Post on 05-Sep-2015
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Verinotio Espao de Interlocuo em Cincias Humanas
A POLITICIZAO DA TOTALIDADE: OPOSIO E
DISCURSO ECONMICO*
J. Chasin
I
Pondo-se e repondo-se, desde 1964, como politicizadora da to-
talidade, a oposio no Brasil tem colhido sua subsuno, volunt-
ria ou involuntria, ao diapaso das perspectivas governistas. No
no sentido de encontrar, o que seria legtimo ou pelo menos com-
preensvel, uma ttica operacionalizadora de sobrevivncias e convi-
vncias possveis, necessrias ainda que compulsrias, mas na di-
reo essencial de notas bsicas das concepes que sintetizam a
existncia e os movimentos do social, e direcionam a atividade pr-
tica. Com a diferena maior, substancial em termos de resultantes,
de que a atuao situacionista distingue, taticamente, entre o dis-
curso econmico e o discurso poltico, recusando-se com superiori-
dades ao debate do primeiro, como se se tratasse de questo, pela
natureza imutvel de seu objeto, intrinsecamente pacfica para os
iniciados, enquanto concede controladamente, numa gradao que
vai do zero a alguns magros pontos de uma estreita escala que ela
prpria estabelece, a discusso poltica; em contrapartida, a opo-
sio prima por s discutir neste plano, excluindo quaisquer outros,
ou reduzindo-os quele. Assim, esquivando-se controvrsia sobre
a questo econmica, a situao torna vitoriosa a sua poltica, ao
passo que a oposio, brandindo dominantemente o poltico, colhe
a derrota em todas as instncias. uma das maiores e mais sutis
vitrias da situao, num curso que j se estende por mais de uma
dcada, fazer precisamente a oposio propor e polemizar, viver ex-
* Publicado originalmente na Revista Temas de Cincias Humanas, n 2, So Paulo, Grijalbo, 1977.
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clusivamente o poltico, enquanto ela prpria - a situao - reten-
do todos os comandos, realiza seu projeto global. Com isto, desde
logo subtrada oposio qualquer dimenso de eficcia, restando
ainda, no liminar das necessidades, quando a sutileza cede lugar
ao poder ostensivamente explicitado, a possibilidade do acionamen-
to do instrumental da excepcionalidade; para, depois, tudo recome-
ar como no fluxo de uma rotina consagrada, a sugerir o falecimen-
to da histria.
Mas, para alm do poltico, a histria essencial prossegue na
regncia do espetculo, o evolver do real no deixa de se efetuar; e
nesta esfera decisivamente inoperante qualquer instrumento ex-
cepcional, tanto ou mais que qualquer inflamado discurso brossar-
diano. Um ato pode, com certa facilidade, abolir ou transfigurar to-
da uma configurao jurdica, anular um mandato ou algo equiva-
lente, mas irremediavelmente ineficiente para subtrair o peso es-
pecfico das contestaes objetivas do tecido econmico. O gover-
no, nos seus limites intrnsecos, obrigado, mesmo a contragosto, a
entender isto; a oposio, ao contrrio, que d a impresso de no
saber ou de no querer compreender tais coisas.
Longe de qualquer dvida, sob mais diversas formas, a marca
que tem selado a identidade da oposio a da politizao do dis-
curso. Entenda-se por isto a reduo do todo problemtico nacional
ao meramente poltico. Trata-se, em suma, de algo que em muito se
distingue da considerao de que todo grande problema um pro-
blema poltico, no sentido de que as grandes questes sociais tm
sempre a magnitude dos negcios pblicos. Radicalmente distinto
tambm do ato de politizar, que implica em partir de uma equao
da totalidade, conceitualmente elaborada. Ao inverso, o discurso po-
liticizado da oposio a diluio, o desossamento do todo, a sua
liquefao em propostas abstratamente situadas apenas no universo
das regras institucionais. a autonomizao e a prevalncia politi-
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colgica do poltico em detrimento da anatomia do social, isto ,
do alicerce econmico. Esta eliso do metabolismo social fundante
uma inobservncia mais do que visvel da considerao de que as
relaes jurdicas, tais como formas de Estado, no podem ser
compreendidas nem a partir de si mesmas, nem a partir do assim
chamado desenvolvimento geral do esprito humano, mas, pelo con-
trrio, elas se enrazam nas relaes materiais de vida, cuja totali-
dade foi resumida por Hegel sob o nome de sociedade civil, seguin-
do os ingleses e franceses do sculo XVIII; mas que a anatomia da
sociedade burguesa deve ser procurada na Economia Poltica1. I-
nobservncia que, justamente por destacar, isolar e hiper-acentuar
o poltico, despolitiza, na exata medida que desliga o poltico da
raiz que o engendra e reproduz; numa palavra, na exata medida que
o desqualifica enquanto poltico real, enquanto dimenso de um to-
do, que s pelo todo possui especificidade, e do qual no faz senti-
do dizer que guarda autonomia, como se fora um carto destacvel
de um fichrio de folhas soltas, passvel de infinitos emba-
ralhamentos. Sem sentido que no minorado pela propositura de
uma relativizao da autonomia afirmada, a no ser como nos cls-
sicos, quando ento j no se trata de autonomia, mas da indicao
da no-mecanicidade da relao, o que dizer da sua determinao
enquanto vnculo essencial, irremovvel sob pena de desfigurao,
que se objetiva num andamento constituinte profusamente mediado.
Mediaes, ressalte-se, que se pem como ligamentos que unem or-
ganicamente raiz, e no como desligamentos que dela afastam. O
fruto, que pende da extremidade de um ramo, une-se raiz pelo es-
galhamento que embrica no tronco, o qual, por sua vez, desce ao so-
lo. Seria tpico demais dizer que o fruto dista da raiz pelo espao
compreendido por ramos e caule, conferindo, assim, relao mais
superficial e aparente o porte de determinao fundamental.
1 . K. MARX, Prefcio - Para a Crtica da Economia Poltica, Abril Cultural, So Paulo, 1974, p. 135.
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A autonomizao do poltico e sua conseqente hiper-
acentuao , de fato, seu esvaziamento numa entidade abstrata, a
perda de sua concretude, e decorrentemente de sua potncia e efi-
ccia. De todo modo, a politicizao da totalidade pelo discurso
pelo menos um grosseiro gesto simplificador que, no mnimo, des-
conhece, desrespeita e/ou elimina a qualidade prpria das demais
componentes que integram a totalidade. Converter e diluir tais qua-
lidades ao meramente poltico, alm da brbara arbitrariedade que
subentende, ao mesmo tempo uma condenao impotncia no
plano objetivamente poltico, na medida que este se pe como ao,
pr-figurada mentalmente, que por interesse teleolgico se submete
intrincada causalidade do todo. O que o mesmo que dizer que o
agente para efetivar seu fim a este se submete, subordinando-se,
assim, necessariamente s propriedades e virtualidades de seu obje-
to. evaso do concreto, induzida pela politicizao, a verdadeira
poltica contrape, pois, a si mesma como prtica que toma o traba-
lho como protoforma2.
Notoriamente complexo, o fenmeno da politicizao da totali-
dade, no caso por parte da oposio, transcende ao perodo posteri-
or aos eventos de 64; contudo, configuraes precisamente opostas
a ele tambm j ocuparam o panorama nacional: basta indicar que a
dcada e meia que antecedeu o movimento de 64, foi acima de tudo,
um perodo de programas econmicos, - suficiente recordar as
questes relativas implantao do monoplio estatal do petrleo, e
a propositura, ainda que muito debilmente elaborada, das chama-
das reformas de base. O contraste que a se configura, independen-
temente de outras consideraes, por si s sintomtico, indicativo
2 Pressupomos o trabalho em uma forma que pertence exclusivamente ao homem. /.../ Ao cabo do processo de
trabalho advm um resultado que, de incio, estava presente idealmente na representao do trabalhador. No se trata de que apenas efetue uma alterao de forma nos materiais naturais; ao mesmo tempo efetiva nos materiais naturais seu fim (Zweck), conhecido por ele e que determina como lei seu modo e maneira de fazer, e ao qual deve subordinar sua vontade. E esta subordinao no um ato momentneo. Alm do esforo dos orgos que trabalham, mister a vontade adequada que se manifesta atravs da ateno durante todo o curso do trabalho. E isto tanto mais necessrio quanto menos se sinta o trabalhador atrado pelo contedo e pelo modo de excuo
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de significaes que h que, no devido lugar, determinar pela via
nica das anlises concretas, repelidas as simplificaes generali-
zadoras, oferecidas como preciosismos, to a gosto de certos pa-
dres hoje dominantes no campo historiogrfico. De nossa parte, o
acima aludido tem por propsito simplesmente encaminhar para o
objeto efetivo deste comentrio: o reaparecimento de uma platafor-
ma econmica no seio da oposio.
Com efeito, a abordagem econmica da oposio reduzia-se at
recentemente simples retrica da A economia vai bem, mas o po-
vo vai mal. No que semelhante afirmao, de origem situacionista,
seja completamente destituda de verdade. Todavia, enquanto ela
efetivamente verdadeira no que diz respeito sua parte final, impli-
ca, ao mesmo tempo, numa dupla incorreo: a de que a economia,
de fato, evolvia numa equao correta, e de que o problema reside
simplesmente na esfera da distribuio da riqueza produzida. Com
semelhante retrica a oposio convalidava a poltica econmica ofi-
cial e participava, algumas vezes mais do que veladamente, das eu-
forias do milagre. Isto , a oposio no s se furtava crtica das
pedras angulares do projeto global do situacionismo, surpreendida e
iludida pela sua eficcia, deixando, portanto, de fora o principal, a
base de todo o panorama, como, refugiando-se na trincheira das
questes institucionais, limitou-se a reivindicar, e ainda assim abs-
tratamente, as franquias democrticas. Estas, da perspectiva gover-
nista, coroariam as resolues e as conquistas alcanadas no ter-
reno da riqueza material. Da tica oposicionista abririam caminho
para um partilhamento mais equitativo dos bens produzidos, igno-
rado, sem mais, que A articulao da distribuio inteiramente
determinada pela articulao da produo. A prpria distribuio
um produto da produo, no s no que diz respeito ao objeto, po-
dendo apenas ser distribudo o resultado da produo, mas tambm
de sua tarefa, que lhe oferece por isso menos possibilidade de fruir da aplicao das suas prprias foras fsicas e espirituais. K MARX, O Capital, Livro I, Parte Terceira.
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no que diz respeito forma, pois o modo preciso de participao na
produo determina as formas particulares da distribuio, isto ,
determina de que forma o produtor participar na distribuio.
