Post on 02-Dec-2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURíDICAS E ECONÔMICAS
INSTITUTO DE PÓS-GRADUAÇÃO
E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO - COPPEAD
Abertura à Participação em um Processo de Reestruturação
O caso Reduc
Mestrando: Dércio Santiago da Silva Júnior
Orientadora: ProfB. Anna Maria Campos
Rio de Janeiro 1996
ABERTURA À PARTICIPAÇÃO EM UM PROCESSO DE REESTRUTURAÇÃO: O CASO REDUC
Dérclo Santiago da Silva Júnior
Tese Submetida ao Corpo Docente do
COPPEAD - Instituto de Pós-Graduação
e Pesquisa em Administração - da
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessári
à obtenção do grau de Mestre em
Ciências (M. Sc.)
APROVADA POR:
�Cto ANNA MARIA CAMPOS
Presidente COPPEAD -UFRJ
A DE OLIVEIRA -EBAP
Rio de Janeiro, RJ - Brasil
março de 1996
ii
Ficha Catalográfica
SILVA JÚNIOR, Dércio Santiago da.
Abertura à participação em um processo de Reestruturação: o caso Reduc I Dércio Santiago da Silva Júnior. Rio de Janeiro: COPPEAD, 1 996.
XVII, 113 Is.
Dissertação - Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPEAO.
1. Reestruturação. 2. Poder. 3. PETROBRAs. 4. Reduc. 5. Tese (Mestr. - COPPEAD/UFRJ).
l. Titulo
iii
RESUMO
RESUMO DA TESE APRESENTADA AO COPPEADIUFRJ COMO PARTE
DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
EM CIÊNCIAS (M. Se.).
ABERTURA À PARTICIPAÇÃO EM UM PROCESSO DE
REESTRUTURAÇÃO: O CASO REDUC
Déreio Santiago da Silva Júnior março de 1996
Orientadora: Profa. Anna Maria Campos
o presente estudo visa analisar as motivações que levaram à adoção de um processo
participativo de reestruturação em um sistema de poder fechado. Seu principal objetivo é
iluminar o fluxo de desejos e motivações encoberto pelo discurso institucional de aumento de
eficiência e de eficácia. O caso analisado foi o da Refinaria Duque de Caxias, unidade
industrial da PETROBRÁS, situada no Estado do Rio de Janeiro.
As conclusões sugerem que a aplicação de um processo de reestruturação em um
sistema de poder fechado não gera resultados como re-racionalizador do processo. Sugerem
também a existência de um outro efeito associável ao processo: a acomodação de tensões na
estrutura de poder.
iv
ABSTRACT
RESUMO DA TESE APRESENTADA AO COPPEADIUFRJ COMO PARTE
DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
EM ciêNCIAS (M. Se.).
ABERTURA À PARTICIPAÇÃO EM UM PROCESSO DE REESTRUTURAÇÃO: O CASO REDUC
Déreio Santiago da Silva Júnior março de 1996
Orientadora: Profa• Anna Maria Campos
The present study aims to analyze the motives that have let to the adoption of a
participative process in the closed system of power, Its main purpose is to illuminate the flow of
wishes hidden by the institutional speech of increasing efticiency and efticacy, the case studied
has been that of the Duque de Caxias Refinery, a PETROBRAs industrial unit, p/aced in Rio de
Janeiro, Brazil.
Conclusions suggest that the application of a restructuring process in a c/osed system
power does not result in a rationalization of the processo It is also suggested the existence
another eftect assotiable to the process: the accommodation of tensions In the power structure.
v
atrás de toda razão se esconde um desejo . . .
vi
Agradecimentos
Agradecer a todos que colaboraram para o atingimento deste objetivo
é uma tarefa impossível. A substituição de qualquer dos colaboradores, ainda
que não inviabilizasse, tornaria o trabalho uma obra diferente da atual. Assim
agradeço a todos que de algum modo ajudaram na confecção do todo.
Agradecimentos especiais porém à amiga e professora Anna Maria
Campos, que me mostrou que um fluido pode ter forma: a forma do vaso; e ao
também amigo e professor José Eduardo Teixeira Leite, na companhia de
quem a gênese da idéia floresceu e ocupou seu espaço. Colaboraram
fortemente para fermentar o bolo dois caros amigos, Jorge Ávila e Marco
Aurélio. Também foi de inestimável valor a generosa disponibilidade do amigo
Ricardo Luis, nessa estrada comigo há muitos anos.
No campo profissional, duas pessoas devem ser nominalmente
destacadas: o meu amigo e ex-chefe, o idealista teimoso que acreditou em
mim antes que eu pudesse fazê-lo, Jefferson Santos, e Luis Cesar Sampaio,
que há quatro anos atrás, apesar de ser para mim somente um nome no
organograma da empresa, possibilitou, no uso da sua posição h ierárquica, a
manutenção do vínculo entre mim e a PETROBRÁS.
Ainda no campo institucional, agradecimentos ao pessoal da Funcação
Estudar, cujo belo trabalho viabilizou minha permanência no programa de
intercâmbio.
vü
Nel período di scambio in /talia, un grupo di amici si e messo d'impegno
per farmi la vita piu confortevole e il tempo piu sfrutato. Sono loro: Adriana
Castelli, Fanty Benvenuto, Simona Tripoli e Uno Dimartino. A tutti loro, tante
grazie. Grazie também à carioca que possibilitou o primeiro contato com eles,
m inha amiga Cristina.
Por fim, but not least, agradecimentos a uma pequena lista de pessoas
especiais, que convivem regularmente comigo e cuja influência se faz sentir
em tudo que eu faça: minhas amigas Cláudia, Desirée e Ana Letícia, meus
irmãos, Marcello e Patrícia e meus pais, Dércio e Arlene.
viii
índice
1.INTRODUCÃO
1.1 o PROBLEMA
1.2 A QUESTÃO
1.3 A ORGANrzAçÃO EM ESTUDO
1.4 O MÉTODO
1.5 As LIMITAÇÕES
1.6 A ESTRUTURA DO TRABALHO
2. AS POSSIBILIDADES ESTRUTURAIS
2.1 ESTRUTURA SIMPLES
2.2 BUROCRACIA MÁQUINA
2.3 BUROCRACIA PROFISSIONAL
2.4 ESTRUTURA DrvrsIONALlZADA
2.5 ADHOCRACrA
3. A ATUACÃO DOS FATORES CONTINGENTES
3.1 IDADE
3.2 TAMANHO
3.3 SrsTEMA TÉCNICO
3.4 AMBIENTE
3.4.1 Os QUAlRO AMBIENTES DA ORGANIZAÇÃO
3.5 PODER
1
1
3
5
6
7
8
9
11
12
12
13
14
16
18
19
23
28
31
35
ix
4. A OUESTÃO DO PODER
4.1 A QUESTÃO Do PODER
4.2 T IPOS DE DoMINAÇÃO
4.3 A ORGANIZAÇÃO CARTESIANA
4.4 O PODER NAS ORGANIZAÇÕES
5. POSSÍVEIS CONFIGURACÕES DE PODER
5.1 ORGANIZAÇÃO INSTRUMENTAL OU INSTRUMENTO
5.2 ORGANIZAÇÃO SISTEMA FECHADO
5.3 ORGANIZAÇÃO AUTOCRÁTICA
5.4 ORGANIZAÇÃO MISSIONÁRIA
5.5 ORGANIZAÇÃO MERITOCRÁTICA
5.6 ORGANIZAÇÃO ARENA POLíTICA
6. A IDÉIA DE REESTRUTlJRACÃO
6.1 U MA IDÉIA DE VALOR: A TEORIA DO AGENTE
6.2 As OpÇÕES DE REESTRUTURAÇÃO
7. A METODOLOGIA DE AVALIACÃO
7.1 POSSmILIDADES DE AVALIAÇÃO
7.1.1 A Avaliação Objetiva
7.1.2 A Avaliação Subjetiva
7.2 O MÉTODO HERMENtUTICO-DIALÉTICO
7.3 A METODOLOGIA DA PESQillSA DE CAMPO
38
38
40
41
44
49
55
55
56
56
57
58
59
61
64
66
66
67
68
69
75
x
8. APRESENTACÃO E ANÁLISE DOS DADOS 79
8.10 RELATO FACTUAL 79
8.1.1 As ESTRUTURAS 79
8.1.2 Os FATOS HISTóRICOS 81
8.2 REsULTADOS G ERAIS 82
8.3 REsULTADOS LIGADOS À QUESTÃO-G UIA 84
8.3.1 AS MOTIVAÇÕES DO AGENTE DEFLAGRADOR 84
8.3.2 A REAÇÃO DA LINHA MlIDlA 89
8.3.3 O ANDAMENTO DO PROCESSO 90
8.3.4 O AGENTE DEFLAGRADOR COMEÇA A ENCERRAR O PROCESSO 94
8.3.5 O Novo NÚMERO 1 95
8.3.6 A FORÇA DA ALTA G�CIA MlIDIA 96
8.3.7 A F1NAUZAÇÃO DO PROCESSO 98
8.3.8 RESULTADO 100
9. CONCLUSÕES E RECOMENDACÕES 103
BIBLIOGRAFIA 106
ANEXO 1 111
xi
1. Introdução
1.1 o PROBLEMA
Definir o problema é tarefa fundamental de quem decide escrever uma
monografia de mestrado. E talvez a mais difícil. No meu caso particular um
foco inicial, ainda que amplo, estava definido por acordo com o meu
empregador quando da liberação para o mestrado. Eu deveria escrever sobre
"assunto de relevante interesse para empresa", abordando particularmente o
processo de reestruturação organizacional por que passava a unidade na qual
era (e ainda sou) lotado: a Refinaria Duque de Caxias, Reduc, uma das
principais unidades industriais da PETROBRÁS.
Porém, as abordagens possíveiS a um processo de reestruturação são
m uitas. E, entre tantos fios da meada, qual deveria escolher? O processo de
escolha levou em consideração inquietações originadas em aproximadamente
seis anos de serviço entre os quadros daquela organização, realçadas e
desenvolvidas ao longo de mais de dois anos de cursos e discussões no
COPPEAD.
Os programas de reestruturação e de reorganização administrativa têm
estado cada vez mais "em moda", fruto da busca, por parte do sistema
produtivista como um todo, por melhorias contínuas nos índices de eficácia e
eficiência das organizações.
O Brasil se manteve, nas últimas décadas, bastante alheio à
necessidade da melhoria contínua de tais índices, em virtude de pesadas
1
barreiras alfandegárias que protegeram as suas indústrias da predatória
competição internacional. Ao mesmo tempo em que tal proteção perm itiu certa
"tranquilidade" em relação à eficácia e eficiência, foi fundamental para a
criação do espaço onde uma indústria nacional pudesse crescer e adquirir
"massa crítica".
Passando ao largo das discussões de timing, que não pertencem ao
escopo deste trabalho, o fato é que, no momento atual, a economia brasileira
se abre à competição internacional e torna premente a busca pelas indústrias
de melhor desempenho, sob pena de morte organizacional.
Esta pressão foi exercida rio primeiro momento sobre as empresas
privadas, forçando-as a uma revisão generalizada em seus métodos e
procedimentos e "selecionando" apenas as capazes de adaptar-se à nova
realidade continuamente mais "exigente".
o passar do tempo, porém, tornou claro que também as empresas
estatais, tradicional meio-de-caminho entre a pretensa eficiência do privado e
a decantada ineficiência do público, se veriam forçadas a reagir, aderindo a
um discurso pró-ativo no que tange às mudanças pela busca de eficiência e de
eficácia. O conjunto da sociedade, cooptado pela idéia de desempenho,
passou a cobrar melhorias no setor público.
Nesta conjuntura estava formado um campo fértil para o crescimento
das recém importadas "sementes mágicas", métodos definitivos de solução da
ineficiência crônica, concebidos, testados e aprovados nas maiores e mais
bem sucedidas economias do mundo.
2
Curiosamente cada método de solução definitiva era sucedido por
outro, também definitivo, ainda "mais total" que o anterior, num desfile
interminável de nomes: Gerência Por Objetivos (GPO), Total Quality Control
(TOC), Reengenharia, etc. Observação mais cuidadosa desses métodos
mostra uma interessante característica em comum: a aplicação (ou re
aplicação) do método cartesiano, "disfarçado" em "novas" categorias
pretendendo explicar e corrigir todos os problemas cientificamente, com pouca
(ou nenhuma) atenção à componente autor, parte indissociável dos atores
organizacionais.
Interessantemente, o método de análise e síntese consegue realmente
resultados. Ainda que não perenes, vis-à-vis a constante necessidade de sua
re-aplicação sob nomes diversos, os resultados são possíveis (e sensíveis) se
a apl icação do método é razoavelmente bem contextualizada.
1.2 A QUESTÃO
A PETROBRÁS, inserida neste contexto, movimenta-se na direção de
fazer uma reestruturação interna, criando uma secretaria com esta função
específica, ao nível da diretoria da empresa. Essa ação, naturalmente,
despertou inquietações que perpassavam toda a estrutura da companhia. Logo
se assistiu ao aparecimento de programas de reestruturação locais, ao nível
de departamentos e até mesmo de unidades operacionais, sempre no sentido
de colaborar com a reestruturação maior, cujo estudo estava em curso nos
altos escalões da organização, "adiantando" o andamento do trabalho e
somando aos valores e objetivos institucionais uma visão das peculiaridades
locais.
3
Particularmente no departamento onde são lotadas as unidades de
refino uma movimentação política tornou mais interessante, quase necessária,
a adoção de programas de reorganização administrativa das unidades
industriais.
Além deste pano de fundo, são cores locais características da Reduc:
uma situação de distribuição de poder especialmente desconfortável,
exacerbação daquela que é definida por Mintzberg (1 983) como um "sistema
fechado" e a presença em passado recente de longa greve isolada, que deixou
como sequela péssimo relacionamento entre "gerentes" e "colaboradores".
Assim, a Reduc decide engajar-se em um processo de reestruturação
e convoca entre os seus quadros, em todos os níveis hierárquicos, aqueles
que quisessem ser voluntários para participar de uma longa discussão sobre
como estava a Refinaria e como gostaríamos que ela estivesse no futuro.
A questão-guia que norteia este esforço de pesquisa pode então ser
formulada desse modo: uma vez que os processos de reestruturação
organizacional são re-aplicações do método analítico/sintético cartesiano,
porque na Reduc optou-se por discuti-los com as partes envolvidas?
Para responder a tal questão foram desenvolvidos dois esforços: (a)
desenvolvimento de um modelo conceptual capaz de explicar os fatos
históricos que se relacionam à reestruturação da Reduc; (b) desenvolvimento
de pesquisa de campo junto a atores participantes do processo de
reestruturação para, a partir de suas percepções, entender a opção pela forma
. participativa.
4
A pesquisa me fez ver que decisões relativas a reestruturação, no caso
particular de organizações configuradas como um sistema de poder fechado
(e.g. mega-organizações, empresas estatais e o próprio Estado), demandam a
consideração de outros fatores, como os interesses e as motivações de
indivíduos ou grupos internos, apesar de os processos top-down serem a
indicação lógica.
1 .3 A ORGANIZAÇÃO EM ESTUDO
A Refinaria Duque de Caxias - Reduc - é uma unidade industrial da
PETROBRÁS, uma das maiores empresas brasileiras, cujo controle acionário
pertence ao Governo Federal, detentor de mais de 51% do capital votante. A
empresa se constitui então no instrumento da União no exercício constitucional
do monopólio do petróleo.
O ramo de atividades da empresa se caracteriza como maduro, com
baixa possibilidade de solavancos no ambiente. Além disso, existe toda uma
estrutura mundial para evitar descontinuidades no setor petrolífero,
considerado estratégico pela maioria das grandes nações do mundo.
Do ponto de vista de controles externos, a PETROBRÁS soma à sua
condição de monopolista de mercado uma carteira de fornecedores
adequadamente pulverizados e incapazes de formar uma unidade de pressão.
O acionista controlador, por sua vez, não tem um posicionamento estável em
relação aos objetivos da organização e estes mudam periodicamente, ao sabor
da conjuntura.
5
Ao longo da pesquisa uma forte campanha de mídia esteve em curso
para romper as situações de monopólio e propriedade estatal ,
contrabalançada por movimentos nacionalistas. Estes movimentos, ainda que
não tão fortes quanto a mídia, têm conseguido diminuir a eficácia da pressão.
Apesar de ser parte da PETROBRÁS, a Reduc foi considerada para
fins desta análise uma organização de per si. Trata·se de uma indústria de
grande porte, com processo produtivo contínuo e muita estabilidade do
portfolio de produtos, já tendo superado o crescimento acelerado e a
instabilidade associados ao início de um empreendimento. A tecnologia de
produção é antiga e amplamente conhecida, comportando somente melhorias
e otimizações marginais.
Tendo identificado e situado a organização em estudo, o passo
seguinte é discutir que fatores explicam determinada estrutura para, com base
nesse referencial, situar a estrutura esperada para a Reduc.
1 .4 O MÉTODO
Para fornecer o ponto de partida para a viagem especulativa usei o
referencial teórico do professor Henry Mintzberg, apresentado na segunda
parte deste texto, capítulos 2, 3 e 5, onde mostro os motivos para a formação
de uma particular estrutura organizacional e discuto as configurações de
poder, suas origens e possibilidades. Tal referencial teórico me parece mais
adequado em função de contemplar, num mesmo modelo explicativo, a
formação de estruturas e os "atores" (internos e externos à organização)
envolvidos no "jogo do poder".
6
A pesquisa de campo foi realizada no universo da Refinaria, e a
amostra selecionada buscou atender a dois critérios: (a) que fossem
contempladas opiniões de todos os níveis hierárquicos (b) que fossem
consideradas as opiniões dos contentes e dos descontentes com o resultado.
A coleta de dados observou o método hermenêutico-dialético, pela sua
particular adequação ao tipo de problema. O instrumento principal de coleta de
dados foi entrevista com roteiro semi-estruturado, que se sofisticava ao longo
do próprio processo.
Além das entrevistas formais, subsidiaram este trabalho os
documentos publicados pela Reduc e, dada a minha condição de observador
participante, infinitas "conversas de corredor" onde quase sempre as pessoas
se sentiam mais à vontade para exprimir livremente suas opiniões.
1 .5 As LIMITAÇÕES
Encabeça a lista de limitações a minha condição simultânea de
funcionário e pesquisador, que me abriu algumas portas mas fechou outras.
Paralelo a isso, ao mesmo tempo em que eu colhia opiniões, participava das
fases finais do processo observado e o influenciava, visto que trazia em cada
palavra ou comentário, o respaldo e o peso da minha recente imersão na área
acadêmica.
Além dessas limitações, existem aquelas inerentes ao modelo teórico
utilizado. Como todo modelo, o escolhido também implica uma redução da
realidade às variáveis por ele contempladas que foram, naturalmente, as
únicas "trabalhadas".
7
Por último vale a pena mencionar as lim itações práticas, como a
inevitável finitude de recursos, sobretudo o tempo, o que torna o trabalho não
exaustivo e impede qualquer pretensão de formular uma teoria a respeito do
assunto. Aliás, a bem da verdade, o resultado traduz mais dúvidas que
certezas. Ainda assim, ficarei muito satisfeito em despertar a atenção do leitor
para o assunto e, quem sabe, provocar tanto, que estimule a criação de uma
linha de pesquisa mais longa e mais sistemática.
1.6 A ESTRUTURA DO TRABALHO
o trabalho será dividido em nove capítulos, contando esta introdução,
seguidos da bibliografia e dos anexos. O desenvolvimento, por sua vez, será
desdobrado em três partes: a primeira parte, FUNDAMENTOS TEÓRICOS,
contempla cinco capítulos: 2 - POSSIBILIDADES ESTRUTURAIS, 3 - A ATUAÇÃO DOS
FATORES CONTINGENTES, 4 - A QUESTÃO DO PODER, 5 - As CONFIGURAÇÕES DO
PODER e 6 - A IDÉIA DE REESTRUTURAÇÃO.
Na segunda parte, METODOLOGIA, descrevo em um único capítulo as
possibilidades de avaliação, o método hermenêutico·dialético e a metodologia
usada na pesquisa de campo.
A terceira, consiste na apresentação dos resultados e análise. Nesta
se misturam fatos históricos, percepções dos entrevistados e especulações
permitidas pelo estudo teórico.
