Post on 18-Jul-2016
description
A REFLEXÃO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA: UM
OLHAR SOBRE OS CONCEITOS DE PROFESSOR-REFLEXIVO E DA
METACOGNIÇÃO
Silmary Silva dos Santos1
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB
Silmaryumni@yahoo.com.br
Tânia Cristina Rocha S. Gusmão2
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB
professorataniagusmao@gmail.com
Resumo:
O presente trabalho tem por finalidade apresentar uma discussão teórica acerca de como o
termo reflexão presente nas pesquisas sobre formação de professores, em especial
formação de professores de matemática, vem sendo entendido nos conceitos de professor-
reflexivo e de metacognição. Inicialmente fazemos uma breve contextualização sobre a
utilização do termo reflexão na literatura educacional, enfatizando sua origem e as
abordagens realizadas acerca do mesmo. Em seguida, apresentamos os conceitos,
definições e características do professor-reflexivo e da metacognição sinalizando possíveis
relações entre ambos. E por fim, expomos algumas definições da metacognição na
literatura e comparamos com as características do professor-reflexivo apontando as
semelhanças entre elas.
Palavras-chaves: Reflexão; professor-reflexivo. Metacognição. Formação de professores
de matemática.
1 Professora de matemática da rede municipal de educação de Amargosa-BA, aluna do curso de Pós-
Graduação em Educação Científica e Formação de Professores de Ciências e Matemática/UESB.
2 Doutora em Didática da Matemática, Universidade de Santiago de Compostela. Professora Adjunta da
UESB, Vitória da Conquista -BA. Professora/Orientadora do Programa de Pós-Graduação em Educação
Científica e Formação de Professores UESB/Jequié.
V Jornada Nacional de Educação Matemática e XVIII Jornada Regional de Educação Matemática Universidade de Passo Fundo – Passo Fundo, Rio Grande do Sul – 05 a 07 de maio de 2014
1. Introdução
Ao debruçarmos sobre as pesquisas educacionais, a respeito da formação de
professores, a partir da década de 1990, observamos que os termos, práticas reflexivas,
ensino reflexivo e professor como um profissional reflexivo – professor-reflexivo - vêm
sendo amplamente utilizados, (CONTRERAS, 2002; PIMENTA, 2005; DORIGON;
ROMANOWSKI, 2008; JARLINO; BARBOSA, 2012), dentre outros, como uma mola
propulsora para melhoria da prática docente em tempos de constantes mudanças sociais.
De acordo com Contreras (2002), poucos são os textos sobre educação que não
abordam a reflexão sobre a prática como um fator essencialmente importante ao
desenvolvimento do trabalho docente.
Ora, porque destacar a reflexão como um aspecto dinâmico e de extrema
importância para a construção de novos olhares sobre processo de formação pessoal e
profissional docente, se refletir é uma característica natural de todo ser humano, e sendo o
professor um ser humano, logo podemos considerá-los como um ser que reflete?
De fato, a reflexão é uma particularidade do indivíduo, a qual inclusive o diferencia
dos demais animais, contudo a abordagem que as pesquisas no campo da educação fazem
sobre a prática reflexiva corresponde ao movimento teórico de compreensão do trabalho
docente, Pimenta (2005, p. 18), e não da reflexão enquanto uma característica do
individuo.
Nesse contexto, o termo reflexão e seu adjetivo reflexivo, empregados
constantemente em textos educacionais, têm como principais referências às obras de
Donald Schön (1992) e Zeichner (1993) as quais se fundamentam teoricamente nos estudos
sobre o pensamento reflexivo do americano John Dewey (1959), primeiro autor a
considerar a reflexão como um elemento fundamental para o desenvolvimento do processo
educativo.
