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UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO
LICENCIATURA PLENA EM MUSICA
ALEX JONATAN DE SOUZA CAETANO
ANÁLISE ESTRUTURAL DA PEÇA MUSICAL
ZAPATEADO DE PACO DE LUCIA
RIBEIRÃO PRETO /SP
2011
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ALEX JONATAN DE SOUZA CAETANO
ANÁLISE ESTRUTURAL DA PEÇA MUSICAL
ZAPATEADO DE PACO DE LUCIA
Monografia apresentada à Universidade de Ribeirão Preto UNAERP, como requisito para a obtenção do título de Licenciado em Música. Orientador: Prof. Dr. Érico Artioli Firmino.
Ribeirão Preto
2011
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ALEX JONATAM DE SOUZA CAETANO
ANÁLISE ESTRUTURAL DA PEÇA MUSICAL
ZAPATEADO DE PACO DE LUCIA
Monografia apresentada à Universidade de Ribeirão Preto UNAERP, como requisito para a obtenção do título de Licenciado em Música. Orientador: Prof. Dr. Érico Artioli Firmino.
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RESUMO
Este trabalho teve como objetivo analisar a peça musical flamenca Zapateado do violonista espanhol Paco de Lucia, segundo critérios teóricos de Arnold Schoenberg, Heinrich Schencker e Fred Lerdahl. A análise mostrou que a peça enfatiza elementos estruturais inusitados quando comparada com o repertório violonístico flamenco tradicional, sobretudo harmônicos e formais, na medida em que desenvolve um extenso e intrincado percurso de modulações tonais. Esse percurso foi descrito em níveis estruturais schenkerianos de larga, média e estreita escala, bem como através da utilização de mapa de tonalidades da teoria do espaço de alturas tonal de Lerdahl. Palavras chave: análise musical, Zapateado,,flamenco, Paco de Lucia, mapa tonal.
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ABSTRACT
This work analyzed the flamenco piece of music Zapateado by Paco de Lucia in accordance with the theoretical criteria of Arnold Schoenberg, Heinrich Schencker and Fred Lerdahl. The analysis showed that the piece emphasizes unusual structural elements when compared with the traditional flamenco repertoire, particularly harmonic and formal ones, insofar as an extended and intricate route of musical keys is unfolded. This route was described by schenkerian structural levels in large, medium, and close scale as well as by the use of a key map from the tonal pitch space theory of Lerdahl. Palavras chave: análise musical, Zapateado,,flamenco, Paco de Lucia, mapa tonal.
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SUMÁRIO
1 . INTRODUÇÃO......................................................................................................06 2 . ANÁLISE ESTRUTURAL DE ZAPATEADO DE PACO DE LUCIA....................;..07 3 . REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................28 4 . ANEXOS................................................................................................................29
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1. Introdução
O flamenco é uma expressão artística de música e dança espanhola originada
na região de Andaluzia no sul da Espanha. Os primeiros testemunhos do surgimento
dessa arte datam do século XVI. Os locais de onde se originou o flamenco foram
Sevilla, Jerez e Cádiz, com fortes influências artísticas de culturas diferentes como a
bizantina, a cigana, a judaica, entre outras. Originalmente, a constituição do
flamenco se dava apenas através do canto sem acompanhamento. Depois, o canto
passou a ser acompanhado por violão, palmas, sapateado e dança, configurando as
três formas de expressões artísticas chamadas de cante, toque e baile.
O cante é considerado como uma parte fundamental para a arte flamenca
como um todo, e seus textos (letras) e entonação são sempre marcados por fortes
sentimentos de melancolia, fatalismo e pela tragédia da vida. Os cantores utilizam
técnicas vocais que têm o objetivo de passar para o espectador uma sensação de
tristeza e lamento.
O baile possui intensa gesticulação, partes cênicas, além do próprio
sapateado que contribui como produção sonora para a parte instrumental.