8
2. As Possibilidades Estruturais
Historicamente, ao longo das transformações do processo produtivo, o
trabalho individual do artífice foi cedendo lugar ao trabalho coletivo. No
começo, os grupos de trabalho eram bastante pequenos e formados por
aprendizes. Todo o trabalho era da mesma "natureza" e o artífice podia, do seu
posto no "centro"1 do processo de produção, controlar/decidir todas as
situações.
Do mesmo modo, no começo do "mundo das organizações" os
pequenos empreendimentos podiam, apesar de terem tarefas de naturezas
diversas, ser controlados do "centro". A figura do dono/empreendedor podia
estar presente em toda a organização, alinhando continuamente os objetivos
com o seu olhar.
Quando as organizações continuaram a crescer e o "dono" tornou-se
uma figura distante e não visível, o problema de alinhar os interesses de cada
decisor individual, para cada tarefa específica, tornou-se muito complicado.
Para contornar, ou minorar, esse problema foram propostos sistemas de
delegação do poder de decisão, controlados por sistemas de influência, que se
sofisticaram e se formalizaram mais e mais com o passar do tempo.
Assim, pode-se defin ir ESTRlITURA como um sistema de delegação do
poder de decidir acompanhado de um sistema realimentativo de controle de
1 A palavra "centro' é usada aqui para indicar a posição de onde se nucleia o poder formal. É o equivalente à posição '�opo' numa burocracia tradicional.
9
decisão. Esse sistema pode apresentar variados graus de formalização, de
delegação e de controle. A combinação das possibilidades define as diversas
estruturas.
No seu compêndio sobre estruturas organizacionais, Mintzberg usa
como definição de estrutura, "o conjunto total de caminhos pelos quais a
organização divide o seu trabalho em diversas tarefas e provê coordenação
entre elas" (Mintzberg 1 979 pg. 2).
Na mesma obra, o autor propõe uma classificação dos tipos de
estruturas, fundamentada na maneira como se organizam os "caminhos" e
"delegações". Tal classificação permite a visão geral das possibilidades
estruturais. Sua descrição será o propÓSito deste capítulo.
Para compreender a classificação das estruturas convém primeiro
dividir a organização em partes, nomeá-Ias e definí-Ias. Mintzberg divide a
organização em cinco partes principais: ápice estratégico - a "cúpula" da
organização, lugar do dirigente máximo e da diretoria; núcleo operacional -
grupo hierarquicamente mais baixo, os "executantes"; linha média - composta
pelos diversos níveis gerenciais entre o ápice estratégico e o núcleo
operacional; tecnoestrutura - grupo destinado a analisar e rever continuamente
os procedimentos e funcionamentos da organização; e o grupo não ligado
diretamente à atividade fim da organização: o staff de apoio.
Tais partes estão presentes em qualquer estrutura organizacional,
tendo sua importância aumentada ou minorada conforme a configuração
estrutural prevalecente.
10
Definidas as partes passo à definição dos tipos ideais de estruturas, ou
seja, representações que exacerbam uma determinada característica para fins
de análise, sem contudo pretender descrever organizações reais.
Organizações reais são compostas de partes de todos os tipos, sendo que um
prevalece e dá o "tom" geral do funcionamento do conjunto.
A seguir é apresentada a tipologia construída por Mintzberg a partir
dos tipos ideais.
2.1 ESTRUruRA SIMPLES .
A estrutura simples é a que se forma de modo "quase" espontâneo em
uma organização nascente. A idéia de nascente não comporta organizações
que por ação dos grandes grupos de capital já nascem grandes. O termo
"nascente" se aplica ao conjunto de passos de um empreendedor que agrega à
uma boa idéia, muitos sonhos, vontade ilimitada de trabalhar e pouco capital.
A estrutura simples é típica de organizações jovens e pequenas,
inseridas num ambiente simples e dinâmico, eventualmente hostil. Tais
condições, somadas à possibilidade de um modus operandi não sofisticado,
permitem O · nascimento/crescimento apoiado num conjunto peculiar de
idéias/habilidades. A coordenação. se desenvolve principalmente pela
supervisão direta do trabalho dos executantes. A parte principal dessa
organização centralizada e orgânica é o executivo. Caracteristicamente o
empreendedor/criador supervisiona direta ou quase diretamente todas as
tarefas.
1 1
2.2 BUROCRACIA MÁQUINA
Com o passar do tempo o crescimento tira do empreendedor a
possibilidade de continuar a supervisionar "pessoalmente" todas as atividades
desenvolvidas na organização. Quando finalmente a organização consegue o
seu espaço, surge necessidade de alterar o mecanismo de coordenação: da
supervisão direta para a padronização dos procedimentos de trabalho. Tal
padronização consiste no desenvolvimento de regras e normas que em seu
conjunto balizam as decisões cotidianas, limitando o espaço de decisão de
cada nível. Todas as decisões não previstas e/ou "fora de alçada" são
obrigatoriamente remetidas ao nível hierárquico imediatamente superior.
A definição clara dos espaços de atuação, tanto na direção "horizontal"
- especialização - quanto na "vertical" - hierarquia - só é possível quando o
produto e seu processo de fabricação são bem conhecidos. Tal delim itação de
espaços provoca o aparecimento de um certo "jargão", que cria a preferência
por relações pessoais com indivíduos da mesma área. Essa preferência, os
ganhos de escala possíveis e o processo de produção "mecanizável", em
conjunto, induzem à adoção típica da departamentalização funcional.
A padronização dos procedimentos de trabalho, se estende por toda a
organização e torna especialmente importante a parte da mesma onde são
formalizados estes procedimentos, chamada por Mintzberg de tecnoestrutura.
2.3 BUROCRACIA PROFISSIONAL
No chamado ambiente complexo a natureza da tarefa depende de tal
modo do operador que não permite o estabelecimento de procedimentos
12
formalizados. A necessidade imposta pelo cotidiano é de tal maneira variada
que exige do operador capacidade de fazer escolhas baseado num conjunto
complexo de variáveis. A dinâmica do processo leva à escolhas discricionárias
também ancoradas em escolhas igualmente discricionárias. Neste caso, a
coordenação é garantida padronizando-se as habilidades dos operadores, de
modo a permitir o atingimento de resultados satisfatórios ainda que por
conjuntos de escolhas diferentes. São organizações deste tipo escolas e
hospitais, onde a execução da tarefa, por não poder ser "mecanizada", guarda
dependência dos operadores. O núcleo operacional é a parte-chave da
organização, que fica, desse modo, menos sujeito à força do sistema
burocrático de controle.
É de se notar que a padronização de procedimentos para o restante da
organização - todas as partes de apoio - continua valendo. A diferença
fundamental nesse tipo é que toda a organização "gravita" em torno do núcleo
operacional.
2_4 ESTRUTURA DIVISIONALIZADA
Esse tipo de estrutura contempla os casos em que a burocracia
máquina, com o tempo, continua crescendo para responder ao aumento da
diversidade de produtos e/ou localização geográfica das unidades de
produção. Surgem dificuldades para a formalização de comportamentos que
atendam às especificidades pecul iares e/ou locais. Além disto, a proliferação
de n íveis hierárquicos exigida pela amplitude de controle e a ocorrência de
"gordura" de setores e seções pelo envelhecimento e/ou crescimento criam o
espaço propício para que se estabeleçam os jogos de poder. Do ponto de vista
13
do ápice estratégico, persiste o problema de coordenar toda a organização até
o núcleo operacional. A solução mais comum é dividir a organização em sub
organizações adaptadas a cada classe de produtos ou a cada região. Assim, a
coordenação fica dividida em duas partes: o núcleo operacional (das sub
organizações) por seus sub-ápices estratégicos e estes pelo ápice do todo
organizacional.
Nas sub-organizações se configuraria a estrutura mais conveniente
para enfrentar suas próprias condições contingentes. Na prática observa-se
que, por razões descritas no próximo capítulo, normalmente prevalece a
burocracia máquina.
Já no caso do controle dos sub-ápices estratégicos, a coordenação é
facilitada pela padronização dos resultados das unidades individualmente.
Neste contexto ganha muita força a gerência de linha média, enquanto ápices
estratégicos das sub-organizações. Ocorre então notável delegação de poder,
com grande amplitude discricionária de decisões, comprometidas quase tão
somente com resultados.
2.5 AOHOCRACIA
A adhocracia é a estrutura que se forma para enfrentar problemas em
ambientes complexos e dinâmicos. Quando o produto não permite domínio
cognitivo da sua natureza e as condições de trabalho mudam frequentemente,
torna-se necessário o uso contínuo de ajustes entre os indivíduos que
concorrem para o atingimento dos objetivos da organização. Assim, ganham
especial relevo os dispositivos de ligação, os canais de comunicação entre os
14
operadores e especialistas, que devem ajustar-se e re-ajustar-se
continuamente.
A metáfora mais adequada a este tipo de estrutura é a metáfora
orgânica, visto que ela "reage" aos estímulos, modificando-se para atender
condições variáveis. Neste contexto os especialistas, sejam ligados à atividade
fim , sejam às de apoio, tornam-se parte-chave da organização.
15
3. A Atuação dos Fatores Contingentes
o fio condutor de Mintzberg (1979) orienta os passos seguidos na
discussão sobre fatores contingentes em relação à formação de uma estrutura.
Tal discussão não reproduz a riqueza da obra em seu original; apresenta
apenas uma visão geral, percorrendo o "caminho" de modo sintético e
chegando às conclusões.
Na terminologia de Mintzberg, fatores contingentes são as condições
que explicam configurações mais adequadas ou que devem ser consideradas
para favorecer a "estabilidade" das estruturas organizacionais.
Tal estabilidade significa ajuste contínuo da estrutura à realidade dos
fatores contingentes, sob pena de incorrer em altos custos e conviver com a
instabil idade resultante da não adequação. Infelizmente os fatores
contingentes não se oferecem de maneira facilmente identificável e
mensurável no ex-ante, obrigando o decisor máximo a usar grande dose de
percepção sUbjetiva2• A adequação dessa escolha será então "verificada" pela
qualidade do desempenho da organização no ex-post, em comparação com
outras organizações em situação semelhante.
Cabe reiterar que tais fatores são de fato "contingentes". Sua
contingência se revela a despeito de a percepção inadequada, por parte do
2 De fato, a pesquisa da adequada consistência entre parâmetros de desígn e fatores contingentes foi fe�a sempre buscando as correlações entre as contingências enfrentadas e as escolhas fe�as pelas organizações "sobreviventes" ou "vencedoras" no ex-posto
16
gerente principal, não promover sua necessária consistência com os
parâmetros de designo Nesse caso o preço se faz sentir na ineficiência elou
ineficácia, associadas à situação intrinsecamente instável, até que a posição
seja revista.
Mintzberg (1 979) propõe que a estrutura efetiva requer uma
consistência interna entre os parâmetros de design e os fatores contingentes.
Podem ocorrer casos, sobretudo em organizações governamentais, em que a
razão de existência esteja prioritariamente associada ao atingimento de
objetivos3• Nesse caso, a organização deverá sustentar sua necessária
eficácia à custa de uma redução de eficiência.
Com base nos resultados de suas pesquisas, Mintzberg sugere a
adoção de cinco dimensões de fatores contingentes como suficiente para
explicar as ações contingenciais sobre a formação de estruturas. Essas cinco
dimensões são: idade, tamanho, sistema técnico, ambiente e poder. Nas
seções seguintes procuro descrever o modo de atuação contingente dessas
dimensões e situar a organização objeto desse estudo.
Mintzberg formula 16 hipóteses quanto à atuação dos fatores
contingentes sobre a estrutura. Essas hipóteses contemplam as diferentes
dimensões propostas e serão apresentadas a seguir.
3 Exemplos deste tipo se encontram em organizações governamentais cuja razão de existência não está em um critério de eficiência mas de eficácia com produção de ganhos colaterais não associáveis diretamente à organização (9.g. NASA) ou como opção de sobrevida na expectativa de uma mudança conjuntural (9.g. uma unidade do exército sob ataque de um inimigo nitidamente superior à espera de reforços).
17
3.1 IDADE
Primeiro fator contingente, a idade deve ser considerada sob duas
óticas distintas: a idade da organização e a idade da indústria. Isto enseja
duas h ipóteses a respeito de sua atuação sobre a estrutura:
HIPÓTESE 1 - Quanto mais velha a organização, maior a formalização de
comportamentos.
Aqui a idade da organização se relaciona com o tempo de existência.
Fundamentalmente introduz a maturidade dos processos de produção. Tal
maturidade se manifesta no relacionamento com fornecedores, no
relacionamento com consumidores ou ainda no domínio sobre a tecnologia de
produção.
Uma pergunta chave para a compreensão do mecanismo de atuação
da idade é "nós já não vimos isso antes?". Dada a finitude do conjunto de
tarefas a serem executadas, quanto mais vezes estas tarefas são
desempenhadas, maior é a compreensão, por parte dos indivíduos envolvidos,
dos relacionamentos entre elas. Isso não só permite, como também induz, ao
aparecimento de uma formalização dos procedimentos associados à
realização de tarefas na organização.
Tanto a Reduc quanto a PETROBRÁS, com idades entre 30 e 40 anos
respectivamente, podem ser consideradas maduras, já tendo superado os
arroubos da juventude.
18
HIPÓTESE 2 - A estrutura reflete a idade de fundação da indústria.
A segunda hipótese é que as organizações tendem a apresentar
estruturas que refletem condições técnico-econômicas, tradições, doutrinas
etc., que floresciam na época do surgimento da indústria a que pertencem.
No caso da indústria de petróleo, seu surgimento se deu pouco depois
da metade do século passad04 e o desenrolar dos acontecimentos permitiu a
formação de uma grande empresa, a Standard Oi/, que se estendia por todo os
Estados Unidos. Como forma de administração e controle seu fundador,
Rockefeller, estabeleceu então um sofisticado sistema de delegação e
controles, na forma burocrática, espelhado na administração de outras
organizações gigantes da época: as estradas de ferro e a administração
pública.
3.2 TAMANHO
o tamanho é definido efetivamente pelo entendimento lato sensu da
palavra tamanho. A dimensão "número de participantes", contudo, é a
fundamental, e as implicações associadas são descritas nas três hipóteses
subsequentes.
• Segundo Daniel Versin: O Petróleo, uma história de ganância, dinheiro e poder.
19
HIPÓTESE 3 - Quanto maior a organização, mais elaborada sua estrutura,
mais especializadas as tarefas, mais diferenciadas as unidades e mais
desenvolvida a componente administrativa.
o aumento de tamanho permite e causa aumento do número de
funções especialistas e, consequentemente, uma maior especialização das
divisões. As funções especialistas se tornam cada vez mais especialistas,
criando uma "lógica da especialidade" dentro de cada divisão. Tal lógica
facil ita a coordenação e a comunicação intra-divisões e cria uma dificuldade
de igual proporção no relacionamento inter-unidades. Isso provoca uma
demanda de mecanismos de coordenação e comunicação nesse canal (inter
unidades) cada vez mais sofisticados.
Os mecanismos de comunicação e coordenação, em especial aqueles
formais, devem ser repensados para poder lidar eficazmente com o número
cada vez maior de informações e opções. A inevitável elaboração provoca o
desenvolvimento desproporcional da "componente administrativa" em relação
à "componente operacional".
O exemplo clássico dessa situação é o da análise da diferença entre
uma pequena quitanda e o supermercado. Na primeira, o dono recebe as
mercadorias, coloca-as no lugar e permanece atrás do balcão, vendendo e
controlando estoque e caixa. No supermercado, pode ocorrer que o caixa e o
indivíduo que recebe a mercadoria nem se conheçam.
20
HIPÓTESE 4 - Quanto maior a organização, maior o tamanho médio das
unidades.
Duas premissas explicam esta hipótese. A primeira, associada à
especialização das unidades, segue o seguinte raciocínio: o aumento de
tamanho da organização permite usufruir melhor das vantagens da
especialização, formando unidades mais especializadas. A homogeneidade
das unidades permite o uso da formalização como mecanismo de coordenação
das tarefas possibilitando maior amplitude de controle.
A segunda é associada à velocidade de crescimento. Partindo da idéia
de que o crescimento da organização é contínuo, enquanto as mudanças de
estrutura são intermitentes, existe um período de defasagem, durante o qual
ocorre aumento da amplitude de controle.
Essa segunda premissa permite a enunciação de um corolário da
hipótese: quanto maior a velocidade de crescimento de uma organização tanto
maior o tamanho médio das unidades.
HIPÓTESE 5 - Quanto maior a organização, maior o grau de fonnalização
dos comportamentos.
Do mesmo modo que a primeira, esta hipótese está ligada à
compreensibilidade e a previsibilidade do trabalho. Varia, contudo, a origem do
conhecimento que permite a formalização. Na hipótese 1 este conhecimento
era oriundo da experiência própria, adquirida com o passar do tempo. Nessa
hipótese o conhecimento provém do compartilhamento de experiências entre
os gerentes da linha média.
21
Novamente, a formalização das rotinas de trabalho é usada como
mecanismo de coordenação intra-divisão, em detrimento da supervisão direta,
que passa a atuar como mecanismo secundário.
Resumindo as hipóteses sobre tamanho, pode-se montar a seguinte
cadeia de idéias: maior tamanho, maior especialização, maior diferenciação
entre as unidades, maior ênfase nos mecanismos de coordenação intra-divisão .
baseados na formalização, maior necessidade de coordenação inter-divisão,
maior formalização nas comunicações, maior sofisticação e elaboração da
estrutura administrativa. Em síntese, caminho cada vez mais livre para
instalação de uma burocracia máquina.
Associando as conclusões relativas à velocidade de crescimento
àquelas ligadas ao tamanho, vale a pena notar que a dinâmica de crescimento
é um "fator desestruturante", atuando no sentido de reduzir a força de
instalação da formalização burocrática. A já mencionada diferença entre o
"crescimento contínuo" e a "estruturação discreta" é potencializada pela
velocidade de crescimento, que provoca uma defasagem sempre maior entre o
informal (o que ocorre) e o formal (o que é previsto) e implica que as novas
formalizações estejam cada vez mais atrasadas em relação ao informal. Duas
assertivas sintetizam esta idéia:
• para duas organizações de mesmo tamanho, aquela com
menor velocidade de crescimento terá maior formalização de comportamento,
portanto, mais burocracia;
• para duas organizações de mesma velocidade de crescimento a
maior terá maior formalização de comportamento e, de novo, mais burocracia.
22
Do conjunto destas idéias se percebe o efeito
formalizador/burocratizante do passar do tempo para uma estrutura com baixa
(ou nula) taxa de crescimento. A extrapolação deste raciocínio mostra um
efeito envelhecedor/senilizante do passar do tempo numa burocracia com
baixa taxa de crescimento, onde o efeito formalizador começa a redundar-se
pela estrutura, "engordando" a burocracia com aumento recursivo de controles,
de pessoal para executar estes controles e de mais controles para controlar
este pessoal, num ciclo vicioso infinito.
Falando da organização em foco, do ponto de vista do tamanho, tanto
a PETROBRÁS como a Reduc são, sem dúvida, grandes. A primeira se situa
entre as cinco maiores empresas brasileiras por quase qualquer critério
(ativos, faturamento, número de empregados, etc.). Já a Reduc é a maior entre
as unidades industriais da corporação sob a ótica mista de volume produzido e
variedade de produtos, ou a segunda, se o critério for exclusivamente
capacidade de produção.
Sob a ótica do tamanho, ambas deveriam comportar-se como
burocracias. Organizações de mesmo tamanho teriam muita dificuldade de se
coordenar por supervisão direta. O uso da formalização como mecanismo de
coordenação e controle intra-divisões associado a elaborados processos de
comunicação inter-divisões faz-se obrigatório.
3_3 SISTEMA TÉCNICO
Para incluir as influências do modus operandi na formação de
estruturas, Mintzberg definiu o fator contingente chamado sistema técnico,
23
também conhecido como "tecnologia de operação", que é, em última análise, o
ferramental que o executante usa para transformar inputs em outputs.
Tal definição permite ainda a divisão do sistema técnico em duas
dimensões:
• a dimensão regulação, definida como '� influência do sistema
técnico no trabalho dos operadores";
• a dimensão sofisticação, definida como '� medida da
complexidade ou 'intríncamento' do sistema técnico, ou seja, o quanto é difícil
de ser compreendido".
Na atividade de refino de petróleo o sistema técnico pode ser dito
fortemente regulado e altamente sofisticado em função das características
técnicas associadas ao equipamento necessário ao desenvolvimento do
processo contínuo de produção.
