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A SÚMULA VINCULANTE, A REGULAÇÃO SISTÊMICA E OS DIREITOS
FUNDAMENTAIS.
THA BINDING JUDICIAL PRECEDENT, SYSTEMIC REGULATION AND
FUNDAMENTAL RIGHTS.
Paulo Henriques da Fonseca
RESUMO
Novos direitos, sujeitos e necessidades tuteladas por uma Constituição “generosa” em
termos de direitos sociais, desafiam o sistema do direito a uma auto-contenção judicial e
regulatória do conteúdo constitucional. A súmula vinculante do Supremo Tribunal
Federal trazida pela Emenda n° 45/2004 para o ordenamento brasileiro é ainda alvo de
apreensões, mas por ela se pode heuristicamente testar a validade e atualidade da teoria
sistêmica de Luhmann e a tensão entre emancipação e regulação de Boaventura de
Sousa Santos. Considerando a Constituição como ambiente para o sistema jurídico,
incumbe ao STF a tarefa de operar os recortes que a tornem aplicável no âmbito
sistêmico do direito. A tensão ambiente/sistema de Luhmann encontra-se bem
correlacionada com aquela de Santos, regulação/emancipação, servindo a súmula
vinculante para validar e ilustrar as duas teorias. Sem derrogar os direitos fundamentais,
o conteúdo dos enunciados tem como efeito reforçar a cooperação sistêmica e realçar
uma feição do sistema do direito que não é apenas formado de idéias, teorias, mas de
uma pragmática organizacional e institucional.
PALAVRAS-CHAVES: Direitos fundamentais. Sistema do direito. Súmula vinculante.
Regulação. STF.
ABSTRACT
New rights, subjects and tutelage of necessities by a “generous” Constitution, in order
of social rights, challenge the system of law in consideration of its own self judicial
regulation and to contain itself in front of constitutional contents. The binding judicial
precedent of the Supreme Court brought by Constitutional Amendment No. 45/2004 to
the Brazilian system of law produces yet most critical in the sphere of law, but it serves
to test the validity of Luhmann’s systemic theory and Santos’ Theory about the tension
between emancipation and regulation. Considering the Constitution as an environment
for the legal system, it requires Supreme Court operates the cuts that make it applicable
in the systemic field of law. Tension environment/system by Luhmann is well correlated
with Santos’ theory and both can be illustrated in its elements by the binding judicial
precendent of Supreme Court. The binding judicial precedent’s contents doesn’t repeal
fundamental rights, but has an limitative systemic effect of reinforcing the institutional
and organizational dimension of law against the pure theory and idea of rights.
KEYWORDS: Fundamental rights. System of law. Binding judicial precedent.
Regulation. Brazilian Supreme Court.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1444
1. Introdução
O escopo deste estudo é a exposição acerca do papel sistêmico da súmula
vinculante do Supremo Tribunal Federal, no formato de um diálogo critico e analítico
envolvendo as teorias de Boaventura de Sousa Santos e Niklas Luhmann. As súmulas
vinculantes do STF passaram a fazer parte da organização judiciária brasileira com a
Emenda 45/2004, da reforma do Judiciário. Com a finalidade de tornar mais ágil e
uniforme as decisões judiciais e administrativas acerca de questões jurídicas reiteradas,
a nova modalidade de súmula é inovação sistêmica e regulatória, de decisivo impacto
nos direitos fundamentais, sua interpretação e aplicação. Com inegável acento na
segurança jurídica e do sistema do direito.
Santos (2005) traz à análise o evolver da tensão básica constitutiva do direito e
das ciências na modernidade, a tensão entre emancipação e a regulação. Luhmann
(1983; 1985, passim), por sua vez contribui com a idéia de sistema do direito e suas
diversas chaves analíticas para entendimento do fenômeno jurídico, a partir da tensão
entre sistema e ambiente.
A princípio, uma breve exposição situará a tensão regulação/emancipação na
história do direito, aí analisado o cenário da modernidade. Nesse cenário é que se dá o
atual formato dos direitos e garantias da pessoa humana, sob o novo paradigma do
direito racionalizado, estatizado e científico. A modernidade jurídico-política Santos
(2005) define em termos daquela tensão emancipação e regulação, como seu eixo
estruturante.
No ponto seguinte, abre-se a discussão sobre a gestão jurídica da complexidade
a partir do pensamento de Luhmann sobre o sistema do Direito. A contribuição da
sociologia jurídica para o entendimento das estruturas normativas e institucionais
produtoras de decisão, passa pela análise do que seja o sistema do Direito, suas seleções
entre opções diversas ao decidir, mas também legitimidade funcional ao fazê-lo.
Na seqüência, a discussão será trazida ao ambiente atual e “enformador” do
sistema jurídico, a Constituição, com a da Emenda n° 45/2004; o conceito de súmula e
súmula vinculante – críticas que recaem sobre sua consolidação no sistema jurídico, a
definição deste e a sua forma de gerir a complexidade. O direito sumular é reforçado na
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recente reforma do Judiciário pela Emenda citada. A inovação constitucional da súmula
vinculante dá elementos para o diálogo entre as teorias de Boaventura de Sousa Santos e
de Niklas Luhmann, validando-as ilustrativamente.
A tensão emancipação-regulação constitutiva da modernidade, que segundo
Santos se resolve com a crescente regulação. Mas subsiste um ambiente constitucional
sempre aberto à mudança social “normal” e com forte conteúdo emancipatório. Por
exemplo, os direitos e garantias fundamentais do indivíduo, a organização política e
jurídica do Estado com harmonia e independência entre poderes e a forma federativa,
consagrados como cláusulas pétreas, trazem forte conteúdo emancipatório, de limitação
do arbítrio estatal e ampliação de direitos e garantias daquele indivíduo cidadão.
Mas também a realidade sistêmica do Direito em vista da boa ordem que ele
persegue, exige que a mudança seja controlada, previsível às expectativas gerais e daí
que a decisão jurídica ocorre em base de certa pragmática judicial. A súmula é sinal de
uma escolha pragmática, sistêmica e “ambiental” ao buscar realizar o telos
constitucional minimizando os riscos na administração do Direito.
A súmula vinculante constitui um dado sistêmico e factual no Brasil, consolida
um entendimento judicial com efeitos no Judiciário e no Executivo. Demonstra que a
decisão jurídica é sistêmica, pragmática e visa recriar o sistema em termos de
segurança e previsibilidade. Demonstra ainda que a ampliação de direitos pela
Constituição se viabiliza pela interpretação consolidada e uniformizadora, enfim, a
regulação.
2. O direito moderno e a tensão entre emancipação e regulação.
A definição ambiental-cultural do que seja o direito moderno evoca, ao menos
no Ocidente tributário da matriz histórica européia, entender quais foram os passos do
fenômeno que se logrou chamar modernidade. Santos (2005) procura com eficiência
exaurir os contornos desse quadro cultural e ideológico mais amplo de mudanças no
modo de conhecer e fazer ciência, na ascensão do capitalismo mercantil e apoiado pelo
Estado em processo de rápida consolidação como único ator jurídico e político a
substituir, em proximidade com o mercado, as diversas ordens e a pluralidade de
poderes do período medieval.
