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A TEORIA DOS REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA NO
CONTEXTO DO ENSINO DE MATEMÁTICA PARA ALUNOS COM SURDEZ
Flávia Roldan Viana – Ma. Universidade Federal do Ceará
Bárbara Pimenta de Oliveira – Ma. Universidade Estadual do Ceará Mércia de Oliveira Pontes – Dra. Universidade Federal do Rio Grande do Norte
RESUMO Esta pesquisa objetivou analisar a prática de uma professora do 5º ano do Ensino
Fundamental no tocante à condução de atividades propostas de Matemática com uma
turma de alunos surdos. A coleta de dados é um pequeno recorte de uma pesquisa de
dissertação, aprovada pelo Conselho de Ética da Universidade Estadual do Ceará sob o
parecer nº 58027. A análise baseou-se no diário de observação de uma aula e nas
resoluções das questões feita pelos alunos. Como aporte teórico tivemos a Teoria dos
Registros de Representação Semióticas, de Raymond Duval, que tem as representações
como elemento central no desenvolvimento das atividades matemáticas. Interessou-nos
observar quais os registros de representação semiótica utilizados pela professora e se
sua prática propicia a coordenação entre eles. Constatou-se que a docente reconhece a
especificidade de seus alunos, no sentido de que necessitam de representar as situações
a partir de suas vivências visuais, permitindo que eles apoiem-se em representações
intermediárias, como a língua materna (LIBRAS) e o registro desenho. Mas que ainda
favorece o ensino atrelado ao registro aritmético, através da valorização do algoritmo. O
aluno surdo é um sujeito que tem uma aprendizagem carregada por suas experiências
visuais. Reconhecer essa peculiaridade no sujeito cognoscente surdo é reconhecê-lo
como atuante na transformação do seu próprio conhecimento. Concluímos que o uso de
diferentes registros de representação torna-se imprescindível para qualquer aluno surdo
usuário da língua de sinais, pois suas representações mentais dependem exclusivamente
de sua língua materna, para generalizar e abstrair as representações. Ao final desse
estudo, destacamos a necessidade em formação docente em Matemática para o trabalho
com alunos surdos.
Palavras-chave: Ensino de Matemática. Formação docente. Registros de Representação
Semiótica. Surdez.
Introdução
O ensino de Matemática ainda é marcado pela perspectiva tradicional e
mecânica, com o uso de repetições e memorizações (NUNES, 2004; SFORNI, 2004;
MAGINA et al, 2008). Isto leva os estudantes a interpretarem a Matemática, em grande
parte, como um aglomerado de conceitos desconexos, pré-determinados e imutáveis.
Esta realidade também está presente no contexto das escolas especiais para surdos.
Para amenizar essa realidade, no ensino de Matemática para alunos surdos, há
necessidade de correspondência entre o conhecimento escolar e as especificidades de
aprendizagem dos alunos, daí a recomendação de harmonizar o material de estudo a
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recursos visuais e mnemônicos1. Para tanto, devem ser levados em consideração a
língua materna desses indivíduos, que é a língua de sinais, e as peculiaridades na
construção do conhecimento.
Para Nunes (2004), grande parte dos alunos surdos, muitas vezes, não
demonstram perceber a utilidade e aplicação do que tentam aprender e somente alguns
desses alunos conseguem sentir-se motivados com a Matemática. Para Sales (2008), a
desmotivação para a aprendizagem matemática é proveniente das dificuldades que os
alunos surdos encontram para aprender os conceitos matemáticos. “Torna-se, assim,
necessário que o professor planeje experiências de aprendizagem que mobilizem no
aluno o motivo de aprender os conceitos matemáticos no sentido de raciocinar
logicamente, encadear ideias, pensar sobre o que se aprende” (VIANA; BARRETO,
2014, p. 10).
A Teoria dos Registros de Representação Semiótica (TRRS), preconizada por
Raymond Duval, vem complementar esse pensamento dando destaque a necessidade da
mobilização de diferentes registros de representação para compreensão de um mesmo
objeto de conhecimento matemático. Duval (2003, 2009) aborda aspectos cognitivos da
aprendizagem visando o entendimento de como o sujeito apreendente pode ter acesso ao
objeto matemático, que só é acessível através de representações. Dessa forma, os
registros de representação semiótica adquirem papel fundamental na aprendizagem da
Matemática.