A indústria de petróleo se enquadra no caso que Joan Woodward,
citada por Mintzberg ( 1 979) denominou indústria de processo contínuo. Nesse
tipo de indústria o ciclo de desenvolvimento requer separação bastante clara
entre duas partes independentes na organização: para a parte interna,
operacional, com pouca discricionariedade, orientação de curto prazo, um
rígido controle do cotidiano produzido pela máquina automatizada. Para a de
desenvolvimento de produto e processo, ampla liberdade de decisão,
orientação de longo prazo e ênfase nas "relações sociais".
o fator característico das organizações que produzem por processo
contínuo é a automatização do núcleo operacional que garante a coordenação
24
total das atividades nesse n ível. Já no nível do staff seus membros seriam
encorajados a desenvolver uma coordenação por ajustes mútuos entre
experts, enfatizando o uso dos mecanismos de ligação, em detrimento das
formalizações várias, características das burocracias.
HIPÓTESE 6 - Quanto mais regulado o sistema técnico mais formalizado o
trabalho operacional e mais burocrática a estrutura do núcleo operacional.
Esta hipótese diz respeito somente ao núcleo operacional e é fácil de
ser compreendida com base nos mecanismos de coordenação das tarefas.
Para um trabalho repetitivo e que depende de pouca expertise, formalização e
padronização são mecanismos mais eficazes e eficientes que ajustes mútuos.
o extremo da idéia, o automatismo mecânico do processo contínuo, é,
em última análise, a burocracia perfeita. Sem metáforas, todas as regras estão
contidas no funcionamento de uma máquina.
Firmas de prOdução em massa desenvolvem obsessão por controle e
procedimentos, a partir da crença de que os trabalhadores devem ser
constantemente vigiados e "empurrados" para fazer o seu trabalho. É curioso
notar que nesse tipo de firma o fracionamento do trabalho atinge graus
altíssimos e que o trabalhador é de fato "desligado" do resultado da produção,
tornando o cotidiano da produção vazio e dando lugar a significativo
desestímulo para o trabalho.
Porém, a mentalidade do controle burocrático é forte. O conforto e a
segurança que os procedimentos e normas propiciam fazem com que estes
transbordem do núcleo operacional e se alastrem por toda a organização,
25
contaminando desde supervisores até o ápice estratégico. Assim, a conhecida
burocracia máquina se fortalece na organização de produção em massa.
HIPÓTESE 7 - Quanto mais sofisticado o sistema técnico, mais elaborada
a estrutura da administração, maior a descentralização seletiva; e maior o uso
dos dispositivos de ligação.
o aumento de sofisticação de funcionamento do sistema técnico
implica a criação de um staff de apoio cada vez mais especializado.
Necessariamente o nível de expertise dos técnicos do staff envolvidos no
apoio aumenta.
A coordenação de tarefas descentralizadas se dá caracteristicamente
através do ajuste mútuo. A preferência coletiva pelo ajuste mútuo dispensa e
rejeita mecanismos de formalização de procedimentos. A comunicação direta é
facilitada pela padronização da linguagem.
HIPÓTESE 8 - A automatização do núcleo operacional transforma a estrutura
da administração de burocrática em orgânica.
A automatização do núcleo operacional implica a sequência de
eventos descritos para a organização com processo produtivo contínuo, ou
seja, todo o controle da tarefa passa a estar contido no funcionamento da
máquina o que, como demonstrado por Woodward, elimina a fonte de muitos
dos conflitos sociais que permeiam a organização. Logo, fica minimizada a
obsessão por controle que, combinada com o aumento da expertise
26
generalizado, espalha o uso de mecanismos de ligação e ajustes mútuos por
toda a estrutura.
Resumindo as considerações sobre o sistema técnico temos:
• um sistema técnico regulado burocratiza o núcleo operacional, submetido à
mais perfeita das burocracias: a máquina sem metáforas;
• um sistema técnico sofisticado carece de maior elaboração da estrutura do
staff de apoio;
• um sistema técnico automatizado desburocratiza a estrutura acima do núcleo
operacional.
o modus operandi da Reduc, na sua característica de unidade de
produção contínua, é regulado e sofisticado. É sofisticado porque os
equipamentos são em si mesmos muito complexos, trazendo no bojo de sua
concepção a enorme quantidade e variedade de conhecimentos técnicos da
equipe de especialistas que os projetaram. Tal complexidade, associada ao
processo de produção contínuo, obriga à utilização de máquinas
automatizadas de grande porte (grossa maneira, do tamanho de um
quarteirão!) o que, em princípio, não deixa espaço para muita
discricionariedade por parte dos operadores.
A PETROBRÁS trabalha controlando uma miríade de unidades que
possuem diversos modos de operação, o que dificulta, sobremaneira, definir
um modo de operação que lhe seja próprio. Além disto, a definição deste
parâmetro não é fundamental para a corporação.
27
3.4 AMBIENTE
Para efeito desta análise o ambiente, definido como o entorno da
organização, deve ser visto em quatro dimensões distintas: estabilidade,
complexidade, diversidade de mercado, hostilidade. Nos parágrafos seguintes
serão explicadas cada uma dessas dimensões, o que facilitará a compreensão
das hipóteses.
ESTABILIDADE - Esta dimensão diz respeito à frequência com que
ocorrem situações inesperadas. A característica fundamental da mudança que
afeta a estabilidade é a imprevisibilidade.
São identificados como fatores capazes de influenciar a estabilidade
organizacional, entre outros: comportamento dos agentes do govemo,
comportamento dos agentes econômicos; alteração das preferências do
consumidor, ação de competidores, condições climáticas; e até mesmo do ritmo
de crescimento da organização.
o ambiente pode variar num contínuum que vai de estável a dinâmico.
COMPLEXIDADE - Esta dimensão procura exprimir o quanto o
conhecimento envolvido na realização de uma determinada atividade é
dominado. Não importa que a produção se dê por uma longa e detalhada
sequência de procedimentos, se tanto a sequência quanto os procedimentos já
são conhecidos. Assim, por exemplo, o ambiente de uma fábrica de automóveis
ou de vídeos-cassete é definitivamente simples, enquanto o de uma agência
espacial é, sem dúvida, complexo. Uma refinaria de petróleo, por conseguinte,
não deve ser considerada organização imersa em um ambiente complexo, visto
que os conhecimentos envolvidos no desempenho da tarefa são amplamente
dominados.
28
Na dimensão complexidade o ambiente varia do simples ao complexo.
DIVERSIDADE DE MERCADOS - Reflete o número de mercados com
características individualizantes - situação geográfica, faixa de renda,
características sociais, etárias ou culturais - que devem ser atendidos pela
organização.
Varia do integrado (uma mesma característica para todo o mercado)
ao diversificado.
HOSTILIDADE - Varia do plácido ao hostil e procura indicar a reação
dos outros agentes que compõem o ambiente à sobrevivência da
organização. Várias são as fontes possíveis de hostilidade entre as quais
podemos citar o govemo, grupos de pressão (sobre a opinião pública),
lobbies, fomecedores e concorrentes. Apesar de tipicamente dinâmico, o
ambiente hostil se diferencia por seu efeito particular sobre a estrutu ra da
organização.
Feita a definição, passo às hipóteses que propõem a natureza da
contingência entre cada dimensão e a estrutura.
HIPÓTESE 9 - Quanto mais dinâmico o ambiente, mais orgânica a estrutura.
Num ambiente estável a organização tem maior possibilidade de
predição das condições futuras, o que lhe permite formalizar e padronizar
produtos e comportamentos. Tal possibilidade favorece a instalação de uma
burocracia que extrapola o núcleo operacional; a organização tende a ser
formalizada da base ao topo.
29
Note-se que não é o ambiente estável que leva à burocracia, mas a
estabilidade favorece a ação dos outros fatores contingentes burocratizantes,
tais como idade e tamanho. Já um ambiente dinâmico favorece uma estrutura
orgânica, a despeito de outros fatores contingentes tais como idade, tamanho
ou sistema técnico.
A "indústria de petróleo" já possui uma grande estabilidade natural,
reforçada pelos cuidados extremados dos agentes econômicos em geral, a
quem não convém descontinuidades no fornecimento do precioso insumo
energético.
Além disso, o monopólio cria uma forte "simulação" de estabilidade,
especialmente quando o conjunto de fornecedores não detém poder de
barganha. Tal condição pode mesmo compensar a instável atuação política do
Estado.
HIPÓTESE 10 - Quanto mais complexo o ambiente, mais descentralizada é a
estrutura.
o conhecimento da tarefa está diretamente relacionado com a
possibilidade de formalização e de padronização. A complexidade do ambiente
torna difícil, tanto a padronização dos procedimentos quanto a concentração,
em um indivíduo, das informações necessárias à tomada das decisões
cotidianas. Torna-se necessário, assim, delegar a decisão a n íveis
hierárquicos mais "baixos", mais próximos das questões a serem decididas.
As estruturas imersas em ambientes simples tendem para a burocracia
máquina, padronizada e centralizada.
30
Como já foi mencionado, organizações que pertencem à indústria de
petróleo se enquadram em um ambiente caracteristicamente simples.
3.4.1 Os OUATRO AMBIENTES DA ORGANIZAÇÃO
A composição de ambientes nas dimensões estabilidade e
complexidade perm ite obter como resultado quatro tipos de estrutura:
burocrática centralizada, burocrática descentralizada, orgânica centralizada e
orgânica descentralizada. A complexidade seria o fator preponderante para a
não padronização enquanto a instabilidade seria associada à
descentralização.
Destarte, Mintzberg montou uma matriz (Tabela 1 ) onde as duas
dimensões, combinadas, têm como resultado quatro padrões estruturais.
Tabela 1
ESTAVEL DINÂMICO
descentralizado e burocrático descentralizado e orgânico COMPLEXO
(padronização de habilidades) (ajuste mútuo)
centralizado e burocrático centralizado e orgânico SIMPLES
(padronização do processo de trabalho) (supervisão direta)
extraída de Mlntzberg (1979) pág 286
Contudo, as hipóteses sobre o ambiente não se esgotam nas
dimensões de estabilidade e complexidade. A hipótese 1 1 introduz uma nova
variável: a diversidade de mercados.
31
HIPÓTESE 1 1 - Quanto maior a diversidade de mercados da organização,
maior a tendência a estruturar-se em unidades baseadas nos mercados.
A diversidade de mercado é associada à variedade de produtos e
serviços necessários para atender os diversos clientes da organização.
Esta característica é fortemente correlacionada com o tamanho, visto
que empresas grandes ou fisicamente dispersas têm muito maior possibilidade
de enfrentar realidades diversas. Essas realidades justificam tanto a
diversificação de produtos para atender diferentes segmentos do mercado
como para atender a diversificação de requisitos legais em diferentes
instâncias políticas.
Observe-se que a divisionalização real supõe ligação à holding apenas
por um acordo de metas. A presença de uma função crítica comum (e.g.
produção de um insumo básico, compra compartilhada de matéria prima ou
recrutamento de pessoal centralizado) às unidades impede a formação de
divisões de fato.
HIPÓTESE 12 - Hostilidade extrema leva a organização a centralizar
temporariamente a sua estrutura.
As reações negativas dos diversos agentes no ambiente da
organização podem forçá-Ia a táticas de defesa que se refletem no aspecto
estrutural através de maior centralização das decisões, ainda que temporária.
Tornam-se imprescindíveis respostas ágeis e coerentes com o quadro
global. Deste modo, o tempo necessário aos ajustes entre diversos cérebros
32
decisores se reduz ao m ínimo, obrigando a concentração das decisões em um
só cérebro.
A estrutura' então caminha, guardadas as restrições oriundas
principalmente do tamanho, na direção da estrutura simples, onde todas as
decisões se reportam ao decisor principal.
HIPÓTESE 13 - Disparidades ambientais levam a organização a
descentralizar-se seletivamente em diferenciadas "constelações de trabalho".
Aqui aparece o exemplo clássico da atuação das companhias de
petróleo. Ao mesmo tempo em que disputam um a um os clientes dos postos
de abastecimento, se unem na pesquisa de processos de obtenção de
gasolina mais econômicos para todas.
Observam-se alianças numa área de atuação entre as mesmas
organizações que se digladiam em outras áreas. Tal disparidade introduz a
idéia de sub-ambientes e a possibilidade de diferentes estratégias para cada
um deles.
Concluindo a discussão sobre o ambiente temos:
• um ambiente estável facilita a instalação de uma burocracia;
• um ambiente dinâmico porta a organização a uma estrutura orgânica, a
despeito da ação dos outros fatores contingentes;
• a complexidade ambiental leva à necessidade de descentralização enquanto a
simplicidade permite a centralização, provavelmente por efeito das
necessidades de poder dos membros da estrutura;
33
• um grande nível de hostilidade ambiental leva à uma centralização temporária, a
despeito de todos os outros fatores.
Resumindo a posição da organização focalizada em relação às
h ipóteses ambientais temos: o negócio da Petrobrás tem um crescimento
estável. As novidades desestabilizantes a nível internacional são raras e o
mundo está preparado para enfrentá-Ias, visto que instabilidades nesta
indústria não interessam a ninguém. A nível nacional, a Petrobrás tem o
monopólio de quase todo o ciclo produtivo do seu negócio, o que lhe garante
um certo conforto em relação aos seus clientes. Apesar de a possível quebra
deste monopólio representar instabilidade, não tendo acontecido até o período
de análise, foi possível trabalhar com o monopólio como condição dada.
A detenção de monopólio em quase todo o ciclo de produção num país
de dimensões continentais traz significativa variedade de mercados. A
segmentação se explica tanto geograficamente como por ramo de atividade,
associado ao ciclo de produção.
Ainda sobre o ambiente, convém assinalar que, dadas as
características de tamanho e exigências tecnológicas da corporação, os
fornecedores se tornam necessariamente pequenos e pulverizados, o que
torna pouco, ou nada, significativo seu poder de pressão sobre a empresa.
Caracteriza-se, pois, também este segmento do ambiente como estável.
Enquanto inserida num sub-ambiente da Petrobrás, a Reduc se
beneficia da estabilidade que caracteriza a corporação. Por outro lado, como
unidade industrial, a Reduc também detém notável variedade de "sub-sub
ramos" no seu sub-ramo do negócio da corporação. Isto faz com que seja
34
particularmente notada, além de provocar segmentação do seu parque
industrial por áreas de afinidade.
3.5 PODER
HIPÓTESE 14 - Quanto maior o controle externo sobre a organização, mais
centralizada e fonnalizada a estrutura.
o controle externo da organização se dá mais efetivamente quando
feito através do seu executivo principal. Uma vez controlado o executivo
principal, este irradia seu controle por toda a estrutura, normatizando
procedimentos e reduzindo a discricionariedade das decisões, criando a
tendência à formação de uma burocracia.
Note-se que o controle externo deve provir de fonte única ou de fontes
coordenadas. A multiplicidade de poderosos externos tende a cancelar a
eficácia das ações de poder individuais, permitindo mais "conforto operacional"
para a organização.
Além do controle focalizado com objetivos claros, é condição
necessária ao aparecimento da tendência centralizadora-burocratizante a
detenção de poder por parte do executivo chefe. Tal poder tanto pode ser
carismático (como o do líder de um partido político fortemente ideológico) ou
legal (originado, por exemplo, em decisão da assembléia de acionistas).
No caso da organização em estudo, as fontes de poder externas são
caracteristicamente descoordenadas. A alternância do foco sobre os
35
interesses controladores da organização permite que internamente se
justifique uma série de decisões e atitudes incoerentes entre si.
HIPÓTESE 15 - As necessidades de poder dos indivíduos tende a gerar
estruturas excessivamente centralizadas.
A busca de poder é uma característica individual valorizada e
incentivada na cultura ocidental. Se tal característica encontra pOSSibilidade
dentro da estrutura organizacional (por exemplo um executivo chefe sem poder
suficiente para controlar a estrutura) ela provoca o aparecimento de "núcleos"
de poder ao redor das pessoas mais bem sucedidas em concentrá-lo.
Nas palavras de Mintzberg, " ... os gerentes do ápice estratégico
promovem centralização em ambas as dimensões - vertical e horizontal -; os
gerentes da linha média promovem centralização vertical até o limite de seu
próprio nível e centralização horizontal para aumentar o seu poder ao interno
da estrutura . . . " (1 979 pg. 291 ).
o resultado são "concentrações locais" de poder, em torno de
indivíduos e grupos que avocam para si maior quantidade possível de
informações e decisões.
Na organização focalizada a já referida inconstância nas diretrizes
organizacionais faz com que esse fenômeno apareça muito frequentemente.
36
HIPÓTESE 16 - A moda favorece a "estrutura do dia", nem sempre a mais
adequada.
o mundo das organizações é, regularmente, revolucionado por novas
teorias, que prometem mais eficiência e eficácia aos que as adotam. Algumas
dessas teorias trazem em seu bojo uma nova formação estrutural como, por
exemplo, o surgimento da matriz em substituição à unicidade de chefia.
No caso de organizações nas quais os objetivos ou são confusos ou
têm vida breve, a adoção de tais estruturas revolucionárias se torna
"oportunidade de ouro" para uma reformulação da distribuição de poder.
Motivados pela possibilidade de melhorar sua posição de poder, e respaldados
pela justificativa institucional da moda, indivíduos não hesitam em mexer na
estrutura da organização, não necessariamente preocupados com a
adequação da nova estrutura aos objetivos organizacionais.
37
4. A Questão do Poder
o poder está entre os mais difíceis temas a abordar em trabalhos
acadêmicos. A amplitude do objeto e a miríade de abordagens possíveis torna
qualquer ótica escolhida pequena em relação ao total.
De todo modo, dada a importância do assunto para a compreensão do
problema, incluo aqui um apanhado de idéias sobre as questões relativas ao
poder que julgo suficientes para a compreensão do caso focalizado.
4.1 A QUESTÃO Do PODER
Na nossa sociedade o poder é habitualmente visto como expressão de
um conjunto de normas, implícitas ou explícitas, que definem o fazer e o não
fazer. Tais regras pretendem assegurar um funcionamento harmônico do
sistema social, o que nem sempre é conseguido.
Os elementos da nossa cultura levam à crença de que as regras
racionais podem e devem ser cumpridas de bom grado por todos os
indivíduos, visto que são necessárias para o funcionamento ótimo do conjunto.
A prática quotidiana porém mostra que nem todos estão dispostos a ser
somente atores, seguindo o roteiro, e um número significativo de pessoas
(senão todas) introduz variações no texto e altera o resultado de acordo com
seus próprios interesses e convicções, exercendo sua capacidade autoral e
não se preocupando muito com o resultado agregado.
38
Se no contexto social a aplicação da racionalidade cartesiana deveria
vir disfarçada pela associação de "elevados" objetivos sociais, no ambiente
das organizações eficiência e eficácia foram justificativas suficientes para
aplicação implacável do método cartesiano nos processos organizacionais. Em
confronto com a parcela autor de cada indivíduo observa-se que tal aplicação
gera um n ível de stress que acaba por in viabilizar diretamente a satisfação
pessoal dos participantes e indiretamente as pretendidas eficiência e eficácia
do processo. Nas palavras de Anna Maria Campos:
"A teoria organizacional voltada para a transfonnação da ordem
social deverá preocupar-se menos em antecipar e controlar
'comportamentos organizacionais' e voltar-se para melhor
entendimento da ação de indivíduos. Estes não são apenas atores,
mas também autores; não meros objetos, mas sujeitos; não
apêndices das máquinas, mas seres dotados de sentimentos,
emoções, atitudes. S6 assim poderá reencontrar o caminho em
busca do ideal de liberdade, justiça e auto-realizaçãos".
Assim, a aplicação da racionalidade cartesiana pura em processos que
envolvam indivíduos humanos não é viável. Para a "produção de efeitos
intencionados" o sistema deve ser capaz de contemplar um horizonte mais
largo, de transitar entre o mutuamente exclusivo de "um ou outro" e o
simultaneamente inclusivo do "sim, mas também".
5 CAMPOS, Anna Maria. Do Comportamento à Ação Organizacional. (s.n.!.) Texto Datilografado, 1 2 páginas.
39
4.2 TIPos DE DOMINAÇÃO
Segundo Max Weber são três os lipos fundamentais de dominação
observados nos sistemas sociais: o tradicional, o carismático e o racional-
legal6. Caracteriza cada tipo de dominação a natureza da aceitação, da parte
de quem obedece, que o legitima7•
A dominação tradicional é aquela onde a legitimidade se baseia em
mitos fundacionais, na crença de que o passado autoriza o presente. As
crenças dos antepassados são incontestáveis. Esse tipo de dominação é
fundamentalmente reacionária e confere estabilidade ao sistema social. Com
sua característica de fomação mitológica, a dominação tradicional não possui
qualquer base racional.
