponímica brasileira” (p. 71).
A temática central desse capítulo é desenvolvida por Amaral e Seide
também de uma forma didática, fornecendo um detalhamento que busca
abarcar as mais variadas manifestações de nomes próprios de
pessoas. O terceiro capítulo traz, por exemplo, um olhar para a
Diversidade interna do conjunto dos antropôni- mos. Por serem uma
classe bastante heterogênea, os antropônimos evidenciam grande
diversidade estrutural. Na tentativa de elucidar essa questão, os
autores discutem diferentes propostas de tipologias, como a de
Leite de Vasconcelos (1928), voltada para a realidade da
antroponomástica portuguesa, pautando-se em dados de uma sincronia
que abarca dados desde a Idade Média até a primeira década do
século XX, o que, segundo os autores deste livro, “dificulta a
aplica- ção a dados do português brasileiro” (p. 72). Outros
trabalhos de destaque que tratam de classificação tipológica de
antropônimos são apontados pelos autores, como Van Langendonck
(2007) e Bajo Pérez (2002; 2008) (p. 73).
Os autores seguem, para a questão dos antropônimos, a mesma conduta
adotada no capítulo anterior para os nomes próprios em geral, qual
seja, a de apresentar uma proposta de tipologia para essa categoria
de nomes próprios também voltada para a realidade brasileira. Para
tanto, propõem duas grandes categorias de antropônimos, os
antropônimos do registro civil (ou nome civil) e os antropônimos
não pertencentes ao registro civil. As subcategorias a elas
associadas buscam contemplar a diversidade de antropônimos
identificada pelos autores da obra por meio de suas pesquisas sobre
essa temática. À ca- tegoria dos nomes civis vinculam três
subcategorias: prenome; sobrenome; e agnome. Já aos antropônimos
não pertencentes ao registro civil os autores associam onze
subcategorias: apelido (ou alcunha ou cognome); hipocorís- tico;
pseudônimo; codinome; heterônimo; nome artístico (e nome de palco);
nome de guerra; nome religioso; nome social; nome de urna; e nome
parla- mentar. A proposta é discutida amplamente pelos autores, e
cada subcate- goria é atestada com significativa diversidade de
exemplos, o que confere a ela solidez e possibilidades de aplicação
a outros corpora possíveis de serem organizados no âmbito do
português brasileiro. O último tópico – Síntese do capítulo, a
exemplo do ocorrido nos capítulos anteriores, cumpre a sua função
de oferecer ao leitor um resumo dos pontos de vista discutidos ao
longo do terceiro capítulo.
Nomes próprios de pessoa: introdução à antroponímia
brasileira
18
Obedecendo ao plano estabelecido para a obra, os capítulos quatro,
cinco e seis discutem as características morfossintáticas e
semânticas dos antropônimos no português brasileiro. O capítulo
quatro – "Morfossintaxe dos antropônimos" – está estruturado em
três tópicos aos quais estão associados os diversos aspec- tos da
temática abordada: aspectos morfológicos, examinando os
antropônimos, conforme aspectos relacionados ao “uso de maiúsculas,
ao gênero, ao número e aos processos de derivação morfológica dos
nomes próprios”; (p. 102) a grafia; o gênero gramatical; o número
gramatical; a derivação morfológica, este subdi- vidido em dois
outros: De um tipo de antropônimo a outro e De antropônimo a nome
comum. A abundância de exemplos, a organização dos dados em quadros
e a discussão da temática com base em teorias linguísticas
apropriadas aos fenô- menos examinados dão sustentabilidade ao tema
tratado no tópico em questão.
Ainda no âmbito do quarto capítulo, os autores discutem os nomes de
pes- soas também na perspectiva da sua sintaxe no subitem 4.2 –
Aspectos sintáticos, focalizando os seguintes aspectos do tema:
Antropônimos sem determinante; A construção do tipo o presidente
Lula; Antropônimos com adjetivo; Antropônimos com artigo definido;
Antropônimos com artigo indefinido; e Outras configura- ções do
sintagma antroponímico. Completam o capítulo os tópicos O fenômeno
da ausência/presença de artigo diante de antropônimos e a Síntese
do capítulo.
O conteúdo desse capítulo evidencia de forma especial como o
sintagma antroponímico, um signo de língua, está sujeito a muitas
regras que orientam a formação de unidades lexicais do léxico
comum, dentre outros, os processos de formação de palavras (formado
por justaposição ou por aglutinação) e, do ponto de vista
sintático, o substantivo comum e o antropônimo podem figurar como
núcleo do sintagma nominal (núcleo do sujeito ou núcleo do objeto)
como confir- mam os exemplos apresentados e discutidos pelos
autores a partir das sentenças 19a, 19b, 20a e 20b (p. 113-114),
apenas para citar dois casos que são amplamente discutidos no
capítulo à luz de referenciais teóricos distintos e atestados com
exemplos esclarecedores. Ainda no mesmo capítulo, o tópico 4.3 traz
à baila uma questão de influência de um fenômeno de variação
linguística no português bra- sileiro na configuração de
antropônimos: a ausência/presença de artigo diante de
antropônimos.
Nesse tópico, a exemplo dos demais, os autores realizam uma
discussão consistente do fenômeno com base em resultados de uma
gama significativa e variada de resultados de pesquisas orientadas
por distintas correntes teóricas, com maior ênfase nas de cunho
sociolinguístico. A inclusão de dados estatísti- cos por meio de
tabelas e o mapa apresentado nas páginas 130-132 (Mapa 4.1 –
Prefácio
19
Realização da presença de artigo definido diante de antropônimos em
diferentes localidades de Minas Gerais) enriquecem a discussão.