A reabertura da atividade comercial burguesa do século XV, juntamente com a
difusão dos ideais humanistas culmina na reorganização cultural e social revolucionária
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do Ocidente. A modernidade ocidental em seu evolver exigiu um novo modelo de
segurança jurídica para a burguesia já que esta não tinha prerrogativas políticas que
lograria obter mais tarde, nos séculos XVIII e XIX. O direito compilado em Bolonha
está a serviço do projeto moderno e burguês, constituindo um exercício regulatório que
vai dar segurança a uma classe social e econômica, racionalidade ao agir do Estado,
servindo pois à emancipação, inicialmente. Assim pontua Santos (2005, p. 120-1):
O processo histórico da tensão entre regulação e emancipação no campo jurídico é ainda mais antigo do que no campo da ciência e,
numa das suas primeiras manifestações, remonta à recepção do
direito romano na Europa do século XII. Esse fenômeno foi de tal modo decisivo para o desenvolvimento subseqüente do direito que os
historiadores do direito o consideram quase unanimemente o factor
mais importante na criação da tradição jurídica moderna ocidental.
A modernidade nasce a partir da promessa de emancipação, da passagem da
condição de servo para súdito e cidadão, do fim das lealdades concorrentes e caóticas
das diversas hierarquias que submetiam homens e mulheres no ancién règime. A tensão
básica no campo das ciências só surgirá mais tarde, durante o período de afirmação do
capitalismo industrial. Mas a necessidade de desenvolvimento das novas energias
produtivas do capitalismo e a ameaça do caos, fez com que a emancipação fosse
crescentemente submetida à regulação até aquela praticamente desaparecer.
A ciência e a tecnologia seriam as formas apropriadas de criar uma nova “boa
ordem”, mas elas, segundo pensamento de Santos (2005) falharam nessa tarefa de
regular a nova ordem moderna. Coube ao direito essa tarefa, a qual ele desempenha num
processo progressivo de racionalização e estatização que vai desde a recepção do direito
romano na Universidade de Bolonha, ao jus-racionalismo naturalista de Vico e Grotius
que separam o Direito das fontes transcendentais e divinas do período anterior, o
medieval.
O evolver desse processo de estatização e cientificização do direito aprofunda-
se nas teorias do “Contrato Social” de Hobbes, Locke e Rousseau e chega ao
positivismo jurídico, a construção do direito como sistema completo e absoluto, referido
a si mesmo na completude de suas normas e possibilidade de integração delas sem
precisar sair de dentro do sistema. A escola exegética alemã vai ser a máxima expressão
dessa concepção de direito cuja lógica prescinde de quaisquer vinculações mais fortes
com a realidade ou os fatos materiais.
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O direito vai se tornando cada vez mais vinculado à figura do Estado, sob a
forma de um direito “instrumental” e o que antes era um “saber prudente” se
complexifica, se especializa e se territorializa no Estado nacional. O ordenamento
jurídico é a organização estabelecida em elos pelas normas que constituem o direito. É
um modelo – tudo aquilo que propõe ou simula resultados - complexo, diretriz das
diretrizes de conduta, ou de organização estatal, sem as considerações do que foi
deslocado para o campo da moral, da política etc. O crescimento das forças econômicas
(mercado) e do poder político organizado (Estado), além daquela emancipação
individual prometida, propicia os excessos e déficits na vida social.
Os excessos e déficits produzidos na modernidade trazem a necessidade de
regulação. Como a descrição científica da regularidade dos fenômenos é a lei e como
esse termo também pertence à ordem normativa. Por isomorfismo, o direito moderno
passou a servir-se da lei, segundo Santos (2005) do mesmo padrão epistêmico e
aplicado das ciências modernas: como elemento padrão de regularidade, de constância.
A ciência moderna, configurada como verdadeiro combustível do processo de
ascensão capitalista, teve como efeito a formação de um conhecimento de
preponderância reguladora, que dessa forma absorveu em si a força emancipatória da
modernidade, trocando-a pela regulação e a garantia da nova boa ordem. O saber
contemplativo e desinteressado cedeu lugar ao saber instrumental e a serviço seja da
produção e acumulação, seja da hegemonia. O princípio da solidariedade (da sociedade)
cede espaço aos da hegemonia (do Estado) e da acumulação (do Mercado).
A crescente abstração do direito garantiu sua aplicação sobre o Estado, o
mercado, a sociedade e os indivíduos, servindo o direito tanto aos modelos jurídico-
políticos liberais quanto aos mais totalitários, dada sua crescente abstração lógica e
organização sistêmica. Assim, o direito moderno não ficou imunizado diante das
mudanças sociais “normais”, sendo transformado em mero instrumento político, de
ampliação crescente de sua incidência sobre diversos campos da vida social,
juridicizando-a, colonizando-a, segundo Santos (2005, p.158):
Em primeiro lugar, revelam-se como manifestações da colonização
da sociedade: ao submeter histórias de vida e formas de viver
concretas e contextualizadas a uma burocratização e monetarização
abstratas, a regulação jurídica destrói a dinâmica orgânica e os padrões internos de auto-produção e auto-reprodução das diferentes
esferas sociais (economia, família, educação, etc.). Embora vise a
integração social ela promove a desintegração social, aí residindo,
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para Habermas, a estrutura dilemática do Estado-Providência
(Habermas, 1986:211;1987). Em segundo lugar, essas disfunções
revelam-se como “materialização” do direito: o reverso da sobre-juridicização do direito; Finalmente, as disfunções redundam numa
ineficácia do direito: é muito provável, ou até quase certo, que a
discrepância da lógica interna e da autoprodução dos padrões do direito com os das outras esferas da vida social por ele reguladas
torne a regulação jurídica ineficaz ou contraproducente.
Com a apresentação dessas três grandes limitações, as quais Teubner refere-se
como “trilema regulatório”, assume-se que dessa forma o direito mantém-se manipulado
e ao mesmo tempo a cárcere da política e dos subsistemas regulados. Os sujeitos
desaparecem praticamente e sobrevive o sistema, auto-referenciado em si mesmo nas
relações com o mundo, o ambiente e a cultura, estruturados a partir de múltiplos
sistemas (semi) autônomos.
No conjunto do pensamento jus-sociológico de Santos (2000), ele distingue
uma série de etapas epistemológicas em que a sociologia do direito primeiro privilegiou
uma visão normativista, mais ligada ao dado abstrato das leis e suas disposições de
direito material. Mas aos pouco foi alcançando as dimensões institucional e
organizacional da aplicação do direito, consolidando-se numa sociologia dos tribunais.
É nesse ponto de chegada novo da sociologia do direito, muito próxima da etnologia,
que se estudam os tribunais e sua forma de decidir[1].
A respeito dessa complexificação e melhoria metodológica e epistemológica da
investigação sociológica do direito e sua aplicação, diz Santos (2000, p. 163):
Ao deslocar a questão da normatividade do direito dos enunciados
abstractos da lei para as decisões particulares dos juízes, criou as pré-
condições teóricas de transição para uma nova visão sociológica
centrada nas dimensões processuais, institucionais e organizacionais.
O esforço de autocontenção e autorreferenciamento do sistema do direito, da
teoria de Luhmann, Santos chama de regulação e uma das conseqüências é a
juridificação da vida social, tanto pela legislação, quanto pela aplicação do direito. Esta,
inaugura uma comunidade de práticas, tribunais e órgãos judiciais, cujas seleções de
sentido que fazem a partira das leis (ou a margem ou contra elas), o modo próprio de se
organizar e decidir dentre outros, justificam uma virada e especificação no trabalho
crítico e analítico da sociologia.
