Post on 14-Aug-2020
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O título deste livro - e a palavra 'livro', no caso, já não é bem a que melhor o denota - é, de um lado, absolutamente fiel a um dos seus muitos objetivos: A marca e o logotipo brasileiros. Qualquer industrial, artesão, criador de coisas, comerciante, banqueiro, financista, barganhador, intermediador (de bens, benesses, serviços, relações) que se defrontar com a necessidade de ter a sua marca ou o seu logotipo, nele encontrará um repertório de informações tão rico e aliciante que, sem dúvida, sairá, depois de manuseá-lo e apreendê-lo, enriquecido de idéias
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para criar ou fazer criar ou escolher a sua marca ou o seu logotipo. Assim, o objetivo primeiro está aqui cabalmente cumprido.
Mas marca e logotipo têm história, forma, função, estrutura, inseridas na cultura. E o lado visual da cultura, se não é sensorialmente o predominante, é por certo dos mais relevantes, se bem que os sentidos continuem e continuarão a ser campo aberto ao conhecimento humano, como elos situacionais do vivente para consigo mesmo, do vivente para com o vivente, do vivente para com
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o não-vivente e, por extensão, de ser para com ser. Percamos uns minutos com relação às duas palavras
chaves deste livro. A base morfológica correspondente ao português
marca ocorre em quase todas as Hnguas germânicas; e, através do teutônico, deve ter sido cedo introduzida no românico, aparecendo, tanto em forma feminina quanto em masculina, como em ambas (como é o caso do português marca e marco, ademais de marcha, e sem contar seus cognatos), no francês, no provençal, no italiano,
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no espanhol, com sentidos que se irradiam entre 'sinal, signo, sinete, limite, moeda (porque 'marcada'), padrão, módulo, modelo, traço, càráter' e afins. Em português há documentação escrita, tardia embora, já a partir de 1179 e daí por diante com ocorrências nos diversos sentidos referidos. Mas o ligado mais diretamente à problemática deste livro, vale dizer, a 'marca comercial', não deve ser anterior ao século XVI, como se pode inferir da palavra inglesa correspondente, trade mark, cuja acepção se faz clara já por 1571, embora a forma fixa de composto só
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se documente por 1838. De outro lado, a palavra logotipo é de formação mo
derna, calcada sobre elementos gregos (lógos, 'palavra', e typos, 'impressão, marca') e tem sua origem inequivocamente estabelecida: foi forjada em 1816, em inglês, pelo conde Stanhope, citado da Typographia, de 1825, no Hansard's Parliamentary Debates, nos seguintes termos, por tradução: "Estimei oportuno forjar um novo par de caixotins compostos. . . introduzindo um conjunto novo de letras duplas, que denominei logotipos". Daí - dada
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a internacionalidade e motivação óbvia em línguas de cultura - a palavra passou para outras, sempre, de início, como termo de tipografia no sentido de 'tipo com uma palavra, ou duas ou mais letras, fundidas numa peça única'. Talvez a primeira dicionarização da palavra em português seja a da chamada 1o.a edição (1954) do dicionário originalmente do nosso compatrício Antônio de Morais Silva (cuja grande edição é de 1813), em que ocorre sob a forma logótipo- por requinte filológico postulado pela quantidade breve do y grego original, como
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nos casos de protótipo, genótipo, fenótipo, biótipo etc. Mas em tipografia, na linha consagrada para com monotipo e linotipo, parece que não há como contestar o paroxítono de logotipo. O que há é consignar o fato de que, do sentido original, a palavra logotipo tem hoje em dia, pelo menos no Brasil, uma aura semântica que se aproxima da de 'marca comercial', 'marca de fábrica', ou, mais ainda, de 'marca, sinal, símbolo, emblema, insígnia empresarial' e afins.
Estão, assim, perdidos os minutos solicitados para
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as palavras em causa, que poderiam ser horas ou dias. Fui, quanto pude, breve. E prossigamos.
Ora, se de um lado este livro, como dissemos, é absolutamente fiel a um dos seus objetivos, com ser, como é, catálogo racional e temático de marcas e logotipos brasileiros capaz de ministrar aos usuários um repertório riqurssimo de espécimes dessa natureza, vai ele, de outro lado, muito além disso, pois constitui sem favor uma preciosa iniciação à faculdade e ~rte de ver.