A dominação carismática também não possui qualquer base racional,
fundamentando-se no "encaixe" da personalidade de um indivíduo com a
imagem de líder existente no inconsciente de um determ inado grupo. Como é
personalíssima, a dominação carismática não pode ser delegada nem
herdada. Forma-se um poder cujos limites são dados pela própria
personalidade do indivíduo-l íder. Esse tipo de dominação está ligada ao
conceito de liderança e é fundamento das forças revolucionárias.
É interessante notar que os adeptos da racionalidade instrumental
procuram negar que o poder do líder tenha base em sua personalidade;
6 KAST, F. E. & ROSENZWEIG, J. E. Organização e administração: um enfoque slstêmlco. São Paulo, Pioneira, vol. 1 , 1 976.
7 PRESTES MOTIA & PEREIRA, L. C. Bresser, op., cit., págs. 26 e 27.
40
preferem tentar defin ir liderança com bases estritamente racionais, relegando
a segundo plano conjuntural a ação da característica carismática do lider.
o terceiro tipo, a dominação racional-legal, se fundamenta na
assunção da idéia de lei como boa e necessárias e no método cartesiano. Esse
tipo de dominação procura, através da impessoalidade, a manutenção de uma
produção maior que o consumo associado.
4.3 A ORGANIZACÃO CARTESIANA
o método cartesiano toma como possível a compreensão do todo pela
compreensão das partes que o compõem. Assim, as dificuldades de um todo
complexo são paulatinamente reduzidas em partes cada vez menores, até que
a parte seja compreensível. Esta fase é chamada análise. Em seguida, as
partes, agora "compreendidas", são remontadas no todo original, que agora
também passou a ser conhecido.
A aplicação destas idéias ao processo produtivo resulta na conclusão
de que o todo do processo pode ser segmentado em partes, e estas, por sua
vez, em outras menores. Além disso, cada uma dessas pequenas partes se
relaciona com as outras de algum modo, também compreensível, e tal
relacionamento deve - e pode - ser coordenado e otimizado por um conjunto
de regulamentos positivos9•
• Sobre este assunto são interessantes as idéias de S. Freud, expostas em "O mal estar na civilização".
e A idéia de regulamento pos�ivo é, simplificada mente, que as normas sobre as quais se pautam as soluções dos problemas estão estabelecidas ex ante.
41
A idéia de regulamentos positivos traz associada a idéia da
preditibilidade de comportamentos, desconsiderando a já mencionada
possibilidade de autoria subjetiva do indivíduo humano, supondo uma
impessoalidade de cargos e funções que o dia-a-dia do trabalho contradiz. Por
este motivo é tão assustador à burocracia o by-pass de normas e
regulamentos. Esse comportamento deve ser sempre punido, ainda que os
objetivos tenham sido atingidos com mais eficiência ou eficácia.
No parágrafo a seguir, PRESTES MOTTA ratifica essas posições
sobre a burocracia:
"O caráter impessoal da burocracia é claramente definido por
Weber quando ele diz que ela obedece o princípio da administração
'sine ira ac studio ', sem ódio ou paixão. A burocracia é mais
plenamente desenvolvida quanto mais se desumaniza, quanto mais
completamente alcança as caracteósticas especfflcas que são
consideradas como virtudes: a eliminação do amor, do ódio e de
todos os elementos pessoais, emocionais e irracionais, que escapam
ao cálculo. Em outras palavras, dentro de uma burocracia, em seu
estado puro, não há lugar para sentimentos, para o favoritismo,
para gratidão, para as demonstrações de simpatia e antipatia. O
administrador burocrático é um homem imparcial e objetivo, que
tem como missão cumprir as obrigações de seu cargo e contribuir
para a consecução dos objetivos'o" .
10 PRESTES MOTI A & PEREIRA, L. C. Bresser, op., c�., pág. 33.
42
Vale aqui ressalvar que a montagem burocrática para as organizações
não é intrinsecamente má. Na verdade, na maioria das organizações
produtivas o sistema de dominação racional-legal e a montagem burocrática
são desejáveis para todos. Em uma organização real se misturam em doses
diferentes, se alternando na predominância, os três tipos de dominação,
garantindo o equi líbrio entre renovação e estabilidade11 •
Essa alternância no mix de formas de dominação atuantes explica
também os desempenhos diversos obtidos por diferentes indivíduos nos
papéis de gerência. Analisando esse assunto Simon 12 define o conceito de
"zona de aceitação", o quanto de uma ordem é cegamente cumprida e o
quanto dela é discutido. Aqui fica claro que por mais sofisticados que sejam os
mecanismos de punição e recompensa de um sistema de dominação racional-
legal, nunca serão suficientes para obrigar o cumprimento cego de toda e
qualquer ordem. Observe-se também, que os mecanismos de dominação
carismática, apesar de conseguir levar este "cumprimento cego" a limites muito
maiores, são personalíssimos, não podendo ser transferidos de uma pessoa à
outra.
Portanto, um sistema de dominação racional-legal trabalha com uma
"faixa de reatividade" dos subordinados, que obriga o "chefe" a uma
11 É curioso assinalar que em tempos como os atuais, quando ventos do oriente prenunciam a emergência necessária de um novo paradigma, essa classHicação dos tipos de dominação possa ser comparada à trindade veda: Visnu, a inércia; Shiva, a destruição; e Brahma, a criação. Segundo o mito veda da criação do mundo os tres deuses se alternam em predominância, apesar de sempre presentes, grantindo o equilíbrio entre renovação e estabilidade. (o mito veda é descr�o em O Mahabharata)
12 SIMON, Herbert. Comportamento Administrativo. Rio de Janeiro, FGV, 3a edição, 1 979, págs. 1 33 a 1 36.
43
negociação que é tão maior quanto menor for a sua "liderança natural", seu
carisma.
Assim, o aumento da quantidade de indivíduos provoca um aumento
geométrico nas manifestações de capacidade autoral e de capacidade reativa,
o que parece indicar a necessidade de aumento do teor de dominação
carismática - liderança - e no mix de formas de dominação atuantes na
realidade organizacional. Cada vez mais torna-se evidente a dificuldade de o
sistema burocrático racional-legal dar conta sozinho de tudo e de todos dentro
da organização produtiva.
4.4 O PODER NAS ORGANIZAÇÕES
Na sociedade atual existe uma forte contaminação entre a lógica do
"humano" e a lógica do mercado. Em outras palavras, os valores do mercado
(lucro, produtividade, etc.) influenciam e justificam decisões no cotidiano
humano e buscam se perpetuar no tempo. Nas palavras de PRESTES MOTTA:
"A reprodução de uma formação social capitalista e burocrática
implica na reprodução do sistema de classes sociais que o
caracteriza através da promoção da acumulação do capital, da
reprodução da força de trabalho, da reprodução das relações de
poder e submissão e das idéias que os homens têm das relações
sociais em geral 13 ...
13 PRESTES MOTIA, Fernando C. O Que é Burocracia? São Paulo, Brasiliense, 1 2a edição, pág. 33.
44
Desse modo, se espera que toda organização social gere e sustente
instituições reprodutoras do status quo, "escolas" onde o modelo é
apresentado e tornado "natural" ao indivíduo.
Na sociedade de Estado, produtivista, o modelo de reprodução
também é formado tipicamentes pelas escolas, fortemente marcadas pelas
características burocráticas, sempre voltadas para a eficácia e para a
eficiência.
Note-se que, na dupla qualidade de reprodutoras e mantenedoras do
marco situacional, as institu ições sociais, incluindo o governo, estabelecem
entre si um processo dialético marcado pela contínua influência recíproca.
Assim, a vida e o cotidano das pessoas passa a ser marcado pela
produtividade.
Contudo, na reciprocidade do processo dialético as organizações
passam a sentir os efeitos das capacidades autorais dos sujeitos participantes.
Nas organizações produtivas o discurso e as regras do sistema racional-legal
não se mostram capazes de sustentar as necessidades de eficiência e/ou
eficácia. Os conflitos existentes entre os sujeitos-autores e as regras ·
burocráticas fazem aparecer um grande espaço para a ação da liderança
carismática, que atua na já mencionada zona de aceitação.
45
É fácil ver agora a organização como uma arena de conflitos,
permeada de negociações, onde a burocracia não pode mais funcionar com a
pureza da racionalidade técnica, sendo obrigada a reconhecer a dimensão
humana dos indivíduos. Citando Motta:
"A racionalidade da conquista e manutenção do poder se choca,
em muitas vezes, com a racionalidade desenhada para a
organização em termos de seus produtos e serviços!"" .
Observe-se que, quando imposta de fora para dentro, a necessidade
de atingimento de índices de eficiência e eficácia ganha foro de obrigação,
impondo maior aplicação da lógica racional-legal na organização e, portanto,
um comportamento mais próximo do burocrático em estado "puro". No entanto,
se nenhuma pressão externa é exercida sobre a organização, o sistema
racional-legal se torna mais "elástico", permitindo maior ação de líderes
carismáticos internos.
Também os grupos de especialistas originados na divisão "científica"
das tarefas constituem redutos de defesa de interesses corporativos da sua
especialidade, ratificando, de modo curioso, a característica humana desejante
dos especialistas, que buscam apoios de discurso para a
manutençã% btenção de situação privilegiada. A ação desses especialistas
sobre a tessitura burocrática forma o que já foi descrito como burocracia
profissional.
14 MOTIA, Paulo Roberto. Razão e Intuição: recuperando o ilógico na teoria gerenciaI. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, v 22, n. 3 págs. 77-94, jul.lset. 1 988, pág. 85.
46
Dentro da visão da organização como arena política podemos
entender que os objetivos organizacionais são, na verdade, a soma ponderada
dos objetivos individuais, onde o peso de ponderação é dado pela posição na
cadeia racional-legal, pelo carisma e pela capacidade de justificar "no
discurso" suas opiniões. Vale recordar aqui a abordagem de Fleury'5 sobre a
questão da cultura como ideologia, ocultando e instrumentalizando as relações
de poder. Também Kaufmann e Keeley tecem críticas ao modelo orgânico
exatamente pelo favorecimento que estes modelos emprestavam aos
interesses comuns, escondendo a realidade dos interesses individuais'6.
A ligação entre os objetivos individuais se torna patente. A ligação
entre o valor da empresa e as decisões do executivo-chefe é lucidamente
assinalada em famoso artigo de Jensen e MecLing da área de finanças
corporativas, escrito na década de setenta. Os autores fundam, do ponto de
vista financeiro, uma discussão que se tornou famosa e foi denomidada de
"Teoria do Agente". Esta ligação pinta de cores fortes os símbolos de poder,
tais como o tamanho da sala ou o número de secretárias. Note-se que tal idéia
pode ser estendida, com as devidas ponderações de impacto, às decisões de
cada indivíduo da estrutura, não se restringindo, absolutamente, ao executivo
principal. No capítulo 6 este assunto será discutido com mais detalhes.
Desse modo é possível perceber porque administrar uma mudança de
estrutura numa organização moderna pede uma nova postura e entendimento
para velhas questões. A questão do poder é talvez a mais importante visto que
15 FLEURY, op. ch., pág. 6.
18 Citado por MOTIA, op. cit., pág. 86.
47
permeia todo o processo reduzindo ou criando o espaço das decisões. Saber
"vender" a idéia da mudança, tanto "para dentro" como "para fora", como
importante e necessária, é uma habilidade cada vez mais requerida aos
administradores, e sem a qual o processo é fadado ao insucesso.
o próximo capítulo formaliza as configurações de distribuição de poder
segundo Mintzberg ( 1983), de modo a possibilitar o enquadramento da
organização sob estudo e iluminar a ação das forças racionais-legais e
carismáticas sobre a sua estrutura e seus indivíduos participantes.
48
5. Possíveis Configurações de Poder
o objetivo deste capítulo é descrever as possíveis configurações
"naturais" de poder assumidas pelas organizações, do ponto de vista de
Mintzberg ( 1 983). A tipologia mintzberguiana tem como méritos principais a
grande abrangência e a visão de que um sistema de poder deve levar em
conta influenciadores internos e externos.
A classificação das formas de distribuição de poder inicialmente foram
feitas levando em conta somente um grupo de influenciadores, seja ele o grupo
interno, como Etzioni ( 1 961 )17, ou o grupo externo, como Blau e Scott (1 962)18.
Posteriormente, Rhenman (1 973)19 e Mintzberg (1 983), propuseram
classificação em que ambos os grupos de infuência eram levados em conta. A
classificação de Mintzberg, contudo, é ao mesmo tempo mais abrangente e
mais detalhada.
A classificação de Mintzberg tem como princípio geral o fato de que no
mundo das organizações, a exemplo do mundo físico, existem "posições de
estabilidade estrutural", que são função do equilíbrio de forças entre entidades
internas e externas à organização. Nos seus coletivos estes grupos são
chamados de coalizão interna e coalizão externa e se compõem por diferentes
entes:
17 ETZIONI, A. A Comparativa analysls of complax organlzatlons. New York, Free Press. 1 961,
,. BLAU, P.M. & 5COn W.R. Formal organlzatlons: a comparativa approsch. 5an Francisco, Chandler, 1 962.
,. RHENAMN, E. Organlzatlon theory for long-range plannlng. New York, John Willey, 1 973.
49
A coalizão interna é formada por:
a) o CEO (chief executive officei) , gerente de maior poder na
organização, ocupando a posição do topo da hierarquia. É o ponto de
maior concentração de poder em um indivíduo;
b) os executantes, trabalhadores que estão diretamente envolvidos na
produção de produtos e serviços da organização;
c) os gerentes de linha, indivíduos que formam a cadeia de
autoridade/informação entre o CEO e os executantes;
d) os analistas da tecno-estrutura, responsáveis pelo design e
operação dos sistemas de planejamento e controle formal;
e) o staft de apoio, grupo formado pelos indivíduos encampados do
apoio indireto aos executantes;
f) a ideologia, composta de crenças compartilhadas pelos
influenciadores internos, que diferenciam a organização das outras.
A coalizão externa, por sua vez, é formada por:
a) os proprietários, que detêm o título de propriedade legal sobre a
organização;
b) os associados, englobando os fornecedores - que provêem os
insumos; clientes - que consomem os produtos; parceiros - com os
quais a organização mantém relações cooperativas; e competidores
50
da organização - supostos competidores objetivos numa relação
econômica clássica - ;
c) as associações de empregados, divididas em sindicatos - para os
executantes com baixa especialização - e associações de classe -
para os especialistas;
d) os públicos, representantes de interesses do público em geral que
podem ser divididos em três categorias gerais: (i) agrupamentos
genéricos, como famílias e formadores de opinião - defensores do
interesse público -, (ii) agrupamentos de interesse especial, como
ecologistas, associações comunitárias e lobbistas de interesses
particulares e, (iii) governo em todos os seus níveis - nacional,
regional, local, departamentos, ministérios, agências, etc. - que
detêm, tecnicamente, a autoridade da sociedade e a capacidade de
estabelecer regras e leis.
° board of dírectors, a diretoria, apesar de estar fisicamente dentro
das fronteiras da organização, é composto de elementos representativos dos
outros grupos. Nele se encontram representados os influenciadores internos e
externos, segundo o seu poder, observando e influenciando o decisor
"principal" da organização, o CEO, e constituindo uma "ponte" entre as
coalizões interna e externa.
51
A coalizão interna encontra estabilidade apenas quando somente um
dos seus sistemas de influência20 é claramente dominante. Apesar de estarem
sempre presentes, os sistemas de influência se alternam no domínio da
organização durante suas diversas fases temporais.
Este princípio - da dominância de somente um dos sistemas de
influência - se soma ao já mencionado princípio das "combinações naturais"
entre coalizão interna e externa para formar um pequeno conjunto de
elementos "típicos" ou "genuínos" de distribuição de poder na organização.
Estes elementos são ditos "típicos' ou "genuínos", e não "ideais", porque não
são "o que seria desejável", mas tão somente caricaturas dos extremos entre
os quais vão se situar as organizações reais.
A ação destes dois princípios é definida nas quatro hipóteses a seguir:
I . Uma coalizão externa dominada por um influenciador externo, ou
por mais de um, desde que tenham objetivos convergentes, ajusta-se mais
naturalmente a uma coalizão interna burocrática, tendendo a reforçá-Ia.
A coerência de objetivos externos, seja originada em um só poder, seja
derivada do consenso ou acordo, impõe à organização um conjunto de metas
claras pelas quais o seu desempenho será avaliado. O executivo principal,
nomeado pelo influenciador externo e responsável pelo atingimento de tais
metas, procura então alinhar os objetivos e controlar as ações dos indivíduos
na organização através de uma estrutura burocrática.
20 Controle pessoal, ideológico, por especialista ou político.
52
1 1 . Uma coalizão externa dividida (com mais de um foco de poder)
tende a se ajustar mais naturalmente a uma coalizão interna politizada, e vice
versa, tendendo a se reforçarem mutuamente.
A existência de mais de um foco de poder na coalizão externa permite
o apoio a mais de um grupo ou facção de poder interna, viabilizando a
ocorrência de uma luta política interna à organização. Em menor grau, a
presença de mais de um grupo de poder interno possibilita a ação de mais de
um grupo de interesse externo à organização.
1 1 1 . A coalizão externa passiva permite que a configuração de poder
reflita a dominância dos sistemas de influência pessoal, ideológico, por
especialista (profissional) ou burocrático na coalizão interna; todas essas
combinações tenderão a reforçar a passividade da coalizão externa.
Esta hipótese complementa as anteriores na definição das
configurações naturais de poder. Ela explicita que o vácuo de poder gerado
por uma coalizão externa passiva será ocupado pelo modo como o poder se
distribui na coalizão interna. A partir destas três primeiras h ipóteses já se pode
concluir pelas configurações de poder estáveis.
IV. Quaisquer outras combinações de coalizões externa e interna
geram n íveis de conflito, de moderado a intenso, que instabilizam a
configuração, forçando-a no curto/médio prazo para uma das seis primeiras.
Esta útima h ipótese explicita a instabil idade das combinações que não
se encaixam nas primeiras três hipóteses. Tais combinações são ditas
53
instáveis porque o seu nível de conflito interno cria condições favoráveis à sua
rápida transformação na combinação chamada de arena política.
A Tabela 2 mostra as combinações possíveis entre as coalizões
interna e externa:
Tabela 2
Combinações entre as Coalizões
Coalizão Externa Coalizão Interna Configuração de Poder
Dominada Burocrática INSTRUMENTAL
Passiva Burocrática SISTEMA FECHADO
Passiva Personalizada AUTOCRÁTICA
Passiva Ideológica MISSIONÁRIA
Passiva Profissional MERrrocRÁTICA
Dividida Politizada ARENA POLfrlCA
Dominada Personalizada INSTÁVEL
Dominada Ideológica INSTÁVEL
Dominada Profissional INSTÁVEL
Dominada Politizada INSTÁVEL
Passiva Politizada INSTÁVEL
Dividida Burocrática INSTÁVEL
Dividida Personalizada INSTÁVEL
Dividida Ideológica INSTÁVEL
Dividida Profissional INSTÁVEL
fonte: Mintzberg (1983) pág 307
54
Nos parágrafos a seguir apresento um resumo das características
relativas às seis configurações estáveis de poder.
5.1 ORGANIZACÃO INSTRUMENTAL OU INSTRUMENTO
A organização instrumental deve atender as demandas de um poder
externo, seja originado de um único influenciador ou de um consenso entre
eles.
A origem do controle externo é uma dependência crítica do meio
ambiente, seja fornecimento, demanda ou requisito legal. O caminho do
controle é normalmente o executivo chefe, responsabilizado pelo atendimento
de metas operacionais explícitas.
Para controlar o atingimento de tais metas o executivo principal instala
um sistema de controles e delegações, burocrático e centralizado, estimu lando
os seus colaboradores com recompensas materiais e lhes oferecendo poucas
oportunidades de dispor de poder real21•
5.2 ORGANIZACÃO SISTEMA FECHADO
Essa organização reflete a falta de foco ou acordo dos controladores
externos. O poder externo encontra-se disperso, desorganizado e desfocado,
quase sempre pela existência de um grande número de influenciadores, sem
que seja possível determinar qual opinião prevalece.
21 Poder, como foi dito, é entendido como a capacidade de influenciar decisões.
55
A lacuna de poder criada é ocupada pelos administradores chave da
organização, que instalam uma estrutrura burocrática de delegação de poder,
na qual "espaços" de poder são moeda de troca para a manutenção das
posições hierárquicas.
