Post on 12-Aug-2020
Elaborado por Brenda Moore, Rodrigo
F. Cano e Thamiris Paiva.
Rio de Janeiro, 3 de agosto de 2020
A química de fluxo para a produção de insumos farmacêuticos ativos
Introdução
A elevada dependência de importação de insumos de alto valor agregado é um
cenário de longa data presente no complexo industrial brasileiro. A fragilidade do
setor industrial nacional, no que diz respeito a sua baixa capacidade fabril de oferecer
produtos e soluções tecnológicas made in Brazil, tem sido fortemente evidenciada no
decorrer da evolução da pandemia de COVID-19 no Brasil. No caso dos setores
farmacêuticos e afins, itens indispensáveis voltados ao combate a pandemia de
COVID-19, como medicamentos para o tratamento clínico de pacientes acometidos,
enfrentaram a realidade de estoque crítico e, em alguns casos, até mesmo escassez1,2.
Diversas instâncias governamentais atuaram em frentes para viabilizar uma rápida e
custo efetiva aquisição desses itens no mercado externo, como anulação de tarifas
fiscais e aceleração de processos alfandegários. Apesar de medidas assertivas para
mediar o inevitável aumento da demanda interna por medicamentos para tratamento
de COVID-19, tanto para a rede pública quanto para a rede privada, essas ações
apenas tamponam temporariamente um diagnóstico clássico da indústria nacional:
sua demasiada dependência de insumos farmacêuticos ativos (IFAs) estrangeiros e
sua insuficiência fabril para respectiva manufatura1,2.
O Brasil hoje é um dos dez principais consumidores de medicamentos do mundo,
com um mercado estimado em R$ 90,2 bilhões em 2018, sendo o orçamento
institucional na faixa de R$ 27,8 bilhões. Desta parcela, mais de 50% é aportada pelo
setor público. Como nenhum país é autossuficiente nessa área, a ausência de
restrições em importações fármacos é uma realidade brasileira que precede a atual
pandemia. Contudo, a falta de uma isonomia tributária para os produtores nacionais
compromete a sua competitividade frente ao preço dos fornecedores internacionais,
que é relativamente baixo, devido ao ganho de escala e de custo de operação, que
dificulta entrada de novas iniciativas nacionais para fármacos estratégicos ou com
potencial de mercado1,2,3.
O exposto acima, somado a atual balança comercial negativa brasileira no segmento
farmacêutico, ressalvam a implicância dessa realidade nos cofres públicos e a
vulnerabilidade da soberania nacional em casos de escassez mundial, conforme
observado na evolução da pandemia. Também uma outra face do Brasil pode ser
destacada, a de um potencial espaço para aumentar o portfólio de insumos
farmacêuticos ativos produzidos e formulados no país1,2,3,4.
A química de fluxo para a produção de insumos farmacêuticos ativos
Essa grande área industrial pode ser vista como uma janela de oportunidade a ser
explorada, principalmente para produtos genéricos, biossimilares e aqueles obtidos a
partir da biodiversidade brasileira. Segundo relatórios da Organização Mundial da
Saúde, investimento na área da saúde impacta diretamente no desenvolvimento
econômico de um país. Dito isso, para um país mais soberano, autônomo e
competitivo no setor farmacêutico, faz-se necessário reavaliar possibilidades de
fomento ao redesenvolvimento do complexo industrial da saúde nacional capaz de
atender minimamente demandas atuais como também as eventuais emergenciais,
por exemplo as advindas ao longo da pandemia de COVID-19. Nesse sentido, a
inovação tecnológica na área da saúde, bem como seu investimento, são vistas como
alguns dos principais pilares para assegurar esse futuro3,4,5.
Desse modo, o Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos e Fibras busca explorar
uma das principais tendências tecnológicas na área da produção de insumos
farmacêuticos ativos que diz respeito ao emprego da química de fluxo, uma das
estratégias de intensificação de processos mais promissoras na atualidade. Sendo
assim, o presente documento busca explorar aspectos mercadológicos da indústria
farmacêutica nacional e demonstrar por meio de uma análise de patentes que o uso
da química de fluxo é uma realidade industrial de sucesso para produção otimizada,
customizada e de alta efetividade em relação as abordagens tradicionais6.
