ainda - rl.art.br · a gota de chuva sobre o oceano não, não pode ser: a distância onde: o tempo...

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ainda danilo arnaldo briskievicz

1

danilo arnaldo briskievicz

ainda edicao do autor

belo horizonte - 2015

2

Ainda

pudesse viver mais um pouco para contar mais ainda outro

fiquemos por aqui: o posto deixemos ser assim: louco!

não pegar das horas, ainda deixar o tempo fluir, belo

a vida em cada canto do corpo sejamos conciliados: finda!

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Atalho a gota de chuva sobre o oceano não, não pode ser: a distância onde: o tempo passado os caminhos tantos até o absoluto? cortou tantos caminhos, gotinha chove, agora, na alma do mar

4

Queda a folha cai da árvore (em plena avenida amazonas em manhã tumultuada e nem percebi outro fenômeno próximo, apenas a nitidez da cena ficou impressa) entre alto e chão entre prisão e libertação entre verde e podridão entre o vento e a varrição a folha cai da árvore (espalhou em mim nobre sentimento de passagem em tudo ficando a vontade de ter mais tempo ainda para ver outra cena assim pura)

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Cuspido de ser fronteira limite cerca corpo tempo espaço não, eu não sei disto: estou cuspido de ser

6

Música para os ouvidos os olhos verdes de chico buarque arregalados captando o agudo negro sentimento de milton nascimento - perfeição musical

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Sobrou tempo confesso: sobrou tempo não fiz absolutamente nem relativamente, algo fiquei apenas à toa durante a tarde vendo me vendo me tendo em delírio de hora vaga vagando vagante e nada encontrei na agenda nos compromissos nas obrigações nada nada nada fiquei estarrecido em plena tarde eu apenas eu mesmo confesso: sobrou tempo

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Nada mal ser outra coisa outras tantas formas de encaixar a teia do real em minha olheira matinal outras tantas faces em se mostrar carecem na retina cega ancestral outras tantas noites para ser outra coisa tanta no luar marasmo universal eu sou tantas outras coisas não em mim agora estão talvez se eu pudesse ser emocional

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Nem o vento nem o vento pela janela do carro o mesmo vento forte nas palmeiras a pouco plantadas no boulevard arrudas (terão raízes já, na secura do concreto?) -nada me dá sentido na noite escura estou cercado de altos muros em mim postos pelas horas e pelas palavras as mesmas palavras frias de agora (terão fundamento ou serão engano?) -nada me devolve a alegria a madrugada é maior que eu não sou páreo para a noite nem mesmo para o dia: ser talvez seja uma vírgula entre rua e retorno para casa seus braços não me abraçam como antes e nem mesmo o vento sabe disso: não conto nem para mim prefiro o segredo da tristeza à leveza da palavra irritada: nada é eterno, nem o vento

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Alguma coisa voltasse o tempo para antes de alguma coisa acontecida em alguma instância distante seria eu ainda, o mesmo, sendo o ermo? vontade de ser do tempo, alguma coisa de absoluto do espaço alguma coisa de diminuto, bem enxuto mas sou apenas imagem de mim mesmo, sequência alguma coisa atrás de outra alguma coisa, sendo fazendo em mim alguma coisa incontrolada, falo apenas do que dentro se dá: não sou onipresente

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Aindismos ainda me falto de cima, embaixo tanto, que estalo ainda me caibo de pouco, encaixo talvez, que atalho ainda em saibro de piso, relaxo mesmo, que sábio

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Poema para esquecer que sofri a curva da noite deu na manhã, tardia como, ainda dia, e mesmo assim alma: ardia? a curva da noite deu na praia, arredia como, ainda fria e mesmo assim alma: sentia? sem dúvida nem nostalgia: erro de noite de dia dando em manhã em praia vazia

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Fora eu sou outra coisa tambor de bater e voltar som em espelho fuga de mim, se foi pensamento volátil som de dentro embolado pra fora estabanado fuga enfim, se vai pensamento incapaz imagem de ver e se rir, sério eu não sou dentro assim fuga atroz, eu parto pensamento pertinaz