3. Direito e sistema: instituições e estruturas.
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A noção de sistema do direito se especializa com Niklas Luhmann e é tributária
das teorias de Maturana e Varela, quanto à autopoiese, ou seja, a capacidade sistêmica
de se auto-gerar, e da teoria social de Talcott Parsons. Diferentemente deste, para
Luhmann o sistema se faz de comunicações e não de indivíduos e suas ações a partir de
dados de consciência. Para Luhmann, os indivíduos são comunicações do próprio
sistema[2].
O sistema social é aquele básico e chamado também “sistema social total”. A
partir desse sistema, cuja regra é a diferenciação social se concebe a formação de
subsistemas (político, jurídico, moral, econômico, artístico-estético, cultural, etc) cada
um operando o acomplamento estrutural com os demais através de um código binário
básico. O código binário do direito é o “jurídico/não-jurídico”, traduzido como
legal/ilegal, algumas vezes, pela dificuldade de tradução de Recht/Unrecht
(“direito/não-direito”?) da expressão textual de Luhmann. Os indivíduos são sistemas
orgânico-corpóreos, sendo os dados de sua consciência resultado das comunicações
sistêmicas, não atos livres, pois a autopoiese nos indivíduos-sistema parece ser restrita
apenas à autoprodução corporal (nascer, crescer e morrer).
Boaventura de Sousa Santos não propõem uma premissa teórica tão radical
quanto Luhmann, de negação do sujeito individual, mas concebe as relações jurídicas
sobre o prisma da tensão regulação-emancipação, na qual o resultado da racionalização
da vida moderna transferiu vantagens para as estruturas mais sistêmicas, o Estado e o
mercado[3].
Assim, o desafio identificado por Santos é que a promessa da modernidade
(ainda não cumprida, segundo Habermas) é a emancipação, os direitos ampliados aos
novos titulares que podem exercitá-los, hipoteticamente, em função do Estado e
mercado mais racionalizados. A concentração de atribuições e poder jurídico e político
no Estado e Mercado, em detrimento da Sociedade, mais fluida em sua desconstrução
moderna, fazem com que na modernidade se consolide a feição mais sistêmica da sua
organização e formas de institucionalização. Santos (2005) aproxima-se de Luhmann
quando situa o indivíduo na aventura da modernidade jurídico-política, mais como uma
identidade “de jure”, de Bauman (2001) do que como um protagonista, sonho dos
românticos alemães e das filosofias da consciência. O Estado, o mercado e a sociedade
são os atores sistêmicos para o direito.
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As constituições dos Estados modernos são os repositórios mais claros dos
direitos de emancipação consagrados como direitos subjetivos e a cidadania emerge
como a qualidade jurídico-política que não tinha o súdito. As constituições modernas,
especialmente no caso da brasileira, muito extensa e analítica, são um misto de
ambiente emancipado, de enunciação de direitos e garantias em quantidade e qualidade.
As constituições são também a base para a criação sistêmica do direito. Ao legislador, e
mais ainda ao Judiciário, cabe a função de criar e fortalecer o sistema pelas seleções e
decisões, a partir do horizonte constitucional e suas múltiplas possibilidades de sentido.
Tal ampliação temática de direitos subjetivos repercute diretamente na
complexidade e na contingência, pilares problemáticos, alvos do cuidado da teoria de
Luhmann. O sistema do direito passa a ser composto de diversos subsistemas e a ter que
regular e dialogar com outros sistemas, traduzindo seu código básico para aplicá-lo aos
demais. A regulação jurídica passa a ser superexigida diante da nova diversidade de
direitos, atores jurídicos, conteúdos e temas sociais juridicizados etc. As contingências
sociais e factuais num ambiente social, político e econômico marcado pelo individual e
suas demandas singulares tenderiam ao caótico, não fosse a nova unidade racional do
Estado e do direito que com ele passa a se identificar.
De acordo com Santos (2005) a formulação mais ampla e articulada, de forma
a garantir a eficácia e autonomia do direito sem que ele se descaracterize ante os
subsistemas regulados é a concepção do sistema autopoiético de Luhmann. A gestão da
complexidade com seus excessos, déficits e riscos é tarefa que o sistema do direito
opera a partir de seleções e exclusões com a aplicação do código básico binário
legal/ilegal, jurídico-não jurídico.
O sistema se estrutura em Luhmann em dois níveis interligados, mas distintos:
um mais psíquico e comportamental em que a seletividade, a escolha, alivia o medo,
outro mais institucional e organizacional previne o desapontamento, controla as
frustrações. Diz ele na sua definição, assim:
Estrutura é definida por uma propriedade, isto é, por uma constância
relativa.[...] Definimos a estrutura através de sua função de fortalecimento da seletividade [...]. As estruturas potencializam esse
efeito aliviante [dos desapontamentos] na medida em que
estabelecem as referências de uma seleção a outra. Através de um ato
de opção, geralmente não percebido como tal, as estruturas restringem o âmbito das possibilidades de opções. (LUHMANN,
1985, p. 53-54)
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A função das estruturas é reduzir a insegurança e confirmar expectativas mais
generalizadas, regulando o medo (id, p. 55). Essa definição comportamental e psíquica
se valida nas relações pessoais, parte a parte, com a seleção de linguagem, de
argumentos para a comunicação. Além dessa definição do ponto de vista psíquico,
Luhmann cuida das estruturas que atuam como “terceiros” nas relações. Aí se inserem
as estruturas institucionais e organizacionais. A estas compete integrar e dar segurança,
neutralizando, objetivando e amenizando as disputas. Passam a atuar quando a
complexidade das relações e as disputas decorrentes não se resolvem mais com base em
consensos, apelo á convicções comuns e experimentação normativa, mas com o
deslocamento da competência de decidir.
As estruturas, enquanto parte do argumenta da teoria sistêmica, podem ser
individuais-subjetivas, consensuais-intersubjetivas e institucionais. Nestas últimas
comportando estruturas estatais (Judiciário, Legislativo e Administração) e as sociais e
do mercado: movimentos sociais, empresas, interessando aqui aquelas estatais, mais
precisamente por conta da regulação própria e da sua força intra-sistêmica.
A crise do consenso cotidiano, fenômeno no campo das relações sociais, em
especial das relações no mundo do direito, entra de cheio na definição do próprio objeto
da sociologia do direito. Tal crise desencadeia a formação de mecanismos de
institucionalização da decisão, sejam elas judiciais ou legislativas com fins de
estabilizar as expectativas e gerir a complexidade e a contingência. Diz Luhmann (1985,
p. 84):
As instituições se fundamentam então não na concordância fática de determináveis manifestações de opiniões, mas sim no sucesso ao
superestimá-las. Sua continuidade está garantida enquanto quase
todos suponham que quase todos concordem [...]. Daí surge, comparativamente ao consenso fático, uma maior estabilidade e uma
mais apurada sensibilidade.
O sistema do Direito, em virtude da diversidade de interações que estabelece
com outros sistemas numa sociedade sobre-juridificada, se especializa e se diferencia
funcionalmente. Luhmann o concebe em estruturas judiciais e legislativas. As distinções
entre elas Luhmann (1985, p. 38) trata assim.