Segundo os autores, os fatores discutidos nesse tópico “demonstram
que o fenômeno da variação da au- sência/presença de artigo antes
de antropônimos no português brasileiro sofre influência de
diferentes fatores, sejam eles linguísticos, sejam
extralinguísticos. Por isso, acredita-se que futuras pesquisas
poderão contribuir para a elaboração de um mapa mais amplo do tema
ao longo do território brasileiro” (p. 133)3. O tópico 4.4, Síntese
do capítulo, traz a síntese do conteúdo que foi objeto de discussão
detalhada no Quadro 4.3 – Síntese do capítulo 4.
A par do enfoque da morfossintaxe dos antropônimos, a obra
contempla, na sequência, a não menos complexa questão da semântica
dos nomes próprios, que é discutida pelos autores em dois densos
capítulos. No quinto capítulo, focaliza- -se a questão a partir dos
estudos iniciais da Lógica e da Filosofia da Linguagem sem
desconsiderar as contribuições da Semântica Lexical e da Semântica
Enun- ciativa, propostas, respectivamente, por Michel Bréal e Émile
Benveniste.
Conforme Amaral e Seide, “uma das questões mais discutidas nos
estu- dos sobre o nome próprio refere-se ao problema de saber se
ele tem ou não um sentido ou um significado (no alemão, Sinn ou
Bedeutung; no inglês, meaning ou sense)” (p. 136). Os autores
reconhecem que, “apesar de linguistas contem- porâneos aceitarem o
fato de que o tema não pode ser posto simplesmente como presença ou
ausência de sentido [...] é possível distinguir pelo menos três
grupos de autores” (p. 136), considerando-se também contribuições
dos clássicos: i) “os autores que argumentam que o nome próprio
possui um sentido [...] Frege (1892 [2009]), Strawson (1985) e
Searle (1958) e (1969)”; ii) “os trabalhos que defen- dem que os
nomes próprios não possuem sentido [...] John Stuart Mill [...]
nomes próprios somente denotam e não conotam [...] nome próprio
como designador rígido, segundo ideias de Kripke (1980)”; e iii)
“os trabalhos que pertencem mais ao campo da Linguística,
especialmente dos estudos desenvolvidos a partir da segunda metade
do século XX” (p. 137).
No tópico A teoria descritivista ou teoria do sentido os autores
retomam a tese de que “o nome próprio possui sentido e referência –
ele está associado 3 Registre-se, nesse particular, que o
Questionário Morfossintático (QMS) do Projeto Atlas
Linguístico do Brasil (ALiB), por meio das perguntas 1 e 2,
documentou a questão da presen- ça/ausência de artigo diante de
nome próprio por meio de entrevistas com 1.100 informantes,
naturais de 250 localidades distribuídas pelas cinco regiões
geográficas do Brasil (https://
alib.ufba.br/sites/alib.ufba.br/files/documentos_4.pdf). As cartas
linguísticas em processo de produção pelos pesquisadores do Projeto
ALiB a partir dos dados documentados fornece- rão um panorama do
fenômeno em nível nacional.
Nomes próprios de pessoa: introdução à antroponímia
brasileira
20
à(s) descrição(ões) definida(s) que permite(m) identificar o
referente [...] (FREGE, 1892 [2009])” (p. 137). Frege estabelece a
diferença entre “referente (o próprio objeto), sentido (o modo de
apresentação do objeto) e representação (ou imagem) – esta de
caráter subjetivo” (p. 139). Na sequência do capítulo, os autores
discutem com muita propriedade a polêmica relação entre sentido e
referência com base em autores clássicos que se ocuparam dessa
questão. Para tanto, passam por Russell, Strawson e Searle na
discussão da controversa relação entre sentido e referência.
Concluem os autores, a partir de exaustiva discussão do tema, que
“da teoria de Frege aos postulados de Searle, houve um deslocamento
tanto nas definições terminológicas quanto nas caracterizações dos
nomes próprios. Mas todos os autores defendem, à sua maneira, certo
sentido atribuível a esses itens” (p. 146).
Ainda no âmbito do quinto capítulo, o foco da discussão se desloca
para outro eixo: A teoria referencial direta ou teoria causal, que
tem em Stuart Mill (1806-1873), filósofo e economista de grande
influência no século XIX, um forte representante. É de Mill (1984
[1843], p. 97) a proposta de “distinção entre nomes conotativos e
não conotativos” (p. 146). Também nesse tópico Amaral e Seide
discutem os princípios e desdobramentos da teoria referencial
direta ou teoria causal e apontam Saul Kripke como “o principal
representante da teoria causal” (p. 147), chamando ainda a atenção
para o fato de ser ela “considerada a mais influente atualmente
entre lógicos, filósofos da linguagem e linguistas no que concerne
ao significado e à referência dos nomes próprios” (p. 151). O
tópico é concluído com a apresentação da Figura 5.1, adaptada de
Amaral (2008), que reúne dados sobre “a cronologia de obras
representativas sobre os nomes pró- prios, de 1843 a 1981, todas
com o título original e o ano da publicação de cada uma” (p.
153).