Livre de controles externos, a organização vai se aparelhar para tentar
controlar o meio ambiente, evitando, tanto quanto possível, o aparecimento de
um influenciador dominante. Seus objetivos são, pela ordem de importância,
sobrevivência, eficiência, controle e crescimento.
5.3 ORGANIZACÃO AUTOCRÁTICA
Nessa organização, um executivo principal carismático encontra uma
coalizão externa passiva. Todo o poder é então fruto das qualidades pessoais
desse indivíduo, que possui controle centralizado de todos os acontecimentos.
A lealdade ao líder deve ser regularmente reiterada e demonstrada, o que
impede virtualmente a existência de "jogos políticos".
É uma forma comum em organizações pequenas e jovens, e com
funcionamento "não-transparente". A idade e o crescimento da organização ou
a morte do líder tendem a modificar essa configuração de poder.
5.4 ORGANIZACÃO MISSIONÁRIA
Essa é uma forma de organização que, através de uma forte ideologia,
procura manter a coalizão externa passiva. Essa ideologia forte também serve
para "enquadrar" os participantes da coalizão interna. A meta da organização é
56
agora a missão, seu atingimento e aperfeiçoamento. Tudo o que estiver fora
desse foco deve ser rejeitado.
Um forte l íder carismático no passado ou uma atividade
institucionalmente reconhecida como "boa,,22 são os eventos de origem típicos
dessa concepção de organização.
5.5 ORGANIZACÃO MERITOCRÁTICA
o poder aqui origina·se nos conhecimentos dos especialistas que
executam as tarefas da organização. A coalizão interna é do tipo "profissional"
e o instrumento de troca é o conhecimento, existindo um pequeno espaço para
atividade política. A natureza do trabalho do especialista torna·o
razoavelmente imune às pressões do ambiente. A coalizão externa é então
"pacificada".
A lealdade dos especialistas é para com a especialidade, o que torna
associações de classe de especialistas entidades bastante poderosas. A
comunicação e interação entre eles se dá pela sua técnica, pelo seu ramo de
conhecimento. Isso permite que o aumento da especialização tenha sempre
prioridade sobre a tarefa e o especialista não hesite em trocar de organização
buscando maior especialização.
22 A legislação brasileira por exemplo confere uma série de vantangens. inclusive fiscais. às organizações reconhecidas como "de utilidade pública". Igrejas, templos e partidos políticos também recebem benefício especial da lei.
57
A condição para o surgimento desse tipo de organização é a existência
de uma atividade operacional de alta complexidade, exigindo profissionais com
alto n ível de conhecimento.
5.6 ORGANIZACÃO ARENA POLíTICA
Havendo um número pequeno (maior que um e menor que quatro) de
focos de poder estabelece·se um conflito, seja entre as coalizões, seja dentro
delas. O conflito é a característica fundamental da organização arena política.
Normalmente as pressões conflitivas são originadas em focos de poder
externos23, que se fazem representar dentro da organização e ali reproduzem
o conflito. Como resultado, na melhor das hipóteses, a organização torna-se
presa a uma infinidade de regras e normas que visam atender aos objetivos de
cada foco de poder; na pior das hipóteses a organização é paralisada pelo
conflito.
Apesar de parecer disfuncional, a organização arena política tem como
objetivo permitir a transição entre as configurações de poder.
Definidas as formas de distribuição de poder, o próximo capítulo
subsidia a idéia de reestruturação, de modo que se possa avançar para a idéia
de reestruturação num sistema de poder fechado.
23 A existência de poucos focos fortes de poder caracteriza a coalizão externa dividida, onde há conflito. Um foco de poder (ou o consenso) determina a coalizão externa dominada. Uma miríade de pequenos focos de poder, com múltiplos objetivos, indica uma coalizão externa passiva.
58
6. A Idéia de Reestruturação
o funcionamento de uma organização supõe o alinhamento de
interesses entre os participantes. Tais interesses, se não iguais, devem ao
menos ser convergentes. As divergências entre interesses geram ineficiência e
custos, não contribuindo para o atingimento dos objetivos organizacionais.
No princípio da vida da organização o "olhar disciplinadorn24 do
fundador garante centralizadamente a coordenação e o alinhamento dos
interesses individuais. Com o crescimento porém, o empreendedor não é mais
capaz de garantir tal coordenação, visto que seu olhar já não consegue mais
atingir todas as partes da organização. Uma estrutura de coordenação e
controle é então estabelecida de modo a possibilitar a vigilância das partes
não acessíveis ao olhar central. Na maior parte das vezes a estrutura que se
estabelece é a burocracia máquina. Fruto de racionalização cartesiana de um
processo produtivo, a burocracia máquina é a expressão estrutural mais
eficiente para o atendimento deste processo.
Assim, na burocracia máquina o desalinhamento entre os objetivos
organizacionais e os dos indivíduos que compõem a estrutura provoca perdas
especialmente claras. Nas organizações em que essa estrutura é a mais
adequada, a única ação do desalinhamento é provocar ineficiência e custos.
24 Conforme definição de FOUCAL T, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão. 4' edição. Petrópolis: Vozes, 1 986.
59
A partir da estrutura burocrática inicialmente estabelecida, o passar do
tempo provoca um crescimento desigual pela estrutura. Livres do planejamento
centralizado que gerou a estrutura burocrática inicial, os diversos gerentes de
linha locais esforçam-se por fazer crescer seus setores e divisões, o que lhes
traz cada vez mais prestígio e poder. Inicia-se o círculo vicioso do crescimento
não racional25 e desordenado, onde poder e capacidade de persuasão se
tornam fatores fundamentais nas determinações de investimento e
contratação.
Em organizações nas quais o poder se distribui como um sistema
fechado esse crescimento "em causa própria" fica potencializado. A
possibilidade de receber apoio nos setores e divisões "abaixo" de si leva cada
gerente a estimular o surgimento de sub-setores, apoiando e justificando para
os seus superiores a necessidade de se dividir em novas chefias o que
acontecia sob apenas uma. É claro que a anuência das chefias superiores é
dada em troca do mesmo tipo de apoio, perpetuando o sistema fechado.
o afastamento do modelo de racionalidade suposto pela burocracia
causa, como já dito, uma ineficiência no processo produtivo que abre espaço
para o surgimento de diversos processos de revitalização organizacional.
Reengenharia, Total Quality Control, reestruturação, gerência por objetivos, etc
são todos nomes coloridos para a mesma ação: repensar racionalmente o
processo produtivo, reenquadrando-o, tanto quanto possível, nas premissas
25 É uma suposlçao sina qua non para a adoção da estrutura burocrática a possibilidade da racionalização, no mais puro sentido do método cartesiano, dos processos.
60
tayloristas, sofisticadas cada vez mais pelo cada vez maior conhecimento das
reações humanas.
6.1 UMA IDÉIA DE VALOR: A TEORIA DO AGENTE
Em 1 976, Jensen e Mec Ling publicaram um artigo que se tornou
famoso por ser o primeiro a associar a estrutura de propriedade (e também a
composição do capital) às decisões do executivo principal, e essas ao valor
das ações da empresa.
E como se dá essa relação de causalidade? Exemplo simples, aplicado
à decisão de investimento aparentemente pouco custosa mostra como se
estabelece nova tendência nas decisões do executivo chefe.
Imagine·se a decisão de comprar um carro para a locomoção do
executivo chefe. Em uma empresa cujo capital fosse todo de propriedade
desse executivo principal, essa decisão seria tomada somente com base na
real necessidade a ser atendida, a escolha recaindo sobre o modelo que
tivesse a menor relação custo/desempenho sob a ótica da organização,
provavelmente um modelo básico de carro econômico. Note·se que, nesse
caso, todo o rendimento sobre o capital da empresa pertence a esse mesmo
executivo e luxos desnecessários são pagos pela redução desse rendimento.
Em uma segunda empresa, cujo o capital fosse dividido em 5 1 % na
propriedade do executivo principal e 49% pulverizado entre acionistas
minoritários, a decisão pelo modelo econômico já não seria tão óbvia.
Observe·se que a redução do rendimento sobre o capital é agora dividida,
aproximadamente, pela metade, entre o executivo principal e os acionistas não
61
controladores. Agora o conforto de um carro luxuoso, desfrutado somente pelo
executivo principal é parcialmente pago pelos outros acionistas. Em modernas
sociedades anônimas, onde existem ações sem direito a voto, é possível
controlar uma empresa com parcelas de capital expressivamente mais baixas
que 50%26.
A análise feita para aquisição de um veículo pode se aplicar a
qualquer outra decisão do executivo chefe, afetado na objetividade de suas
escolhas não s6 em relação a luxos e benesses, mas também em sua
preferência por riscos.
A redução dos dividendos (ou o aumento do risco) oriunda dessa
mudança de comportamento do executivo principal afeta o valor das ações27 e,
por um mecanismo análogo, aumenta o custo de capital da organização.
o raciocínio que liga o valor das ações às decisões do executivo chefe
pode ser aplicado à decisões em todos os níveis da estrutura. Observe-se que
as decisões de gastos afetas aos gerentes em cada n ível da estrutura e
também comprometem o retorno do acionista pelo seu afastamento da
"racionalidade pura". Na verdade, mesmo os desperdícios perpetrados pelos
executantes desvinculados dos objetivos da organização reduzem esse retorno
e, consequentemente, o valor da ação.
26 No Brasil, 1 6,5% do cap�al total mais uma ação.
'll Está embutida a suposição de que as ações são racionalmente apreçadas pelo desconto do fluxo de dividendos futuro em relação ao nível de risco da empresa.
62
Num sistema de poder fechado, o não controle do executivo principal é
a situação característica. Sem sofrer pressões da coalizão externa e muitas
vezes possuidor de parcela ínfima do capital total (ou até mesmo de
nenhuma), o executivo principal tem como único objetivo sustentar sua
posição, mantendo o poder de decidir sobre gastos e investimentos e
influenciando a coalizão externa. Também constitui ganho secundário
significativo o status associado à posição de chefe principal.
Engajado nesse movimento de manutenção da própria posição de
poder e sem o controle externo, o executivo chefe se sente à vontade para,
através de liberdades e liberalidades, angariar a simpatia e o apoio dos níveis
hierárquicos inferiores. A obtenção desse apoio, fundamental para a
perpetuação do status quo, custa uma soma de dinheiro que torna o sistema
produtivo menos eficiente28 do que o necessário para o funcionamento da
organização instrumento equivalente.
Destaque-se que na organização instrumentalizada pela distribuição
de poder, a organização instrumento, a cobrança sobre o executivo chefe vem
associada à delegação de poder, que permite a manutenção da posição de
executivo principal independentemente do apoio ou simpatia internos. Na
organização instrumento o poder assume preponderantemente a forma
racional-legal e vem "de fora para dentro" na organização.
28 Eficiência é entendida como uma função inversamente proporcional ao custo de atingimento dos objetivos. Assim, ineficiência é uma característica inerente a qualquer processo, a uns em maior grau que outros. A eficiência infinita - custo zero - é um objetivo teórico. E necessário manter clara a dijerença conceitual em relação à eficácia, que é entendida como o grau de atingimento dos objetivos estabelecidos.
63
6.2 As OpÇÕES DE REESTRUTURAÇÃO
Como foi dito, a organização com estrutura burocrática necessita
periodicamente de uma reavaliação cartesiana de processos, seja esta
chamada reengenharia ou reestruturação. Qualquer nome que esse processo
tenha, qualquer que seja o discurso em que sê apoia o "novo" conjunto de
definições e categorias empregado, a sua síntese e objetivo serão os mesmos:
a rearrumação da "máquina" visando maior eficiência.
Mas a máquina já não é tão pequena e simples. É muito difícil para um
indivíduo, ou mesmo para um grupo, analisar, individual e integradamente,
todos os processos envolvidos no funcionamento de uma grande empresa.
Dentro dessa limitação, como distinguir entre o realmente necessário e o
"dispensável" a bem da eficiência? À distância, é difícil separar o joio do trigo.
Como solução deve·se buscar a cooptação de indivíduos mais
próximos aos processos, capazes de julgar "com maior propriedade" a
relevância ou não de cada processo para o atingimento dos objetivos
organizacionais.
Numa organização instrumento essa "cooptação ideológica" é
relativamente fácil. O trade·of( entre a cabeça dos outros ou a sua própria,
ainda que cuidadosamente disfarçado das pessoas em palavras bonitas, é
facilmente compreendido e decidido da maneira conveniente para a
organização pela maioria dos chefes. Ainda que um ideólogo corajoso escolha
a própria cabeça, será logo substituído por outro de comportamento modal
que, à vontade, indicará as cabeças a cortar.
64
Em uma organização sistema fechado esse processo já não se dá de
maneira tão simples. A dificuldade de cortar cabeças impõe um caminho
motivacional diferente. Visto que os reforços negativos não são possíveis, a
estimulação deve se dar pelos reforços positivos. O gerente da linha média,
elemento a ser cooptado, deve ser seduzido por um aumento nas benesses e
liberalidades e assim induzido a indicar lugares de corte. E quando o faz,
quase sempre indica cortes "pela paralela", mostrando reduções possíveis nas
áreas de outros gerentes médios, pois a sua, absolutamente indispensável ao
bom funcionamento da organização, já está "muito abaixo do limite",
precisando de aumento de quadros para tornar o trabalho apenas "humano".
Assim, os cortes corresponderão a aumentos, equi librando os níveis de poder
dos diferentes gerentes da linha média.
Na organização sistema fechado uma reestruturação não causa o
efeito rejuvenescedor esperado em uma organização instrumento. O resultado
será o alívio das tensões causadas pelas concentrações de poder na linha
média.
65
7. A Metodologia de Avaliação29
7.1 POSSIBILIDADES DE AVALIAÇÃO
É pressuposto de um processo qualquer de reeslruturação a melhoria
da eficácia e da eficiência do funcionamento do sistema. Melhorias de eficácia
e eficiência se oferecem, em algum modo, a processos de avaliação.
Neste estudo a questão-guia objetiva as motivações para a adoção de
um processo participativo de reestruturação. Na sua característica de
participativo tal processo buscaria, junto aos próprios indivíduos que seriam
cortados, as sugestões para o corte de funções e, consequentemente, de
pessoas. É de se esperar portanto que esse processo apresente baixa, ou
mesmo nenhuma eficácia.
Assim, um caminho curto e incontestável para justificar a adoção do
processo participativo seria a mensuração objetiva dos resultados obtidos, em
termos de ganho de eficácia no processo produtivo.
Por esse motivo considerei primeiro a viabilidade de alternativas
objetivas de avaliação. Constatada a inviabilidade dessa opção, parti para as
possibilidades de avaliar o processo subjetivamente, através das percepções
29 A concepção desse item foi fortemente influenciada pelo trabalho de VERGARA, Sylvia C. Pesquisa Participante: pressuposlos epislemológicos e melodologia. Trabalho apresentado na disciplina de Metodologia da Pesquisa do Curso de Doutorado em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, setembro de 1 985.
66
dos atores participantes. As duas próximas seções discutem e pretendem
justificar a escolha.
7.1.1 A A valiacão Objetiva
A diversidade de resultados pode ser objetivamente mensurada na
variação do fluxo de caixa líquido gerado pela organização. Tendo como fixo
que se espera um aumento de eficiência, deve poder ser mensurada a redução
dos custos de produção, combinada ou não com aumento das receitas. Os
índices da contabilidade gerencial devem ser capazes de explicitar esse
número, ou pelo menos apontar para ele num futuro subsequente à zona de
turbulência que acompanha qualquer modificação estrutural. Embora o tempo
de acomodação seja inevitável, a contabilidade deverá ser capaz de mostrar
essa melhoria de resultados.
Na organização enfocada esse tipo de avaliação não seria possível, já
que a contabilidade não está estruturada de modo a poder fornecer dados com
a agregação necessária à observação desses valores.
Outra possibilidade de avaliação objetiva seria a mensuração do
aumento do valor das ações da empresa, negociadas em bolsa de valores, não
vinculável a outros fatores ou a uma alta generalizada no mercado30• Como no
caso das decisões do executivo chefe, cujas escolhas afetam o valor de
30 A bem da verdade existe aqui o pressuposto financeiro implícito de que um aumento do fluxo de caixa esperado ou uma redução do nível de risco são percebidos objetivamente pelo mercado de ações e a variação de valor imediatamente incorporada ao preço da ação.
67
mercado das ações, um alinhamento de objetivos e consequente aumento de
eficiência deve refletir na avaliação da empresa pelo mercado de ações.
Também tal avaliação não seria possível no caso da organização em
estudo, enquanto parte de uma organização maior. O reflexo de sua eficiência
não pode ser isolado em função da infinidade de variáveis que afetam o valor
das ações da holding. Não havendo como eliminar os ruídos, esse método foi
descartado.
7.1.2 A A valiacão Subjetiva
Excluídas as possibilidades de avaliação objetiva restou a opção por
uma avaliação sUbjetiva, procurando na percepção das pessoas participantes
da organização as motivações e opiniões relativas ao processo de
reestrutu ração.
A coleta deste tipo de informação pode se dar por meio de
questionário ou entrevista. O questionário dispensa a presença ativa (ou pró
ativa) do pesquisador e não pode ser alterado ad hoc.
A entrevista por sua vez pode ser feita com roteiro rígido, quando se
assemelha muito a um questionário, de modo semi-estruturado, onde existe um
grupo de perguntas de referência, ou de modo completamente aberto.
O roteiro rígido é mais adequado a estudos não exploratórios, onde
importa buscar a correlação estatística existente entre fatores ligados ao
processo de reestruturação.
68
A entrevista semi-aberta permite que se investigue de modo dinâmico
as percepções do entrevistado não só sobre a questão original, mas também
sobre questões paralelas ou mesmo sobre novas questões que surjam no
momento da entrevista.
Na avaliação subjetiva de um processo de reestruturação é importante
reduzir a presença forte de viéses pessoais ao mesmo tempo em que se
procura a impressão dos entrevistados sobre aspectos ligados ao andamento
e ao resultado do processo.
Por ser este um estudo exploratório dos problemas associados a um
processo de reestruturação e em face a natureza dos dados (percepções de
atores envolvidos no processo), buscou-se entre as alternativas de pesquisa
qualitativa uma que fosse capaz de propiciar maior discussão sobre os
fenômenos sociais a observar. O método hermenêutico-dialético, entre as
alternativas de pesquisa participativa, apareceu como oportunidade de
especular a partir da experiência pregressa, propiciando a particularização que
se fizesse necessária ao caso em estudo.
7.2 O MÉTODO HERMENÊUTica-DIALÉTICO
A crença na ciência como verdade absoluta e a consagração do
método empírico em nossa sociedade atingiu seu auge no final do século
passado. Quando as sociedades ocidentais se depararam com fenômenos que
o método científico não conseguia explicar - os fenômenos relativos a física
69
atômica ., ficou patente a necessidade de uma revisão no método explicativo.
Capra31 assinala a incapacidade do método:
"A teoria quântica acabara de por abaixo os conceitos clássicos
de objetos sólidos e de leis da natureza estritamente deterministas.
No nível subatômico, os objetos materiais sólidos da física clássica
dissolvem-se em padrões de probabilidade semelhante a ondas;
esses padrões, em última instância, não representam probabilidades
de coisas mas sim probabilidades de interconexões. ( . . . ) A partição
cartesiana entre o eu e o mundo, entre o observador e o observado,
não pode ser efetuada quando lidamos com a matéria atômica. Na
Física atômica, jamais podemos falar sobre a natureza sem falar, ao
mesmo tempo, sobre nós mesmos".
Outro fato que contribuiu para o desenvolvimento e aceitação de
outros métodos de pesquisas, que não o empírico, foi o desenvolvimento das
ciências sociais cujo objeto é também sujeito, tornando impossível a suposta
neutralidade do pesquisador. Essa percepção de que o objeto das ciências
sociais é também sujeito veio depois da tentativa de aplicar os critérios do
positivismo nessa área do saber.
Para Habermas32 é impossível aos homens proceder com indiferença
em relação ao mundo que eles constru íram como supostamente poderiam em
31 CAPRA, Fritjo!. o Tao da FIslca. São Paulo, Cultrix, 9a edição, t 989, pág. 58.
32 Citado por VERGARA, op. cit. pág. 5.
70
relação aos fenômenos da natureza. Já para Horkheimer33, não existe teoria
da sociedade que não inclua interesses políticos; não há reflexão neutra,
conduzindo à decisões e ações na atividade histórica concreta.