O âmbito da jurisprudência cuida da exposição do direito vigente, da
manutenção e da sanção de certas expectativas normativas, de
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manifestar a determinação a não assimilar apreensivamente as
transgressões ao direito.
Ao comparar com a função do legislador dentro da distribuição de
competências funcionais e específicas, Luhmann confere ao Judiciário um papel mais
sistêmico. A regulação judicial é concreta, destinada ao caso singular. Mas o
crescimento do subsistema judicial dentro do sistema do Direito, a impostação técnica
que dá ao Judiciário uma legitimidade, permite, no caso da jurisprudência sumular,
editar normas em termos materiais. É o caso da súmula vinculante, que age
verticalmente todo o aparelho judicial brasileiro bem como a administração pública: ao
decidir, as autoridades não podem ir contra o entendimento que está sumulado.
Quanto ao legislativo, sua participação sistêmica é mais fluida e dinâmica,
segundo Luhmann, que diz (id. p. 38):
Para o legislador, no entanto, as normas e os fatos se apresentam em uma outra ótica e num outro contexto. [...] Ele pode abrir-se ao
direito clandestino dos rebeldes e criminosos, aos interesses afetados
pelas prescrições. Ele pode, e até mesmo, deve demonstrar estar disposto a corrigir expectativas. Ele é o destinatário da vontade de
mudar.
Normalmente, a complexidade de um ambiente estimula o também aumento da
complexidade do sistema do direito e dos outros sistemas de certa forma interligados. A
complexidade de um sistema de forma alguma, se faz por reflexo do ambiente, uma vez
que, se assim fosse, consistiria em uma ruptura dos seus limites, ocasionando a morte
precoce do próprio sistema.
O ambiente leva ao sistema diversas possibilidades, estas diferenciadas em
outras possíveis, originando uma confusão e contingência. Então, o sistema utiliza a
seletividade e opta pelas possibilidades mais coerentes com a função que desempenha.
Ou seja, o próprio sistema minimiza a complexidade para se manter a salvo no
ambiente. Porém, ao passo que há uma simplificação da alta complexidade do ambiente,
ocorre também um avanço da complexidade do próprio sistema, sendo esse o preço para
sua manutenção no ambiente. A gestão sistema do direito termina por ser mais interna,
“autopoiética” do que dirigida para fora, para o ambiente de entorno.
É importante considerar que o sistema se comporta de modo mutável. O
aumento de sua complexidade interna se faz devido ao número de possibilidades ser
também maior, sendo condição para esse enfrentamento uma diferenciação em
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subsistemas. Dentro do sistema do direito pode-se ter um subsistema judicial, outro
legislativo ou contratual, etc.
As sociedades contemporâneas, tomadas como sistemas sociais totais,
estruturam-se de acordo com um programa de diferenciação funcional, sendo assim
constituídas por inúmeras formas de subsistemas, dentre eles o direito e a política. É
inerente e peculiar a cada subsistema um modo de funcionamento e um código próprio,
pois cada subsistema se constitui de forma fechada, autônoma e auto-referencial, assim
como ao mesmo tempo interligam-se sob a forma reduzida de “acoplamento estrutural”.
É notório na concepção Luhmanniana, a conclusão que para o sociólogo alemão a
sociedade é um verdadeiro sistema composto por comunicações, ou conforme citou
Celso Fernandes Campilongo, “a sociedade é, então, pura e simplesmente uma rede de
comunicações”.
A característica marcante da comunicação que se realiza em cada sistema
social, somente ocorre em função utilização dos chamados códigos binários, que
segundo Niklas Luhmann, levam a uma enorme simplificação. O direito funciona,
segundo seu próprio código: legal/ilegal, jurídico/não-jurídico. Por esse código básico, o
direito dialoga com outros subsistemas sociais, convertendo suas provocações e
irritações em reações autopoiéticas, ou seja, só as conhecendo se puderem ser traduzidas
em jurídico/não jurídico..
Não existe um agente externo ao sistema que origina sua modificação, ele
mesmo a realiza. As provocações ou irritações não somente contribuem para a evolução
do sistema, como também, dependendo da intensidade, podem incitar mudanças na
estrutura do próprio sistema. Essa capacidade de produzir a si mesmo recebe o nome de
autopoiese, responsável pela constância no aumento das possibilidades até que a
complexidade do sistema atinja níveis intoleráveis à estrutura do sistema, culminando
com mudanças na sua forma de diferenciação.
A evolução do sistema ora depende da sua diferenciação, ora da passagem de
uma forma de se diferenciar em outra. De acordo com a teoria de Niklas Luhmann, são
quatro as formas pelas quais o sistema pode se diferenciar: segmentação, hierarquia,
centro/periferia e a função, e conforme evolui passa de um sistema segmentado até os
limites de um sistema funcional. Assim como aconteceu com a própria sociedade,
passando por uma forma segmentada, na antiguidade, até uma forma funcional, na
modernidade.
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Voltando tal complexidade para o mundo do direito, denota-se que para
Luhmann, o direito se deixa determinar por critérios externos à positividade. Tornou-se
um desafio para a figura do juiz, se manter fiel aos argumentos jurídicos necessários à
autonomia do direito, isso devido a recorrente judicialização dos litígios. Com isso, fica
evidente o problema das lacunas e a incapacidade do direito em prever normativamente
todas as situações de conflitos que emergem, o que o leva a um esforço de auto-
contenção e ênfase na segurança jurídica, v.g.
Surge então a paradoxal formulação da norma jurídica, que ao invés de
delimitar sua área de aplicação, aumenta de forma gradativa seu grau de abstração.
Tecnicamente a norma jurídica no quadro atual de expansão das prestações e atenções
do Estado de Direito, tem que ser paradoxalmente mais abstrata e mais específica. É
devido e a partir desses raciocínios que os quesitos para criação e edição da súmula são
compreendidos: uma tentativa de (re) posicionar os marcos balizadores da decisão
jurídica e da segurança do sistema, traduzindo a abstração e a especificação em
possibilidade de decisão.
Os conceitos de complexidade, contingência e riscos[4] da vida social
moderna, substituem os clássicos vontade e interesse, muito típicos do pensamento
quando se trata de direitos fundamentais. Pensados apenas no formato subjetivo e
individual, para um modelo tradicional de poucos bens jurídicos (propriedade, status
personae, liberdade ambulatória e política, contratos etc) resolvidos em lide
interpessoal, os direitos fundamentais perdem sua significação. As instituições e o
ordenamento social num Estado de amplos poderes e complexas prestações e
atribuições devem ser consideradas, sob o conteúdo do risco social. Este substituiu a
estabilidade e o statu quo que são uma espécie de mito colocada como pressupostos
para o sistema jurídico, não como uma meta intra-sistêmica permanente.
4. Direito sumular no Brasil
A lei é uma espécie de norma jurídica resultante do complexo processo
legislativo. Sua força coercitiva aplica-se a casos abstratos, uma vez que existe como
direito positivo das normas de conduta e organização. Diferentemente da lei, a súmula é
diretriz jurisprudencial, oriunda das reiteradas demandas com o mesmo objeto, ou sobre
um mesmo fundamento[5]. Apenas norteando decisões que podem livremente influir
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nas convicções dos juízes e demais aplicadores do direito. É norma de natureza diversa
pela própria fonte judicial da qual emana.