Ainda relacionado à Semântica dos antropônimos, Amaral e Seide
discutem, dentro do quadro teórico da semântica formal, a questão
do nome próprio como predicado e a teoria do predicado de
denominação, que têm Tyler Burge como seu defensor na medida em que
esse teórico considera os nomes próprios como predicados. Segundo a
visão de Burge, “os nomes próprios cumprem o papel semântico de
predicado em todas as ocorrências” (p. 155). Embora passível de
questionamento em alguns aspectos, como o demonstrado na discussão
desse viés teórico, os autores desta obra argumentam que o trabalho
de Burge “cumpre fundamental importância no desenvolvimento de
teorias posteriores” e que “as ideias do autor abrem caminho para
os estudos de Kleiber (1981) e de uma série de autores posteriores
que viriam a pesquisar o estatuto linguístico dos usos dos nomes
próprios chamados de modificados” (p. 155). Diferentes teóricos
são
Prefácio
21
visitados por Amaral e Seide, alguns defensores e outros opositores
dessa pers- pectiva de interpretação semântica dos nomes próprios,
tema discutido também no sexto capítulo deste livro. O último
tópico cumpre a sua função de síntese, como o previsto no plano da
obra. O Quadro 5.1 – Características semânticas do antropônimo –
lista cinco tópicos que condensam o conteúdo do capítulo.
A discussão da dimensão semântica dos nomes próprios de pessoas tem
continuidade no sexto capítulo desta obra com base não mais em
correntes teóricas decorrentes dos estudos lógicos e filosóficos,
mas sim segundo con- tribuições de linguistas que se dedicaram a
pesquisas sobre a questão do sig- nificado (semântica). Assim, à
esteira do capítulo cinco, o sexto – Semântica dos nomes próprios –
parte 2 – tem como objetivo “mostrar a diversidade de pontos de
vista adotados ao longo dos estudos linguísticos sobre a definição
e a conceituação dos nomes próprios de modo a que o leitor possa
ter uma visão global do assunto” (p. 161). Para alcançar esse
intento, Amaral e Seide abor- dam questões teóricas relacionadas à
definição dos nomes próprios pautados em Bréal e em Saussure, além
de perspectivas teóricas recentes que “incor- poram e transcendem o
estudo do significado descritivo dos antropônimos” (Marie-Noëlle
Gary-Prieur). Também estabelecem uma “ponte entre aspectos
linguísticos e sociais” a partir de Lyons e de Ullmann (p.
161).
A organização estrutural do capítulo contempla cinco tópicos. O
primeiro – O nome próprio de pessoa segundo Bréal – resgata o
pensamento do seman- ticista francês. Segundo Amaral e Seide, para
Bréal (1832-1915), “à diferença dos nomes comuns, nos nomes
próprios, há uma relação unívoca entre nome e coisa e uma
designação específica a seres individuais” (p. 162). O segundo
tópico do capítulo – O signo antroponímico para Saussure e sua
relação com os nomes próprios – destaca a visão de Saussure
(1857-1913), que também se diferencia da tradição filosófica. Ainda
segundo os autores desta obra, “há apenas uma menção aos nomes
próprios, no capítulo relativo à analogia, es- tudada a partir da
Linguística diacrônica” (p. 163) no Curso de Linguística Geral, mas
os estudos de Henriques (2011), a partir de manuscritos de
Saussure, trouxeram novas informações sobre a questão dos nomes
próprios. Concluem, pois, Amaral e Seide, que “o estudo dos nomes
próprios faz parte do escopo pensado por Saussure para a
Linguística e [...] a questão da referência não foi desprezada por
ele, foi vista como um terceiro elemento, formando uma tríade com o
significante e o significado” (p. 166).
Questões semânticas recentes é o tema do tópico subsequente em que
os autores retomam o pensamento de Kleiber (1981), considerado por
eles “um
Nomes próprios de pessoa: introdução à antroponímia
brasileira
22
marco importante na história dos estudos linguísticos sobre os
nomes próprios” (p. 167). Outros olhares sobre a questão são
apresentados pelos autores ao longo desse tópico, como o de Molino
(1982), para quem o nome próprio situa-se “em um campo
intermediário entre o campo dêitico e o campo da representação” (p.
167); o de Jonasson (1994), para quem “o nome próprio tem como
função cognitiva fundamental nomear, afirmar e manter uma
individualidade” (p. 168); o de Gary-Prieur (1994), para quem o
nome próprio carece de “competência específica” para ser
interpretado e também entende que para a compreensão semântica do
nome próprio duas noções precisam ser consideradas: “a de refe-
rente inicial e a de conteúdo do nome próprio” (p. 168).
Já no tópico Outras perspectivas, ainda no mesmo capítulo, os
autores res- gatam e discutem as posições de Lyons (1979; 1987),
para quem “enquanto os substantivos comuns são termos universais,
os nomes próprios são termos parti- culares ou singulares” (p.
172), posição revista posteriormente pelo semanticista, que passa a
considerar como necessário “o estudo do significado expressivo e do
significado social da linguagem” (p. 173). Esses tipos de
significado foram reto- mados no último capítulo desta obra. Amaral
e Seide citam também neste capítu- lo a posição de Ullmann
(1914-1976), que se pauta no significado descritivo dos
antropônimos, tendo defendido a posição de Mill, precursor da
teoria causal, o que não o impede de “reconhecer a existência de
sentidos conotativos nos nomes próprios” (p. 173). O Quadro 6.1 –
Definições sobre a semântica do antropônimo sintetiza os pontos de
vista defendidos no capítulo seis. Considera-se aqui que o conteúdo
dos capítulos cinco e seis é de caráter complexo e instigante e,
como os demais, foi tratado de forma criteriosa pelos
autores.