A aquisição do conhecimento e os processos que estão envolvidos na
aprendizagem são grandes preocupações no âmbito da Educação Matemática. Nesse
sentido, a TRRS tem contribuído para o entendimento dos processos cognitivos em
atividades matemáticas, assim como auxiliado na organização de situações didáticas
pelo professor. Nesse processo de construção do conhecimento, o professor configura-se
como elemento fundamental. Assim, carece, de desenvolver competências que lhe
permita trabalhar os conteúdos disciplinares de uma forma mais significativa para os
alunos, elaborando e reelaborando continuamente o seu conhecimento, em função das
situações que vão surgindo em sala de aula e em todo o contexto social (VIANA;
BARRETO, 2014).
1 Recursos mnemônicos são relacionados ao processo de memorização. Consiste na elaboração de
suportes como os esquemas, gráficos, símbolos, palavras ou frases relacionadas com o assunto que se
pretende memorizar. Recorrer a esses suportes promove uma rápida associação e permite uma melhor
assimilação do conteúdo.
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No contexto dos alunos com surdez, acreditamos que esse aporte teórico
potencializa essas contribuições uma vez que os aproxima do desenvolvimento das
capacidades de raciocínio, de análise e de visualização, por meio do uso de diversas
representações, além de apresentar-se como um apoio didático/ metodológica para o
professor. Nesse sentido, teve-se como foco de análise a prática de uma professora do 5º
ano do Ensino Fundamental a partir de uma situação-problema de Matemática proposta
a uma turma de alunos com surdez. A análise levou em consideração as ações
pedagógicas docente na condução da atividade proposta, assim como as resoluções por
parte dos alunos.
Destacamos que esse estudo é nossa primeira tentativa de aproximação dos
elementos da TRRS com o ensino de Matemática para surdos, havendo necessidade de
continuação dessas investigações visto a complexidade que a compõe.
O Ensino de Matemática para alunos com surdez
No contexto do ensino de Matemática para alunos com surdez se faz necessário
uma ação pedagógica que atenda as suas especificidades se pretende um ensino de
qualidade e que possa favorecer o processo de aprendizagem.
A dificuldade em Matemática apresentada por alunos com surdez atende a dois
critérios quantitativos: o primeiro diz respeito ao fato de que crianças surdas podem
apresentar uma maior dificuldade nas tarefas matemáticas do que crianças ouvintes; e o
segundo, diz respeito ao fato de que fatores cognitivos ligados à tarefa poderão ser
relevantes para a aprendizagem Matemática (NUNES, 2004).
Porém, ainda de acordo com a autora, a “perda auditiva” pode explicar o
primeiro critério, mas não o segundo. A perda auditiva não justifica a dificuldade em
Matemática, tendo em vista que a correlação entre perda auditiva e competência
matemática é muito reduzida. A perda auditiva pode vir a ser um fator de risco, por
exemplo, quando o acesso à comunicação é mais difícil, e o ensino e a aprendizagem
ficam prejudicados (NUNES, 2004).
A falta da apropriação da língua proporciona menos oportunidades de
aprendizagem às crianças surdas, em relação às crianças ouvintes, tendo em vista que
muitas das experiências informais envolvem a língua falada. Segundo Zarfaty, Nunes e
Bryant (2004), uma das dificuldades encontradas em crianças com surdez é a habilidade
de coordenar raciocínios dentro e fora do contexto escolar, devido à limitação de
experiências em seu ambiente familiar, valiosas e imprescindíveis para formalização do
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conhecimento escolar, considerando-se as defasagens relacionadas entre faixa etária e
nível de escolaridade observada nestas crianças.
Bull, Marschark e Blatto-Vallee (2005) coadunam com essa ideia ao reforçarem
que o atraso de alunos com surdez em habilidades matemáticas está diretamente ligado
a fatores culturais e de aquisição do idioma, da língua materna.