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Telhado sou passado nem tanto errado apenas: pensado sou nublado nem tanto telhado apenas: angustiado

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Sentimentalidade não inventei a tristeza do dia encarcerada, nem podia o dia tem sua própria agilidade e nostalgia, põe em cada um o que cada um tem para servir-se em sentimentalidades

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( ) o silêncio nunca houve em mim, percebo a palavra-labirinto desde cedo, infante era no início o caos de vontades estranhas agora sei: a vontade é apenas uma palavra toda palavra começa na vontade e flui a ela sem medo de ser inconsequente: palavra flui de dentro da gente sem dor nem saudade agora sei: todo o tempo em mim é palavra todo ser em mim escrito posso descrever em palavra conjugada em gramática plena eu queria poder não ser palavra, apenas ( ) mas não: sou palavra para ser o que sou

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Enquanto enquanto, ainda fico, sustentado enquanto, língua, resto, falado enquanto, linda despe, voz enquanto, sina penso, nós enquanto, tudo quero, mundo enquanto, eu posso, surto enquanto, ainda fico, assustado enquanto, vivo, resto, enfadado

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Lua oculta a lua se mexe tanto em um ano até fazer aparecer o que oculta

19

Pudor a roupa me veste de pudor por vezes: minha nudez foi vestida totalmente embaraçada diante de outro corpo a roupa me enche de pudor toda vez: minha nudez é pensada na alma totalmente avessa à se revelar num corpo finito

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Se se entre o sol nascente e o sol poente, estou: ainda vivo se entre o dia quente e a noite fria, sou: ainda vivo

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Navegação navegação em si mesmo, tempo presente: eu mar enquanto a nuvem não chove debaixo, água singrar é meu destino e o do barco se estrela me confere orientação, tempo belo: eu avistar enquanto o sol derrete o tempo da areia, molho os olhos piscam ainda água, eu e o mar

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As coisas ainda não cheguei a lugar qualquer toda posição geográfica no mundo é passageira as coisas belas e feias passam

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Alegria toda alegria nunca é à toa venha de dia ou de noite no vento suave do barco ou no temporal do fim de tarde: eu sei ser feliz se primeiro alegre, dentro

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Eus não é profundo o verso ele é apenas imundo de mim mesmo ainda não é chocante o verso ele é apenas conjunto de todos eus ainda

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Quem quis fui eu quem quis fui eu, podendo querer hoje talvez queira menos, querendo o querer está em toda parte de mim do nascer ao por do sol

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Aquarela a nuvem não chovida passou e foi diluída virou aquarela de dia azul em são gonçalo do rio das pedras: tenho fé colorida na vida

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Se eu fosse o vento se eu fosse o vento, pintaria há tanta aquarela na natureza quando vejo a serra azul da infância -queria um quadro fixo em retrato se eu fosse o vento, tingiria há tanta forma bela na montanha que dá em vale que dá em cascata -queria um quadro puro em retrato

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Som e luz o som me vem e fica, se pensado habita agora, memória de outro dado a luz me vem e fixa, se pensada mora em mim, memória prensada

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Falésia não há falésia no contorno do tempo ele, liso, não se escala, ele escala em nós como quer, como deseja, como importa o tempo não tem ranhura, é exato não tem textura, é estado

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Cabelo claro, já foi mais claro por baixo, pensamento sempre dado cabelos, tê-los finitos em tamanho e cor sempre parcos

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Orelha a orelha não tem medo de ouvir o que tem que ouvir, filtrando até fazer chegar lá dentro o mundo-substância

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Ouvido ouvido tem forma de caracol quanto tempo uma gota de realidade leva para escorrer até o cérebro? talvez uma vida inteira

33

Couro cabeludo o couro cabeludo não é couro é pele cheia de pelos que dão em ventania sombra bizarra no chão: me assusto quando percebo que mesmo fixos os cabelos caem e vão pelo mundo: resta apenas o couro cabeludo em mim