O mercado farmacêutico no Brasil
O complexo industrial da saúde nacional é caracterizado por uma cadeia de valor
fragmentada e, em sua grande maioria, dependente de IFAs oriundos do mercado
externo. Há iniciativas fabris de capital nacional e internacional atuando no país em
produtos e mercados estratégicos, como biossimilares e genérico, seja na formulação
ou produção propriamente dita. No entanto, sua participação no tocante a produção
dos insumos propriamente dita ainda é diminuta, de modo que a principal
participação das empresas nessa cadeia de valor no Brasil é na etapa de formulação
do medicamento. Mesmo assim, é importante enaltecer os casos de sucesso das
iniciativas privadas e públicas voltadas a produção desses insumos de alto valor
agregado, a citar: anticorpos monoclonais (rituximabe, trastuzumabe, etc), vacinas
(tríplice viral, DTP+Hib, etc) e medicamentos de origem animal (heparina, condroitim
sulfato, entre outros)3,4,7,8. O exposto acima apenas ressalva a capacidade técnica e
fabril para produção desses insumos, que pode ser explorada ainda mais por meio de
políticas públicas voltadas a nacionalização.
A química de fluxo para a produção de insumos farmacêuticos ativos
O valor gasto com medicamentos no Brasil foi de aproximadamente R$ 25 bilhões em
2018, distribuída entre fármacos de marcas originais (~20-25%), biossimilares ou
genéricos (~25-30%), medicamentos sem receita (~30-35%), sem marcas (~20-30%) e
outros (~1-5%). No que diz respeito aos aspectos mercadológicos, a balança
comercial brasileira para produtos farmacêuticos possui um déficit comercial de
longa data estimado em mais de US$ 6 bilhões em 2019 (Figura 1). Há uma
expressiva discrepância entre os valores importados (> US$ 7,2 bilhões) e exportados
(< US$ 1,5 bilhão) para essa classe de produtos. Contudo, o volume em quilogramas
foi relativamente o mesmo entre 2018 e 2019, indicando um possível fluxo de
matérias-primas de alto valor agregado para dentro do pais. Por fim, os principais
países exportadores são na ordem Alemanha, Estados Unidos e Suíça, que aportam
sozinhos mais de 44% de todo o volume FOB importado em 20193,7.
Figura 1. (a) Balança comercial do Brasil referente à produtos farmacêuticos entre 2009 e 2019. (b)
Distribuição da origem dos produtos importados em 2019 em termos de US$7.
A química de fluxo para a produção de insumos farmacêuticos ativos
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2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
Qu
an
tid
ad
e (
kg
)
Milh
ões
Exportação Importação
0
2
4
6
8
FO
B (
US
$)
Bilh
ão
Alemanha
18%
Estados Unidos
16%
Suíça
10%Itália
6%Bélgica
5%
Índia
5%
França
4%
Irlanda
4%
Dinamarca
4%
Porto Rico
4%
Espanha
3%
Reino Unido
3%
Áustria
2%
China
2%
Outros
14%
a)
b)
Química de fluxo como técnica de intensificação de processos
A definição estabelecida para Intensificação de Processos (PI - do inglês, process
intensification) é “desenvolvimento de aparatos e técnicas inovadoras que oferecem
melhorias drásticas na fabricação e processamento de produtos químicos, reduzindo
substancialmente o volume de equipamentos, o consumo de energia, ou a formação
de resíduos, e, em última análise, conduzindo a tecnologias mais baratas, seguras e
sustentáveis”9. Esse conceito foi inicialmente colocado visando minimizar os custos
operacionais e de capital sem comprometer as metas de produção, através apenas da
redução na escala.
Os benefícios associados incluem alguns princípios da Química Verde, como a
segurança intrínseca, baixo impacto ambiental e o menor consumo material,
energético e hídrico; e o aumento da conversão, devido à redução de reações
secundárias e geração de subprodutos10. Para alcançar drásticas reduções de
tamanho são necessárias novas abordagens para o projeto dos equipamentos e
processos, dentre essas, o desenvolvimento de equipamentos que combinem mais
de uma operação unitária.
A partir de 2005, a tecnologia de química de fluxo, também conhecida como
microfluídica, por meio dos reatores milicanais e microcanais, tem sido considerada
fundamental para a intensificação de processos e para a maior segurança na
produção de produtos químicos11. A menor dimensão do reator provoca um aumento
significativo nos coeficientes de transferência de calor e massa, o que leva a uma
diminuição nos tempos do processo. Os processos miniaturizados geralmente usam
menos energia, reagentes e solventes que os processos convencionais e têm
desempenho melhor.