A natureza jurídico normativa das súmulas está relacionada à função judicial
da “jurisdictio”, dizer o direito, quando a norma legal ou costumeira por si mesmo não
pode ser aplicada. Há um lapso epistêmico entre a enunciação de norma e sua
pragmática, a aplicação. No caso da norma constitucional esse hiato epistêmico entre o
sentido e o alcance da norma abstrata é de grande complexidade. Há uma zona de atrito
e superposição de direitos que decorre do próprio conteúdo dos direitos
fundamentais[6], sua complexa topologia.
Exemplificando e ilustrando, com dispositivos da Constituição Federal de
1988:
Art. 5°, inciso LV. Art. 5°, inciso LVIII.
Aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e a ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes.
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação.
Súmula Vinculante n° 5 do STF. A falta de defesa técnica por advogado no processo
administrativo disciplinar não ofende a Constituição.
Os dois incisos do mesmo artigo 5° da Constituição brasileira, considerados os
fatos em concreto, por exemplo o excesso do emprego do direito de defesa que trave
uma decisão administrativa, podem estar em atrito. Sistemicamente considerando a
Constituição e os princípios norteadores da Administração Pública (art. 37, caput) de
que num Estado Democrático de Direito (Art. 1°, caput), uma súmula pode “resolver” a
questão da morosidade ocasionada pelo excesso do direito de defesa do acusado em
processo administrativo, nos termos daquela Súmula Vinculante n° 5.
Na distribuição sistêmica e funcional dos papéis no sistema do direito, a opção
pela defesa técnica com advogado é de cunho pessoal, ao passo que o dever da
administração apurar e decidir é de feição cogente e institucional.
Admitindo a influência nas sentenças das reiterações de decisões, visando a
uniformidade e constância, tem-se o conceito basilar de jurisprudência. Pode-se então
dizer que a súmula é a proposição enunciativa de uma jurisprudência que se consolida a
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1456
partir de decisões judiciais reiteradas sobre um mesmo tema ou disputa levada ao
Judiciário.
A idéia do direito sumular no Brasil – influenciado mais fortemente pelo
precedente do stare decisis do modelo judicialista americano – não é nem um pouco
recente. Utilizando-se de uma análise histórica e evolutiva é de se registrar que o
primeiro instituto de vinculação judicial de decisões apareceu no período colonial, com
as Ordenações Manuelinas e aperfeiçoado nas Ordenações Filipinas. Sob o nome de
“Instituto dos Assentos da Casa de Suplicação”, tinha a finalidade de erradicar as
duvidas que surgissem entre os juízes, as matérias em questão seriam então direcionada
aos reis.
Após a independência, com a criação do Supremo Tribunal de Justiça, os
assentos de Lisboa foram regulamentados por meio de um decreto legislativo e foi dada
ao Supremo Tribunal de Justiça, a competência de tomar outros “assentos” até serem
derrogados pelo poder legislativo. A prática dos assentos foi extinta pela Constituição
da República de 1891 e por influência do Ministro do STF, Victor Nunes Leal, foi
instituída a Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal,
segundo o ministro, em nome da “relativa estabilidade” da jurisprudência.
O stare decisis, preponderante no sistema de tradição anglo-saxônica do
Common Law, “stare decisis et quiet non movere”, ou seja, “mantenha-se a decisão e
não se perturbe (se altere) o que foi decidido”, detém influência na criação da súmula
vinculante do direito brasileiro, uma vez que, promove a igualdade aos conflituosos em
situações idênticas, e assegura uma medida prévia à aplicação da norma jurídica. O
fundamento prático da súmula é explicado pelo ex-ministro Baleeiro:
basta a referência a seu item (enunciado) que este indicará o
dispositivo legal a que se refere e os acórdãos do Supremo Tribunal Federal que estabeleceram a jurisprudência preponderante, sem
necessidade de provar-se a existência dos julgados acaso discrepantes
(BALEEIRO, Aliomar. Revista Brasileira de Estudos Políticos, v.
34, p.30).
Desde seu lançamento, para servir de modelo de trabalho à comunidade
jurídica, que a súmula é alvo de resistência por parte de magistrados e setores da
advocacia, sedentos em manter sua “preservação intelectual”. Com ajuda do então
ministro do STF Victor Nunes Leal, foi instituída a Súmula da Jurisprudência
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1457
Predominante do Supremo Tribunal Federal, por intervenção de Emenda Regimental de
28.03.1963. Para Leal a súmula:
É um sistema oficial de referência dos precedentes judiciais,
mediante a simples citação de um número convencional; distingue a jurisprudência firme da que se acha em vias de fixação; atribui à
jurisprudência firme conseqüências processuais específicas para
abreviar o julgamento dos casos que se repetem e exterminar as protelações deliberadas (LEAL, Victor Nunes. Atualidades do
Supremo Tribunal, RF 208/17).
Assim, Leal considera a jurisprudência de forma rígida como não sendo um
bem, uma vez que o ex-ministro não deixou de considerar a mutabilidade da vida e a do
próprio direito e seu corpo legislativo. Porém também diferencia a mudança que se faz
por necessária e “a anarquia da jurisprudência”, para ele um tormento. O possível,
razoável e mais conveniente seria o meio-termo para que o Supremo Tribunal possa
eliminar ou reduzir as controvérsias de jurisprudência.
De certa forma havia a obrigação de manter o respeito jurisprudência, mesmo
que para isso fosse necessário o impedimento do livre pronunciamento de tribunais e
juízes. Existia a ânsia por promover e assegurar a uniformidade jurisprudencial,
requisito imprescindível para a qualidade da distribuição da justiça. Para que não falhe
quanto às expectativas de expressar a inteligência dada à lei, a súmula não pode ser
palco de incertezas ou ambigüidades, sendo redigida com o maior nível de clareza
possível.
É amplamente pertinente a diferenciação entre a súmula da jurisprudência, que
possui predominância no STF, e a súmula resultante da uniformização de
jurisprudência. Na primeira forma, o STF oferece meios para o pragmatismo das
decisões a serem tomadas, mantendo dessa forma, a liberdade cognitiva, já que há a
faculdade de seguir ou não a súmula referência. Por sua vez no segundo caso, o
prestígio e a autoridade do tribunal estão em enfoque, pois não há a permissão para a
variância das interpretações a tal ponto que coloque a segurança dos jurisdicionados em
prova perante as decisões tomadas pelo tribunal.
A Emenda Constitucional n° 45/2004, que acrescentou à Constituição o artigo
103-A, traz uma espécie de súmula que difere das supra conceituadas, inovando com a
súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal, cuja criação deve atender aos
requisitos constitucionais da existência de controvérsia jurídica sobre matéria
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constitucional que ocasione grave insegurança jurídica e relevante volume de processos
sobre questão idêntica. Tem caráter cogente, não meramente consultivo, não existindo
facultatividade em seu seguimento e sob este não cabendo a petição de recursos, não
podendo recorrer o julgado a instância superior. Dão um caráter líquido e certo às
decisões exaradas com base em seu conteúdo normativo.