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Testa na testa não há cicatriz de corte e ponto nada atesta a queda ou o vacilo dos corpos minha testa serve apenas para ser fronte onde sinto a consciência plena: sou em testa, fronte pensante

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Sobrancelha frágil é o tempo de ser sobrancelha indesejada, se mulher fixa e constante, se homem

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Cílios os cílios não sabem dos olhos somente quando o suor contorna cada auréola evitando o ardor eles cumprem sua função

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Olhos de tanto ver, vejo cada vez pior talvez seja para dentro, crescente necessário outro olhar: os olhos se cansam de ver coisas passando

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Maneira não vejo de outra forma apenas em lei de física não tenho outra maneira apenas a minha nota

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Nariz o nariz tem duas entradas de ar se uma fracassa a outra pode funcionar se as duas estão fechadas, pior pra quem deseja a todo custo respirar: abrir a boca em voz fanhosa

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Pelos os pelos do nariz crescem mais na idade adulta ficam rígidos com o rigor dos ares repetidos a natureza não perdoa a falta de renovação

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O dia o dia não dá nada nada mesmo, pronto eu me dou o que procuro tudo mesmo, pronto o dia não dá nada não foi feito pra isso

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Curva ocular a curva dos olhos descontrói o horizonte plano: nada é plano tudo é curva ocular

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Hoje depois de ontem o dia de hoje me foi herdado como natural mas sei que não passa de mentira: o dia de hoje é único e não se entrelaça com outros dias: a causalidade é uma gostosa e tola ilusão

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Ajuntamento houve uma gota para juntar com outra gota

para ser um rio houve outra gota junta com outra gota

para ser um mar o poder das coisas miúdas está no ajuntamento

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Vento o vento pela janela leva meu vapor para longe do meu corpo e vou pelo mundo das coisas em forma líquida e invisível

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Antes durante é o melhor instante depois, distante demais para ser como antes

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Foi para depois ... foi para depois: ainda sou agora o depois não é mais nada, então prefiro o vazio do que ainda será repleto de beleza, se acerta ou erra

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Metafísica em busca, se ausente, de mim, fora verdade: quando busco estou vazio mas se não busco jamais serei o drama da vida é o pensamento

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Enquanto é não sei das horas: minha alma não tem relógio ela não é parede, antes, difere do tempo instrumento minha alma tem tempo de felicidade alegria e sofrimento: tudo basta enquanto é

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Saída ainda é dinâmica do ser ainda vivo, pensante ainda é algo que pode ser mas ainda não foi ainda sou ainda buscando saída

51

Vírgula cair nesta vírgula incrível vazio entre dois sentidos longos e ficar no vácuo no longo paradeiro entre duas palavras distantes

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Mais do mesmo o contato com a tarde, aquela mesma intermitência entre coisas que não existem mais e teimam em aparecer em imagens oníricas o contato da lente com os olhos, aqueles já cansados de estabelecer relações de proximidade com o mundo em volta repetindo o contato febril com outro corpo, aquele suado entre tantos suores passageiros estabelecendo o adormecimento da paixão eis-me mais uma vez em dia de contatos com outros, com outras, como tantas vezes já fiz na vida: mais do mesmo

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Óculos é plural por trás da lente de cada óculo há o plural: os óculos são dois

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Monotonia tentava ver o dia com entusiasmo mas depois dos quarenta anos, repito tantas vezes o mesmo dia em mim: difícil ficar imune à monotonia

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Chuva a chuva da tarde ao final do dia em vida plena caiu sobre todos os temporais trazidos aos ouvidos pelo tempo ressuscitando a memória de outros telhados tantos telhados de outras casas onde vivi no mundo

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Hora lembrei-me: hora de um verso traçar a linha de cá pra lá de dentro pra fora de mim para o universo (eu sou também universo)