Segundo Dewey, a reflexão não consiste num conjunto de passos ou
procedimentos específicos a serem utilizados pelos professores. Pelo contrário, é
uma maneira de encarar e responder aos problemas. [...]. A reflexão implica
intuição, emoção e paixão; não é, portanto, nenhum conjunto de técnicas que
possa ser empacotado e ensinado aos professores. (Zeichner, 1993, p. 19)
Ou seja, o processo de reflexão abordado no âmbito educacional, não deve ser
entendido como um conjunto de regras e ações a serem seguidas e ensinadas aos
professores, mas como uma ação dinâmica marcada pela complexidade, que envolve tanto
os aspectos afetivos – emoções, crenças, paixão - como a maneira individual de cada
V Jornada Nacional de Educação Matemática e XVIII Jornada Regional de Educação Matemática Universidade de Passo Fundo – Passo Fundo, Rio Grande do Sul – 05 a 07 de maio de 2014
docente encarar e resolver as situações que lhes ocorrem no cenário que atuam. Podemos
dizer então que o ato de refletir potencializa o processo de tomada de consciência, visto
que, ao agir reflexivamente o professor se dá conta do que fez e do que ainda precisa fazer
para resolver uma situação prática de maneira satisfatória.
2. Formação de professores de matemática
Nos últimos anos acompanhamos, no Brasil, o aumento da produção acadêmica
acerca da formação de professores (ANDRE, 2010; DINIZ-PEREIRA, 1999; CHAPANI,
2010; NÓVOA, 1995; ROMANOWSKI, 2012). O debate a respeito desta problemática já
foi caracterizado como em “estado de ebulição” (CHAPANI, 2010), e está no centro do
interesse de diversos pesquisadores e especialistas educacionais, interesse, o qual pode ser
comprovado pelo grande volume de trabalhos (artigos, dissertações e teses) e, eventos
acadêmicos (simpósios, seminários, congressos, mesas-redondas, reuniões e outros),
realizados a respeito desta temática.
Segundo, Diniz-Pereira (1999, p. 109-110), “com a criação das faculdades ou
centros de educação nas universidades brasileiras, em 1968, a formação docente constituiu-
se em objeto permanente de estudos”. Assim, podemos dizer que a ampliação da produção
científica com enfoque na formação de professores nos últimos trinta anos no Brasil está
intimamente relacionada à expansão dos cursos na área de ensino e criação dos programas
de pós-graduação em educação, conforme também sinaliza Marli Andre (2010).
Trazendo a discussão para o contexto da formação de professores de matemática,
observamos de maneira análoga na produção científica, a crescente preocupação de
pesquisadores em investigar sobre os diversos aspectos referentes aos processos de
formação dos professores que ensinam matemática, bem como, investigar sobre os
diversos fatores referentes ao processo de ensino e da aprendizagem desta disciplina.
Neste sentido, centrando as discussões sobre as investigações voltadas a formação
de professores de matemática, Lorenzato e Vila (1993) apontam que:
[...] fazendo parte de uma sociedade em mudanças, nós professores de
matemática, sentimos muitas vezes angustia e preocupação, pois temos
dificuldades em definir os conteúdos mínimos básicos de matemática de que
nossos alunos necessitarão em suas atividades futuras para melhor atuarem na
sociedade em mudança do próximo milênio. (p. 1).
Diante das mudanças sociais, notamos a necessidade dos professores estarem cada
vez mais antenados com o mundo, com a quantidade e a velocidade de informações que
V Jornada Nacional de Educação Matemática e XVIII Jornada Regional de Educação Matemática Universidade de Passo Fundo – Passo Fundo, Rio Grande do Sul – 05 a 07 de maio de 2014
chegam a todo o momento, para que assim possam contribuir significativamente com a
sociedade, valorizando e respeitando as diferenças existentes.
Nesse sentido, os cursos de formação de professores de matemática precisam
perceber a prática docente de matemática como um processo dinâmico carregado de
incertezas e conflitos, um espaço de criação de reflexão, onde novos conhecimentos são
gerados e modificados continuamente (CNE/CES, 2001, p.4), isto é, ainda em seu processo
formativo o futuro professor deve perceber que a sua atuação prática possibilita a criação
de conhecimentos e de estratégias para resolver as situações concretas da sala de aula.