A criação e edição do instituto da súmula vinculante não nasceram de forma
unânime em aceitação e credibilidade, sendo até os dias atuais passível de críticas e
polêmicas a respeito de fatores relacionados desde a sua interpretação, até o possível
“cabresto do STF” que, segundo adeptos, culminaria com a interferência na capacidade
inovadora do próprio direito. Pode se ver claramente as dimensões sistêmicas e
regulatória do direito em ação.
Além de ser acusada por atribuir legislação a quem não é diretamente escolhido
pelo povo, segundo uma democracia representativa, há quem diga que a súmula
vinculante restringe as possibilidades defensivas em detrimento da ampliação e
alternativas do sistema jurídico, pois a decisão é advinda do mais qualificado Tribunal,
que certamente colocará a súmula sob revisão apenas para motivos relevantes.
É apontado também que a implantação desse instituto significaria a diminuição
da liberdade no julgamento. Outra crítica aceita diz respeito ao não combate à
morosidade do sistema jurídico por parte da súmula, já que não diminui o acúmulo de
serviços do Supremo Tribunal Federal porque introduz também o instrumento da
reclamação com as finalidades da preservação de sua competência e da garantia da
autoridade de suas decisões.
Não se cria uma súmula vinculante apenas por conveniência ou por simples
deliberações. É necessário que se faça presença de controvérsias ou contestações
persistentes sobre determinadas matérias, não solucionadas entre órgãos jurídicos, ou
entre estes e a administração pública, que acarrete insegurança pública e crescente
propagação de processos sobre casos idênticos. A súmula destina-se a dar ao povo uma
segurança jurisdicional previsível, ao contrário de outras decisões conflituosas e
contraditórias que somente provocam o desgaste e o desprestígio da Justiça.
Quanto ao objeto da súmula vinculante, fala-se em validade, interpretação e
eficácia da norma jurídica. Dessa forma assegurando a adequação da norma ao material
constitucional, a obtenção do sentido coerente para o que a lei dispõe e, a execução dos
objetivos anunciados na apresentação do projeto e em sua posterior elaboração
legislativa.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1459
O não cumprimento do que a súmula vinculante enuncia, resulta em anulação
do ato administrativo e torna sem efeito a decisão judicial, acarretando outra decisão,
com ou sem influência sumular, dependendo do caso. Barcelos (2005) diz que a
racionalidade na esfera da decisão jurídica tem dois elementos: a demonstração da
conexão com o sistema jurídico e a racionalidade do argumento. A súmula, pela
concisão textual, atém-se mais propriamente ao primeiro elemento.O sistema do direito
tem um argumento implícito, de autoridade e hierarquia, mas de cunho funcional que
substitui a exposição de alongadas razões para suas práticas e decisões.
5. As 31 primeiras súmulas vinculantes editadas.
Até 31 de março de 2010 já haviam sido editadas 31 súmulas vinculantes. Em
2007, foram os três primeiros enunciados, em 2008 foram 10 e em 2009 outras 14
súmulas e 4 delas em 2010, em 17 de fevereiro. O efeito sistêmico e regulador são
notórios, embora isso seja minimizado pelo fato de que os precedentes que dão
fundamento às súmulas sejam casos julgados, nos quais o “desapontamento” com o
efeito dela nas ações em curso já está diluído entre os usuários do Judiciário. O corte do
binômio ilegal/legal é agora o constitucional/inconstitucional para o subsistema judicial
do STF.
A posição sistêmico-hierárquica do STF na organização jurídica do país lhe
confere um poder hermenêutico e mais ainda, funcional: ele pode dizer da
constitucionalidade ou não de uma norma, um ato administrativo, judicial ou
legislativo.
A primeira delas ainda traz a insegurança “sumular” ao deixar margem para a
discricionariedade judicial de primeira e segunda instância em face do “caso concreto”,
o que restringe a aplicação da súmula. A restrição reguladora se dá em homenagem ao
ato jurídico perfeito, um ícone constitucional da segurança jurídica e em favor do
Estado.
Súmula n° 01. Ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão
que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a
validez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela Lei Complementar nº 110/2001.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1460
Essa súmula primeira confere validade a um termo de adesão em que, dentre
outras limitações impostas ao titular de conta vinculada de FGTS, está a renúncia ao
direito de ingressar em juízo para postular atualizações de sua conta de FGTS (art. 6°,
inciso III da LC 110/2001). Ou seja, na interpretação dos direitos fundamentais, o ato
jurídico perfeito, tomado na sua acepção mais formal de um termo de adesão, foi posto
acima da inafastabilidade da apreciação judicial ante a lesão e iminência dela, típica
seleção sistêmica.
A Súmula Vinculante n° 2 ingressa na questão federativa e nas reservas de
competência legal. A União contra quem correm grande parte das ações que chegam ao
STF ou às cúpulas judiciárias tem sido grandemente beneficiada pelas Súmulas. Esta
Súmula n° 2 veda atos normativos e leis que disponham sobre bingos e loterias: “É
inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas
de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias”. Há um reforço ao centro sistêmico
do direito estatizado que, no caso brasileiro, é a União federal.
O Estado, enquanto Fazenda Pública e Administração, é o grande beneficiado
com o conteúdo das atuais súmulas vinculantes. Na de n° 3[7], a decisão administrativa
que aprecie legalidade de ato administrativo exclui o contraditório e ampla defesa, nos
processos perante o Tribunal de Contas da União. A súmula vinculante n° 5, também
delimita o alcance e sentido do princípio do contraditório e ampla defesa nos processos
administrativos disciplinares, conforme quadro acima.
Mas é o Estado enquanto administração pública devedora e credora, em termos
de remuneração dos servidores e de tributação, que recebe mais atenção aos seus
interesses pelas súmulas. A impressão que se tem é que os direitos ligados à
remuneração do servidor público não se enquadra mais no formato de direitos
fundamentais, quiçá pelo histórico de patrimonialismo e precária aferição do mérito
nesse campo da vida administrativa, o que retira a legitimidade das demandas salariais
que aí vicejam.
As súmulas vinculantes n° 4, 6, 15 e 16, restringem o alcance dos direitos
salariais dos servidores públicos, dando às suas pretensões em face da Fazenda Pública,
uma decisão sumular definitiva: Não pode ser usado o salário mínimo como indexador
para aumento das gratificações (súmula vinculante n° 4), “Salvo nos casos previstos na
Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo
de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão
judicial.”. Pela Súmula n° 6, abre-se uma exceção ao salário mínimo, ao enunciar que
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“Não viola a Constituição o estabelecimento de remuneração inferior ao salário mínimo
para as praças prestadoras de serviço militar inicial”.
A Súmula Vinculante n° 15 diz “O cálculo de gratificações e outras vantagens
do servidor público não incide sobre o abono utilizado para se atingir o salário
mínimo.” E este tem seu conceito ampliado para o “total da remuneração” percebida
pelo servidor público, em geral com vencimentos básicos em valor inferior ao salário
mínimo. Pela Súmula Vinculante n° 16: “Os artigos 7º, IV, e 39, § 3º (redação da EC
19/98), da Constituição, referem-se ao total da remuneração percebida pelo servidor
público.” Ou seja, para o servidor público o “salário mínimo” não é igual a “vencimento
básico”, mas é “total da remuneração”, o que se justifica no sistema do direito: na
iniciativa privada a remuneração é estabelecida quanto ao “mínimo”, ficando ao livre o
agente privado remunerar com um plus o trabalho contratado.