Enquanto nos capítulos de três a seis o foco foi a natureza dos
antropôni- mos, temática discutida a partir de diferentes dimensões
e enfoques teóricos, o penúltimo – “Antropônimos e léxico” –
centra-se na relação entre nome próprio e nome comum, incluindo a
questão da dicionarização dos nomes próprios de pessoas e de nomes
comuns derivados de nomes próprios. A Figura 7.1 – Posição dos
nomes próprios no sistema nominal –, adaptada pelos autores de
Nübling, Fahlbusch e Heuser (2015, p. 28), visualiza num primeiro
plano a relação entre nomes concretos e abstratos para, em seguida,
demonstrar as diferentes catego- rias de nomes concretos. No lado
esquerdo do organograma, situam-se os nomes próprios e, do lado
direito, as três categorias de nomes de outra natureza (nomes
comuns, nomes coletivos e nomes de massa). Os nomes próprios
vinculam-se à Onomástica, e os nomes comuns ao léxico da língua. O
bloco da Onomástica tem como traços a singularidade, a
individualidade, a definitude, enquanto os
Prefácio
23
dos nomes comuns agrupam os traços contável/não contável;
pluralizável/não pluralizável e abstrato.
O capítulo discute também casos em que os antropônimos dão origem a
unidades do léxico comum, o que ocorre em Estudos sobre os itens
lexicais derivados de nomes próprios, focando casos de nomes comuns
derivados de nomes próprios, como os epônimos e os deonomásticos,
embora os autores não se aprofundem nessa questão terminológica,
tendo optado por chamarem “indis- tintamente de formas derivadas
todas aquelas unidades que se originam de um nome próprio” (p.
180).
Ainda na esteira dessa temática, em A presença de derivados de
antropô- nimos em dados da língua portuguesa, os autores destacam a
questão da dicio- narização de nomes comuns derivados de nomes
próprios e discutem resultados de análise de uma amostra de dados
extraída de dois dicionários monolíngues online – Dicionário Aulete
Digital (DAD) e Grande Dicionário Houaiss (GDH) –, com o propósito
de verificar “se os nomes fazem parte dos verbetes das obras, como
são grafados e classificados e se há convergência de informação
entre eles” (p. 180). No tópico Nomes de invenções ou descobertas
os autores forne- cem um rol de antropônimos que deram origem a
nomes comuns por meio do Quadro 7.2 – Exemplos de antropônimos que
deram origem a nomes de unidades de medida e do Quadro 7.3 –
Exemplos de antropônimos que deram origem a nomes de partes da
anatomia humana. Integra esse mesmo capítulo o tópico Nomes de
marca, que discute casos de nomes derivados de marcas de produtos,
como acontece com o item lexical gilete, que denomina genericamente
qualquer lâmina de barbear e que tem origem no sobrenome do
inventor da lâmina King Camp Gillete (1855-1932) (p. 184). O
capítulo discute também outros dois temas: Nomes comuns derivados
de antropônimos ficcionais e Nomes de teorias, dou- trinas e
crenças. As Tabelas 7.1, 7.2 e 7.3 reúnem a produtividade dos
adjetivos hercúleo, homérico e quixotesco, derivados,
respectivamente, dos antropônimos ficcionais Hércules, Homero e
Quixote.
Já em relação a nomes de teorias, doutrinas e crenças, a Tabela 7.4
reúne exemplos significativos de antropônimos e respectivas formas
derivadas com “ismo”, como ocorre, dentre muitos outros casos, com
Buda → budismo; Darwin → darwinismo. Merece destaque neste capítulo
o fato de os autores terem sus- tentado seus argumentos com
informações fornecidas por dois dicionários mo- nolíngues gerais da
língua portuguesa online – Dicionário Aulete Digital (DAD) e Grande
Dicionário Houaiss (GDH) –, além de dados extraídos do Corpus do
Português Web/Dialects para subsidiar o fornecimento de dados
estatísticos
Nomes próprios de pessoa: introdução à antroponímia
brasileira
24
sobre o uso contemporâneo dos fenômenos examinados que foram
apresentados por meio das tabelas supramencionadas. Por fim, o
Quadro 7.5 – Síntese do ca- pítulo 7, a exemplo dos demais
capítulos, de forma didática, fornece uma síntese do conteúdo
discutido no sétimo capítulo.
Finalmente, o oitavo e último capítulo do livro distancia-se do
estudo lin- guístico do antropônimo para debruçar-se sobre o “uso
ficcional dos nomes pró- prios de pessoa e na escolha antroponímica
em contextos migratórios” (p. 195). Para tanto, a temática foi
discutida a partir de dois grandes tópicos: Antropôni- mos e
literatura e Antropônimos e migração. O estudo de antropônimos
fictícios é o objeto de investigação da antroponomástica literária.
Os autores descrevem, nesse tópico, usos de nomes ficcionais
cotejando-os com nomes reais “com base na noção linguística de
norma”, trazendo também uma reflexão acerca das “es- pecificidades
do estudo da antroponímia ficcional” (p. 196), tomando em conta as
particularidades da obra literária. Com o intuito de concretizar
esse intento, Amaral e Seide examinam “usos baseados na etimologia
dos nomes; usos ba- seados na norma linguística; e usos
transgressores da convenção linguística” (p. 197), além da análise
de exemplos que atestam o jogo estético de Paulo Le- minski. Os
casos examinados pelos autores mostram “casos nos quais a escolha é
etimologicamente motivada, haja convergência, haja ironia entre as
caracterís- ticas da personagem e o significado etimológico do nome
escolhido” (p. 199). O capítulo trata também da questão do uso de
antropônimos fictícios na literatura com base na norma linguística,
cujo estudo requer um paralelo entre o uso real e o fictício, o
que, segundo os autores, no Brasil, ainda careceria de um maior
contingente de pesquisas antroponímicas sistemáticas.