Pesquisadores argumentam que embora as pessoas com surdez possam processar
informações de forma diferente de indivíduos ouvintes, eles não são deficientes no
processamento de informações (ZARFATY, NUNES E BRYANT, 2004; NUNES,
2004; BULL, MARSCHARK E BLATTO-VALLEE, 2005; BULL, BLATTO-
VALLEE e FABICH, 2006). Em alguns aspectos do processamento cognitivo, os
indivíduos surdos mostram vantagens distintas, por exemplo, na velocidade de mudança
de atenção visual e digitalização visual, na detecção de movimento periférico e na
geração e manipulação de imagens mentais (BULL, BLATTO-VALLEE e FABICH,
2006).
A necessidade de reconhecer e utilizar as relações em Matemática é fundamental
para que os alunos surdos alcancem a aprendizagem. Para ser capaz de reconhecer e
compreender as propriedades matemáticas, o aluno surdo precisa ser capaz de
identificar todos os componentes que compõem um problema matemático e relacioná-
los entre si (BLATTO-VALLEE et al, 2007).
A partir dessas considerações sobre o ensino e a aprendizagem matemática de
alunos surdos, escolhemos a TRRS como aporte teórico para discutir a prática docente.
Ensinar Matemática sob esse ponto de vista teórico que tem as representações como
ideia central apresenta-se como um caminho metodológico para que o professor
propicie o desenvolvimento das capacidades de raciocínio, de análise e de visualização
nos alunos surdos.
A Teoria dos Registros de Representação Semiótica: primeiras aproximações
Desenvolvida por Raymond Duval, a Teoria dos Registros de Representação
Semiótica (TRRS) apresenta-se como um estudo de abordagem cognitiva que busca
esclarecer como ocorre a apreensão dos conceitos matemáticos. A TRRS defende que a
aprendizagem dos conceitos matemáticos está relacionada ao uso e à coordenação de
diferentes registros de representações.
Duval (2003, 2009) parte do pressuposto de que o objeto de estudo da
Matemática não é perceptível se não por meio de representações, pois, diferentes das
outras ciências, os objetos matemáticos são ideias, conceitos, propriedades, estruturas e
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relações, ou seja, são abstrações. Tendo em vista sua natureza abstrata, tal objeto, para
ser percebido, necessita de representações, como: desenhos, gráficos, escrita numérica,
língua materna, tabelas, figuras geométricas, linguagem algébrica, entre outros.
Desse modo, as representações semióticas possuem um papel fundamental ao
desenvolvimento das atividades matemáticas. Estas são entendidas como produções
constituídas pelo emprego de signos, utilizadas para expressar, objetivar e tratar as
representações mentais, isto é, o conjunto de concepções de um indivíduo acerca de um
objeto ou situação (DUVAL, 2003).
Para que um conceito matemático seja realmente compreendido é necessário que
o sujeito desenvolva não somente na capacidade de representar ideias e conceitos em
linguagem simbólica, mas principalmente sua capacidade de mobilizar simultaneamente
ao menos dois registros de representação semiótica coordenando-os de forma natural.
(DUVAL, 2003).
Duval (2003, 2009) aponta três funções para os registros de representação
semiótica, sendo elas: a comunicação, a objetivação e o tratamento. A função de
objetivação consiste em o sujeito construir para si mesmo o conceito que deseja
aprender. Em outras palavras, “[...] o aluno se utiliza de esboços através dos quais
procura destacar os elementos e as relações ali presentes para somente assim partir
efetivamente para a sua solução” (SOUSA, 2009, p.7). Essa busca pela objetivação só
se dar com o auxílio de algum tipo de representação. Ao objetivar, o aluno toma
consciência e é capaz de explicar a ele mesmo. A função de comunicação permite que o
sujeito externe sua representação mental, deixando claro ao interlocutor a sua percepção
conceitual naquele momento. Ela pode ocorrer através de um desenho, expressão
numérica, gráfico ou qualquer outro registro de representação. Sobre isso, Damm (2008,
p.167) afirma que “[...] em matemática toda a comunicação se estabelece com base em
representações”. A função de tratamento consiste nas transformações que o sujeito é
capaz de fazer dentro de um mesmo registro de representação, como, por exemplo,
executar um cálculo numérico para se obter a resposta desejada. Esta última função
também caracteriza-se como uma atividade cognitiva da matemática.