No serviço público, as despesas devem ser previstas em um “máximo”, não
havendo liberalidade orçamentária para romper com os limites previstos na Lei
Orçamentária. Mas equiparar “vencimento básico” com “total da remuneração” é um
exercício tópico e dogmático que só se justifica de modo sistêmico com a exclusão
cognitiva do sujeito, individual ou institucional, a permitir outra lógica decisional que
não a lingüística.
O STF não argumenta com base em semelhanças e analogias de tipo
lingüístico-semântico. Mas uma ligação analógica forte como aquela entre “salário
mínimo” e “vencimentos básicos”, em se tratando do gênero remuneração do trabalho,
só pode ser desconsiderada a partir de uma forte desconstrução pelo sistema do direito
do código básico do sistema lingüístico, o que reforça a percepção de Luhmann quanto
ao sistema do direito.
A Fazenda Pública como credora fiscal recebe atenção favorável nas Súmulas
Vinculantes n° 19 e 29. A primeira atende a exigências de cunho ambiental diz sobre
um tributo municipal: “A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos
de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de
imóveis, não viola o artigo 145, II, da Constituição Federal”.
Mas o favorecimento do direito sumular às prerrogativas fiscais do Estado, se
amplia com a Súmula Vinculante n° 29 cujo enunciado diz “É constitucional a adoção,
no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo própria de
determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra.”. O
artigo 145, §2° da Constituição da República diz claramente que “As taxas não poderão
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ter base de cálculo própria de imposto” e a interpretação sumular do STF excepciona
essa vedação constitucional em favor da administração tributária.
Na espécie a uma concorrência de conteúdo em que a ressalva da súmula 19
(“exclusivamente”) desaparece e qualquer taxa cuja base de cálculo tenha elementos
comuns com a base de cálculo dos impostos. A distinção entre fato gerador e base de
cálculo, especiosa segundo alguns tributaristas, legitima essa dupla e divergente
abordagem sumular.
A Administração Pública sofre uma limitação nas suas prerrogativas em
algumas das súmulas e na interpretação sistêmica disso se pode evocar que além do
Estado, o mercado em seus agentes e dinâmica própria de acumulação, é ator jurídico
sistêmico. Nesse caso, os direitos fundamentais dos atores jurídicos “empoderados” são
considerados, em vista da relevância de suas atividades (elemento extra-sistêmico?).
Citem-se as Súmulas Vinculantes n° 8, 21, 24 e 28.
Nas súmulas 21 e 28, os princípios do contraditório, do direito de petição e do
acesso à justiça pelos devedores fiscais do Estado, são assegurados, para isso liberando
os requerentes em processo administrativo (SV n° 21)[8] e judicial (SV n° 28)[9] de ter
que fazer depósito prévio para recorrer ou ser admitido na ação judicial. Trata-se da
correção de grave injustiça para o particular contribuinte. Mas o STF desconsiderou
para isso a importância do princípio da vinculação à legalidade da administração pública
tributária, que não autua sem que haja fatos e atos ilícitos ou irregulares, ao menos.
Para exemplificar: na súmula 5, parte-se da presunção de legalidade dos atos
que fazem o processo administrativo disciplinar, o que não ocorre nas hipóteses das
súmulas 21 e 28. Ou seja, o próprio conteúdo de um princípio fundamental é
excepcionado diante das contingências e complexidade que o sistema deve administrar e
dos atores jurídicos envolvidos: numa o servidor ou empregado público, noutra o
contribuinte-infrator.
O particular devedor de tributos ganhou em seu favor as Súmulas Vinculantes
n° 8[10] e 24[11]. Na de n° 8 se definiu que o prazo qüinqüenal de prescrição e
decadência das obrigações para com a Fazenda Pública, contra disposições legais que
ampliavam esse prazo ou o tratavam de modo diverso da regra qüinqüenal.
A de nº 24 condiciona a tipificação de crime material contra a ordem tributária
o lançamento definitivo do tributo. Aqui se pautou o entendimento sumulado a ampliar
as garantias do provável infrator através de uma distinção e hierarquização dos objetos
da relação tributária e aquela de cunho mais penal. O art. 3° do CTN, ao definir tributo,
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distinguiu-o, quanto à prestação pecuniária, daquela decorrente de sanção (e) do ato
ilícito. A Súmula Vinculante n° 24 reafirma as especificidades de cada subsistema
jurídico cominando à administração tributária fazer aquilo que lhe é devido, ou seja,
lançar o tributo devido pelo infrator, oportunizando-lhe quitar nessa seara suas
obrigações sem que para isso se utilize a constrição peculiar à administração penal.
Essas garantias do particular em face ao Estado são uma face da legitimação do
próprio Estado. As súmulas elegem as atividades e aparelhos do Estado em que se dá
essa restrição: a ação policial (SVs 11 e 14)[12], a Universidade (SV n° 12)[13], as
administrações locais (SV’s n° 2 e 31)[14] ou algumas de suas práticas como o
nepotismo (SV n° 13)[15] e o familismo que afeta a lisura dos processos eleitorais
quando tendem a driblar as inelegibilidades (SV n° 18)[16].
Quanto às limitações da ação policial quanto ao uso de algemas, a exposição na
mídia de pessoas presas e algemadas, cuidou o STF de por uma limitação à ação policial
que, violadora da presunção de inocência dos acusados e de sua dignidade, também
promovia a autoridade policial perante a opinião pública. Muito extensa, essa SV n° 11
inclusive cumula responsabilidades civis subjetiva e objetiva, sobre o agente policial e o
Estado, ingressando na esfera do direito do particular lesado pela exposição pública.
A Universidade pública deixa de poder contar com os ingressos de recursos
mediante taxa de matrícula, o que decorre de uma interpretação ampla do principio do
acesso a um bem social como a educação. Mas a SV n° 12, em analogia com outros
enunciados poderia ter uma redação assim “A cobrança da taxa de matrícula nas
universidades públicas não viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal,
ressalvado o direito pelo interessado de requerer a sua dispensa independente de
qualquer prova da condição sócio-econômica”.
As súmulas vinculantes n° 2 e 31 restringem as arrecadações fiscais dos entes
federativos estados, municípios e Distrito Federal. Certamente a dificuldade do sistema
tributário e fiscal capilar, com diferentes graus de organização poderiam criar mais
problemas com a diversidade de procedimentos, caso da locação de carros, por
exemplo: um município poderia cobrar outro não, gerando uma transferência de
empresas para aqueles com maior liberalidade fiscal. Ou poderia se tornar muito
desigual a permissão ou proibição para loterias e sorteios, a concorrer com o sistema
centralizado que serve de suporte para a receita previdenciária suportada pela União.
As súmulas que tratam do nepotismo (SV n° 13) e das fraudes contra a lei
eleitoral (SV n° 18) reportam a outra tentativa sistêmica e regulatória do Estado
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moderno controlar as irrupções locais e “pré-modernas”, sendo o (ex) ator jurídico da
família o destinatário das restrições sumuladas pelo STF. Os poderes e práticas locais,
anti-sistêmicos no sentido de transgressores da regulação estatal, podem colocar em
descrédito a própria base republicana e democrática do Estado. Nas entrelinhas políticas
e sociais da decisão sumular, está a contenção do subsistema social familiar de corte
predominantemente privado que tende a colonizar a esfera pública pela nomeação de
parentes para cargos de confiança nos eixos centrais de organização das funções e
poderes do Estado.