D’Ambrósio, (2001) argumenta que, “o mundo atual requer outros conteúdos,
naturalmente outras metodologias, para que se alcancem os objetivos maiores de
criatividade e cidadania plena” (p.20) para atuar frente às mudanças. Levando em
consideração as influências do avanço tecnológico Perrenoud (1999), expõe que:
As sociedades se transformam, fazem-se e desfazem-se. As tecnologias mudam o
trabalho, a comunicação, a vida cotidiana e mesmo o pensamento. As
desigualdades se deslocam, agravam-se e recriam-se em novos territórios. Os
atores estão ligados a múltiplos campos sociais, a modernidade não permite a
ninguém proteger-se das contradições do mundo. Quais as lições que daí podem
ser tiradas para a formação de professores? Certamente, convém reforçar sua
preparação para uma prática reflexiva3, para a inovação e a cooperação. (p.1)
O conceito de prática reflexiva é encontrado em vários momentos em que falamos
da formação de professores, o agir reflexivamente se torna indispensável uma vez que, o
ensino, em especial o ensino da matemática baseado no modelo na racionalidade técnica4
não é mais adequado para suprir as demandas dos dias atuais, já que é preciso formar um
profissional que saiba atuar frente as situações inesperadas que emergem na sala de aula, a
exemplo das situações de “incerteza, singularidade, e de conflitos de valores que escapam
aos cânones da racionalidade técnica”, (SCHÖN, 2000, p.17) e necessitam de
conhecimentos para além dos científicos para serem solucionadas.
3 Destaque das autoras.
4 Segundo Pereira-Diniz, (1999), o modelo das licenciaturas no Brasil sofreu poucas modificações desde a
sua criação na década de 1930. Os cursos de formação de professores possuíam o formato 3 + 1, onde o
licenciando passava 3 anos estudando conteúdos específicos da área dura, e 1 ano estudando os aspectos
pedagógicos. Por exemplo, um licenciando em matemática, deveria estudar 3 anos de disciplinas voltadas a
aquisição do conhecimento matemático e no último anos de curso deveria estudar conhecimento sobre os
aspectos relacionados a educação. Este formato está em consonância com o modelo da racionalidade
técnica, que consiste em priorizar a formação teórica e supervalorizar a obtenção do conhecimento
específico, por acreditar que para ser bom professor basta o domínio da área do conhecimento específico
que se vai ensinar. Neste modelo de formação o perfil do professor é o de técnico-especialista, que aplica
fielmente as regras e definições do conhecimento específico.
V Jornada Nacional de Educação Matemática e XVIII Jornada Regional de Educação Matemática Universidade de Passo Fundo – Passo Fundo, Rio Grande do Sul – 05 a 07 de maio de 2014
3. O professor-reflexivo de Donald Schön
Partindo do principio que apenas a formação técnica/ instrumental, não fornece os
conhecimentos necessários para a atuação prática dos profissionais frente aos problemas
inesperados, incertos, singulares e conflituosos que ocorrem no ambiente de trabalho,
(CONTRERAS, 2002); Schön propõe em seus estudos realizados ao final do século XX,
no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, uma formação
profissional voltada à valorização da prática reflexiva, (PIMENTA, 2005), na qual os
profissionais devem ser ensinados a atuar em meio aos conflitos que emergem espontânea
e inesperadamente no decorrer de suas atividades.
Os trabalhos de Schön baseiam-se em pesquisas desenvolvidas por John Dewey,
primeiro pesquisador a realizar investigações a respeito do pensamento reflexivo e logo
suas ideias são adaptadas e utilizadas nas pesquisas educacionais. Schön (2000) a partir das
palavras de Dewey, sinaliza que
[...] ao estudante não se pode ensinar o que ele precisa saber, mas se pode
instruir. “Ele tem que enxergar por si próprio e à sua maneira, as relações entre
os meios e métodos empregados e resultados atingidos. Ninguém mais pode ver
por ele, e ele não poderá ver ‘falando-se’ a ele, mesmo que o falar correto possa
guiar seu olhar e ajudá-lo a ver o que ele precisa ver” (p. 25).