Para além das funções, os registros de representação semiótica atendem a regras
de formação e expansão, e envolvem de três atividades cognitivas: a formação (implica
sempre uma seleção no conjunto de caracteres e determina ações que queremos
representar), o tratamento (transformação interna dentro de um mesmo registro) e a
conversão (transformação externa que produz uma representação em outro registro
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diferente do inicial). Para Sousa (2009, p.11), essas três atividades cognitivas “[...]
intervêm diretamente nas tarefas de produção e compreensão matemática”.
As dificuldades no aprendizado dos conceitos matemáticos estão em se
confundir a representação do objeto com o próprio objeto matemático. A atividade
cognitiva requerida pela Matemática difere da requerida pelos demais domínios do
conhecimento não nos conteúdos, e sim na importância primordial das representações
semióticas e na grande variedade de representações semióticas que são utilizadas. É
nesse sentido que Duval (2003, p. 21) afirma que a compreensão em Matemática
[...] implica a capacidade de mudar de registro. Isso porque não se
deve jamais confundir um objeto com sua representação. Ora, na
matemática, diferentemente dos outros domínios de conhecimento
científico, os objetos matemáticos não são jamais acessíveis
perceptivelmente ou instrumentalmente [...] O acesso aos objetos
matemáticos passa necessariamente por representações semióticas.
Nessa perspectiva, torna-se fundamental proporcionar aos estudantes situações
em que transitem sem dificuldades entre os diferentes registros combatendo o que
Duval chama de “enclausuramento” em um único registro. Isso promoverá a condição
de os estudantes coordenarem e efetivarem a apreensão dos conhecimentos
matemáticos. Ensinar Matemática, portanto, impõe a criação, por parte do professor, de
atividades que possibilitem a coordenação entre os registros, pois a diversidade de
registros por si só não leva efetivamente à aprendizagem matemática. Para que esta
ocorra, é preciso que o sujeito saiba articular diferentes registros de representação de um
mesmo objeto. Sobre isso, Damm (2008, p. 176) afirma que “[...] poderemos falar em
conceitualização, aquisição de conhecimentos somente a partir do momento em que o
aluno transitar naturalmente por diferentes registros”.
Aspectos metodológicos e contexto da pesquisa
Decidiu-se utilizar o diário de observação de uma aula de Matemática. Analisou-
se a prática docente em paralelo a resolução de problemas pelos alunos. Escolheu-se
uma das atividades proposta à turma de alunos surdos. A coleta de dados é um pequeno
recorte de uma pesquisa de dissertação, aprovada pelo Conselho de Ética da
Universidade Estadual do Ceará sob o parecer nº 58027. Para este trabalho, a análise
da atividade se fez dialogada com a prática docente sob a perspectiva das discussões da
TRRS, preconizada por Duval (2003, 2009). A opção se deu pelo fato de compreender
que a referida teoria pode vir a abrir novos caminhos para visualizar os alunos surdos
como capazes de construir seu próprio conhecimento sobre o processo de ensino e
aprendizagem.
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O episódio de aprendizagem, selecionado, permite apreender a dinâmica do
processo de ensino, no intuito de desvelar a prática docente e refletir sobre ela, uma vez
que se mostram reveladores de situações desencadeadoras de mudanças qualitativas nas
manifestações docentes. Haja vista que, “a cada troca de significados nas ações
educativas o sujeito muda de qualidade” (MOURA, 2001, p. 50). Isso porque, como
enfatiza o autor, são as ações do professor que o qualificam em relação a sua atividade
docente, o de organizar o ensino, e que se revelam na realização de seu trabalho,
visando a aprendizagem do aluno.
A aula observada contemplava o bloco de conteúdos Números e Operações,
envolvendo as operações matemáticas de adição e subtração. A professora propôs a
resolução de quatro situações-problemas. Porém, só foi possível a realização de duas
delas. Considerou-se, para a presente análise, a situação-problema abaixo, distribuída
por P1 aos alunos, pois foi destinado um maior tempo da aula à sua resolução.