/.../Na sua concepo mais banal, a distribuio aparece como dis-
tribuio dos produtos e assim como que afastada da produo, e,
por assim dizer, independente dela. Contudo, antes de ser distribui-
o de produtos, ela : primeiro, distribuio dos instrumentos de
produo, e, segundo, distribuio dos membros da sociedade pelos
diferentes tipos de produo, o que uma determinao ampliada
da relao anterior. (Subordinao dos indivduos a relaes de
produo determinadas.) A distribuio dos produtos manisfesta-
mente o resultado desta distribuio que includa no prprio pro-
cesso de produo, cuja articulao determina. Considerar a produ-
o sem ter em conta esta distribuio, nela includa, manisfes-
tamente uma abstrao vazia, visto que a distribuio dos produtos
implicada por esta distribuio que constitui, na origem, um fator
de produo. Ricardo, a quem interessava conceber a produo mo-
derna na sua articulao social determinada, e que o economista
da produo por excelncia, afirma mesmo assim que no a pro-
duo, mas sim a distribuio que constitui o tema propriamente
dito da Economia moderna. Aqui ressurge novamente o absurdo dos
economistas que consideram a produo como uma verdade eterna,
enquanto proscrevem a Histria ao domnio da distribuio3. Natu-
ral que tal seja o pressuposto situacionista, o que alarma seu
partilhamento; sem exceo notvel, pelas vozes federadas na oposi-
o. Neste ponto de convergncia entre as palavras, perfiladas pela
situao de um lado, e a oposio de outro, fica-se sem saber, en-
to, o que impede a democratizao, as aberturas, a distenso, em
que a oposio, por falta de melhor inspirao, predominantemente
teima, com certo jbilo, em reiteradamente apostar. E levando a a-
posta a certos extremos (sempre mal apreendidos como radicais)
3 K. MARX, Introduo Crtica da Economia Poltica, Abril Cultural, So Paulo, 1974, pp. 118-119.
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certas cabeas rolaram, e, num aparente paradoxo, outras no.
que em termos de radicalidade enquanto raiz a questo sempre es-
teve, como no poderia deixar de ser, em outra esfera.
Afinal, politicizando a totalidade, a oposio no tinha como
escapar s malhas dos propsitos situacionistas, na exata medida
em que 64 foi posto e determinado por objetivos diretamente vincu-
lados anatomia da sociedade civil. A interveno de 64 s se expli-
ca, no essencial, por este ngulo, tanto que seu revestimento polti-
co sempre andou atravessado por certa ambigidade; basta aludir,
desde a herana liberal, portada pelo castelismo, sempre assinalada
como ponto maior de referncia dos puros e verdadeiros ideais do
movimento, at s frmulas menos vazias das democracias especi-
ais. Tudo isto consubstanciando muito menos casusmo do que a
maioria dos desorientados observadores imaginam. Assim, desde o
princpio, o poltico estava aberto para o aprimoramento, sendo
prerrogativa situacionista a determinao da hora de seu advento.
Jamais o econmico gozou de privilgio semelhante. Muito se falou
em institucionalizar, em abrir e fechar os respiradouros polticos, e
na sua modelagem. Nada igual ocorreu com a problemtica bsica
da questo nacional. Discutiu-se, mais ou menos, dependendo do
momento, o poltico, e com isto a questo econmica ficou res-
guardada, inatingvel e preservada no perfil que o poder lhe confe-
riu. Foi a vitria maior, compreensivelmente a mais acarinhada, do
situacionismo. Foi a derrota maior da oposio, sintomaticamente a
que menos a sensibilizou.
Todo este quadro pode ser surpreendente, inquietante pela i-
namovibilidade que possa sugerir, mas no incompreensvel. Ele se
elucida, tanto pela formao histrica brasileira, como pelas cir-
cunstncias internacionais que marcam os ltimos 15 anos.
Longe, muito longe de pretender estampar aqui um mximo de
aproximao da realidade, e sempre considerado que faz parte da
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essncia da indagao cientfica que tal coisa no se possa alcanar
seno atravs de erros e peripcias mltiplas4, tracejamos a seguir,
em brevssimas linhas, um contorno interpretativo geral, como pano
de fundo para as consideraes que, de fato, ocupam o centro das
preocupaes deste artigo, e que esto especificamente voltadas pa-
ra o registro do reaparecimento de uma proposta econmica oposi-
cionista.
II
Em outro lugar, ainda de modo fortemente abstrato, se bem
que menos resumidamente do que aqui se far, buscamos esquema-
tizar para o caso brasileiro o contorno interpretativo geral acima re-
ferido5. L, como aqui, o esquema pretende-se razoavelmente anco-
rado, aberto conseqentemente a correes e concrees posterio-
res; mas no uma hiptese provisria, que evoluciona descompro-
missadamente no manuseio arbitrrio de dados, num jogo de regras
precrias ou completamente destitudo delas, no qual a cada pre-
tensa adivinhao sucede, logo a seguir, uma nova descoberta de
pequeno curso e moda passageira. Precisamente, pois, um esquema,
uma formulao, portanto, abstrata que se pe como aberta para
enriquecimentos dentro de seu prprio diapaso. Isto , assumida-
mente fixado um compromisso terico-metodolgico, ele prprio
implicador de sucessivas aproximaes cada vez mais concreti-
zantes. Fique isto, ento, enfatizado, e tambm que, de incio, esta-
mos muito mais empenhados em abrir uma brecha compreenso
pelo alinhamento preliminar de um contorno analtico, do que dar
por estabelecido um sistema de interpretao.
4 G. LUKCS, Carta sobre o Stalinismo, in Revista Temas 1, Grijalbo, So Paulo, 1977, p.16.
5 Referimo-nos ao captulo final de nosso trabalho O Integralismo de Plnio Salgado, So Paulo, Ad Homi-
nem, 1999.
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A busca de uma apreenso dialtica do capitalismo - na espe-
cificidade com que se objetivou e se tem reproduzido no Brasil -
quase j tem a antiguidade de meio sculo. E neste tempo, relativa-
mente longo, algumas aproximaes de real importncia vieram
luz, e outros tantos descaminhos foram perpetrados. No aqui, e-
videntemente, o lugar, nem flego haveria para tanto, para tentar
satisfazer a premente necessidade de efetuar concretamente o acer-
to de contas com as diversas contribuies. Assinalar-se- exclusi-
vamente que, abstrados os ponderveis aspectos positivos de tais
esforos, duas ordens principais de incorrees tm se verificado.
De uma parte, o insatisfatrio entendimento do que venha a ser o
carter universal do fenmeno capitalista, conduziu a refletir sim-
plesmente com atributos e leis genricas, e a constatar a ocorrn-
cia necessria destes a qualquer custo, no interior das fronteiras
nacionais. Assim, preservaram-se universais, mas no propriamente
na condio de universais concretos, e, muitas vezes, singularida-
des reais foram perdidas. De outra parte, uma forma de incorreo
mais recente tem hiper-acentuado as singularidades, mas, tomando-
as simplesmente como dados empricos, isto , despojadas por intei-
ro de qualquer espessura ontolgica (espessura que, sob feio ava-
riada e debilitada, no importa, restava, ainda assim, no caso ante-
rior), faz com que a universalidade concreta seja completamente di-
luda. E a relao entre universal e singular, a, se mostra como
uma relao entre categorias exteriores uma a outra, como a sub-
suno de um amontoado de notas empricas a um princpio geral6.
Sem ressaltar as convergncias (no casuais - no fora a segunda,
em boa medida, simples reao primeira) observveis entre as du-
as maneiras defeituosas de operar o instrumental dialtico, notveis
no que diz respeito ao malbaratamento do universal concreto, des-
preocupao com o ontolgico e confuso entre singularidade con-
creta e dado emprico, grife-se, isto sim, que, enquanto a primeira
6 Hegel jamais chamou de dialtica a subsuno de uma massa de cases under a general principle. K.
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forma de incorreo acentuada o universal e tende a perder o singu-
lar, a segunda acentua o que toma pela singularidade e perde com-
pletamente o universal. Observe-se, pois, que a lgica destes dois
casos manobra na polaridade entre universal e singular, entre os
quais habita puramente o vcuo. Numa linguagem lukcsiana, dir-
se-ia estar em face de teorias fetichizadas, na medida que lidam ex-
clusivamente com as categorias de universalidade e singularidade,
eliminando ou no reconhecendo exatamente a categoria da particu-
laridade, visto que O movimento do singular ao universal ou vice-
versa est sempre mediado pelo particular; um membro real de
mediao tanto na realidade objetiva, quanto no pensamento que
reflete de modo aproximadamente adequado esta realidade7.
Diga-se, ento, sem mais que o problema fundamentalmente
de colher, maneira dialtica, a entificao do capitalismo no Brasil
diz respeito questo dos particulares, ou, realando a dimenso
ondontolgica, verificao de que h modos e estgios de ser, no
ser e no ir sendo capitalismo, que no desmentem a universalidade
de sua anatomia, mas que realizam atravs de objetivaes especfi-
cas8.