Embora não se possa ensinar exatamente o que o profissional precisa saber, é
possível a partir da sua compreensão do que é necessário saber para o desenvolvimento de
sua atividade, ou seja, a partir de sua experiência, incentivá-lo a reconhecer aquilo que é
imprescindível para o desempenho do seu papel e assim auxiliá-lo na construção do
conhecimento. Nesse sentido, Schön (2000) discorre sobre uma epistemologia da prática,
embasada em três conceitos distintos, a saber: conhecimento na ação, reflexão na ação e
reflexão sobre a ação e reflexão sobre a reflexão na ação.
O primeiro conceito – conhecimento na ação - refere-se aos “conhecimentos que
são revelados em ações inteligentes5” (SCHÖN, 2000, p. 31). Está relacionado ao saber
5 Segundo Schön (2000) as ações inteligentes, se constituem em atos observáveis, que podem ser púbicos,
como pilotar uma moto, andar de bicicleta, ou particulares, como analisar um extrato bancário, assinar uma
folha de cheque, entre outros.
V Jornada Nacional de Educação Matemática e XVIII Jornada Regional de Educação Matemática Universidade de Passo Fundo – Passo Fundo, Rio Grande do Sul – 05 a 07 de maio de 2014
fazer, que se torna visível de maneira espontânea nas atividades realizadas cotidianamente,
isto é, trata-se de um saber tácito que advém da experiência e que não são expressos
verbalmente (idem). Nem sempre temos a consciência de que temos esses conhecimentos
armazenados na memória, e só nos damos conta de que os possuímos quando fazemos usos
deles, nesse caso o conhecimento não antecede a ação, mas está na ação e são sempre
saberes construídos (SCHÖN, 2000).
A reflexão na ação, pode ser entendida como o ato de pensar durante a ação sem
interrompê-la, o que nos possibilita dar novos significados ao que estamos fazendo e no
instante em que estamos fazendo. A reflexão na ação, geralmente é originada nas situações
rotineiras desempenhadas pelo professor, estas produzem resultados inesperados e
estranhos e não se ajustam ao conhecer na ação, o que favorece uma reflexão no momento
em que a ação está sendo desenvolvida, a qual pode ser verbalizada ou não (SCHÖN,
2000; CONTRERAS, 2002; PIMENTA, 2005).
Ao dar continuidade ao processo de reflexão, analisando retrospectivamente como
o conhecimento na ação o auxiliou na resolução de uma situação inesperada; o professor
inicia o processo de reflexão sobre a ação e reflexão sobre a reflexão na ação, ambas
acontecem em um ambiente tranquilo e com o auxílio de teorias que possibilitam ao
docente expressar e descrever como se deu o conhecimento na ação e a reflexão na ação, e
olhar a situação inesperada a partir de outro viés confrontando teoria e prática (GRILLO,
2000). E somando-se a estes aspectos a reflexão sobre a reflexão na ação, permite ainda
que se pense sobre a descrição resultante da reflexão sobre a ação (SCHÖN, 2000).
Os conceitos – conhecimento na ação, reflexão na ação e reflexão sobre a ação e
reflexão sobre a reflexão na ação – fazem parte da epistemologia da prática e um não
exclui o outro, eles se desenvolvem de maneira harmônica e auxiliam na compreensão e
criação de novas estratégias e conhecimentos para enfrentar as situações da sala de aula.
(GRILLO, 2000; SCHÖN, 2000; CONTRERAS, 2002).
No cenário da formação de professores Zeichner (1993), aponta que o movimento
de caráter internacional que enfatizou o uso do termo reflexão nas atividades profissionais
que foi absorvido pelas pesquisas voltadas ao ensino e a educação, em geral, pode ser
encarado como uma reação contra ao entendimento de que os professores participam
passivamente das reformas educacionais, sendo meros executores das decisões que são
estabelecidas, de cima para baixo, o que os caracterizam como técnico-especialista.
