Post on 08-Feb-2019
A Segurança dos Peões em Meios Urbanos
João Nuno Azevedo de Almeida Ribeiro
Dissertação para a obtenção do Grau de Mestre em
Engenharia Civil
Orientador: Professor Doutor João António de Abreu e Silva
Co-orientador: Engenheiro João Gomes Morgado
Júri:
Presidente
José Álvaro Pereira Antunes Ferreira
Vogais
Doutor João António de Abreu e Silva
Engenheiro João Gomes Morgado
Doutora Sílvia Alexandra Duarte da Silva e Costa Shrubsall
Lisboa, Outubro de 2010
i
Agradecimentos
Ao Professor Doutor João António de Abreu e Silva, por ter aceitado coordenar-me
nesta dissertação, pelos sábios conselhos e por todo o suporte bibliográfico facultado.
Agradeço ainda por ter aceitado o convite para orientar a minha participação no concurso
nacional de segurança rodoviária “Mais vale perder um minuto na vida do que a vida num
minuto!”, edição de 2010, com um trabalho subordinado ao tema “Contribuição para a criação
de normas de concepção de infra-estruturas rodoviárias urbanas”, com obtenção do 1º prémio.
Ao Engenheiro João Gomes Morgado, pelo apoio e amizade demonstrados, não só
como co-cordenador desta dissertação mas também ao longo dos últimos anos,
designadamente orientando a minha participação na edição de 2009 do concurso supracitado,
com um trabalho subordinado ao tema “O Problema dos Peões” e respectiva obtenção do 1º
prémio.
À Doutora Ana Capote Fernandes, pelos preciosos conselhos prestados relativamente
aos modelos estatísticos aqui desenvolvidos.
À Câmara Municipal de Beja, pela disponibilização de dados sem os quais não teria
sido possível desenvolver a análise dos atropelamentos ocorridos nesta cidade.
Aos meus pais e ao meu irmão, pelo conforto familiar que me prestaram ao longo do
meu percurso académico e durante a elaboração desta dissertação. À minha mão em
particular, pela exigência demonstrada relativamente à mesma e críticas sempre construtivas.
Aos meus tios, pelo auxílio prestado em momentos da elaboração desta dissertação e
pela disponibilidade e envolvimento demostrados.
Ao Pedro Fonseca e à Ana Isabel por terem caminhado lado a lado comigo nesta etapa
determinante das nossas vidas e, acima de tudo, pela amizade incondicional. Aos meus
restantes colegas pelos bons momentos que me proporcionaram ao longo deste percurso.
iii
Resumo
A sinistralidade rodoviária é uma problemática que não conhece fronteiras – verifica-se
mais de um 1 milhão de mortes anuais a nível mundial – e encontra a sua expressão mais forte
nos meios urbanos, onde tem lugar a maioria dos acidentes. Os atropelamentos constituem
uma parte importante destes acidentes, quer por vitimarem os utilizadores mais vulneráveis do
sistema rodoviário – os peões – quer por se darem em meios onde existe uma apertada
competição pelo espaço por parte de diferentes actividades.
Esta dissertação pretende alertar para a importância de uma mudança de paradigma,
no sentido de se encarar o peão como o elemento central do sistema rodoviário, usando a
cidade de Beja como caso de estudo. Para isso, apresentam-se conceitos como a capacidade
ambiental de uma via urbana, que visam a actuação sobre a infra-estrutura rodoviária segundo
padrões de segurança promotores de uma melhor vivência para o peão.
Procede-se a uma recolha de exemplos internacionais de referência e de algumas
linhas de orientação, salvaguardando a necessidade de adaptar as práticas ao contexto
económico, social e urbano de cada meio, já que a cidade é uma realidade multiforme. Faz-se
uma sistematização das principais soluções que visam a segurança do peão, optando-se por
dividi-las em três tipos de estratégias: segregação, separação e integração de fluxos. Os
atropelamentos ocorridos em Beja entre 2007 e 2009 foram caracterizados nas suas variáveis
mais relevantes, sendo posteriormente aplicados Métodos de Análise Exploratória Multivariada
com vista à tipificação de dimensões latentes. Por fim, serão apresentadas e discutidas
tipologias de propostas baseadas na análise realizada anteriormente.
Palavras-chave:
Segurança rodoviária
Meio urbano
Atropelamentos
Moderação de tráfego
Capacidade ambiental
v
Abstract
Nowadays road traffic injuries are a global problem – over 1 million people worldwide
die each year due to road crashes – and its stronger expression takes place in cities. Runovers
are an important part of these accidents, not only because pedestrians are the most vulnerable
users, but also because cities experiment a permanent dispute for the same spaces.
The aim of this dissertation is to draw attention to pedestrians as the main actors of the
urban roadway system using the city of Beja as case study. Some concepts such as
environmental capacity of urban streets try to make a point on this matter, focusing on safety
and environmental standards as means to accomplish life quality in cities.
Initially, a brief collection of international examples and general guidelines is presented.
The need of adapting every measure to the economic, social and urban context of each area is
a primal aspect, knowing that cities are plural realities. Afterwards, the main pedestrian safety
measures are described and divided into three design strategies: segregation, separation and
integration of traffic flows. The runovers that took place in Beja between 2007 and 2009 are
characterized and analyzed with the use of Stastistical Multivariate Methods in order to identify
the underlying patterns of its relationships. At last, some intervention actions based on the
previous analysis will be presented and discussed.
Keywords:
Road safety
Urban areas
Runovers
Traffic calming
Environmental capacity
vii
Índice
Agradecimentos.............................................................................................................................. i
Resumo ......................................................................................................................................... iii
Abstract ......................................................................................................................................... v
Índice de Figuras ........................................................................................................................... x
Índice de Tabelas .......................................................................................................................... xi
Introdução ...................................................................................................................................... 1
1. Dados sobre a sinistralidade ................................................................................................. 5
1.1. Dados estatísticos gerais .................................................................................................. 5
1.2. Os atropelamentos nas cidades ........................................................................................ 7
2. O espaço urbano: um espaço do peão ................................................................................. 9
2.1. Necessidade de uma mudança de paradigma .................................................................. 9
2.2. Importância da qualidade do ambiente urbano para a segurança do peão.................... 10
2.3. Capacidade ambiental de uma via urbana ...................................................................... 11
2.3.1. Vias de acesso local .................................................................................................... 11
3. Como intervir? ..................................................................................................................... 15
3.1. Contextualização ............................................................................................................. 15
3.2. Recolha de bons exemplos ............................................................................................. 16
3.2.1. O Reino Unido e o “Environmental Traffic Managment” ............................................. 16
3.2.2. A Holanda e o “Traffic Calming” .................................................................................. 16
3.2.3. Dinamarca e Alemanha ............................................................................................... 17
3.2.4. A Suécia e a Visão Zero .............................................................................................. 17
3.2.5. Canadá e Estados Unidos ........................................................................................... 18
3.2.6. Austrália ....................................................................................................................... 18
3.2.7. Espanha ...................................................................................................................... 19
3.3. Linhas gerais de orientação. Boas práticas .................................................................... 19
3.3.1. Iluminação ................................................................................................................... 20
3.3.2. Manutenção ................................................................................................................. 20
3.3.3. Sinalização e informação ............................................................................................ 21
3.3.4. Estacionamento ........................................................................................................... 22
3.3.5. Análise custo-benefício das medidas a implementar .................................................. 23
4. Medidas de Engenharia de Segurança Rodoviária ............................................................. 25
4.1. Segregação de peões e veículos .................................................................................... 25
4.1.1. Os passeios ................................................................................................................. 25
4.1.1.1. Extensão dos passeios............................................................................................ 28
4.1.2. Barreiras pedonais ...................................................................................................... 28
4.1.3. Caminhos pedonais ..................................................................................................... 30
4.1.4. Ruas pedonais ............................................................................................................. 31
4.1.5. Passagens superiores ................................................................................................. 32
4.1.6. Passagens inferiores ................................................................................................... 33
4.1.7. Síntese ........................................................................................................................ 34
4.2. Separação de peões e veículos ...................................................................................... 35
4.2.1. Passagens de peões ................................................................................................... 35
4.2.2. Ilhas de refúgio ............................................................................................................ 36
4.2.3. Tipos de passagens de peões .................................................................................... 38
4.2.3.1. Passadeiras tradicionais (Zebra Crossings)............................................................ 38
4.2.3.2. Passagens do tipo Pelicano (Pelican Crossings) .................................................... 39
4.2.3.3. Passagens do tipo PUFFIN ..................................................................................... 39
4.2.3.4. Passagens do tipo Tucano (Toucan Crossings) ..................................................... 40
4.2.3.5. Síntese dos diversos tipos de passagens de peões ............................................... 40
4.2.4. Intersecções ................................................................................................................ 41
4.2.4.1. Intersecções convencionais e prioritárias ............................................................... 42
4.2.4.2. Intersecções sinalizadas ......................................................................................... 43
4.2.4.3. Rotundas ................................................................................................................. 44
4.2.5. Síntese ........................................................................................................................ 46
4.3. Integração de fluxos ........................................................................................................ 48
4.3.1. Soluções de Acalmia de Tráfego ................................................................................ 48
4.3.1.1. Como implementar medidas de acalmia de tráfego? .............................................. 49
4.3.1.2. Alinhamentos horizontais ........................................................................................ 50
4.3.1.3. Alinhamentos verticais............................................................................................. 52
4.3.1.4. Zonas 30 .................................................................................................................. 54
4.3.1.5. Intersecções ............................................................................................................ 55
4.3.1.6. Soluções complementares ...................................................................................... 57
4.3.2. Relações com capacidade ambiental.......................................................................... 59
4.3.3. A abordagem de Hans Monderman ............................................................................ 60
4.3.3.1. Impactos na Engenharia de Tráfego Rodoviário ..................................................... 62
4.3.4. Síntese ........................................................................................................................ 63
5. Beja: um caso de estudo ..................................................................................................... 65
5.1. Objecto de estudo ........................................................................................................... 65
5.2. Metodologia ..................................................................................................................... 66
5.2.1. Recolha dos dados ...................................................................................................... 66
5.3. Caracterização da cidade ................................................................................................ 67
5.3.1. Caracterização socio-económica ................................................................................ 67
5.3.2. Forma urbana e usos do solo ...................................................................................... 69
5.3.3. Rede viária .................................................................................................................. 70
ix
5.4. Interpretação dos dados .................................................................................................. 72
5.5. Análise Factorial (Componentes Principais) ................................................................... 73
5.5.1. Momento do dia ........................................................................................................... 73
5.5.2. Visibilidade .................................................................................................................. 73
5.5.3. Pavimento .................................................................................................................... 74
5.5.4. Local do atropelamento ............................................................................................... 74
5.5.5. Proximidade a uma intersecção .................................................................................. 74
5.5.6. Características da via .................................................................................................. 74
5.5.7. Hierarquia da via ......................................................................................................... 75
5.5.8. Volumes de tráfego ..................................................................................................... 75
5.5.9. Zona da cidade ............................................................................................................ 76
5.5.10. Densidade de edifícios ................................................................................................ 76
5.5.11. Síntese das variáveis .................................................................................................. 77
5.5.12. Construção do modelo ................................................................................................ 78
5.5.13. Interpretação do significado dos factores ................................................................... 80
5.6. Análise de Clusters.......................................................................................................... 81
5.6.1. Métodos de agrupamento ........................................................................................... 81
5.6.2. Interpretação do significado dos clusters .................................................................... 82
5.7. Algumas propostas de intervenção ................................................................................. 83
5.7.1. Rua das Portas de Mértola .......................................................................................... 83
5.7.2. Rua António Sardinha (II) ............................................................................................ 85
5.7.3. Rua Tenente Sanches de Miranda .............................................................................. 87
5.7.4. Rua D. Afonso Henriques (I) ....................................................................................... 89
Conclusões .................................................................................................................................. 91
Referências ................................................................................................................................. 93
Webgrafia .................................................................................................................................... 95
Anexos ......................................................................................................................................... 97
Índice de Figuras
Figura 1: Proporção de peões face ao número total de vítimas de acidentes. ............................. 6
Figura 2: Relação entre o atraso médio para os peões, percentagem de peões que sofrem
atrasos e volume de tráfego, para diferentes larguras da via.. ................................................... 12
Figura 3: Exemplos de larguras de obstrução a contabilizar no cálculo da largura efectiva de um
passeio.. ...................................................................................................................................... 26
Figura 4: Exemplo de uma extensão de passeio e efeito que esta tem sobre a visibilidade entre
veículo e peão (antes e depois da implementação).................................................................... 28
Figura 5: Uso de uma cor constrastante no pavimento que antecede uma passagem de peões
(Avenida Álvares Cabral – Lisboa). ............................................................................................. 36
Figura 6: Exemplo de “speed cushions”. ..................................................................................... 38
Figura 7: Travessias do tipo Pelicano. ........................................................................................ 39
Figura 8: Travessia do tipo PUFFIN. ........................................................................................... 39
Figura 9: Ábaco indicativo do tipo de passagens de peões aconselhadas, em função dos fluxos
de veículos e de peões. .............................................................................................................. 40
Figura 10: Exemplo de uma intersecção sinalizada e respectivos fluxos (Barcelona). .............. 41
Figura 11: Pontos de conflito numa intersecção de quatro braços. ............................................ 42
Figura 12: Comparação entre o número de conflitos de uma intersecção e de uma rotunda com
4 braços. ...................................................................................................................................... 44
Figura 13: Pontos de conflito numa rotunda.. ............................................................................. 45
Figura 14: Exemplo da ordenação em planta de uma área de coexistência de tráfegos do tipo
“woonerf”.. ................................................................................................................................... 50
Figura 15: Marcação horizontal assinalando o início de uma Zona 30 (Barcelona, Espanha). . 54
Figura 16: Intersecção sobreelevada numa Zona 30 (Manchester, Inglaterra). ......................... 56
Figura 17: Exemplo de uma mini-rotunda (Beja). ....................................................................... 57
Figura 18: Intersecção na cidade holandesa de Drachten, antes da implementação das práticas
de Hans Monderman. .................................................................................................................. 61
Figura 19: Intersecção na cidade holandesa de Drachten, após a implementação das práticas
de Hans Monderman. .................................................................................................................. 61
Figura 20: Distribuição dos atropelamentos na cidade de Beja. ................................................. 65
Figura 21: Pirâmide etária do Concelho de Beja (Censos de 2001). .......................................... 68
Figura 22: Classificação dos usos do solo na cidade de Beja e respectiva distribuição espacial..
..................................................................................................................................................... 70
Figura 23: Rede viária da cidade de Beja. .................................................................................. 72
Figura 24: Localização do atropelamento na Rua das Portas de Mértola. ................................. 83
Figura 25: Passadeira onde teve lugar um atropelamento (Rua das Portas de Mértola). ......... 84
Figura 26 Área de implementação (assinalada a branco) de uma plataforma sobreelevada
(intersecção entre a Rua das Portas de Mértola e a Rua de Mértola)........................................ 84
Figura 27: Localização do atropelamento na Rua António Sardinha.......................................... 85
Figura 28: Passadeira onde de deu o atropelamento (Rua António Sardinha). ......................... 86
xi
Figura 29: Pormenor da passadeira e respectiva ilha de refúgio (Rua António Sardinha). ....... 87
Figura 30: Localização do atropelamento na Rua Tenente Sanches de Miranda. ..................... 87
Figura 32: Pormenor da passadeira e do passeio no local do atropelamento (Rua Tenente
Sanches de Miranda). ................................................................................................................. 88
Figura 31: Pré-avisos (Rua Tenente Sanches de Miranda). ....................................................... 88
Figura 33: Localização do atropelamento na Rua D. Afonso Henriques. ................................... 89
Figura 34: Intersecção onde se deu o atropelamento (Rua D. Afonso Henriques). ................... 90
Figura 35: Pormenor da passadeira onde ocorreu o atropelamento (Rua D. Afonso Henriques).
..................................................................................................................................................... 90
Índice de Tabelas
Tabela 1: Síntese das medidas de segregação de peões e veículos. ....................................... 34
Tabela 2: Síntese das medidas de separação de peões e veículos........................................... 46
Tabela 3: Síntese das medidas de integração de peões e veículos........................................... 63
Tabela 4: Número de atropelamentos registados em Beja, por zonas. ...................................... 66
Tabela 5: Síntese das variáveis explicativas. ............................................................................. 77
1
Introdução
A sinistralidade rodoviária é um problema que actualmente não conhece fronteiras,
podendo afirmar-se que é resultado directo da coexistência de uma grande diversidade de
utilizadores nos mesmos espaços.
Vencido o século em que o veículo automóvel se constituiu como o principal meio de
transporte, qualquer retrospectiva que seja feita sobre as suas repercussões no
desenvolvimento das sociedades não deve esquecer os acidentes (muitas vezes envolvendo
terceiros) decorrentes da sua utilização, que constituem um dos maiores problemas sociais das
últimas décadas, à escala global.
A segurança rodoviária é um dos pré-requisitos de uma vida urbana civilizada
(BUCHANAN, 1963). Por isso, é exigível que o crescimento do tráfego nas cidades caminhe
lado a lado com uma preocupação também crescente no que toca às questões da segurança
rodoviária, quer em termos legislativos, quer na cadeia das intervenções: estratégicas, tácticas
e operacionais. Fala-se de cidades por serem locais onde os acidentes são particularmente
numerosos, facto que se acredita ser potenciado pelas suas condições específicas – maior
densidade populacional e funcional, entre outros aspectos –, ocupando os atropelamentos uma
percentagem considerável desses acidentes (Ministério da Administração Interna, 2003).
O peão deve ser encarado como o elemento central do sistema rodoviário. O simples
acto de andar na via pública desempenha um papel fulcral no sistema de transportes de
qualquer cidade, pois além de ser um dos meios de transporte mais usados em médias e
curtas distâncias, as deslocações pedonais, por mais pequenas que sejam, são os fios
conectores entre o sistema de transportes e o edificado (onde se processam as actividades
quotidianas, desde o habitar ao trabalhar) por um lado, e entre os diversos modos de
transporte, por outro.
As próprias deslocações pedonais influenciam o ambiente geral vivido no nas áreas
urbanas, as quais podem, inversamente, estimular mais deslocações se se constituirem como
espaços abundantes, seguros e de qualidade. Como exemplo, salienta-se o carácter
determinante dos padrões de mobilidade pedonal no dimensionamento dos grandes edifícios
(interfaces de transportes, estádios, salas de espectáculos), não só em termos da capacidade
dos mesmos, mas também no que respeita à garantia de boas condições de segurança,
evacuação e circulação no interior desses espaços (TIMMERMANS, 2009).
Por estas razões, é legítimo ambicionar que o peão veja as suas viagens, por mais
curtas que sejam, ter lugar em condições permanentes de conforto e segurança. A liberdade
com que um indivíduo pode andar constitui, por si só, uma medida de qualidade de
determinada área urbana.
2
Recentemente, o peão tem ganho ainda mais peso, face às frustrações decorrentes do
esvaziamento do serviço “porta-a-porta” derivado do cada vez maior recurso ao uso do
automóvel (um dos aspectos que mais contribui para a sua competitividade), como causa
dessas “portas” serem cada vez mais inacessíveis, quer devido à excessiva procura de
estacionamento nas cidades, quer pelas sucessivas políticas implementadas no sentido de
favorecer a mobilidade em detrimento da acessibilidade (BUCHANAN, 1963).
Nas últimas décadas, o crescente número de veículos motorizados que tentam “forçar”
a circulação no intricado sistema viário urbano tem resultado em mais congestionamento e
ineficiência, bem como em falta de locais para estacionar. Como efeito secundário, esta
pressão sobre o espaço público leva a que os peões saiam prejudicados, por verem o seu
espaço e a qualidade de circulação que ambicionam desvirtuados pelo automóvel.
Todas as diferentes políticas e medidas implementadas ao longo do século XX –
promoção transporte colectivos, gestão do estacionamento, favorecimento dos modos suaves –
têm repercussões directas no desenho e gestão do espaço público (ALDUÁN, 2008). Como tal,
intervir sobre a infra-estrutura rodoviária urbana pode constituir um instrumento para regrar a
competição pelo espaço (escasso) por parte dos diferentes utilizadores e, em consequência,
libertar espaços para o peão.
Existe um vasto leque de medidas de segurança de carácter físico, assentes em
estratégias distintas, que devem estar subjacentes à compreensão das necessidades efectivas
do peão e das funções e carácter social da “rua”. Estas estratégias podem ser tão distintas
como a criação de percursos pedonais segregados do tráfego motorizado ou a promoção da
coexistência pacífica entre os diferentes utilizadores.
Da descrição e escrutínio das principais soluções possíveis ver-se-á, ao longo desta
dissertação, que qualquer solução deve estar subjacente a uma de três grandes estratégias de
segurança: segregação, separação ou integração entre peão e automóvel (OGDEN, 1996). Por
seu lado cada estratégia deve, como se disse, estar de acordo com o ambiente rodoviário
idealizado e com a liberdade que se pretenda facultar ao peão, dentro de padrões de
segurança entendidos aceitáveis.
A permeabilidade pedonal, por exemplo, tem sido um objectivo primordial de
numerosas reformas das vias principais nas quais, em vez de se canalizar o peão por
determinados locais (isto é, segregá-lo do restante tráfego), se lhe dá a oportunidade e
liberdade para se mover livremente em qualquer ponto da via (ALDUÁN, 2008).
Prejudica-se, com alguma frequência, quer a acessibilidade pedonal, quer a qualidade
do ambiente urbano, intimamente relacionada com a liberdade do movimento pedonal
(BUCHANAN, 1963). É importante compreender, em cada local, se é prioritário dar primazia à
acessibilidade pedonal ou à mobilidade dos restantes modos.
3
Em suma, entende-se que a garantia da segurança para os peões é condição
necessária a uma boa vivência urbana, pautada por uma acessibilidade e mobilidade pedonais
sustentáveis. Estes aspectos serão convenientemente explicitados ao longo deste documento.
Como ideia transversal à maioria das medidas surge a ideia de moderar o tráfego, que
é aliás sustentada pelos teorias urbanistas mais recentes e encontra correspondência na
concepção “cerdiana” da cidade, assente em duas funções essenciais – o movimento e o
repouso (ABREU E SILVA, 1998) – e nas linhas da reacção antifuncionalista. Qualquer uma
destas aponta a redução do número e velocidade dos veículos circulantes como um meio para
melhorar a qualidade habitacional e ambiental da “rua”, bem como o seu carácter pluralista
(ALDUÁN, 2008).
Pretende-se que esta dissertação constitua um conjunto de linhas orientadoras de
intervenção em meio urbano visando a segurança do peão.
Neste sentido, começa-se por olhar o panorama geral da sinistralidade no mundo,
particularizando em seguida para os meios urbanos, como forma de justificar a necessidade de
intervir nestes ambientes.
Tecem-se considerações relacionadas com a importância de uma mudança de
paradigma e alguns critérios pelos quais se deve reger o dimensionamento de uma via urbana,
que não se deve prender-se apenas aos modos motorizados. A recolha dos melhores
exemplos do que é praticado a nível mundial e a sistematização de boas práticas, comuns a
qualquer medida de segurança, certamente alertarão para uma actuação mais sensata e
proactiva.
A descrição das medidas de segurança, objecto central deste trabalho, estará dividida
nos três tipos de estratégias de intervenção supracitadas.
Por fim, os locais dos atropelamentos recentemente registados na cidade de Beja
servirão de objecto de aplicação das soluções descritas nos capítulos teóricos desta
dissertação. Desenvolver-se-ão uma Análise Factorial e uma Análise de Clusters como suporte
à tipificação de locais que requeiram intervenção.
Frisa-se que as medidas de carácter físico não se encontram sozinhas no espectro de
intervenções possíveis. Devem combinar-se soluções em domínios tão distintos como a
educação e formação, regulação normativa e disciplina, tecnologia e desenho urbano, a fim de
levar a cabo um conjunto de induções físicas, psicológias e normativas, mas também acções
de consciencialização dos utilizadores do sistema urbano (ALDUÁN, 2008). Só assim é
expectável alcançar o pleno sucesso das medidas aqui propostas.
5
1. Dados sobre a sinistralidade
1.1. Dados estatísticos gerais
O transporte rodoviário é o mais dispendioso em termos de vidas humanas. Crê-se que
anualmente morram aproximadamente 1,2 milhões de pessoas (Global Road Safety
Partnership, 2008) e fiquem feridas 30 a 50 milhões (PIARC, 2003).
Estimativas da Organização Mundial de Saúde relativas a 2004 colocam os acidentes
rodoviários como a nona causa de morte a nível mundial, de entre uma lista de mais de 100
causas identificadas, prevendo-se que em 2020 ocupem a sexta posição, dados os progressos
conseguidos no que diz respeito às outras causas, nomeadamente no tratamento das doenças
infecciosas (World Health Organization, 2008).
Os impactos económicos dos acidentes também são significativos, estimando-se que
constituam 1 a 2% do Produto Interno Bruto de cada país, acrescendo aos pesados encargos
sociais para cada indivíduo, família e comunidade, já conhecidos (Global Road Safety
Partnership, 2008).
Procedendo a uma distinção entre países de elevada taxa de motorização (tipicamente
os pertencentes à Europa Ocidental, Estados Unidos da América, Canadá, Austrália, Nova
Zelândia e Japão, adiante designados por PETM) e países com baixa taxa de motorização
(PBTM), é interessante verificar que os primeiros possuem perto de 60% dos veículos
licenciados a nível mundial, mas apenas 14% das vítimas (PIARC, 2003), o que demonstra os
progressos que já fizeram no sentido de reduzir a sinistralidade nas suas estradas. Isto não
invalida, obviamente, que haja ainda muito a fazer, concretamente no caso português, onde a
mortalidade e o número de acidentes rodoviários em geral assumem valores consideráveis e
superiores à média dos países ditos industrializados (Ministério da Administração Interna,
2003).
Nos PETM, a percentagem de atropelamentos, face ao número de total de acidentes,
situa-se entre 12 e 20%, enquanto nos PBTM estes valores disparam, por exemplo, para os 30
a 42% na Europa de Leste e 40 a 50% em África (PIARC, 2003).
É curioso verificar que, países como o Reino Unido e o Japão, apesar de se situarem
no grupo com menos fatalidades, apresentam elevadas percentagens de acidentes envolvendo
peões (27 e 28%, respectivamente). Em Portugal estes valores rondam os 23% (dados de
2003), como se pode observar na Figura 1.
A recente evolução da situação portuguesa reflecte-se em passos importantes no
sentido de reduzir o número de acidentes, como sejam:
Obrigatoriedade de inspecções periódicas (1992);
Alterações ao Código da Estrada (2000, 2005);
6
Plano Nacional de Prevenção Rodoviária (PNPR – 2003).
Figura 1: Proporção de peões face ao número total de vítimas de acidentes. Fonte: Extraído de PIARC,
2003.
O PNPR (Ministério da Administração Interna, 2003) contribuiu para a apresentação
anual de Relatórios de Sinistralidade Rodoviária, que permitem concluir acerca da evolução a
nível nacional. Pela leitura dos sucessivos relatórios, constata-se uma evolução favorável nos
últimos anos, ao ponto de Portugal se destacar, no panorama europeu, como um dos países
que apresentou maiores reduções proporcionais nos acidentes dos últimos anos.
Os progressos no panorama nacional muito se têm devido à assumpção das metas
traçadas pelo PNPR – uma redução de 50% no número de mortos e feridos graves até ao final
do ano corrente, de forma consentânea com o já reiterado pela Comissão Europeia em 2000.