O toque é particularmente a forma de expressão do flamenco relevante para
esse trabalho. A composição musical flamenca possui várias vertentes ou palos –
por exemplo, bulerias, soleas, fandangos, tangos, rumas, etc. – assim como no
Brasil que tem o samba que se divide em vários sub-gêneros diferentes – por
exemplo, samba-canção, samba-exaltação, samba-choro, etc. O estilo
composicional flamenco possui características estruturais comuns sendo
encontradas na grande maioria de suas peças musicais. Por exemplo, as escalas
mais utilizadas nesse estilo são o modo maior, o modo menor natural-harmônico-
melódico e o modo frígio. A harmonia do flamenco é baseada em acordes sem o uso
de muitas dissonâncias, e a grande maioria das peças deste estilo utilizam uma
cadência que transita entre o sétimo grau do campo harmônico, o sexto, o quinto e
por fim o primeiro grau menor. (Carmen Romero, Zanin, 2007).
Paco de Lucia é considerado o violonista e compositor flamenco mais
prestigiado no cenário mundial (site biografiasyvidas). Paco de Lucia é o nome
artístico para Francisco Sanchez Gómez que nasceu em uma família de músicos em
Ageciras, no dia 21 de dezembro de 1947. Sua peça musical Zapateado foi
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analisada a propósito de sua estrutura composicional. Particularmente, o escopo
desse trabalho enfatiza a descrição dos aspectos harmônicos e formais da peça.
A análise foi feita com base nos critérios teóricos de Arnold Schoenberg (1874
a 1951), Henrich Schenker (1868 a 1935) e Fred Lerdahl (1943). O livro Funções
Estruturais da Música (1969) é o último trabalho teórico de Schoenberg e contém
seus pensamentos últimos sobre a harmonia clássica e romântica, além de apontar
os aspectos básicos e avançados da teoria harmônica tonal. O livro Fundamentos
da composição musical (1996) também de Schoenberg é dividido em três partes. A
primeira parte é dedicada à fundamentação teórica, e a segunda e terceira partes
constituem os fundamentos de aplicação de análise para pequenas e grandes
formas musicais. O livro Free Composition: New musical theories and fantasies
(1979) de Schenker é constituído em três partes que se referem à descrição da
estrutura musical em três níveis de escala de observação analítica ou da própria
construção musical que são o plano de fundo, intermediário e de superfície. O livro
Tonal Pitch Space (2001) de Lerdahl apresenta um modelo multidimensional de
espaços diatônicos e cromáticos, bem como esboça um mapa de tonalidades
apropriado para a análise de peças musicais que possuem muitas modulações
tonais.
2. ANÁLISE ESTRUTURAL DE ZAPATEADO DE PACO DE LUCIA
A seguir, são apresentadas figuras com partituras de trechos da peça musical
Zapateado do violonista Paco de Lucia contendo indicações de suas estruturas
harmônicas para auxílio da análise da estrutura composicional da mesma, que
enfatiza os aspectos tonais e formais. A harmonia é representada por cifras dos
acordes em cima do pentagrama e números romanos abaixo do pentagrama. Os
acordes menores são indicados pelas cifras que contém a letra “m” minúscula à
esquerda. As tonalidades são indicadas por letras em fonte Aardvark Cafe seguido
de dois pontos (:). Algarismos romanos maiúsculos e minúsculos indicam funções
tonais de acordes maiores e menores. As cifras mostram o conteúdo dos acordes
com as tensões superiores quando houver. O aparecimento do acorde de sexta
aumentada (ou sub V) é representado especialmente pela sigla 6A.
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A tonalidade principal da peça Zapateado é de Dó maior uma vez que é
indicada tanto pela armadura de clave quanto pela freqüente sucessão dos acordes
G e C em términos de frases, o que configura cadências autênticas na direção da
tônica C (função I). Contudo, essa peça possui várias modulações, fato incomum
para a música flamenca em geral. O caminho das tonalidades encontradas nessa
peça é o seguinte: Dó maior, Sol maior, Mi menor, Si menor, Mi menor, Lá menor,
Dó maior, Lá menor, Ré menor, Lá menor e, por fim, Dó maior.