Além disso, dificuldades relacionadas à mistura reacional são efetivamente
eliminadas nestes reatores, sendo a mistura essencialmente instantânea. Com isso, o
uso destes reatores facilita significativamente o processo de escalonamento visto que
não precisam ser modificados. De fato, o escalonamento pode ser obtido trabalhando
com vários reatores em paralelo, processo chamado de “numbering up”12. No
desenvolvimento do processo de fluxo, a integração de tecnologias analíticas em
linha fornece uma ferramenta valiosa para entender e monitorar o sistema em tempo
real.
A química de fluxo para a produção de insumos farmacêuticos ativos
Diante das inúmeras vantagens supracitadas, os processos conduzidos via química
de fluxo têm ganhado a atenção da comunidade científica e das empresas, em
particular para a produção de produtos químicos finos e produtos farmacêuticos13.
No caso da indústria farmoquímica, os IFAs são, normalmente, substâncias com
estruturas mais complexas, que requerem diferentes etapas reacionais para as suas
sínteses; necessitando, portanto, de maior versatilidade/facilidade no que diz respeito
ao aparato experimental utilizado14. Estes gargalos operacionais em conjunto com as
diversas vantagens da química de fluxo tornam estes sistemas uma abordagem
atrativa para este setor industrial.
Mapeamento tecnológico: patentes de processos em química de fluxo
As patentes constituem uma fonte valiosa de informação para estudos de inovação,
uma vez que revelam tendências em novos processos e produtos, permitindo a
identificação de players envolvidos com P&D&I de ponta. O levantamento de
patentes de processos em química de fluxo foi realizado em 04 de junho de 2020,
utilizando o software da Questel, o Orbit Intelligence, relacionando as palavras-chave
de química de fluxo e de processo, como apresentado na Tabela 1 abaixo.
Tabela 1. Estratégia de busca.
Essa busca retornou 2.960 resultados, apresentando um aumento considerável no
número de depósitos a partir de 2015, como apresentado na Figura 2. Os escritórios
que mais receberam depósitos de patentes foram, respectivamente, China, Japão,
Estados Unidos, OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual, do inglês,
World Intellectual Property Organization), Escritório Europeu de Patentes e Alemanha.
A química de fluxo para a produção de insumos farmacêuticos ativos
DescriçãoPalavras-chave de
química de fluxo
Palavras-
chave de
processo
Resultados
Busca das palavras-chave no título, resumo e
reinvindicações, relacionando as palavras-chave
de química de fluxo e as palavras-chave de
processo
flow chemistry
microreaction
microreactor
AND
process
product
synthesis
prepare
2.960
Figura 2. Evolução temporal da publicação das patentes entre 1990 e 2020.
A Figura 3 apresenta a divisão por setor de aplicação com base nas patentes
levantadas. Como pode ser observado, há uma predominância do uso da química de
fluxo para produzir fármacos e intermediários químicos.
Figura 3. Divisão das patentes de química de fluxo por setores de aplicação.
A química de fluxo para a produção de insumos farmacêuticos ativos
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Nú
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de p
ate
nte
s d
ep
osit
ad
as
Farmacêutico
26%
Intermediários
Químicos
19%
Tintas, pigmentos
e coating
13%
Eletrônicos
12%
Polímeros
11%
Enegético
8%
Personal Care
3%
Surfactantes
2%
Outros
6%
Mapeamento tecnológico: setor farmacêutico
O setor de fármacos representa 26% das patentes levantadas para processos em
química de fluxo. Em grande parte, pelas vantagens que estes sistemas apresentam
para diversas sínteses farmacêuticas. A Figura 4 apresenta a distribuição temporal, de
2000 a 2020, das patentes de fármacos. Vale destacar, que houve um aumento
considerável a partir de 2015, acompanhando a tendência da própria tecnologia.
Figura 4. Evolução temporal da publicação das patentes no setor farmacêutico entre 1990 e 2020.
A Figura 5 apresenta a distribuição dos principais códigos CPC (Classificação
Cooperativa de Patentes) das patentes de fármacos levantadas. O CPC é o sistema de
classificação criado pelo EPO (European Patent Office) e USPTO (United States Patent
and Trademark Office), baseado na IPC (Internacional Patent Classification), porém
com maior detalhamento.