Houve e há uma tradição que crê os sentidos e os
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instintos - e entre eles os limites continuam operação de dificllima definição, em todos os ramos das blociências - como manifestações de vida biologicamente transmitidas, cujas potencialidades se atuallzam no curso da aventura própria de cada vida. e multo provável que haja ar um lastro de verdade. Mas é mais provável que haja ar apenas· um lastro de verdade, mas nAo a verdade. O homem, como ser sócio-histórico-cultural, faz-se a si mesmo. E faz-se a si mesmo porque, dentre muitos outros fazeres, faz cada vez mais humano o ouvir, o ver, o de-
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gustar, o olfatar, o tatear, o termar, o etcetrar- correndo o risco, assim, de também cada vez mais desfazer o humano que já tenha conquistado. Assim, o homem tem fatalmente de aprender tudo, desde o primeiro até o último momento do seu viver, aprender inclusive o morrer. E não há saber que se possa erguer e apreender sem confrontação, debate, dúvida, divergência, polêmica, ensaio, erro, obstinação, prova, contraprova, prática.
Ora, este livro 'organiza' o material, que se propôs documentar, segundo vários pontos de vista. De um lado,
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postula um tipo de 'leitura' - quero sobretudo dizer 'visura' ou 'vistura' - em que haja uma operação contrapontística: se as páginas pares são, em certas áreas, preferencialmente documentos visuais presentes, modernos, as páginas ímpares são preferencialmente documentos pretéritos, modernizados ou atualizados pelo contraponto. As raízes brotam e emergem na floração de hoje. Mas pedem mais estas páginas: pedem que o 'leitor' -ou 'visor' ou 'vistor' ou 'vedor' - acompanhe os aprofundamentos que se propõem sucessivamente, desde, por
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exemplo, uma página com uma quadrícula central apenas, até às seguintes, em que o tema quadricular - como num esquema de transformação do Bauhaus - se amplifica, se transfigura, se enriquece, se despoja, se barroquiza.
Creio dever aqui também ressaltar outra dentre as muitas sabedorias consumadas neste livro. A tecnologia gráfica e tipográfica - se posta em evidência nos seus mais requintados recursos - poderia ter feito dele uma obra de arte gráfica luxuosa, suntuária, até mesmo dila-
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pidatória: seria 'belo', mas seria irreal para o nosso meio, transformando-o em coisa de bibliófilo, o que não é defeito, mas é, até muitos pontos, coisa para os 'eleitos' da tribo. A sabedoria a que me refiro consistiu em fazê-lo realmente funcional e belo, mas com uma exemplar economia de meios, com recorrer a técnicas gráficas menos onerosas e nem por isso menos eficazes: consciência social.
O livro, assim, diagramado em ativa operação mental - e aqui o visual é, efetivamente, à Leonardo da Vinci, cosa mentale -, se torna um permanente desafio ao usuá-
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rio, propondo-lhe associações, oposições, conexões, correlações, dissociações, simplificações, atomizações, conglomerações, análises, sínteses, expansões, contrações, dispersões, compactações, com problemas que transcendem o teorético da Gestalt, do behavior, do abissal. i: uma
obra aberta, no melhor sentido didático, o de aprender sempre, de educar-se sempre, dentro ou sobretudo fora dos centros institucionalizados de instrução - as escolas, quaisquer que sejam os seus nomes: creche, maternal, pré-primário, primário, ginasial, colegial, técnica, atenau, vestibular, academia, superior, faculdade, universidade, colégio e o demais -, como na visão antecipatória de Ivan lllich.
Os textos que acompanham o material visual fervilham de proposições e insinuações, mas não se prendem rigidamente a um sistema de idéias ou de teorias fechado: são eles também, na sua concisão lapidar, convites à mentação, à pensação, à indagação, à pesquisa, à discussão individual (de si para si) ou colegiada (de vários para vários), permitindo hipóteses de trabalho das mais diversas e fecundas. Os campos da comunicação e da expressão, teórica e praticamente, se problematizam assim, compelindo a um pensar e um fazer experimentais de que velhos erros e novas luzes brotarão.
O poderoso escritor que é João Felrcio dos Santos*, com ter seu nome associado à co-autoria deste livro, deve ter-se sentido rejuvenescer dentro de um novo universo, já que o seu era o de um veterano campeão de outro, o verbal. E Wladimir Dias Pino**, na sua seriedade de um dos mais perspicazes pesquisadores do visual no Brasil, deve sentir-se feliz com esta realização, que encontrou nos editores .e gráficos Antonio da Costa Martins e Aparfcio Miranda , a benemérita compreensão de que aqui se feiçoou algo muito mais do que um catálogo de marcas e logotipos. Esse algo, este livro, deverá ser um vademécum para quantos estudantes haja no Brasil onde se estudarem, para valer, os problemas da comunicação e expressão visuais. Oxalá esse meu voto se confirme, para que venhamos a ter a enciclopédia do visual que Wladimir Dias Pino sonha - e pode - realizar.
Antonio Houalss Rio de Janeiro, 10 de julho de 1974
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