A peça possui formula de compasso 12/8 e andamento rápido. A grande
maioria das frases é construída por colcheias, mas também aparecem outras figuras
como semínima, semínima pontuada e mínima pontuada,. Eventualmente, ocorre
também o aparecimento de quiálteras de quatro semicolcheias no decorrer da peça.
A FIGURA 1 apresenta a primeira seção estrutural da peça Zapateado de 8
compassos. Ela é dividida em dois períodos. O primeiro período (compassos 1-4)
contém duas frases com a harmonia G/D, C, G/D e C (funções V-I). O segundo
período (compassos 5-8) contém duas frases com a harmonia F, C, G e C (funções
IV, I, V e I).
FIGURA 1. Compassos 1 a 8 da peça Zapateado que perfazem a primeira seção
estrutural.
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A FIGURA 2 apresenta a segunda seção estrutural da peça Zapateado. Ela
se subdivide em dois períodos, sendo o primeiro, do compasso 9 ao 11, que contém
3 frases, com a harmonia Am, G e C (funções vi, V e I), e o segundo, do compasso
12 ao 14, que contém 3 frases, com a harmonia G, C e C (funções V e I).
FIGURA 2. Compassos 9 a 14 da peça Zapateado que perfazem a segunda
seção estrutural.
A FIGURA 3 apresenta a terceira seção estrutural (compassos 15 a 20) com a
estrutura harmônica formada pelos acordes C, Bm7(5b), Am e G (funções I, vii°, vi e
V) no primeiro período (compassos 15 a 17), bem como G, C, Am, A e D (funções V,
I, vi, V/ii e V/V) no segundo período (compassos 18 a 20).
FIGURA 3. Compassos 15 a 20 da peça Zapateado que perfazem a terceira
seção estrutural.
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A FIGURA 4 apresenta a quarta seção estrutural (compassos 21 a 29). Ela é
dividida em três períodos. No primeiro período (compassos 21 a 23), aparecem os
acordes D/F#, G7 e C (funções V/V, V, I). No segundo período (compassos 24 a 26),
ocorre a primeira modulação da peça, visto que, no compasso 24, aparece o acorde
A7 (função V/ii em Dó maior), e no compasso 25, surge o acorde de D, que é o
acorde pivô para a primeira modulação da tonalidade de Dó maior para a tonalidade
de Sol maior. Assim, o acorde D que tinha função de V/V na tonalidade de Dó maior
passa a ter a função de V na tonalidade de Sol maior. Depois do acorde D (função
V), ocorre o acorde C (função IV), no compasso 26. No terceiro período, a harmonia
caminha pelos acordes G/B, D7, G, G e B7 (funções I, V, I, e V/vi). O acorde B7 que
aparece no compasso 29 é o pivô para a segunda modulação da tonalidade de Sol
maior para a tonalidade de Mi menor, isto é, o acorde B7 que tinha a função de V/vi
na tonalidade de Sol maior passa a ter a função de V na tonalidade de Mi menor.
FIGURA 4. Compassos 21 a 29 da peça Zapateado que perfazem a quarta seção
estrutural.
A FIGURA 5 apresenta a quinta seção estrutural (compassos 30 a 40). Essa
seção se divide em três períodos. O primeiro período (compassos 30 a 33) possui os
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acordes Em, E, Am e F#7(b5)/C (funções I, V/iv, iv e V°/V). O segundo período
(compassos 34 a 36) possui os acordes B7, Em, Em e Am (funções V, i, e iv). O
terceiro período (compassos 37 a 40) possui os acordes F, Em, C7, B7 e Em
(funções 6A, i, VI, V e i). A passagem pelo acorde F de função 6A/i na direção da
tônica Em (i) é comum na música flamenca, em paralelo à sucessão do acorde C7
na direção da dominante B7 (V). A presença do acorde F também revela o
procedimento composicional de incremento do modo menor natural-harmônico-
melódico para se assemelhar momentaneamente ao modo frígio, ao abaixar o
segundo grau fá sustenido da escala de Mi menor para fá bequadro.
FIGURA 5. Compassos 30 a 40 da peça Zapateado que perfazem a quinta seção
estrutural.