Ainda de acordo com este autor,
V Jornada Nacional de Educação Matemática e XVIII Jornada Regional de Educação Matemática Universidade de Passo Fundo – Passo Fundo, Rio Grande do Sul – 05 a 07 de maio de 2014
A reflexão como palavra de ordem da reforma educacional também significa o
reconhecimento de que o processo de aprendizagem do ensino prossegue ao
longo de toda a carreira do educador, o reconhecimento de que, por mais que
façamos com os nossos programas de educação de professores e por mais que os
aperfeiçoemos, na melhor das hipóteses, só conseguiremos preparar os
educadores para que comecem a ensinar de ajudar os educadores potenciais a
internalizar, durante o treinamento inicial, a disposição e a capacidade de estudar
o seu ensino e melhorar durante toda a carreira (cf. Korthagen, 1993; Little,
1994). (ZEICHNER 1993p. 42).
A reflexão torna a prática mais significativa e abrange a ideia de um constante
processo formativo, uma vez que, ao ‘pensar’, ‘analisar’ sua atuação o professor identifica
suas potencialidades e limitações o que o leva a tomada de consciência da necessidade de
participar de novos processos formativos que lhes auxiliem a buscar respostas para os
questionamentos e inquietações que não foram possíveis de serem resolvidos com os
conhecimentos obtidos na formação inicial.
Embora o termo reflexão seja aceito e bastante utilizada nos textos pedagógicos,
muitas criticas têm sido realizadas com relação a este conceito, a exemplo de autores como
Zeichner (2003); Pimenta e Ghedin (2005), e outros.
Zeichner (2003), alerta que este termo tem sido utilizado como slogan, esvaziado
em sentido sem levar em consideração a ideologia por trás da mesma. Outras críticas
podem ser encontradas nos textos educacionais, contudo por não ser objeto de estudo nesse
ensaio não daremos ênfase.
4. A metacognição
Talvez o leitor ao chegar a esse ponto do texto perceba que precisa retomar a leitura
do início para compreender o que foi dito até agora, se este é seu caso, certamente você
está passando por uma experiência metacognitiva. Caso contrário, se você segue a leitura
acreditando estar entendendo as discussões realizadas, você também está passando por uma
experiência metacognitiva (GRENDENE, 2007). A experiência metacognitiva, segundo
Ribeiro (2003, p.11), corresponde às “impressões ou percepções, consciente que podem
ocorrer antes, durante ou após” executarmos uma atividade, em que ativamos nosso
pensamento reflexivo acerca da nossa ação.
V Jornada Nacional de Educação Matemática e XVIII Jornada Regional de Educação Matemática Universidade de Passo Fundo – Passo Fundo, Rio Grande do Sul – 05 a 07 de maio de 2014
Mas o que é exatamente podemos chamar de metacognição6? Como podemos
defini-la?
Ainda hoje não há um consenso na literatura a respeito do conceito de
metacognição (RIBEIRO, 2003; GUSMÃO, 2006). Utilizada por John H. Flavell pela
primeira vez na literatura no ano de 1976 nos Estados Unidos, a palavra metacognição foi
definida, como a cognição da cognição, ou seja, o conhecimento sobre conhecimento ou
reflexão sobre a ação.
O próprio Flavell considerou sua definição vaga e não muito satisfatória para
explicar o fenômeno metacognitivo. No entanto, sua conceitualização serviu como base
para desenvolver um modelo teórico, (FERREIRA, 2003), a ser seguido pelos demais
adeptos de sua teoria, e constituiu-se em uma primeira tentativa de uma definição
sistemática da metacognição e não só isso, como também em uma “explosão” de pesquisas
empíricas nesse domínio (GUSMÃO, 2006).
Ao aprofundar os estudos sobre o tema Flavell postulou que a metacognição tratava
dos ”conhecimentos sobre a natureza das pessoas como cognitivas, sobre a natureza das
diferentes tarefas cognitivas, e sobre possíveis estratégias que podem ser aplicadas para a
solução de diferentes tarefas” (LEITE; DARSIE, 2011).
Conforme indica Gusmão (2006), nos dias atuais as ideias que sustentam a
literatura básica no domínio da metacognição se devem a Flavell - paradigma da psicologia
cognitiva estrutural e a Brown - paradigma da psicologia cognitiva do processamento da
informação. Esses teóricos propuseram de forma independente e complementar um
conjunto de definições-descrições desse domínio.