O tópico 8.1 é finalizado com dois tópicos que se entrelaçam, à
medida que discutem a questão de transgressores da convenção
linguística na literatura em termos de antropônimos fictícios com
base na obra de ninguém melhor do que Paulo Leminski. Trata-se de
uma abordagem enriquecedora para a compreensão da relação entre
antroponímia e literatura, no caso, pautada em literatura especí-
fica sobre a obra do autor curitibano.
A segunda abordagem apresentada pelos autores no capítulo oito
levan- ta e discute a questão da relação entre antroponímia e
migração, discutindo dados acerca da antroponímia relacionada às
imigrações japonesa e lituana no Brasil. Para tanto, valem-se de
resultados de pesquisas recentes sobre o assunto: Nabão (2007): O
estudo de nomes próprios de nipo-brasileiros de Terra Roxa e Seide
(2017): Antroponímia e migração: os nomes de brasileiros
descendentes de lituanos.
Prefácio
25
Em um país marcado por processos migratórios como o Brasil, esse
enfoque dos estudos antroponímicos representa um campo fértil de
pesquisa. Os reflexos dos contatos linguísticos na configuração dos
antropônimos brasileiros carecem de maior documentação, e a
formação de bancos de dados representa um impera- tivo para
subsidiar a identificação das tendências da antroponímia brasileira
nas diferentes regiões do país, particularmente a representativa de
áreas de migra- ção. O Quadro 8.10 – Síntese do capítulo reúne os
principais tópicos abordados no capítulo.
Ao longo deste texto, teve-se como propósito pontuar, em cada
capítulo, aspectos julgados relevantes para um texto introdutório,
de modo que ao con- cluí-lo reitera-se o já registrado acerca da
importância desta obra para os estudos onomásticos no Brasil.
As perspectivas apontadas pelos autores na conclusão do trabalho
sinali- zam para a necessidade de intensificação de pesquisas na
área da Antroponí- mia/Antroponomástica no Brasil, um fértil campo
de pesquisa. Espera-se que o conteúdo deste livro, ao mesmo tempo
que desperte o interesse de novos pesquisadores, estimule os seus
autores para novos desafios, novas publicações na área.
Registrem-se, por fim, os cumprimentos aos autores pela qualidade
do produto apresentado e os agradecimentos pela oportunidade de
prefaciá-lo, tarefa realizada com muito prazer!
Campo Grande, novembro de 2019. Aparecida Negri Isquerdo
INTRODUÇÃO
Os nomes próprios de pessoa fazem parte do nosso cotidiano e estão
pre- sentes em quase todos os atos que realizamos. Em uma
apresentação pessoal, seja em um contexto formal, seja informal,
empregamos nossos nomes. Para fazer referência a um amigo, um
parente, um vizinho, uma personalidade, etc., citamos o nome de
cada pessoa. Para chamar alguém, também é muito comum que usemos
algum nome próprio se conhecemos uma ou mais denominações do
indivíduo. Essas funções de nomeação, referência ou interpelação
são comuns no dia a dia de qualquer cidadão.
Com frequência, encontramos notícias nos meios de comunicação sobre
a escolha de nomes de pessoas célebres. A cantora Sandy, por
exemplo, teve de ex- plicar publicamente o motivo pelo qual
escolheu o nome do filho, Theo, e afirmou que queria um nome
simples, curto, que combinasse com o sobrenome (Lima), mas que não
soasse muito estranho em outra língua (GONZÁLEZ, 2015).
Como o nome próprio é algo muito pessoal, sua alteração também é
fato que desperta interesse. Um ano após a regulamentação da
averbação do prenome e gênero de pessoas transgênero, a Folha de S.
Paulo divulgou levantamento feito pela Arpen-Brasil (Associação
Nacional de Registradores de Pessoas Naturais)
Nomes próprios de pessoa: introdução à antroponímia
brasileira
28
segundo o qual 2.033 pessoas mudaram de nome nesse período. Os dez
preno- mes mais escolhidos foram Bernardo, Bruna, Maria, Pedro,
Fernanda, Victor, Rafael, Gabriela, Rafaela e Julia (MAIA,
2019).
Em período eleitoral, também sempre se dá repercussão midiática aos
nomes de urna escolhidos pelos candidatos, como é o caso da análise
apresentada por Martins J. (2018), para quem a diversidade e o
exotismo de muitos nomes de urna indicam uma sociedade fragmentada
e uma pobreza política.
Os fatos acima demonstram o interesse que todos temos em conhecer o
nome do outro e falar sobre o assunto. Não se trata apenas de
exemplos de fatos curiosos, mas de um objeto de estudo que pode ser
de interesse de linguistas, psi- cólogos, sociólogos, cientistas
políticos, juristas, etc. Nos estudos da linguagem, os nomes
próprios de pessoa, denominados antropônimos, são tema de pesquisa
há vários séculos.
A Onomástica é a área do conhecimento que tem como objeto de estudo
os nomes próprios. Como os antropônimos constituem um subconjunto
desses nomes, damos o nome de Antroponomástica à subárea da
Onomástica que investiga os nomes próprios de pessoa. Esta obra,
portanto, se insere no con- junto de trabalhos da Antroponomástica
e tem como objetivo apresentar ao leitor uma descrição e uma
análise dos nomes próprios de pessoa na língua portuguesa do
Brasil.