As FIGURAS 6, 7, 8 e 9 abrange um trecho musical da peça Zapateado que
desdobra um processo modulatório longo que inicia no primeiro tempo do compasso
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41 (FIGURA 1) e termina no terceiro tempo do compasso 73 (FIGURA 9). Esse
processo parte da tonalidade Mi menor estabelecida na anterior quinta seção
estrutural (FIGURA 5), depois, permeia a tonalidade de Si menor, e depois, regressa
para a tonalidade de Mi menor no compasso 71 (FIGURA 8), com a ratificação
dessa última já no compasso 71 até o compasso 73 (FIGURA 9), através de
cadência autêntica. A peculiaridade desse trecho está na evocação da tonalidade de
Si menor através dos acordes do campo harmônico de Si menor, mas sem a
aparição do acorde de tônica (i) Bm. Apesar da ocorrência desse procedimento
composicional não ser tão freqüente na música tonal em geral e é ainda menos
freqüente na música flamenca, ele é relativamente comum de aparecer na obra de
Paco de Lucia. Por exemplo, na sua peça El Tempul, analisada por Spigali (2010),
um longo trecho da mesma desdobra o campo harmônico da tonalidade de Ré
menor sem a presença explícita do acorde tônica Dm.
A FIGURA 6 apresenta a sexta seção estrutural (compassos 41 a 51) que é
dividida em três períodos. No primeiro período (compassos 41 a 44), o acorde Em é
o pivô da modulação da tonalidade de Mi menor para a tonalidade de Si menor,
sendo de função i na tonalidade de Mi menor e de função iv na tonalidade de Si
menor. Os acordes A7, Em e A7 (funções VII, iv e VII). No segundo período
(compassos 45 a 47), encontram-se os acordes Em, G, A, G e F# (funções iv, VI, VII,
VI e V). No terceiro período (compassos 48 a 51), encontram-se os acordes F#, G/B,
G/B e F# (funções V, VI, e V).
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FIGURA 6. Compassos 41 a 51 da peça Zapateado que perfazem a sexta seção
estrutural.
A FIGURA 7 apresenta a sétima seção estrutural (compassos 52 a 60). Ela se
subdivide em dois períodos. O primeiro período (compassos 52 a 55) possui os
acordes F#, G, A, G e F# (funções V, VI, VII, VI e V). O segundo período
(compassos 56 a 60) possui os acordes F#, G, A, A7, D e C (funções V, VI, VII, V/III,
V/VI e IV/VI).
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FIGURA 7. Compassos 52 a 60 da peça Zapateado que perfazem a sétima
seção estrutural.
A FIGURA 8 apresenta a oitava seção estrutural (compassos 61 a 71). Ela é
dividida em três períodos. No primeiro período (compassos 61 a 63), encontram-se
os acordes G, A, G e F# (funções VI, VII, VI e V). No segundo período (compassos
64 a 67), encontram-se os acordes C, B7, Em, F, E7 e Am (funções 6A/V/iv, V/iv, iv,
6A/V/vii, V/vii e vii). Nesse período, estão destacados na FIGURA 8 retângulos
pretos mostrando uma transposição literal de uma quarta justa ascendente da
harmonia C, B7 e Em para F, E7 e Am juntamente com o material rítmico e
melódico. No terceiro período (compassos 68 a 71), encontram-se os acordes F e
Em (funções 6A/iv e iv), seguidos pelos acordes pivôs C7, B7 e Em da modulação
reversa da tonalidade de Si menor para a tonalidade de Mi menor. Respectivamente,
os acordes C7, B7 e Em possuem as funções 6A/V/iv, V/iv e iv na tonalidade de Si
menor e possuem as funções VI, V e i na tonalidade de Mi menor. O último acorde
B7 (compasso 71) de movimento anacrúsico inicia a cadência autêntica que se
desdobra até o compasso 73 (FIGURA 9) confirmando o estabelecimento da
tonalidade de Mi menor.
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FIGURA 8. Compassos 61 a 71 da peça Zapateado que perfazem a oitava seção
estrutural.