Em sua tese de doutorado esta mesma autora apresenta um panorama de definições
e modelos em torno dessa temática a partir do qual a permitiu concluir que das diversas
definições existente pode-se identificar duas grandes “divisões” de conteúdos que têm a
ver com os significados que atribuem ao conceito de metacognição, a que: (1) a concebe
como um “produto ou conteúdo cognitivo” e (2) a assimila “processos ou operações
cognitivas”. Para uma melhor compreensão dos significados acima remetemos à autora.
A partir das diversas definições encontradas a respeito da metacognição e, levando
em consideração que o conhecimento (acerca dos próprios processos e produtos
6 O prefixo meta entre outras coisas, pode significar “posterior a” ou “que acompanha”, portanto a
metacognição pode ser entendida como que acompanha a cognição ou que vem depois da cognição
(GUSMÃO, 2006).
V Jornada Nacional de Educação Matemática e XVIII Jornada Regional de Educação Matemática Universidade de Passo Fundo – Passo Fundo, Rio Grande do Sul – 05 a 07 de maio de 2014
cognitivos) colocado em prática por uma pessoa (cognitiva e afetiva) sofre influências de
contextos sociais diversos (família, escola, processos de instrução e outros) que juntos
constroem uma história de vida de um sujeito, Gusmão (2006) propõe que a metacognição
seja entendida como:
Um conhecimento teórico-prático-social que acompanha a cognição (interagindo
ambos continuamente sem que se possa considerar que um determina o outro de
maneira “mecânica”), podendo ser desenvolvido e/ou incrementado ao mesmo
tempo em que o conhecimento cognitivo é desenvolvido, e como tal é resultado
das exigências da conduta social efetiva e satisfatória e que ademais, se usa e se
modifica segundo restrições contextuais (p. 103).
Dessa conceitualização percebemos a existência de elementos que conectam a
metacognição ao termo de professor-reflexivo, visto que, em ambos os conceitos está
presente o processo de tomada de consciência sobre os conhecimentos mobilizados na
prática. Ainda podemos identificar que a prática é um elemento central nos dois os
conceitos. No entanto Ferreira (2003), esclarece que embora as definições de metacognição
e reflexão possuam aspectos em comum, devemos ser cautelosos ao apontar as
semelhanças, visto que não há um referencial teórico que possamos nos embasar.
5. Profissional-reflexivo e metacognição: estabelecendo um diálogo
Nesta sessão tentaremos estabelecer um diálogo entre os conceitos de professor-
reflexivo e metacognição a partir das definições e características apresentadas por Ferreira
(2003) e Gusmão (2006) em suas teses de doutorado, onde encontramos um quadro com as
mais diferentes definições metacognição de diversos autores ao longo dos anos; e, por
meio dos três conceitos expostos por Schön para o desenvolvimento de uma prática
reflexiva – conhecimento na ação, reflexão na ação, reflexão sobre a ação e reflexão
sobre a reflexão na ação.
Na leitura das duas teses acima mencionadas identificamos trinta e três definições7,
das quais selecionamos cinco que, de alguma forma, fazem referência a algum aspecto do
conceito do professor-reflexivo. Conforme expomos abaixo, para cada uma dessa
apresentamos as semelhanças entre tal conceito.
7 Todas as definições apresentadas nesse tópico foram retiradas integralmente como estão escritas nos
trabalhos Ferreira (2003, p. 54-55) – itens de 1 a 4 e Gusmão (2006, p. 46) - item 5.
V Jornada Nacional de Educação Matemática e XVIII Jornada Regional de Educação Matemática Universidade de Passo Fundo – Passo Fundo, Rio Grande do Sul – 05 a 07 de maio de 2014
1) A metacognição é entendida como o ‘pensar sobre o pensar’. Compreensão do
conhecimento, “uma compreensão que pode ser refletida tanto no uso efetivo
quanto na descrição do conhecimento em questão”. Brown e De Loache
(1978) (apud Wilson, 1997) Brow (1987) (apud Yussen, 1985).
“Pensar sobre o pensar”, nos remete ao conceito de reflexão na ação, que
advém das reflexões que o professor realiza sobre as ações desenvolvidas no
seu fazer pedagógico, no instante em que realiza determinada ação.