O reconhecimento das formas particulares de objetivao do
capitalismo uma constante em Marx, desde seus escritos de juven-
tude9. Mltiplas so suas indicaes, especialmente ao tratar da
MARX. Carta a Engels de 9 de dezembro de 1861. 7 G. LUKCS, Sobre la Categoria de la Particularidad, in Prolegmenos a una Esttica Marxista, Grijalbo,
Mxico, 1965, p. 121. 8 Tome-se apenas como ilustrao do que acaba de ser considerado, uma breve passagem da Crtica ao Programa de Gotha: A sociedade atual a sociedade capitalista, que existe em todos os pases civilizados, mais ou menos livre de complementos medievais, mais ou menos modificada pelas particularidades do de-senvolvimento histrico de cada pas, mais ou menos desenvolvida. K. MARX, in Textos 1, Ed. Sociais, So Paulo, 1975, p. 239, (os grifos so nossos). 9 A relao entre a indstria, o mundo da riqueza em geral, e o mundo poltico um problema da poca moder-
na. Sob que forma principia este problema a ocupar os alemes? Sob a forma das tarifas protecionistas, do sis-tema proibitivo da economia nacional. O germanismo passou dos homens matria, e um belo dia nossos cava-lheiros do algodo e nossos heris do ferro viram-se convertidos em patriotas. Assim, pois, na Alemanha se comea por reconhecer a soberania do monoplio no interior, conferindo-lhe soberania em relao ao exterior. Quer dizer, na Alemanha se comea por onde se principia a terminar na Frana e na Inglaterra. /.../ Porm a Alemanha no escalou simultaneamente com os povos modernos as fases intermedirias da emancipao polti-ca. No chegou sequer, praticamente, s fases que teoricamente superou /.../ Fixemo-nos, primeiramente nos
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misria alem, grifando o carter tardio e retardado do processo
de constituio do capitalismo na Alemanha, no qual a emerso do
novo paga alto tributo ao historicamente velho, numa conciliao,
portanto, entre progresso e atraso sociais que levou, certa vez, En-
gels a dizer, comparando a evoluo francesa e alem, que em cada
poca para cada problema histrico os franceses encontraram uma
soluo progressista e os alemes uma soluo reacionria. Um
fragmento do Prefcio primeira edio de O Capital ilustra com vi-
gor a questo: muito pior que a da Inglaterra a situao nos lu-
gares da Alemanha onde se implantou a produo capitalista, por
exemplo, nas fbricas propriamente ditas, e isto por faltar o contra-
peso das leis fabris. Nos demais setores, a Alemanha, como o resto
da parte ocidental do Continente Europeu, atormentada no ape-
nas pelo desenvolvimento da produo capitalista, mas tambm pela
carncia desse desenvolvimento. Alm dos males modernos, oprime
a ns alemes um srie de males herdados, originrios de modos de
produo arcaicos, caducos, com seu squito de relaes polticas e
sociais contrrias ao esprito do tempo. Somos atormentados pelos
vivos e, tambm, pelos mortos. Le mort saisit le vif10.
Poderamos multiplicar abundantemente as referncias. Tanto
Marx, como Engels e Lenin oferecem-nos inesgotvel exemplificao
do que estamos rapidamente indicando. Suficiente, no entanto, para
os efeitos aqui perseguidos, aditar certas determinaes sintetiza-
das por V. I. Lenin em O Programa Agrrio da Social-Democracia,
dado que realam, de modo muito ntido, dimenses da particulari-
dade que, agora, nos importa de forma especial. Ao tratar do pro-
blema da transformao da propriedade agrria, no processo de
governos alemes, e os veremos impulsionados pelas condies da poca, pela situao da Alemanha, pela pers-pectiva da cultura alm, e, finalmente, por seu prprio instinto certeiro, a combinar os defeitos civilizados do mundo dos Estados modernos, cujas vantagens no possumos, com os defeitos brbaros do antigo regime, dos quais nos podemos jactar saciedade, de tal modo que a alemanha, se no por bom senso, pelo menos por falta de senso, tem que participar cada vez mais daquelas formaes estatais que ficam para alm de seu status quo. /.../ Assim como no panteo romano se reuniam os deuses de todas as naes, no sacro imprio romano germni-co se reunem os pecados de todas as formas de estado. En Torno de la Crtica de la Filosofia del Derecho de Hegel, in La Sagrada Famlia, Grijalbo, Mxico, 1960, pp. 7, 11 e 12.
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transio do feudalismo russo para o capitalismo, o referido autor
aponta duas formas possveis para este desenvolvimento: Os restos
do feudalismo podem desaparecer tanto mediante a transformao
das terras dos latifundirios, como mediante a destruio dos lati-
fndios dos grandes proprietrios, quer dizer, por meio da reforma e
por meio da revoluo. O desenvolvimento burgus pode verificar-se
tendo frente as grandes fazendas latifundirias, que paulatina-
mente se tornam cada vez mais burguesas, que paulatinamente
substituem os mtodos feudais de explorao por mtodos burgue-
ses, e pode verificar-se tambm tendo frente as pequenas fazendas
camponesas, que por via revolucionria extirpam do organismo so-
cial a excrescncia dos latifndios feudais e se desenvolvem depois
livremente pelo caminho das granjas capitalistas. Estes dois cami-
nhos de desenvolvimento burgus, objetivamente possveis, ns os
denominaramos caminho do tipo prussiano e caminho do tipo norte-
americano. No primeiro caso, a fazenda feudal do latifundirio se
transforma lentamente em uma fazenda burguesa, junker, conde-
nando os camponeses a decnios inteiros da mais dolorosa expro-
priao e do mais doloroso jugo e destacando a uma pequena mino-
ria de Grossbauer (grandes camponeses). No segundo caso, no exis-
tem fazendas de latifundirios ou so destrudas pela revoluo,
que confisca e fragmenta as propriedades feudais. Neste caso pre-
domina o campons, que passa a ser agente exclusivo da agricultura
e vai evoluindo at converter-se no granjeiro capitalista. No primeiro
caso, o contedo fundamental da evoluo a transformao do
feudalismo em sistema usurrio e em explorao capitalista sobre
as terras dos latifundirios-feudais-junkers. No segundo caso, o
fundo bsico a transformao do campones patriarcal em granjeiro
burgus. Mais adiante, Lenin explicita outras decorrncias destas
formas de objetivao social, evidenciando-se as mesmas caracters-
ticas que os textos anteriores nos revelaram: A primeira implica na
10 O Capital, Civilizao Brasileira, Rio de Janeiro, 1968, p. 5.
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manuteno mxima da sujeio e da servido (transformada ao
modo burgus), o desenvolvimento menos das forcas produtivas e um
desenvolvimento retardado do capitalismo; implica calamidades e so-
frimentos, explorao e opresso incomparavelmente maiores das
grandes massas de camponeses, e, por conseguinte, do proletrio. A
segunda, entranha o mais rpido desenvolvimento das forcas produ-
tivas e as melhores condies de existncia das massas camponeses
(as melhores possveis sob a produo mercantil)11.
precisamente para a particularidade do caminho prussiano
que desejamos preliminarmente remeter, no af de tracejar um con-
torno interpretativo geral do caso brasileiro. De fato, entendemos
que este, sob certos aspectos importantes, conceitualmente de-
terminvel de forma prxima ou assemelhvel quela pela qual o fo-
ra o caso alemo, mas de maneira alguma de forma idntica. Dito de
outro modo: estamos convencidos da real efetividade de tomar o ca-
minho prussiano como fonte apropriada de sugestes, como referen-
cial exemplar, e, mais do que tudo, como um caminho histrico con-
creto que produziu certas especificidades que, em contraste, por e-
xemplo, com os casos francs e norte-americano, muito se aproxima
de algumas das que foram geradas no caso brasileiro. Mas, grife-se
com a mxima nfase, o caminho prussiano no tomado como mo-
delo, como contorno formal aplicvel a ocorrncias empricas. Ao
contrrio, precisamente enquanto modo particular de se constituir
e ser capitalismo que o caminho prussiano tem para ns importn-
cia terica bsica. Enquanto tal, aos diversos nveis de concreo
em que apreensvel, permite, como qualquer objeto, destilar certos
caracteres, mais ou menos gerais, que importa considerar para ori-
entar a apreenso do caso brasileiro.
Assim, de incio, importa-nos como particular contrastante aos
casos clssicos; clssicos, acima de tudo, porque mais coerentes,
11 El Programa Agrrio de la Socialdemocracia. Obras Completas, Cartago, Buenos Aires, 1960, Tomo XIII,
pp. 241-242 e 246 (os grifos so nossos).
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mais congruentes ou consentneos, mo plano da sua prpria totali-
dade, enquanto totalidade capitalista, na qual as diversas partes
fundamentais imbricam entre si e em relao ao todo de forma mais
amplamente orgnica, de maneira que o real se mostra como racio-
nal, no nvel da mxima racionalidade historicamente possvel. Par-
ticular contrastante do qual se avizinha o caso brasileiro, tambm
diverso dos casos clssicos.
Nessa linha de raciocnio, a conexo que se est indicando si-
tua-se no plano de certas determinaes gerais, de algumas abstra-
es operadas em relao ao concreto da particularidade do cami-
nho prussiano. Assim, irrecusavelmente, tanto no Brasil, quanto na
Alemanha, a grande propriedade rural presena decisiva; de igual
modo, o reformismo pelo alto caracterizou os processos de moder-
nizao de ambos, impondo-se, desde logo, uma soluo conciliado-
ra no plano poltico imediato, que exclui as rupturas superadoras,
nas quais as classes subordinadas influiriam, fazendo valer seu pe-
so especfico, o que abriria a possibilidade de alteraes mais har-
mnicas entre as distintas partes do social. Tambm nos dois casos
o desenvolvimento das forcas produtivas mais lento, e a implanta-
o e progresso da indstria, isto , do verdadeiro capitalismo,
como distinguia Marx, do modo de produo especificamente capi-
talista, retardatria, tardia, sofrendo obstaculizaes e refre-
amentos decorrentes da resistncia de foras contrrias e adversas.
Em sntese, num e noutro caso, verifica-se, para usar novamente
uma frmula muito feliz, nesta sumarssima indicao do problema,
que o novo paga alto tributo ao velho.
Todavia, se tais caractersticas, abstratamente tomadas, so
comuns a ambos os casos, e delas se pode dizer, na linha da lgica
de Marx, que enquanto generalidades so generalidades razoveis,
na medida que efetivamente sublinham e precisam traos comuns,
h, no entanto, que atentar, prosseguindo pela mesma diretriz, que
15
Esse carter geral, contudo, ou este elemento comum, que se des-
taca atravs de comparao, ele prprio um conjunto complexo,
um conjunto de determinaes diferentes e divergentes12. O que
significa, portanto, em termos rpidos, para o caso especfico de que
tratamos, que o caminho prussiano, na totalidade concreta do pro-
cesso real alemo, se pe de modo distinto daquele em que ele se
pe na totalidade concreta do processo real brasileiro. Mesmo por-
que se o concreto tomado como sntese de vrias determinaes,
esta sntese (Zusammenhang), que sumariza, pe junto, se faz por
uma lgica que no se reduz mera justaposio dos predicados
reconhecendo, pois, que o decisivo no tanto o que um nome possa
designar, mas como o objeto nomeado se objetiva, se individualiza,
enquanto entidade social13.
De sorte que estamos diante de singularidades distintas, aco-
lhveis, do ponto de vista de certos aspectos abstratamente toma-
dos, sob uma mesmo particular, que antes os separa dos casos
clssicos, do que os identifica entre si. Todavia, se isto pouco, no
nada desprezvel, quando mais no fosse porque obriga a pensar
como se objetivam os predicados de e em cada uma das singularida-
des.
