Post on 06-Feb-2018
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Agostinho: A Cidade de Deus
Autor: Svio Laet de Barros Campos. Bacharel-Licenciado e Ps-Graduado em Filosofia Pela Universidade Federal de Mato Grosso.
Introduo
Este artigo pretende trabalhar a teoria poltica agostiniana, a partir da sua teologia da
histria, consignada no De Civitate Dei. O principal objetivo propor um conspecto desta
obra, a fim de salientar que a religio crist no uma religio que sugira uma alienao do
mundo em que vivemos. Desenvolveremos a nossa temtica da seguinte forma. Antes de tudo,
apresentaremos uma concisa biografia da vida de Agostinho, que nos far ver como a histria
do nosso telogo cruzou-se com a de Roma. Aproveitando o ensejo, elencaremos as suas
principais obras, o que permitir que localizemos em que fase da vida de Agostinho surgiu
esta monumental obra, que levou dez anos para ser concluda. Depois, apresentaremos o
contexto histrico, bem como a motivao que deu origem ao De Civitate Dei. Em seguida,
tentaremos propor uma diviso do livro que ressalte o que, a nosso ver, o tema principal da
obra: mostrar que a esperana crist no foi a causa da queda do imprio romano; esta se deu,
ao contrrio, pela dissoluo dos costumes do povo. Por fim, passaremos s consideraes
finais deste trabalho.
O nosso texto bsico ser, evidentemente, o De Civitate Dei. Lanaremos mo da
traduo brasileira de Oscar Paes Lemes, editada pela Vozes em dois volumes. Recorreremos
ao clssico de tienne Gilson La Philosophie au Mon ge. De Scot rigne Guillaume
dOccam (1922), na verso modificada La Philosophie au Mon ge. Ds Origines
Patristiques la Fin du XIV de 1944. A traduo que seguiremos, no caso, ser a brasileira,
feita por Eduardo Brando e lanada pela editora Martins Fontes, em 1995: A Filosofia na
Idade Mdia.
Passemos s consideraes concernentes vida e obra de Agostinho.
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1. Vida1
Agostinho nasceu em 354, em Tagaste, na Numdia. Seu pai, Patrcio, era pago e s
veio a se converter no leito de morte. Sua me, Mnica, foi crist fervorosa e deu a Agostinho
os rudimentos da f. Agostinho fez seus primeiros estudos em Tagaste e Madauro; seu pai o
queria rtor. Em 371, transferiu-se para Cartago, onde se entregou a uma vida dissoluta.
Quando jovem, ligou-se a uma mulher, mantendo com ela relaes at 384. Em 372, nasceu
Adeodato, fruto desta relao. Adeodato veio a falecer em 390. Foi atravs de uma obra de
Ccero, Hortensius, hoje perdida, que Agostinho tomou gosto pela sabedoria filosfica. Ao
conhecer a seita dos maniqueus, foi seduzido por ela, pois lhe parecia ser uma religio
refinada, fundamentada apenas na razo e no em fbulas como pensava ser o caso da
religio de sua me, Mnica.
Lecionou retrica em Cartago, de 374 a 383; no fim deste perodo que comeou a se
desencantar com a seita dos maniqueus; sua doutrina, outrora consistente, agora se lhe
afigurava com muitas lacunas, sobretudo na cosmologia. Ao discutir com Fausto o maior
mestre maniqueu da poca completou-se a sua decepo; Fausto, constatou Agostinho, era
um homem de muito pouca cultura. No obstante o desencanto, Agostinho tinha ainda muitos
amigos na seita e, em sua estada em Roma [383], continuou a manter contato com os
maniqueus. No entanto, pouco depois veio a romper em definitivo com eles. E, uma vez
tendo-se desvencilhado definitivamente do maniquesmo, desorientado, Agostinho aderiu ao
ceticismo filosfico e, em 384, por recomendao de Smaco prefeito de Roma tornou-se
mestre de Retrica em Milo. Foi em Milo que o Doutor africano conheceu Ambrsio, que,
poca, era Arcebispo dessa cidade. Comeou a frequentar os sermes deste Bispo mais por
curiosidade e por um encanto despertado pela eloquncia de Ambrsio, que por qualquer
motivo religioso. Embora sendo Ambrsio um exegeta bblico, ele lanava mo de certos
conceitos oriundos do neoplatonismo. Desta feita, Agostinho comeou a notar que o
neoplatonismo era superior ao maniquesmo, alm de se adequar, em muitos pontos, prpria
doutrina crist. Na verdade, foi Mnlio Teodoro neoplatnico e cristo quem, em 386,
introduziu Agostinho nos tratados de Plotino. Simpliciano, sucessor de Ambrsio na ctedra
de Milo, despertou-o para a similitude entre as concepes neoplatnicas e a doutrina do 1 Nos dados biogrficos de Agostinho e na cronologia, seguimos: BERTHOLD, Altaner, SUTUIBER, Alfred. Patrologia: Vida e Obra dos Padres da Igreja. 3 ed. Trad. Monjas Beneditinas. Rev. Honrio Dalbosco. So Paulo: Paulus, 2004. p. 412 a 418.