A perpetuação de famílias nos postos dirigentes, em especial nos estados e
municípios mais pobres, é difícil de controlar, mas a interpretação sumular e sistêmica
da SV n° 18 veio combater a fraude contra as inelegibilidades eleitorais. No caso, foram
combatidas as simuladas ou reais dissoluções da sociedade conjugal para que um dos
cônjuges pudesse concorrer nas eleições majoritárias, num continuísmo eleitoral
injustificável num estado republicano e democrático. A manutenção das sociedades
conjugais por um estímulo do Estado certamente não teria apelo muito forte atualmente,
sendo aí decisiva a separação sistêmica entre direito e moral. Mas em conexão com
outro subsistema, no caso o eleitoral, o sistema do direito encontra argumento para
decidir de modo válido e jurídico, traduzindo a moral privada em argumento de moral
pública, a que é mais adequada no desenho jurídico de um problema eleitoral.
6. Conclusão.
As súmulas vinculantes do STF são um elemento sistêmico na organização
judiciária e administrativa do Brasil desde 2007. Os impactos delas, contidos ao nível
intra-sistêmico, ou seja, sem causar fortes repercussões normativas no entorno
ambiental, na opinião pública, mostram uma das facetas do bom desempenho de um
sistema, qual seja, maximizar os ganhos intra-sistêmicos e minimizar as frustrações do
ambiente/entorno ante o próprio sistema.
Milhares de processos “morrem” silenciosamente nos fóruns e tribunais,
decisões administrativas onerosas recebem um reforço na sua validade ou sinal claro de
sua inviabilidade. A segurança jurídica e a presunção e certeza da (i)legalidade ganham
novos contornos, conformando as decisões do direito num aspecto muito mais
regulador. Com a exceção da Súmula Vinculante n° 25 que veio enunciar um conteúdo
de direitos humanos internacionais, a ilegalidade da prisão civil do depositário infiel, as
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demais são em geral restritivas quanto à interpretação de garantias e direitos
fundamentais, salvo aquelas exceções parciais já mostradas.
O aspecto da estatalidade das estruturas sistêmicas do direito, em especial os
órgãos judiciários, impede uma mais rápida conexão com o sistema internacional do
direito. Daí se explicar algumas resistências do STF, por exemplo, frente a direitos e
garantias fundamentais rubricados nos direitos humanos positivados na agenda
normativa internacional. Em todo caso a súmula 25 traduziu internamente a certeza e
liquidez dessa garantia ante a prisão civil.
A autocontenção do sistema do direito nessa concreção mais judicial-
constitucional própria da missão institucional do STF, primeiramente mostra a
eficiência do instituto, malgrado as oposições que lhe são dirigidas.
Sob a tradução de constitucional-inconstitucional, o STF ao sumular de modo
vinculado, assume, dentro de suas fronteiras institucionais e com efeitos sobre o Poder
Executivo, um papel regulador. A amplitude emancipatória da Constituição de 1988,
deixada ao sabor do jogo de forças dos sistemas social, político e econômico, poderia
resultar desastroso. Desse modo, sob a perspectiva e nos limites da atuação sistêmica, o
tribunal de cúpula do Brasil equilibra a entrega de interpretações dos direitos e garantias
fundamentais, considerando os papéis e funções dos diversos atores jurídico-políticos,
Estado, sociedade, indivíduos e mercado.
As configurações desses dois últimos, Estado e mercado, mais aptos às
interações sistêmicas, apesar da ponderação de anarcocapitalismo de Santos (2005)
quanto ao mercado desregulado, atraem a proteção do conteúdo decisório das súmulas.
A primeira e a sétima, são claros exemplos que se repetem em graus variados nas
demais.
A teoria de Luhmann quanto ao direito como sistema auto-regulado, em conexão
com uma sociologia dos tribunais, do direito na tensão regulação e emancipação, de
Boaventura de Sousa Santos pode ser, nesse nível inicial e ensaístico de abordagem,
considerado ponto de partida válido para construções teóricas de maior fôlego.
7. Referências.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1466
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[1] Do ponto de vista científico-metodológico, Abramovich e Courtis (2004, p 119-120) reagem á acusação de que pesquisas baseadas em jurisprudência pecam pelo casuísmo: a investigação jurídica é
sobre fato, não enteléquias. [2] Gabriel Tarde, já tendo exercido influencia sobre Maurice Hauriou, tinha na teoria da imitação a
descrição das ciências sociais como “psicologia intermental”, não considerando a ação volitiva de
indivíduos como relevante, mas as interações entre eles, as comunicações. Também nesse sentido “Santi
Romano e Cesarini Sforza, inspirados na teoria orgânica de Otto Gierke, constroem uma teoria
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1467
institucional. Santi Romano sustenta que há uma identidade entre instituição e ordenamento jurídico” (Cf.
DINIZ, 2010, p. 107). Assim, a concepção sistêmica do direito cresce até atingir um ápice em Niklas
Luhmann. [3] Mendonça (2003) traçando o percurso histórico da tópica e do argumento judicial, observa a mudança
de foco do direito: na idade média, a solução de problema; na moderna, a legitimação política do Estado.
Ele trata de uma forma sistêmica para as estruturas do direito, mas com base na teoria de Kerchove e Ost,
que circularidade e hierarquia, o que se distingue da concepção luhmanniana, em que a diferenciação
hierárquica é de tipo segmentário e não funcional, nem moderno. [4] Cf. TRINDADE, André. Os direitos fundamentais em uma perspectiva autopoiética. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2007. O direito é especificação de um sistema social, não de sistema
psíquico ou orgânico que estão na base das “necessidades” e “interesses” subjetivos. [5] Ross (1963) distingue entre “política legislativa” (lege ferenda) e “política jurídica” (sententia
ferenda). Nesta, o objeto ultrapassa a tarefa de legislar e ingressa em problemas práticos como objetivo
social do direito. Parece um âmbito não sistêmico considerar o “problema” como essencial, não como
acidente, ao direito. É a necessidade dos tribunais inovarem no campo do direito, razão de sua atuação em
concreto. [6] Trindade (2007) introduz a consideração do atual quadro de complexidade,contingência e riscos da
vida social um elemento a ser considerado na percepção sistêmica e autopoiética dos direitos
fundamentais. [7] SV n° 3: Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o
interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma
e pensão. (grifo nosso). [8] SV n° 21. É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo. [9] SV n° 28. É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário [10] SV nº 8. São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário. [11] SV n° 24: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1o, incisos I a IV, da Lei no 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo. [12] SV n° 11: Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de
perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a
excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da
autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade
civil do Estado. SV n° 14: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova
que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. [13] SV n° 12: A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206,
IV, da Constituição Federal. [14] SV n° 31: É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS
sobre operações de locação de bens móveis. 15 SV n° 13: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade,
até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido
em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança
ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações
recíprocas, viola a Constituição Federal. [16] SV n° 18: A dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal, no curso do mandato, não afasta a
inelegibilidade prevista no § 7º do artigo 14 da Constituição Federal.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1468