Desse modo, se aos dois casos convm o predicado abstrato de
que neles a grande propriedade rural presena decisiva, somente
principiamos verdadeiramente a concreo ao atentar como ela se
objetiva em cada uma das entidades sociais consideradas, isto , no
momento em que se determina que, no caso alemo se est indican-
do uma grande propriedade rural proveniente da caracterstica pro-
priedade feudal posta no quadro europeu, enquanto no Brasil se a-
ponta para um latifndio procedente de outra gnese histrica, pos-
12 Introduo Crtica da Economia Poltica, op. cit., p. 110.
13 J. A. GIANNOTTI, Notas Sobre a Categoria Modo de Produo, in Estudos Cebrap, n 17, So Paulo,
1976, p. 163.
16
to, desde suas formas originrias, no universo da economia mercan-
til pela empresa colonial.
Do mesmo modo quanto expanso das foras produtivas. Em ambos
os casos o desenvolvimento lento e retardatrio em relao aos casos cls-
sicos. Mas, enquanto a industrializao alem das ltimas dcadas do s-
culo XIX, e atinge, no processo, a partir de certo momento, grande velocida-
de e expresso, a ponto da Alemanha alcanar a configurao imperialista,
no Brasil a industrializao principia a se realizar efetivamente muito mais
tarde, j num momento avanado da poca das guerras imperialistas, e sem
nunca, com isto, romper sua condio de pas subordinado aos plos hege-
mnicos da economia internacional. De sorte que o verdadeiro capitalismo
alemo tardio, se bem que autnomo, ao passo que o brasileiro, alm de h-
per-tardio, caudatrio das economias centrais.
A exemplificao da diferenciao poderia, evidentemente,
prosseguir, contudo , aqui, desnecessria. Fcil a percepo das
distines, nas expresses concretas que assumem em cada caso,
cada uma das caractersticas abstratas que arrolamos como comuns
aos dois. Observao que nos conduz, portanto, constatao no
mais apenas de uma nica forma particular de constituio no
clssica do capitalismo, mas a mais de uma. No caso concreto, cre-
mos que se est perfeitamente autorizado a identificar duas, de tal
sorte que temos, acolhveis sob o universal das formas no clssicas
de objetivao do capitalismo, a forma particular do caminho prus-
siano, e um outro particular, prprio aos pases, ou pelo menos a al-
guns pases (questo a ser concretamente verificada) de extrao
colonial. De maneira que ficam distinguidos, neste universal das
formas no clssicas, das formas que, no seu caminho lento e irre-
gular para o progresso histrico-social, pagam alto tributo ao atra-
so, dois particulares que, conciliando ambos com o historicamente
velho, conciliam, no entanto, com um velho que no , nem se pe
como o mesmo.
17
Conclusivamente: de um lado, pois, firmemente estabelecido,
temos o caminho prussiano; a seu lado, sem que confiramos demasi-
ada importncia aos nomes, fique, sem pretenses, a sugesto de-
signativa de via ou caminho colonial. Expresso conveniente que
tem, nos parece, a propriedade de combinar a dimenso histrico-
gentica com a legalidade dialtica. Esclarea-se, por fim, que no
submetemos qualquer relao de afinidade entre via ou caminho co-
lonial e expresses semelhantes. Ao contrrio, pensamo-la exclusi-
vamente enquanto particularidade, portanto, como mediao neces-
sria e objetiva entre a universalidade do capitalismo e determina-
das singularidades; longe, conseqentemente, da criao de novos
universais, tal como se d quando, a colonial, se antepe modo de
produo.
III
, portanto, no quadro do capitalismo que se pe pela via co-
lonial, que foi pensada, na primeira parte deste artigo, a ocorrncia
da politicizao da totalidade, efetuada pela oposio, e , evidente-
mente, considerando o mesmo particular que se passa, agora, a
considerar o reaparecimento de uma plataforma econmica oposi-
cionista.
Este ressurgimento principia na legislatura em curso, preci-
samente a partir de 1975, pela voz isolada do senador R. Saturnino
Braga e culmina com sua recente proposta de uma equao alterna-
tiva para o quadro econmico-social brasileiro.
Nos idos de 75, no recinto fechado da Cmara Alta, por entre
educados e respeitosos aplausos, e muitos bens, que desde logo lhe
so parlamentarmente tributados por adversrios e correligionrios,
colhe Saturnino Braga muito poucos acrscimos dos ltimos e curi-
18
osos volteios dos primeiros. Estes, visivelmente empenhados em a-
parar arestas, contornar divergncias, mais do que isto, em dissol-
ver diferenas, procuram retoricamente configurar uma identidade
bsica entre os pontos de vista do parlamentar emedebista e os do
governo. Virglio Tvora a estrela desse esforo. Para alm dos
muros do Congresso, poucas e parcas notas jornalsticas do conta
do debate. E a federao emedebista, muito ocupada em fazer pol-
tica, no d sinais efetivos de compreender a importncia do traba-
lho de seu economista.
Pela coletnea dos debates parlamentares do senador flumi-
nense, publicada em fins do ano passado14, e que rene pronuncia-
mentos realizados ao longo de seu primeiro ano e meio de mandato,
observa-se que S. Braga principia como quem d incio a um servio
novo. Sente-se induzido a pelo menos aludir necessidade de pre-
encher uma lacuna. Registra, s primeiras linhas do discurso que
abre a coletnea, talvez o primeiro a ter sido pronunciado, que ca-
be a ns, da oposio, dizer que o MDB, tambm no campo econ-
mico, tem crticas srias a fazer e sugestes a apresentar, para re-
mediar um estado de coisas com o qual no concordamos em abso-
luto15. Afirma, portanto, desde logo, absoluta discordncia com o
estado de coisas tal como evolve, ao mesmo tempo que lembra que a
oposio tambm no campo econmico tem algo a dizer. Se tal afir-
mao se fez necessria porque o que tinha de ser dito no o fora
at ento. Se, quanto a isto, restar ainda alguma dvida, basta refe-
rir que o vcuo econmico da oposio foi at mesmo explorado pela
malcia parlamentar da liderana situacionista, cobrando Petrnio
Portella, em determinado momento, as teses emedebistas sobre a
questo, que fossem anteriores s dos pronunciamentos de S. Bar-
ga16.
14 R. Saturnino BRAGA, Poltica Econmica e Estatizao, Civilizao Brasileira, Rio de Janeiro, 1976.
15 Ib., p. 3.
16 No posso deixar, todavia, de fazer um reparo assertiva de V. Exa., segundo a qual, se o governo tivesse ouvido, h cinco anos passados, o MDB, no teria incidido em erros, alguns dos quais apenas apon-
19
Para muito alm, no entanto, da figura e do pioneirismo do se-
nador emedebista, o que importa, aqui, exclusivamente a leitura
que faz da situao nacional e a resoluo programtica que ofere-
ce, na recuperao que efetua, para a oposio, do discurso econ-
mico.
O conjunto dos discursos publicados e a proposta de uma nova
equao econmica e poltica para o Brasil, que S. Braga encami-
nhou comisso do MDB que estuda o projeto - governo da oposi-
o - so produtos de uma mesma viso de mundo; idnticos nas
razes e nas resultantes, de modo que a Proposta simplesmente a
consolidao em texto corrido daquilo de que os discursos so com-
postos. Observa-se, ora num caso, ora noutro, uma que outra ar-
gumentao mais estendida ou sistematicamente ampliada, um que
outro acrscimo que no adita, nem suprime mrito maior s teses
fundamentais. Todavia, h que ler as duas coisas para superar dife-
renas tnicas que, de outro modo podem induzir a erro. Vale, po-
rm, registrar uma exceo, que diz respeito questo institucional,
quando aparece a idia de um poder moderador que seria exercido
por um conselho, presidido pelo chefe de estado de uma Repblica
parlamentarista. Todo este esquema, no entanto, decorre visivel-
mente do empenho em encontrar uma via de transio para o estado
de direito, e condicionado ao caminho legitimador de uma Assem-
blia Nacional Constituinte. Ousaramos dizer, de passagem, que,
apesar da amplitude desta sugesto, da tica braguista ela no ul-
trapassa o universo ttico.
tados de forma incidente por V. Exa. Gostaria que V. Exa., em tempo oportuno, apresentasse nao, desta tribuna que V. Exa. tanto honra e ilustra tanto, exatamente os pronunciamentos do MDB, demonstrativos do acerto de suas teses, das teses que V. Exa. preconiza, mas que no so exatamente as teses do seu parti-do e, muito menos, foram pelo seu partido defendidas h cinco anos passados. De maneira que, sabendo da seriedade que V. Exa. empresta a tudo que diz e a tudo que faz, espero que, brevemente, V. Exa., coligidos os dados nos Arquivos, nos Anais do Senado, ou fora dele, V. Exa. possa demonstrar que suas teses j eram defendidas h cinco anos passados pelo partido que V. Exa. tanto ilustra. /.../ Vossa Excelncia citou casos isolados, e no atentou para o sentido do meu aparte. V. Exa. faz uma anlise global, defende determinadas teorias econmicas que no so as do seu Partido. A circunstncia de episodicamente, e em termos isolados, o MDB ou figuras do MDB haverem defendido algumas dessas teses no responde pergunta por mim feita a V. Exa. Ib., pp. 107 a 109.
20
Mas o universo ttico no ocupa a parcela maior, nem a mais
importante, do discurso do senador fluminense. Presente particu-
larmente pelo denso molho da cautela, e envolvido em aura tcnica
de primeira linha, que acena para elevaes estatsticas, o utenslio
ttico procura fazer passar um discurso que remete totalidade.
Com efeito, move-se S. Braga no bojo de uma concepo que
pensa e prope uma sorte de capitalismo corrigido. Proposta as-
sumidamente reformista e conciliadora por excelncia17, que se
julga distinta e superior a uma simples cpia das diretrizes neoca-
pitalistas (P, 44/3) e convergente do universo social-democrata.