A FIGURA 9 apresenta a nona seção estrutural (compassos 72 a 77) que se
divide em três períodos. No primeiro período (compassos 72 a 73), encontram-se os
acordes Em, B7, Em e Am (funções i, V, i e iv). No compasso 73, acontece a
modulação súbita da tonalidade Mi menor para a tonalidade de Lá menor: o acorde
Am que tinha a função de iv (subdominante) na tonalidade de Mi menor passa a ter
a função de i (tônica) na tonalidade de Lá menor. No segundo período (compassos
74 a 75), encontram-se os acordes G, F, E e Am (funções VII, VI, V e i). No terceiro
período (compassos 76 a 77), encontram-se os acordes G, F e E (funções VII, VI e
V).
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FIGURA 9. Compassos 72 a 77 da peça Zapateado que perfazem a nona seção
estrutural.
A FIGURA 10 apresenta a décima seção estrutural (compassos 78 a 83) que
se divide em três períodos. No primeiro período (compassos 78 a 79), encontram-se
os acordes C e G (funções III e VII). No segundo período (compassos 80 a 81),
encontram-se os acordes F e E (funções VI e V). No terceiro período (compassos 82
a 83), encontram-se os acordes C, C7 e F (funções III, V/VI e VI).
FIGURA 10. Compassos 78 a 83 da peça Zapateado que perfazem a décima
seção estrutural.
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A FIGURA 11 apresenta a décima primeira seção estrutural (compassos 84 a
95) de três períodos. O primeiro período (compassos 84 a 89) possui dois
momentos. O primeiro momento (compassos 84 a 85) de caráter transitivo possui os
acordes Bm7(b5), E e G7 (funções ii°, V e VII). É nesse momento que ocorre a
modulação da tonalidade de Lá menor para a tonalidade de Dó maior. O acorde pivô
G7 possui a função VII na tonalidade de Lá menor e possui a função V na tonalidade
de Dó maior. O segundo momento (compassos 86 a 89) de caráter de afirmação da
tonalidade destino Dó maior da modulação possui os acordes C, F, G, C, C, F, C e F
de funções I, IV, V, I, IV, I IV. No compasso 90 do segundo período (compassos 90 a
92) ocorre mais uma modulação, em reverso, da tonalidade de Dó maior para a
tonalidade de Lá menor, outra vez através da utilização do acorde pivô E, de função
V/vi na tonalidade de Dó maior e função V na tonalidade de Lá menor. Os acordes
seguintes ao pivô E são C e F (III e VI). O terceiro período (compassos 93 a 95)
possui os acordes E, C e F (funções V, III e VI).
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FIGURA 11. Compassos 87 a 95 da peça Zapateado que perfazem a décima
primeira seção estrutural.
A FIGURA 12 apresenta da décima segunda seção estrutural (compassos 96
a 103). Ela é dividida em três períodos. No primeiro período (compassos 96 a 99),
encontram-se os acordes E, Dm, E, Dm, E, E e Am (funções V, iv, V, iv, V e i). No
segundo período (compassos 100 a 101), encontram-se os acordes G, F, E e Am
(funções VII, VI, V e i). No terceiro período (compassos 102 a 103), encontram-se os
acordes G, F e E (funções VII, VI e V).
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FIGURA 12. Compassos 96 a 103 da peça Zapateado que perfazem a décima
segunda seção estrutural.
A FIGURA 13 apresenta a décima terceira seção estrutural (compassos 104 a
115) que está subdividida em três períodos. No compasso 104 do primeiro período
(compassos 104 a 107), ocorre a modulação da tonalidade de Lá menor para a
tonalidade de Ré menor, através dos acordes pivôs Bb e A; respectivamente, esses
acordes que possuem as funções 6A/i e I na tonalidade de Lá menor passam a ter
as funções 6A/V e V na tonalidade de Ré menor. Os acordes seguintes são Dm, C7,
F/A e F (funções V/III e III). No segundo período (compassos 108 a 111), encontram-
se os acordes A7(11, 9, 6), F, A7(11, 9, 6), F, A7(11, 9, 6), F, A e Dm (funções V, III,
V, III, V, III, V e i). No terceiro período (compassos 112 a115), encontram-se os
acordes C, Bb, A, Dm, C, Bb e A (funções VII, VI, V, i, VII, VI, V ).