Além desta introdução, o livro está organizado em 8 capítulos. No
capítulo 1, apresentamos um panorama dos estudos onomásticos. Após
a exposição de um breve histórico das pesquisas na área, são
comentadas especificidades da história dos estudos
antroponomásticos tanto no exterior quanto no Brasil. O objetivo é
apresentar ao leitor um recorte do que se tem pesquisado sobre os
nomes de pessoa.
No capítulo 2, tratamos dos nomes próprios como uma categoria de
palavras da língua que inclui diferentes entidades que recebem um
nome individualizado. São apresentadas e discutidas as
características principais dos nomes próprios, o que nos leva a uma
proposta tipológica de nomes próprios. Nesse mesmo capítu- lo,
discutimos a presença dos nomes próprios na legislação
brasileira.
A proposta tipológica dos nomes próprios apresentada no capítulo 2
serve como ponto de partida para o capítulo 3, em que tratamos
especificamente da diversidade interna do conjunto de nomes de
pessoa. Considerando a divisão entre nomes do registro civil e
nomes não pertencentes ao registro civil, é apresentada uma
classificação de antropônimos que inclui, no primeiro caso,
prenome, sobrenome e agnome e, no segundo caso, apelido,
hipocorístico,
Introdução
29
pseudônimo, codinome, heterônimo, nome artístico, nome de guerra,
nome religioso, nome social, nome de urna e nome parlamentar.
Embora os critérios empregados para a distinção dos tipos de
antropônimos sejam diferentes, o que se justifica pelo caráter
linguístico e extralinguístico do nome próprio, acredita- mos que a
proposta tenha capturado grande parte das características
relevantes da antroponímia brasileira.
Aspectos morfológicos e sintáticos dos antropônimos são abordados
no capítulo 4, que se inicia com o tema da grafia, sempre
relembrado na hora de se falar em nomes próprios. Em seguida,
tratamos de questões como gênero, número e derivação morfológica.
Na seção relativa à sintaxe, são analisadas as diferentes
composições sintagmáticas em que o antropônimo pode ocorrer. O
capítulo apresenta uma seção final com o tema da ausência/presença
de artigo diante de antropônimos, que tem sido objeto de pesquisa
de pós-graduação no Brasil desde os anos 1990.
Devido à proficuidade do tema, os aspectos semânticos dos
antropônimos são tratados em dois capítulos. No capítulo 5,
partimos das teorias da lógica e da filosofia da linguagem que se
ocuparam do nome próprio. São discutidas as teorias que, desde o
século XIX, têm inquietado os pesquisadores, incluindo a chamada
descritivista ou teoria do sentido, a teoria referencial direta ou
teoria causal e a teoria do predicado de denominação.
O capítulo 6 continua a discussão sobre a semântica do nome
próprio, explo- rando as contribuições de um dos precursores da
área, Michel Bréal, e também as de Saussure. Em seguida, são
tratadas questões semânticas mais recentes e apontadas outras
perspectivas de análise que extrapolam o quadro teórico de uma
semântica mais formal.
A relação entre os nomes próprios e o léxico comum é tratada no
capítulo 7. Em um primeiro momento, discutimos o processo de
derivação dos nomes próprios. Em seguida, são analisados casos de
itens derivados de antropônimos em língua portuguesa, tomando como
exemplos as ocorrências de nomes de in- venções ou descobertas,
nomes de marca, nomes de antropônimos ficcionais e nomes de
teorias, doutrinas e crenças.
O capítulo 8 está dedicado à interface entre o estudo linguístico e
outras áreas de pesquisa. O estudo dos antropônimos dos textos
literários é o foco da primeira seção, em que analisamos usos
baseados na etimologia, usos baseados na norma, usos transgressores
e ainda apresentamos uma análise da obra do poeta curitibano Paulo
Leminski. Em seguida, analisamos casos de antropôni- mos em
processos de migração, tratando de migrantes japoneses e
lituanos.
Nomes próprios de pessoa: introdução à antroponímia
brasileira
30
Ao longo da obra, analisamos dados de diferentes fontes. Sempre que
pos- sível, procuramos discutir aqueles apresentados em diversos
trabalhos de Ono- mástica e de áreas afins, publicados, no Brasil e
no exterior, em artigos científi- cos, livros, dissertações e
teses. Além disso, coletamos e analisamos dados de origens
diversas, seja de sites institucionais, como o portal Nomes no
Brasil, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
e o Portal da Transparên- cia do Registro Civil, seja de textos da
imprensa nacional, como o jornal Folha de S.Paulo, seja de textos
literários. Em outras situações, usamos também dados de
introspecção, os quais sempre foram checados com falantes do
português brasileiro. Acreditamos que a diversidade de dados
contribui para uma melhor compreensão da nossa antroponímia.
Além da diversidade de dados, tivemos também uma preocupação
didática: os oito capítulos são finalizados com uma seção em que
procuramos sinteti- zar, de modo didático, o conteúdo tratado. Ao
final do livro, apresentamos as considerações finais e
perspectivas, com as quais pretende-se estimular o leitor a seguir
as leituras sobre o tema. Em vários pontos do livro, há indicação
de temas que merecem novas pesquisas. Isso se deve ao fato de que
as pesquisas em Onomástica no Brasil, sobretudo as de
Antroponomástica, precisam de maior investimento e de divulgação.
Por esse motivo, procuramos também estimular o leitor interessado a
explorar esse campo de estudo.