Com isto, entende Saturnino, escapa-se ao falso dilema entre so-
cialismo e capitalismo: O que importa ficar claro nesse discurso a
necessidade de superar essa dicotomia capitalismo versus socialis-
mo que, para ns pelo menos, inteiramente falsa. Alis, acho que
socialismo ou capitalismo no so fins, objetivos absolutos pelos
quais se deva lutar. O que importante a liberdade, a justia so-
cial, a fraternidade, o desenvolvimento. Esses so fins em si mes-
mos; socialismo, capitalismo ou outro regime so meios de se obter
fins (P, 41/3). Mas, se estas so as fronteiras explcitas da razo
braguista, alis muito pouco singulares, mais relevante que explo-
rar os contornos do falso dilema apreender os motivos de restri-
o aduzidos para cada uma de suas pontas. Assim, o plo socialis-
ta descartado pelas esperadas e convencionais conotaes do to-
talitarismo18, mas a crtica e a correo do capitalismo so bem
mais elaboradas. So estas, em contraste com a primeira, que
transpassam os textos e informam o projeto Saturnino. So elas
17 R. Saturnino BRAGA, Proposta de Modelo Econmico e Poltico para o Brasil, verso condensada e publica-
da pela Folha de S. Paulo, em 26 de junho de 1977, 4 Caderno, pp. 41, 44 e 45. Daqui para diante ser citada simplesmente, no prprio corpo do texto, como P, seguindo-se letra o nmero da pgina do jornal em que se encontra o fragmento e o nmero da coluna. No caso: (P, 44/2). 18
/.../ o socialismo, na sua definio clssica, o socialismo ortodoxo ou totalitrio demonstrou ser inseparvel - por motivos evidentes - da ditadura poltica de um grupo dirigente. E basta o potencial de monstruosidades que essas situaes ditatoriais carregam para justificar sem a necessidade de discusso de outros aspectos (ligados eficincia, por exemplo), para sustentar a sua rejeio (P, 41/3 - os parnteses so do original).
21
que, de fato, necessrio detalhar, mesmo porque so as nicas
que os documentos desdobram.
A crtica, e subseqente correo do capitalismo, operada por
S. Braga, tem por centro o sistema de mercado - caracterstica b-
sica do capitalismo, tanto que com ele normalmente se confunde -
(P, 41/3). Crtica ao sistema de mercado enquanto campo de fora
orientador da racionalidade, isto , como suposto de que seria o
caminho mais rpido e seguro para o desenvolvimento (P, 41/2).
Para a tica braguista, ao contrrio, o sistema de mercado possui o
defeito bsico e intrnseco de ser por si mesmo absorvente, ex-
pansionista, e tende a concentrar as energias e atenes do homem
para a produo e transao de mercadorias. A percepo desse fato
alcanou a humanidade nos dias presentes, e em todas as naes do
mundo da livre empresa a reao se manifesta com nitidez inocult-
vel. Mas no apenas em funo de seu carter absorvente e expan-
sionista; outras falhas importantes do sistema de mercado vo
pouco a pouco sendo reconhecidas e admitidas para efeito de corre-
o. E Saturnino as enumera: O mercado tem falhado comple-
tamente em reduzir as desigualdades entre grupos dentro de uma
mesma sociedade. Nos pases em desenvolvimento isso particu-
larmente flagrante, com a tendncia perniciosa ao aprofundamento
das disparidades. A supervalorizao do fator capital e do fator tec-
nologia moderna; a supervalorizao do aspecto moderno das coi-
sas em geral /.../ atuando simultaneamente nas prprias engrena-
gens do mecanismo do mercado produzem efeitos altamente concen-
tracionistas, em termos de distribuio dos frutos do desenvolvi-
mento, assim como efeitos igualmente malficos no aumento da de-
pendncia da economia nacional para com o exterior, criando impas-
ses sucessivos na rea do balano de pagamentos (P, 41/2). Ademais, O
mercado falhou tambm escandalosamente em reduzir as desigual-
dades entre as naes. E essas disparidades s tendem a aumen-
tar. Neste ponto, Saturnino incursiona por uma viso catastrfica
22
da histria para extrair, no entanto, por esta via, uma conhecida
verdade crtica a um antigo preceito do liberalismo econmico: Nes-
te campo, todavia, h algo de muito grave no horizonte. que em
razo de obstculos e custos crescentes, ligados ao esgotamento de
recursos naturais e poluio, a era do crescimento zero se apro-
xima com uma clareza inconfundvel. o fim das iluses acalenta-
das pelo dinamismo, em que cada pobre tem a esperana de melho-
rar adiante a sua situao, seno relativa pelo menos absoluta (P,
41/3). Mas o inventrio das afeces s chega ao fim com o registro
de Outra anomalia ou doena do sistema de mercado (que) a clara
e progressiva reduo da liberdade de iniciativa em muitos setores
da economia, chegando mesmo a uma completa eliminao da livre
empresa em alguns ramos, onde os oligoplios estabelecidos tm um
domnio no apenas virtual mas concreto e total (P, 41/3).
Por todas estas razes, afirma Saturnino, Erigir o mercado
como critrio nico ou supremo de orientao para alocar recursos
tem sido outro grande erro. E completa: Mesmo num sistema de
livre empresa, o mercado deve ser considerado na sua dimenso
prpria, que alm de ser exclusivamente econmica, no pode a-
branger nem mesmo a totalidade dessa esfera no estgio atual da
nossa civilizao (P, 41/2). Esta forte restrio ao sistema de mer-
cado, todavia, no implica na propositura (nem isto seria compat-
vel com a tica braguista) de sua abolio, mesmo porque O mer-
cado deve ser reconhecido como o melhor sistema at agora encon-
trado para, democraticamente e eficientemente, alocar os recursos
disponveis para o atendimento das necessidades materiais do ho-
mem (P, 41/2). No se trata de perpetrao, por parte do senador
emedebista, de qualquer contradio nos termos, haja vista que O
reconhecimento de que o melhor (o sistema de mercado) no sig-
nifica entretanto que seja o nico, e que a melhor combinao seja
aquela onde no entre nenhum outro sistema paralelo, onde o mer-
cado tenha uma dominncia absoluta na organizao da sociedade.
23
Em outros termos, h que bem entender que Saturnino Braga no
se pe contra o sistema de mercado, mas contra A hipertrofia do
sistema de mercado, ou que se poderia chamar de totalitarismo do
mercado, mesmo porque este parece ter ficado para trs na hist-
ria da nossa civilizao, tendo atingido seu ponto culminante na
primeira metade do sculo vinte. E isto, entende o parlamentar,
o resultado da compreenso de que a submisso s regras do mer-
cado em todas as facetas, em todas as transaes da vida humana
leva fatalmente a uma depreciao, ou a uma considerao secun-
dria de aspectos da maior importncia para o sentido da vida do
homem; aspectos que jamais seriam suscetveis de receber o trata-
mento que o mercado d s coisas, fazendo-as mercadorias (P,
41/2). Compreenso da qual A social-democracia no ocidente euro-
peu uma realidade que cresceu sem nenhum sinal de reverso,
empurrando o livre jogo do mercado para planos cada vez menos
importantes, se bem que dominantes.
Ver-se-, no que segue, que os parmetros social-democrticos
no so para Saturnino mais do que pontos de referncia em geral,
e no propriamente uma doutrina orgnica qual h que se filiar.
Isto se evidencia quando a questo o desenvolvimento brasileiro.
Desenvolvimento este que o senador tematiza, isto sim, apoiado na
sua viso do que sejam, hoje, os caracteres do sistema de merca-
do. Caracteres, entre defeitos e correes, que o afastam explici-
tamente das frmulas liberais clssicas. assumindo tais concep-
es, que no se confundem com o protecionismo, indo muito alm
deste, que S. Braga desenvolve a sua leitura crtica da situao bra-
sileira e formula uma proposta alternativa.
Mas, antes de enfrentar o caso brasileiro, tal como lido da
perspectiva braguista, h que ressaltar um dos pontos fundamen-
tais de sua anlise da organizao econmica contempornea, e que
exerce papel decisivo em toda sua concepo. Trata-se da natureza
24
monopolista da atual acumulao capitalista, e que nas palavras de
Saturnino, j anteriormente estampadas, transparece sob a anota-
o da clara e progressiva reduo da liberdade de iniciativa em
muitos setores da economia, chegando mesmo a uma completa eli-
minao da livre empresa em alguns ramos, onde os oligoplios es-
tabelecidos tm um domnio no apenas virtual mas concreto e to-
tal. De fato, diz Saturnino, a grande empresa entidade inelut-
vel da economia mundial contempornea19. Entidade inelutvel,
de cujas vantagens, pensa Saturnino, absolutamente ocioso dis-
correr, mas da qual afirma, tanto na Proposta, quanto em Poltica
Econmica e Estatizao, que sinnimo de crescimento, de produ-
tividade, de pesquisa e inovao tecnolgica, de relativo respeito s
reivindicaes trabalhistas; sinnimo de progresso na sua significa-
o atual. E to forte essa identificao que seria absurdamente
ingnuo, inconcebvel mesmo, um projeto de desenvolvimento que
no contemplasse um lugar de destaque, como condio necessria,
para a grande empresa (PEE, p.189). Em outra passagem acres-
centa: a verdade que a grande empresa tem sido a verdadeira for-
ca propulsora desse desenvolvimento. Sem a grande empresa, sem a
sua contribuio decisivas em termos de acumulao de produtivi-
dade, de avanos nos campos da tecnologia e de administrao, ja-
mais as naes ricas do ocidente teriam chegado ao estgio de de-
senvolvimento em que se encontram (PEE, p.192). Mas, paralela-
mente a seus aspectos positivos fundamentais, Saturnino faz o re-
paro de suas desvantagens, nada desprezveis, nada pequenas, que
chegam a quase equilibrar a ponderao com os benefcios, fazendo
com que muitos prefiram a condenao da grande empresa, a sua
eliminao, mesmo ao preo de uma queda acentuada do ritmo de
desenvolvimento (P, 44/2). Defeitos e desvantagens que so resu-
mveis em ser a grande empresa: a) foco potencial de recesso ou
instabilidade do sistema econmico onde tem uma posio de domi-
19 Poltica Econmica e Estatizao, op.cit., p. 189. Citada daqui para diante apenas como PEE.
25
nncia; b) maximizao de poder pois que nesse poder reside a se-
gurana de continuidade do seu crescimento, Poder sobre o merca-
do, poder sobre eventuais concorrentes, poder sobre fornecedores,
poder sobre consumidores, diversificao de poder por vrios seto-
res (conglomerados), poder sobre governos: - esse o objetivo per-
manente da grande empresa de hoje; c) alm de ser um foco de
instabilidade, de irracionalidade e de desigualdade, a grande empre-
sa um foco permanente de propagao inflacionria (P, 44/2). ,
pois, com semelhantes restries, explicitamente de inspirao key-
nesiana a primeira, e galbraithiana a segunda, e considerados os
elementos positivos da grande empresa moderna, que Saturnino
conclui que se buscamos ns o desenvolvimento, no podemos re-
jeitar a grande empresa. um mal necessrio (PEE, p.193); o
preo que o mundo ocidental est pagando pelo modelo de desenvol-
vimento com liberdade que escolheu (PEE, p. 192). E, anote-se, pa-
ra efeito do que aqui mais de perto nos interessa, que, em sendo
um mal necessrio, um Mal muito pior quando se trata de em-
presa estrangeira, com seus centros de deciso fora da rea de in-
fluncia do governo nacional, com poltica de investimentos de ven-
das, de crescimento, orientadas por fatores completamente desvin-
culados das circunstncias e dos interesses nacionais (P, 44/2).