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FIGURA 13. Compassos 104 a 115 da peça Zapateado que perfazem a décima
terceira seção estrutural.
A FIGURA 14 apresenta a décima quarta seção estrutural (compassos 116 a
125) que está subdividida em dois períodos. No primeiro período (compassos 116 a
121), ocorrem os acordes Bb, A7, Dm, Dm, G7, C e F (funções VI, V, i, V/VII e VII).
No compasso 121, ocorre a modulação da tonalidade de Ré menor para a
tonalidade de Lá menor, através novamente do acorde E como pivô com a função
V/V na tonalidade de Ré menor e a função V na tonalidade de Lá menor. O segundo
período (compassos 122 a 125) possui os acordes G, F, E, Am, G, F e E (funções
VII, VI, V, i, VII, VI e V).
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FIGURA 14. Compassos 116 a 125 da peça Zapateado que perfazem a décima
quarta seção estrutural.
A FIGURA 15 apresenta a décima quinta seção estrutural (compassos 126 a
136) que está dividida em três períodos. No primeiro período (compassos 126 a 129)
encontram-se os acordes C, G/B, C/Bb e F/A (funções III, VII, V/VI e VI). No segundo
período (compassos 130 a 133), encontram-se os acordes D, A/C# e D7/C (funções
IV, V/IV e, V/VII). O acorde G/B seguinte (compasso 133) é o pivô da modulação da
tonalidade de Lá menor para o retorno definitivo para a tonalidade de Dó maior. Na
tonalidade de Lá menor sua função é VII e na tonalidade de Dó maior sua função é
V. No terceiro período (compassos 134 a136), encontram-se os acordes F, C e G7
(funções IV, I e V).
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FIGURA 15. Compassos 126 a 136 da peça Zapateado que perfazem a décima
quinta seção estrutural.
A FIGURA 16 apresenta a seção final da peça se estendendo entre os
compassos 137 e 142 com os acordes C, G7, Bm7(b5), G, C, G7, G7, G/B, C, G, C e
C (funções I, V, vii°, V, I, V, I, V e I), ou seja, a peça se encerra em uma forte
cadência autêntica partindo do acorde G (função V) e chegando no acorde C (função
I).
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FIGURA 16. Compassos 137 a 142 da peça Zapateado que perfazem a seção
estrutural final.
O esquema modulatório tonal de toda a peça musical Zapateado de Paco de
Lucia possui uma complexidade estrutural tal que se faz necessária a ferramenta
analítica do mapa de tonalidades esboçado por Lerdahl (2001) da sua teoria do
espaço de alturas tonal. Esse mapa tonal oferece uma representação gráfica do
percurso modulatório a partir do qual se torna possível extrair propriedades
relevantes. A FIGURA 17 apresenta esse mapa (em sua versão bidimensional) no
qual as cifras representam as tonalidades: na direção vertical, elas estão dispostas
em relação de ciclo de quintas (por exemplo, acima e abaixo da tonalidade de Dó
maior, situam-se as tonalidades de Sol maior e de Fá maior, respectivamente); na
direção horizontal, elas estão dispostas de um lado e de outro com seus vizinhos
relativos e homônimos (por exemplo, à esquerda e à direita da tonalidade de Dó
maior, situam-se as tonalidades de Lá menor e de Dó menor). Em seus limites, o
lado superior do mapa coincide ponto a ponto com o lado inferior, bem como o lado
esquerdo do mapa coincide ponto a ponto com o lado direito. Assim, a figura
geométrica resultante é a de um torus quadridimensional de feição semelhante a um
donut. A partir dele, distâncias e percursos tonais podem ser inferidos.
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FIGURA 17. Mapa de tonalidades de Lerdahl composto verticalmente de ciclo de quintas e horizontalmente de vizinhos de terças menores e tonalidades homônimas.