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Logos exposta no Prlogo do Evangelho de So Joo. Exortado inmeras vezes por
Simpliciano a aderir f, Agostinho, certa feita, no jardim da sua casa, tendo a Bblia em
mos, ouviu uma voz de criana que lhe dizia: toma e l. Ao abrir a Bblia, caiu-lhe o texto
de Romanos 13, 13s. A partir de ento, se existiam ainda dvidas no seu esprito com respeito
probidade da religio crist, estas se dissiparam completamente. No ano de 386, renunciou
a ctedra e retirou-se para Cassiciacum. Na noite de Pscoa de 387, ao lado de seu amigo
Alpio, recebeu o Batismo, ministrado pelo prprio Ambrsio.
Aps estes acontecimentos, decide regressar frica. Na viagem de volta, sua me
que o havia acompanhado desde o incio, falece em stia. Agostinho retorna ento a Roma,
onde ainda se ocupa com alguns trabalhos literrios; contudo, em 388, regressa a Tagaste
para, com alguns amigos, recolher-se numa espcie de retiro monstico. Sua cincia e
piedade, bem como a sua converso radical, fizeram com que Valrio, que era Bispo de
Hipona consoante a vontade de todos os fiis o fizesse sacerdote por ocasio de uma visita
de Agostinho sua Igreja. Desta feita, Agostinho, que at ento se dedicava
preferencialmente filosofia, pe-se, doravante, a compor obras literrias voltadas para temas
teolgicos e para a catequese do povo de Deus. Com a morte de Valrio, em 395, Agostinho
foi aclamado pelo povo como seu sucessor no bispado de Hipona. Sua participao nas
controvrsias donatista e pelagiana foi fundamental para supresso destas heresias.
Agostinho morreu em 28 de agosto de 430, quando a cidade estava sendo sitiada pelos
vndalos.
Passemos a considerar a obra de Agostinho.
2. A Obra
Sua obra mais famosa, Confisses (399), foi redigida em treze livros. Como o prprio
nome j diz, trata-se de uma releitura da sua prpria vida luz da sua converso. Em se
tratada da dogmtica teolgica, no resta dvida que A Trindade (399-419), composta em
quinze livros, seja o seu registro mais significativo. Se pensarmos no aspecto das
controvrsias contra os heresiarcas, mxime os pelagianos, os Tratados sobre a Graa
mereceram-lhe da Igreja o ttulo de Doutor da Graa. J a perspectiva apologtica
mormente desenvolvida na sobeja obra A Cidade de Deus (416-427), consignada em vinte e
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dois tomos. Para uma iniciao ao seu pensamento filosfico, a referncia obrigatria
permanece sendo: O Livre- Arbtrio (388), em trs tomos. Tambm A Verdadeira Religio
(389-390) uma indicao neste campo.
Passemos anlise da Cidade de Deus.
2. A Cidade de Deus
A Cidade de Deus composta de vinte e dois livros e foi escrita num espao de dez
anos (416-427). O contexto imediato desta obra o da invaso de Roma por Alarico, rei dos
Visigodos, em 410. Todo o orbe conhecido foi abalado pela queda de Roma, e todos, mesmo
alguns cristos, culparam o cristianismo por esta ocorrncia. Segundo eles, o Deus de amor
dos cristos tinha-se mostrado incapaz de proteger o imprio. Destarte, a destruio de Roma
se lhes apresentava como sendo um castigo pelo fato de os romanos terem abandonado os
deuses da sua religio por causa do Deus dos cristos.2 Ora, a tarefa de Agostinho, que neste
tempo j era Bispo de Hipona, ser precisamente contrapor-se a esta ideia, a saber, de que o
Deus dos cristos seria o responsvel pela queda de Roma. F-lo- compondo uma obra que
ser um panegrico em defesa da religio crist. Foi assim que nasceu o De Civitate Dei.
prprio Agostinho quem no-lo afirma no prlogo da monumental obra, quando a dedica ao
seu dileto Marcelino:
Nesta obra, que estou escrevendo, conforme promessa minha, e te dedico, carssimo filho Marcelino, empreendo defend-la (a Cidade de Deus) contra estes homens que a seu divino fundador preferem as divindades. Trata-se de um trabalho imenso e rduo, mas conto com o auxlio de Deus.3
A obra se divide em vinte e dois livros, conforme j dissemos. Nos dez primeiros,
Agostinho tenta mostrar como o culto aos deuses no proporciona nem a felicidade temporal,
nem, tampouco, a felicidade eterna. Nos cinco primeiros livros acentua a inutilidade do culto 2 LEO, Emanuel Carneiro. F Crist e Histria. In: AGOSTINHO. A Cidade de Deus. 7 ed. Trad. Oscar Paes Lemes. Rio de Janeiro: Vozes, 2002. p. 17: Todos, cristos e no cristos, acusavam o Cristianismo: o Deus do amor e da caridade no serve para institucionalizar, isto , organizar e defender uma civilizao e uma cultura. 410 a demonstrao prtica da fraqueza poltica do Deus dos cristos. 3 AGOSTINHO. A Cidade de Deus. 7 ed. Trad. Oscar Paes Lemes. Rio de Janeiro: Vozes, 2002. Prlogo. p. 27.
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aos dolos para alcanar a felicidade terrena. A partir do livro sexto e at o dcimo, ressalta o
quanto frvolo cultuar os deuses esperando obter deles a felicidade eterna. Esta ordem, o
prprio