Este documento tem ainda, como objectivos específicos, a redução no mesmo período e em
60%, o número de mortes e feridos graves:
Em atropelamentos;
Utentes e veículos de duas rodas a motor;
Utentes acidentados dentro das localidades.
7
Com efeito, relatórios recentes confirmam que a maioria destas metas foi já alcançada.
A título ilustrativo, em 1999 registaram-se 1750 mortes na estrada, enquanto em 2009 este
indicador aponta para 737, menos de 50% dos números anteriores; situação semelhante
acontece relativamente aos feridos graves (Observatório de Segurança Rodoviária, 2009).
Ainda no que concerne às mortes na estrada, tem-se observado uma evolução positiva
da percentagem de mortes correspondente aos peões, tendo decrescido de 23% (2003) para
aproximadamente 18% em 2009 (Observatório de Segurança Rodoviária, 2009).
Porém, sente-se que ainda há muito a fazer, nos domínios legislativo, normativo
(publicação de documentos técnicos) e ainda na articulação da gestão das redes de
transportes com as áreas de especialização actuando no espaço rodoviário, designadamente a
arquitectura e desenho urbanos e o planeamento/ ordenamento do território. Nas cidades, esta
deficiente articulação tem conduzido a carências de acessibilidade e mobilidade, causadoras
de problemas relacionados com a segurança dos diferentes utilizadores do sistema rodoviário.
1.2. Os atropelamentos nas cidades
Como já se afirmou, os acidentes rodoviários têm maior incidência nas cidades. Porém,
reconhece-se que nestes meios a gravidade é menor (Observatório de Segurança Rodoviária,
2009), o que acaba por ser compreensível devido às maiores velocidades praticadas pelos
veículos em meios não urbanos (ABREU E SILVA et. al., 2008). Por outro lado, nos meios
urbanos estão em causa os peões, utentes mais desprotegidos do sistema rodoviário; são eles
quem mais importa proteger, sobretudo face ao tráfego motorizado (sem nunca esquecer,
naturalmente, as actuações sobre os restantes modos).
As menores velocidades praticadas nas cidades não invalidam que exista ainda uma
larga margem para intervir, designadamente sobre o excesso de velocidade e a velocidade
excessiva, dois conceitos frequentemente confundidos. Circular em excesso de velocidade é
circular a níveis de velocidade superiores aos impostos pela sinalização e/ou legislação,
enquanto velocidade excessiva se relaciona com a circulação a velocidades desadequadas
face às condições do tráfego e ao ambiente rodoviário em causa (DECRETO-LEI nº44/2005)1.
Posto isto, pode afirmar-se que a velocidade constitui um dos factores determinantes
do risco de atropelamento, sobre a qual se deve imperativamente actuar, encarando a sua
gestão como uma das principais ferramentas de promoção da segurança do peão (Global Road
Safety Partnership, 2008).
1 Alterado e republicado pelo Decreto-Lei nº44/2005, de 23 de Fevereiro
2 Ponto negro – Lanço de estrada com o máximo de 200 metros de extensão, no qual se registou, pelo
8
Como medir o risco?
A estimativa da intensidade do risco de acidente é uma das condições necessárias a
uma estratégia de intervenção proactiva e não apenas reactiva, com base exclusivamente nos
dados de sinistralidade recolhidos.
Contudo, esta medição reveste-se de dificuldades diversas, uma vez que o risco
percepcionado pelos analistas e utilizadores do sistema rodoviário difere quase sempre do
risco efectivo. A compreensão destes conceitos foge ao âmbito desta dissertação mas é um
aspecto crucial na análise dos factores humanos associados aos acidentes rodoviários, pelo
que se aconselha a leitura de ADAMS (2002).
A mortalidade é uma das formas mais objectivas de mensurar o risco e está
directamente relacionada com indicadores tais como os pontos negros2 (o índice de gravidade
e o indicador de gravidade, entre outros, também o podem expressar), pois as mortes são
também as ocorrências mais rigorosamente registadas (ADAMS, 2002).
Os atrasos a que o peão está sujeito quando efectua o atravessamento da via, o
volume de veículos ou as condições de protecção que a via oferece ao peão são aspectos
também relacionados com o risco, como se verá no próximo capítulo (BUCHANAN, 1963).
A concepção de cada infra-estrutura rodoviária ou pedonal deve estar subjacente a
uma preocupação pelas diferenças psicológicas e comportamentais entre faixas etárias. Em
Portugal, as percentagens de mortos e feridos graves em atropelamentos atinge os maiores
valores entre os 15 e os 29 anos e nos idosos – 65 ou mais anos (Observatório de Segurança
Rodoviária, 2009). Os segundos sofrem, regra geral, menos acidentes do que a maioria das
restantes faixas etárias, mas a gravidade é maior (OGDEN, 1996).
Também para as crianças é importante considerar diferenças (OGDEN, 1996):
Às crianças, faltam-lhes determinadas capacidades e comportamentos que só
mais tarde são adquiridos (atitude mais cautelosa);
As crianças de idade inferior a 10 anos vivem num mundo comportamental
bastante distinto;
A sua compreensão das regras e estrutura do sistema de tráfego encontra-se
bastante fragmentada e o conhecimento dos sinais de trânsito é incompleto.
Os dados respeitantes aos atropelamentos em meios urbanos recolhidos nos últimos
anos em Portugal (indiciadores dos locais e tipos de utilizadores sujeitos a maiores riscos)
sugerem que os vectores de intervenção são os utilizadores mais desprotegidos – peões e
veículos de duas rodas – e as localidades (Ministério da Administração Interna, 2003).
2 Ponto negro – Lanço de estrada com o máximo de 200 metros de extensão, no qual se registou, pelo
menos, 5 acidentes com vítimas, no ano em análise, e cuja soma de indicadores de gravidade é superior a 20; Indicador de gravidade – IG = 100xM + 10xFG + 3xFL, em que M é o número de mortos, FG o de feridos graves e FL o de feridos leves (Observatório de Segurança Rodoviária, 2009).
9
2. O espaço urbano: um espaço do peão
2.1. Necessidade de uma mudança de paradigma
O Triângulo Fundamental da Segurança Rodoviária tem como vértices o Homem, a Via
e o Veículo. Ora, é como peão que o Homem contacta mais estreitamente com a Via – infra-
estrutura rodoviária –, razão pela qual é necessário actuar sobre esta no sentido de o proteger.
Estas reflexões devem traduzir-se em instrumentos de combate à crescente diluição das
preocupações centradas no peão que, no século passado, teve como uma das principais
causas a era do automóvel (BUCHANAN, 1963).
Os arruamentos urbanos são vistos como o palco da mobilidade humana, pedonal ou
motorizada. Positivamente, nos últimos anos tem-se vindo a ganhar atenção sobre os modos
suaves um pouco por todo o mundo, mais concretamente sobre o acto de andar a pé. Apesar
disso, o comportamento dos peões tem recebido consideravelmente menos atenção na
literatura técnica (planeamento urbano, transportes) do que o automóvel ou o transporte
público (TIMMERMANS, 2009). À crescente preocupação pela segurança e bem-estar do peão
deve, por isso, corresponder uma maior produção de publicações científicas, bem como o
desenvolvimento de metodologias sólidas que estudem as questões associadas à segurança
dos peões, designadamente através (BAHAMMAM, 2009):
Do conhecimento dos problemas que os peões enfrentam em ambientes diversos;
Da identificação dos elementos responsáveis por esses problemas;
Do auxílio às autoridades na recolha e tratamento dos dados de sinistralidade;
Da identificação de problemas a partir de referências teóricas e outros exemplos;
Da condução de processos de observação e diagnóstico de campo;
Da análise dos problemas identificados com base em aspectos teóricos e nas
necessidades e carências efectivas associadas a cada local.
Por outro lado, se as políticas de transportes assentes em metas de redução do uso do
transporte individual e incentivo ao transporte colectivo e modos suaves têm como estandarte a
melhoria da qualidade de vida e os efeitos negativos decorrentes do uso do automóvel, a
segurança rodoviária raramente é mencionada (MILLOT, 2008).
Pelas razões apresentadas, cresce a necessidade de encarar o peão, mais do que
como um vértice, como o elemento central do sistema rodoviário urbano. Por isso, como actor
principal da vivência urbana que é, o peão merece ver os espaços por onde circula pensados
para as suas actividades, para o acto de andar. Estamos, portanto, perante a necessidade de
uma mudança de paradigma (BUCHANAN, 1963), reforçada pelo número considerável de
atropelamentos que ainda hoje se verifica nas cidades (cf. 1.2).
10
2.2. Importância da qualidade do ambiente urbano para a
segurança do peão
A evolução das necessidades e padrões de mobilidade das populações tem contribuído
para uma pressão cada vez maior sobre o espaço público. As recentes políticas de transportes
e mobilidade trouxeram consigo novas formas de partilhar o espaço público e de ordenar os
arruamentos urbanos: necessidade de criar corredores BUS e BRT3, linhas para os eléctricos e
“tram-trains”, estreitar a faixa de rodagem a fim de reduzir as velocidades e criação de espaços
para a circulação pedonal e de bicicletas (BAHAMMAM, 2009).
No entanto, a distribuição territorial que as infra-estruturas de transporte oferecem, ou
seja, a acessibilidade (ABREU E SILVA, 1998) que proporcionam (muito relacionada com a
ligação às propriedades que marginam a via e espaço para estacionamento, cargas e
descargas), é muitas vezes descurada face à mobilidade e capacidade dessas infra-estruturas.
A qualidade da acessibilidade pode também ser definida a partir de dois requisitos
fundamentais, como estabelece BUCHANAN (1963):
Capacidade para os utilizadores se moverem de uma parte da cidade para outra,
em boas condições de segurança e com uma rapidez razoável;
Chegar ao destino final sem atrasos nem restrições de acesso.
Sendo acessibilidade e mobilidade as duas principais funções das vias urbanas, mas
por norma antagónicas, pois acessibilidade é uma função descontínua e a mobilidade é
contínua (ABREU E SILVA, 1998), promover uma qualidade de via urbana aceitável passa,
necessariamente, por dar primazia a uma destas funções, consoante o papel que se pretenda
que cada zona ou arruamento desempenhe.
A capacidade (Transportation Research Board, 2000) pode ser encarada como uma
medida quantitativa da mobilidade e pode ser influenciada por diversas condições (envolvente
urbana, condições de controlo do tráfego e características do tráfego, entre outras de menor
importância), cuja manipulação deve estar subjacente à intenção de valorizar acessibilidade ou
mobilidade (ABREU E SILVA, 1998).
Em vias onde se valorizem a qualidade ambiental e as actividades pedonais, pode ser
necessário impôr restrições ao tráfego motorizado, sendo só assim possível estabelecer riscos
aceitáveis para os peões, podendo afirmar-se, então, que o andar a pé e restantes actividades
pedonais são acções confortáveis e seguras (BUCHANAN, 1963). Aqui, dá-se primazia à
acessibilidade motorizada, o que pode já não acontecer noutras vias, onde as condições do
tráfego e da envolvente sugiram uma prioridade da mobilidade sobre a acessibilidade.
3 BRT – “BUS rapid transit”. Sistema de transporte rodoviário colectivo rápido, operando em corredores
exclusivos (HENSHER, 2006).
11
O tipo de medidas a desenvolver está, portanto, dependente da via e da sua
envolvente. Por isso importa definir dois grandes grupos de ambientes (BUCHANAN, 1963): as
vias residenciais ou de acesso local e as vias não residenciais ou vias de nível hierárquico
superior.
2.3. Capacidade ambiental de uma via urbana
No ponto anterior frisou-se a importância de, ao introduzir conceitos como a liberdade
da circulação pedonal, distinguir entre dois principais tipos de ambiente rodoviário.
A capacidade ambiental de uma via (BUCHANAN, 1963) é um desses conceitos e está
intimamente relacionada com a necessidade de projectar as vias para os peões, isto é, no
dimensionamento de determinada via urbana providenciar-se maior segurança e conforto à
circulação pedonal através da contabilização dos riscos associados aos conflitos entre estes e
os veículos motorizados.
O nível de segurança do peão está directamente relacionado com o risco a que este
está sujeito ao atravessar a faixa de rodagem, risco esse que pode ser quantificado a partir do
tempo de atraso ao efectuar esse atravessamento.
Entende-se, por capacidade ambiental de uma via, o volume de tráfego que nela circula
e é compatível com a manutenção de um bom ambiente urbano nesse local (BUCHANAN,
1963). Ou seja, o volume de tráfego calculado após tomar uma via existente, examinar as suas
dimensões e prever um espaço adequado aos usos e tipologia dos edifícios que a ladeiam, à
actividade pedonal do local (deslocação das pessoas e interacções entre elas) e locais
preferenciais de atravessamento.
Em oposição, capacidade bruta de uma via (BUCHANAN, 1963), ou simplesmente
capacidade (Transportation Research Board, 2000), corresponde ao fluxo máximo de veículos
que podem atravessar uma secção uniforme de uma via num determinado período de tempo e
dentro das condições vigentes da infra-estrutura em causa, do tráfego e seus mecanismos de
controlo.
A capacidade de uma via pode atingir os 1600 a 1800 unidades de veículos ligeiros por
hora, em condições ideais – via em plataforma, com 3,5m de largura e sem ocupação marginal
(LOBO, 2000) – mas geralmente é inferior a esses valores, pois depende de factores como a
composição do tráfego, densidade e tipo de intersecções, a velocidade de circulação e a
existência de estacionamento (ALDUÁN, 2008).
2.3.1. Vias de acesso local
Este é o tipo de ambiente onde faz mais sentido considerar o conceito de capacidade
ambiental, pois é importante providenciar aos peões liberdade para se moverem e
atravessarem a via onde pretendam. Se o nível de tráfego motorizado conduzir à necessidade
12
de implementar um sistema de controlo do atravessamento, isto significa que já não se trata de
uma via de acesso local e a estratégia de intervenção passará a ser de outra ordem (eventual
reperfilamento da via, medidas de segregação de fluxos, entre outras intervenções).
Com isto pretende dizer-se que as decisões sobre a capacidade de uma via devem
depender do propósito para o qual ela é desenhada, pois desenhar uma via arterial não é o
mesmo que projectar ruas “vivas” e habitáveis (ALDUÁN, 2008).
Os moradores de zonas residenciais, por exemplo, preocupados com a qualidade do
ambiente em que habitam, reconhecem que os valores habituais de capacidade estimados
pelos engenheiros de tráfego excedem largamente as suas expectativas (DALLAM, 1996).
A abordagem às vias de acesso local pressupõe a definição do nível de risco aceitável
para o peão, ao realizar o atravessamento (BUCHANAN, 1963). No entanto, este indicador não
é facilmente quantificável, nem tão pouco definível meramente a partir de dados estatísticos
sobre sinistralidade, dimensões físicas ou capacidade da via. É possível, sim, relacionar o nível
de risco para o peão com o atraso a que este se encontra sujeito, pois quanto maior for este
atraso (relacionado com o facto de o peão ter de esperar para encontrar uma folga na corrente
de tráfego), mais provável é que o peão arrisque o atravessamento, em prejuízo da sua própria
segurança.
O atraso encontra-se, por seu lado, relacionado com o volume de tráfego e com a
largura de atravessamento (largura da faixa de rodagem). Para o mesmo valor de atraso médio
(representativo do atraso a que os peões que atravessam a via estão sujeitos, em determinado
período de tempo de observação), constata-se que quando mais estreita for a faixa de
rodagem, maior volume de veículos pode passar na via, o que dá uma ideia bastante concreta
das implicações que a consideração da capacidade ambiental tem neste tipo de vias, como
mostra a Figura 2.
Em termos práticos deve
ter-se em conta o tipo de peões
envolvido no atravessamento, bem
como o layout da via, mobiliário
urbano e outras características do
ambiente rodoviário. A definição
de capacidade ambiental deixa
assim de ser tão linear, tornando-
se bastante mais complexa
quando se introduzem estes
factores.
Figura 2: Relação entre o atraso médio para os peões,
percentagem de peões que sofrem atrasos e volume de tráfego, para diferentes larguras da via. Fonte: BUCHANAN, 1963.
13
Adicionalmente à largura da via e ao volume do tráfego, podem introduzir-se dois novos
factores, sem aumentar muito o grau de complexidade (BUCHANAN, 1963):
Nível de protecção dos peões – a visibilidade mútua entre veículo e peão,
existência ou não de estacionamento e número de intersecções, entre outros
aspectos, determinam o nível de risco aceitável para o peão. Para este factor
podem ser definidas classes, como por exemplo:
Classe A – Alto nível de protecção;
Classe B – Nível de protecção médio;
Classe C – Baixo nível de protecção.
Tipo de peões envolvidos no atravessamento (crianças, idosos e pessoas de
mobilidade reduzida são particularmente vulneráveis). Este aspecto pode ser
incorporado considerando a percentagem de peões vulneráveis:
Nível 1 – mais de 50% de peões vulneráveis;
Nível 2 – entre 20 e 50%;
Nível 3 – menos de 20%.
Pode ainda considerar-se ainda a intensidade e tipo de actividade pedonal na rua, de
forma a complementar esta abordagem com medidas de protecção dos peões.
A análise conjunta destes factores (alguns mais qualitativos, outros mais quantitativos)
permite estabelecer padrões de qualidade para a circulação pedonal, bem como formas de
actuar nos casos em que as condições de circulação se consideram inaceitáveis, como sejam:
Medidas de protecção e canalização da circulação pedonal (melhoria do nível de
protecção oferecido pela via);
Extensões e bolsas nos passeios (diminuição das distâncias de atravessamento e
consequentes atrasos);
Medidas de combate ao tráfego de atravessamento, como forma de diminuir os
volumes de tráfego a atravessar por parte dos peões.
Estas medidas são apenas exemplos directamente relacionados com o conceito de
capacidade ambiental e serão desenvolvidas em capítulo próprio.
DALLAM (1996) desenvolveu metodologias de determinação de valores limite de
tráfego para alguns aspectos considerados relevantes para a definição de capacidade
ambiental em vias de acesso local, neste caso o nível de ruído, a actividade pedonal e o
tráfego de atravessamento4.
No caso do tráfego de atravessamento, que circula geralmente a velocidades
superiores ao tráfego de acesso local, com níveis de ruído, poluição e insegurança
4 Tráfego de atravessamento – tráfego que não tem origem nem destino na zona que atravessa, tornando-
se intrusivo para os residentes dessa zona (DALLAM, 1996).
14
indesejáveis para o peão, uma estimativa conservativa do número de viagens por fogo é de 2
por dia. Os valores dos Censos podem fornecer dados mais realistas, que variam consoante o
tipo de área urbana (desenho urbano, densidade de construção e configuração da rede viária,
entre outros aspectos).
Para calcular o volume de tráfego limite, ou seja, a capacidade ambiental respeitante
ao tráfego intrusivo, é necessário, a partir dos valores anteriores, obter os volumes totais para a
rua em causa e para todas as ruas que nela escoem. Entende-se que a quantificação destes
valores não tem relevo no contexto desta abordagem.
Salienta-se que o tráfego de atravessamento é uma realidade cada vez mais presente
à medida que se sobe no nível hierárquico da via. No caso de vias distribuidoras locais, deve
considerar-se já uma percentagem para o tráfego de atravessamento, uma vez que estas vias
tem um papel estruturante nos bairros e, por isso, servem de suporte a esse tráfego e ainda ao
proveniente das vias de acesso local próximas (DALLAM, 1996).
Da mesma forma, para a actividade pedonal existem também valores limite que estão
directamente relacionados com os atrasos a que os peões estão sujeitos ao atravessar (como
já foi exposto), já que se pretende que num local com níveis de qualidade de vida aceitáveis
cada residente possa interagir livremente com os residentes do outro lado da via. Para este
efeito, estima-se uma velocidade média de circulação pedonal – 1,2m/s é um valor razoável,
podendo sofrer reduções se a percentagem de peões com mobilidade reduzida for
considerável (Transportation Research Board, 2000) –, a largura média da via e, a partir destes
factores, é possível determinar qual o volume de tráfego máximo que permite atravessamentos
da via seguros, com tempos de atraso aceitáveis.
A capacidade ambiental do arruamento é dada pelo mínimo dos valores limite
calculados para cada factor considerado: tráfego de atravessamento, actividade pedonal, nível
de ruído e outros considerados relevantes em cada situação.
Existe uma grande diversidade de condicionantes aqui não contempladas, como as
relativas ao ambiente circundante (por exemplo o estacionamento, com respectivas manobras
de entrada e saída, possibilidades de inversão de marcha e viragens à esquerda, acesso às
propriedades confinantes), nomeadamente a existência de passeios, que têm um efeito
psicológico sobre os condutores e os levam, instintivamente, a reduzir a velocidade quando se
aproximam do limite exterior da via (ABREU E SILVA, 1998).
Em 1963, Buchanan sugeriu que a capacidade ambiental de uma via de acesso local
se deve situar entre 300 e 600 veic/h. Contudo, pelo que foi exposto conclui-se não existirem
valores-padrão estipulados para a capacidade ambiental de uma via de acesso local, devendo
analisar-se casuisticamente (DALLAM, 1996).
15
3. Como intervir?
3.1. Contextualização
Os comportamentos dos utilizadores do sistema rodoviário são influenciados por uma
grande diversidade de factores tais como a sua personalidade, estado físico e emocional,
cultura, condição social e opções de mobilidade (origem e destino das suas viagens, modo de
transporte). Os sistemas de mobilidade urbanos devem, portanto, ser justos e universais mas,
mais que isso, suficientemente flexíveis e adaptáveis às necessidades e desejos de cada
indivíduo.
A dificuldade que se levanta é compatibilizar estes atributos com uma constante
procura pela segurança plena na utilização de cada sistema de transporte. Por isso, como
introdução ao desenvolvimento das medidas de segurança, importa proceder a uma reflexão
sobre como intervir em cada contexto.
Reconhece-se a importância desta reflexão pois se, a par das actuações sobre o
desenho urbano e infra-estrutura, não forem postas em causa as necessidades e os padrões
de mobilidade (no fundo, o modelo cultural, territorial e urbano), a moderação da circulação
através dos mecanismos e técnicas de desenho do espaço não será mais do que uma
domesticação do comportamento do automóvel em determinadas áreas, não actuando sobre a
outra face da moeda, sobre o número global de veículos em circulação (ALDUÁN, 2008).
Não obstante, e independentemente das circunstâncias de intervenção, é importante
garantir que as boas intenções se traduzem em boas práticas e isso pode ser conseguido
através da constituição de um corpo coerente de medidas coordenadas e imunes a efeitos
perversos que tendem a acompanhar as primeiras intervenções, tais como (ALDUÁN, 2008):
A indução de novas viagens. A melhoria de determinados serviços ou condições
para operarem pode resultar no aumento inesperado do número de deslocações
associadas a esses serviços ou modos de transporte, surgindo novos problemas.
O “rebound effect”, relacionado com a não consideração do efeito reactivo, por
parte dos utilizadores, associado à implementação de determinadas medidas, que
lhes pode retirar eficácia ou atenuar os resultados benéficos pretendidos.
O efeito migratório decorrente das medidas, já que é frequente a aplicação de
soluções que só acabam por resultar no arrastamento e incremento dos
problemas noutras áreas próximas (PIARC, 2003).
Ao longo deste trabalho, tecer-se-ão comentários oportunos acerca dos cuidados que
devem existir na implementação de medidas em diferentes ambientes, alertando para os
problemas decorrentes de uma implementação irreflectida de cada uma dessas medidas.
16
3.2. Recolha de bons exemplos
Nas últimas décadas, o panorama internacional tem contado com contribuições
importantes para evoluções vísiveis na segurança rodoviária das estradas a nível global.
Países como a Holanda, Reino Unido ou Suécia possuem valores de sinistralidade bastante
baixos (cf. 1.1), que lhes permitem traçar objectivos mais ambiciosos.
3.2.1. O Reino Unido e o “Environmental Traffic Managment”
O documento “Traffic in Towns” (BUCHANAN, 1963) é creditado como um dos
principais impulsionadores do movimento de Acalmia de Tráfego moderno.
Nos seus textos introduz-se o conceito de “áreas ambientais”, ou “Environmental
Areas”, na terminologia anglossaxónica (BUCHANAN, 1963) e preconizam-se linhas de
intervenção com a finalidade de reduzir o número de veículos nessas áreas e respectiva
velocidade de circulação.
Colin Buchanan alerta para a importância do desenho urbano obstrutivo ao tráfego
veloz como condição para a manutenção de bons padrões de qualidade ambiental, deixando
antever as dificuldades de implementação das práticas subjacentes a este conceito pioneiro
sob o ponto de vista da disciplina e da aceitação pública. Nas suas publicações é ainda
proposta uma hierarquia viária que define conjuntos de vias – inseridas em “áreas ambientais”
– nas quais a instalação de sentidos únicos de circulação, impasses e mudanças de direcção
obrigatórias (entre outras soluções) sirvam de dissuasores ao tráfego de atravessamento e
reduzam ao mínimo o impacto ambiental da motorização (ALDUÁN, 2008).
Os critérios que definem as “zonas prioritárias de intervenção” são bastante rígidos nos
municípios do Reino Unido e têm também em conta as restrições orçamentais. É prioritário
intervir em ruas locais em que pelo menos metade da rua confine com habitações e onde se
tenham registado 3 acidentes nos últimos 3 anos ou 2 acidentes com peões em 3 anos
(RIBEIRO & SECO, 1999).
3.2.2. A Holanda e o “Traffic Calming”
A Holanda, muito possivelmente a par da Dinamarca, é um dos países pioneiros que,
desde os anos 70, mais se destaca na implementação de soluções de Acalmia de Tráfego ao
nível da definição de conceitos e experiências até então inéditas e através da regulamentação
e constituição de zonas de velocidade limite no seio das quais são implementadas técnicas de
controlo da velocidade (RIBEIRO & SECO, 1999).
Atribui-se à cidade holandesa de Delft a origem do “Traffic Calming”, onde a população
desempenhou um papel crucial no combate às velocidades excessivas do tráfego,
transformando as ruas em autênticos jardins e zonas comuns em pátio – woonerven, em
holandês (Traffic Calming: State of the Practice, 1999). A primeira geração do Traffic Calming é
17
associada a estes primeiros sinais de preocupação pelo papel ambiental e social da rua,
materializados na imposição de restrições ao tráfego automóvel (BUCHANAN, 1963) e de
velocidades de circulação muito baixas – cerca de 15Km/h (RIBEIRO & SECO, 1999).
Na década de 90 do século passado, surgiu a “Segurança Rodoviária Sustentável”, um
conceito de enfoque preventivo que procura reduzir o risco de acidente através de quatro
principais vectores de intervenção (ALDUÁN, 2008):
Composição e características da rede viária;
Políticas de mobilidade;
Planificação urbanística e ordenamento do território;
Comportamentos durante a circulação.
Estas linhas estratégicas conduzem, necessariamente, a um conjunto de técnicas de
desenho e gestão viária com vista à moderação do tráfego e favorecimento de uma circulação
urbana sustentável.
3.2.3. Dinamarca e Alemanha
A Dinamarca e a Alemanha desempenharam um papel importante na difusão,
adaptação e criação de novas técnicas de Acalmia de Tráfego, bem como na prossecução dos
estudos neste âmbito ao longo das últimas décadas.