De sorte que, da tica braguista, a empresa monopolista, iden-
tifica-se como o suporte do progresso, tal como este se efetiva na
atualidade, mas o monoplio traz em seu bojo altos custos sociais,
defeitos de grande teor negativos, constituindo-se num mal ne-
cessrio, tanto mais intenso quando se trata de empresa estrangei-
ra. Em face de semelhante mal necessrio, que Saturnino subli-
nha a validade do remdio social-democrata, aplicado nos centros
altamente desenvolvidos. Mas para os pases subdesenvolvidos, para
os pases em desenvolvimento, como diz o senador fluminense,
no haveria nada alm da mesma teraputica? No haveria meios
de obviar esses problemas, de reduzir esses custos sociais gerados
26
pela grande empresa? Estariam os pases em desenvolvimento /.../ conde-
nados a passar pelas mesmas dificuldades, a contrair as mesmas
doenas do mundo ocidental, cuja intensidade s promete aumentar
com a entrada dos novos scios no clube dos desenvolvidos? (PEE,
p. 193). Para o senador emedebista, antigo Diretor de Planejamento
do BNDE, para os pases em desenvolvimento h uma soluo al-
ternativa, e ela se constitui na chave de seu pensamento. De sua
tica os pases em desenvolvimento tm a possibilidade de no
contrair as doenas do mundo ocidental atravs de uma forte pre-
sena do estado na rea produtiva: se o campo das grandes empre-
sas for dominado por uma forte presena do Estado, todos aqueles
problemas estaro pelo menos grandemente amortecidos (P, 44/2).
o preconizado por Saturnino Braga, dado que A empresa estatal
a frmula capaz de obviar os graves problemas gerados pela grande
empresa, e oferecer Nao um saldo muito maior de benefcio em
favor do desenvolvimento (PEE, p. 194). De sorte que, deste prisma,
a anomalia monopolista , pois, corrigida pela monopolizao es-
tatal. Em face, portanto, da factualidade histrica da acumulao
monopolista no se observa em S. Braga a emerso de inclinao
conceitual que conflua para alguma forma da crtica romntica ao
capitalismo. A grande empresa do capitalismo verdadeiro susten-
tada como o suporte dinmico efetivo da acumulao. Com a dife-
rena de que seja estatal; no que S. Braga entende estar apoiado
pelas indicaes keynesianas: Keynes, como todo pensador que le-
ga humanidade uma contribuio importante, muito mais citado
do que lido e estudado. No fosse assim, a meditao sria sobre o
ltimo captulo da sua grande obra - Notas finais sobre a filosofia
social a que poderia conduzir a teoria geral - evidenciaria que o
sentido verdadeiro das suas observaes e proposies era uma re-
forma muito mais profunda do sistema do que a reviso neocapita-
lista que se seguiu ao liberalismo e que constitui o dogma dos dias
de hoje /.../ reporto-me ao ltimo perodo do Captulo 12 da Teoria
27
Geral, quando Keynes trata das previses a longo prazo, concluindo:
Espero ver o Estado, que est em situao de poder calcular a efi-
ccia marginal dos bens de capital a longo prazo com base na con-
venincia social geral, assumir uma responsabilidade cada vez mai-
or na organizao direta das inverses (PEE, p. 190). Sem que haja
dvida sobre a sensvel diferena entre organizao das inverses e
a propriedade delas, o relevante no esta interpretao ser ou no
pertinente, mas que o senador fluminense, compreendendo-se nela
fundado, assegure o carter corretivo do estado e a legitimidade
de sua profunda e decisiva interveno no setor produtivo. Do que
resulta, talvez para surpresa dos incorrigveis amantes dos univer-
sais abstratos, na propositura de um capitalismo corrigido, no
qual parcela pondervel da propriedade deixa de ser pensada, pelo
proponente, como necessariamente privada, o que obviamente no
altera, concretamente, seu carter burgus. A questo, no entanto,
no reside sobre a natureza da propriedade, que se mantm pacifi-
camente a mesma, mas na determinao entre estas variantes da
propriedade capitalista qual a mais favorvel para os pases subde-
senvolvidos, particularmente para as classes subalternas. o que
eleva certa, digresses braguistas do nvel meramente piedoso,
quando, por exemplo, ao afirmar que sua linha ofereceria possibili-
dades bem maiores de eliminar ou reduzir bastante algumas das
graves doenas do mundo ocidental desenvolvido de nossos dias do
que a simples cpia das diretrizes neocapitalistas, prossegue espe-
cificando: Essa cpia fatalmente nos levaria aos efeitos destrutivos
da sociedade de consumo, a uma quadro onde a instabilidade eco-
nmica, as injustias sociais, as tenses e manifestaes de violn-
cia, o desperdcio e a irracionalidade, o consumismo neurtico e
neurotizante, a desiluso da juventude, o uso crescente de txicos,
e o relaxamento progressivo dos valores morais teriam uma intensi-
dade pelo menos igual que tem hoje nos pases lderes do ociden-
28
te, e que tanto nos preocupa, a ns ocidentais, pelo insucesso dos
esforos que tm sido feitos para a sua diminuio (PEE, p. 194).
com este eixo bsico de reflexo que S. Braga faz o diagns-
tico da situao nacional a apresenta sua sugesto.
Ao nvel mais abrangente, por tudo que foi dito, compreende-se
que o parlamentar, cujas idias estamos examinando, apreende o
Brasil como um pas em desenvolvimento, numa quadra histrica
em que a livre iniciativa, em seus moldes clssicos, est inteiramen-
te encerrada. E em se tratando de um pas que se desenvolve, regis-
tra obviamente xitos econmicos. Sucessos que a seu ver no so
devidos estabilidade poltica imposta pela fora (P, 44/1), nem
ao crescimento das exportaes, tambm no s reformas do siste-
ma financeiro realizadas a partir de 1964 (P, 44/1), e muito menos
ao desumano processo de concentrao de renda (P, 44/1). Para
Saturnino o grande perodo desenvolvimentista brasileiro teve in-
cio na dcada dos 50, verdadeiramente o milagre comeou nos a-
nos 50. Em sntese: o xito da economia brasileira nos ltimos 25
anos deve-se precipuamente, como causa fundamental, ao cresci-
mento da ao direta do Estado, chamada estatizao crescente,
que hoje alvo de ataques to intensos e cerrados, promovidos pe-
los interesses estrangeiros, transnacionais, que encontram agora
uma forca capaz de se confrontar com eles (P, 44/1).
diretamente vinculado a este quadro geral; que devem ser
consideradas as duas crticas fundamentais que o senador flumi-
nense tece situao atual, resultante que do modelo econmico-
social segundo o qual se vem processando o desenvolvimento brasi-
leiro desde 1964. E a prpria idia da mudana do modelo /.../
originou-se e fortificou-se com base na identificao de duas falhas
ou defeitos fundamentais do sistema vigente que, uma vez constata-
das e denunciadas, no puderam at agora ser corrigidas ou sequer
remediadas (P, 41/1). So elas, a injustia social e a dependncia
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externa: o modelo atual socialmente injusto e alm de injusto ge-
ra um grau de dependncia to grande em relao ao exterior, que
tende cronicamente para a inviabilidade (P, 41/1).
Relativamente ao primeiro ponto Saturnino taxativo, determinando,
agora, de forma nova a questo. A poltica econmica vigente dada como
produtora da injustia social apontada, no mais se tratando desta como se
fora simples conseqncia de uma pura carncia distributiva, que pudesse
ser sanada pela adio de uma poltica dessa ordem quela. Os termos agora
esto na sua ordem casual. No se pode pr dvida sobre a acusao de
que o modelo vigente produz a injustia social (P, 41/1). A situao de de-
sigualdade do quadro brasileiro hoje considerada das mais profundas e
gritantes do mundo. E isto tanto mais grave quando se compreende, se-
gundo o entendimento braguista, que Um pas como o Brasil, com cerca de
US$1.200 de renda per capita, j pode eliminar a pobreza absoluta - aquela
que chega morte pela subnutrio ou criminalidade pela total desespe-
rana - sem sacrificar recursos para investimento, apenas transferindo ren-
da dos 5% mais ricos para os 30% mais pobres (P, 44/3).
Dispensvel insistir neste ponto, detalhando a argumentao
do parlamentar do MDB na seqencia dos ndices e dados numri-
cos que convincentemente faz desfilar, mesmo porque o essencial
era frisar o novo modo de pr questo, e tambm dado que a ela tornare-
mos, mais adiante, quando tratarmos de expor os traos bsicos do modelo
voltado para dentro.
Sirva a ltima expresso como elo para a exposio do ponto
subseqente. Com efeito, Saturnino prope um modelo voltado pa-
ra dentro como contraposio ao modelo vigente, determinado como
voltado para fora. Estando esta volta para o exterior rigorosamente
em conexo com o problema concentracionista: As crticas da opo-
sio poltica econmica dos governos da revoluo concentram-se
em dois aspectos estritamente articulados: a exteriorizao ou ex-
troverso excessiva a que foi levada a nossa economia, e a concen-
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trao de riqueza nas mos de uma minoria privilegiada de brasilei-
ros. So dois aspectos muito interligados, duas faces do modelo e-
conmico da Revoluo que muito dificilmente poderiam existir de
forma independente uma da outra - e que, por isso mesmo, devem
ser examinadas e discutidas conjuntamente (PEE, p. 3). A denncia
da exteriorizao evidentemente diz respeito nfase exportadora da
poltica econmica vigente, mas no exclusivamente a ela, remeten-
do globalmente s relaes de troca que prevalecem entre pases
que tem e no tem tecnologia de produo avanada (P, 41/1).
Em termos bem sintticos: Na falta de uma base de sustenta-
o no mercado interno o lema oficial passou a ser a soluo ex-
portar. /.../ Mas as engrenagens do modelo em vigor so diabli-
cas, e o esforo de exportao e o inegvel xito no crescimento do
valor exportado acabam resultando numa tremenda presso para
importar (P, 44/4). Ainda mais, e mais decisivamente, mesmo em
termos sumrios: No h dvida de que a indstria automobilsti-
ca, no seu conceito mais abrangente, incluindo a fabricao de au-
topecas, o ramo mais importante, aquele que pesa mais individu-
almente na composio e no dinamismo do nosso produto interno.