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Nú
mero
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ate
nte
s d
ep
osit
ad
as
Figura 5. Distribuição dos principais códigos CPC das patentes de fármacos.
A Figura 6 abaixo apresenta em quais países as patentes foram protegidas, o que
demonstra a intenção dos players de proteger suas tecnologias nesses territórios. A
maioria das patentes levantadas foram depositadas na China, nos Estados Unidos, no
Japão e no Escritório Europeu de Patentes.
Figura 6. Território de proteção das patentes de fármacos.
A química de fluxo para a produção de insumos farmacêuticos ativos
B01J
30,8%
C07C
15,9%C07D
11,3%
B01L
8,2%
B01F
7,4%
G01N
6,8%
Y02P
5,8%
A61K
5,4%
C07B
4,6%
B82Y
3,8%
CPC Descrição
B01JProcessos químicos ou físicos e seus
aparatos
C07CCompostos orgânicos acíclicos ou
carbocíclicos
C07D Compostos orgânicos heterocíclicos
B01L Aparatos laboratoriais e seus usos
B01FProcessos de emulsão, dispersão e seus
aparatos
G01N Dispositivo para teste de amostras
Y02PProcessos/tecnologias com menor
impacto ambiental
A61K Preparações para área médica
C07B Química orgânica e seus aparatos
B82Y Nanotecnologia
Países Patentes Países Patentes
1. China 336 6. Índia 46
2. Estados Unidos 110 7. Canadá 32
3. Japão 81 8. Coreia do Sul 29
4. EP (Europa) 76 9. Reino Unido 28
5. Alemaha 46 10. França 27
Uma importante avaliação é obtida pelas principais empresas que realizaram
depósito de patentes e seu quantitativo, para determinar quais empresas estão
investindo mais em determinada tecnologia. A Figura 7 apresenta as vinte empresas
que mais depositaram patentes de fármacos, trazendo o status legal.
Figura 7. Top 20 empresas depositantes das patentes de fármacos e status legal.
Com base nos dados levantados, a Tabela 2 apresenta as 17 patentes que tiveram
maior destaque dentro das patentes de fármacos levantadas.
A química de fluxo para a produção de insumos farmacêuticos ativos
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18
SINOPEC
CLARIANT
KONICA MINOLTA
FUJIFILM
BIOPROCESSORS
CORNING
EHERFELD MIKROTECHNIK
FUJIAN TECHNOLOGIES
HITACHI
NATIONAL INSTITUTE…
PRINCETON…
ASTATECH…
BAYER PHARMA
LONZA
MERCK
MIT
MITSUI
NIKON
HOVIONE SCIENTIA
MTECHNOLOGIES
Pendente Válida Expirada
Tabela 2. Principais patentes do uso da química de fluxo no setor farmacêutico.
A patente CN102822132, depositada pela empresa Bayer, relata o uso de
microrreatores para a síntese de ácidos carboxílicos aromáticos e heteroaromáticos,
em específico do ácido 2-tiofeno-carboxílico e do ácido 2-furânico, usualmente
utilizados em produtos farmacêuticos. Em geral, o processo convencional é
comumente caracterizado por duas etapas reacionais, que ocorrem sob altas
temperaturas (>100 °C) e altas pressões. A presente invenção promove a obtenção
destes compostos com rendimentos entre 70-80%, empregando baixos tempos de
residência (entre 2-3,5 minutos) e sob baixas pressões de CO2 (em torno de 1,3 bar).
A patente WO 2011120695, depositada pela empresa Lonza, utiliza microrreatores
para a síntese de compostos nitratos orgânicos, que são utilizados como IFAs ou
como intermediários. Particularmente, a presente invenção exemplifica o processo de
obtenção do composto 4-nitrooxibutan-1-ol, usualmente utilizado como intermediário
na síntese do fármaco Naproxcinod, com tempos de residência entre 3,3 segundos a
1,2 minutos, caracterizando-se pela redução drástica de geração de resíduos e da
formação de subprodutos indesejados.