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Enquanto chove enquanto via a gota da chuva vir de longe visitar a terra a imaginação instalou outro quadro: infância eterna era quando o tempo outro fazia alegria pela janela de forma diversa da que agora me faz parar tudo na infância a chuva tem encantos tantos, outros muitos difícil dizer qual pulsa ainda na memória miúda sei apenas: há muitos anos vejo a chuva com saudade do que fui, não, do que sou de forma gotejante: múltiplo

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Ainda sua ausência estivesse ainda sentimento dentro poderia me deparar com ele? sim, mais uma vez veio o fim de tarde e sem lua para me dizer esperança lembrei-me de sua ausência aqui estivesse eu amargurado com a rotina esqueceria de seu sorriso? não, jamais me traria a ausência da voz ladeada por seus olhos nos meus lembrei-me de sua ausência aqui

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Vazio eterno os dias sem seus braços as horas sem suas palavras vazios eternos no tempo eu nunca fui eu mesmo assim o trânsito sem sua impaciência as pessoas tornadas generosas em sua aparente vontade de amar eu sempre fui o mesmo aqui

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Nós nunca mais ainda tenho eu mesmo apenas você não mais, tento relembrar nada vem: o nós nunca mais

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Este ainda ai, este ainda, dentro, passando sem passar vindo, lento em rio sem fim, não há mar ai, este sempre, fundo, lavando as roupas tido, amor, vive em mim, alma sempre louca vai de mim, pra longe, vai, parte em parto sai de dentro, ainda vive tão alegre, ato deixa a hora ser novidade, mas insiste, bem por vez queria passado, por vez tenho e tem mais força... não há borracha escolar forte tanto para apagar memória doida, eu lendo livro santo não há salvação depois do amor todo dado sei: não há fuga quando o lado é dentro, fato ao amor de amar sempre, vencido me posto não desagrado minha alma, o seu sempre pasto cultiva dor tola, vai, fica e remexe a memória um dia, ainda, acordo pleno pra outra história [por ora, resta esse ainda seu e meu]

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Aguardente a foice corta a cana no pé e tomba e desce ao chão, falece vira feixe, envelhece ou aguardente, aquece (alambique e homem) o homem cortador também falece, veja entre ele e sua história algo parece e tece cansaço e noite fria (ausência e chão)

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Tomara tomara, viva rio em mar, agora ou misturados sejam dois em um na ação de ser outra coisa depois da chuva

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Das roupas das roupas em corpo vestimenta, tempo: quanto? não sei, nem poderia, há na pele outra memória que se encaixa em outros movimentos de realidade enfim: as roupas não sei delas muito sei apenas o que serve: tampando, útil escondeu o tempo passando interiormente

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Nada sei pergunto para mim mesmo caverna em eco nada sabe

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Por agora por fortuito, eu mesmo sou por intuito, eu mesmo sei por fora sou tanta coisa por ora sou pessoa

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A natureza corrompe a palavra o tempo da gota de chuva elaborando-se em nuvem combinações eletroquímicas para depois cair em tantas e tantas a diversidade se confunde na chuva não há única gota há muitas gotas para ser chuva e assim a natureza corrompe a palavra

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Temporalidade o rosto de agora não é o mesmo de outro tempo morto: vivo sei por fato realidade cruel talvez tenho um rosto mutante fixo -incorrigível temporalidade

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Música o sofrimento é distração de esperança se fosse alegria talvez não houvesse canto as músicas são tão antepassadas à alma sem ontem não haveria fado nem angústia

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Sentido do meu tempo não importa quantas horas sejam o tempo interior não é tempo de relógio demarcando espaço nada disso! eu me recuso a ser ponteiros em tique taque vazio eu sou o sentido do meu tempo doido tempo de ser antes e depois tempo de ser tantos outros antes de ser definitivamente o que sou eu não fiz nada além do tempo o tempo apenas sabe-se meu quando vivo em interior de alma

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Momento decisivo

para Sebastião Salgado enquanto eu dialogo com as palavras outras se apagaram para sempre em versos sem sentido agora o agora é sempre momento decisivo enquanto eu fotografo os cenários outros se desfizeram eternamente em negativos do tempo afora