2) A metacognição [...] É a habilidade de refletir e avaliar a produtividade do
nosso próprio pensamento [...] é a nossa habilidade de saber o que sabemos e
o que não sabemos. (Costa, 1984 apud Darsie, 1998).
Quando pensamos no termo avaliar, diversos significados vêm a nossa mente, e
talvez a ideia mais forte presente no ato de avaliar seja a da análise detalhada
de determinada situação. Nessa definição, entendemos a avaliação como à
análise que o indivíduo realiza de suas próprias ações/pensamentos, e nesse
sentido podemos dizer que avaliar um pensamento consiste em refletir sobre a
ação.
3) A necessidade de analisar e refletir sobre o processo cognitivo e a capacidade
de colocar em uso um raciocínio, denomina-se metacognição. (Barth, 1987,
apud Darsie, 1998).
Nesta definição percebemos a relação da metacognição com o conhecimento na
ação, que está relacionado com o saber fazer, e se dá espontaneamente na
execução de uma atividade, quando pomos em prática um conhecimento -
colocamos em uso um raciocínio – durante a ação.
4) A metacognição é o processo pelo qual refletimos sobre nosso próprio
conhecimento e como ele muda. (Diver, 1988 apud Darsie, 1998).
De maneira análoga ao item (1), podemos dizer que refletir sobre o próprio
conhecimento está ligado a reflexão na ação, processo o qual nos auxilia na
tomada de decisões diante de uma de a situação inesperada.
V Jornada Nacional de Educação Matemática e XVIII Jornada Regional de Educação Matemática Universidade de Passo Fundo – Passo Fundo, Rio Grande do Sul – 05 a 07 de maio de 2014
5) Entende que a metacognição é um processo que equivale à tomada de
consciência e compreensão dos próprios saberes e práticas, a reflexão e a
autorregulação da própria aprendizagem prática. (Ferreira, 2003 p.35).
O professor se dá conta na prática do conhecimento que possui por meio do
processo de tomada de consciência, e monitoramento do seu próprio
conhecimento, analisando o que já fez e o que ainda precisa fazer para resolver
as situações comuns à sala de aula.
6. Considerações sobre o estudo
Entendendo a metacognição, em linhas gerais, como o conhecimento, a consciência
e o controle que o individuo tem de seus próprios saberes (FLAVELL; MILLER e
MILLER, 1999), sobre suas limitações e o monitoramento de seus processos cognitivos,
que leva a “reconhecer a inadequação de estratégias específicas e abre a possibilidade para
seu envolvimento na aquisição de novas habilidades e estratégias”, (FERREIRA, 2003),
acreditamos que a prática metacognitiva favorece a reflexão e a reelaboração do saber e o
saber fazer, (DARSIE; CARVALHO (1996), pois o fato do indivíduo poder pensar a partir
de suas experiências e ações podendo identificar o que já sabe e o que ainda precisa
aprender lhes dá a noção de responsabilidade pelo seu desempenho e gera confiança nas
suas próprias capacidades.
7. Referências bibliográficas
ANDRÉ, Marli. Estado Formação de professores: a constituição de um campo de estudos.
Educação, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 174-181, 2010.
BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Parecer nº. 1.302 de 2001 –
Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Matemática, Bacharelado e
Licenciatura. Diário Oficial da União, Brasília, de 05 dezembro, seção 2e, p. 13.
CHAPANI, Daisi Teresinha. Políticas públicas e histórias de formação de professores de
ciências: uma análise a partir da teoria social de Habermas. Tese (doutorado). Programa
de pós-graduação “Educação para a Ciência”. Faculdade de Ciências. Universidade
Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho. Bauru: UNESP, 2010.
V Jornada Nacional de Educação Matemática e XVIII Jornada Regional de Educação Matemática Universidade de Passo Fundo – Passo Fundo, Rio Grande do Sul – 05 a 07 de maio de 2014
CONTRERAS, José. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002.
D’ AMBROSIO, Ubiratan. Desafios da educação matemática no novo Milênio. In
Educação Matemática em revista, ano 8, n.11, p. 14-17, 2001.