A química de fluxo para a produção de insumos farmacêuticos ativos
Patente Titular Data da 1ª
publicação Produto
EP1160241 Cellular Process Chemistry 2001 Ácido quinolina-3-carboxílico
JP2003506340 Merck 2003 Compostos aromáticos e
heteroaromáticos
WO2011120695 Lonza 2011 Nitratos orgânicos como 4-
nitrooxybutan-1-ol
CN108778338 Hovione 2018 Ciclodextrina
JP2003128677 Clariant; Institut für Mikrotechnik
Mainz 2003 Alquil-boro e Aril-boro
WO201671380 Bayer 2016 PI3K inibidor
JP2003535068 Merck 2004 Indolamina
JP4335529 Boehringer Ingelheim
Pharmaceuticals 2004 Dihidropirona
US8496944 Boehringer Ingelheim
Pharmaceuticals 2009 Budesonida
US8877930 Massachusetts Institute Of
Technology (MIT) 2011 Indacaterol e metoprolol
US8426630 Florida State University 2011 Ibuprofeno
CN102822132 Bayer 2012 Ácido 2-tiofeno-carboxílico e ácido
2-furânico
WO2013038206 University of Warwick 2013 dihidroartemisinina (DHA)
CN107011197 Jiangxi Tonghe Pharmaceutical 2017 Gabapentina
CN107960055 Hovione 2018 Carbamazepina
US20190135724 Soligenix 2019 Hipericina
US20190023706 Aurobindo Pharma 2019 Valaciclovir
A patente JP 2003128677, depositada pela empresa Clariant, reporta a síntese via
química de fluxo de compostos aril-boro e aquil-boro, que são importantes
intermediários químicos, extensivamente utilizados nas indústrias farmacêuticas e
agroquímicas. Convencionalmente, a síntese destes compostos é complexa,
necessitando de temperaturas extremamente baixas (preferencialmente abaixo de -
55°C), sendo também considerada uma reação de alto risco. Desta maneira, a
presente invenção promove a obtenção destes compostos através do uso de
microrreatores, utilizando temperaturas reacionais em torno de 20 °C e tempos de
residência de 5 segundos, obtendo os compostos com rendimentos acima de 90 % e
alta pureza (98 %).
A patente US 20190023706, depositada pela empresa Aurobindo Pharma, relata o
processo para a obtenção do fármaco antiviral Valaciclovir ou seus possíveis sais,
também aceitos para a aplicação farmacêutica, via química de fluxo em
microrreatores. Os autores ressaltam que o processo de obtenção convencional se
caracteriza pelo alto teor de impurezas, principalmente pela formação de produtos de
degradação, e, por consequência, na redução do rendimento, por conta das diversas
etapas de purificação. Nesse contexto, a presente invenção promove a obtenção do
fármaco com alto teor de pureza (99 %), porém com menor tempo reacional (2-5
minutos).
A patente CN 107011197B, depositada pela empresa Jiangxi Tonghe Pharmaceutical,
utiliza microrreatores para o processo de síntese do fármaco Gabapentina, aplicado
usualmente no tratamento de epilepsia. Convencionalmente, a obtenção deste
fármaco ocorre através de reações com alta exotermicidade, indicando a necessidade
do controle da temperatura de modo a evitar a formação de subprodutos. O processo
proposto na presente invenção é caracterizado pela mistura eficiente das correntes de
entrada, garantindo maior taxa de reação e melhor controle reacional. De fato, os
resultados apontam a obtenção do produto com alto rendimento (acima de 95%),
tendo utilizado tempos de residência entre 2-5 minutos.
A patente US8426630, depositada pela Florida State University, reporta a síntese via
química de fluxo do fármaco ibuprofeno, notoriamente conhecido por sua ação anti-
inflamatória. Na presente invenção, a síntese é realizada em três etapas sequenciais e
sem interrupções, eliminando, portanto, as etapas de isolamento e purificação dos
intermediários. Desta maneira, o processo proposto promove a obtenção do fármaco
com alto teor de pureza (96 %) e rendimento (68 %), mantendo baixos tempos
reacionais (2-5 minutos).
A química de fluxo para a produção de insumos farmacêuticos ativos
Estudo de caso
Além das patentes, laboratórios de empresas farmacêuticas, incluindo Bayer,
AstraZeneca, Pfizer, Novartis, Cambrex, Merck, GlaxoSmithKline (GSK), Isochem,
Sanofi-Aventis, entre outras, vêm trabalhando em tecnologias de química de fluxo
para a produção contínua de IFAs, especialidades e intermediários químicos para
fármacos.