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Dois lados I em rolar de um lado para outro da cama procuro: um verso em dois lados em deixar o dia virar noite escura decifro: um verso tem dois lados

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Dois lados II de um lado, forte de outro lado, fraco o que junta além abraço

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Saxofone a nota final do dia é uma mistura fria entre cansaço monotonia ah, o dia! se vai sem nada demais muito menos alegria

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Luta ainda sou

ou ou ou não sei

hei hei hei do que passou tenho memória nada mais: hora de ontem ida é hora de agora sofrida ou saída para outra história

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Invenção eu inventava sonhos para não ter realidade ... eu inventava sonhos para não ter realidade o tempo inverteu a vida: em tanto realismo vivo o instante acordado sem milagre puro sou apenas o ainda entre o real e o ideal eu inventava sonhos para não ter realidade

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Onda O barulho da onda do mar na madrugada não é à toa. Nada no mar é à toa.

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Totalidade Feli(z)idade

ser feliz toda idade

totalidade

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Divã quem é você? interstício entre saber e não saber entendimento é apenas parte do ser outra é ainda velada, não tem por que então, quem é você?

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das vezes em que tarde se foi o sentimento perfeição, felicidade, amor foi na hora certa: não tenho como negar o que fica morto não me serve

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A chuva a chuva no verão pouco me serve: quente o corpo fogueia em brasas de sobe e desce não, a chuva serve para os lençóis freáticos a mim pouco ajuda: no verão me queimo todo

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Refinada magia do rio miudinho a curva do rio miudinho descendo a serra no fundo das casas que dão no antigo moinho no canto da praia da minha cidade eterna não cava barranco mais do que o necessário o que faz a profundidade do rio pequenino é outra coisa: o volume da água jorrando e se ajuntando depois da chuva há anos e eu olhando este ziguezague sou pleno mesmo agora distante da montanha funda em tempo outro de ser outra coisa tanta ainda sou em mim mistérios naturais: a infância é repleta de refinada magia

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Catolicismo matinal: domingo e segunda-feira se rolassem beatas depois da chuva seria de manhã após o amém da missa de cônego júlio em auxílio luxuoso de fijico nunca chuva tão forte: deus concede vida longa a quem de prece alimenta a manhã da alma (mesmo a alma matinal ser tão pouco sofredora) se viessem andorinhas em migração cansadas seria de manhã numa segunda-feira de aulas de irmã maria no colégio nossa senhora da conceição as freiras em azul e branco desceram em caridade a todos que procurassem por ela em pobreza alguma (mesmo o aluno mais pobre é rico de sabedoria)

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Imobilidade barroca a imobilidade dos santos nos altares sempre chamou-me a atenção: eu não sou assim apático às dores humanas não há milagre sem ação forte: credo! estáticos olhando para mim ou ao céu lançando clamores a deus criador distante esses santos em altares estão tão borrados outros descascam a pele e os olhos perdem o brilho... não há nada mais sem graça um santo em posição de milagre: tempo de ter esperança na mudança da vida pelo esotérico mistério da imobilidade

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Ainda o pôr do sol ainda vejo o pôr do sol pela beleza da santa rita pra quem não sabe: capela no alto do morro mais alto do mundo (menor que o pico do itambé, acredito) e puro futuro: o sol se vai pra ser outro amanhã e descansar nossas dores tão fundas o povo da minha cidade tem dialéticas radicais na alma desde sempre a beleza do pôr do sol é grandiosa hoje quando pelo mundo outro sóis vejo: nada se parece, nada mesmo

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Ler o mundo ler as palavras ajuntadinhas missão da primeira série do grupo: marlene miranda que o diga: letramento saber a gramática das orações missão da oitava série do ginásio: dona vilma que o diga: deciframento

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O solo da chuva a chuva precisa do solo para cair senão apenas continuará caindo universo afora o solo da chuva pode ser mar ou rio ou lagoa mas precisa findar caindo de fato, agora

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Os nobres da minha cidade viviam e sobreviviam apesar da pobreza da roupa escassa da mesa vazia fome: todo dia sobreviviam e viviam querendo nobreza uns catopês em fitas outros marujos em espada teatro barroco: artistas