Para finalizar esta introdução, gostaríamos de registrar que esta
obra é o resultado de uma parceria interinstitucional desenvolvida
pelos autores. De um lado, o Programa de Pós-Graduação em Estudos
Linguísticos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e, de
outro, o Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Como intermediário,
encontra-se o Grupo de Trabalho (GT) de Lexicologia, Lexico- grafia
e Terminologia da Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e
Linguística (ANPOLL), do qual os autores fazem parte e que
propiciou vários encontros presenciais e não presenciais para que
este livro fosse, aos poucos, sendo idealizado e elaborado.
Gostaríamos de agradecer aos colegas do GT, que sempre colaboraram
com críticas e sugestões ao que apresentamos para o grupo. Um
agradecimento especial deixamos à professora Aparecida Negri
Isquerdo (UFMS), que gentilmente aceitou prefaciar esta obra.
Agradecemos também aos alunos dos cursos sobre Onomástica que
sempre levantaram questões e apresen- taram sugestões durante as
aulas, tanto na UFMG quanto na UNIOESTE.
CAPÍTULO 1
PANORAMA DOS ESTUDOS ONOMÁSTICOS
O nome de um homem não é algo como um manto, que pende simplesmente
de seus ombros e que pode ser esticado e puxado a esmo; antes, é um
traje que o veste perfei- tamente, é como a própria pele, que
cresce com ele e recobre seu corpo inteiro e que não se pode
arranhar nem arreganhar, sem deixar alguém machucado.
Goethe (De minha vida: poesia e verdade)
Quando começa o interesse científico pelos nomes próprios? Onde se
ini- ciam os primeiros estudos? O que têm feito os pesquisadores
brasileiros para o desenvolvimento das pesquisas na área? Neste
capítulo, apresentamos um pa- norama da história dos estudos
onomásticos. Começamos pelas pesquisas no âmbito internacional e
depois voltamos o foco para os trabalhos desenvolvidos no Brasil.
Procuramos destacar, sempre que possível, a contribuição de
entidades científicas, grupos de pesquisa e eventos importantes
para a área.
Por onomástica, além do significado de ‘relação de nomes próprios’,
com- preendemos o estudo dos nomes próprios, analisados em seus
diferentes aspec- tos gramaticais, etimológicos, sócio-históricos,
geográficos, etc. Nesse sentido, constitui um campo autônomo do
conhecimento, mas que possui interface com diferentes áreas, como
linguística, história, antropologia, etc. Embora alguns autores já
tenham procurado diferenciar os termos onomástica e
onomatologia1,
1 Letelier (1906, p. 3) distinguia onomástica da onomatologia,
considerando o primeiro como um “sistema jurídico de denominações
utilizado em cada país para designar as pessoas” e o segundo como
“ciência que estuda as origens etimológicas e as causas sociais da
formação e desenvolvimento do nome próprio”.
Nomes próprios de pessoa: introdução à antroponímia
brasileira
32
e existam também aqueles que os consideram sinônimos, nesta obra
usaremos o primeiro, que tem se consagrado ao longo do tempo.
1.1 BREVE HISTÓRIA DOS ESTUDOS ONOMÁSTICOS O interesse pelos nomes
próprios é antigo, embora seu estudo sistemático
seja recente na história do conhecimento. De acordo com Hajdú
(2002), o nas- cimento da Onomástica deveria ser buscado no Egito
antigo de cinco a seis mil anos atrás, pelo menos no que se refere
à identificação do seu objeto de estudo. Ao identificar os deuses e
faraós em suas inscrições, os egípcios diferenciavam os nomes
comuns dos nomes próprios, tal como se observa no hieróglifo da
Figura 1.1, que representa o nome de Cleópatra2:
Figura 1.1 – Reprodução de hieróglifo egípcio que representa o nome
de Cleópatra
Fonte: Hajdú (2002, p. 7).
O interesse pelos nomes próprios pode ser encontrado em mitos,
lendas e textos literários criados há milhares de anos. São várias
as passagens bíblicas em que os autores se preocupam em explicar a
origem de determinados nomes. No livro do Gênesis, explica-se o
nome da cidade de Enoque: “E conheceu Caim a sua mulher, e ela
concebeu, e deu à luz a Enoque; e ele edificou uma cidade, e chamou
o nome da cidade conforme o nome de seu filho Enoque” (Gênesis, 4,
17). De forma semelhante, vincula-se o nome Pedro ao significado de
‘pedra’ em Mateus (16, 18): “Pois também eu te digo que tu és
Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do
inferno não prevalecerão contra ela” (em grego, Πτρος, Petros, de
πετρα ‘pedra, rocha’; em hebraico, ).
Hesíodo também demonstrou interesse em explicar a origem de um nome
próprio. Na seguinte passagem de Teogonia: a origem dos deuses, é
possível observar que o nome do cavalo alado Pégaso se explica pelo
fato de ter nascido próximo às águas de Oceano (em grego πηγ
significa ‘fonte’) e o de Aurigládio
2 Cf. também Gardiner (1957, p. 14-15).
Panorama dos estudos onomásticos
33
(também chamado Crisaor) por portar uma espada de ouro (em grego,
χρυσ significa ‘ouro’):
Dela [Medusa], quando Perseu lhe decapitou o pescoço, surgiram o
grande Aurigládio e o cavalo Pégaso; tem este o nome porque ao pé
das águas do Oceano nasceu, o outro com o gládio de ouro nas mãos,
voando ele abandonou a terra mãe de rebanhos e foi aos imortais e
habita o palácio de Zeus, portador de trovão e relâmpago de Zeus
sábio (HESÍODO, 1995, p. 121, versos 280-286).