A adaptação das medidas aplicadas às “woonerf zones” a áreas de maior dimensão é
tida como a segunda geração do Traffic Calming – “Areawide Traffic Calming” – e teve lugar na
Alemanha a partir do final da década de 70. Os princípios antes postulados pelos holandeses
passaram a ser implementados em vias de maior hierarquia e áreas mais abrangentes, com
favorecimento dos modos suaves (Traffic Calming: State of the Practice, 1999). Com a 2ª
geração surgiram também as “Zonas 30” (Holanda e Dinamarca foram os países pioneiros),
que se podem interpretar como a evolução das práticas aplicadas às “áreas ambientais” e
áreas de coexistência de tráfego (ALDUÁN, 2008).
A Dinamarca também teve um papel importante em dois períodos distintos – década de
80 e início dos anos 90 – nos quais foi responsável, respectivamente, pela extensão do
conceito difundido pelos holandeses a zonas mais abrangentes, de velocidade limite 30Km/h,
as chamadas “ruas silenciosas” ou “Stille Veje” (Traffic Calming: State of the Practice, 1999) e
pelo desenvolvimento de projectos adaptados a vias de atravessamento de povoações (vias
distribuidoras ou arteriais), com a finalidade de compatibilizar o tráfego que nelas circula com
as actividades que se desenvolvem à sua margem (RIBEIRO & SECO, 1999).
3.2.4. A Suécia e a Visão Zero
Na Suécia, muito contribuiram os estudos e publicações do “Swedish National Road
and Transport Research Institute – VTI” que, com uma periodicidade admirável, têm levado à
18
frequente actualização e evolução das metodologias de análise das infra-estruturas já
existentes e desenho de infra-estruturas futuras, com benefício directo de todos os utilizadores,
destacando os mais desprotegidos.
A “Visão Zero”, embora não foque em particular os meios urbanos, é uma estratégia
ambiciosa originária da Suécia, que se baseia na premissa (ELVIK et. al., 2009): “Ninguém
deve morrer ou sofrer ferimentos graves devido a acidentes rodoviários”. Um dos princípios
mais vincados por esta estratégia é que no sistema rodoviário a responsabilidade é partilhada
entre aqueles que desenham o sistema e os utilizadores do mesmo (ALDUÁN, 2008). Este
príncipio ganha peso nos meios urbanos, onde a diversidade de utilizadores é maior.
A sua implementação deve à gestão da velocidade um dos principais motivos de
sucesso. Os projectos desenvolvidos entre 2000 e 2001 na cidade de Trollhätan exemplificam
bem as respectivas técnicas, aplicadas a meios urbanos (ALDUÁN, 2008): estabelecimento de
novos limites de velocidade para cada tramo da rede viária, novos desenhos das vias principais
com incorporação de barreiras de protecção dos espaços laterais e novos desenhos das vias
de acesso local, com vista à moderação do tráfego e à prioridade de peões e ciclistas.
3.2.5. Canadá e Estados Unidos
Nos Estados Unidos têm sido postas em prática muitas medidas de moderação do
tráfego nas últimas décadas. Citando apenas um dos exemplos, destaca-se o conceito de “road
diet”, que consiste no estreitamento das vias ou pistas de circulação (ALDUÁN, 2008).
A “Federal Highway Administration” (EUA) possui uma grande variedade de
publicações exclusivamente dedicadas à mobilidade e segurança do peão e dos ciclistas, como
é o caso dos documentos produzidos pelo “Pedestrian and Bicycle Safety Research Program”
que tem um dos objectivos criar infra-estruturas pedonais mais seguras (ZEGEER, 2005).
“Traffic Calming: State of the Practice” (1999), uma das publicações de referência desta
dissertação, é um dos exemplos de sucesso das colaborações entre o Canadá e os Estados
Unidos em matéria de segurança rodoviária.
3.2.6. Austrália
Em alternativa a planos abrangentes de gestão e segurança do tráfego, muitas vezes
onerosos e de difícil implementação, a Austrália tem desenvolvido projectos económicos,
desenvolvidos pelo “Committee Against Route Twenty” e compostos por conjuntos de medidas
de Acalmia de Tráfego, com resultados de visivelmente bem sucedidos. Tendo seguido os
modelos de Buchanan (cf. 3.2.1), pode encontrar-se um vasto leque de soluções de Acalmia de
Tráfego só mais tarde adoptadas nos Estados Unidos ou Canadá. Cidades como Adelaide,
Melbourne ou Sydney são exemplo disso (Traffic Calming: State of the Practice, 1999).
19
Existe um grande número de rotundas modernas espalhadas pelo país, usadas
essencialmente como objecto de gestão do tráfego em intersecções e de Acalmia de Tráfego,
que colocam a Austrália na lista de países pioneiros em metodologias de estudo da capacidade
de rotundas (Traffic Calming: State of the Practice, 1999).
3.2.7. Espanha
A Espanha também tem sido uma fonte de publicações científicas na área da
segurança rodoviária, concretamente pela mão do Ministerio de Fomento.
A publicação “Calmar el tráfico – Pasos para una nueva cultura de la movilidad urbana”
(ALDUÁN, 2008), uma das principais referências bibliográficas deste trabalho, testemunha a
investigação e produção de conhecimento que tem sido desenvolvido no país, sobretudo no
enfoque dado ao peão e restantes modos suaves em meios urbanos.
3.3. Linhas gerais de orientação. Boas práticas
Como aspectos importantes do projecto e construção de infra-estruturas rodoviárias
urbanas de qualidade e seguras para o peão, enumeram-se ao longo deste ponto algumas
linhas gerais de orientação, que devem ser comuns a qualquer intervenção em ambiente
urbano, reservando os pontos seguintes para as que merecem considerações mais exaustivas.
Mas antes, importa recordar os requisitos para a manutenção de boas condições para a
circulação dos peões no espaço urbano. Sintetizam-se os seguintes (ALDUÁN, 2008):
Tranquilidade social e atractivo paisagístico;
Conexão com o maior número possível de geradores de viagens;
Minimização das distâncias (físicas ou temporais) aos destinos das viagens;
Qualidade ambiental (minimização das contaminações poluentes e dos ruídos);
Características geométricas das infra-estruturas adequadas aos utilizadores que
servem e às funções que lhes são destinadas;
Sinalização e informação adequadas à orientação dos diferentes utilizadores;
Segurança e comodidade nos atravessamentos pedonais (contacto com os
restantes modos);
Vegetação e protecção climática que favoreçam as deslocações e restantes
actividades;
Implementação de mobiliário urbano, pavimentação e iluminação funcionais e
adequados, visando minorar os custos de construção e manutenção.
Como linhas gerais de orientação, apontam-se as seguintes (OGDEN, 1996):
Deve verificar-se a qualidade do desenho, nas suas três dimensões;
Providenciar um sistema de sinalização inequívoco e auto-explicativo;
Assegurar que as infra-estruturas levam em conta a gama de velocidades
praticadas pelos veículos;
20
Conceber as infra-estruturas para que estas minimizem (ou mesmo eliminem) os
conflitos entre os vários utilizadores do sistema rodoviário;
Implementar políticas de estacionamento que reduzam a pressão sobre o espaço
público, mitigando os efeitos negativos sobre a mobilidade, segurança dos vários
modos e qualidade do espaço;
Providenciar bons sistemas de iluminação;
Sempre que possível, devem disponibilizar-se dispositivos que auxiliem e
salvaguardem a locomoção dos utilizadores com necessidades especiais.
Aconselha-se o uso de pacotes de medidas que combinem estímulos e desincentivos
em proporções equilibradas, mas nunca implementados de forma mecânica, sem credibilidade,
pois isso só conduz a uma ausência de profundidade, abrangência e intensidade dessas
medidas (ALDUÁN, 2008).
3.3.1. Iluminação
Estudos mostram que 50% dos acidentes fatais ocorrem sem iluminação, apesar de
apenas 25% das viagens se realizar nestas condições. No escuro, o olho humano assimila o
contraste, o movimento e o nível de detalhe de forma mais limitada do que à luz do dia, razão
pela qual o risco de acidente é maior no período nocturno e, nestas circunstâncias, maior para
os peões do que para os condutores (ELVIK et. al., 2009).
Uma boa iluminação é, pois, essencial para dotar todos os utilizadores de boa
visibilidade sobre os aambientes com que se deparam e sobre os restantes utilizadores. Cada
infra-estrutura requer o seu próprio tipo e intensidade de iluminação: tipicamente, a intensidade
luminosa deve ser maior nas passagens de peões e ilhas de refúgio, passagens inferiores e
junto a zonas de comércio e serviços (OGDEN, 1996).
Pode apontar-se ainda que a iluminação nocturna torna o acto de conduzir à noite
menos cansativo e desagradável, contribuindo também para a prevenção da criminalidade
(ELVIK et. al., 2009).
Em contrapartida, frisa-se que a iluminação incrementa a visibilidade mas, ao mesmo
tempo, estimula a autoconfiança, favorecendo velocidades que podem ser excessivas
(ALDUÁN, 2008; GOMES, 2004). A relação entre a iluminação e a segurança é por isso
complexa, pelo que a escolha do tipo e intensidade da iluminação deve ser uma tarefa
cuidadosa.
3.3.2. Manutenção
Uma boa manutenção das vias urbanas deve passar por uma diversidade de
tratamentos visando a prossecução do conforto e segurança exigíveis à circulação dos
diferentes utilizadores destas infra-estruturas ao longo da sua vida útil. Destacam-se (ELVIK et.
al., 2009):
21
Repavimentação das vias, como correcção dos defeitos de superfície e em
profundidade e manutenção de bons níveis de rugosidade e atrito do pavimento;
Medidas de protecção da envolvente;
Melhoria da qualidade do pavimento, percursos pedonais, pistas cicláveis e
restante espaço público após períodos de condições climatéricas adversas;
Correcção e melhoria da sinalização;
Gestão do tráfego durante os trabalhos de reparação.
Considera-se também uma boa prática garantir níveis aceitáveis de sombreamento,
pautados por um tratamento frequente das espécies vegetais, que não só têm um papel
ambiental, social e estético, como também funções de Acalmia de Tráfego e protecção dos
espaços pedonais, se sensatamente colocadas (ALDUÁN, 2008).
3.3.3. Sinalização e informação
Não raras vezes se nota a existência de lacunas entre o domínio da engenharia, do
projecto, construção e manutenção da infra-estrutura rodoviária, e o da psicologia e sociologia,
da definição e avaliação das necessidades do utilizador.
Na prática, o conhecimento do comportamento humano (e suas necessidades,
capacidades e limitações) deve sustentar as propostas desenvolvidas no âmbito da Engenharia
de Tráfego, em prol da construção de ambientes mais auto-explicativos (PIARC, 2003).
Dois importantes aspectos presentes em qualquer ambiente rodoviário urbano são a
sinalização e a informação, que determinam directamente a percepção dos utilizadores do
sistema rodoviário e, como tal, as suas acções (PIARC, 2003). Neste ponto abordar-se-ão
alguns factores humanos influenciados por esses dois aspectos e determinantes dos
comportamentos do condutor face ao peão e ao ambiente que o rodeia.
A maioria da informação que os utilizadores do sistema rodoviário usam é visual, pelo
que as condições visuais de cada ambiente têm um peso significativo na segurança rodoviária
(ELVIK et. al., 2009).
O excesso de informação conduz a problemas de segurança, já que a capacidade de
assimilar informação por parte do cérebro humano é limitada. Deve, pois, evitar-se a
sobreposição de informação no mesmo local e a redundância informativa (PIARC, 2003). Este
aspecto é particularmente importante nos meios urbanos, onde existem locais muitas vezes
sobrecarregados com sinalização de cariz informativo, que contribui para a confusão sobre o
restante ambiente rodoviário.
Em contrapartida, também a escassez de informação e a monotonia do ambiente
circundante podem contribuir para uma diminuição da atenção e prudência do condutor, o que,
por seu lado, conduzindo ao relaxamento e aumento da velocidade (PIARC, 2003). A
sinalização informativa, se não for excessiva, pode contribuir para uma minimização deste
22
problema, sobretudo se aliada a alterações pontuais do perfil da estrada, marcações no
pavimento ou introdução de outras descontinuidades no campo visual.
Naturalmente, a sinalização e a informação encontram-se directamente relacionadas
com a percepção dos utilizadores, e com esta alguns aspectos a evitar tais como as ilusões
ópticas e a ausência de contraste.
As ilusões ópticas podem levar a interpretações incorrectas das distâncias, raios das
curvas (e a distância até estas, que é percepcionada como sendo superior ao que é na
realidade), velocidade e largura da via (a distância lateral a árvores e outros obstáculos
também é sobrestimada) e, em consequência, o favorecimento de velocidades excessivas,
pelo que é essencial dotar a via de elementos que evitem a convergência das linhas de
orientação da visão (PIARC, 2003). Estes elementos podem consistir em descontinuidades nos
lancis, marcas horizontais específicas, árvores ou configuração dos separadores centrais e
laterais. A cor, textura e figuras sob a forma de sinalização vertical ou no pavimento são parte
integrante do desenho viário orientado para moderar a velocidade e devem ser usados com
sensatez (ALDUÁN, 2008).
Por outro lado, é importante promover o contraste entre a informação essencial e o
pano de fundo (envolvente), o que é vital a uma leitura adequada (e rápida) da informação. Um
bom contraste deve manter-se ao longo do dia, ou seja, ser assegurado nas horas de menor
luminosidade e com quaisquer condições atmosféricas (PIARC, 2003).
É unânime que o uso exclusivo da sinalização horizontal e vertical é insuficiente para a
concretização dos objectivos de redução da velocidade. Por isso, dar-se-á ênfase aos
elementos da via e da envolvente que incitem, por si mesmos, à alteração da informação
sensorial que os condutores recebem e subsequente comportamento, constituindo portanto o
que se pode chamar de “sistemas passivos de controlo da velocidade” (ALDUÁN, 2008).
3.3.4. Estacionamento
Em termos de enquadramento estratégico e político, as medidas de segurança
rodoviária não devem ser encaradas de forma solitária, devendo sim ser conjugadas com
outras estratégias de planeamento urbano e de transportes, como é o caso do ordenamento e
regulamentação do estacionamento (RIBEIRO & SECO, 1999).
O estacionamento abusivo é uma das maiores ameaças à circulação pedonal, em
especial se sobre os passeios e nas zonas de atravessamento da faixa de rodagem. Este tipo
de estacionamento levanta dificuldades à circulação dos peões (obrigando-os, em situações
mais extremas, a ter de circular sobre a faixa de rodagem) e à visibilidade dos condutores
sobre eles.
Estas questões, aliadas aos efeitos nocivos que as cargas exercidas pelos rodados dos
veículos têm sobre a qualidade dos passeios (danificando o pavimento e as infra-estruturas
23
que sob ele existem), conduzem à necessidade de impedir, fisicamente, o estacionamento em
locais desapropriados ou não destinados a esse efeito. A implementação de canteiros, pilaretes
ou outro tipo de mobiliário urbano específico pode ser uma solução de prevenção eficaz, desde
que estes elementos não obstruam a visibilidade (situação que acabaria por ter o mesmo efeito
que o estacionamento) ou contribuam para uma redução substancial da largura efectiva dos
passeios. Uma solução possível é a colocação destes elementos (pilaretes, por exemplo) na
faixa de rodagem, junto ao lancil do passeio (ALDUÁN, 2008).
A restrição do estacionamento abusivo não deve ser unicamente física, mas sim
complementada por uma fiscalização eficaz, visando, por um lado, o cumprimento da lei por
parte dos condutores – através da punição do estacionamento ilegal, como exposto nos artigos
49º e 50º do Código da Estrada (2005) – e, por outro, a prevenção da degradação dos
dispositivos que impedem o estacionamento por acção dos condutores que os desrespeitam.
As extensões dos passeios e as “orelhas” (ALDUÁN, 2008) têm claras potencialidades
ao nível da prevenção do estacionamento abusivo, como se verá adiante.
3.3.5. Análise custo-benefício das medidas a implementar
Um aspecto transversal às directrizes anteriores é a necessidade de avaliar as
soluções adoptadas na perspectiva da viabilidade económica. A implementação de uma
solução requer uma análise custo-benefício prévia para avaliar, por exemplo, o trade-off entre o
ganho de segurança e a perda de mobilidade, duas grandezas que geralmente variam
inversamente (cf. 2.2).
As análises custo-benefício devem constituir ferramentas de auxílio importantes na
implementação de políticas de segurança rodoviária (ELVIK, 2001). Existe, porém, uma
variedade de críticas apontadas a estas análises acerca de ser ou não correcto exercerem
influência sobre as políticas de transportes e segurança rodoviária. Para uma leitura mais
aprofundada destes assuntos, aconselha-se a consulta de ELVIK, 2001.
A concepção de qualquer infra-estrutura rodoviária urbana deve subentender um
respeito permanente pelas linhas de orientação apontadas, bem como uma verificação desse
cumprimento ao longo da vida útil da infra-estrutura (manutenção periódica).
25
4. Medidas de Engenharia de Segurança Rodoviária
Existem 3 diferentes estratégias de intervenção subjacentes às medidas que visam a
segurança dos peões (OGDEN, 1996):
Segregação, através da separação física das redes de veículos e peões;
Separação em infra-estruturas partilhadas por veículos e peões;
Integração, através da criação de infra-estruturas permanentemente partilhadas.
As medidas de segurança associadas ao projecto e concepção da infra-estrutura
rodoviária urbana têm por objectivo levar o do condutor, peão ou ambos a ponderar as suas
acções, por indução das características físicas da via e sua envolvente. Por isso é geralmente
visível, pela morfologia de cada infra-estrutura, quais as estratégias subjacentes à sua
concepção. Nesse sentido, a descrição das normas e medidas de segurança que se segue
será acompanhada de comentários relativos ao tipo de estratégia com a qual cada conjunto de
medidas se coaduna, bem como as áreas em que a sua implementação é mais adequada.
Frisa-se, como aspecto imprescindível à adopção de soluções de melhoria da
segurança, o recurso às técnicas de gestão do tráfego e desenho viário e urbano, como meio
para se adaptarem os comportamentos de cada utilizador face aos restantes e as velocidades
que praticam ao conjunto de funções e características das vias urbanas (ALDUÁN, 2008).
4.1. Segregação de peões e veículos
A ideia de separar o peão dos restantes modos de transporte não é recente, é até
bastante anterior à disseminação do automóvel, como testemunham os refúgios pedonais que
existiam em muitas cidades europeias no século XIX (ALDUÁN, 2008), passagens pedonais e
galerias (caso das galerias Victorio Emanuele em Milão) ou as cidades-jardim no Reino Unido,
de Raymond Unwin, com repercussões nos EUA – Radburn (ABREU E SILVA, 1998).
Entende-se que segregação é a separação física dos espaços canais dos diferentes
modos de transporte, dando-se neste ponto mais ênfase à segregação entre peão e automóvel.
4.1.1. Os passeios
Os passeios são a infra-estrutura pedonal urbana por excelência. Há, portanto,
exigências claras de espaço, conforto e, primordialmente, de segurança associadas à
circulação dos peões.
Projectar passeios seguros pressupõe um bom dimensionamento dos elementos que
os compõem, podendo este processo ser baseado em métodos quantitativos (Transportation
Research Board, 2000) e/ou qualitativos (Muraleetharan).
Os primeiros baseiam-se na estimativa do nível de serviço (adiante designado por
LOS), o qual se divide em categorias de desempenho da infra-estrutura pedonal em causa. Os
26
piores níveis de serviço correspondem a espaços de elevada densidade, ou seja, com uma
relação espaço/fluxo desfavorável, o que pode levantar problemas de segurança associados
aos peões, que não devem passar os limites que lhe estão destinados e entrar em conflito com
os restantes modos (no caso de locais vinculados por uma estratégia de segregação de fluxos).
O Highway Capacity Manual (Transportation Research Board, 2000) é uma referência em
termos de metodologia de definição do LOS e possui um capítulo exclusivamente dedicado ao
dimensionamento de passeios baseado neste indicador.
A definição do LOS baseia-se numa área de passeio efectiva, ou seja, não na área total
mas sim naquela que os peões efectivamente usam para se deslocarem ou permanecerem.
Por isso, há a necessidade de considerar uma largura efectiva, inferior à real, já que à segunda
são descontadas as larguras ocupadas pelos diversos elementos do mobiliário urbano que
ocupam o passeio (Figura 3). Em cada troço de passeio, o cálculo da largura disponível à
circulação é condição necessária para, posteriormente, se averiguar se as condições ideais
para os peões são respeitadas.
O segundo tipo de metodologia centra-se na análise qualitativa dos passeios, mais
directamente ligada à predisposição que os peões têm para circular e permite uma avaliação e
estabelecimento de padrões de qualidade e segurança destes utilizadores. Esta vertente
analista não é tão consensual, existindo estudos e publicações com orientações metodológicas
diversas, dos quais são exemplo os estudos desenvolvidos pela Universidade de Hokkaido
(Muraleetharan). Como factores importantes para a caracterização dos passeios, nomeiam-se
os seguintes:
A orografia;
Mobiliário urbano (pilaretes, barreiras pedonais, vegetação e outros elementos);
Estado de conservação do pavimento;
Existência de estacionamento.
Figura 3: Exemplos de larguras de obstrução a contabilizar no cálculo da largura efectiva de um passeio. Fonte: Transportation Research Board, 2000.
27
Pela importância do papel que os passeios desempenham na circulação pedonal, o seu
dimensionamento deveria respeitar critérios espaciais, de conforto e segurança mais rígidos, o
que raramente acontece, exceptuando em algumas situações de intensa actividade pedonal e
fluxos de veículos quase desprezáveis, ou em casos de políticas deliberadas de integração de
veículos e peões no mesmo espaço (OGDEN, 1996). Além disso, este dimensionamento é
particularmente complexo, pois enquanto os veículos têm um tipo de movimento mais
canalizado, ao comportamento dos peões está associado um maior grau de liberdade.
Frisa-se que a estratégia geralmente subjacente à implementação destas infra-
estruturas é a de segregação física dos fluxos de peões e veículos, pelo que é habitual
proceder a um tratamento complementar, usando mobiliário urbano específico, com a
pretensão de consumar essa segregação.
No que toca ao conforto, é importante proceder à arborização dos passeios, sempre
que a área disponível seja compatível com as exigências que as árvores requerem (Figura 3).
Acrescendo ao seu papel estético e climatérico, as árvores (e restante vegetação) contribuem
para uma melhoria substancial do conforto nos passeios, devido ao sombreamento que
proporcionam, bem como para incentivar à circulação dos peões nestes locais.
Em contrapartida, as árvores e canteiros podem levantar problemas de segurança
relacionados com a visibilidade, que devem ser minimizados. Deve garantir-se que os canteiros
são baixos o suficiente para não impedirem a visão dos peões sobre o ambiente que os rodeia
(em particular sobre o tráfego motorizado). As árvores, por seu lado, devem ser
suficientemente espaçadas para assegurar a desobstrução do campo visual, devendo garantir-
se também, a nível transversal, que não impeçam a circulação pedonal ou a remetam para a
faixa de rodagem. Uma prática comum consiste em alternar os lugares de estacionamento
ccom a arborização (ALDUÁN, 2008).
Quanto aos utentes com mobilidade reduzida, as características físicas e geométricas
dos passeios devem contribuir para a sua inserção no ambiente rodoviário, facilitando a
circulação e satisfazendo as suas necessidades especiais de conforto e segurança. Como
critérios de dimensionamento mais importantes, apontam-se os seguintes (OGDEN, 1996):
Utilização de um pavimento confortável, com boa manutenção;
Implementação do mobiliário urbano de forma a dispôr-se de largura efectiva
suficiente à passagem de uma cadeira de rodas;
Rampas e rebaixamento dos lancis, facilitando a circulação de cadeiras de rodas;
Mudança da textura do pavimento na aproximação às zonas de atravessamento
da faixa de rodagem, como forma de alertar os peões invisuais;
Introdução de dispositivos tácteis e sonoros em zonas de potencial conflito com
veículos motorizados;
28
Garantir uma circulação pedonal segura e fluida em situações de interrupção
temporária (obras, por exemplo), encaminhando os peões por trajectos
alternativos que, por um lado, não aumentem muito os seus percursos e, por
outro, disponham de sinalização e elementos audio-tácteis capazes de os conduzir
em condições seguras.
4.1.1.1. Extensão dos passeios
Uma medida eficaz de melhoria da visibilidade
consiste na extensão dos passeios nas zonas
preferenciais de atravessamento dos peões –
prolongamento transversal da largura dos passeios –, e
aparece, em muitas situações, em substituição do
estacionamento que ladeia a via (Figura 4).
Estando a capacidade ambiental de uma via
urbana (cf. 2.3) associada ao atraso médio a que os
peões estão sujeitos quando atravessam e ao nível de
protecção que o ambiente rodoviário lhes proporciona,
as extensões dos passeios reduzem não só os atrasos,
pois encurtam a distância de atravessamento (e
consequente tempo de exposição ao tráfego), como
aumentam o nível de protecção através da melhoria da
visibilidade face aos condutores. Para estes últimos, os
atrasos são também menores no caso de passagens
não controladas por sinalização luminosa.
Da perspectiva do peão, a sensação de
segurança ao atravessar é maior, o que contribui para o
aumento da confiança no atravessamento da via.
Em vias de menor fluxo de tráfego, zonas residenciais ou centros de pequenas
localidades, estas bolsas podem ser complementadas por passadeiras sobreelevadas ou
lombas antecedendo-as, como se verá adiante.
4.1.2. Barreiras pedonais
A principal função das barreiras pedonais é a segregação de fluxos de veículos e
peões. Em muitos locais, o recurso a estes elementos pode também ter como intenção
combater o problema do estacionamento ilegal sobre os passeios (cf. 3.3.4).
A eficácia das barreiras pedonais é discutível. Questiona-se se o impacto que estas
têm no espaço público, de o dividir e, por vezes, fragmentar, não será averso ao peão e à
Figura 4: Exemplo de uma extensão de
passeio e efeito que esta tem sobre a visibilidade entre veículo e peão (antes
e depois da implementação). Fonte:
www.fhwa.dot.gov
29
atractividade do espaço público. Como desvantagens de percepção mais imediata associadas
ao seu uso impróprio, apontam-se (ZHENG & HALL, 2003):
Excessiva sectorização do espaço, impedindo os peões de circular com total
liberdade e atravessar a via onde pretendam;
Encorajamento de velocidades de circulação do tráfego elevadas;
Diminuição da largura efectiva dos passeios, devido à espessura das barreiras e
espaço que deve ser deixado entre o início destas e o limite do passeio;
Perigo para os ciclistas que partilham a faixa de rodagem, que se veêm impedidos
de se desviar na direcção do passeio se necessário;
Podem dificultar o acesso directo ao edificado;
Diminuição da visibilidade dos veículos sobre os peões, em especial as crianças;
Da óptica do peão, retiram atractividade e identidade ao espaço público.
Por isso, a eficácia das barreiras enquanto medida de segurança varia consoante o
local de implementação, como se verá em seguida. Além disso, existem critérios muito próprios
para um processo de implementação adequado.
Nas passagens de peões, pode ser aconselhável instalar barreiras pedonais (se os
elevados volumes de tráfego constituirem um risco considerável para os peões), já que os
atravessamentos nas proximidades destas são acções de particular risco devido ao facto de a
atenção do condutor estar centrada na passagem.