A FIGURA 18 apresenta um extrato do mapa tonal de Lerdahl contendo as
“imediações” de regiões de tonalidades da peça Zapateado. As setas indicam as
modulações de tonalidade origem para tonalidade destino adjacente. Os números ao
lado das setas indicam a ordem de sucessão das modulações tonais. Parte-se de
Dó maior, atinge-se Sol maior, atinge-se Mi menor, atinge-se Si menor, retorna-se
para Mi menor, atinge-se Lá menor, atinge-se Dó maior, retorna-se para Lá menor,
atinge-se Ré menor, retorna-se para Lá menor, e retorna-se definitivamente para Dó
maior. Alinhadas verticalmente à esquerda estão dispostas todas as tonalidades
menores pelas quais a peça musical percorreu. Alinhadas verticalmente à direita
estão dispostas todas as tonalidades maiores pelas quais a peça percorreu.
Desconsiderando-se convenientemente as tonalidades de partida Dó maior e de
chegada Dó maior da peça toda, é possível notar que as três tonalidades
primeiramente exploradas Sol maior, Mi menor e Si menor estão agrupadas na parte
superior do mapa tonal, bem como que as três tonalidades exploradas em seguida
Lá menor, Dó maior e Ré menor estão agrupadas na parte inferior do mapa tonal.
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Além disso, tanto a tonalidade tônica Dó maior quanto a tonalidade dominante Sol
maior se desdobraram para seus respectivos vizinhos relativos Lá menor e Mi menor
situados à esquerda no mapa. Em seguida, por um lado, a tonalidade Mi menor se
desdobrou para a sua tonalidade dominante Si menor a uma quinta justa acima no
mapa, e por outro, a tonalidade Lá menor se desdobrou para a sua tonalidade
subdominante Ré menor a uma quinta justa abaixo no mapa. Essas propriedades
descritas demonstram coletivamente simetrias gráficas e geométricas, e por sua vez,
revelam também as simetrias tonais.
FIGURA 18. Figura extraída do mapa de Lerdahl, que representa os caminhos feitos entre todas as tonalidades da peça Zapateado.
A FIGURA 19 apresenta a relação entre a forma e a harmonia no nível
estrutural das tonalidades. A peça desdobra o modelo formal binário (global) do
compasso 1 ao compasso 142. A parte A (introdução; compassos 1-29) tem função
expositiva evoluindo o material tonal da tonalidade tônica (I) de Dó maior para o
conflito ou tensão tonal da tonalidade dominante (V) de Sol maior. A parte B
(compassos 30-142) tem função desenvolvimental resolvendo a longo prazo tal
tensão tonal por meio das sub-partes binário local (compassos 30-73) e rondó local
(compassos 74 a 132), bem como tem função conclusiva no fim (compassos 133-
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142) retornando à tonalidade de Dó maior e ao material melódico e rítmico do início.
Uma vez que o desenvolvimento também é feito através de modulações tonais
sucessivas, ele também possui função transitiva.
O binário local reflete em pequena escala estrutural o design formal global da
peça ao partir da tonalidade de Mi menor (sub-parte a; compassos 30-40) chegando
à tensão da tonalidade dominante correspondente Si menor e resolvendo a mesma
no retorno à tonalidade de Mi menor (sub-parte b; compassos 41-73). O rondó local
possui um status mais acentuado entre as demais sub-partes da parte B do binário
global porque ele repete o mesmo tema melódico através dos acordes Am, G, F e E
de funções i, VII, VI e V na tonalidade de Lá menor todas as vezes que retorna para
a tonalidade de Lá menor (sub-partes c; compassos 74-85, 90-103 e 122-132) após
alternar com as tonalidades Dó maior (sub-parte d; compassos 86-89) e Ré menor
(sub-parte e; compassos 104-121).