FIGURA 1 - Situação-problema proposta.
Fonte: Atividade elaborada por P1
A resolução do problema iniciou-se com a leitura individual da questão
proposta. Em seguida, a professora solicitou que um dos alunos explicasse aos demais o
que estava sendo solicitado na situação-problema. A1 (Aluno 1) foi a frente da sala e
sinalizou a questão:
“Carro dirigir estrada. Viajar. Ver Buraco. Muitos. Cair buraco… Sempre
chover. TV ver. Carro buraco. Perigoso”.
A ação da professora em pedir que algum aluno interprete a questão, sinalizando
em língua de sinais, é importante para o desenvolvimento da atividade matemática.
Percebemos na explicação de A1 que ele busca as relações com o que já conhece e faz a
conversão do enunciado (em língua portuguesa) para a sua língua materna (LIBRAS2).
As representações mentais dos surdos dependem exclusivamente da língua de
sinais, para generalizar e abstrair as representações diversas (FRIZZARINI, 2014).
2 Língua Brasileira de Sinais.
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Posteriormente, a professora solicitou que algum aluno fosse ao quadro e
representasse no registro desenho a explicação do colega. A2 (aluno 2) representou a
situação, desenhando uma estrada cheia de buracos, mas sem representar as informações
necessárias para a resolução da questão, isto é, os números dos buracos existentes. A
professora, então, completou o desenho do aluno no quadro, lançando perguntas a
todos: “Aqui começo 241. Aqui final já 654. Certo? Quantos buracos aumentou?”. A1
vai ao quadro novamente e estrutura o algoritmo da adição. A professora, não espera
que ele resolva e intervem, dizendo que “Não. Quantos buracos aumentar?” (fala da
professora). P1, então, pensa mais um pouco e sinaliza “Já ter começo 241. Agora 654.
Certo. 241 + 654 = 895”. A professora explica mais uma vez, apontando para a
resolução de A1 e pergunta à turma se ela está correta. Os alunos esboçam dúvida, mas
A2 vai ao quadro e sinaliza para a turma:
“Já 241. Começo já 241. Tirar porque já ter. Aqui mais no fim 654.
Exemplo: 654 - 241 = 413. 654 todo. Fim tudo contar 654. Muito. Contar
muito. Mas começo já começar 241. Dirigir ver buracos mais. Muito ver.
Perigoso. Ver mais. Ver mais. Agora já 654. Ufa! Chegar”.
A professora concorda com a explicação de A2 e escreve no quadro um esquema
de transformações de quantidade onde já se tem um dos valores conhecidos e o valor
total. Após a escrita do esquema, os alunos são convidados a resolver individualmente
em suas folhas.
Constatamos que a professora desenvolveu a atividade matemática de forma a
reconhecer a necessidade do aluno surdo em objetivar o conceito matemático envolvido
na situação. Ela permitiu que eles representassem no registro em língua materna
(LIBRAS), assim como em registro desenho, propiciando a utilização de pelo menos
dois registros e a coordenação entre eles.
Destacamos, no entanto, que a professora sente a necessidade de representar essa
objetivação de forma clara e concisa, com a presença dos esquemas feitos por ela. E seu
objetivo é chegar à estruturação do algoritmo, como a única maneira de chegar a
solução correta do problema. Percebemos isso na resolução das questões dos alunos,
pois o esquema proposta pela professora e os algoritmos da subtração aparecem
enfaticamente.
O aluno surdo é um sujeito que tem uma aprendizagem carregada por suas
experiências visuais. Reconhecer essa peculiaridade no sujeito cognoscente surdo é
reconhecê-lo como atuante na transformação do seu próprio conhecimento. Nesse
sentido, a aprendizagem tem lugar no contexto de condições visuais. A ação docente,
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então, deve evidenciar o aluno surdo como construtor do seu próprio conhecimento
(VIANA e BARRETO, 2014).
Na figura abaixo, observa-se uma resolução onde o aluno utilizou o registro
desenho como o registro de apoio para interpretar os dados da questão. Contudo,
quando ele parte para a resolução, na tentativa de encontrar a solução, ele utilizou o
registro aritmético, através da estruturação do algoritmo da subtração. O esquema
proposto pela professora aparece em seus registros.