Nas paragens de autocarro solicitadas por elevados volumes de peões, o seu uso
também pode ser adequado, na medida em que as barreiras protegem os peões que efectuam
o embarque ou desembarque, devendo criar-se uma interrupção apenas na zona
correspondente ao comprimento do autocarro ou da paragem.
Idealmente, as barreiras devem ter uma altura de 1200mm, de forma a impedirem a
transposição por parte de cadeiras de rodas ou utilizadores invisuais. A zona de protecção
deve iniciar-se a 150mm de altura, também como forma de protecção para as cadeiras de
rodas e ainda impedindo a passagem de cães ou outros animais sob a barreira. O
espaçamento entre os seus elementos verticais deve ser suficiente para permitir a visibilidade
mútua entre os peões (sobretudo crianças) e os veículos. Devem ser constituídas por perfis
tubulares circulares de 40 a 50mm de diâmetro, já que a minimização das arestas torna as
barreiras mais seguras e úteis no apoio à locomoção. Em termos de visibilidade, devem ter
uma cor preferencialmente uniforme e contrastante face à envolvente (ZHENG & HALL, 2003).
Em infra-estruturas pedonais segregadas, como é o caso de caminhos pedonais e
passagens superiores e inferiores, deve providenciar-se um tratamento adequado nas zonas
de proximidade entre os peões e os restantes utilizadores, como se verá adiante. As barreiras
pedonais podem desempenhar um papel complementar de segurança neste âmbito.
30
Em suma, as barreiras pedonais mostram-se mais benéficas (OGDEN, 1996):
Em conjugação com pontes pedonais ou passagens superiores para peões;
Quando as velocidades praticadas pelos veículos motorizados são elevadas,
sobretudo se existir um espaço de transição muito reduzido entre a faixa de
rodagem e o passeio;
Em locais frequentados por crianças (escolas, jardins de infância, centros
desportivos);
Junto a equipamentos importantes e outros grandes pólos geradores de fluxos
pedonais;
Junto a interfaces de transportes, como forma de proteger os passageiros nos
períodos de espera, embarque e desembarque;
Pontes onde coexista circulação motorizada e pedonal.
Apesar de não apresentarem elevados custos de implementação, é importante que não
sejam aplicadas indiferenciadamente, pois o seu sucesso depende do local de implementação
e se as particularidades de dimensionamento apontadas são ou não respeitadas.
4.1.3. Caminhos pedonais
Em zonas direccionadas ao lazer (jardins, parques urbanos), áreas eminentemente
residenciais ou em pequenas localidades, pode ser vantajoso segregar fluxos de peões e
veículos através da concepção de caminhos pedonais de orientação diversa das vias de
tráfego motorizado.
A criação de uma rede de caminhos pedonais, totalmente separados das rotas
motorizadas e conectando os principais pólos geradores de fluxos pedonais, pode constituir
uma solução bastante satisfatória, sobretudo em áreas residenciais (das quais a cidade de
Radburn é um exemplo paradigmático), no que toca à acessibilidade e à segurança
(BUCHANAN, 1963). Em contrapartida, levantam-se problemas ao nível da criminalidade
nocturna, que devem ser mitigados recorrendo à desobstrução das zonas adjacentes a estes
percursos (favorecendo espaços mais amplos) e a sistemas de iluminação adequados e
permanentes (OGDEN, 1996).
Apesar de segregadas do tráfego motorizado, estas infra-estruturas estão muitas vezes
subjacentes a estratégias de integração de fluxos de peões e ciclistas, com consequente
coexistência de actividades bastante díspares, o que potencia conflitos. Nestes casos, deve
proceder-se a um tratamento adequado, no que toca ao projecto, implementação e sinalização
associada. Este processo deve dar primazia aos peões, pois são o grupo mais desprotegido e
geralmente o maioritário:
Estabelecer velocidades de circulação dos ciclistas inferiores à que estes
praticariam em ciclovias exclusivas. Não é desejável tomar medidas de combate
31
ao excesso de velocidade (é razoável implementar elementos de desenho,
mobiliário urbano e sinalização que promovam velocidades de circulação de
30Km/h, na ausência de conflitos com peões), mas sim como prevenção de
velocidades excessivas, alertando os ciclistas para a adequação da velocidade às
características do ambiente rodoviário e tipo de actividade pedonal com que se
deparem;
Implementar um conjunto de medidas de Acalmia de Tráfego, impondo aos
ciclistas, sempre que necessário (se o volume e tipo de peões o justificar) a
necessidade de transportarem as suas bicicletas à mão;
Obedecer a critérios de largura e visibilidade do ciclista sobre o peão que
permitam uma circulação segura e confortável: plataformas pavimentadas, com
cerca de 3,0m de largura e uma distância entre os 0,9 e 1,8m para a sinalização
vertical (AASHTO, 1999);
Inclinações nunca superiores a 5%, devido à dificuldade dos utilizadores de
mobilidade reduzida (em especial as cadeiras de rodas) em vencerem declives
elevados. Nos casos em que não seja possível cumprir estes valores, deve
introduzir-se sinalização que alerte para inclinações elevadas (em subida ou em
descida).
O domínio de aplicação espacial é vasto, uma vez que, adicionalmente aos locais de
implementação já apontados, a construção de caminhos pedonais pode ainda ser prevista em
zonas ribeirinhas, como acompanhamento de estradas ou ligação de impasses. Nos limites de
contacto com o tráfego, devem ser tidos em conta os respectivos elementos de transição entre
ambientes e protecção dos peões – pilaretes, vegetação ou barreiras pedonais, entre outros.
Porém, as limitações que estas infra-estruturas oferecem levam muitas vezes à procura
de soluções mais extensas, generalistas e flexíveis. Nesta base, surge o conceito de itinerário
pedonal (ALDUÁN, 2008), como um conjunto de diferentes tipos de vias, com maior ou menor
nível de protecção e atractividade para o peão e equipadas com dispositivos distintos de
articulação com os restantes modos de transporte, funcionando como um conjunto e garantindo
a continuidade das redes pedonais.
4.1.4. Ruas pedonais
As ruas pedonais constituem a situação extrema em termos de segregação de fluxos
pedonais e motorizados, pois são infra-estruturas exclusivamente destinadas a peões e
distantes do tráfego motorizado (OGDEN, 1996).
A sua criação tem-se intensificado nos últimos anos, o que revela uma preocupação
crescente pela qualidade do espaço pedonal, apesar da concepção raramente resultar de uma
intensão exclusivamente ligada à segurança.
32
Em zonas comerciais, tendem a existir alguns atropelamentos, cujas principais razões
são: as obstruções causadas pelo estacionamento e operações de carga e descarga, elevada
densidade de intersecções e acessos particulares e ainda os elevados volumes pedonais e
motorizados ocupando os mesmos espaços canais (ELVIK et. al., 2009).
Com efeito, são geralmente concebidas (ou readaptadas, a partir de vias rodoviárias)
em locais onde os usos do solo promovam a actividade pedonal, como em zonas de comércio
e serviços, lazer ou locais de interesse turístico. Além das imediatas vantagens do ponto de
vista ambiental, esta reconversão facilita a implementação de vegetação e outros tipos de
sombreamento, bem como bancos ou esplanadas.
Sendo especialmente destinadas aos modos suaves (excepto nos casos de acesso de
moradores ou veículos de cargas e descargas), as boas práticas de segurança são análogas
às apresentadas no ponto anterior, acrescendo aos cuidados que devem existir nas zonas
limítrofes, de contacto com outros modos, onde estudos têm mostrado existir um aumento do
número de atropelamentos, após a reconversão de ruas de comércio e serviços e em ruas
pedonais (ELVIK et. al., 2009). Aqui, a paisagem urbana requer um tratamento no sentido de
alertar peões e condutores para a presença (não habitual) de outros utilizadores:
Soluções de Acalmia de Tráfego na aproximação a uma intersecção com ruas
pedonais (estas soluções serão aprofundadas adiante);
Diferenciação na cor e textura do pavimento;
Sinalização especial alertando para uma mudança brusca de ambiente rodoviário
e consequente aparecimento de conflitos;
Intervenções no edificado e mobiliário urbano no sentido de assegurar boas
distâncias de visibilidade.
As operações de carga e descarga devem ser devidamente acomodadas, pois a
presença dos respectivos veículos é geralmente inesperada nestas ruas (OGDEN, 1996).
4.1.5. Passagens superiores
As passagens superiores e inferiores são infra-estruturas pedonais desniveladas, que
têm claras vantagens do ponto de vista da continuidade dos percursos e são particularmente
apropriadas em locais de elevadas velocidades de circulação e/ou elevados volumes de tráfego
(OGDEN, 1996).
Devem evitar-se declives elevados, pois pretende-se que estas infra-estruturas
constituam opções fáceis para os utilizadores de mobilidade reduzida. Assim, devem ser
projectadas, sempre que os condicionalismos espaciais o permitam, com uma largura ampla e
declives suaves, preferencialmente inferiores a 5%, tal como para o caso dos caminhos
pedonais (cf. 4.1.3). Estes aspectos ganham peso no caso das pontes pedonais, que são
33
muitas vezes convidativas ao seu atravessamento e projectadas para servir fluxos pedonais
significativos (ALDUÁN, 2008).
Sempre que não for possível cumprir os critérios anteriores, deve disponibilizar-se uma
alternativa aos declives mais acentuados e às escadas, nomeadamente através da construção
de elevadores que transportem os utilizadores impossibilitados de usar os restantes acessos.
4.1.6. Passagens inferiores
Um bom dimensionamento de passagens inferiores partilha da maioria dos critérios
apresentados para as passagens superiores, que geralmente são mais facilmente cumpridos
devido à não necessidade em vencer grandes vãos.
Contudo, em termos de dimensões físicas, existem algumas diferenças. A secção deve
ser suficientemente generosa, com um quociente entre a largura e a altura preferencialmente
superior 1,5/1,0m. A largura mínima deve prever a possibilidade de partilha com bicicletas e a
altura mínima deve ser de 3m (ALDUÁN, 2008).
A criminalidade tem alguma incidência nestas infra-estruturas e pode ser mitigada
tendo em conta as seguintes orientações (OGDEN, 1996):
Projectar passagens largas e o mais curtas possível (deve ser possível ver o final
do túnel a partir do início);
Intervir na paisagem circundante, evitando elementos que obstruam a passagem e
a visibilidade, recantos e esconderijos indesejáveis, à semelhança do que já se
apontou em 4.1.3. Criar um sistema de caminhos pedonais ou passeios que
canalizem os peões para estas passagens, como forma de os enconrajar a usá-las
e assim aumentar os seus utilizadores;
Implementar dispositivos de iluminação nocturna adequados.
Em oposição aos domínios de aplicação enumerados, a implementação de passagens
superiores e inferiores revela-se desadequada em zonas onde o utilizador prioritário seja o
peão (locais de intensa actividade pedonal e baixos volumes de tráfego motorizado, zonas
residenciais ou de lazer). Nestas, deve optar-se por medidas consentâneas com uma política
de integração de modos de transporte e valorização do espaço pedonal e ciclável, evitando a
sua limitação física e excessiva canalização (este aspecto será aprofundado adiante).
34
4.1.7. Síntese
Tabela 1: Síntese das medidas de segregação de peões e veículos.
Medidas Caracterização Aspectos positivos Aspectos negativos
Âmbito de aplicação
Passeios
Infra-estrutura pedonal mais comum em meio urbano. Devem ser o mais desobstruídos possível, garantindo-se sempre a visibilidade dos restantes modos sobre o peão.
Os peões dispõem de um espaço geralmente exclusivo à sua circulação, embora também possa haver partilha com bicicletas.
As dimensões dos passeios são geralmente insuficientes, pois ocupam apenas o espaço que sobra do dimensionamento da via para os veículos.
Commumente usados na maioria dos arruamentos.
Extensões dos
passeios
Ampliação da área de passeio para o interior da via, em perfil transversal.
Fornece melhores LOS à respectiva área de passeio. Menor tempo de exposição ao tráfego para o peão.
Estreitamento indesejável da via, se se pretender favorecer velocidades elevadas.
Intersecções (onde se designam por “orelhas”) e zonas preferenciais de atravessamento (passadeiras).
Barreiras pedonais
Elementos de protecção dos fluxos pedonais. Idealmente, uma altura de 1,2m e constituídas por perfis tubulares de 40 a 50mm de diâmetro.
Papel de protecção/ “escudo” face ao tráfego motorizado. Prevenção do atravessamento da via em locais impróprios.
Sectorização excessiva do espaço. Limitação da liberdade de movimento do peão.
Vias de elevadas velocidades e volumes de veículos. Em conjugação com passagens pedonais e pontes onde coexista tráfego pedonal e motorizado Junto a grandes pólos geradores de peões.
Caminhos pedonais
Conjunto de percursos pedonais segregados do tráfego motorizado, com melhores condições do que a generalidade dos passeios.
Maior segurança para o peão face ao tráfego motorizado.
Risco de conflito peão-bicicleta, devido às maiores velocidades praticadas pelos ciclistas.
Usados em zonas de lazer, áreas residenciais. Criação frequente de caminhos partilhados por bicicletas e peões.
Ruas pedonais
Ruas destinadas à circulação dos modos suaves. Circulação de veículos excepcional (cargas e descargas, moradores).
Providenciam grande segurança e conforto ao peão.
Conflitos no início e fim destas ruas. Presença inesperada de veículos de cargas e descargas.
Zonas de grande concentraçao de comércio e serviços.
Passagens superiores e
inferiores
Estruturas pedonais desniveladas. Devem ser o mais amplas possível e de declive preferencialmente inferior a 5%.
Protecção do peão face a elevadas velocidades e volumes do tráfego motorizado.
Dificuldades de acesso aos utilizadores de mobilidade reduzida. Incentivo à criminalidade.
Locais de elevadas velocidades e/ou volumes dos veículos. Utilização inadequada em locais onde o utilizador maioritário seja o peão.
35
4.2. Separação de peões e veículos
A pressão que os diferentes utilizadores exercem sobre o espaço público urbano, em
especial os veículos motorizados, conduz à necessidade de implementar medidas de
separação, já que a maioria das infra-estuturas rodoviárias são partilhadas por mais do que um
tipo de utilizador, geralmente com elevados diferenciais de velocidade de circulação.
Neste contexto, entende-se que a separação é temporal (OGDEN, 1996) – cada tipo de
utilizador usa o mesmo espaço em momentos diferentes – e pode ser consumada através da
introdução de sinais temporais ou sinalética horizontal, da qual são exemplo as passadeiras.
4.2.1. Passagens de peões
O atravessamento de uma via é uma das acções mais perigosas em que os peões
podem incorrer. Estudos noruegueses mostram que 70% dos atropelamentos que ocorrem em
meios urbanos dão-se durante este movimento (ELVIK et. al., 2009), o que sugere a
necessidade de projectar e construir passagens de peões seguras.
As passagens de peões, correntemente designadas por “passadeiras”, constituem um
espaço bem demarcado na faixa de rodagem que é partilhado por veículos e peões, mas onde
os segundos têm prioridade, em situações de coexistência espacial.
Apesar de o efectivo contributo para a redução do número e gravidade dos
atropelamentos ser um tópico de discussão acesa por parte de diferentes autores (ZEGEER,
2005; BOYCE & DERLOFSKE, 2002), pode afirmar-se que a presença das passadeiras
(PIARC, 2003):
Avisa os condutores da possibilidade de se depararem com trânsito pedonal;
Mostra aos peões qual o local mais seguro para atravessarem;
Limita os locais preferenciais de atravessamento a zonas mais protegidas. Isto
pode ser conseguido através do uso complementar de barreiras pedonais, se
adequadamente localizadas e dimensionadas (cf. 4.1.2).
As especificações do documento "Guide to Recommended Practice for Pedestrian
Crossings" (New Zealand Transport Agency, 2005), defendem o respeito pelos seguintes
parâmetros (medidos numa semana de tráfego normal):
O volume de veículos excede os 300 veículos por hora;
O produto entre os peões por hora e os veículos por hora excede os 45000.
A estimativa do LOS em passagens de peões (tal como já se apresentou para os
passeios) permite uma maior fiabilidade associada ao dimensionamento e pode ser aplicada a
intersecções controladas ou não por sinalização luminosa (Transportation Research Board,
2000). A largura varia, portanto, em função do volume de peões e ainda de factores como a
percentagem de ciclistas que também atravessam a via. Embora a descrição dos métodos de
36
dimensionamento de áreas de espera fuja ao âmbito deste trabalho, aconselha-se a sua leitura,
pois reconhece-se a influência (indirecta) na segurança dos peões,.
Ao pavimento utilizado na passadeira e zona que a antecede é exigível que drene bem
a água e possua um coeficiente de atrito compatível com uma distância de travagem segura,
caso seja necessário. Estas características podem ainda ser complementadas com o uso de
uma cor contrastante na passadeira ou na aproximação à mesma (Figura 5), a fim de melhorar
a visibilidade dos condutores sobre estes locais.
A questão da visibilidade
também não deve ser descurada, pelo
que as considerações já tecidas
relativamente à arborização (cf. 4.1.1) e
estacionamento (cf. 3.3.4) também são
aplicáveis neste contexto. As extensões
dos passeios (cf. 4.1.1.1) facultam área
adicional e melhores LOS aos peões
que esperam o atravessamento
(Transportation Research Board, 2000)
e, por outro lado, melhoram a visibilidade
e reduzem as distâncias de
atravessamento (e consequentes atrasos para veículo e peão).
Se necessário (caso de passagens de peões pouco visíveis ou facilmente
deterioráveis), existe sinalização que pode complementar as já existentes marcações
horizontais (sinais luminosos – leds), de forma a alertar os condutores com a devida
antecedência (BOYCE & DERLOFSKE, 2002).
Relativamente aos peões de mobilidade reduzida, podem tomar-se medidas simples e
eficazes como as já apontadas em 4.1.1.1. Aconselha-se um rebaixamento dos lancis inferior a
10mm e de declive máximo de 1/12, com um pequeno degrau (10mm) que assinale a
aproximação ao limite do passeio (PIARC, 2003).
É conveniente, se possível, situar as passagens na direcção dos fluxos preferenciais de
peões como forma de minimizar os percursos e assim tornar a sua utilização mais atractiva e
notada por potenciais utilizadores (PIARC, 2003). O tipo de passagem de peões varia
consoante o âmbito de aplicação, como se verá nos próximos pontos.
4.2.2. Ilhas de refúgio
Quando a distância de atravessamento aumenta, tipicamente para valores superiores a
10m, as passadeiras começam a perder eficácia, com consequentes riscos acrescidos para os
Figura 5: Uso de uma cor constrastante no pavimento
que antecede uma passagem de peões (Avenida Álvares Cabral – Lisboa).
37
peões. Nestas situações, adicionalmente aos critérios de dimensionamento já apresentados,
pode actuar-se de formas distintas (PIARC, 2003):
Implementação de uma passagem desnivelada, nos casos em que o fluxo de
veículos e/ou as velocidades de circulação sejam elevados (cf. 4.1.7);
Estrangulamento da via na zona da passagem dos peões por alargamento do
passeio – extensões dos passeios, “orelhas” (cf. 4.1.1.1) – ou permissão do
estacionamento longitudinal ou transversal. Esta medida é mais aconselhável (e
viável) nas vias de acesso local, podendo já não ser aconselhável em vias
arteriais, onde a velocidade praticada é geralmente superior;
Criação de ilhas de refúgio centrais (a meio do atravessamento).
Estas últimas podem constituir soluções eficazes e pouco dispendiosas de melhoria da
segurança associada ao atravessamento, já que não só podem ser usadas como elementos de
Acalmia de Tráfego, como também tornam esta acção mais segura e menos morosa, ao
permitirem aos peões efectuar a travessia em duas etapas, cruzando um sentido de trânsito de
cada vez (OGDEN, 1996).
Devem, por isso, ser dimensionadas com uma largura suficiente para acomodar os
peões, de valores aconselháveis entre 1,2 e 2,0m, e complementadas por um tratamento da via
em perfil transversal que garanta a passagem segura dos veículos (BACQUIE et. al., 2008).
Exemplificando para uma via com duas pistas por sentido e tráfego médio diário anual
(TMDA) de 25000 veículos, os peões têm de esperar, em média, cerca de 5 minutos para
efectuar o atravessamento. A introdução de uma ilha de refúgio contribui para uma diminuição
deste tempo para 20 segundos, para o qual os peões apenas necessitam de uma folga de 6
segundos para atravessar cada sentido de trânsito (BACQUIE et. al., 2008).
Em suma, a inserção de ilhas de refúgio é recomendada nos locais de atravessamento
de vias largas por elevados fluxos pedonais (sobretudo se a proporção de peões mais
desprotegidos – crianças, idosos e utilizadores de mobilidade reduzida – for significativa), para
volumes de tráfego inferiores a 45000 veículos (BACQUIE et. al., 2008), sendo também
necessário garantir boas condições de visibilidade condutor-peão.
Mais adiante apresenta-se um ábaco com a consideração da introdução de ilhas de
refúgios e os diversos tipos de passagens de peões a desenvolver nos pontos seguintes, em
função dos volumes de veículos e de peões
38
4.2.3. Tipos de passagens de peões
4.2.3.1. Passadeiras tradicionais (Zebra Crossings)
Este é o tipo de passagem de peões mais habitual nas infra-estruturas rodoviárias e
sinaliza-se no pavimento através de listas brancas paralelas à orientação dos passeios que
ligam. Nestes locais, o condutor deve ceder a passagem ao peão (DECRETO-LEI nº44/2005).
O objectivo de implementar passagens de peões demarcadas no pavimento é de
indicar aos peões os locais de atravessamento mais seguros (ZEGEER, 2005). Por isso,
aconselha-se a sua utilização em locais onde os fluxos motorizados e pedonais não sejam
muito elevados.
Para facilitar a utilização das passadeiras por parte dos peões com maiores
dificuldades de mobilidade (cadeiras de rodas, carrinhos de bebé, idosos) é frequente a sua
sobreelevação, possibilitando um alinhamento vertical com o passeio (ZEGEER, 2005).
Complementarmente, esta elevação de cota pode constituir uma medida de Acalmia de
Tráfego, ao obrigar a uma redução da velocidade por parte dos veículos.
Para volumes de tráfego consideráveis com circulação de veículos pesados, de
emergência e/ou transporte colectivo, a sobreelevação total pode conduzir a uma menor
eficiência do serviço prestado (por degradação das velocidades comerciais), danos na
suspensão e desconforto dos passageiros.
Uma alternativa a esta solução é a criação de lombas atecedendo a passadeira, como
medida de Acalmia de Tráfego (ZEGEER, 2005). Define-se lomba como uma elevação no perfil
longitudinal da via e um bom desenho consiste em projectá-la como uma curva sinusoidal ou
forma trapezoidal, e não como um segmento de círculo, forma em crescente desuso (ELVIK et.
al., 2009). Outra alternativa é a criação de “almofadas” (o termo britânico é “speed-cushions”),
como se pode observar na Figura 6, que minimizam os impactos sobre os veículos acima
referidos (de chassis mais largo) e asseguram o mesmo efeito de Acalmia de Tráfego sobre os
restantes veículos.
Figura 6: Exemplo de “speed cushions”. Fonte: http://www.saferoads.com.au/product.php?page_id=rubber-speed-cushions
39
4.2.3.2. Passagens do tipo Pelicano (Pelican Crossings)
Uma passagem de peões do tipo Pelicano (pelican = “pedestrian light controlled”) é um
tipo de passagem de peões controlada por sinalização luminosa em que os veículos se
deparam com um amarelo intermitente que indica a possibilidade de atravessamento de peões,
aos quais devem dar prioridade e avançar apenas avançar se não existirem peões a atravessar
(Figura 7). A opção pelo uso do amarelo intermitente em vez do verde tem como objectivo
reduzir os tempos de espera dos veículos (ELVIK et. al., 2009); estes atrasos podem ainda ser
reduzidos, como se verá no ponto seguinte.
O dimensionamento dos tempos de
cada fase do ciclo do semáforo deve ser função
dos volumes de veículos, peões e da largura da
via (entre outros factores de menor
importância). O tempo dedicado ao amarelo
intermitente varia usualmente entre 6 e 18
segundos (www.findleys.co.uk).
4.2.3.3. Passagens do tipo PUFFIN
As passagens do tipo PUFFIN podem ser vistas como um aperfeiçoamento das
passagens dos sistemas do tipo Pelicano, surgindo após a identificação de algumas
dificuldades associadas ao desempenho das últimas (U. S. Department of Transport, 1999):
Tempos insuficientes dedicados aos peões, considerando os que possuem
maiores dificuldades de locomoção;
Confusão e stress por parte dos condutores associados ao amarelo intermitente;
Atrasos dos veículos devido ao tempo fixo da fase de atravessamento dos peões;
Atrasos nos peões devido aos intervalos fixos entre os ciclos de passagem.
A expressão PUFFIN (Pedestrian User
Friendly and Intelligent) designa, assim, um tipo de
passadeiras onde o período dedicado ao
atravessamento dos peões pode ser modificado
por accionamento manual do sinal verde ou por
meio de sensores que identificam a presença de
um ou mais peões (Figura 8).
Este sistema, quando aplicado em locais já
regulados por sinalização luminosa, permite ajustar
o tempo de verde dos veículos aos fluxos pedonais, proporcionando quer menores atrasos
para os veículos, quer menores tempos de espera para os peões.
Figura 8: Travessia do tipo PUFFIN. Fonte: http://www.tfl.gov.uk/
Figura 7: Travessias do tipo Pelicano. Fonte: http://www.findleys.co.uk/
40
4.2.3.4. Passagens do tipo Tucano (Toucan Crossings)
As passagens do tipo Tucano são similares aos atravessamentos do tipo PUFFIN,
diferindo apenas no facto de serem projectadas pensando nos peões e nos ciclistas em
simultâneo, pelo que, para além dos detectores de aproximação dos veículos e dos peões,
devem incorporar detectores da passagem de bicicletas. A sua concepção ganha importância
na garantia da continuidade de caminhos pedonais (cf. 4.1.3) ou ciclovias partilhadas.
4.2.3.5. Síntese dos diversos tipos de passagens de peões
Na figura seguinte podem observar-se alguns tipos de passagens de peões
aconselhadas em função dos fluxos de peões e veículos (obtidos pela média das 4 horas mais
carregadas), para uma via com dois sentidos. No caso das passadeiras com refúgio central, é
importante considerar também se a largura da via justifica a sua criação (cf. 4.2.2).
Este ábaco não deve ser seguido à risca e serve apenas como instumento de auxílio,
pois a escolha do tipo de passagem de peões está dependente de uma diversidade de factores
aqui não contemplados, como por exemplo o tipo de envolvente urbana, as características e
função da via. A reconversão de determinada passagem de peões pode não decorrer da
estimativa dos fluxos pedonais mas estar, por exemplo, integrada num conjunto de tratamentos
com vista à redução do número de atropelamentos (GOMES, 2004).
Figura 9: Ábaco indicativo do tipo de passagens de peões aconselhadas, em função dos fluxos de veículos e de peões. Fonte: LOBO (2000).
41
4.2.4. Intersecções
A concepção de intersecções em meios urbanos reveste-se de particular
complexidade, na medida em que deve prever-se o alojamento seguro de todos os meios de
transporte intervenientes – rodoviários, bicicletas e peões (Figura 10). O desenho viário deve
prever a actividade pedonal sempre presente (PIARC, 2003).