FORMA
BINÁRIO GLOBAL
PARTE A PARTE B
Introdução Binário Local Rondó Local Fim
a b c d c e c
HARMONIA
Sucessão de Tonalidades
C G Em Bm Em Am C Am Dm Am C
Plano Funcional-Tonal Local
I V v/vi v/v/vi v/vi vi III/vi vi iv/vi vi I
Plano Funcional-Tonal Global
I V v/vi vi I
compassos
1-
-24
25-
-29
30-
-40
41-
-69
70-
-73
74-
-85
86-
-89
90-
-103
104-
-121
122-
-132
133-
-142
FIGURA 19. Design harmônico-formal da peça musical Zapateado. Acima, em
Forma, tem-se o modelo formal binário global com a parte A constituindo a
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introdução e com a parte B constituindo as sub-partes de modelos formais
binário local e rondó local, bem como o fim. As sub-partes do binário local
estão rotuladas como a e b, bem como as sub-partes do rondó local estão
rotuladas como c, d, c, e, e c. Ao centro, em Harmonia, tem-se que as cifras
indicam a sucessão de tonalidades, bem como que os romanos indicam suas
correspondentes funções tonais nos planos schenkerianos funcionais-tonais
global e local. Abaixo, em compassos, tem-se a contagem dos compassos.
Ainda tendo como referência a FIGURA 19, em um plano funcional
schenkeriano (SCHENKER, 1979) específico para tonalidades em escala estrutural
local é possível representar as relações tonais das partes e sub-partes do design
formal geral da peça. Desse modo, a sucessão das tonalidades Dó maior, Sol maior,
Mi menor, Si menor, Mi menor, Lá menor, Dó maior, Lá menor, Ré menor, Lá menor
e Dó maior pode ser harmonicamente compreendida através das funções I, V, v/vi,
v/v/vi, v/vi, vi, III/vi, vi, iv/iv, vi e I. É relevante mencionar que a sub-parte d do rondó
local de tonalidade Dó maior é entendida nessa “rede tonal” como imediatamente
subalterna à tonalidade de Lá menor, e por essa razão sua função se revela como
III/vi e não como I. Em outro plano funcional-tonal de escala estrutural global as
relações mais subalternas são ignoradas, de modo que as relações tonais mais
importantes fiquem em destaque. Assim, por um lado, a parte A do binário global de
tonalidades de Dó maior e Sol maior tenciona o material harmônico da função I à
função V, respectivamente. Por outro, a parte B do binário global relaxa o material
harmônico da função v/vi, passando pela função vi e chegando de volta à função I.
Finalmente, é possível enunciar que a peça Zapateado do compositor-
violonista Paco de Lucia apresenta uma peça que se contrasta harmônica e
formalmente ao repertório flamenco tradicional. Se modulações tonais já não são
comuns na tradição flamenca, um esquema intrincado de relações tonais no nível
das tonalidades se torna ainda mais raro. Ademais, os métodos de análise a
propósito de relações harmônicas de Schoenberg (1969), de planos tonais macro- e
microestruturais de Schenker (1979), e de mapa para tonalidades de Lerdahl (2001)
se mostram eficazes para destrinçar peças de natureza modulatória.
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3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Biografias Y Vidas disponível em: (http://www.biografiasyvidas.com/) Acesso em: 25 de agosto de 2011. Carmen Romero dança flamenca disponível em: (http://www.carmenromero.com.br/) Acesso em: 25 de agosto de 2011. Lerdahl, F. (2001). Tonal Pitch Space.Oxford & New York : Oxford University Press. Shenker, H. . Free Composition: New musical theories and fantasies (vol.3).New
York : Longman,1979 Shoenberg, A. (1996). Fundamentos da composição musical. São Paulo: editora
UNESP. Shoenberg, A. (1969). Structural Functions of Harmony (revised edition). New York:
Norton & Company. Spigali, R. (2010). Análise Estrutural de El Tempul de Paco de Lucia.Ribeirão
Preto:UNAERP. Zanin, F.C. (2007). O violão flamenco e as formas musicais flamencas
R.cient/FAP.Curitiba.
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4. ANEXOS ANEXO 1: PARTITURA COMPLETA
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ANEXO 2: GRAVAÇÃO DA PEÇA