A Clariant está focada no uso da tecnologia de química de fluxo para especialidades
químicas, bem como na produção de intermediários farmacêuticos e IFAs15. Em 2004,
a Clariant fundou o Clariant Competence Center Microreaction Technology (C³-MRT)
para expandir a tecnologia de química de fluxo para além dos corantes azo16. Em um
outro exemplo, a Sigma-Aldrich Corporation, recentemente adquirida pela Merck,
anunciou que utiliza a tecnologia de química de fluxo para a produção de cerca de 40
produtos de seu catálogo, como retinol, líquidos iônicos, piperazina, metileno
ciclopentano, entre outros17.
Além disso, a Evonik Health Care divulgou que utiliza a química de fluxo na síntese
de IFAs e produtos químicos finos18. Uma das primeiras etapas do envolvimento da
Evonik com a química de fluxo foi com o projeto µ.Pro.Chem, estabelecido com a
BASF e o Institut für Mikrotechnik Mainz (IMM) (2007-2008) e que envolveu a
construção de um sistema de microrreação em escala piloto, para o processo de
ozonólise19. Em sua instalação em Hanau, Alemanha, a Evonik adquiriu uma planta
piloto de microrreação para a síntese de polietilenoglicol (PEG) altamente puro para
aplicações farmacêuticas, bem como um sistema para produção em pequena escala
IFAs de alta potência20.
Vale destacar, que o desenvolvimento de sistemas de química de fluxo
personalizados, em sua maioria, requer colaboração entre as empresas farmacêuticas
e fabricantes de equipamentos, para que os microrreatores possam ser adaptados, a
fim de atender aos requisitos de reação e escala de produção. Como pode-se
observar, em 2004, a Ehrfeld Mikrotechnik, desenvolvedora e fabricante de sistemas
de microrreação, foi adquirida pela Bayer, para executar e desenvolver seus
projetos21. Posteriormente, em 2017, a Shaoxing Eastlake High-Tech Company
Limited adquiriu a Ehrfeld Mikrotechnik22.
A química de fluxo para a produção de insumos farmacêuticos ativos
Com uma estratégia semelhante, a Lonza, em 2010, assinou um contrato com a
Ehrfeld Mikrotechnik de cooperação, desenvolvimento e licenciamento de sua própria
tecnologia de microrreação23. Em 2012, a Lonza instalou este sistema em Visp, na
Suíça, para produzir intermediários e/ou IFAs. No geral, seus micro e millirreatores
FlowPlate® foram aplicados na fabricação de mais de 43 medicamentos24. Os tipos de
reações desenvolvidas pela Lonza incluem reações de nitração, oxidação, redução e
organometálicas25.
Em 2015, a Vertex Orkambi obteve a primeira aprovação do NDA (New Drug
Application) para uso de uma tecnologia de química de fluxo para produção de
lumacaftor/ivacaftor para fibrose cística. Em 2016, a Johnson & Johnson teve a
primeira aprovação da FDA (Food and Drug Administration) para alterar a fabricação
de batelada para contínuo, por meio da química de fluxo, na produção de darunavir,
um medicamento usado para tratar e prevenir HIV26. Recentemente, a GSK e Eli Lilly
anunciaram planos de construção de fábricas com tecnologia de química de fluxo em
Cingapura e Irlanda, respectivamente. A GSK anunciou que está convertendo
parcialmente seu portfólio de batelada para contínuo, com uma grande ambição de
atingir 50% até 202027.
É provável que o setor testemunhe uma tendência crescente na fabricação contínua
de IFAs em sistemas de química de fluxo. O desenvolvimento de processos robustos
em química de fluxo requer grandes níveis de conhecimento em intensificação,
analítica e engenharia. Por trás do sucesso das aprovações da Vertex e da Johnson &
Johnson pela FDA, há anos de colaborações entre a indústria e a academia. As
parcerias entre esses dois grupos são muito importantes para desenvolver novas
abordagens práticas de química de fluxo que atendam às necessidades industriais.
A química de fluxo para a produção de insumos farmacêuticos ativos
A química de fluxo para a produção de insumos farmacêuticos ativos
Iniciativas em química de fluxo do Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos e
Fibras
O Instituto Senai de Inovação em Biossintéticos e Fibras (ISI B&F) é pioneiro no Brasil
no tema química de fluxo, contando com instalações e equipamentos únicos no País.