No início, os cientistas sociais foram também influenciados pelo
paradigma positivista-lógico e pretenderam estender a racionalidade
instrumental à totalidade do ser. Com o passar do tempo, percebeu-se que a
realidade social é um dos aspectos da realidade humana que mais clama por
outro tipo de pensamento: o pensamento dialético. Nessa dimensão é
imprescindível entender os aparentes paradoxos, percebendo que esses
constituem partes de uma mesma realidade ou, metaforicamente falando,
lados diferentes de uma mesma moeda.
Não quero dizer que, ao resgatar a lógica dialética, o método empírico
(que tem por base a lógica clássica) deva ser deixado de lado. Na verdade, o
paradigma hermenêutico-dialético necessita da síntese dos aparentes
paradoxos, constituindo a síntese dos diversos pensamentos. Dentro do
paradigma hermenêutico-dialético, então, percebe-se que o uso do método
empírico ou do interpretativo dependerá da natureza do problema estudado. O
resgate da lógica dialética vem para complementar a lógica clássica e não
para suplantá-Ia. Segundo Konder34:
"Durante séculos, a hegemonia do pensamento metafísico nos
acostumou a reconhecennos somente um tipo de contradição: a
33 Citado por VERGARA, op. cit. pág. 6.
.. KONDER, Leandro. O Que é Dialética? São Paulo, Brasiliense, 228 edição, t 99t , págs. 48 e 49.
71
contradição lógica. A lógica, como toda ciência, ocupa-se da
realidade apenas em um determinado nível; para alcançar resultados
rigorosos, ela limita o seu campo e trata de uma parte da realidade.
As leis da lógica são certamente válidas no campo delas; e - nesse
campo de validade - a contradição é a manifestação de um defeito
de raciocínio. Existem, porém, dimensões da realidade que não se
esgotam na disciplina das leis lógicas. Existem aspectos da
realidade humana que não podem ser compreendidos isoladamente:
se queremos começar a entendê-los, precisamos observar a
conexão íntima que existe entre eles e aquilo que não são".
Algumas das críticas mais severas ao positivismo vieram dos filósofos
da Escola de Frankfurt. Eles partem do pressuposto de que o homem é um ser
de dimensão histórica, que vive em uma realidade concreta, particular,
produzida, contraditória. A dimensão histórica garante ao homem a
pOSsibilidade de negação e superação da realidade, com vistas à
emancipação humana. Desta forma a ciência deixa de ter como objetivo
somente a explicação dos fenômenos através das teorias, e passa a explicá
los para a obtenção dessa emancipação.
Segundo Radnitzy35: "os produtos da pesquisa são auxiliados em
termos de sua relevância para a práxis da pesquisa e para a práxis política e
social, cujo fim último é a emancipação do homem".
35 Citado por VERGARA, op. cito pág. 4.
72
Já para Habermas36 a validação das léis dialéticas não trata de
relações particulares de funções específicas e contextos isolados; antes de
relações fundamentais de dependência, "por cuja mediação o mundo social
aparece determinado como totalidade, presente em todos os seus momentos".
o método dialético integra teoria e prática, sintetizadas na práxis. Ele
integra a visão do conjunto e a das partes, a unidade e a diversidade em
operações de síntese e de análise. Nesse método é importante a percepção da
dimensão mediata e imediata. Esta última é a que percebemos imediatamente,
enquanto a primeira é a que vamos descobrindo aos poucos, com o decorrer
da experiência. Assim, paulatinamente nos capacitamos a interferir nesse
processo, construindo e reconstruindo essa dimensão. Disso decorre a
possibilidade de se avaliar corretamente toda a significação do fenômeno.
Diferentemente do método empírico, o método dialético dá ênfase à
compreensão do sentido. Konder37 explica:
"(. .. ) a análise dos fenômenos quantificáveis da natureza não é o
terreno do método dialético; antes, o da história humana e o da
transformação da sociedade. Por essa razão, esse método leva à
revisão do passado à luz do presente e questiona o presente em
nome do futuro".
36 Citado por VERGARA, op. cit. pág. 4.
37 Citado por: VERGARA, op. cit. pág. 5.
73
o método hermenêutico-dialético não separa o sujeito do objeto; mas
sim supõe co-participação de todos, com suas diferentes representações da
realidade e com suas ações, no processo de pesquisa. Na visão de Radnitzy38,
o cientista quer que seus resultados sejam contribuições ao diálogo
progressista da humanidade, logo o cientista precisa do público como
fundamento lógico de seu trabalho.
Dentro dessa nova visão, já não se pode admitir um cientista isento da
responsabilidade do possível uso dos resultados de sua pesquisa. Todos que
participam da pesquisa são co-responsáveis pelos resultados produzidos. Há
uma relação direta entre os pressupostos epistemológicos (método dialético) e
a prática da pesquisa.
Por último, é interessante ressaltar o caráter particular e único da
pesquisa pelo método hermenêutico-dialético. Com essa visão fica muito difícil
(e até mesmo leviano) a generalização dos resultados obtidos em uma dada
pesquisa. Essa característica do método hermenêutico-dialético é acentuada
por Habermas38 que afirma que as conexões interdependentes e complexas do
contexto h istórico estão além dos sistemas considerados globalmente.
É claro que, por ser o método dialético um aspecto complementar e
não substitutivo, a experiência acumulada durante a pesquisa poderá sempre
ser utilizada em conjunto com as de outras pesquisas para conclusões e
tipificações de ordem mais genérica.
38 Citado por: VERGARA, op. cit. pág. 6.
39 Citado por VERGARA, op. cit. pág. 6.
74
7.3 A M ETODOLOGIA DA PESQUISA DE CAMPO
Pela própria natureza do método utilizado para a realização da
pesquisa é muito difícil se imaginar um receituário para sua aplicação.
Entretanto, Le Boterf e Grossi40 idealizaram um modelo tentando sistematizar o
desenvolvimento da pesquisa participante.
Devido à escassez de recursos (temporais, financeiros e humanos)
não foi possível realizar a pesquisa seguindo integralmente o modelo
idealizado por Le Boterf e Grossi. Porém, tomei·o como referência e adaptei-o
às minhas condições específicas de pesquisa.
Dentro do meu projeto de pesquisa foi possível identificar três fases
distintas41 • A realização das fases contudo não ocorreu linearmente, havendo
situações de retorno a etapas anteriores para incorporação de aprimoramentos
sugeridos pela experiência da etapa seguinte.
40 Como descr�o por VERGARA, op. cito pág. B . ., O modelo de Le Boterf e Grossi possui uma quarta fase que é a programação e aplicação de um
plano de ação que contribua para a solução dos problemas encontrados. Não foi realizada essa quarta fase pela falta de recursos já alegada e por não ser o escopo desse trabalho.
75
As fases podem ser assim descritas:
1 ª fase - montagem institucional e metodológica: (i) discussão do
projeto de pesquisa com o orientador; (ii) definição do tema, objetivo, conceitos
e método; (iii) justificativa para a escolha do tema; (iv) concepção do trabalho.
2@ fase - estudo preliminar e provisório sobre o assunto escolhido:
(i) revisão bibliográfica; (ii) elaboração de Um modelo conceptual; (ii i)
conhecimento dos pontos de vista dos indivíduos e dos grupos envolvidos.
3i fase - análise crítica dos problemas considerados prioritários
durante a fase de entrevistas e "feedbac/(' dos resultados à organização
pesqulsada: (i) expressão das representações do problema; (ii)
questionamento dessas representações; (ii i) reformulação do problema; (iv)
conclusão da pesquisa e "feedbacl<' dos resultados à organização que
participou do projeto.
No meu caso, funcionário da organização há quase dez anos, a coleta
de dados e informações foi facilitada por alguns fatores, ao mesmo tempo que
prejudicada por outros.
A condição de funcionário me abriu portas, formais e informais, e me
permitiu acesso à informações que um "estranho" não conseguiria. Também a
minha experiência pessoal "encurtou" caminhos de busca, fazendo com que
evitasse as "ruas sem saída".
Do lado das desvantagens o excesso de "intimidade" me criou,
algumas vezes, dificuldades para "ser levado a sério" e as barreiras
h ierárquicas tiveram que ser negociadas com cuidado.
76
Contudo, a lim itação mais forte foi o inevitável enviesamento. O meu
contato cotidiano com as pessoas criou um fluxo de informações, de mim e
para mim, que pode ter vindo a tingir a formação do modelo teórico explicativo.
Além disso, pode ter fornecido aos entrevistados subsídios para "escolha" de
suas respostas. A solução do afastamento temporário sofreu pressão contrária
da estrutura burocrática, relutante em "perder", ainda que temporariamente, o
controle sobre o meu trabalho.
A coleta de dados foi feita mediante a realização de entrevistas e
debates. No in ício do processo eram previstas cerca de 60 entrevistas,
procurando alcançar indivíduos em diversos níveis hierárquicos para entender
o problema de diversos ângulos. O andamento do processo, no entanto,
mostrou ser impossível a realização de tantas entrevistas formais. Contudo
apareceu uma nova possibilidade de coleta de dados: a entrevista
desestruturada. Muitos dos entrevistandos resistentes, sob diversos
argumentos, à entrevista formal, falaram horas de pé no corredor com um
cafezinho na mão.
Os dados colhidos focalizaram o ponto de vista das pessoas
envolvidas no processo de mudança, não somente sobre esse processo, mas
também sobre várias questões paralelas, com intenção de contextualizar as
opiniões do entrevistado e também de enriquecer a pesquisa.
Ao longo das entrevistas foram feitos questionamentos, com vistas não
só a avaliar como as pessoas percebiam os problemas envolvidos no processo
de reestruturação mas, ao mesmo tempo, estimular nos entrevistados um novo
olhar sobre o todo dos acontecimentos.
77
As entrevistas foram apoiadas em um roteiro bastante amplo, para dar
conta da personalização durante a entrevista, de acordo com as respostas do
entrevistado. Sempre que possível procurei obter dos entrevistados sua visão
acerca dos pontos fortes e fracos do processo de reestruturação e sugestões
para melhoria. O roteiro das entrevistas está no Anexo1 .
Pode-se dizer, então, que a pesquisa realizada teve caráter
interpretativo dos problemas associados a um processo de reestruturação, de
modo a gerar "insightS' para pesquisas futuras mais detalhadas.
78
8. Apresentação e Análise dos Dados
Como explicado no capítulo sobre metodologia, a proposta inicial era
fazer cerca de 60 entrevistas, de cerca de uma hora, abrangendo todos os
níveis hierárquicos da organização em estudo. Tal intenção foi frustrada, e
entendo que os motivos que impediram o atingimento pleno deste objetivo são,
em si mesmo, dados, cuja relevância não pode ser desprezada.
Para facilitar a compreensão esta seção será dividida em três partes.
O Relato Factual, onde forneço ao leitor informações factuais que permitirão o
entendimento da análise procedida durante a apresentação dos dados nas
partes Resultados Gerais e Resultados Ligados à Questão-Guia.
8.1 O RELATO FACruAL
8.1.1 As EsTRUTURAS
A Reduc é uma das unidades do departamento industrial da
PETROBRÁS. Nessa condição, tinha, antes da reestruturação de que trata
este estudo, uma estrutura mais ou menos padrão, comum às outras unidades
deste departamento. Tal estrutura tipicamente previa a partição da unidade
industrial em divisões, e de cada divisão em unidades menores, os setores.
Alguns setores eram divididos em partes ainda menores, as seções. Apesar de
os setores serem ligados, caracteristicamente, à divisões existiam setores
ligados diretamente ao ápice estratégico, chamados setores autônomos. A
avaliação numérica mostra 9 divisões, 53 setores, mais 4 diretamente ligados
à superintendência, e 1 4 seções.
79
Cabe assinalar que essa avaliação numérica era a da estrutura formal.
A estrutura de fato operacional, conhecida como "informal" apesar de ser
divulgada por escrito, possuia 1 0 divisões, 49 setores, mais 7 diretamente
ligados à superintendência, e 1 6 seções.
o ápice estratégico, em ambas as estruturas, além do executivo
principal, o superintendente, possuía dois superintendentes adjuntos, com uma
divisão de responsabil idades que provocava uma primeira divisão formal na
hierarquia, acima do nível das divisões.
A outra extremidade, o núcleo operacional, era caracteristicamente
dividida em equipes, com um supervisor designado pelo último chefe formal, o
chefe de setor ou o chefe de seção. Algumas vezes, em espeCial no caso dos
setores que não eram divididos em seções, existiam dois níveis "informais" de
supervisão.
o resultado era uma cadeia de comando formada por:
superintendente, superintendente adjunto, chefe de divisão, chefe de setor,
chefe de seção, supervisor e executante. Ou seja, sete n íveis hierárquicos.
Após a reestruturação, o desenho da hierarquia ficou formalizado em 8
divisões ou plantas, 33 setores, 5 setores diretamente ligados à
superintendência e 3 assessorias. Plantas ou divisões são o mesmo nível
hierárquico ligado a atividades diferentes. O nível de seção desapareceu,
compensado por um aumento na quantidade de supervisões e supervisões
duplas. O ápice estratégico tem agora somente um superintendente adjunto,
cujas funções se confundem com as do superintendente, respondendo os dois
como um e dividindo seu trabalho por volume, não por atividade.
80
A cadeia de comando agora tem cinco níveis: superintendente (ou
superintendente adjunto), chefe de divisão ou planta, chefe de setor,
supervisor e executante. A presença do segundo supervisor aumenta esse
número para seis.
A diferença fundamental entre uma e outra estrutura é que os
trabalhos de manutenção dos equipamentos ligados à atividade fim se
desenvolviam exclusivamente sob a chefia de uma divisão. Na estrutura nova,
parte do serviço de manutenção, particularmente daquela ligada ao cotidiano,
foi remanejado para o controle dos chefes de plantas ou divisões, onde se
desenvolve atividade industrial.
8.1.2 Os FATOS HISTÓRICOS
É tida por todos como marco das motivações que precipitaram a
reestruturação uma greve de cerca de 30 dias ocorrida em fins de 1990. Tal
greve ocorreu apenas na Reduc, envolveu somente os setores operacionais -
ligados à atividade de produção - e terminou sem vencedores. O objetivo da
greve não foi atingido e o resultado foi um péssimo clima de trabalho.
Nesse mesmo ano a Reduc contratou uma consultoria especializada
em relações humanas com o objetivo de, treinando o corpo gerencial, melhorar
as relações interpessoais.
Finda a greve a refinaria contratou uma outra consultoria com o intuito
de fornecer as condições necessárias à promoção de um processo de
reestruturação.
81
Ambas as consultorias prestavam ou já haviam prestado serviços em
outras unidades da PETROBRÁS.
Em fins de 1 991 começava o processo de coleta de informações que
iria resultar na reestruturação participativa objeto deste estudo.
Na metade do segundo semestre de 1993 o superintendente foi
substituído.
Em meados de 1 994 foi implantada a nova estrutura da Reduc.
8.2 RESULTADOS GERAIS
Dos 60 nomes selecionados, somente 25 resultaram em entrevistas
formais. Dos 35 restantes, cerca de 20 acabaram entrevistados informalmente,
de pé, junto ao bebedouro ou tomando um cafezinho. Os restantes evitaram
sistematicamente os assédios (limitados a quatro tentativas). A entrevista,
formal ou informal, acabou durando sempre de duas a três horas.
Entre os que acabaram permitindo a entrevista informal vê-se,
claramente, que o medo que opiniões "politicamente incorretas" (quase todos
são de opinião de que "nada mudou") chegassem aos ouvidos de seus
superiores havia impedido a entrevista formal. Note-se que sigilo era uma
garantia oferecida juntamente com o pedido de agendamento da entrevista.
Como garantia adicional era oferecida ainda a possibilidade da entrevista não
gravada.
A propósito, entre os formalmente entrevistados somente dois
"preferiram" que a entrevista não fosse gravada; o restante, tipicamente,
82
declarava que "falaria o mesmo na frente de qualquer um". Também entre os
formalmente entrevistados, um outro grupo pequeno, cerca de quatro pessoas,
evitou a exposição excessiva, "recitando" os documentos oficiais da empresa.
Do conjunto de entrevistas, formais e informais, uma outra informação
interessante merece ser evidenciada: a ignorância sobre o processo
organizacional42• Tal característica apareceu, na amostra, com maior
frequência (aproximadamente 90%) entre os indivíduos do núcleo operacional
e da gerência média diretamente ligada a ele.
Já no grupo formado pela "alta" gerência média, pelo staffe pelo ápice
estratégico a proporção se inverte, e somente 10% das pessoas parece estar
alheio ao processo organizacional.
Uma explicação possível para esse fato pode ser a necessidade de
assumir um cargo gerencial para ter progressão financeira, o que empurra
bons técnicos para a gerência média. Nas palavras de um entrevistado: " .. . A
GENTE TEM o PÉSSIMO HÁBITO DE PEGAR O BOM TÉCNICO PARA FAZER UM MAU
GERENTE .....
o segundo nível de gerência média é bem mais restrito e exigente, o
que reduz a possibilidade de o mau gerente seguir carreira. Sobre esse
assunto recomenda-se a execução de estudos e avaliações complementares.
42 Defino como processo organizacional o conjunto formado pela estrutura, jogos de poder e motivações que envolve o cotidiano de uma organização.
83
Ressalve-se contudo que em todos os grupos foram encontradas
pessoas com percepção muito acurada dos processos organizacionais como
um todo.
8.3 RESULTADOS LIGADOS À QUESTÃO-GUIA
As respostas buscadas prioritariamente pela pesquisa eram aquelas
ligadas à questão-guia. Se os processos de reestruturação organizacional são
re-aplicações do método analítico/sintético cartesiano, por que na Reduc
optou-se por discuti-los com as partes envolvidas?
Como a resposta a essa pergunta foi procurada por perguntas
tangentes, o resultado é um painel de fragmentos de respostas, um quebra
cabeças faltando peças. O preenchimento das lacunas foi feito com base no
modelo conceptual. O texto analítico é ilustrado com citações literais das
entrevistas. Onde se fez necessário, tais citações são explicadas.
8.3.1 As MOTIVAÇÕES DO AGENTE DEFLAGRADOR
O modelo conceptual faz entrever uma possível resposta para o fato
de a reestruturação ter sido participativa: o executivo máximo de um sistema
fechado teria perdido poder de modo excessivo nas negociações com a linha
média e buscou a ratificação do núcleo operacional, mais susceptível à ação
do poder carismático, para montagem de uma nova estrutura de linha média.
Nessa montagem seria possível criar novos espaços para acomodar
focos de poder e fazer degolas convenientes. Note-se que, se houvesse apoio
externo, tais modificações não precisariam do apoio interno. Seria possível,
84
então, concluir por dois pontos: (i) falta de apoio externo para o executivo
principal, e, ( i i) conturbação interna provocada pela ação de outros focos de
poder. Nas entrevistas esses dois pontos foram evidenciados:
..... 0 A043 ESTAVA MUITO DESGASTADO COM O DEPARTAMENT044 ( ... )
OFICIALMENTE TINHA A HISTÓRIA QUE ELE [O AD]45 JÁ ESTAVA HÁ MUITO TEMPO
AQUI ... "
..... A REDUC SEMPRE FOI MUITO QUESTIONADA PELA SEDE, O AO TAMBÉM
( ... ) A GRANDE DIFICULDADE DO AO ERA LIDAR COM AUTORIDADE, TANTO PARA
CIMA COMO PARA BAIXO ... "
..... NO MEIO DO CONFLITO ELE [o AD] TEM MUITA DIFICULDADE DE DECIDIR,
O NNl46 DECIDE ... "
..... [0 AD tinha] DIFICULDADE DE IMPOR AUTORIDADE E DE FAZER UM
EMBATE COM O SEU CHEFE ( ... ) ISSO TRANSPARECIA COMO UM PULSO FRACO, DE
DEIXAR AS COISAS CORREREM ... "
Alguns depoimentos registram a percepção da dificuldade do AO em
exercer poder racional-legal, por falta de apoio externo (do "departamento").
Outras percepções (páginas 89 e 98) sugerem que para o exercício do
poder carismático ele se sentia muito à vontade.
43 o AO é o Agente Deflagrador, indivíduo que foi capaz de iniciar o processo de reestruturação e de fazer com que esse processo fosse participativo.
44 A PETROBRÁS é dividida em diretorias, estas em departamentos e os departamentos em unidades operacionais. A Reduc é uma unidade operacional, portanto, subordinada a um departamento.