Optou-se pelo tratamento das intersecções nesta secção pois entende-se que as
questões de segurança associadas aos peões nestes locais se prendem essencialmente com
as características e localização das zonas destinadas ao seu atravessamento.
Figura 10: Exemplo de uma intersecção sinalizada e respectivos fluxos (Barcelona).
A localização ganha particular importância junto a intersecções, onde é conveniente,
por um lado, resguardar os peões dos potenciais conflitos com os automóveis (e por isso
afastar o seu local de atravessamento da intersecção) e, por outro, disponibilizar espaço
suficiente, fora da passagem de peões, para a imobilização de veículos que pretendam entrar
ou abandonar a intersecção, evitando a propagação de filas de espera para a via principal5.
Aconselha-se que esta distância seja determinada, em cada local, com base em
parâmetros como os volumes de peões e de veículos, considerando também as características
da via e a existência de estacionamento (ZEGEER, 2005). A prevenção deste último é
particularmente importante junto às intersecções, pelo que as considerações já tecidas em
4.1.1.1 não devem ser esquecidas.
5 Há aqui um trade-off entre a segurança para o peão e a minimização dos seus percursos, já que a
localização de passagens de peões demasiado afastadas das intersecções contribui para a segurança do peão face a conflitos com o tráfego motorizado, mas pode introduzir grandes desvios no seu percurso e levá-lo a atravessar fora da passadeira (PIARC, 2003; VTI, 2000). Deve, portanto, analisar-se cada caso separadamente.
42
4.2.4.1. Intersecções convencionais e prioritárias
A ausência de sinalização em intersecções convencionais é um aspecto que pode
potenciar conflitos, devido ao facto de se aplicar a regra geral de cedência de passagem
(DECRETO-LEI nº44/2005), que nem sempre é respeitada pelos condutores. Para fluxos
significativos de veículos, optar por uma intersecção convencional pode conduzir a
congestionamento e a atrasos consideráveis para os peões.
As intersecções convencionais são geralmente as que levantam mais problemas, pois
a regulação do tráfego depende do poder de decisão de cada condutor (GOMES, 2004).
Os principais conflitos veículo-peão ocorrem nas viragens à direita e à esquerda.
Nas primeiras, a segurança dos peões e ciclistas que atravessam raramente é
favorecida. A introdução de uma pista reservada de viragem à direita (tornando este movimento
protegido) pode ter efeitos positivos, mas, na medida em que a criação desta pista minimiza a
necessidade de os condutores observarem os veículos que vêm da esquerda (centrando a sua
atenção sobre os peões) e pode favorecer a adopção de velocidades mais elevadas. Deve
assegurar-se, pois, que os elementos de design restrinjam a velocidade, através,
nomeadamente, de estreitamentos da pista e raios de curvatura reduzidos. As pistas
reservadas podem ser complementadas por uma ilha de refúgio que proteja os utilizadores
mais vulneráveis (PIARC, 2003).
As viragens à esquerda são, regra geral, o movimento mais perigoso para os veículos,
pelo número de potenciais conflitos com os quais se deparam (Figura 11), que contribuem para
a degradação da atenção que devem ter sobre os peões. Uma medida eficaz neste movimento,
quando não controlado por sinalização, consiste na criação de um separador central na via
não-prioritária, o que induz claras melhorias, nomeadamente (PIARC, 2003):
Reduzindo a velocidade por introduzir
uma deflexão na trajectória dos veículos e uma quebra
do campo visual;
Permitindo alojar peões, já que
funciona como ilha de refúgio (cf. 4.2.2).
Para fluxos elevados, é por vezes vantajoso
reservar duas ou três pistas de viragem à esquerda, o
que prejudica a segurança dos peões, pois o risco é
tanto maior quanto maiores os atrasos, a largura de
atravessamento e o número de fluxos com que se
deparem (ELVIK et. al., 2009). Por motivos análogos,
Figura 11: Pontos de conflito numa
intersecção de quatro braços. Fonte: U.S. Acess Board (s.d.).
43
as pistas de aceleração e desaceleração não são muito aconselháveis em meios urbanos
(PIARC, 2003), além dos problemas do ordem diversa causados aos ciclistas (Ministerio de
Obras Públicas y Transportes, 1992).
Pelo exposto, pode afirmar-se que as intersecções convencionais são particularmente
adequadas em locais onde o conforto e acessibilidade para o peão se sobrepõem,
indubitavelmente, à mobilidade motorizada: as áreas residenciais (BUCHANAN, 1963).
Como os fluxos de veículos nestas áreas são geralmente reduzidos, pode minimizar-se
o número de intersecções com vias de hierarquia superior, usando vias colectoras – vias de
distribuição local (PIARC, 2003). Apesar das questões relacionadas com o desenho viário
fugirem ao âmbito deste trabalho, é importante, no que respeita à mobilidade motorizada mas
também à segurança do peão, evitar o cruzamento entre vias com níveis hierárquicos
diferentes não consecutivos (Câmara Municipal de Lisboa, 2005).
Uma prática comum em áreas residenciais passa por dotar as intersecções de
elementos de Acalmia de Tráfego tais como mini-rotundas ou plataformas sobreelevadas
(estes aspectos serão aprofundados adiante).
4.2.4.2. Intersecções sinalizadas
Usa-se vulgarmente o termo de “intersecções sinalizadas” para designar as
intersecções controladas por sinalização luminosa. A estratégia subjacente à gestão do tráfego
neste tipo de intersecções é a de separação temporal dos fluxos, imposta pelo sistema de
sinalização luminosa.
Existe uma grande percentagem de atropelamentos em intersecções sinalizadas que
se dão nos movimentos em frente dos veículos, geralmente à entrada da intersecção. Mas
deve frisar-se que em 80% dos casos o peão atravessa com sinal vermelho (PIARC, 2003).
O risco de atropelamento neste tipo de intersecções aumenta com (PIARC, 2003):
Aumento do número de pistas;
Diminuição da distância de visibilidade;
Má manutenção da sinalização;
Aumento da distância entre a passadeira e a intersecção;
Possibilidade de os veículos virarem à direita com sinal amarelo (cf. 4.2.3.2),
sobretudo se as velocidades forem baixas e o volume de peões elevado.
Os movimentos mais perigosos dos veículos que os peões enfrentam nestas
intersecções são (U.S. Acess Board, s. d.):
Movimentos de atravessamento com sinal vermelho (geralmente feitos a
velocidades consideráveis e ilegalmente);
Viragens à direita em verde (legais);
44
Viragens à esquerda em verde (movimento legal, se se tratar de um movimento
protegido ou permitido noutra fase do ciclo de semáforos);
Viragens à direita em vermelho.
A representação destes conflitos pode ser consultada na Figura 11.
Pelos factores e tipos de conflitos expostos conclui-se, tal como anteriormente, que o
atravessamento deve ser realizado na menor distância possível, pelo que o número de pistas
deve ser o estritamente necessário para os volumes de tráfego – dimensionadas para o tráfego
de ponta diário (Transportation Research Board, 2000) – previstos para as vias que confluem
na intersecção.
Na aproximação ao cruzamento, crê-se que as medidas de Acalmia de Tráfego tenham
menos peso, já que a sinalização luminosa assegura a paragem nos períodos destinados aos
movimentos dos peões, acrecendo ao facto de estas medidas serem menos adequadas em
vias de maiores volumes de tráfego, como se verá mais à frente.
4.2.4.3. Rotundas
As rotundas são um caso particular de intersecção que merece um tratamento especial,
quer pelo aumento da capacidade que proporcionam (ELVIK et. al., 2009), quer pelo papel de
segurança que desempenham ao nível da Acalmia de Tráfego e redução da gravidade dos
acidentes entre automóveis (U.S. Acess Board, s. d.). Comparativamente a uma intersecção
convencional de quatro braços, uma rotunda constituída por uma pista central tem menos 75%
de pontos de conflito (Figura 12), verificando-se também uma diminuição do tempo de espera
para os veículos, da vigilância e dos custos de manutenção (ALDUÁN, 2008).
Porém, existe alguma ambiguidade relativamente aos efeitos que a introdução de uma
rotunda tem na circulação dos modos suaves (peões e bicicletas).
Figura 12: Comparação entre o número de conflitos de uma intersecção e de uma rotunda com 4 braços. Fonte: U.S. Acess Board (s.d.).
45
Os atropelamentos situam-se entre os acidentes mais frequentes em rotundas em meio
urbano. Destes, cerca de 1/3 ocorre à entrada da rotunda, 1/3 à saída, onde é comum o uso de
pistas largas e raios elevados que favorecem maiores velocidades (PIARC, 2003), e os
restantes envolvendo peões que tentam atravessar
através da ilha central.
Nota-se o excessivo desvio da trajectória muitas
vezes imposto aos peões, em prol de um atravessamento
em local mais seguro, movimento que muitas vezes não
estão dispostos a fazer, acabando por atravessar em
locais impróprios, com concomitante perda de eficácia
das passadeiras existentes.
Os peões enfrentam conflitos com dois tipos de
veículos (Figura 13): os que entram na rotunda e os que
saem, necessitando de atravessar apenas um sentido de
tráfego de cada vez, devido ao facto de as rotundas
apresentarem, geralmente, ilhas de refúgio em cada um
dos seus braços. Os veículos também têm uma trajectória
mais claramente canalizada, pelo que é mais fácil torná-
los notados (U.S. Acess Board, s. d.).
Estudos sugerem este é o tipo de intersecção mais segura para os peões, mesmo face
a intersecções de sinalização luminosa, pois as velocidades praticadas pelos veículos tendem
a ser menores (VTI, 2000). Em contrapartida, outros afirmam que para elevados volumes de
peões as intersecções sinalizadas revelam-se como mais seguras (PIARC, 2003).
É unânime, contudo, que a inserção do círculo central relativamente aos eixos dos
diferentes braços e a deflexão das pistas de entrada são aspectos que não devem ser
descurados no dimensionamento das rotundas, constituindo-se como instrumentos efectivos na
redução da velocidade dos veículos (U.S. Acess Board, s. d.). Deve evitar-se ao máximo o
atravessamento da ilha central por parte dos peões (PIARC, 2003), pelo que o seu desenho
deve desencorajar esta acção, nomeadamente garantindo a ausência de passeio e, se
necessário, por meio da colocação de barreiras ou pilaretes que impeçam a sua transposição.
O raio das pistas é também um parâmetro que está relacionado, embora
indirectamente, com a segurança dos peões. Os raios devem, por isso, ser elevados o
suficiente para permitirem uma saída fluida do tráfego e minimizar os atrasos dos veículos, mas
ser baixos o suficiente para impedir grandes acelerações à saída, algo que aumentaria o risco
nas passadeiras que aí se encontram (PIARC, 2003).
Mais, as rotundas com apenas uma via são substancialmente mais seguras do que as
de duas ou mais vias (Swedish National Road and Transport Research Institute - VTI, 2000).
Figura 13: Pontos de conflito numa
rotunda. Fonte: U.S. Acess Board (s.d.).
46
Como já se afirmou, uma das questões primárias associadas à segurança dos peões é
a localização das passagens de peões, relativamente à qual também não existe consenso.
Alguns autores aconselham a localização das passagens entre 2 a 5m contados a partir do
início da rotunda (Swedish National Road and Transport Research Institute - VTI, 2000),
enquanto outros apontam como valor mínimo uma distância de 10m (PIARC, 2003).
Na ausência de intervalos de valores concretos que imponham determinados
parâmetros a introduzir (com por exemplo os raios), que dependem do modo, bastante próprio,
com que cada rotunda se configura, deve existir sempre sensatez na escolha destes, traduzida
pela consideração da relação entre mobilidade (dos veículos) e segurança (dos peões).
4.2.5. Síntese
Tabela 2: Síntese das medidas de separação de peões e veículos.
Medidas Caracterização Aspectos positivos
Aspectos negativos
Âmbito de aplicação
Passagens de peões
tradicionais (“zebradas”)
Passagens demarcadas no pavimento através de listas brancas. O condutor deve ceder passagem ao peão.
A marcação horizontal é visível para os condutores e assinala o local mais seguro para atravessar.
Não há separação temporal imposta entre peão e automóvel, o que pode gerar riscos para o primeiro.
Intersecções não sinalizadas. Áreas onde os fluxos pedonais e motorizados não sejam elevados.
Ilhas de refúgio
Incorporadas no separador central da via, têm a função de resguardar o peão e permitir-lhe atravessar em 2 fases.
Reduz os tempos de espera dos peões.
Podem constituir locais de particular risco se não dimensionadas cuidadosamente e complementadas por outros tratamentos.
Vias de elevadas dimensões em perfil transversal, grande número de pistas e/ou elevados volumes de tráfego.
Sobreelevação das
passadeiras
Elevação da cota do pavimento, a toda a largura da via, com a função de moderar a velocidade do tráfego.
Mitigação das velocidades excessivas.
Danos indesejáveis para veículos de chassis mais largo. Prejuízo da mobilidade motorizada.
Vias de níveis hierárquicos inferiores (irradiação local), sem grandes volumes de tráfego.
Passagens do tipo Pelicano
Passagens com amarelo intermitente indicando o atravessamento de peões.
Menores atrasos para os veículos em comparação com as passadeiras tradicionais.
Os condutores podem não ceder passagem aos peões por não se depararem com o sinal vermelho.
Locais de atravessamento de elevasdos volumes de peões significativos (maiores do que em passadeiras tradicionais).
Passagens do tipo PUFFIN
O sinal verde para os peões é activado por meio de sensores ou accionamento manual.
Menores atrasos para os peões em comparação com as Pelicano.
Ausência de uma fase de verde extensa nos casos de concentração de grande número de peões.
Locais de elevados volumes de veículos e/ou grande concentração de peões.
47
Passagens do tipo Tucano
Em tudo similares às PUFFIN, mas são projectadas para peões e ciclistas, nos casos de circulação significativa de bicicletas.
Garantia de continuidade de ciclovias e caminhos pedonais.
Possibilidade de conflito peão/ bicicleta. Ausência de uma fase de verde extensa nos casos de concentração de grande número de peões.
Locais de elevados volumes de veículos e/ou grande concentração de peões.
Intersecções convencionais
Intersecções prioritárias ou sem qualquer sinalização, onde se aplica a regra geral de cedência de passagem.
Existe um maior carácter de coexistência entre os diferentes utilizadores.
Insegurança para os peões se as velocidades e o volume de tráfego forem elevados. O desenho urbano deve contribuir para uma moderação da velocidade.
Vias de posição hierárquica de baixa importância. Zonas residenciais.
Intersecções sinalizadas
Intersecção em que a gestão do tráfego é feita por meio de um sistema de sinalização luminosa.
Os peões apresentam uma trajectória canalizada e um período exclusivo ao seu atravessamento.
Atrasos significativos para os peões.
Confluência de vias com volumes significativos de veículos ou de nível hierárquico superior.
Rotundas
Tipo de intersecção composta por uma ilha central à volta da qual o tráfego circula, dando-se prioridade aos veículos que se encontram no interior da rotunda.
Menos pontos de conflito que as intersecções convencionais. Menores atrasos para os veículos. Aumento da capacidade. Acidentes de menor gravidade.
Aumento do percurso e consequentes atrasos para os peões.
Desadequadas em locais de intensa actividade pedonal, sobretudo se forem de grande dimensão.
48
4.3. Integração de fluxos
A criação de infra-estruturas permanentemente partilhadas por veículos e peões pode
apresentar diversas vantagens, do ponto de vista da maior liberdade e espaço que passam a
ser dedicados ao peão (OGDEN, 1996).
Em qualquer local, é visível a partilha de espaços por diferentes utilizadores,
nomeadamente nos passeios, onde é comum a circulação de bicicletas. É imprescíndivel, por
isso, o recurso a técnicas de gestão do tráfego e desenho viário, a fim de adaptar o
comportamento de cada utilizador aos restantes e ao conjunto de funções e características das
vias urbanas (ALDUÁN, 2008).
Mas a grande maioria dos problemas advém da partilha entre peão e automóvel, quer
pelo facto de o diferencial de velocidades entre estes dois grupos de utilizadores ser maior,
quer pela gravidade dos danos que o peão pode sofrer em caso de acidente. Por esta razão,
dar-se-á maior ênfase às infra-estruturas partilhadas por peão e automóvel, muito embora
também se desenvolvam considerações ocasionais no que respeita à presença de ciclistas.
4.3.1. Soluções de Acalmia de Tráfego
Podem definir-se as soluções de Acalmia de Tráfego (RIBEIRO & SECO, 1999) como
um conjunto de técnicas de transformação física da geometria da via, com o principal objectivo
de reduzir os efeitos negativos decorrentes de circulação automóvel e assim libertar os
utilizadores mais vulneráveis.
A Associação Norte-americana de Engenheiros de Transportes (Institute of
Transportation Engineers), assinala que o propósito do “Traffic Calming” é reduzir a velocidade
e o volume do tráfego a níveis aceitáveis (interpretando como “aceitáveis” os coerentes com a
função da via e a natureza da actividade existente na envolvente). A redução da velocidade e
volume do tráfego são, no entanto, meios para conseguir outros fins tais como a segurança do
mesmo e a vitalidade da rua (Traffic Calming: State of the Practice, 1999).
A maioria das soluções consiste em reformulações ao nível dos alinhamentos
horizontais (estrangulações e “chicanas”, por exemplo) e dos alinhamentos verticais, por meio
da introdução de elementos tais como lombas ou sobreelevações do pavimento (Traffic
Calming: State of the Practice, 1999). Estas tem um efeito directo sobre a velocidade de
circulação, pois induzem o condutor a desenvolver velocidades mais baixas, mas também um
efeito indirecto, actuando psicologicamente sobre as suas atitudes (RIBEIRO & SECO, 1999).
A ideia de moderar o tráfego pode ser interpretada de duas formas distintas (ALDUÁN,
2008): moderação restringida ou parcial e moderação global. A primeira encara a moderação
da circulação como o combate às velocidades excessivas, enquanto a segunda entende que
moderar o tráfego não se deve limitar apenas à actuação sobre a velocidade, mas também
sobre o número de veículos em circulação, entroncando na ideia da “restrição do tráfego”, só
49
conseguida através da implementação conjunta de políticas globais de redução da velocidade,
número de veículos e de fomento do transporte colectivo, pedonal e bicicletas.
As técnicas de desenho viário com a finalidade de moderar o tráfego são, em muitos
casos, instrumentos físicos que procuram o cumprimento das regras de circulação e segurança
rodoviária, pensadas para que a legislação se faça cumprir sem a presença da polícia, mas sim
através da “coerção física do desenho” (ALDUÁN, 2008).
Frisa-se que as medidas de Acalmia de Tráfego constituem imposições físicas da
redução de velocidade e não imposições de limites de velocidade expressos na sinalização
horizontal ou vertical (RIBEIRO & SECO, 1999), pelo que se actua prioritariamente sobre a
velocidade excessiva e não sobre o excesso de velocidade (cf.1.2). Apesar disso, muitas
medidas partem do pressuposto de que existe desrespeito pela utilização exclusiva da
sinalização vertical, isto é, que é comum a prática de excesso de velocidade.
4.3.1.1. Como implementar medidas de acalmia de tráfego?
A experiência internacional das últimas décadas sugere que uma implementação eficaz
de medidas de Acalmia de Tráfego deve obedecer a alguns príncipios, sobretudo quando a sua
prática ultrapassa a mera implementação em zonas residenciais ou vias de acesso local. Por
isso, as seguintes práticas devem ser lembradas (Traffic Calming: State of the Practice, 1999):
Selecção de velocidades de projecto adequadas, tendo em conta os
compromissos subjacentes à acomodação de diferentes modos de transporte e
grupos de utilizadores no mesmo espaço, tendo sempre em vista a minimização
do diferencial de velocidades entre a circulação do tráfego motorizado e não
motorizado (RIBEIRO & SECO, 1999);
Adequar as medidas ao espaço disponível, pois é importante escolher soluções
que não exerçam impactos negativos sobre o desempenho do sistema rodoviário.
É importante compreender se há ou não uma restrição efectiva da circulação de
veículos e em que grau o faz, dependendo do tipo de meio urbano. Por exemplo,
em áreas residenciais a acessibilidade ganha importância sobre a mobilidade;
Favorecer e dar prioridade aos modos suaves, pois a qualidade do ambiente
urbano e o favorecimento da acessibilidade pedonal devem ser dois principais
vectores das medidas de Acalmia de Tráfego;
Providenciar avisos visíveis (e legíveis) na aproximação a áreas abrangidas por
medidas de Acalmia de Tráfego, que não devem passar somente pelas indicações
da sinalização vertical ou horizontal. O mobiliário urbano e restantes elementos
físicos devem também favorecer uma transição visível no ambiente urbano;
Dar ênfase à manutenção e tratamento das infraestruturas, em especial das zonas
laterais das vias, de acordo com as linhas de orientação preconizadas (cf. 3.3).
50
Quando se aplicam sucessivas medidas de
Acalmia de Tráfego no espaço, como por exemplo ao
longo do mesmo arruamento, as distâncias aconselhadas
entre medidas devem ser de 40 a 60m, para que seja
possível obter as reduções de velocidade pretendidas e
manter uma velocidade de circulação constante,
prevenindo acelerações exageradas depois de transposta
cada medida (RIBEIRO & SECO, 1999).
O âmbito de aplicação das medidas de Acalmia
de Tráfego é discutível e varia consoante o tipo de
solução, mas é commumente aceite que são eficazes
quando aplicadas em áreas residenciais e pequenas
localidades (OGDEN, 1996; RIBEIRO & SECO, 1999).
Em seguida apresentam-se algumas soluções
que promovem a compatibilização das condições de
circulação dos vários modos.
4.3.1.2. Alinhamentos
horizontais
As alterações dos alinhamentos horizontais mais
comuns podem dividir-se em dois grandes grupos
(RIBEIRO & SECO, 1999): estrangulamentos e chicanas.
A disposição do mobiliário urbano, iluminação e
arborização, actuar sobre o traçado da via, gerir o
estacionamento e reduzir a largura da faixa de rodagem
ou das pistas são alguns tipos de intervenções que
auxiliam ou complementam os efeitos de alteração dos
alinhamentos horizontais pretendidos (ALDUÁN, 2008).
Os estrangulamentos a partir do centro da via são
os mais frequentes e podem ser aplicados a qualquer via,
desde que assegurem a largura efectiva mínima
necessária à passagem de um veículo: 2,75m. Em vias de
atravessamento de povoações ou outras com funções
igualmente importantes possibilitam, além do papel na redução da velocidade motorizada, a
constituição de ilhas de refúgio (cf. 4.2.2) para um
atravessamento pedonal mais seguro (RIBEIRO & SECO,
1999).
Figura 14: Exemplo da ordenação
em planta de uma área de coexistência de tráfegos do tipo
“woonerf”. Fonte: ALDUÁN, 2008.
51
Os estrangulamentos dos limites laterais da via podem ocorrer num ou nos dois lados
em simultâneo e é possível reduzir os dois sentidos de trânsito para um, levando a que um dos
veículos ceda prioridade aos que se deslocam em sentido contrário. Deve induzir-se uma
redução progressiva da velocidade através de intervenções no alinhamento vertical da via, a
explicitar adiante (RIBEIRO & SECO, 1999). Para larguras superiores a 4,5m, considera-se que
o efeito de redução de velocidade desaparece (ALDUÁN, 2008).
As reduções da largura para apenas uma pista de circulação devem ser aplicadas
apenas quando um dos sentidos tem um fluxo muito reduzido e seja pouco provável o encontro
entre dois veículos circulando em sentidos contrários, reservando-se locais especiais para a
passagem dos mesmos (ALDUÁN, 2008). Estudos aplicados aos “woonerven” holandeses
apontam como conveniente uma largura da faixa de rodagem nestes locais de pelo menos
4,5m (para viabilizar o encontro entre um veículo leve e um pesado), comprimento de 20,0m e
um espaçamento entre duas zonas consecutivas nunca superior a 40,0m (ASVV, 1998).
O espaço excedentário conseguido com os estrangulamentos materializa uma boa
oportunidade para criar espaços adicionais para peões, ciclistas ou arborização, funcionando
particularmente bem em cruzamentos, onde a maior área de passeio melhora o nível de
protecção para o peão (RIBEIRO & SECO, 1999), designadamente fornecendo melhores LOS
nas zonas de circulação e de espera (Transportation Research Board, 2000), aspecto
directamente relacionado com as considerações tecidas em 4.1.1.
Para além das vias de acesso local, este tipo de medidas pode ser aplicado em
atravessamento de zonas residenciais ou pequenas localidades, devendo, neste caso, ter-se
cuidados especiais com a compatibilização entre as dimensões da via – ângulos, curvaturas,
dimensões em perfil transversal – e a velocidade de projecto em causa, o tipo e o volume de
tráfego (RIBEIRO & SECO, 1999).
Os estrangulamentos podem também ter a função de “portões” (solução a desenvolver
adiante), se implantados no ínicio de áreas abrangidas por medidas de moderação da
circulação (ALDUÁN, 2008).
As chicanas ou, no termo britânico, “chicanes” (Traffic Calming: State of the Practice,
1999) são traçados sinuosos de um troço de circulação, e o seu objectivo é introduzir quebras
no alinhamento normal da via e na percepção por parte dos condutores. A criação destes
percursos é conseguida pela colocação de obstáculos ou estreitamentos, geralmente
alternados (ALDUÁN, 2008).
Se forem acompanhadas de supressão de um dos sentido de trânsito, verifica-se a
mesma condição de cedência que no caso dos estrangulamentos. Outra opção é a introdução
de desalinhamentos no eixo viário (RIBEIRO & SECO, 1999).
52
As diversas geometrias que as chicanas assumem variam de país para país e são
resultado de experimentação prolongada. Não obstante, não é aconselhável o uso de linhas
arredondadas mas sim rectas e ângulos pronunciados, para que não sejam percebidas como
ciclovias ou espaços com outras funções; quanto mais curtos forem estes elementos (em perfil
longitudinal) e mais pronunciado for o desvio do alinhamento da via, mais eficaz será o efeito
de redução de velocidade, pois a ruptura da linha de visibilidade é também maior (ALDUÁN,
2008).
A introdução desta solução pode ser combinada com sinalização complementar, um
tratamento adequado dos limites laterais da via e das caixas de vegetação, bem como com a
criação de franjas de estacionamento colocadas de forma alternada dos dois lados do
arruamento.
Mostra-se que existe uma clara correlação entre a largura da via e a velocidade (cuja
redução aparece claramente para larguras inferiores a 3,0m), no caso de não implementação
de outras medidas de Acalmia de Tráfego. Em todo o caso, a magnitude da redução da
velocidade parece depender mais do aspecto geral da via e da envolvente do que da largura
(ALDUÁN, 2008).
4.3.1.3. Alinhamentos verticais
A finalidade de intervir no alinhamento vertical da via é levar os condutores a reduzirem
a velocidade, sob pena de causarem danos nos seus próprios veículos, pelo que é conveniente
proceder a uma avaliação do tipo de tráfego que circula nas vias a intervir. Se existir circulação
de veículos pesados (autocarros, por exemplo), as medidas a adoptar devem levar esta
particularidade em conta.
Da mesma forma, em vias com velocidades de circulação mais elevadas (vias de
atravessamento de povoações, distribuidoras locais, com velocidades próximas dos 50Km/h)
as medidas que implicam uma maior sobreelevação do pavimento devem ser descartadas
(RIBEIRO & SECO, 1999).
Como tipos de soluções mais praticadas, nomeiam-se as lombas, os pré-avisos, as
plataformas sobreelevadas e as vias ao mesmo nível dos passeios.