DARSI, Marta Maria P. CARVALHO, Anna Maria Pessoa de. O início da formação do
professor reflexivo. Revista da Faculdade de Educação. São Paulo, v. 22, n. 2, p. 90-108,
1996.
DINIZ-PEREIRA. Júlio Emílio. As licenciaturas e as novas políticas educacionais para a
formação docente. Educação e Sociedade, Campinas, ano XX, n. 68, p. 109-125, dez.1999.
DORIGON, Thaisa Camargo; ROMANOWSKI, Joana Paulin. A reflexão em Dewey e
Schön. Revista Intersaberes, Curitiba, ano 3, n. 5, p. 8 - 22, jan/jul 2008.
FERREIRA, Ana Cristina. Metacognição e desenvolvimento profissional de professores de
matemática: uma experiência de trabalho colaborativo. (Tese de Doutorado).
Universidade Estadual de Campinas - SP: Brasil. 2003.
GRILLO, Marlene Corero. O lugar da reflexão na construção do conhecimento
profissional. In. MOSINI, Marília Costa (Org).Professor do ensino superior-identidade,
docência e formação.Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais,
2000. p. 75-80.
GRENDENE. MÁRIO VINÍCIUS CANFILD. Metacognição: uma teoria em busca de
validação.53 p. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Faculdade de Psicologia,
PUCRS. Porto Alegre, 2007.
GUSMÃO, T. Los procesos metacognitivos en la comprensión de las prácticas de lós
estudiantes cuando resuelven problemas matemáticos: una perspectiva ontossemiótica.
366p. Tese (Doutorado em Didáctica de las Matemáticas) – Faculdade de Ciências da
Educação, Universidade de Santiago de Compostela, Espanha, 2006.
JARDILINO, José Rubens Lima; BARBOSA, Nayara Ferreira de Moura. Formação inicial
e estágio: uma reflexão sobre o conceito de “professor-reflexivo”. Revista Diálogo
Educacional, Curitiba, v. 12, n. 37, p. 763-781, 2012.
V Jornada Nacional de Educação Matemática e XVIII Jornada Regional de Educação Matemática Universidade de Passo Fundo – Passo Fundo, Rio Grande do Sul – 05 a 07 de maio de 2014
LEITE, Eliana Alves P. DARSIE, Marta Maria P. Implicações da metacognição no
processo de aprendizagem da matemática. Revista Eletrônica de Educação, v. 5, n. 2, nov.
2011.
LORENZATO, S. e VILA, M. C. Século XXI: qual Matemática é recomendável? Zetetiké.
Ano 1 n.1, 41-49, 1993.
PERRENOUD, Philippe. Formar professores em contextos sociais em mudança: prática
reflexiva e participação crítica. Revista Brasileira de Educação n. 12. 1999.
PIMENTA, Selma Garrido. Professor reflexivo: construindo uma critica. In: PIMENTA,
Selma Garrido; GHEDIN, Evandro (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica
de um conceito.3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 17-52.
SCHÖN, Donald Alan. Educando o Profissional Reflexivo: um novo design para o ensino
e a aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2000.
_________. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, Antonio
(Org.).
Os professores e a sua formação. Portugal: Dom Quixote, 1992. p. 77-92.
RIBEIRO, Célia. Metacognição: Um Apoio ao Processo de Aprendizagem. Psicologia:
Reflexão e Crítica, 2003, p. 109-116.
ROMANOWSKI, Joana Paulin. Apontamentos em pesquisas sobre formação de
professores: contribuições para o debate. Diálogo Educacional, v. 12, n. 37, p. 905-924.
Curitiba-PR, 2012.
ZEICHNER, Kenneth.M. A formação reflexiva de professores: idéias e práticas. Lisboa: E
duca, 1993.
__________. Formando professores- reflexivos para a educação centrada no aluno:
possibilidades e contradições. In: BARBOSA, R. L. L. (Org.). Formação de educadores:
desafios e perspectivas. São Paulo: Ed. UNESP, 2003. p. 35-55.