46 O texto em itálico entre colchetes foi introduzido para contéxtualizar os fragmentos, tornando-os inteligíveís, não fazendo parte da citação literal.
.. O NN1 é O Novo Número 1 , que substituiu o AO na posição de executivo principal.
85
Já a respeito da conturbação interna tem-se:
" ..• ERA CHEIA DE NICHOS DE PODER ... "
" •.• A REFINARIA SEMPRE TEVE ESTA NÃO CONVI�NCIA ENTRE OS GRUPOS
QUE SE FORMARAM ( ... ) FOI UMA GRANDE BRIGA DE PODER ENTRE OS GRUPOS ( ... )
UMA TBNTATIV A DE DEFENDER OS SEUS PONTOS DE VISTA c. .. ) É CLARO QUE TINHA
MUITO WBBY ... "
" ... OS PROBLEMAS DE GESTÃO E POSTURA, SOMADOS ÀS DIFICULDADES DE
CORTAR CABEÇAS, LEVARAM O AD A PRECIPITAR A ESTRUTURA NUM PROCESSO
DE REESTRUTURAÇÃO PARTICIPATIVO, COM A ESPERANÇA QUE ESTE PERMITISSE,
NUM FUTURO PRÓXIMO, A CRIAÇÃO DAS DESCULPAS PARA A DEGOLA ... "
Nestes trechos são claros os problemas de funcionamento do sistema,
bem como a existência de núcleos conflitantes de poder. O último trecho
retoma a necessidade da criação de "oportunidades" para promover
mudanças.
Ainda nesta linha de idéias:
" . . . EXISTIAM DUAS FORMAS DE PROBLEMAS: ADMINISTRATIVOS E
GERENCIAIS E UMA P • . . BRIGA DE PODER ( ... ) AI NÃO DAVA PARA MEXER NUM SEM
TOCAR NO OUTRO ... "
" ... APESAR DA POSSffiILIDADE DA ESTRUTURA ANTIGA FUNCIONAR, AS
DISCUSSOES PARTICIPATIVAS, QUE COMEÇARAM APóS A SAlDA DO PENÚLTIMO
SUPERINTENDENTE, LEVARAM À CONSTATAÇÃO DE QUE AQUELE ERA MAIS
ADAPTADO À RELAÇOES DE TRABALHO MAIS HIERARQUIZADAS .. . "
86
Neste último trecho fica claro que desde a assunção do cargo pelo AO
as discussões participativas, ou seja, a negociação e o exercício do poder
carismático se tornaram um hábito.
Uma outra motivação para a reestruturação era a melhoria de relações
com o controlador externo. Se "o departamento" via com bons olhos uma
reestruturação, era conveniente promovê-Ia. Programas de reestruturação bem
sucedidos eram bem vistos pelo controlador externo e potencializavam
carreiras. Excertos das entrevistas ilustram este ponto:
" ..• OS CHEFES N 147 DE OUTRAS UNIDADES QUE HAVIAM PROMOVIDO
REESTRUTURAÇOES NAS SUAS ÁREAS MELHORARAM SUAS POSSffiILIDADES DE
CHEGAR A POSIÇÃO DE Nl DO DEPARTAMENTO DA HOUJING .....
" ... 0 AD TINHA UMA AMBIÇÃO PELO PODER MUITO GRANDE, ERA UM
HABILíSSIMO POLíTICO, FALAVA EM PúBLICO MUITO BEM .....
Como já foi mencionado, o AO tinha muito desenvolvida sua
capacidade de usar o poder carismático. Além destas conveniências, a adoção
de um processo participativo não corria riscos do não engajamento do núcleo
operacional, que não identificou sua participação como um risco para si
mesmo. Se alguém corria risco, esse alguém era a linha média.
" ... NÃO TEVE NECESSIDADE DE CORTE DE PESSOAL PORQUE A GENTE
TRABALHA MUITO CONTRATADO [mão de obra sub-contratada] E Aí A GENTE
PODE CORTAR AÍ .....
47 Chefe N1 é o executivo de nível mais alto. Na nomeclatura da Reduc ele é o superintendente ou "o super". A ele seguem os N2 (chefes de divisão) e os N3 (chefes de setor). No passado existiram também os N4 (chefes de seção). Existe também a figura do N1', um superintendente adiunto, pretensamente com a mesma autoridade formal do "super".
87
Neste ponto da análise a questão-guia já foi respondida. Os
fragmentos das entrevistas mostram que o AO, provavelmente, precipitou a
organização num processo de reestruturação por dois motivos: (i) existia um
n ível muito alto de conflito e ineficiência internos, com muito poder difundido
na linha média e (ii) o controlador externo via com bons olhos ações que
buscassem aumento de eficiência e eficácia.
O processo foi participativo por não dispor o AO de apoio externo para
implementá-lo através do exercício do poder racional-legal. Já as negociações
e discussões envolvidas no processo participativo foram um excelente espaço
de manobra para o exercício do poder carismático, forma de poder na qual o
AO se sentia muito confortável . A tudo isso se somava a facil idade de engajar
o núcleo operacional, que não antecipava sobre si mesmo consequências das
mudanças.
Além das informações constatadas a partir das entrevistas, se pode
especular sobre outras "vantagens" associadas ao processo participativo.
Primeiro, ele tornou-se inatacável na sua característica de participativo, visto
que o contexto o coloca como "politicamente correto". Segundo, criou um
estado de confusão interna à organização tão grande que tornaria difícil a
substitu ição do executivo principal pelo tempo que durasse o processo.
Apesar de respondida a questão-guia, a análise do restante do
material permite uma interessante visão da atividade das posições de poder
dentro de um sistema fechado, durante um processo de reestruturação
participativa, quando a hierarquia racional-legal entra em "suspensão".
88
Por exemplo, o que esperar como reação da linha gerencial média?
8.3.2 A REACÃO DA LINHA MÉDIA
A estrutura, leia-se os gerentes da linha média, interpretou a
reestruturação como uma oportunidade e um risco, sobre o qual o empenho
pessoal era indispensável. Privada do seu poder racional-legal, a linha média
teve que se introduzir no discurso da nova realidade e praticar o exercício do
poder carismático. Como se vê:
" ... NO INÍCIO ERA UM PROJETO DO AD MAS DEPOIS A ESTRUTURA VIU O QUE
ESTAVA ACONTECENDO, VIU QUE TINHA QUE SE ENGAJAR SENÃO IA SAffi FORA DO
PROCESSO ... "
" ... OS CHEFES DE N2 'ABANDONARAM' SEUS POSTOS NAS MÃos DE
SUBSTITUTOS E SE CONCENTRARAM EM APRENDER OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS
DA NOVA ONDA".
"Jogando" nas novas regras, os gerentes da linha média reestabelecem a
briga pelo poder.
" ... AI A ESTRUTURA SE ENGAJOU E PASSOU A SER UMA BRIGA DE PODER • . . "
" ... 0 AD TINHA O PODER REAL E O PODER DE FATO, MAS DURANTE O
PROCESSO OUTROS LIDERES SURGmAM ... "
" ... A ESTRUTURA PASSOU A CONDUZIR O PROCESSO ... "
Assim, os depoimentos mostram a percepção dos gerentes da alta
linha média de que também no exercício do poder carismático "a estrutura" era
capaz de induzir as decisões do núcleo operacion'al.
89
Nesse contexto, ficou evidente que a necessidade de alianças era
muito forte .
... .. 0 GRUPO É [era] TÃO IMPORTANTE, QUE QUEM SAI [saía] DO GRUPO
FICA[va] DESCONFORTÁVEL".
Durante o processo a linha média retomou sua força, formou alianças
e estava em campo trabalhando para influenciar o resultado. Isso gerou, sem
dúvida, uma reação nos outros participantes do processo, especialmente no
núcleo operacional, convocado como autor pelo AO. Como o andamento do
processo foi visto pelos participantes?
8.3.3 O ANDAMENTO DO PROCESSO
o resultado da re-tomada de poder pela alta linha média foi uma
sensação generalizada de descontrole. Mesmo os gerentes da baixa linha
média não percebiam a direção tomada pelo processo. Algumas pessoas
acreditavam que o AO havia perdido o controle da situação .
... .. 0 SUPER TINHA QUE SER O CONDUTOR DESTE NEGócIO ( ... ) E NÃO FOI..."
..... A MEU VER, [o processo] FUGIU DO CONTROLE DO AD, QUE NÃO
CONSEGUIU IMPLANTAR A SUA ESTRUTURA, TERMINANDO ENGOLIDO PELO
PROCESSO ... "
o sintoma mais claramente percebido desta falta de controle era a
forte influência que um pequeno grupo tinha nas decisões ·participativas".
Como ilustra um dos depoimentos:
90
" ... 0 PROCESSO ASSIM NÃO FOI TÃO PARTICIPATIVO PORQUE ACABOU SENDO
CONDUZIDO POR UMA MINORIA ... "
Outra percepção general izada, que corroborava a idéia de que o AO
havia perdido o controle, é a do andamento lento e confuso. Se um andamento
lento parece "normal" pelas características de participação, a confusão é
atribuída à falta de competência da consultoria contratada para assessorar a
reestruturação.
" ..• 0 PROCESSO SE DESENVOLVEU DE MODO LENTO, COMO SERIA DE SE
ESPERAR DE UM PROCESSO PARTICIPATIVO ... "
" . . • AQUELA COISA DE PROCESSO PARTICIPATIVO ( ... ) ATÉ PASSAR TUDO
PARA TODO MUNDO ... "
" [ ... os indivíduos que decidiam] FORAM INFLUENCIADOS PELOS
PROPOSITORES DA OUTRA PROPOSTA ( ... ) GANHARAM NO GRITO ( ... ) E SEMPRE
TIVERAM MUITO APOIO NA CONSULTORA 48 ( • • • ) QUE FEZ UMA ANÁLISE DE
LONGE ... "
As opiniões não claras e não diretivas da consultoria são interpretadas
como falta de competência ou como falta de experiência. A hipótese de que
tais opiniões fossem deliberadamente ambíguas não foi claramente aventada
por ninguém.
48 A referência a uma consultrora, ao invés de a uma consulttoria, se explica pelo fato dessa consultoria ser prestada exclusivamente por um indivíduo, uma mulher, que era mu�o visível, aparecia frequentemente nas reuniões do grupo e se tornou conhecida de todos pelo nome.
91
" ... 0 ANDAMENTO FOI CONFUSO PORQUE FOI ORIENTADO POR UMA
CONSULTORA EXTERNA QUE APARENTEMENTE NÃO TINHA EXPER�CIA DE
ADMINISTRAÇÃO ( ... ) PARECIA MAIS FILÓSOFA ... "
Note-se que opiniões ambíguas são especialmente adequadas a
permitir a acomodação das brigas pelo poder e ao exercício do poder
carismático, como se entrevê no fragmento abaixo:
" ... NÃO TINHA UM ROTEIRO ( ... ) SE DAVA UM PASSO HOIB SEM SABER QUAL
SERIA A DIREÇÃO DE AMANHÃ ( ... ) AI FICOU ESPAÇO LIVRE PARA UMA GRANDE
GUERRA DE PODER ... "
Com o passar do tempo os blocos de poder começaram a ficar claros.
O núcleo operacional retornou ao seu papel secundário, as qualidades da
participação foram um pouco "abandonadas" pelo discurso. Os pudores em
declarar a própria posição como de controle começaram a ceder e a
participação excessiva começa a se tornar incômoda.
" ... 0 ADMINISTRAR ESSE NEGÓCIO É MUITO DIFIcIL ( ... ) A GENTE [a alta
gerência média] DEIXOU A PARTICIPAÇÃO IR ATÉ UM NNEL MUITO BAIXO . . • "
Particularmente incômodos são aqueles que não vêem, ou não querem
ver, o seu papel de coadjuvantes, insistindo em defender suas idéias até o
último recurso.
" ... A DIFICULDADE É ATÉ ONDE IR COM ESTA PARTICIPAÇÃO ( • • . ) TEM MUITA
GENTE QUE NÃO SABE O QUE É PARTICIPAÇÃO ( ... ) AS PESSOAS CONFUNDEM
PARTICIPAÇÃO COM A ACEITAÇÃO DAS SUAS IDÉIAS ... "
92
..... A [dificuldade] É QUE NÃO SEI SE O AJUDANTE DE UMA ATIVIDADE
SIMPLES DEVE OPINAR NA FORMAÇÃO DE ESTRU1URA DA ORGANIZAÇÃO ( ... ) TEM
VANTAGENS, MAS SERÃ QUE VALE A PENA? . . "
Depois de "assentada a poeira" e re-estabelecido o poder da linha
média, o desengajamento do núcleo operacional foi inevitável.
..... A REESTRU1URAÇÃO COMEÇOU A FICAR MUITO CONCENTRADA NO
GRUPO DE REESTRU1URAÇÃO ... "
Esse fato foi interpretado de dois modos: (i) entre os egressos, como
reação natural à continuidade da atividade participativa e, (ii) entre os
remanescentes como reação de quem havia se engajado no processo por
motivos outros que não o resultado do processo. Nas palavras de um dos
remanescentes:
..... A PARTE SIGNIFICATIVA DAS PESSOAS ESTAVA ALI POR OUTROS MOTIVOS
( . . . ) TALVEZ HORA EXTRA, TALVEZ VlAGENS49, TALVEZ PARA MATAR
TRABALHO ... "
É fácil perceber que o fato de a gerência média ter recuperado o poder
após o susto inicial afetou muito profundamente o restante do processo.
o AO contudo continua o processo. Aparentemente com mais controle
do que supunha o núcleo operacional. Talvez por julgar suficiente -
a
redistribuição do poder, talvez por ter recebido notícias do seu iminente
49 Na parte inicial do processo algumas pessoas foram mandadas à outras unidades da PETROBRÁS para conhecer o trabalho de reestruturação desenvolvido lá.
93
afastamento, o AO toma a decisão de conduzir o processo de reestruturação
para o seu fim.
8.3.4 Q AGENTE DEFLAGRADOR COMECA A ENCERRAR o PROCESSO
Atendida a necessidade de redistribuição do poder, mesmo que não
completamente, era hora de organizar a nova estrutura de modo a concentrar
poder nas próprias mãos. O excesso de participação já não fazia sentido.
apoio.
"[o AD provoca] . .. MUDANÇA DA FORMA DE TRABALHO; [agora,] DOS T�
GRUPOS APENAS UM TRATA DA REAL ESTRUTURA DE PODER ENQUANTO OS
OUTROS TRATAM DO PERIFÉRICO E AS DECISÕES, QUE ERAM TOMADAS NO FÓRUM
COMPOSTO PELOS T� GRUPOS REUNIDOS, PASSA A SER TOMADA PELO
SUPER/ccdo; [é uma] VIRADA DE MESA ( . . . ) NESTA FASE A IDÉIA DE
"PARTICIPATIVO" COMEÇA A PERDER EFETIVIDADE E O AD TENTA PRECIPITAR A
DECISÃO PELA ESTRUTURA POR PLANTAS ( ... ) O AD É COLHIDO PELA SUA
SUBSTITUIÇÃO, SAI DE CENA E VEM UM OUTRO CHEFE Nl DE FORA DA
ORGANIZAÇÃO ... "
Simultaneamente se promoveria a degola e a troca de posições por
" ... 0 AD APOIA ESTA SEGUNDA [uma estrutura por plantas] E MANOBRA
POLITICAMENTE DE MODO A CONSEGUIR O APOIO DOS CHEFES N2 QUE INTENTAM
CONTINUAR COM AO MENOS ESTE NívEL DE CHEFIA ... "
" .. . 0 AD QUERIA UMA ESTRUTURA EM PLANTAS E JÁ ESTAVA QUASE
CONSEGUINDO QUANDO A CABEÇA DELE ROLOU ... "
50 CCG, Comttê de Controle Gerencial, é formado pelo superintendente da Reduc e pelos ocupantes das posições hierárquicas diretamente ligadas a ele. Também é chamado estrutura básica.
94
Apesar disso, parece que a falta de apoio externo se tornou rejeição, e
o AO perdeu, ele próprio, a posição .
..... 0 AO NÃO SAIU, FOI SAlDo ( ... ) POR QUE o SUPER QUE TINHA ANTES ERA
o Fulano E ELE TINHA UM ESTILO MUITO PARECIDO COM O AO ( ... ) Uá] o Sicrano
[chefe do departamento] RESOLVEU MUDAR O ESTILO DO SUPER E, AÍ, A
PRIMEIRA COISA QUE ELE FFZ FOI MUDAR O AO; O NNI SEMPRE FOI O CARA DE
CONFIANÇA DO Sicrano E ELE DEVE TER VINDO PARA CÁ DAR UMA ARRUMADA NA
REDUC NO ESTILO QUE ELE [super do departamento] GOSTARIA QUE FOSSE MAIS
OBJETIVO, MAIS PRAGMÁTICO .. . "
Junto com ele caíram também os seus "homens de confiança".
" . . . Fulano, Sicrano E Beltrano [que estão entre os poucos que foram
excluídos] SEMPRE FORAM O ESCUDO DO AD ( ... ) RECEBIAM A CULPA DOS
PROBLEMAS E DIVIDIAM OS LOUROS ( ... ) ELES NUNCA FORAM FORTES NA
ESTRUTURA ... "
Como é razoável de se supor, a gerência média segregou os
escudeiros do AO, no que não foi impedida por ninguém.
Para o lugar do AO, o N1 do departamento mandou um novo N 1 . Como
ele foi percebido?
8.3.5 O Novo NÚMERO 1
Num primeiro momento, a gerênCia média precisa "medir" o NN1,
avaliar a quantidade de poder que vem instrumentalizada nele. O NN1 não
tinha compromissos internos, poderia promover uma degola generalizada.
95
" ... E ASSIM O [novo super do departamento] TROUXE PARA cÁ ALGUÉM
AFINADO COM ELE ( ... ) DE REPENTE, O NNl QUE NÃO CONHECIA NINGUÉM
TOMARIA AS DECISOES ''DIÁCEIS'' SEM MUITO PROBLEMA ... "
o núcleo operacional também tinha essa percepção.
" ... NA ÉPOCA A GENTE TEVE ESPERANÇA QUE COMO O NOVO SUPER NÃO
CONHECIA NINGUÉM ELE PODIA DAR UMA SACUDIDA, UMA RENOVADA NA
ESTRUTURA ..• "
o NN1 é alinhado com o poder externo, não conhece ninguém e em
princípio poderia "tudo".
" ... 0 NNl, APESAR DAS DIFICULDADES, TINHA UMA GRANDE VANTAGEM:
ELE TINHA UM CAMINHO DENTRO DO DEPARTAMENTO QUE O AD NÃO TINHA;
MUITA GENTE TINHA RESTRIÇOES AOAD, O NNl FALAVA DE IGUAL..."
" ... 0 NNl É EXTREMAMENTE AFINADO COM O NOVO SUPER DO
DEPARTAMENTO ... "
" .•. 0 NNl É DE UMA OBJETIVIDADE MUITO GRANDE, ASSUME OS DESGASTES
( • . . ) MAS NÃO FALA EM PúBLICO TÃO BEM COMO O AD ( .. . ) PARA A
ORGANIZAÇÃO, O TIPO DO NNl É MAIS ADEQUADO ... "
o NN1 , contudo, é um chefe experiente. Não partiria para o embate
sem antes avaliar "os oponentes". Afinal, quem é a alta gerência média?
8.3.6 A FORCA DA ALTA GER1tNCIA MÉDIA
Como é fácil de perceber, a alta linha média se vê como muito
poderosa. Ao menos como bastante poderosa para enfrentar com sucesso
mesmo um N1 "tirano".
96
..... AI CHEGA AQUI ENCONTRA A CCO MUITO FORTE E BEM ORGANIZADA ... "
..... [a mudança de SUPER durante o processo) NÃO [criou uma
descontinuidade) POR DOIS MOTIVOS: A CCO JÁ ESTAVA MUITO FORTE, NÓS
ASSUMIMOS O PROCESSO E PODIA VIR O SUPER QUE VIESSE QUE A GENTE NÃO IA
LARGAR ( . . • ) A SEGUNDA COISA É QUE O NNl JÁ TINHA PASSADO POR UM
PROCESSO SEMELHANTE [na sua unidade de origem) ... "
..... [a troca de superintendentes) NÃO ATRAPALHOU; COMO O PROCESSO JÁ
ESTAVA SENDO TOCADO NUM NlvEL ASSIM, 'MAIS BAIXO' , NÃO FFZ MUITA
DIFERENÇA ... "
..... AGORA NÓS SOMOS IMUNES ATÉ MESMO A UMA TROCA DE
SUPERINTENDENTE ( . . • ) EU NÃO CONSIGO VER UM TIRANO DIRIGINDO ISSO AQUI,
ELE SOFRERIA REAÇÃO DA ESTRUTURA BÁSICA ... "
É verdade que o comportamento do NN1 ratifica essa posição .