A configuração adequada de uma lomba depende da velocidade de projecto em causa,
mas pode afirmar-se que a forma mais vulgarizada é sinusoidal, com 10 a 12cm de altura e
inclinação de rampa de 1:8 ou 1:10 no caso de vias de acesso local ou distribuidoras locais de
menor importância. O perfil óptimo é aquele que induz a maior percentagem possível de
veículos a reduzirem a velocidade, sem danos para os mesmos (RIBEIRO & SECO, 1999).
A implementação de lombas surge muitas vezes em combinação com
estrangulamentos. As lombas mais altas e prolongadas ao longo da via (plataformas
sobreelevadas) devem ser maioritariamente aplicadas em zonas residenciais e centrais (se a
53
intensidade e o tipo de tráfego forem compatíveis), e ainda em vias de acesso local (RIBEIRO
& SECO, 1999). Tal como para a generalidade das medidas de Acalmia de Tráfego, considera-
se que a zona de influência de uma lomba é de 40 a 60 metros (cf. 4.3.1.1), pelo que se
aconselha a sua colocação com um espaçamento de 50m (salvaguardando a conveniência que
muitas vezes existe em aproximá-las de intersecções, acessos a equipamentos ou outros
pontos críticos), se efectivamente se pretende manter um regime de velocidades constantes
em itinerários prolongados (ALDUÁN, 2008).
As “almofadas” são um tipo particular de lombas e já foram definidas no ponto 4.2.3.1.
A sua configuração varia com os autores e as dimensões situam-se na casa dos 2m de largura,
3 a 4m de comprimento (em perfil longitudinal) e 5 a 8cm de espessura máxima (ALDUÁN,
2008).
Os pré-avisos (RIBEIRO & SECO, 1999) consistem na repetição de bandas redutoras
de velocidade (as mais agressivas podem atingir alturas de cerca de 30mm), com
espaçamento e altura variáveis, que produzem vibração à passagem dos veículos. A sua
função é alertar os condutores para a possibilidade de terem de alterar o seu comportamento
(GOMES, 2004). Aconselha-se o complemento desta solução com elementos semióticos
integrados na paisagem urbana, tais como vegetação, iluminação ou diferenciação na cor e
textura do pavimento (ALDUÁN, 2008).
Autores em diversos países consideram que a implementação desta solução não
produz grandes resultados, pois a redução de velocidade desejada só acontece num curto
período após a sua implementação (ALDUÁN, 2008). Indubitavelmente, aconselha-se o uso de
pré-avisos do tipo “bandas cromáticas” (RIBEIRO & SECO, 1999), que têm um papel mais
indicativo (de aproximação a uma zona vinculada a uma política de integração de fluxos) e
podem implementar-se conjuntamente com outra sinalização e medidas de moderação de
velocidade, sendo a eficácia maior nestas situações, já que, isoladas, não contribuem
directamente para a segurança do peão.
Existem ainda bandas de mudança de textura, que têm também como finalidade
advertir o condutor da conveniência em reduzir a velocidade na aproximação a zonas
abrangidas por medidas redutoras da velocidade, sendo visivelmente eficazes nesse propósito,
com reduções na ordem dos 10% (ALDUÁN, 2008).
As plataformas sobreelevadas (RIBEIRO & SECO, 1999), como se disse
anteriormente, não são mais do que prolongamentos longitudinais de lombas, geralmente
excedendo os 9m, mas a desejada redução de velocidade resume-se apenas às zonas inicial e
final, devido à sua considerável extensão, que permite aos veículos acelerarem ao percorrê-la.
Têm, ainda, o papel de demarcar locais de circulação condicionada ou abrangidos por medidas
de Acalmia de Tráfego (têm um papel semelhante aos “portões”, como se verá adiante) e
conferir-lhes uma identidade diferente das redondezas, a fim de os utilizadores percepcionarem
54
uma realidade de partilha de espaços diferente, como por exemplo um cruzamento onde se
circule a baixas velocidades ou um local de prioridade de peões.
A sua implantação é assim comum em intersecções entre arruamentos da rede viária
secundária, com elevações da cota da rasante que podem ir até 10 ou 12cm. Aconselha-se um
gradiente da rampa de acesso com valores situados entre os 10 e os 15% em vias de acesso
local e 5% para vias de atravessamento de bairros ou distribuidoras secundárias (ALDUÁN,
2008).
A sobreelevação da calçada é propensa ao estacionamento ilegal sobre os passeios, o
que pode ser resolvido com a colocação de pilaretes ou barreiras de protecção (cf. 4.1.2), que
muitas vezes têm também um papel de protecção do peão (ALDUÁN, 2008). Para não se
retirar espaço à circulação pedonal, a colocação destes elementos pode ser feita junto ao lancil
mas fora do passeio.
As vias ao mesmo nível do passeio ou a supressão dos passeios em determinado
arruamento ou área têm também um papel de reforço da partilha de espaços (RIBEIRO &
SECO, 1999). Esta solução é, aliás, um dos traços de identidade de uma abordagem muito
particular no contexto da Acalmia de Tráfego, como se verá adiante.
4.3.1.4. Zonas 30
As Zonas 30, também designadas por “Tempo 30” na Alemanha ou “20-mph” na Grã-
Bretanha (Traffic Calming: State of the Practice, 1999) são áreas onde se impõe uma
velocidade máxima permitida de 30Km/h.
Historicamente, esta solução integrou as linhas
de orientação já postuladas aquando do desenvolvimento
dos projectos de coexistência de tráfego, criação de
áreas ambientais e limitação das velocidades e acaba por
se revelar como uma opção mais extensa, flexível e
menos onerosa que os tratamentos associados a esses
projectos (ALDUÁN, 2008).
Deve, contudo, proceder-se a um tratamento dos
limites destas áreas, aspecto determinante para os
condutores adaptarem o comportamento uma vez dentro
das Zonas 30, o que pode ser conseguido através de
uma diferenciação na cor ou textura do pavimento,
sinalização horizontal (Figura 15) ou vertical bem visível,
alterações do alinhamento vertical da via, uso de
“portões” (a explicitar adiante) ou combinações entre
estas opções.
Figura 15: Marcação horizontal
assinalando o início de uma Zona 30 (Barcelona, Espanha).
55
4.3.1.5. Intersecções
Tal como para as restantes intersecções, as medidas de Acalmia de Tráfego aplicadas
a intersecções subjacentes a uma integração de fluxos devem contribuir para uma boa
visibilidade entre os diversos utilizadores e focar-se na redução da velocidade do tráfego
motorizado na aproximação ao cruzamento.
Em muitas ocasiões, é sacrificada a continuidade das trajectórias pedonais e a
permeabilidade dos espaços em benefício de incrementos na capacidade de absorver veículos
(ALDUÁN, 2008). Nestas intersecções, em especial as situadas em “áreas ambientais” (cf.
3.2.1), as soluções devem favorecer o peão, nomeadamente através da redução da velocidade
automóvel, dos tempos de espera dos peões e das trajectórias que estes são obrigados a fazer
para atravessar.
Para uma redução efectiva da velocidade de circulação, pode actuar-se de quatro
formas distintas, passíveis de serem combinadas (ALDUÁN, 2008):
Dimensionamento ajustado do espaço de circulação;
Desvio das trajectórias dos veículos;
Elevação da rasante numa franja ou na totalidade da intersecção;
Alteração da textura e cor do pavimento.
Considerando a hierarquização viária, a transição de vias de um nível hierárquico
superior para as de um nível inferior deve ser efectuada de uma forma suave, sendo as
medidas gradualmente mais restritivas à medida que se desce no nível hierárquico (RIBEIRO &
SECO, 1999).
Em intersecções de menor importância (tipicamente as que se dão em zonas
residenciais ou vias de níveis hierárquicos mais baixos – acesso local), a ausência de
sinalização pode ser vantajosa, já que a aplicação da regra geral de prioridade – prioridade à
direita (DECRETO-LEI nº44/2005) – induz uma diminuição da velocidade e aumento de
atenção por parte dos condutores (PIARC, 2003). Esta ausência de sinalização não é um
aspecto consensual e será aprofundado adiante.
A área da intersecção ou troços de aproximação podem ser sujeitos a tratamentos de
reperfilamento transversal e/ou vertical (Figura 16), como forma de consumar a intenção em
moderer a velocidade.
Assim, a introdução de desvios da trajectória em cruzamentos convencionais pode ser
uma linha de actuação importante. Implementar “orelhas” (cf. 4.1.1.1) nos passeios de cantos
opostos da intersecção ou chicanas na aproximação à mesma são algumas opções possíveis
que ajudam a gerar estes desvios e consequente redução da velocidade.
56
Como foi referido, a implementação de plataformas sobreelevadas tem particular relevo
em intersecções subjacentes a uma integração de fluxos, existindo uma grande variedade de
configurações possíveis. Aconselha-se a leitura de ALDUÁN (2008) para uma consulta mais
aprofundada de algumas tipologias, nas quais se combinam intervenções sobre os
alinhamentos verticais e horizontais. Refere-se, porém, que se deve ter particular cuidado com
a introdução destas medidas, visando evitar situações confusas relativamente às regras de
prioridade, já que os limites e configuração convencionais do cruzamento desaparecem
(RIBEIRO & SECO, 1999).
Figura 16: Intersecção sobreelevada numa Zona 30 (Manchester, Inglaterra). Fonte: Traffic Calming:
State of the Practice (1999).
Relativamente à implementação de rotundas, as intersecções em áreas residenciais,
ao envolverem vias distribuidoras locais ou de acesso local, que geralmente canalizam baixos
fluxos de veículos, permitem uma configuração favorável ao peão, que é a de rotundas de anel
constituído por apenas uma pista (cf. 4.2.4.3).
Adicionalmente às vantagens proporcionadas pelas rotundas já apresentadas no ponto
4.2.4.3, estas podem assumir ainda um papel semelhante aos “portões”, uma vez que é
possível assinalarem um local de transição no ambiente rodoviário, acompanhado por uma
necessária mudança do regime de circulação e dos comportamentos (ALDUÁN, 2008).
Estudos mostram que, para se conseguir uma redução efectiva da velocidade dos
veículos, o raio da rotunda deve situar-se entre 10 e 20m (VTI, 2000), o que raramente é
possível em arruamentos de irradiação local, geralmente de perfis transversais reduzidos.
Salienta-se, contudo, que a problemática das velocidades excessivas nas intersecções
não é tão grave em rotundas, uma vez que os condutores não sentem necessidade de
compensar o tempo perdido neste movimento e por isso as velocidades praticadas raramente
são desadequadas no seu interior (PIARC, 2003).
Quanto menor for a dimensão da rotunda, mais próximos se encontram os braços, o
que leva os condutores que tentam entrar na rotunda a direccionarem a sua atenção para os
57
restantes veículos que nela circulam (de forma a poderem reagir rápido se encontrarem folgas
para entrar). Esta situação levanta problemas aos peões à entrada da rotunda, pois correm o
risco de não serem vistos (PIARC, 2003). Mais uma vez, um tratamento adequado da
geometria da via nos braços que confluem na rotunda pode constribuir para a desejada
redução da velocidade.
A concepção de mini-rotundas (Figura 17) tem vindo a vulgarizar-se nos últimos anos,
mas a plena eficácia da sua implementação só é atingida (só funcionam efectivamente como
medidas de Acalmia de Tráfego) quando se trata da intersecção entre vias de níveis
hierárquicos inferiores e zonas residenciais, onde contribuem para a manutenção de
velocidades de circulação reduzidas (RIBEIRO & SECO, 1999; GOMES, 2004).
Figura 17: Exemplo de uma mini-rotunda (Beja).
No Reino Unido considera-se como mini-rotunda uma rotunda com uma ilha central de
raio inferior a 4m. A sua implementação é aconselhável, por exemplo, no acesso a “Zonas 30”
ou vias em que a velocidade de aproximação não possa ser elevada. Nestes locais,
recomenda-se uma altura mínima da ilha central de 12cm, com uma mudança de cor e textura
do pavimento adequadas, e largura das vias de acesso nunca superior a 6,5m (ALDUÁN,
2008).
A definição da configuração e dimensões de uma mini-rotunda depende, na prática,
das especificidades de cada local, devendo garantir-se, todavia, que a redução de velocidade
desejada é assegurada, com passagem segura dos rodados dos veículos pesados e
atravessamento seguro de qualquer peão (RIBEIRO & SECO, 1999). Também aqui é
aconselhável um tratamento complementar com recurso a desalinhamentos horizontais e/ou
verticais.
4.3.1.6. Soluções complementares
Existem outros tipos de medidas de Acalmia de Tráfego que podem ser usadas
conjuntamente com as já apresentadas, visando consumar estratégias de controlo da
velocidade de circulação motorizada ou de integração de fluxos.
58
Entre estas figuram os “portões” (RIBEIRO & SECO, 1999), que são combinações de
mobiliário urbano, sinalização, vegetação ou outros elementos com a função de indicar a
entrada em zonas condicionadas por medidas de Acalmia de Tráfego, bairros ou “áreas
ambientais”. Estas soluções podem também ter a função de assinalar uma mudança de
hierarquia na rede viária não devendo, neste caso, ser tão restritivas; podem ser compostas
por “pré-avisos” ou “bandas cromáticas” (elementos que antecipam uma transição no ambiente
rodoviário).
Um exemplo muito praticado no Reino Unido consiste no uso de “dentes de dragão”
(GOMES, 2004), que consitem em triângulos marcados no pavimento, de dimensão crescente
e dispostos lateralmente à via que criam a ilusão de estreitamento, ou seja, de entrada numa
zona em que uma redução da velocidade de circulação é necessária.
Acrescenta-se uma grande diversidade de intervenções possíveis como instrumentos
úteis na chamada de atenção dos condutores sobre um novo território que se inicia no local de
implementação do “portão” e consequente necessidade de adaptação dos comportamentos.
Assim, árvores, canteiros, bancos e postes de iluminação (entre outros elementos) podem
constituir uma “porta semiótica”, mas o seu efeito psicológico só se traduzirá em
comportamento se combinado com outras medidas de desenho viário (ALDUÁN, 2008).
Os sistemas semafóricos, apesar de não estarem usualmente aliados a uma estratégia
de integração de fluxos, podem ser usados como solução de Acalmia de Tráfego. Observa-se
que a introdução destes sistemas contribui para uma redução eficaz da velocidade de
circulação, podendo incorporar sinais exclusivamente dedicados aos peões, como se expôs ao
longo do ponto 4.2.3 (GOMES, 2004). Além disso, ao permitirem limitar as velocidades dos
veículos em vias de hierarquia superior (onde geralmente vigoram estratégias de segregação
ou separação de fluxos), acabam por promover a segurança do peão nas zonas de
atravessamento do local e nas vias de acesso local adjacentes, uma vez que passa a praticar-
se uma transição mais suave nas velocidades de circulação das primeiras para as segundas
(RIBEIRO & SECO, 1999).
O uso de sistemas semafóricos como medida de Acalmia de Tráfego não é, contudo,
aconselhável em distribuidoras locais, onde os volumes de tráfego (não muito elevadas) e as
velocidades sugerem outro tipo de soluções (o uso de portões pode ser uma boa alternativa).
Por outro lado, em vias colectoras (distribuidoras principais) deve dar-se prioridade à
mobilidade e à fluidez do tráfego, dados os elevados volumes de veículos e velocidades
praticadas, que conduzem em muitos casos à necessidade de criar passagens desniveladas
para o atravessamento, como se expôs nos pontos 4.1.5 e 4.1.6 (RIBEIRO & SECO, 1999).
Tanto os “portões” como os sistemas semaforizados podem ser eficazes na redução
local da velocidade, mas o mesmo já não acontece nos espaços posteriores e junto às
passagens de peões das proximidades, pois os condutores têm tendência para voltar a
aumentar as suas velocidades de circulação (RIBEIRO & SECO, 1999). Por esta razão
59
aconselha-se, mais uma vez, o uso destas medidas como uma actuação complementar e não
exclusiva.
Nas “áreas ambientais” (cf. 3.2.1), a criação de espaços adequados à locomoção dos
utilizadores de mobilidade reduzida e peões mais vulneráveis ganha maior importância e deve
ter repercussões no tipo e colocação do mobiliário urbano. O dimensionamento e protecção
das áreas de circulação (em particular o pavimento, vegetação, sinalização e iluminação)
devem reforçar a ideia de que se trata de espaços onde o peão “tem prioridade” (RIBEIRO &
SECO, 1999).
Em termos de gestão do tráfego, existem soluções que, em si, não são consideradas
como medidas de Acalmia de Tráfego mas no que respeita aos efeitos que produzem, podem
observar-se resultados bastante positivos ao nível do combate ao tráfego de atravessamento,
encorajamento ao uso dos modos suaves e valorização ambiental (RIBEIRO & SECO, 1999). É
o caso dos impasses ou “cul-de-sac” (ABREU E SILVA, 1998), limitação ou fecho total do
trânsito automóvel em determinadas ruas e criação de percursos sinuosos em zonas
ambientais.
Em particular, a gestão do estacionamento (cf. 3.3.4) é um aspecto essencial, já que:
Tratando-se de espaços partilhados por todos os utilizadores, a visibilidade entre
eles deve ser assegurada em qualquer circunstância e não ocultada pelos
veículos estacionados;
Deve assegurar-se o acesso cómodo e seguro às propriedades;
Esta gestão pode ser aproveitada como complemento às medidas de Acalmia de
Tráfego. O estacionamento alternado dos dois lados da via pode proporcionar um
“efeito chicana” eficaz (RIBEIRO & SECO, 1999), como se apontou em 4.3.1.2.
4.3.2. Relações com capacidade ambiental
Recorda-se que a capacidade ambiental de uma via urbana pode ser vista como uma
medida da qualidade do ambiente urbano em determinado arruamento, ou seja, um valor
máximo admissível para o tráfego que a atravesse e que continue a garantir bons padrões
ambientais e de segurança para o peão nesse arruamento (cf. 2.3).
Ora, tendo-se apresentado o conceito de “área ambiental” (cf. 3.2.1), o
desenvolvimento de boas metodologias associadas à estimativa da capacidade ambiental de
um arruamento pode constituir um instrumento importante de criação e manutenção de “áreas
ambientais”, estruturadas por vias passíveis de serem objecto dessas metodologias.
No seu estudo Buchanan estabeleceu, aliás, uma relação directa entre “áreas
ambientais” e capacidade ambiental. Não tendo desenvolvido soluções claras de coexistência
de tráfego, limitação da velocidade ou criação e manutenção dessas áreas (essas técnicas e
suas descendentes, como as “Zonas 30”, combate ao tráfego de atravessamento e outras
60
medidas de Acalmia de Tráfego, só viriam a lograr a partir da década de 70), manifestou já
claras preocupações com a deterioração da vivência urbana decorrente do uso massivo e
desregrado do automóvel e apresentou algumas linhas orientadoras de um desenho obstrutivo
ao tráfego veloz (ALDUÁN, 2008).
Dependendo a capacidade ambiental de uma série de factores, alguns dos quais já
enumerados em 2.3.1, é possível manipular esses factores para se cumprirem os padrões
ambientais desejados. Actuar sobre os alinhamentos horizontais e verticais da via, por
exemplo, leva a uma redução da velocidade dos veículos, o que contribui, por seu lado, para
uma diminuição dos riscos para o peão.
As medidas de combate ao tráfego de atravessamento, brevemente descritas no ponto
anterior, também contribuem para a diminuição do número de veículos que circulam sem
origem ou destino pertencentes à “área ambiental”. Mitigam-se, assim, os problemas derivados
deste tipo de tráfego e contribui-se para o respeito pelos padrões de qualidade ambiental
pretendidos.
Note-se que a capacidade ambiental não é um fim em si mesmo, mas um meio para
garantir uma vivência de qualidade para o peão em algumas áreas urbanas, designadamente
nas ambicionadas “áreas ambientais”. Salienta-se também que a redução do número de
veículos nestes locais se deve fazer acompanhar de uma amortização da velocidade de
circulação, pois esta é um factor da capacidade ambiental (ALDUÁN, 2008).
4.3.3. A abordagem de Hans Monderman
Hans Monderman (1945-2008) foi um engenheiro de tráfego holandês que desenvolveu
um conceito de intervenção revolucionário no contexto da Engenharia de Tráfego e na forma
de pensar o espaço urbano. Tendo desenvolvido o seu trabalho quase em exclusivo na
Holanda, Monderman foi promovido a investigador na área da Segurança Rodoviária em 1982,
na cidade de Oudehaske, começando desde logo as suas pesquisas no âmbito no “Espaço
Partilhado” (“Shared Spaces”).
A principal filosofia subjacente à sua abordagem foi a de remover quase por completo
os sinais rodoviários e marcações horizontais na via, incluindo os passeios e respectivos lancis,
com o propósito de atribuir maior poder de arbitrariedade aos utilizadores, que se vêem
induzidos a “negociar” as prioridades que têm uns sobre os outros. Esta negociação é um
produto da coexistência de diferentes tipos de utilizadores no mesmo espaço e é expectável
que aconteça gradualmente, após a reconversão do espaço.
Estas reflexões mostram como a supressão de prioridades especiais e concomitante
aplicação da “regra da direita” (DECRETO-LEI nº44/2005) pode ser útil. Nas Figuras 18 e 19
pode observar-se uma intersecção na cidade holandesa de Drachten, antes e depois de
intervenção de Monderman, respectivamente.
61
A difusão desta abordagem pelos meios de comunicação levou à adopção do nome
mediático de “naked streets” (ruas despidas) para identificar posteriores experiências
realizadas noutros países. “Shared spaces” é, contudo, talvez a melhor denominação, já que as
reflexões feitas em torno da coexistência de tráfego estão bem patentes e são centrais a esta
abordagem (ALDUÁN, 2008).
Figura 18: Intersecção na cidade holandesa de Drachten, antes da implementação das práticas de Hans Monderman. Fonte: www.streetsblog.org
Figura 19: Intersecção na cidade holandesa de Drachten, após a implementação das práticas de Hans Monderman. Fonte: www.streetsblog.org
62
4.3.3.1. Impactos na Engenharia de Tráfego Rodoviário
A aplicação das práticas relativas ao “Espaço Partilhado” acarreta uma variedade de
aspectos positivos, mas também tem implicações negativas que não devem ser esquecidas.
Assim, apontam-se as seguintes vantagens:
Todos os utilizadores do sistema são igualmente respeitados. No projecto das vias
e sua envolvente devem, pois, conciliar-se os parâmetros respeitantes a cada um
dos tipos de utilizador ou os parâmetros mais condicionantes, em cada caso;
Aumento da atenção dos condutores dos automóveis sobre os peões
proporcionada pela ausência de sinalização;
Aumento da área partilhada, com consequente aumento do espaço usufruído por
peões e restantes modos suaves;
O diferencial de velocidades entre peão e automóvel diminui, uma vez que os
condutores têm, permanentemente, que escolher cuidadosamente a velocidade a
que circulam (a velocidade deixa de ser imposta pela Engenharia de Tráfego, esse
poder de decisão é transferido para o condutor);
De uma forma geral, a gravidade dos acidentes (e atropelamentos) diminui.
Como desvantagens, verifica-se que:
A mobilidade motorizada diminui, devido à necessidade de conduzir com maior
precaução e à coexistência de diferentes utilizadores no mesmo espaço;
A probabilidade de ocorrência de conflitos entre os diferentes modos aumenta,
com consequente aumento do risco para o peão, se a infra-estrutura e o
comportamento dos condutores não acautelarem essa possibilidade;
Deposita-se demasiado poder de decisão nos utilizadores, que, por seu lado,
agem de acordo com factores que variam de indivíduo para indivíduo;
Dificuldades de incorporação deste conceito no sistema legal. Teria de se
proceder a uma reformulação do Código da Estrada, visando incorporar um
conjunto de novas situações. O próprio ensino da condução deveria considerar a
adaptação do comportamento dos diferentes condutores ao local em que circulam
e, em particular, a esta nova realidade;
Abordagem bastante revolucionária, que levanta dificuldades de adaptação por
parte das populações;
Perda de eficácia quando se passa para áreas mais abrangentes. Em vias de
hierarquia superior, onde a mobilidade e fluidez do tráfego são aspectos
essenciais, esta abordagem pode ser inadequada.
Em suma, conclui-se que a abordagem de Hans Monderman tem interesse do ponto de
vista da exploração do poder sugestivo que o ambiente rodoviário e respectiva sinalização (ou,
neste caso, a ausência dela) exercem sobre os condutores, levando-os a moderar o seu
comportamento e as velocidades que praticam.
63
4.3.4. Síntese
Tabela 3: Síntese das medidas de integração de peões e veículos.
Medidas Caracterização Aspectos positivos
Aspectos negativos Âmbito de aplicação
Estrangula-mentos
Redução da largura da via a partir dos limites laterais ou do centro, com o objectivo de introduzir quebras no comportamento do condutor. Podem adoptar-se estreitamentos de 2 sentidos para 1.
Moderação da velocidade de circulação e mitigação de velocidades excessivas. Diminuição do diferencial de velocidades entre veículo e peão. Libertação dos espaços para o peão. Diminuição de outros impactos negativos decorrentes da circulação automóvel.
Quebra na fluidez no caso da circulação de grandes volumes de tráfego. Dificuldades no cruzamento de veículos, se houver redução para 1 sentido; devem reservar-se locais para este efeito.
Vias de distribuição e acesso locais. Vias de atravessa-mento de pequenas localidades. Áreas residenciais.
Chicanas
Traçados sinuosos de um troço de circulação, com o objectivo de introduzir quebras no comportamento dos condutores.
Quebra na fluidez no caso da circulação de grandes volumes de tráfego.
Lombas Elevação ligeira do perfil da via, em toda a sua largura. Forma sinusoidal.
Prejudica a circulação de pesados, transporte colectivo e veículos de emergência.
“Almofadas” (speed
cushions)
Elevação ligeira do perfil da calçada na sua zona central, para reduzir apenas a velocidade dos veículos com largura de eixos inferior à da almofada.
Não reduzem a velocidade de motociclos e ciclomotores, pesados e restantes veículos de chassis mais largo.
Idêntico ao das lombas, mas com circulação de pesados e transporte colectivo.
Pré-avisos
Repetição de bandas redutoras da velocidade, com espaçamento e altura variáveis.
Ruído e vibração à passagem dos veículos.
Vias de distribuição e acesso locais. Atravessa-mento de pequenas localidades. Áreas residenciais.
Plataformas sobreeleva-
das
Elevação ligeira do perfil transversal da calçada, ao longo de um tramo considerável da via
Quebra na fluidez no caso de circulação de grandes volumes de tráfego.
Zonas 30 Áreas onde se impõe uma velocidade máxima permitida de 30Km/h.
Solução extensa e flexível.
Soluções apenas complementares. Necessitam de tratamentos de Acalmia de Tráfego complementares ao nível do desenho urbano.
Áreas residenciais. Áreas onde o elemento central seja o peão.
Portões
Combinações de mobiliário urbano, vegetação ou outros elementos com o objectivo de indicar a entrada em áreas/vias abrangidas por medidas de Acalmia de Tráfego.
Solução bastante abrangente. Redução local da velocidade.
O “Espaço Partilhado”
de Hans Monderman
Partilha total do espaço pelos diferentes utilizadores (peões, bicicletas e tráfego motorizado). O objectivo é atenuar os diferenciais de velocidades e dar prioridade aos utentes mais desprotegidos.
