Alan Brandão - Ética Avaliação Escrita

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Trabalho sobre Ética kantiana e o conceito de Pessoa na Fil. Contemporânea

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  • Estudante: Alan Brando de Morais

    Filosofia - Licenciatura

    Disciplina: tica I-A

    Avaliao Escrita da Disciplina

    Questo nica: Do ponto de vista da tica, analise a questo da moralidade em

    detrimento do outro na obra O beijo no Asfalto de Nelson Rodrigues ou na

    obra O Estrangeiro de Camus.

    A alteridade um conceito fundamental da tica, pois, s existe postura tica na

    relao que desenvolvemos com o outro, uma vez que caracterstica peculiar da

    humanidade a vida em sociedade. Dessa forma, possvel extrair de obras no

    necessariamente filosficas lies que nos permitam compreender milhares de formas

    como a relao com o outro podem se manifestar, uma vez que a alteridade compreende

    um campo relacional onde devem ser consideradas as perspectivas subjetivas de si

    mesmo e do outro ao qual se remetem as aes morais.

    Neste quesito, o livro O Estrangeiro de Albert Camus contribui bastante para a

    compreenso filosfica de situaes de alteridade ao fornecer realce literrio para uma

    ocasio onde o sujeito deve encarar o dilema de estabelecer uma tica prpria, uma

    maneira autnoma e original de lidar com o mundo da vida, ou sucumbir ao tdio das

    posturas ticas pr-estabelecidas pela cultura compartilhada.

    O protagonista da histria, Mersault, um homem marcado na sua postura tica pela

    indiferena. Contudo, est no uma indiferena que se identifica no todo com falta de

    reconhecimento do outro. uma indiferena que se manifesta na completa falta de

    demonstrao de afetos, apesar de no sofrer de nenhum distrbio mental que impea a

    reflexo sobre estes afetos, como possvel observar na cena seguinte do segundo

    captulo do livro, quando o protagonista encontra na praia, a sua amante, Maria

    Cardona.

    Depois de vestidos, ficou admirada de me ver com uma gravata preta e perguntou-me se eu estava de luto. Disse-lhe que a minha me tinha morrido. Como queria saber havia quanto tempo, respondi-lher Morreu ontem. Esboou um movimento

    de recuo, mas no fez nenhuma observao. (CAMUS, p. 176)

  • Nessa cena possvel perceber a natureza da indiferena do Mersault. No dia seguinte

    ao enterro da me, estava na praia nutrindo desejos lascivos com a moa. Entretanto, a

    naturalidade com que se distingue dos julgamentos morais do mundo no o impede de

    perceber que suas posturas so estranhadas pelos outros. Mesmo na iminncia de

    reprimendas sociais, Mersault permanece no campo de deliberaes que lhe prprio e

    individual.

    Esta a lgica da tica do Absurdo aplicada ao ambiente literrio de O Estrangeiro.

    O narcisismo que envolve a postura solipsista de Mersault perante o mundo significa a

    meditao solitria daqueles que pretendem manter suas prprias convices em

    detrimentos das outras (e do outro).

    a postura de quem prefere estar diante da melanclica noite, que consente a

    concentrao, o ensimesmar-se, a compreenso completa de suas determinaes

    individuais em detrimento do Sol enquanto agente opressor que impem, pelo calor

    arrebatador e a luz estonteante, a projeo do sujeito concentrado em suas prprias

    determinaes para fora de si, obrigando-o a sair de si mesmo que a contragosto. O

    conjunto de respostas dadas pelo corpo e que afetam diretamente a racionalidade do

    Mersault so evidncias de um grande conflito que se d nessa subjetividade em querer

    permanecer na sua interioridade e quando este estmulo natural o obriga a projetar-se

    para fora do seu conforto, a ao tomada mostra-se absurda, sem coerncia com nada

    pensando anteriormente.

    A ardncia do sol queimava-me as faces e senti o suor amontoar-se nas minhas

    sobrancelhas. Era o mesmo sol do dia em que a minha me fora enterrada e, como ento, doa-me a testa, sobretudo a testa, e todas as suas veias batiam ao

    mesmo tempo debaixo da pele. Por causa desta queimadura que j no podia suportar mais, fiz um movimento para frente. Mas dei um passo, um s passo em frente. E desta vez, sem me levantar, o rabe tirou a navalha do bolso e mostrou-

    ma ao sol. A luz refletiu-se no ao e era como uma longa lmina faiscante que me atingisse a testa. No mesmo momento, o suor amontoado nas sobrancelhas

    correu-me de sbito pelas plpebras abaixo e cobriu-as com um vu morno e espesso (...). Pareceu-me que o cu se abria em toda a sua extenso, deixando tombar uma chuva de fogo. Todo o meu ser se retesou e cedeu, toquei na

    superfcie lisa da coronha e foi a, com um barulho ao mesmo tempo seco e ensurdecedor que tudo principiou. (CAMUS, p. 223)

    A indiferena racional do Mersault desafiada pelas foras da natureza, como fica bem

    claro na cena citada anteriormente. O sol escaldante o coloca numa situao em que a

  • sua indiferena sucumbe perante a luz e a fa lta de clareza nos acontecimentos,

    realizando o ato absurdo do assassinato do outro. Uma vez que o mundo s adquire

    sentido dentro de si mesmo, este o momento decisivo do Heri, o rito de passagem

    sobre o qual Mersault encararia na sua forma mais absoluta a presena do Outro na

    manifestao do rabe potencialmente ameaador. Contudo, a reflexo sobre os atos e

    os acontecimentos passa ao largo da historicidade prpria da relao entre Mesault, o

    sol e o rabe, caracterizando uma situao de absurdo sobre a qual a conscincia do ato

    feito se manifesta numa atitude ainda mais absurda com a qual Camus finaliza a

    primeira parte do livro.

    Compreendi que destrura o equilbrio do dia, o silncio excepcional de uma

    praia onde havia sido feliz. Voltei ento a disparar mais quatro vezes contra um corpo inerte, onde as balas se enterravam sem se dar por isso. E era como se batesse quatro breves pancadas, porta da desgraa. (CAMUS, p. 224)

    As balas finais confirmam o absurdo da tica de Mersault. Por falhar miseravelmente no

    Rito transmitido a ele enquanto sujeito racional pretende adquirir alguma compaixo de

    si mesmo ao alvejar o corpo inerte do rabe com quatro tiros para expurgar

    completamente a iniciativa das foras da natureza de lhe retirar do conforto da sua

    individualidade.

    Sendo assim, a relao entre Mersault e o rabe mostra-se o pice da relao com o

    outro presente na obra de Camus. O que pode ser considerado tica do Absurdo, e que

    principalmente na segunda parte do livro que tratar do julgamento de Mersault, a

    impossibilidade do ser humano viver na aporia entre negar a existncia do outro, da

    forma como Mersault tenazmente realiza durante toda a trajetria descrita e admitir que

    o outro necessrio para a formao da humanidade no homem, tendo em vista que

    apenas na manifestao tica, projeo de si para fora de si em forma de ao, possvel

    efetivar o que o ser humano possui de maior proximidade com o divino, a racionalidade

    nas melhores aes.

    Referncias Bibliogrficas:

    CAMUS, Albert. O Estrangeiro. Ed. Abril Cultural. 1979. So Paulo SP

    LEITE, Loureno. tica do Absurdo. 2004. Disponvel em

    https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/5582/1/ETICA%20DO%20ABSURDO-2012.pdf.

    Acesso em 08/04/2013