..... 0 NNl, INFLUENCIADO POR MANOBRAS POLmCAS INTERNAS [à
organização] - MANOBRAS ESTAS QUE PROVIDENCIARAM, INCLUSIVE, A
PRESENÇA DA CONSULTORIA DE APOIO AO PROCESSO, DECLARANDO TER
ENCONTRADO UM DESVIO DAS PREMISSAS FIWSÓFICAS FUNDAMENTAIS -, ADIA A
DECISÃO PELA ESTRUTURA; NESTE MOMENTO, SE % QUE MUITOS CHEFES N2
PROCURAM REVER SEU APOIO À ESTRUTURA POR PLANTAS - O NNl JÁ TINHA
CONDUZIDO UM PROCESSO SEMELHANTE EM SUA UNIDADE DE ORIGEM E A
CONCLUSÃO FOI UMA MA TRIZ ... "
Na chegada do NN1 , um movimento interno tenta reverter a situação,
procurando na proximidade do novo chefe, motivo para provocar uma nova
redistribuição de poder. Tal movimento não foi, afinal, bem sucedido. A
gerência média conseguiu manter a distribuição de poder feita no vácuo da
partida do AO. Como relata um entrevistado entre gargalhadas:
97
" . • . A ESTRUTURA FINAL FOI UMA ESTRUTURA MISTA, 98% PLANTAS E 2%
MATRIZ ... "
Nesse ponto o NN1 e a alta gerência média já haviam se conhecido, já
haviam se avaliado reciprocamente. Como o NN1 , então, conduziu o processo
ao seu final?
8.3.7 A FINALIZA CÃO DO PROCFSSO
Como era de se esperar, as ações do . NN1 foram no sentido de
retornar, tão logo quanto possível, à normalidade operacional.
" ... 0 NNI ACELEROU o PROCESSO, ELE JÁ VEIO COM ESTA INTENÇÃO."
" ... A IMPLANTAÇÃO FOI MUITO RÁPIDA ... "
" ... 0 PROCESSO JÁ ESTAVA MUITO DEMORADO ( ... ) E TINHA OS RESULTADOS
DA REFINARIA, COM AQUELA COISA DO AD, QUE OLHAVA (sa' P'RA FORA, E
NINGUÉM OLHAVA P'RA DENTRO ... "
" ... NÃO, [a mudança de super] ACELEROU [o andamento da
reestruturação], MAS Só ...
" ... JÁ O NNI TINHA O OBJETIVO DE ACABAR LOGO COM ESSA P . . . ; E
ACABOU."
" ... NA FASE DE DECISÃO DEIXOU DE SER PARTICIPA TIVO ... "
Ratifica essa posição a capacidade do NN1 de fazer aprovar, pelo
controlador externo, a nova estrutura.
98
" ..• 0 NOSSO NNl ME SURPREENDEU POSITNAMENTE ... ELE CONSEGUIU
APROVAR ISSO [a nova estrutura] QUANDO A DIRETORIA JÁ TINHA DITO QUE NÃO
APROVARIA MAIS NADA ... "
As lim itações de velocidade foram dadas pela necessidade de manter
estabilidade na estrutura, ou seja, de negociar e realinhar os focos internos de
poder. Ora, foco de poder engajado restava somente a alta gerência média. O
núcleo operacional há muito já tinha abandonado o processo. Os que
remanesceram não eram absolutamente capazes de criar problemas.
Desse modo, a solução dada foi uma consulta aos participantes, para
que sugerissem nomes para a formação da alta gerência média. Entre os
nomes sugeridos, após entrevistas, o NN1 e os dois N1 adjuntos escolheriam
os representantes para formar a nova estrutura básica. O procedimento se
repetiu, agora conduzido pelos novos chefes, para a baixa gerência média. O
andamento desse procedimento, contudo, não foi muito bem percebido pelo
núcleo operacional, como se vê a seguir:
" .•. AS PESSOAS QUE ACABARAM VOTANDO A ESTRUTURA FINAL NÃO FORAM
AS MAIS INDICADAS OU AS MAIS CAPAZES PARA DECIDIR, FORAM AS QUE TNERAM
MAIS SACO PARA FICAR ATÉ O FIM ... "
..... AI ME DÁ UMA DÚVIDA SE O FATO DA CCO TER CONDUZIDO O PROCESSO
NÃO DETERMINOU ISSO ( ... ) SE ELA NÃO DEFENDIA SEUS INTERESSES .. . "
" •.• AS VINTE PESSOAS QUE BATERAM O MARTELO CERTAMENTE NÃO ERAM
AS MAIS CAPAZES PARA FAZ�-LO .•. "
99
..... 0 QUE EU VI É QUE COMEÇOU COM MUITA PARTICIPAÇÃO E NO FINAL A
ALTA ADMINISTRAÇÃO COLOCOU O QUE ELES TINHAM DECIDIDO DESTA OU
DAQUELA MANEIRA . . • "
A gerência média, entretanto, se defende:
..... NO NÍVEL OPERACIONAL AS PESSOAS SÃO INCAPAZES DE INDICAR NOMES
NAS ÁREAS DIFERENTES DAS SUAS ( ... ) SE A GENTE NÃO OUSASSE A GENTE NÃO
TERIA MUDADO NADA, AS PESSOAS SÃO MUITO CONSERVADORAS . . • "
..... [os colaboradores pensam que] SE O CHEFE NÃO É MUITO F.D.P . • É
MELHOR AQUELE MESMO QUE CORRER O RISCO DE MUDAR ( ... ) APENAS POR
NúMEROS DE INDICAçOES A GENTE NÃO TERIA MUDADO NADA .•. "
Essas foram as percepções colhidas sobre o processo de finalização
da reestruturação. O próximo título descreve as percepções sobre o resultado.
8.3.8 REsULTADO
Como era de se esperar, as opiniões entre os indivíduos do núcleo
operacional e da baixa gerência média refletem a impressão de que nada
mudou.
.. ... A GENTE ESPERA V A QUE CONSEGUISSE CHEGAR EM ALGO MAIS OUSADO
C . . ) MAS FOI AO CONTRÁRIO ... "
..... MUDOU ALGUMAS COISAS MAS EU NÃO SEI SE FICOU MUITO DIFERENTE
DO QUE ERA ANTES ( ... ) NÃO REDUZIU O NúMERO DE CCG, NEM DE NíVEIS
HIERÁRQUICOS. REDUZIU O DE CHEFES DE SETOR ... "
..... TODO MUNDO QUE ERA CONTINUA SENDO • . . "
100
" ... 0 RESULTADO É DECEPCIONANTE PARA OS 'PARTICIPANTES' EM GERAL,
REPETINDO FUNDAMENTALMENTE OS MESMOS NOMES DO NÍVEL EQUIVALENTE DA
ESTRUTURA ANTIGA; DECEpÇÃO GENERALIZADA ENTRE OS 'COLABORADORES' ... "
Alguns são mais específicos:
" ... [na estrutura. não mudou) NADA ( ... ) VOC� OLHANDO, AS PESSOAS SÃO
AS MESMAS ( . . . ) EU ESPERAVA UM NÍVEL ESTRATÉGIC051 MENOR ( ... ) E O TÁTICO
UM POUCO MAIS VOLTADO PARA O OPERACIONAL, COM MAIS AUTONOMIA ... "
" ... EU ESPERAVA UMA MUDANÇA MAIOR ( ... ) VOC� PENSA EM MUDAR
ORIENTAÇOES DIRETRIZES ( . . • ) SE vQct OLHAR AS CABEÇAS SÃO MAIS OU MENOS
AS MESMAS ( ... ) ASSIM, A CABEÇA PENSANTE NÃO MUDOU ... "
" . . . PENSO QUE O PROBLEMA FUNDAMENTAL OU SEJA, AS DEFIC�CIAS DE
GESTÃO E DE POSTURA DO PESSOAL, NÃO FORAM RESOLVIDOS, MAS APENAS
MAQUlADOS . . . "
Mesmo no nível de alta gerência média, alguns identificam a estrutura
nova com a antiga.
" ... 0 RESULTADO, AINDA QUE NÃO TENHA ATENDIDO OS DESEJOS DO AD,
NÃO FOI RUIM; É VERDADE QUE A ESTRUTURA ANTERIOR TAMBÉM NÃO ERA RUIM,
AINDA QUE ANTIQUADA; NA VERDADE, A ESTRUTURA QUE SE � FUNCIONAR
ATUALMENTE É AQUELA ANTIGA, DISFARÇADA ATRÁS DA NOVA FORMALMENTE
INSTALADA ... " Uá era um hábito na Reduc trabalhar com uma estrutura
formal e outra informa�
51 Atualmente, estão definitivamente incorporadas ao jargão da Reduc as expressões "estratégico' para fazer referência à alta gerência média e ao ápice estratégico, "tático" para a baixa gerência média e "operacional" para o núcleo operacional.
101
" ... A GENTE AINDA EXPERIMENTA A ESTRUTURA NOVA MAS, QUANDO
APARECEM OS PROBLEMAS SE RETORNA À SEGURANÇA DA ESTRUTURA ANTIGA ... "
Sobre a variação de "tamanho" da estrutura é interessante notar a
contradição contida nos fragmentos retidos da entrevista do mesmo gerente:
" •.. TEVE CORTE DE GERENTES ( ... ) A GENTE TINHA O VíCIO - NATURAL - DE
RESOLVER TUDO COLOCANDO MAIS GENTE .•. "
" .•. COMO A GENTE OPTOU POR UMA ESTRUTURA DESCENTRALIZADA, NUM
PRIMEIRO MOMENTO HOUVE NECESSIDADE DE DUPLICAÇÃO DE RECURSOS ( • . . )
GEROU UM INCHAÇO •.. "
" •.. 0 QUE ENGORDOU A ESTRUTURA [nova] FORAM AS ASSESSORIAS, QUE
SÃO TEMPORÁRIAS ... "
102
9. Conclusões e Recomendações
A conclusão principal deste estudo é a resposta da questão-guia:
transparece no resultado das entrevistas que a reestruturação foi motivada
pela combinação de baixa eficiência de funcionamento com conveniência
política de exibir ao controlador uma nova estrutura. O processo foi
participativo porque faltava ao AO o necessário apoio do poder externo para
promovê-lo de modo racional-legal.
Uma segunda conclusão importante é que, na percepção da estrutura
como um todo, nada mudou. De modo explícito, nas palavras do núcleo
operacional, ou nas entrelinhas, no discurso da alta gerência média-, todos
corroboram o ponto de vista de que as modificações foram superficiais.
Também a força da gerência média é uma constatação que não pode
ser desprezada. Numa estrutura burocrática, em especial no caso de um
sistema de poder fechado, é de se esperar que a gerência média seja forte. O
particular, no caso da Reduc, é a separação nítida da gerência média em alta
e baixa, onde a alta concentra uma quantidade inesperadamente grande de
poder.
Além dessas conclusões, é digno de nota o despreparo general izado
da baixa gerência média para o processo organizacional e a desmotivação
generalizada, em especial do núcleo operacional, causada pela sensação "de
que nada muda mesmo".
103
A tudo isso soma-se a constatação que perpassa todo o trabalho, de
que, em sistemas de poder fechados, programas de reestruturação,
particularmente aqueles "participativos", são contraditórios como idéia, não
atendendo à intenção reestruturante. Tais programas, quando muito, servem
para acomodar "distorções" na malha de poder interna à organização.
A questão-guia deste estudo não enseja recomendações diretas à
organização focalizada. As conclusões acessórias, contudo, recomendam um
expresso programa voltado para superar a falta de motivação generalizada, em
especial no núcleo operacional e na baixa gerência média. Um caminho
possível no caso desses dois extratos seria o aumento das responsabilidades
associadas a indivíduos e cargos, através da redução de um nível hierárquico.
Tal redução seria porém muito difícil, visto que exige o ingresso de um ápice
estratégico dotado de muito "poder externo".
o treinamento gerencial do extrato da baixa gerência média é outra
recomendação motivada pelas conclusões acessórias. Tal treinamento pode
vir a constituir um caminho para a motivação dessa gerência média e, "por
tabela", do núcleo operacional. É verdade que a percepção desse horizonte de
médio prazo pode fazer com que a alta gerência média reaja no curto prazo.
No caso da adoção dessa estratégia - o treinamento da baixa gerência
média - o acompanhamento e o estudo das reações e dos resultados se
constituiria fonte interessantíssima de trabalhos acadêmicos.
Também seriam interessantes objetos de estudo acadêmico as
reestruturações levadas a cabo em empresas estatais privatizadas. Nessas
empresas, um sistema fechado de poder é submetido a controle externo. Como
1 04
reage a gerência média? Como reage o núcleo operacional? Pelos jornais são
recebidas notícias de que no momento anterior à tomada do poder existe uma
grande reação de ambos os grupos. As revistaS especializadas, entretanto,
têm mostrado que após o fim do processo o núcleo operacional está cooptado
e motivado enquanto a organização melhora em todos os índices tradicionais
de medição de desempenho. Um levantamento dos pontos de vistas dos
atores internos à essas estatais privatizadas, que permitisse uma comparação
com os resultados do presente trabalho, levaria sem dúvida a um alargamento
da visão sobre os processos de reestruturação.
105
Bibliografia
BERGER, Peter L. , LUCKMANN, Thomas. A Construção Social da
Realidade. 8" edição. Petrópolis: Vozes, 1 990.
BUARQUE, Cristovam. O colapso da Modemidade Brasileira e uma
proposta alternativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1 991 .
CAMPOS, Anna Maria. Contribuição para o Resgate da Relevância
do Conhecimento para a Administração. Trabalho apresentado
no Seminário "Nova Concepção em Administração e Desafios dos SUS: Em busca de estratégias para o desenvolvimento gerencial".
Rio de Janeiro, 1 990.
________ . Do Comportamento à Ação Organizacional.
(s.n.t.) Texto Datilografado, 12 p.
CAPRA, Fritjof. O Tao da Física. 98 edição. São Paulo: Cultrix, 1 989.
_______ . O Ponto de Mutação: a ciência, a sociedade e a
cultura emergente. 88 edição. São Paulo: Cultrix, 1 982.
CHAUI, Marilena. O Que é Ideologia? 31 " edição. Rio de Janeiro: Brasiliense, 1 990.
CLASTRE, Pierre. Arqueologia da Violência: ensaios de
antropologia política. São Paulo: Brasiliense, 1 982.
FALCONI CAMPOS, Vicente. Gerência da Qualidade Total. Belo
Horizonte: Bloch Editores, 1989.
106
FLEURY, Maria Tereza Leme. Cultura Organizacional e Estratégias de
Mudanças: recolocando estas questões no cenário brasileiro atual, Revista de Administração, São Paulo, v.26, n. 2, p. 3-1 1 , abr./jun. 1 991 .
FORESTER, John. Planning in the Face of Power. Los Angeles:
University of California Press, 1 989.
FOUCAL T, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão. 4" edição.
Petrópolis: Vozes, 1 986.
_______ . Microfísica do Poder. 8" edição. Rio de Janeiro:
Edições Graal, 1979.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro:
Zahar, 1 978.
GUATARI, Félix. As Três Ecologias. 2" edição. Campinas: Papirus, 1 989.
GUERREIRO RAMOS, Alberto. A Nova Ciência das Organizações:
uma reconceitualização das riquezas das nações. 2" edição. Rio
de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1 989.
HABERMAS, J. Teoria Analítica da Ciência Dialética. Os Pensadores.
São Paulo: Ed. Abril Cultural, p. 1 1 7-54, 1 980.
HAWKING, STEPHEN W. Urna Breve História do Tempo: do Big
Bang aos buracos negros. 17" edição. Rio de Janeiro: Rocco, 1 989.
ISHIKAWA, Kaoru. What is Quality Control? The Japanese Way.
Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall I nc., 1 985.
107
JENSEN, M & MECKLlNG, W. Theory of the firm; managerlal
behavior, agency costs and ownership structure, Journal of
Financiai Economics, October 1976, pgs 305-60.
JURAN, Joseph M. Juran Planejando para a Qualidade. São Paulo:
Pioneira, 1 990.
KAPLAN, Robert S., COOPER, Robin. Meça os Custos Corretamente: tome as decisões certas, Harward Buslness Revlew, set.lout. 1 988.
KAST, F. E. & ROSENZWEIG, J. E. Organização e administração: um
enfoque sistêmico. São Paulo: Pioneira,vol 1 , 1 976.
KONDER, Leandro. O Que é Dialética? 22a edição. São Paulo:
Brasiliense, 1 991 .
MINTZBERG, Henry. The Struturing of Organizations. A Syntesls of
the Research. Englewood Cliffs: Prentice Hall l nc, 1 979.
_______ . Power in and around Organizations. Englewood
Cliffs: Prentice Hall lnc, 1983.
McGREGOR, Douglas. Motivação e Uderança. São Paulo: Brasiliense,
1 966.
PEREIRA, Otaviano. O que é Teoria? 6a edição. São Paulo:
Brasiliense, 1 988.
PINHO TAVARES, Maria das Graças. Cultura Organizacional: uma
abordagem antropológica da mudança. Rio de Janeiro:
Qualitymark, 1 99 1 .
108
PIRSIG, Robert M. ZEN e a Arte de Manutenção de Motocicletas:
uma investigação de valores. 38 edição. São Paulo: Paz e Terra,
1 984.
PRESTES MOTTA, F.C., PEREIRA, L.C.Bresser. Introdução à Organização Burocrática. 58 edição. São Paulo: Brasiliense, 1986.
___________ . O Que é Burocracia? 1 28 edição. São
Paulo: Brasiliense, 1989.
_________ . Organização e Poder, Empresa, Estado e
Escola. São Paulo: Atlas, 1 986.
RAMOS, Ricardo Luis de Sousa. Uma Análise exploratória sobre
conceitos de qualidade na administração: um estudo de caso no
Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG).
1 995. Dissertação (Mestrado em Administração de Empresas -
COPPEAD/UFRJ) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1 995.
REICH, Robert B. O Trabalho das Nações. ,São Paulo: Educator, 1 993.
SCHUTZ, Alfred. Fenomenologia e Relações Sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 1 979.
SCOTT, W. Richard. The Adolescence of Institutional Theory, Adminlstrative Sclence Quarterly, v. 32, 1 987.
SIEVERS, Burkard. Além do Sucedâneo çla Motivação, Revista de
Administração de Empresas. São Paulo, v.30, n . 1 , p. 5- 1 6, jan./mar. 1 990.
SIMON, Herbert. Comportamento Administrativo. 38 edição. Rio de
Janeiro: FGV, 1 979. p. 1 33-6.
109
TAYLOR, Frederick W. Prlncrplos da Administração Cientffica. 8a
edição. São Paulo: Atlas, 1 990.
VERGARA, Sylvia C. Pesquisa Participante: pressupostos
epistemológicos e metodologia. Trabalho apresentado à cadeira
Metodologia da Pesquisa do Curso de Doutorado em Educação
WEISSENBERG, Peter. Introduction to Organlzational Behavior: a
behavioral sclence approach to understanding organizations.
Toronto: IEP, 1 97 1 .
WRIGHT MILLS, C . A Imaginação Sociológica. 6a edição. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1 983.
1 10
Formação Acadêmica
Tempo de Empresa
Histórico Breve
Como você vê:
Sua opinião Sobre:
Anexos
ENTREVISTA
a PETROBRÁS
a Reduc
o Monopólio
as Empresas Estatais
o porquê da reestruturação
o andamento - por quê?
o resuHado - por quê?
a efetividade - por quê?
O que você acha que mudou:
na estrutura - por quê?
no funcionamento - por quê?
O que você acha do processo participativo - validade, adequação - por quês?
O que você entende que seja "estrutura"?
Era adequada? - por quê?
Agora é? - por quê?
Pode melhorar? - como? (Especificar)
o que você acha que seriam as tarefas de um "SUPER" no cotidiano?
E durante uma reestruturação?
Você acha que a mudança de "SUPER" durante o processo criou uma descontinuidade?
Atrapalhou? Sim/não/porquês
Quais caracterlsticas são marcantes no "SUPER" novo? E no antigo? Po uês?
1 1 1