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Invenção inventar a noite, ainda mesmo pacata, fria ainda quente: seja preciso criar algo

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Existência e pensamento as provas em papel da infância não se encontram visíveis mais não: elas se foram para outra localização distante e impossível o tempo dissolve os dados o pensamento resolve lembrar a prova nada mais prova antes, me causa outros danos

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As vozes da casa as vozes na casa inteira cabem no desejo de a ela retornar pela memória impressa no tempo da alma: tantos cômodos, meu deus! os sons estão gravados, basta querer direcionar-me para cada canto, ouço gritos, sussurros, roncos, ausências a alma sabe das coisas eternas e belas

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Respeito muito os museus queria guardar a memória num museu tal como eu a sinto dentro de mim: não caberia eu ainda tenho em mim a melhor forma de lembrar e só a mim essas lembranças dizem respeito respeito muito os museus

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Overdose overdose de café faz a tarde cheirosa excesso de quitanda faz a noite perfeita na minha cidade as drogas são outras: criança sabe o que bom, sempre

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Ainda restam coisas a fazer eu ainda não acabei de escrever o último capítulo: nem pensava eu ainda não deixei de lado a sublime emoção da arte eu ainda não sei aonde dará o último pôr do sol: se der eu ainda vivo e pulso e sinto isso basta: ainda sou

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Outra tarde depois que a noite for plena a tarde de agora será história ou apenas um lapso de tempo irrisório: pra mim, ainda cabe na memória mais que tempo há cheiro, há cor, há som há centenas de razões de ainda querer outra tarde

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Ainda bem apagar seu telefone da agenda não pode ser impossível, sei o coração apagou antes muito talvez tudo o quanto de você nada restou: ainda bem

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Saindo de mim saindo de mim ao mundo outro sentimento é transpiro s tola esperança do homem burguês liberado de seu cansaço matinal de trabalho apesar da vida dura sou ainda leve, pouca vez

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Basta de duas em duas horas eu penso na vida e basta: a vida fica destruída pelo tempo

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A coisa existente é outra coisa elipse eclipse clipes diferenças existem sempre tortura fratura fartura palavras são inexistentes

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Vagar de onda devagar se chega ao longe ao longe se chega se vagar a onda vaga e fica no mesmo lugar todos são iguais

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O espelho mente pra mim no rosto, meu rosto, tenho imagem ainda de mim mesmo ao espelho de qualquer espécie a imagem não sou eu de frente, invertido sou mas serve para designar identidade ao corpo por vez ou outra me confundo com a idade ela nem sempre representa o universo interior a face no espelho muda bem devagar, lentamente por isso acredito estar inteiro na imagem tola não: eu não estou a mesma imagem sempre o espelho mente para mim todos os dias

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Queira me ouvir, ainda e se for para voltar, eu volto sem medo de retornar, o tempo é feito pra frente e basta: ainda falta muito para o dia nascer e se for para restar, permaneço não tenho compromisso amanhã somente agora preciso: barulho ainda tem muita palavra para ser dita queira me ouvir

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DANILO ARNALDO BRISKIEVICZ

Nascido em Serro – MG em 1972. Filósofo, poeta, historiador e fotógrafo amador. Residente em Belo Horizonte tem como hobby a fotografia intuitiva e humanista. Professor em colégios e faculdades

privadas. Mestre em Filosofia pela UFMG. Todos os livros estão disponíveis para download gratuito no site oficial.

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Copyright by Danilo Arnaldo Briskievicz, 2015

Todos os direitos reservados. Permitida a cópia/citação, reprodução, distribuição, exibição, criação de obras derivadas desde que lhe sejam

atribuídos os devidos créditos do autor por escrito.

Imagens

Capa: Igreja de Capivari, Serro, 2015, do autor. Rosto: http://qbsster.deviantart.com/art/drop-brushes-by-Adija-and-Qbs-

109350137 Autor: Júlio Alessi

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