Todos os utilizadores são igualmente respeitados. Aumento da área usufruída pelo peão. De uma forma geral, menor gravidade dos acidentes.
A mobilidade motorizada diminui, Mais conflitos entre os diferentes modos. Deposita-se demasiado poder de decisão nos utilizadores. Difícil incorporação no sistema legal. Difícil adaptação.
Áreas residenciais. Pequenas localidades.
65
5. Beja: um caso de estudo
5.1. Objecto de estudo
Como suporte às medidas de segurança apresentadas mostrar-se-ão, ao longo deste
capítulo, exemplos de acidentes envolvendo peões na cidade de Beja.
A análise centra-se num conjunto de 47 atropelamentos, ocorridos entre Janeiro de
2007 e Junho de 2009, cuja localização se distribui de forma mais ou menos homogénea pela
cidade, com alguma concentração no centro histórico.
Esta distribuição pode ser observada na Figura 20.
Figura 20: Distribuição dos atropelamentos na cidade de Beja. Fonte: Adaptado de Google Maps (www.maps.google.com)
66
Com base na divisão zonal assinalada na figura, contabilizaram-se os atropelamentos
que tomaram lugar em cada zona, como se apresenta na Tabela 4. Note-se que o centro
histórico é a zona que abrange o maior número de atropelamentos, quer em termos absolutos,
quer proporcionalmente à área.
Tabela 4: Número de atropelamentos registados em Beja, por zonas.
Zona Simbologia Nº atropelamentos
Centro histórico 23
Zona urbana consolidada 18
Periferia 6
Antes de detalhar a análise dos atropelamentos, importa salientar os seus baixos
índices de gravidade, bem como a inexistência de pontos negros (cf. 1.2) na cidade. O
segundo facto pode ser explicado pelas menores velocidades de circulação praticadas no
interior do aglomerado urbano. Em seguida proceder-se-á a uma breve caracterização da
cidade, como ponto de partida para o tratamento dos dados recolhidos.
5.2. Metodologia
Como primeira abordagem ao caso de estudo, será feita uma apresentação dos
principais aspectos socio-económicos, urbanos, funcionais e da rede viária que caracterizam a
cidade.
Na segunda fase do processo metodológico, proceder-se-á a uma análise exploratória
multivariada dos dados recolhidos, baseada numa Análise Factorial (Componentes Principais)
e numa Análise de Clusters, esperando que os respectivos modelos sugiram os factores com
maior poder explicativo sobre a ocorrência dos acidentes. Para este efeito recorreu-se ao
software “Statistical Package for the Social Sciences” (SPSS).
Findando o processo, serão tipificados alguns atropelamentos, com base nas análises
feitas anteriormente, em termos das causas que os unem e traços comuns nos respectivos
ambientes rodoviários, desenvolvendo-se propostas de intervenção consentâneas com as
considerações tecidas ao longo da parte teórica deste documento. Aqui estarão já excluídos os
acidentes que sugiram intervenções que fogem ao âmbito deste trabalho, o de actuar sobre a
infra-estrutura rodoviária.
5.2.1. Recolha dos dados
O processo de recolha dos dados teve como base as seguintes fontes:
Plano de Mobilidade Sustentável de Beja (ABREU E SILVA et. al., 2008);
67
Dados do Instituto Nacional de Estatística relativos aos Censos de 2001 (a maioria
com actualizações mais recentes);
Fichas dos atropelamentos pertencentes à Direccção Geral de Viação (DGV) e
preenchidas pela Polícia de Segurança Pública (PSP);
Croquis dos acidentes elaborados pela PSP (esquemas gráficos que dão algumas
noções das circunstâncias em que o atropelamento aconteceu);
Visitas de campo, com respectiva verificação dos locais e registo fotográfico.
A necessidade de sistematizar a informação recolhida levou à elaboração de fichas-
síntese para cada atropelamento, onde se registaram os seguintes dados:
Identificação do acidente: localização, data e hora
Características dos intervenientes:
Veículo – tipo de veículo, velocidade de circulação, trajectória antes do embate,
possíveis infracções em que o condutor tenha incorrido;
Peão – número de peões afectados, faixa etária, gravidade do atropelamento,
possíveis infracções;
Envolvente urbana: densidade de edifícios e zona da cidade (centro histórico,
zona urbana consolidada ou periferia);
Descrição do ambiente rodoviário:
Estimativa do volume de veículos;
Estimativa do volume de peões (menos exacto do que o volume de veículos6);
Características da superfície do pavimento;
Características da via;
Largura da berma ou dos passeios;
Existência de estacionamento;
Mobiliário urbano relevante, descrição da sinalização.
Espera-se que a sistematização destes factores contribua para a compleição do
diagnóstico de cada atropelamento (ou grupo de atropelamentos, se a semelhança das
circunstâncias e dos ambientes permitir tal agrupamento) e subsequentes propostas de
intervenção. O Anexo I apresenta o exemplo de uma ficha-síntese cujos dados, para cada
atropelamento, se appresentam no Anexo II.
5.3. Caracterização da cidade
5.3.1. Caracterização socio-económica
O concelho de Beja tem uma população de 34193 habitantes, 21658 dos quais habitam
na cidade7. Nas últimas décadas tem-se verificado um crescimento da população da cidade,
que, apesar disso, tem vindo a desacelerar desde 1991 (ABREU E SILVA et. al., 2008).
6 De acordo com o expresso no Plano de Mobilidade Sustentável de Beja (2008).
68
Em termos de distribuição etária, a pirâmide da Figura 21 é representativa da situação
da cidade. Observe-se a forma ligeiramente invertida da pirâmide que denota uma população
envelhecida, analogamente à maioria das cidades do interior do país, bem como carências
evidentes em termos da população mais jovem (faixas etárias inferiores a 15 anos), que não
tem capacidade para desempenhar em pleno as suas funções de renovação da população.
A densidade populacional actual de Beja situa-se nos 30,0 hab/Km2 8
. Considera-se
que este valor é baixo para um espaço urbano, mas ainda assim consideravelmente superior
às densidades populacionais dos concelhos mais próximos.
No interior da área urbana, a população
concentra-se preferencialmente no centro
histórico (ABREU E SILVA et. al., 2008), o que
pode constituir uma das motivações da maior
incidência dos atropelamentos nesta zona da
cidade.
Na secção “Divisões Territoriais” do sítio
web do Instituto Nacional de Estatística é
possível traçar polígonos englobando subsecções
estatísticas e obter os seguintes dados
(http://sig.ine.pt):
Número de alojamentos;
Número de edifícios de
habitação;
Número de famílias clássicas;
Homens residentes e presentes;
Mulheres residentes e presentes.
Alguns destes dados, entendidos relevantes para a identificação das causas
associadas a cada atropelamento, poderão ser incorporados em modelos estatísticos, como se
verá adiante.
Relativamente às deslocações pendulares (cuja maioria dos destinos se situa dentro do
concelho), destaca-se a utilização elevada do automóvel – cerca de 56% – e a elevada
percentagem de habitantes que vão a pé para o trabalho ou local de estudo – 35% (ABREU E
SILVA et. al., 2008) – o que reforça a importância dos espaços pedonais no contexto da
vivência na cidade.
7 Dados dos Censos de 2001, com última actualização em 4 de Agosto de 2010. Fonte: www.ine.pt
8 Dados dos Censos de 2001, com última actualização em 7 de Setembro de 2009. Fonte: www.ine.pt
Figura 21: Pirâmide etária do Concelho de Beja (Censos de 2001). Fonte: Plano de Mobilidade Sustentável de Beja (2008).
69
5.3.2. Forma urbana e usos do solo
Em termos de forma urbana, há uma distinção clara entre a zona de expansão da
cidade, de génese mais recente, e o centro histórico (Figura 20). Apesar da análise da
influência deste aspecto na sinistralidade fugir ao âmbito deste estudo, a caracterização da
malha urbana da cidade é um aspecto a não descurar, pois o edificado e a forma como este se
organiza determinam directamente o espaço disponível para intervir ao nível do desenho da
via.
O centro histórico apresenta uma forma oval, de orientação Noroeste-Sudeste, com os
eixos maior e menor com dimensões aproximadas de 860m e 540m, respectivamente (ABREU
E SILVA et. al., 2008). Aqui concentra-se uma fatia considerável dos atropelamentos registados
(cf. 5.1), devido ao facto de a estrutura urbana orgânica e confinada não permitir a
implementação de espaços pedonais mais amplos e, em muitos casos, não existirem sequer
vias de dimensões transversais compatíveis com a função que desempenham.
Procedendo ao levantamento funcional da cidade, importa notar primeiramente que é a
distribuição de usos do solo que determina a geração e atracção das viagens no interior da
mesma e, como tal, deve existir uma boa coordenação entre os sistemas de transportes (e as
infra-estruturas onde circulam) e as diferentes actividades económicas presentes no edificado
(ABREU E SILVA et. al., 2008).
Por isso, é importante identificar e situar as zonas de equipamentos, serviços, comércio
e habitação, uma vez que as causas de um atropelamento em determinado local podem
prender-se com as tipologias de usos do solo que aí existem. Salienta-se o facto de no centro
histórico o comércio e serviços serem na sua maioria de irradiação local (devido às reduzidas
áreas dos edifícios) e se encontrarem mais misturados, o que promove, positivamente, as
deslocações a pé nesta zona (ABREU E SILVA et. al., 2008). Acompanhando o tratamento de
cada atropelamento, serão feitas referências ao carácter funcional da envolvente sempre que
se considere relevante. A Figura 22 concretiza os aspectos acima descritos.
É expectável que a forma urbana e o carácter fundional do edificado exerçam influência
sobre a sinistralidade, pelo que uma das vertentes dos dados recolhidos incide sobre a
envolvente urbana, como se pode observar nos Anexos I e II.
70
5.3.3. Rede viária
A importância da caracterização da rede viária prende-se com o conhecimento do tipo
de via em que ocorreu cada atropelamento, a fim de se averiguar qual a relação entre o nível
hierárquico, os volumes de tráfego e a ocorrência de atropelamentos. Em segunda instância,
averiguar também se as características de cada via e da envolvente são compatíveis com a
função que desempenha.
Figura 22: Classificação dos usos do solo na cidade de Beja e respectiva distribuição espacial.
Fonte: Plano de Mobilidade Sustentável de Beja (2008).
71
No Plano de Mobilidade Sustentável de Beja foram definidos quatro principais níveis
hierárquicos. As funções previstas para cada via apresentam-se em seguida (ABREU E SILVA
et. al., 2008):
Rede Arterial – tem a função de permitir a entrada e saída da cidade e de ligação
da mesma à Rede Rodoviária Nacional;
Rede Principal – estabelece ligação entre as diversas zonas da cidade;
Rede de Distribuição – distribui o tráfego no interior de cada sector urbano;
Rede de Acesso Local – acesso de cariz local.
É habitual dividir o nível hierárquico classsificado como de distribuição em dois sub-
níveis: rede de Distribuição Secundária e rede de Proximidade. As vias de Proximidade ou de
Distribuição Local têm a função de canalizar o tráfego proveniente das vias de Acesso Local,
mas nestas o elemento principal é já o peão (Câmara Municipal de Lisboa, 2005).
Na Figura 23 apresenta-se a esquematização da rede viária descrita. Como se disse,
as funções teoricamente previstas para cada via podem não ter uma correspondência prática
sob o ponto de vista das suas características físicas e dos volumes de tráfego motorizado e
pedonal que canaliza. No âmbito deste estudo analisar-se-á, em cada caso, se essa
incoerência existe e tem repercussões na segurança do peão.
Como situações de potencial conflito mais críticas, salientam-se os locais de
intersecção entre duas vias de níveis hierárquicos não consecutivos (por exemplo, uma
intersecção e entre uma via de acesso local e uma via principal), facilmente identificáveis pela
observação da Figura 23. Esta situação é indesejável para condutores e peões, já que os
primeiros experimentam uma transição brusca no ambiente rodoviário e os segundos podem
ser postos em risco se essa transição não for acompanhada por uma devida modificação da
velocidade de circulação.
Numa primeira análise, nota-se a desadequação das dimensões transversais de
algumas vias, face aos limites aconselhados para cada nível hierárquico. Estas carências são
mais visíveis no centro histórico da cidade, onde a insuficiência de espaço para a circulação
rodoviária (muitas ruas têm apenas um sentido de circulação) e para a circulação pedonal
(passeios reduzidos ou mesmo inexistentes) são dois dos problemas mais visíveis.
72
5.4. Interpretação dos dados
Após o escrutínio dos dados recolhidos e consequente triagem, descartando os
atropelamentos cujas causas fogem ao âmbito deste estudo, a construção de modelos de
análise estatística pode não ter os resultados esperados, pela reduzida dimensão da amostra.
A necessidade de actuar recairá, por um lado, nos locais de maior incidência de
atropelamentos (ainda que a severidade destes não seja relevante) e, por outro, em locais
onde tenha ocorrido apenas um atropelamento, mas cuja gravidade requeira intervenção
urgente. Nesse sentido, com base no período de recolha dos dados, tentarão tipificar-se
situações de conflito entre veículo e peão para as quais existam óbvios problemas de
segurança.
Figura 23: Rede viária da cidade de Beja. Fonte: Plano de Mobilidade Sustentável de Beja (2008).
73
Complementando os factores anteriormente apontados, tecer-se-ão comentários e
apresentar-se-ão alguns factores adicionais, próprios de cada local, pois não sendo o
tratamento estatístico uma finalidade, uma boa base de intervenção passará, necessariamente,
pela descrição minuciosa das condições em que o conflito peão-veículo se processou, em cada
caso, bem como alguns aspectos só observáveis no local.
5.5. Análise Factorial (Componentes Principais)
Como input da Análise Factorial, inicialmente deve definir-se um conjunto de variáveis
explicativas, por seu lado baseadas nos dados das fichas-síntese (cf. 5.2.1). Estas variáveis
são enumeradas em seguida, com respectiva justificação dos critérios tomados para a sua
escolha e transformação em linguagem númerica (variáveis binárias ou contínuas). Os
resultados da manipulação em SPSS podem justificar uma posterior criação de sub-variáveis.
No processo de escolha tentou-se abranger vertentes distintas tais como as
características físicas e a classificação das vias, momento e localização dos atropelamentos,
actividade pedonal e motorizada e por fim a envolvente urbana.
5.5.1. Momento do dia
Para o momento do dia em que o atropelamento ocorreu, consideraram-se apenas três
situações:
Dia;
Aurora ou crepúsculo;
Noite com iluminação.
Estas possibilidades dão origem a duas variáveis binárias. Não se registou qualquer
atropelamento que tivesse ocorrido à noite sem iluminação (trata-se de um meio urbano).
5.5.2. Visibilidade
Em termos de visibilidade, consideraram-se apenas dois tipos de condições: boas ou
insuficientes.
Uma boa visibilidade engloba os casos em que não existia qualquer tipo de mobiliário
urbano, veículos estacionados ou outros elementos a ocultar o peão; considera-se também que
o traçado da via era favorável, ou seja, o condutor não se encontrava a descrever uma curva
pronunciada ou a mudar de direcção numa intersecção sem visibilidade. Nos casos em que o
atropelamento se deu numa passadeira, estabelece-se como requisito adicional que esta se
encontre em boas condições de manutenção (visível a uma distância de paragem segura). Os
restantes casos correspondem a condições de visibilidade insuficientes para se garantir a plena
segurança do peão.
74
Naturalmente, uma boa visibilidade pressupõe que o condutor observou o peão a uma
distância que lhe permitiu reagir e travar em segurança. Nas situações em que não se
observou directamente se esta condição foi ou não respeitada, calcularam-se sucessivas
distâncias de paragem, para diferentes velocidades de circulação, comparando os resultados
obtidos com a observação de cada local. Estes valores serão apresentados adiante,
acompanhando a análise dos respectivos atropelamentos.
5.5.3. Pavimento
No que concerne ao pavimento, criaram-se duas variáveis: constituição do pavimento,
existindo apenas duas possibilidades – pavimento betuminoso ou calçada – e condições de
aderência, para as quais se considerou a superfície seca ou molhada/ húmida (dando origem
a duas variáveis binárias). Estes encontram-se presentes nas fichas dos atropelamentos da
DGV.
5.5.4. Local do atropelamento
Correspondendo a zona da cidade a uma localização macro dos atropelamentos (como
se verá adiante), uma microlocalização destes, tendo em conta o ambiente rodoviário em que
ocorreram, poderá dividir-se nas seguintes possibilidades:
Em plena via, admitindo-se neste caso que o atropelamento ocorreu na faixa de
rodagem, mas fora de qualquer passadeira;
Numa passadeira.
A exclusão dos passeios e bermas deve-se ao facto de não se ter registado qualquer
atropelamento nestas condições.
5.5.5. Proximidade a uma intersecção
Ainda relativamente à localização, importa avaliar a influência da proximidade a uma
intersecção na ocorrência dos atropelamentos. Para este efeito, admitiram-se somente duas
situações: o local do atropelamento teve lugar dentro ou fora de uma intersecção.
Considera-se que um atropelamento ocorreu numa intersecção quando teve lugar, no
máximo, até à passadeira mais próxima do respectivo braço dessa intersecção.
5.5.6. Características da via
Também é importante quantificar a largura da via através de duas variáveis: largura
média da faixa de rodagem e largura média do passeio de onde o peão provinha antes de
sofrer o atropelamento.
A primeira variável é imprescindível, já que a largura da faixa de rodagem tem, como já
se expôs, uma influência directa na velocidade de circulação (cf. 4.3.1.2).
75
A largura média do passeio engloba também os casos em que a via apresenta apenas
berma (neste caso calcula-se a largura média das bermas esquerda e direita) e tem
importância para avaliar se o espaço pedonal é adequado e, nos casos em que não o seja, se
esse aspecto contribuiu para a ocorrência do atropelamento.
Uma variável a introduzir também a existência ou não de separador central com ilha
de refúgio incorporada, cuja importância se prende com as condições de atravessamento de
que os peões dispõem. Um atravessamento passível de ser efectuado em duas fases é,
geralmente, menos perigoso, pois além de diminuir o atraso dos peões (diminuindo a
probabilidade de eles arriscarem o atravessamento), permite que estes atravessem um fluxo de
tráfego de cada vez (cf. 4.2.2).
O número e características dos fluxos que o peão tem de atravessar são factores
determinantes do risco de atropelamento pelo que, adicionalmente à estimativa do fluxo de
veículos (a descrever em seguida) e à largura da faixa de rodagem, é importante considerar, no
âmbito das características físicas da via, o número de sentidos.
5.5.7. Hierarquia da via
Para a função da via admitiram-se três classes: vias Principais, Rede de Distribuição e
Rede de Acesso Local (cf. 5.3.3). Não se registou qualquer atropelamento que tivesse lugar em
vias da Rede Arterial.
Como se verá adiante, a generalidade dos volumes de veículos estimados para as vias
são reduzidos e as características físicas ficam, na sua grande maioria, aquém das
teoricamente previstas para a função que essas vias desempenham (Câmara Municipal de
Lisboa, 2005), o que permitirá, em muitos casos, implementar medidas de integração de fluxos
e de moderação da velocidade de circulação.
Confrontando os limites estabelecidos para a área do centro histórico (cf. 5.3.2) com a
Figura 23Error! Reference source not found., nota-se que neste imperam as vias de
Distribuição e Acesso Local, existindo apenas uma circular a esta zona definida por um
conjunto de vias Principais, o que pode indiciar fortes correlações entre esta variável e a
variável “zona da cidade” (a descrever adiante).
Na categoria das vias de Acesso Local englobam-se também os parques de
estacionamento, vias eminentemente pedonais e caminhos particulares.
5.5.8. Volumes de tráfego
O volume de veículos tem em conta os fluxos motorizados nos dois sentidos ou num
sentido, nos casos em que se trate de uma via de sentido único, e é relativo à hora de ponta da
manhã, que corresponde a 15% do tráfego diário. A estimativa do volume de peões é menos
exacta do que o de veículos e tem em conta os fluxos pedonais em ambos os passeios ou
76
bermas que ladeiam a via. Este volume corresponde a 10% do volume total diário (ABREU E
SILVA et. al., 2008).
Para o volume de peões construíram-se duas variáveis distintas: o volume de peões
que circula ao longo da via e o volume na via perpendicular, uma vez que é este último que
muitas vezes motiva o atravessamento pedonal da via em causa.
Infelizmente, não existem dados sobre as interacções entre as actividades dos dois
lados dos arruamentos, aspecto essencial à abordagem baseada no conceito de capacidade
ambiental (BUCHANAN, 1963), desenvolvido no capítulo 2. Não obstante analisar-se-ão, por
junção dos restantes factores, os ambientes em que a proposta de intervenções sustentadas
por este conceito faz sentido.
Nas intersecções, apresentar-se-ão os fluxos (pedonais e motorizados) do troço ou
anel (caso das rotundas) onde o atropelamento ocorreu, o qual tem já em consideração a soma
dos veículos relativos aos movimentos que têm como destino potencial o braço da intersecção
em causa. Nos casos das vias em que as estimativas dos volumes de tráfego não se
encontravam disponíveis, devido às características do modelo desenvolvido e da reduzida
capacidade dessas vias (ABREU E SILVA et. al., 2008), admitiu-se como mínimo razoável um
valor de 50 veic/h. No caso dos peões, admitiram-se fluxos mínimos de 10p/h.
Como se deve imaginar, estas estimativas nada dizem acerca do volume de tráfego e
da actividade pedonal no momento do acidente, mas dão uma noção das dinâmicas que
normalmente a via em causa experimenta, bem como da função que desempenha.
5.5.9. Zona da cidade
Em termos de estrutura urbana, a cidade de Beja pode ser dividida em três grandes
áreas (cf. 5.1), com uma composição mais ou menos homogénea em termos de densidade de
construção, características das vias e tipologias de edifícios – centro histórico, zona urbana
consolidada e periferia – que dão origem a duas variáveis binárias.
5.5.10. Densidade de edifícios
A densidade de edifícios tem em conta a influência da envolvente urbana e constitui
uma variável contínua. Para a obtenção destas densidades recorreu-se aos dados dos Censos
(2001), onde é possível obter o número de edifícios de cada subsecção estatística que constitui
a cidade e uma estimativa da área, calculando-se em seguida o respectivo quociente
(http://sig.ine.pt). No caso de locais situados na fronteira entre duas ou mais subsecções,
somam-se os números de edifícios de cada uma delas, procedendo-se ao cálculo de uma
média ponderada pela área total das subsecções.
77
5.5.11. Síntese das variáveis
As variáveis adoptadas encontram-se sintetizadas na Tabela 5. Por uma questão de
facilidade de leitura dos resultados a apresentar em seguida, apresenta-se uma designação
abreviada para cada uma delas.
Tabela 5: Síntese das variáveis explicativas.
Variável Designação
Momento do dia – Dia M_Dia
Momento do dia – Noite com iluminação M_Noite
Visibilidade Vis
Aderência do pavimento Pav_Ad
Textura do pavimento Pav_Tex
Local do atropelamento – em plena via Loc_Via
Influência da intersecção – na intersecção Inters
Largura média da faixa de rodagem Larg_f
Largura média dos passeios Larg_p
Existência de separador central Sep
Número de sentidos de trânsito Sentidos
Classificação da via – Principal Via_Princ
Classificação da via – de Distribuição Via_Dist
Estimativa do volume de veículos Vol_veic
Estimativa do volume de peões na via Peoes_par
Estimativa do volume de peões na via perpendicular Peoes_perp
Zona da cidade – centro histórico Z_centro
Zona da cidade – zona urbana consolidada Z_ZC
Densidade de edifícios Dens_ed
No Anexo III pode consultar-se a tabela-resumo dos dados recolhidos para os
atropelamentos e a sua codificação binária quando necessário.
No Anexo IV pode consultar-se a matriz de correlações das variáveis descritas. Os
coeficientes de correlação aí presentes podem ajudar à compreensão de alguns resultados da
análise exploratória a desenvolver nos próximos pontos.
78
5.5.12. Construção do modelo
O objectivo da Análise Factorial é “caracterizar a estrutura relacional de um conjunto de
variáveis correlacionadas” (MAROCO, 2007) através de um conjunto de factores, em número
inferior ao das variáveis explicativas tomadas inicialmente, extraídos submetendo as variáveis
explicativas a uma Análise de Componentes Principais (ACP).
A ACP é uma técnica de análise exploratória multivariada que transforma um conjunto
de variáveis originais, correlacionadas, num conjunto menor de variáveis independentes,
combinações lineares das primeiras. A estas dá-se o nome de “componentes principais” ou
eigenvalues (MAROCO, 2007).
A questão que se levanta é quantas componentes principais se devem extrair. Existem
dois principais critérios para esta escolha (MAROCO, 2007):
Reter as componentes principais (eigenvalues) com valor próprio superior a 1.
Estabilização da curva – após obter a representação gráfica dos valores próprios
em função dos respectivos em função das respectivas componentes principais –
Scree plot – seleccionar todas as componentes até que a linha que as une
comece a estabilizar (declive reduzido).
Note-se que o primeiro critério é empírico e o segundo é subjectivo (MAROCO, 2007),
mas podem ser bastantes úteis se usados conjuntamente. Uma vez que as componentes
principais são obtidas por ordem decrescente de capacidade explicativa, é possível observar
se, quando os valores próprios começam a ser inferiores a 1, a percentagem da variância
explicada começa a ser menos significativa (a curva do Scree plot começa a ficar horizontal).
Pode ainda tomar-se um terceiro critério, que consiste em pré-estabelecer uma
percentagem total mínima que se pretende que explique a variância. Quando a soma das
percentagens explicadas por cada componente for igual ou superior a este valor, retem-se o
número de componentes com esse poder explicativo. Para este critério, estabelece-se um valor
de 70% que, em termos práticos, constitui uma linha de orientação importante para a análise
multivariada aqui desenvolvida (HAIR et. al., 2010).
Para mais informação acerca das propriedades das componentes principais e
condições matemáticas que as expressam, aconselha-se a consulta de MAROCO (2008).
Como já referido, a Análise Factorial tem por principal objectivo a condensação da
informação das variáveis iniciais através de um conjunto limitado de novas variáveis e com a
menor perda de informação possível. Esta análise pode ainda permitir identificar alguns
factores comuns latentes, ou seja, características comuns não directamente observáveis no
conjunto vasto de variáveis iniciais. Produz-se um score que resume a informação presente
nas diferentes variáveis num número reduzido de factores e pondera as respostas altamente
correlacionadas (MAROCO, 2007).
79
Antes de se efectuar a extracção dos factores, importa avaliar qual a adequabilidade da
amostra – atropelamentos – para que a análise aqui desenvolvida possa ser utilizada na
estimação de factores comuns. Para isso, usa-se o Método de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), que
é uma medida da homogeneidade das variáveis e compara as correlações simples com as
correlações parciais observadas entre as mesmas (MAROCO, 2007), as quais podem ser
consultadas no Anexo IV.
Um método qualitativo para avaliar esta adequabilidade consiste também em analisar
os valores das comunalidades (communalities), sendo conveniente que sejam o mais próximos
possível de 1.
Efectuou-se uma rotação dos factores com recurso ao Método Quartimax (que
pretende encontrar uma estrutura factorial em que cada variável possua pesos elevados em
factores ditos específicos e pesos reduzidos nos restantes factores), a fim de facilitar a
interpretação do significado dos mesmos. Para um conhecimento das representações
matemática e geométrica desta operação, aconselha-se, mais uma vez, a consulta de
MAROCO (2007).