Os filósofos gregos se interessavam pela relação entre os nomes e
os refe- rentes, como se observa, por exemplo, em Crátilo, de
Platão. No início da obra, Sócrates e Hermógenes discutem quais
seriam as propriedades do nome. Essa relação foi objeto de estudo
de muitos lógicos e filósofos ao longo dos estudos científicos
ocidentais. O interesse pelo estudo específico dos nomes próprios,
no que esses teriam de peculiar, isto é, em suas características
exclusivas, é mais recente. O fato de a preocupação com os nomes
próprios ser antiga mas as pesquisas específicas sobre este objeto
de estudo serem recentes leva Hough (2016, p. 1) a afirmar que os
estudos onomásticos são, ao mesmo tempo, anti- gos e novos.
No século XVI, conforme aponta Hajdú (2002, p. 14), as
nomenclaturas, como um gênero especial de dicionários que continham
rico material de nomes próprios, começam a se tornar comuns. Como
exemplo, Nicodemus Frischlin, filólogo, poeta e professor da
Universidade de Tubinga (Alemanha), publica, em Frankfurt am Main,
no ano de 1586, um dicionário de nomes trilingue (grego, latim e
alemão), intitulado: Nomenclator trilinguis,
graeco-latinogermanicus, continens omnium rerum, quae in probatis
omnium doctrinarum auctoribus inueniuntur, appellationes. É
necessário destacar também a importância que calendários cristãos e
martirológios tiveram na atribuição dos nomes ao longo da história.
O primeiro martirológio, atribuído erroneamente a São Jerônimo, foi
elaborado no século IV d.C. No exemplo abaixo, retirado de um
exemplar do século XVIII, pode-se ler o conteúdo referente ao dia 2
de janeiro.
Nomes próprios de pessoa: introdução à antroponímia
brasileira
34
Figura 1.2 – Fragmento do Martirológio Romano publicado em Lisboa
no ano de 1748
Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal.3
Os nomes de santos e mártires da Igreja sempre tiveram importância
na atribuição de nomes e, conforme será visto no capítulo 3, nomes
cuja origem se relaciona com o cristianismo estão até hoje entre os
mais escolhidos.
Em muitos países europeus, grande parte dos estudos onomásticos
iniciais se concentra na pesquisa da origem dos nomes, isto é, em
aspectos etimológicos, observando-se a evolução dos nomes ao longo
do tempo e das línguas. Esse inte- resse está presente em obras do
século XVIII, como é o caso de Onomástico eti- mológico de la
lengua gallega, publicado em 1758 pelo Padre Martín Sarmiento
(1695-1772), e continua em voga no século seguinte. Em 1824, o
poeta e político
3 Disponível em: http://purl.pt/17321. Acesso em: 25 jan.
2020.
Panorama dos estudos onomásticos
35
francês Eusèbe Salverte (1771-1839) publica Essai historique et
philosophique sur les noms d’hommes, de peuples et de lieux,
considérés principalement dans leur rapports avec la civilisation.
Na obra, o autor trata não só de questões só- cio-históricas, mas
também inclui comentários gramaticais e pragmáticos sobre os
antropônimos em diferentes idiomas.
Com o desenvolvimento dos métodos de pesquisa filológica no século
XIX, acentuam-se os estudos comparativistas, que também se ocupam
da his- tória dos nomes. De acordo com Hajdú (2002, p. 22), em
vários países os estu- dos onomásticos tiveram início nos primeiros
anos do século XIX (Inglaterra, Irlanda, Noruega, Suécia,
Dinamarca, Países Baixos, Itália, Hungria, África do Sul, Japão,
Austrália, etc.). Em outros, tais estudos começaram na metade do
século (Suíça, Eslovênia, Croácia, Estados Unidos, Estônia, Rússia,
etc.) e, no final do mesmo século, começaram os estudos onomásticos
em outros países (Escócia, Islândia, Romênia, Finlândia, Lituânia,
Polônia, Bulgária, Espanha, Portugal, México, etc.). Com relação
aos estudos onomásticos na Lituânia, ressalte-se o estudo pioneiro
de Bga, cuja maior contribuição para a área consistiu na
recuperação dos nomes dos duques da Lituânia mencionados em
crônicas históricas narradas em outros idiomas (a saber: russo,
alemão e polonês) (ZINKEVIIUS, 1979, p. 93).
Esse aumento gradativo do interesse pelo estudo dos nomes próprios
a partir do século XVIII fez com que o termo onomástico, do grego
νομαστικς, onomastikós, usado com a acepção de ‘lista de nomes
próprios’, passasse a ser usado, posteriormente, com a acepção de
‘estudo dos nomes próprios’4. Com efeito, o dicionário etimológico
de Cunha (1986) data do século XIX o substan- tivo feminino
onomástica.
A virada do século XIX para o século XX presenciou um aumento geral
na investigação de nomes próprios em todo o mundo. Até então, eram
os nomes da Antiguidade que estavam no foco dos estudiosos. Charles
Bardsley (1843-1898) é um dos autores dessa época. A figura abaixo
mostra a capa de uma obra do autor, que constitui um dicionário de
sobrenomes ingleses e galeses publicado na Inglaterra no ano de
1901.
4 Vejam-se as informações etimológicas para o vocábulo francês
onomastique no Centre na- tional de ressources textuelles et
lexicales, disponíveis em: http://www.cnrtl.fr/etymologie/
onomastique.
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Fonte: Internet