Apesar de ser o ramo mais importante, uma indstria voltada para
a particular satisfao de uma parcela nfima da nossa populao -
quatro por cento apenas dos brasileiros possuem automvel - j que
a sua nfase inicial na produo de caminhes e nibus foi invertida
ao longo do tempo para se concentrar no carro de passeio. Apesar
de ser uma indstria voltada para a satisfao de to poucos de
longe a que causa maior impacto negativo no nosso balano de pa-
gamentos com o exterior, responsvel maior que pelas nossas importa-
es no apenas de petrleo mas de ao, cobre, alumnio, nquel, magnsio,
borracha e outros (P, 41/1).
Tomado articuladamente o conjunto dessas indicaes, temos
o esquema bsico da leitura braguista dos processos e efeitos da po-
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ltica econmica em vigor, do modelo voltado para fora. Se bem que
insista sempre na conexo indissolvel entre o concentracionismo
da renda e a exteriorizao da economia brasileira, e de outra parte
tambm estabelea a relao ntima entre o desenvolvimento de
bens de consumo durveis, dependncia externa e concentracionis-
mo, e ainda entre exteriorizao e dependncia externa, no se pode
dizer a rigor, nem mesmo num plano virtual, que S. Braga efetiva a
sntese de todas estas correlaes, apanhando de modo cabal o pro-
cesso em sua inteira espessura. Impedimentos de perspectiva, mol-
dagem terica e o que mais seja restringem a anlise, de tal forma
que o sentido gentico do quadro se esfumaa, e com ele o prprio
carter determinante da dependncia, tantas vezes assinalada. To-
davia, isto no impede que, na imediaticidade dos eventos, Saturni-
no monte uma equao bastante razovel, que apreende certa por-
o do significado principal das ocorrncias e seu impasse intrnse-
co, apreenso que faculta, na seqencia, sua concludncia progra-
mtica.
O esquema fundamental do senador fluminense detecta as ar-
ticulaes centrais da poltica econmica em vigor e assinala sua
tendncia crnica para a inviabilidade. Talvez no se possa dizer
taxativamente que o atual modelo seja invivel sob o ponto de vista
estritamente econmico. Uma nao que tem uma parcela de trinta
milhes de pessoas, com uma renda per capita de quase US$ 2.500,
com poder aquisitivo mdio bem superior ao que caracteriza os pa-
ses pobres ou subdesenvolvidos, tem, dentro de suas fronteiras, um
mercado capaz de viabilizar um processo de desenvolvimento. Mas
claro que ele ter de ter um coeficiente de abertura para o exterior
relativamente alto /.../ e que essa abertura, dadas as relaes de
troca que prevalecem entre pases que tm e no tm tecnologia de
produo avanada, tende a produzir dficits permanentes na ba-
lana de pagamentos. Tudo passa a depender, ento, da disposio
dos centros detentores de capital e tecnologia de realizar os inves-
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timentos na medida capaz de contrabalanar esse dficit crnico
(...). O indicador que sugere com mais evidncia esse impasse o
volume da nossa dvida externa, que, ultrapassando em 1977 o nvel
dos US$ 30 bilhes, exige que cerca de 50% do valor total das nos-
sas exportaes, ampliadas artificialmente custa de muito subs-
dio, seja gasto em juros e amortizaes deste ano. Assim, no se
chamado de invivel, o mnimo que se pode dizer do atual modelo
brasileiro que inseguro, alienante, demasiadamente dependente
de decises tomadas fora do Pas, fora da nossa rea de influncia.
E um dos fatores que mais acentuam esse grau de insegurana o
fato de que essa soluo cada vez mais divide a nao entre poucos
ricos e muitos pobres, gerando tenses sociais que dificultam so-
bremaneira a obteno de estabilidade poltica exigida pelos centros
de capital e tecnologia (P, 41/1). Dito de maneira mais anatmica:
num pas perifrico, a uma organizao da produo centrada em
torno de bens de consumo durveis corresponde um mercado con-
sumidor privilegiado bem como uma desvalorizao da fora de tra-
balho, e uma componente importadora que, considera a desigualda-
de dos parceiros comerciais, sobrepuja a capacidade exportadora, e
implica em progressivo endividamento, ao limite de um impasse que
tende a ameaar o processo de acumulao.
Tudo isto considera que evidente que um aumento substan-
cial das nossas exportaes um resultado positivo. Altamente po-
sitivo se for obtido pela explorao das nossas vocaes naturais,
pela intensificao do emprego da nossa mo-de-obra abundante,
subempregada, na produo de manufaturados, pela utilizao de
uma poltica comercial agressiva e inteligente (P, 44/4). No porm
uma exportao de manufaturados que para chegar ao ponto a que
foi levada teve o governo que dar uma soma to grande de incenti-
vos - iseno de IPI, iseno do ICM, crdito do IPI, financiamento a
juros subsidiados e outros - imposto de renda, tambm, que muitos
economistas nossos sustentam que estamos vendendo a preos infe-
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riores aos custos internos de produo, subsidiando, portanto, o
consumo de outras naes (enquanto o nosso pobre consumo inter-
no bsico no pode ser subsidiado, por razes que at hoje ignora-
mos, no pode, nem mesmo, ser aliviado do ICM). E a poltica de for-
ar exportaes no se limitou aos manufaturados (PEE, p. 9). Em face,
portanto, da exportao, tal como se deu, enquanto instrumento do
modelo voltado para fora, uma pergunta posta, como uma clara
afirmao: ter semelhante esforo exportador se imposto Para sa-
tisfazer as necessidades de uma pauta de importaes que, direta
ou indiretamente, ditada pelo consumo artificial e conspcuo de
uma minoria cada vez mais privilegiada? (P, 44/4). , nos limites
da armao conceitual braguista, a forma de ver e indicar a contra-
dio entre um processo de realizao industrial que, objetivando o
mercado interno, , no entanto, propriedade ou financiamento do
capital estrangeiro, e a incapacidade do pas perifrico em gerar as
divisas suficientes para remunerar este capital. E assim se pem
as ameaas ao prosseguimento da acumulao, como diz S. Braga, a
inviabilidade do desenvolvimento: A persistir o quadro atual, o
Brasil dever ao exterior US$ 40 bilhes antes do fim de 1980, com
amortizaes e juros na ordem de US$ 8 bilhes anuais. Por mais
favorvel que seja a evoluo da nossa receita cambial, essa despe-
sa com a dvida acabar por se tornar insuportvel, e as concesses
que o pas ter que fazer aos credores inviabilizar qualquer projeto
de desenvolvimento nacional (P, 45/5). Inviabilizao, alis, que da
perspectiva braguista j est em curso: desaquecimento de uma
economia cujo dinamismo j caiu de 9%, ao ano, para 4%, se no
quer dizer recesso, eu j no entendo mais a semntica dos eco-
nomistas. Mas, se ainda sou capaz de perceber alguma coisa, vejo,
ento, o verdadeiro plano do Governo: apelar para a recesso e, des-
sa maneira, resolver com um s remdio os dois problemas cruciais:
a inflao e o balano de pagamentos. Um remdio terrvel para o
pas, mas que tem algumas vantagens: esconde a incompetncia, na
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medida em que se pode pr a culpa na crise internacional, e joga o
peso maior do sacrifcio sobre aqueles que tm menos poder e capa-
cidade de reclamar (PEE, p. 112).
O modelo voltado para fora , pois, inseguro e invivel. Mais
no preciso dizer: Tudo isso errado /.../; so erros sobre erros
que a oposio no pode deixar de denunciar. E, para no ficar ex-
clusivamente na denncia, na crtica /.../ oferecemos a nossa opi-
nio, as nossas idias que consideramos devam fazer parte de uma
poltica alternativa, vivel e correta (PEE, p. 112).
O modelo voltado para dentro. A eliminao das causas gera-
doras da dependncia excessiva - falta de mercado interno, grau de
concentrao de renda gerando demanda sofisticada e presso sobre
importaes, atraso tecnolgico - tem que ser uma das linhas priori-
trias do novo modelo (P, 44/4).
Em que pensem as claras flexes de causalidade que o frag-
mento acima espelha, mais uma evidncia das fronteiras perspecti-
vadas pelo senador fluminense, a Proposta braguista se pe como
um recurso para evitar o aprofundamento e alcanar a reduo da
dependncia, no preciso momento em que esta, pela crise do mi-
lagre, pode se tornar ainda maior, se bem que estejam dadas as
condies de sua superao.
O desequilbrio da balana comercial, e o correlato desequil-
brio da balana de pagamentos so o n grdio revelador do esque-
ma vigente. A organizao industrial voltada para a produo de
bens de consumo durveis, esta indstria de ponta, como chama-
da, propriedade, na sua parcela mais dinmica e significativa, de
capitais estrangeiros, alm de suscitadora de um mercado consumi-
dor privilegiado, implica numa presso importadora, bens de produ-
o e insumos bsicos, responsvel, no andamento, pela inviabiliza-
o do esquema em seu conjunto, na medida que esgota os recursos
do esforo exportador e conduz a um endividamento crescente. Se
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as importaes de petrleo, momentaneamente, cresceram de forma
aguda, a tendncia de prazo mais largo mostra uma taxa mdia de
crescimento das importaes de equipamentos bem mais elevada. E
como os pases produtores de bens de capital podem reajustar os
seus preos reagindo alta do petrleo, certo, inevitvel que ao
fim de poucos anos, o gasto com importao de equipamentos ultra-
passe de muito o das compras de petrleo. o fato de fabricarmos
ainda muito pouco das nossas fbricas que faz com que o processo
de substituio de importaes e o prprio processo de crescimento
econmico em geral resultem em presso crescente sobre o balano
de pagamentos. De tal forma que a superao da situao de subde-
senvolvimento parea ou invivel ou dependente de entradas cada
vez maiores de capital estrangeiro (P, 44/6).
De sorte, e nisto no h margem para qualquer dvida, a su-
perao do subdesenvolvimento remete implantao e crescimento
da indstria de base, dos bens de capital, dos insumos bsicos,
numa expresso precisa - dos bens de produo (equipamentos e os
chamados bens intermedirios). precisamente sobre este ponto
que est centrada a Proposta de S. Braga.
O modelo voltado para dentro principia por estabelecer o fun-
damento, as condies de possibilidades deste giro para dentro pela
propositura da interiorizao da produo dos bens de produo.