Para a estimação das comunalidades usou-se o Método das Componentes Principais
(já descrito no ínicio deste ponto) que passa por uma ACP sobre a matriz das correlações
(Anexo IV), com as estimativas iniciais dos factor loadings na diagonal principal, seguida da
determinação do número de componentes principais (factores) a reter, de acordo com os
critérios já expostos.
Numa primeira tentativa, correu-se o modelo com as 19 variáveis explicativas (Tabela
5), que resultou numa verificação imediata de um valor de KMO (0,465) claramente insuficiente
para a viabilização do modelo.
No âmbito desta análise considera-se como aceitável um valor de KMO superior a 0,5,
como critério de partida da Análise Factorial (MAROCO, 2007).
Este critério foi cumprido após proceder-se a uma análise com 11 das 19 variáveis
explicativas, tendo-se descartado as seguintes:
Condições de visibilidade (Vis);
Aderência do pavimento (Pav_Ad);
Largura média da faixa de rodagem (Larg_f);
Largura média do passeio (Larg_f);
Existência de separador (Sep);
Influência da intersecção (Inters).
Densidade de edifícios (Dens_ed).
80
A análise da matriz de correlações das variáveis (Anexo IV) levou à conclusão que as 7
variáveis anteriores apresentavam baixos coeficientes de correlação com outras variáveis, bem
como baixas communalities (Anexo V), o que permite descartá-las da Análise Factorial.
O uso de 11 variáveis em vez de 12 relaciona-se com o facto de, adicionalmente às
variáveis excluídas, se terem juntado os volumes de peões (Peoes_par e Peoes_perp) numa
única variável – Peoestot – que representa o volume que existe nas proximidades do local do
atropelamento e que potencialmente pode atravessar a via.
Estas opções resultaram num conjunto de 4 factores (considerando os critérios do
eigenvalue e do Scree-plot), os quais explicam uma percentagem total da variância de 77,8%.
Os outputs do SPSS relativos ao modelo factorial encontram-se no Anexo V.
Com efeito, a Análise Factorial é adequada na estimação destes factores comuns, pois
obteve-se um valor de KMO de 0,593. Além disso, todas as comunalidades apresentam valores
superiores a 0,65.
Avaliando a qualidade do modelo factorial, e sabendo que esta foi realizada com o
Método da Máxima Verosimilhança, o SPSS corre um teste do Qui-quadrado de ajustamento
do modelo aos dados. A hipótese nula do teste verifica este ajustamento, ou seja, se a matriz
de correlações produzida pelo modelo factorial se aproxima da matriz observada nos dados
(MAROCO, 2007).
Os resultados do teste de Bartlett apresentados como output do modelo (Anexo V)
expressam um p-value inferior a 0,001, o que leva a rejeitar a hipótese do teste (e confirmar a
verificação da hipótese nula). Consequentemente, as variáveis estão correlacionadas
significativamente e o modelo factorial tem uma qualidade aceitável.
5.5.13. Interpretação do significado dos factores
O significado dos 4 factores encontrados é visível pelos elevados loadings que algumas
variáveis apresentam nesses factores, como se mostra na Rotated Component Matrix do
Anexo V, na qual se excluíram as componentes de valor igual ou inferior a 0,2 em módulo, de
forma a facilitar a leitura.
Assim, atribuíram-se as seguintes denominações aos factores (a adoptar daqui em
diante):
Factor 1 – Macrolocalização;
Factor 2 – Classificação da via e volume de veículos;
Factor 3 – Momento do dia;
Factor 4 – Microlocalização.
81
Os scores relativos a cada um destes factores, para cada atropelamento, podem ser
consultados no Anexo VI. Espera-se que estes contribuam para a identificação de alguns
vectores de intervenção no que toca à prevenção de atropelamentos futuros.
5.6. Análise de Clusters
Este tipo de análise tem por objectivo agrupar uma amostra em vários conjuntos de
elementos unidos por uma ou mais características comuns (MAROCO, 2007). Por outras
palavras, a Análise de Clusters tenta maximizar a homogeneidade dos casos pertencentes ao
mesmo cluster e, complementarmente, maximizar a heterogeneidade entre clusters (HAIR et.
al., 2010).
5.6.1. Métodos de agrupamento
Inicialmente, procedeu-se a um agrupamento de clusters hierárquico, de forma a obter
o número de clusters mais representativo possível dos casos – atropelamentos – em estudo,
do qual resultará o valor inicial k a arbitrar como ponto de partida para o agrupamento não-
hierárquico subsequente. Para isso, recorreu-se mais uma vez ao software SPSS, cujos
outputs se apresentam no Anexo VII.
Foi necessário realizar uma padronização prévia das variáveis contínuas, recorrendo à
opção Descriptives do menu Descriptive Statistics, a fim de estandardizar as variáveis, pois é
importante que contribuam todas de igual forma para a Análise de Clusters. Aplicou-se a
estandardização apenas às variáveis Larg_f, Larg_p, Vol_veic, Peoestot e Dens_ed (uma vez
que as restantes já são binárias), que consiste basicamente em substituir as mesmas por
variáveis de valor esperado 0 e desvio padrão igual a 1.
Para um agrupamento hierárquico utilizando as 19 variáveis explicativas (cf. 5.5.11), os
resultados não foram conclusivos, como se pode observar no Anexo VI. Utilizando apenas 12
das 18 variáveis (M_dia, M_noite, Pav_Tex, Loc_Via, Sentidos, Via_Princ, Via_Dist, Z_centro,
Z_ZC, Peoestot, Vol_veic e Dens_ed), o dendograma sugeriu um número de 4 clusters, um dos
quais consituído por apenas um caso: Rua D. Afonso Henriques (Anexo VII).
Em termos de modelação estatística, entendeu-se que este cluster não era
representativo e, como tal, correu-se uma nova análise, excluindo o caso referido (que será,
contudo, tratado no âmbito das propostas de intervenção) e juntando, como na Análise
Factorial (cf. 5.5.12), os volumes de peões (Peoestot). Com estas 12 novas variáveis, foi
possível estabelecer 2 clusters (Anexo VII) como o valor k a arbitrar em seguida.
Relativamente a este segundo método de agrupamento, usou-se o Método k-means do
SPSS, que se estrutura da seguinte forma (MAROCO, 2007):
Divisão inicial dos sujeitos em 2 clusters;
82
Cálculo dos centróides para cada um dos clusters (como primeira iteração, este
cálculo faz-se para as primeiras 2 observações), usando a Distância Euclidiana
como medida de dissemelhança para calcular a distância dos centróides a cada
sujeito presente na base de dados;
Agrupar cada sujeito no cluster do qual se encontra mais próximo (menor Distância
Euclidiana) e voltar ao passo anterior até que não ocorra variação significativa da
distância de cada sujeito a cada um dos centróides.
Os outputs deste agrupamento podem ser consultados no Anexo VII.
5.6.2. Interpretação do significado dos clusters
Comparando os agrupamentos hierárquico (Anexo VII) e não hierárquico (Anexo VIII)
decorrentes desta análise, conclui-se não se ter chegado a um agrupamento consistente, uma
vez que um número representativo de clusters que englobam a amostra apenas se observa
para distâncias aos centróides elevadas. Inversamente, para distâncias mais baixas o número
de clusters aumenta bastante, aproximando-se do número de acidentes presentes na amostra.
Na ausência de um agrupamento que permitisse estabelecer uma ligação directa com a
tipificação de propostas de intervenção, apresentar-se-ão nos próximos pontos algumas linhas
de intervenção para casos pontuais apontando, numa segunda instância, locais onde se
aconselham tratamentos análogos. Esta tipificação acontecerá de forma mais qualitativa, com
baseando-se principalmente na análise de campo (expressa no suporte fotográfico de cada
local de atropelamento), mas também na observação dos scores dos factores resultantes da
Análise Factorial (Anexo VI).
Não deixa de se frisar, contudo, a importância da Análise de Clusters no âmbito da
análise exploratória das características comuns de um determinado conjunto de casos, a qual
poderá expressar resultados mais consistentes em presença de amostras de dimensão
superior.
83
5.7. Algumas propostas de intervenção
5.7.1. Rua das Portas de Mértola
Hierarquia da via: Rede Principal
Volume de veículos (hora de ponta – veic/h):
170
Volume de peões (p/h):
Na via – 106
Na via perpendicular – 58
Local do atropelamento: passadeira Densidade de edifícios de habitação (ed/Km
2):
1382
Scores em cada factor9:
Macrolocalização: 1,09
Classificação da via e volume de
veículos: -0,23
Momento do dia: -0,23
Microlocalização: 2,05
O caso da Rua das Portas Mértola é paradigmático das condições em que ocorrem
muitos dos atropelamentos em Beja: reduzida visibilidade dos condutores sobre os peões,
agravada pela prática de velocidades excessivas na maioria dos casos.
Constata-se um elevado score relativo ao factor “Microlocalização”, o que sugere a
necessidade de intervir sobre a passadeira, acrescendo ao facto de existir uma actividade
pedonal significativa ao longo da via.
A Figura 25 mostra as más condições de visibilidade que os condutores têm quando se
aproximam da intersecção, pois os peões surgem muitas vezes de forma inesperada, devido à
existência de uma esquina que oculta o fim de uma rua pedonal (Rua de Mértola). A reduzida
largura do passeio – cerca de 0,8m – também contribui para este problema, considerando que
um peão que circule a uma velocidade média de 1,2m/s (Transportation Research Board, 2000)
demora menos de um segundo a surgir detrás da esquina e atingir a faixa de rodagem, inferior
ao tempo de reacção, que é geralmente superior a 1s (PIARC, 2003).
9 Esta pontuação é uma variável estandardizada de desvio padrão 1 e média 0.
Figura 24: Localização do atropelamento na
Rua das Portas de Mértola.
84
Na hipótese de cumprimento do limite máximo de velocidade permitido – 50 Km/h – e
para um tempo de reacção situado entre 1 e 2,5 segundos (valores usuais), a distância de
paragem ronda os 60m (PIARC, 2003), claramente superior à distância para a qual os
condutores têm boa visibilidade sobre um peão que atravesse neste local.
Além disso, a estimativa dos fluxos na via e na rua perpendicular, que é pedonal (Rua
de Mértola, assinalada a azul na Figura 26) são de 106p/h e de 58p/h, respectivamente, o que
reforça o carácter crítico da passadeira onde ocorreu o atropelamento, local preferencial de
atravessamento de quem provém dessa rua. Esta situação sugere a necessidade em moderar
a velocidade do tráfego motorizado, intervenção que se considera razoável considerando a
zona da cidade (centro histórico) e os reduzidos fluxos motorizados que passam no local (170
veic/h na hora de ponta).
Perante a dificuldade e alargar o passeio (trata-se de uma área urbana bastante
consolidade, com pouca margem espacial para intervir) e a inconveniência em implementar
barreiras pedonais e eliminar a passadeira problemática, o que só viria a dar primazia aos
veículos, em detrimento do peão, a solução mais adequada é um tratamento de moderação do
tráfego.
Uma boa opção poderia passar pela sobreelevação da passadeira ou implementação
de uma plataforma sobreelevada em toda a intersecção, assinalada a branco na Figura 26,
criando uma continuidade da calçada com a rua pedonal.
Um tratamento adequado da envolvente – boa manutenção da calçada, uso de uma cor
da plataforma semelhante à da rua pedonal, sinalização vertical indicativa do atravessamento
de peões –, bem como um tratamento da via – uso de pré-avisos (cf. 4.3.1.3) – podem ser
soluções complementares importantes.
Figura 25: Passadeira onde teve lugar um
atropelamento (Rua das Portas de Mértola).
Figura 26 Área de implementação
(assinalada a branco) de uma plataforma sobreelevada (intersecção entre a Rua das Portas de Mértola e a Rua de Mértola). Fonte: Google Earth.
85
Pela Análise de Clusters desenvolvida e observação dos dados recolhidos (cf. 5.2.1),
aconselham-se tratamentos semelhantes para os locais de atropelamento situados na Avenida
Miguel Fernandes, Rua António Sardinha (2 atropelamentos), Rua General Teófilo Trindade (2
atropelamentos), Largo da Conceição e Rua D. Nuno Álvares Pereira (3 atropelamentos).
No entanto, nestas últimas podem não ser necessárias alterações tão profundas como
a sobreelevação total de um troço ou intersecção, uma vez que não existe proximidade de
nenhuma infra-estutura pedonal exclusiva (rua pedonal). Uma alternativa pode resumir-se à
sobreelevação das passadeiras em causa (cf. 4.2.3.1).
No caso dos dois atropelamentos ocorridos na Rua António Sardinha e em um dos
atropelamentos na Rua General Teófilo Trindade, a Análise Factorial também aponta como
uma das causas o facto de terem ocorrido à noite, ou seja, apresentam elevados scores no
factor “Momento do Dia”. É aconselhável, portanto, verificar se a iluminação nocturna é
adequada (condição que não foi observado no local) e intervir, se necessário.
No caso da Rua General Teófilo Trindade, o uso de barreiras (cf. 4.1.2) também pode
ser aconselhável nas proximidades da passadeira, face às velocidades consideráveis
praticadas pelos veículos e ao facto de um dos atropelamento ter ocorrido fora da mesma.
O Anexo IX apresenta suporte fotográfico que sustenta estas considerações.
5.7.2. Rua António Sardinha (II)
Hierarquia da via: Rede Principal
Volume de veículos (hora de ponta – veic/h):
464
Volume de peões (p/h):
Na via – 15
Na via perpendicular – 14
Local do atropelamento: passadeira Densidade de edifícios de habitação (ed/Km
2):
188
Scores em cada factor:
Macrolocalização: -1,44
Classificação da via e volume de
veículos: 0,84
Momento do dia: -0,42
Microlocalização: 0,39
Figura 27: Localização do atropelamento na
Rua António Sardinha.
86
Tratando-se de uma via principal, onde o volume de veículos é considerável (em
comparação com as vias de menor hierarquia), implementar soluções de Acalmia de Tráfego
na Rua António Sardinha pode não ser a opção mais indicada, contrariamente ao que se
propôs para a Rua das Portas de Mértola (cf. 5.5.7).
A largura dos passeios é considerável, tendo permitido implementar uma ciclovia
(visível na Figura 28, do lado direito), mas nota-se que as características da passadeira não
são propícias a um atravessamento seguro por parte dos peões.
Começando pela visibilidade, as marcações horizontais da passadeira encontram-se
em más condições de manutenção, não permitindo uma reacção atempada por parte dos
condutores, como se pode ver na Figura 28.
Relativamente ao atravessamento, a ilha de refúgio tem dimensões insuficientes (cerca
de 0,5m) que não permitem uma imobilização e período de espera pela segunda fase de
atravessamento seguros para os peões (visível em maior pormenor na Figura 29).
Pelo exposto propõem-se, como principais intervenções, uma marcação adequada da
passadeira, sinalização vertical antecipada assinalando a presença da mesma e possível
tratamento complementar envolvendo uma diferenciação da cor do pavimento no troço de
aproximação (Figura 5). Para a ilha de refúgio, aconselha-se uma largura mínima de 1,2m,
necessária à imobilização segura de qualquer peão e das cadeiras de rodas (cf. 4.2.2) e o uso
de pilaretes ou outros dispositivos de protecção do peão e de canalização para a zona de
atravessamento mais segura: a passadeira, se correctamente intervencionada.
Como aspectos positivos já existentes, apontam-se a largura generosa dos passeios e
o rebaixamento que já existe na aproximação à passadeira.
Figura 28: Passadeira onde de deu o atropelamento (Rua António Sardinha).
87
Na Rua Gomes Palma (2 atropelamentos), apesar de não existir separador central,
aconselha-se um tratamento semelhante ao nível da devida sinalização de aproximação à
passadeira, podendo também envolver uma diferenciação na cor do pavimento. Destaca-se o
volume significativo de veículos (776 veic/h – Anexo III), o facto de se tratar de uma via
principal e os elevados scores nos factores 1 e 2 como critérios para uma intervenção similar.
O mesmo acontece com a Rua Frei Manuel do Cenáculo (724 veic/h, via principal), onde
devem ainda ser obseravadas as condições de visibilidade nocturna, devido ao facto do
atropelamento ter ocorrido à noite (cf. Anexos III e VI).
5.7.3. Rua Tenente Sanches de Miranda
Hierarquia da via: Rede de Distribuição
Volume de veículos (hora de ponta – veic/h):
387
Volume de peões (p/h):
Na via – 42
Na via perpendicular – 10
Local do atropelamento: passadeira Densidade de edifícios de habitação (ed/Km
2):
1265
Scores em cada factor:
Macrolocalização: -1,28
Classificação da via e volume de
veículos: 0,03
Momento do dia: -0,47
Microlocalização: -0,35
Figura 29: Pormenor da passadeira e respectiva ilha de
refúgio (Rua António Sardinha).
Figura 30: Localização do atropelamento na
Rua Tenente Sanches de Miranda.
88
A Rua Tenente Sanches de Miranda localiza-se numa zona maioritariamente
residencial, com a presença de um infantário junto ao local onde o atropelamento se deu.
O elevado score que este atropelamento apresenta relativamente ao factor
“Macrolocalização” leva a concluir que a zona da cidade em causa – zona urbana consolidada
(Figura 30) – contribuiu para a probabilidade de ocorrência, bem como a textura do pavimento
– betuminoso (cf. 5.5.13).
Propõem-se como principais intervenções
uma melhoria da visibilidade da passadeira e
concomitante tratamento complementar com vista à
moderação da velocidade dos veículos. Como se
pode observar na Figura 31, existem marcações
horizontais (também pouco visíveis) que assinalam a
aproximação à passadeira, bem como dois pré-avisos
(cf. 4.3.1.3) em cada sentido de circulação, também
estes em estado de degradação, pelo que se
considera imprescindível proceder a uma renovação
destes elementos e subsequente manutenção mais
frequente.
Adicionalmente, e a fim de melhorar a
visibilidade mútua entre veículo e peão (que ganha
peso neste caso particular, devido ao frequente
atravessamento de crianças provenientes do
infantário), aconselha-se a extensão do passeio (cf. 4.1.1.1) na zona da passadeira, que pode
ser conseguida nomeadamente por meio da supressão dos lugares de estacionamento mais
próximos (Figura 32), aproveitando-se o rebaixamento do lancil que já existe. A colocação de
pilaretes ou canteiros, desde que eles próprios não obstruam a visibilidade, pode ajudar a
consumar a intenção em prevenir o estacionamento inadequado neste local.
Figura 32: Pormenor da passadeira e do passeio no local do atropelamento (Rua Tenente Sanches de
Miranda).
Figura 31: Pré-avisos (Rua Tenente
Sanches de Miranda).
89
Pela semelhança de circunstâncias (Anexos III, VI e IX), aconselham-se intervenções
similares na Rua Cidade de S. Paulo, Avenida Vasco da Gama e Avenida do Brasil,
destacando o carácter residencial das respectivas áreas, o facto de os atropelamentos terem
ocorrido em passadeiras tradicionais e a existência de estacionamento adjacente a essas
passadeiras.
A existência de separador central nas duas últimas conduz à necessidade de verificar
se as suas dimensões são adequadas para desempenhar o papel de ilha de refúgio (cf. 4.2.2)
e se não existem elementos a obstruir a visibilidade atempada dos veículos sobre os peões, à
semelhança do que se apontou em 5.7.2.
A Rua Cidade de S. Paulo, apesar de ser uma via principal, apresenta-se em condições
se ser sujeita às intervenções sobre os alinhamentos verticais, podendo até proceder-se a um
estreitamento na zona da passadeira (cf. 4.1.1.1 e 4.3.1.2) a fim de reduzir a distância de
atravessamento, já que se encontra nas proximidades de um equipamento importante (escola)
e apresenta reduzidos fluxos motorizados (cerca de 39veic/h – Anexo III).
5.7.4. Rua D. Afonso Henriques (I)
Hierarquia da via: Rede Principal
Volume de veículos (hora de ponta – veic/h):
776
Volume de peões (p/h):
Na via – 22
Na via perpendicular – 120
Local do atropelamento: passadeira Densidade de edifícios de habitação
(ed/Km2):11
Scores em cada factor:
Macrolocalização: 0,42
Classificação da via e volume de
veículos: 1,88
Momento do dia: -0,67
Microlocalização: 0,96
Como se viu na Análise de Clusters (cf. 5.6.1), remeteu-se o caso da Rua D. Afonso
Henriques para um tratamento à parte, cujas possíveis intervenções são aqui delineadas.
Como se vê pela Figura 33, trata-se de uma via principal, com um volume considerável de
Figura 33: Localização do atropelamento na
Rua D. Afonso Henriques.
90
veículos no contexto de Beja (Anexo III). Como tal, optar por medidas de segregação de peões
pode ser uma estratégia adequada, pelo menos ao nível dos limites do passeio junto à
intersecção onde o atropelamento ocorreu, como se vê na Figura 34, cujo tratamento deve
visar a protecção do peão (barreiras pedonais, pilaretes que evitem o estacionamento
indevido), entre outras possibilidades (cf. 3.3.4 e 4.1.2).
Como se vê na Figura 35, a passadeira encontra-se num estado de conservação
insuficiente para que a visualização da mesma se faça a uma distância de paragem segura.
Similarmente ao que já se propôs nos pontos anteriores (cf. 5.7.2 e 5.7.3), aconselha-se a
melhoria da marcação horizontal da passadeira e a implementação de dispositivos de redução
da velocidade, dos quais as “almofadas” são a melhor opção (cf. 4.3.4), devido à circulação de
veículos pesados e transporte colectivo.
Pela análise das características do local de atropelamento (Anexos II e III) e pela
Análise Factorial (Anexo VI), conclui-se que o atropelamento ocorrido na Rua D. Afonso III
partilhou causas semelhantes, excepto não ter ocorrido na passadeira (mas nas proximidades
da mesma), pelo que as medidas de moderação de velocidade acima propostas também são
válidas neste arruamento. O uso de “almofadas”, complementadas por pré-avisos (cf. 4.3.1.3)
em substituição de lombas ou sobreelevação da passadeira (cf. 4.2.3.1), prende-se com a
circulação frequente de veículos pesados nesta via e ao elevado volume de veículos que aí
circula (1356 veic/h).
Figura 34: Intersecção onde se deu o atropelamento (Rua D. Afonso Henriques).
Figura 35: Pormenor da passadeira
onde ocorreu o atropelamento (Rua D. Afonso Henriques).
91
Conclusões
Esta dissertação teve como principal intuito proceder a uma recolha bibliográfica das
principais medidas de segurança do peão, centrando-se na intervenção sobre a infra-estrutura
rodoviária urbana. De facto, o desenho viário é um meio importante para uma gestão bem
sucedida do sistema rodoviário urbano, ganhando particular importância nas “áreas
ambientais”, onde o elemento central deve ser o peão (BUCHANAN, 1963), como se frisou ao
longo destes textos.
A introdução dos atropelamentos ocorridos em Beja como caso de estudo teve como
principal pretensão complementar a compreensão das soluções supracitadas, designadamente
por meio da descrição de algumas aplicações práticas. Refere-se, contudo, que ao nível da
gravidade dos atropelamentos e diversidade de ambientes, este caso de estudo peca por ser
pouco representativo. Acresce a reduzida dimensão da amostra, que ao nível da Análise
Exploratória Multivariada não permitiu chegar a resultados tão conclusivos como os
expectáveis, já que se encontra no limite do aceitável para a aplicação destes métodos.
Positivamente, no que toca à possibilidade de tipificar ambientes e propôr linhas de
intervenção, consentâneas com as soluções descritas ao longo do corpo teórico desta
dissertação, cumpriu-se o objectivo primordial deste caso de estudo.
Foi possível, por exemplo, agrupar alguns locais com base na observação dos
agrupamentos resultantes da Análise de Clusters, scores nos factores e visita aos locais.
Verificou-se a existência de ruas como a António Sardinha (cf. 5.7.2), cujo ambiente em que se
insere indicia, à partida, uma estratégia de intervenção bastante distinta da direcionada para
vias de nível hierárquico menos importante e função local, como por exemplo o caso da Rua
Tenente Sanches de Miranda (cf. 5.7.3). Por outro lado, ambientes como a Rua da Portas de
Mértola (cf. 5.7.1), o Largo da Conceição ou a Avenida Miguel Fernandes, por se situarem no
centro histórico, em locais onde a actividade pedonal é importante, sugerem linhas de
intervenção em maior favor do peão do que as anteriores.
Pelo exposto, considera-se que as principais metas traçadas para este trabalho foram
atingidas.
No contexto nacional há alguns passos importantes que ainda não foram dados, como
por exemplo ao nível da melhoria da coordenação esforços no sentido de desenvolver medidas
cada vez mais integradas e coerentes, não obstante as evoluções positivas que se têm
verificado nos últimos anos na redução global do número de acidentes (Observatório de
Segurança Rodoviária, 2009).
Um progresso importante é o aperfeiçoamento e uniformização da recolha dos dados
de sinistralidade, relativamente à qual já existe, desde o início do ano corrente, uma
contabilização do número de mortes até 30 dias após o acidente (Agência Lusa, 2009).
92
Outro aspecto positivo é a existência de publicações no domínio da mobilidade
sustentável já adoptadas por alguns munícipios (ABREU E SILVA et. al., 2008; Câmara
Municipal de Lisboa, 2005), que devem ser coordenadas com Planos de Acessibilidade, de
Segurança Rodoviária Urbana e de Planificação Urbanística voltados para a segurança do
peão (ALDUÁN, 2008).
A Mobilidade Sustentável, na sua vertente social, é um objectivo primordial e um
aspecto que deve ser transversal às múltiplas facetas da vivência urbana. Como se expôs ao
longo desta dissertação, trabalhar para a redução da sinistralidade nos meios urbanos é,
simultaneamente, um meio e uma condição para se atingir esta meta.
A inventariação de processos de planeamento, a existência de uma correcta
hierarquização viária, a implementação de medidas complementares de gestão de tráfego e o
desenvolvimento de estratégias de carácter social são apenas exemplos de linhas de
intervenção complementares essenciais ao sucesso das soluções implementadas (RIBEIRO &
SECO, 1999).
Mulheres, crianças, idosos, utentes incapacitados e utilizadores de culturas diversas
configuram um universo de estudo e de necessidades de mobilidade mais amplo e
diversificado do que o habitualmente considerado pela Engenharia de Tráfego. É, pois,
importante integrar processos de participação social (desde a comunicação à consulta e à
concertação), pois a discussão e aceitabilidade pública das medidas é um pré-requisito para a
sua viabilização e sucesso (ALDUÁN, 2008).
Em suma, intervir multidisciplinarmente é uma condição necessária à desejada
recuperação dos valores ambientais e do significado social da rua.
93
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97
Anexos
Anexo I – Ficha-síntese tipo dos dados relativos aos atropelamentos em Beja.
Anexo II – Dados recolhidos para cada atropelamento.
Anexo III – Síntese dos dados dos atropelamentos, para cada variável explicativa.
Anexo IV – Tabela de correlações das variáveis explicativas.
Anexo V – Outputs do modelo factorial obtido com o SPSS.
Anexo VI – Scores dos atropelamentos em cada factor.
Anexo VII – Outputs dos agrupamentos de clusters hierárquicos obtidos com o SPSS.
Anexo VIII – Agrupamento não hierárquico de clusters obtido com o SPSS.
Anexo IX – Fotografias de alguns locais de atropelamento em Beja.