O ISI B&F conta com sistemas de reatores de bancada e um reator piloto de
milicanais Miprowa®, tecnologia da empresa alemã Ehrfeld comprovada por unidades
industriais em operação desde 2014. Esses são os primeiros sistemas de reação
escalonáveis disponíveis para PD&I no Brasil, o que permite o scale-up até a fase
industrial de forma mais rápida. A parceria com a Ehrfeld abre para a equipe de
Engenharia de Processos do ISI B&F a dados de investimento e custo operacional
desses sistemas, fornece maior acurácia e subsidia decisões mais assertivas pelos
clientes.
De modo geral, o sistema de química de fluxo com milireatores de bancada adquirido
pelo ISI B&F permite a realização de reações homogêneas (seja líquida ou gás) ou
heterogêneas (gás-líquido), podendo ser catálises homogêneas ou heterogêneas, ou
até mesmo não catalíticas. Ademais, este sistema é capaz de operar em temperaturas
entre -20 °C a 200 °C, com pressões máximas de até 100 bar. Como mencionado
anteriormente, o ISI B&F ainda apresenta em seu portfólio um reator que opera em
escala piloto, com vazões de até 150 L/h, permitindo o escalonamento dos processos
em estudo. A Figura 8 ilustra os reatores disponíveis na estrutura do ISI B&F.
Figura 8. Reatores e componentes do sistema de química de fluxo do ISI.
A química de fluxo para a produção de insumos farmacêuticos ativos
Além dos reatores, o sistema conta com o apoio de uma grande quantidade de
equipamentos periféricos, sendo eles: micromisturadores estáticos, microtrocadores
de calor e bombas de alta pressão e baixa pulsação (para fluidos viscosos e não-
viscosos). Conta-se ainda com um sistema de automação e uma grande gama de
sensores para realizar a automação, controle e monitoramento dos processos
estudados. Em suma, mais de 30 sensores estão disponíveis, permitindo a medição
online de diferentes variáveis de processo, tais como: vazões de entrada de gases e
líquidos, temperatura e pressão, assim como variáveis menos usuais como
condutividade, densidade e viscosidade.
Além dessa infraestrutura, o ISI B&F tem equipes de pesquisadores com
competências e conhecimentos que permitem a aplicação das técnicas de
intensificação de processos para o desenvolvimento de novos processos, conversão
de processos em batelada para contínuo e monitoramento contínuo de processos.
Destacam-se, como competências e conhecimentos chave: modelagem, simulação e
otimização de processos; controle de processos; escalonamento de processos
químicos; química de fluxo; catálise; química orgânica; química analítica; avaliação de
riscos tecnológicos; avaliação de prontidão tecnológica (Technology Readiness Level
- TRL); avaliações técnico-econômicas e de ciclo de vida.
Essa nota técnica tem a finalidade maior de auxiliar técnicos e empresas de forma
estratégica levando em conta o panorama do setor farmacêutico e as oportunidades
da química de fluxo, em um mercado com alta demanda. De qualquer forma, essa
nota técnica cumpre seu papel principal, e o detalhamento dos principais IFAs
estratégicos para o Brasil será apresentado nas notas técnicas subsequentes.
Para mais informações sobre esta iniciativa entre em contato conosco pelo e-mail
isibios@cetiqt.senai.br.
Referência Bibliográfica
1. Valente, J., 2020. Covid-19: médicos denunciam falta de insumos e equipamentos. Agência Brasil.
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A química de fluxo para a produção de insumos farmacêuticos ativos
O Instituto SENAI de Inovação (ISI) em Biossintéticos e
Fibras atua de forma transversal em temas identificados
como portas para o futuro para as cadeias dos
segmentos químico e têxtil, e apoia empresas no
desenho de estratégias utilizando o conceito de alta
integração com a indústria e a academia. Possui equipe
formada por especialistas reconhecidos nas áreas de
biotecnologia, síntese química, engenharia de processos
e fibras. Criado em janeiro de 2016, o Instituto integra o
Centro de Tecnologia das Indústrias Química e Têxtil –
SENAI CETIQT, também composto pelo Instituto SENAI
de Tecnologia Têxtil e de Confecção e Faculdade SENAI
CETIQT.
Localizado no Parque Tecnológico da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), possui cerca de
3.500m2 de laboratórios, o Instituto é referência nacional
em inovação e se estrutura em plataformas tecnológicas
ligadas à pesquisa aplicada e inteligência competitiva,
possibilitando a identificação e construção de
oportunidades para a indústria por meio de análise e
desenvolvimento de novos produtos e processos
químicos, bioquímicos e têxteis.