Substituir as importaes de bens de capital e insumos bsicos
um imperativo; imperativo tambm que o seja tendo por base o
capital nacional. Escapar, portanto, inviabilidade de superao do
subdesenvolvimento, e concomitantemente da entrada cada vez mai-
or de capital estrangeiro, como Saturnino configura a questo. To-
davia, O rompimento desse ciclo no fcil. A fabricao de equi-
pamentos exige o domnio de tecnologias modernas e complexas que
s as grandes empresas multinacionais detm. O investimento em
desenvolvimento tecnolgico um investimento caro e de resultados
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no muito certos, seno num prazo bem longo. Trata-se de uma es-
foro que quase sempre est fora do alcance das empresas privadas
nacionais, no grau de capitalizao que elas atingiram (P, 44/7).
No obstante tudo isso, prossegue Saturnino, o Brasil conseguiu
ensaiar os primeiros passos no campo da indstria de bens de capi-
tal. Algumas poucas empresas brasileiras conseguiram se afirmar e
ganhar uma parte aprecivel do mercado, antes inteiramente preen-
chido por bens importados (P, 44/7). Todavia, avaliando o conjunto
da situao do setor dos chamados insumos bsicos, onde a dispu-
ta de poder, de comando dos mercados, aparece, clara e transparen-
te, entre o Estado e a grande empresa estrangeira (P, 41/5), como
considerando que O setor de produo de bens de capital no mo-
mento o que apresenta melhores oportunidades de investimento,
no s o investimento comum em instalaes fixas, mas tambm, e
principalmente, aquele investimento, de maturao mais longa, em
tecnologia (tecnologia de processo e tecnologia de produo) (P,
41/5), Saturnino conclui, declarando: Para colocar logo a questo
nos seus devidos termos, acho til repetir a definio geral do ponto
de vista que tenho defendido: de que, na rea da grande empresa,
nos setores pesados de nossa indstria e dos servios bsicos, nos
setores fortemente exigentes em capital e tecnologia, o estado no
deve esperar pela iniciativa privada em nome de velhos preconceitos
liberais, mas deve garantir, com seus empreendimentos, sempre que
necessrio, o cumprimento no tempo prprio das metas essenciais
estabelecidas. A espera s poderia resultar numa das duas decor-
rncias alternativas: o atraso do setor, com conseqncias graves
para o desenvolvimento, ou a ocupao do setor pela grande empre-
sa de capital estrangeiro (P, 41/3). Mesmo porque o centro da
questo colocada nossa frente este: quem vai liderar o desenvol-
vimento brasileiro? A grande empresa estrangeira, a chamada mul-
tinacional ou transnacional, ou a grande empresa brasileira, a em-
presa estatal, a nossa multinacional? Esse o dilema (P, 44/1).
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um dilema posto num momento especial, pois s agora ele
est maduro para um verdadeira opo. At agora, o interesse das
multinacionais pelo Brasil era marginal: os grandes mercados da
Amrica do Norte e da Europa monopolizavam suas atenes. No
tenho a menor dvida de que agora as multinacionais esto real-
mente interessadas no Brasil. E a produo de equipamentos ser
fatalmente o veio mais cobiado a explorar. Mas tambm no tenho
nenhuma dvida de que agora a empresa estatal brasileira, a nossa
multinacional, est madura, forte, aparelhada e confiante para en-
frentar a batalha. E a produo de equipamentos, de bens de capi-
tal, de tecnologia, de engineering ser a principal frente de comba-
te nos prximos anos (P, 44/1).
De maneira que a superao do subdesenvolvimento, a ruptura
com a pobreza e o atraso, bem como a resoluo do confronto com o
capital estrangeiro, e, em ltima instncia, o rompimento da condi-
o econmica subalterna, de velha estrutura colonial, confluem pa-
ra um mesmo momento de resoluo, no preciso instante, instante
especial, e isto no de pouca importncia, em que se trata de edi-
ficar a base do capitalismo verdadeiro. E o instrumento afirmado
para a empreitada decisiva, mantido o modo de produo vigente,
a grande empresa estatal. Mesmo porque a produo de matrias-
primas e de equipamentos bsicos, dadas as exigncias de capital e
de tecnologia, dadas as dimenses relativas do nosso mercado, so
setores onde no existe a liberdade de iniciativa, onde tem que exis-
tir um monoplio de fato e onde a presena do estado, dadas as ca-
ractersticas do capitalismo nacional, faz-se necessria como alter-
nativa nica para enfrentar a possibilidade de entrega das decises
empresa multinacional (PEE, p. 216). E o senador fluminense de-
talha, sempre enfatizando a transcendncia do setor de produo de
bens de produo: o setor chave da retomada do processo de
substituio de importaes; a pea essencial da nova feio do
modelo brasileiro que reabilita a prioridade dos setores bsicos e
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volta-se para o mercado interno. , ainda, um ramo cujo desenvolvimento
torna-se primordial para a soluo dos nossos problemas de balano de pa-
gamento a longo prazo. Por todas essas razes, esse um setor que no pode
falhar (P, 41/5).
Passo decisivo e vital, face ao qual deve ser repelido qualquer
preconceito antiestatizante, invocando a defesa da iniciativa priva-
da, a liberdade de iniciativa. A comear pelo fato de que esse ti-
picamente um setor onde h muito j no existe liberdade de inicia-
tiva. um setor completamente dominado pelo entendimento entre
as grandes empresas monopolistas (P, 41/5). Ademais, a empresa
estatal uma frmula bem brasileira. Foi a soluo encontrada por
sucessivos governos de diferentes coloraes polticas nos ltimos 25
anos; foi a soluo adotada pragmaticamente, quase instintivamente, pela
sociedade brasileira, pela economia brasileira para buscar o caminho mais
vivel, o caminho prprio para o seu desenvolvimento. Uma soluo exitosa,
uma frmula feliz (P, 44/3).
Frmula feliz para a qual S. Braga reserva quatro esferas de
atuao: 1) a da produo de servios bsicos de infra-estrutura; 2)
a da produo de matrias-primas fundamentais; 3) a da produo
de equipamentos bsicos; 4) a da comercializao no mercado inter-
nacional (PEE, p.177). Saturnino enfatiza cada um destes itens,
mas um em especial, precisamente o que j vrias vezes ressalta-
mos, o da produo de equipamentos bsicos. A ponto de, em um de
seus discursos, chegar a propor a criao da Equipobrs, uma em-
presa holding que organizasse a produo do setor, em associao
com as companhias privadas, que distribusse e aprofundasse as
vocaes j existentes, as vocaes produtivas j existentes dentro
desse importante setor da nossa indstria, participando com capi-
tal, criando subsidirias para produzir o que ainda no fabricado,
produzindo e fornecendo tecnologia, porque esta empresa se consti-
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tuiria num ncleo de produo de tecnologia, coisa que nenhuma
empresa privada capaz de fazer... (PEE, p.79).
A empresa estatal, esta frmula feliz e brasileira que, ao con-
trrio do que supe o preconceito privativista, seria a condio de
existncia e desenvolvimento, na perspectiva braguista, da pequena
e mdia empresas privadas, pois, o que a empresa privada nacional
est precisando de segurana no fornecimento, a tempo hbil, de
equipamentos de boa qualidade para as suas fbricas, associado a
esquema de financiamento adequado sua rentabilidade previsvel.
At agora, isso tem sido obtido, na parte mais substancial dos equi-
pamentos pesados, pela via das importaes, do fornecimento exter-
no. Essa soluo, entretanto, no constituir mais uma via segura
nos prximos anos. Basta observar a correlao entre o nosso cres-
cimento econmico e a elevao das importaes de bens de capital
para concluir que o estrangulamento do nosso setor externo seria
uma fatalidade em poucos anos, em decorrncia do crescimento
dessas importaes de mquinas e equipamentos, independente-
mente do petrleo. O que a empresa privada nacional est, ento,
realmente precisando, para garantia de seu desenvolvimento, que
se instale urgentemente no Pas uma indstria em grande escala de
bens de capital, cobrindo a extensa gama de ramos e sub-ramos do
equipamento pesado, principalmente daquele fabricado sob enco-
menda, com uma enorme dose de engenharia embutida em cada ca-
so (P, 41/5).
Neste registro do ressurgimento de um discurso econmico no
seio da oposio, no se faz necessrio acompanhar e anotar todos
os aspectos e detalhes da propositura. Todavia, antes de dar por
findado o rastreamento dos textos braguistas, preciso ainda, rapi-
damente, anotar certos pontos.
O primeiro diz respeito questo agrria.
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Praticamente o problema no tematizado nos discursos pu-
blicados na coletnea, aflorando simplesmente numa nica frase: o
aumento do emprego agrcola, a reforma agrria, a criao de me-
lhores condies para o pequeno agricultor; a est outra perspecti-
va definida pela oposio e desprezada pelo governo, preocupado,
sobretudo, com o desenvolvimento agrcola baseado na grande em-
presa (PEE, P.125). Pouco, sem dvida, mas reflete uma tomada de
posio. Tomada de posio particularmente significativa pela crti-
ca, se bem que implcita, ao desenvolvimento agrcola exclusivamen-
te pela grande empresa, e pela consignao da necessidade de uma
reforma agrria. Na Proposta a questo aparece mais trabalhada,
todavia, ainda sem se converter num captulo amplamente desdo-
brado. Contudo, um passo dado na justificao dos reparos a uma
poltica de desenvolvimento agrcola baseada apenas na grande
empresa rural capitalista, tal como o faz a poltica vigente: A mo-
dernizao da agricultura brasileira tem significado macia libera-
o de mo-de-obra por parte das grandes propriedades. A contribu-
io negativa da moderna agricultura para a absoro de mo-de-
obra nada teria de grave se a liberao de trabalhadores fosse com-
pensada, por um lado, pelo barateamento dos alimentos e, por ou-
tro, pela insero de mo-de-obra em atividade mais produtivas, na
indstria ou nos servios. Mas nada disso vem ocorrendo. Passo
subseqente, o senador emedebista extrai a concluso de que A re-
forma agrria portanto o meio eficaz de criar mais oportunidades
de trabalho no campo, porm, A reforma agrria essencial mas
tambm no basta como elemento principal de uma poltica de em-
prego (P, 45/2). Deste ponto, S. Braga salta para a questo do im-
posto territorial rural, criticando a reformulao que este sofreu em
1965, para constatar que A estrutura de distribuio de terras no
se alterou significativamente nesses dez anos de vigncia do novo
imposto, o latifndio improdutivo continua existindo em larga esca-
la, e a especulao, com a subida vertiginosa do preo da terra,
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nunca tinha atingido nveis to altos (P. 45/6). O parlamentar con-
clui pelo parecer que o imposto territori