FIGURA 2 - Resolução de aluno.
Fonte: Caderno do aluno
Na figura 3, percebe-se a resolução de outro aluno que utiliza como registro de
apoio a língua materna. Ele escreveu as palavras “já”, “agora”, “andar muito” e “muitos
buracos” como uma forma de aproximação com a ideia envolvida no problema. Para
chegar ao resultado final, no entanto, ele utilizou, assim como o outro aluno, o
algoritmo da subtração. O mesmo esquema também aparece em sua resolução.
FIGURA 3 - Resolução de aluno.
Fonte: Caderno do aluno
Na resolução da figura 4, observa-se que o aluno destacou as unidades
significativas do enunciado, circulando-as. Assim como nas resoluções anteriores, o
aluno montou o mesmo esquema apontado pela professora quando eles discutiam a
questão. Ele também encontrou o resultado esperado através do algoritmo da subtração.
FIGURA 4 - Resolução de aluno.
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Fonte: Caderno do aluno
A partir das análises das resoluções dos alunos, constatou-se uma predominância
da utilização do registro aritmético, através da estruturação do algoritmo, uma vez que
todos os alunos encontraram o resultado após a utilização dessa estratégia. A
observação da aula nos permite inferir que a ação da professora, no momento de
discussão da situação-problema, induz os alunos a manter o algoritmo como a única
maneira de resolver a questão. Além disso, ela também cria um esquema como maneira
de resumir e garantir que eles utilizem o algoritmo da subtração. Constatamos que o
registro aritmético é o mais valorizado pela professora uma vez que todos os alunos
utilizaram a mesma estratégia de resolução, o algoritmo da subtração.
Percebemos também que os alunos esforçam-se para compreender o enunciado
da questão, buscando o apoio em outros registros de representação, como a língua
materna e o desenho. A professora parece perceber essa necessidade dos alunos surdos e
propicia o primeiro momento da resolução para que eles o façam através da
coordenação de registros. Pode-se destacar ainda que os alunos parecem conhecer as
regras de conformidade e de expansão, quanto à resolução do algoritmo da subtração,
pois todos os alunos obtiveram êxito ao estruturar e tratar o algoritmo envolvido.
Considerações finais
A aprendizagem do aluno surdo é carregada pelas suas experiências
visuais (VIANA, BARRETO, 2014). A ação da professora parece considerar essa
especificidade de seus alunos. Ela conduziu a resolução da atividade proposta a partir
das interpretações dos alunos e permitindo-os que eles utilizassem outras representações
da situação em questão. Percebemos a presença dos registros língua materna (Português
e LIBRAS), desenho e aritmético. Assim como o uso dos esquemas, importante
elemento na objetivação de uma ideia a partir de uma representação. Ressalta-se, no
entanto, que a prática da professora encontra-se atrelada á uma resolução por meio dos
algoritmos. E que o esquema utilizado por todos os alunos é o mesmo proposto pela
professora.
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Concluímos que o uso de diferentes registros de representação se torna
imprescindível para qualquer aluno surdo usuário da língua de sinais, pois suas
representações mentais dependem exclusivamente de sua língua materna, para
generalizar e abstrair as representações.
Cabe ressaltar que a professora em questão passou por um processo
formativo, anterior a essa observação de aula, no qual ela teve a oportunidade de refletir
sobre alguns aspectos de sua prática docente em Matemática com alunos surdos e
perceber elementos que se apresentavam como lacunas em sua formação docente
(dificuldades de comunicação com seus alunos através da língua de sinais e dificuldades
metodológicas com conteúdos matemáticos). Acreditamos que esses momentos
formativos foram de extrema importância para que ela avançasse em alguns aspectos,
mas que estes ainda são necessários no sentido de favorecer sua formação continuada.
Nesse sentido, ressaltamos a importância de investigar as práticas docentes em
Matemática assim como utilizar essas discussões para desenvolver formações docentes
dos professores que ensinam Matemática no contexto da surdez.
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