Post on 11-Jul-2015
A vida gira mesmo em torno do sol e não da internet
A Sundown lançou há pouco uma campanha publicitária que nos convida a desconectar do mundo virtual para curtirmos as delícias do verão no mundo real (confira o vídeo no final do post). A marca foi muito corajosa em apostar numa peça que ressalta a importância do “desconectar” numa sociedade tão “hiperconectada” como a atual. Apesar do potencial de polêmica, o resultado foi muito feliz. A campanha, muito simpática por sinal, acertou em cheio por não ser tecnofóbica, não fazendo uso de estereótipos e em não opor o mundo real ao virtual. A peça é clara na sua mensagem. Ok, conectar é indispensável, mas relaxe! O mundo não vai acabar se você se desconectar por alguns momentos para curtir os prazeres que a vida real tem para oferecer. O mundo vive um verdadeiro frenesi midiático-digital com a internet e as mídias sociais inseridas de maneira irreversível em nossas rotinas diárias. Os benefícios que isso traz são inúmeros e não há como negar que tornaram nossa vida muito melhor. Por outro lado, tudo que é bom tem também seu lado ruim. Nesse caso, faço uma analogia bem simples com uma barra de chocolate. É gostosa e faz bem para a saúde, mas se ingerida em excesso, aumenta o colesterol e engorda. No mundo virtual não é diferente, o problema é que tem havido conectividade excessiva. Ao acordar, a primeira coisa que fazemos é conectar para checar os nossos e-mails e como andam as nossas redes sociais. No decorrer do dia não é diferente e durante as oito horas de trabalho, continuamos conectados. Por fim, ao chegarmos em casa ou nos momentos de lazer prosseguimos plugados. Que atire a primeira pedra aquele que não sente a necessidade e se inquieta caso não consiga estar online constantemente. A tendência é toda essa conectividade aumentar de maneira exponencial com a proliferação e a popularização da tecnologia móvel. O problema é que muitos usuários estão com dificuldade em saber qual é o ponto de equilíbrio nessa equação. Inclusive, alguns termos como heavy user (usuário avançado no mundo virtual) e heroinware (junção das palavras heroína e software, que leva ao vício da hiperconectividade) já estão fazendo parte de nosso dicionário.
Outro ponto preocupante é que passar muito tempo na rede pode não ser um bom sinal. Segundo o "American Journalof Psychiatry", mais que um vício, o uso excessivo de internet pode ser um distúrbio mental que deveria ser tratado como doença. O psiquiatra da Universidade de Ciências e Saúde do Oregon, Jerald Block, explica que os sintomas incluem a necessidade de o viciado estar sempre em busca de softwares e aparelhos melhores, além de passar horas e mais horas online. A vida gira mesmo é em torno do sol e não da internet Quem já teve contato com um heavy user sabe que a relação social é muito difícil. Ainda mais com a disseminação de utilitários multifuncionais como o iPhone. Tenho uma colega jornalista que não larga seu aparelhinho para nada. É irritante e muito desagradável socializar com ela no mundo real. Ela tenta interagir, mas não consegue, pois necessita passar mensagens Twittar o que está fazendo, atualizar o Foursquare, curtir algo no Facebook, ler algum RSS, verificar os e-mails a cada três minutos, tirar uma foto do local para atualizar o Instagram e por aí vai. Além da questão da saúde, a hiperconectividade traz consigo outro desdobramento negativo: a extensão da jornada de trabalho para a esfera pessoal. O cibertrabalho a distância é o melhor dos mundos para as empresas, mas não para o funcionário. Trabalhando em casa, o público e o privado se embaralham e como não há definição do que é trabalho e do que é descanso, a jornada se estende. A pessoa fica disponível e com direito a ser incomodada a qualquer hora por questões profissionais, afinal ela não está apenas em casa, está também no escritório. É uma nova modalidade de precarização social permitida pela tecnologia que tem se tornado uma tendência. O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Márcio Pochmann, ilustra essa situação como o caso do funcionário que recebe da empresa um celular, um notebook ou um iPhone e vê o mimo como sinal de status, ficando muito feliz. Infelizmente, ele não percebe que tais presentes são na verdade ferramentas de trabalho e, pior, ele está sendo explorado. Essa situação acaba por favorecer a concentração de riqueza e poder nas mãos das empresas. O Governo Federal está preocupado e estudando formas para regular essa realidade e exigir que as empresas paguem hora extra por conta dessa relação virtual fora de expediente. A hiperconectividade vem também pôr na berlinda uma teoria muito interessante surgida na década de 90, o "ócio criativo", do filósofo italiano Domenico de Masi. Ele acreditava que o tempo de trabalho seria reduzido e conduzido, na sua maior parte, pelo tele-trabalho, ou seja, realizado de casa, onde a tendência seria aumentar o tempo livre. Assim, o tempo de sobra seria usado para a pessoa se qualificar, aumentar o lazer, passar mais tempo com a família e também para pensar em maneiras de incrementar o desempenho profissional. Entretanto, tudo indica que está ocorrendo o contrário, pois as novas tecnologias só fizeram aumentar a carga de trabalho ao deletar a linha que separava o ambiente profissional do pessoal. Hoje, por meio das ferramentas móveis, a praia, o cinema e o restaurante estão se transformando em uma extensão do escritório. É óbvio que não podemos generalizar, pois há os que conseguem administrar e muito bem o trabalho a distância, impondo limites claros. Citemos as pessoas que desenvolvem atividades remotas na área de edição de sites e produção de conteúdo, por exemplo, ou que vivem em lugares bem afastados e por meio de uma simples conexão aplicam e bem a teoria do ócio criativo. E foi aí que o comercial da Sundown mirou e acertou em cheio, quando o ator diz que não é para deixarmos de acessar o mundo digital e sim para nos desconectarmos em
"alguns períodos" e descobrirmos o prazer da vida no plano real. A chamada da peça é a mais pura verdade: a vida gira em torno do sol e não da internet. Marcelo Rebelo é jornalista, relações públicas e pós-graduado em e-commerce. Rodrigo Pires é jornalista, fotógrafo e pesquisador em mídias digitais.