Post on 15-Jul-2020
ISSN 2176-1396
A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) E A QUESTÃO DA
EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES
Marzely Gorges Farias1 - UDESC
Zelindro Ismael Farias2 - PROVITA/SC
Soeli Francisca Mazzini Monte Blanco3 - UDESC
Fábio Manoel Caliari4 - UDESC
Eixo – Educação e Direitos Humanos
Agência Financiadora: Fundo Elas e PAEx
Resumo
A formação integral das pessoas, em todas as fases da vida e em todos os espaços sociais, é
condição inegável para analisar argumentos e opiniões manifestados em interações sociais e
nos meios de comunicação, posicionando-se criticamente em relação a conteúdos
discriminatórios que ferem a cidadania e os direitos humanos das mulheres e das meninas.
Destarte, o desafio de universidades brasileiras direciona-se para uma intervenção na solução
deste problema de relevância sociocultural e espacial por meio de um processo educativo,
científico e cultural. A partir da temática educação em direitos humanos e políticas públicas,
esta pesquisa qualitativa exploratória, realizada tecnicamente em fontes documentais e
bibliográficas, objetiva, do ponto de vista das premissas sócio-históricos, na perspectiva da
questão dos direitos humanos das mulheres, analisar o conteúdo das normativas da Organização
das Nações Unidas (ONU) - ratificados pelos Estados Membros, como o Brasil. Para tanto, visa
contribuir com uma formação docente crítica, em respeito a dignidade humana, à equidade e ao
diálogo de saberes entre docentes e discentes, que possibilite, no sistema de ensino e nas
escolas, ações pedagógicas – preferencialmente, de forma transversal e integradora - em prol
da eliminação das discriminações e violências contra mulheres e meninas, em especial, dos
indicadores de estupro e de feminicídio. Considerando que, na concepção humanista da
1 Doutora em Engenharia Mecânica: Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade Técnica de
Braunschweig - Alemanha. Professora do Curso de Pedagogia a Distância da UDESC/CEAD. Professora Adjunta
da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Pesquisadora do Laboratório de Políticas Públicas e
Direitos Humanos do CEAD/UDESC - Brasil. E-mail: marzely.farias@udesc.br 2 Mestre em Planejamento Territorial e Urbano e Desenvolvimento Socioambiental: UDESC/FAED. Coordenador
de segurança do Programa de proteção à vitimas e testemunhas – PROVITA/SC. Pesquisador do Laboratório de
Políticas Públicas e Direitos Humanos CEAD/UDESC. E-mail: zelindro@hotmail.com 3 Doutora em Engenharia Química pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Professora do curso de
Licenciatura em Ciências Biológicas da UDESC/CEAD, Diretora de Pesquisa e Pós-Graduação – UDESC/CEAD.
Professora Adjunta da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Pesquisadora do Laboratório de
Políticas Públicas e Direitos Humanos do CEAD/UDESC. E-mail: soeli.francisca@udesc.br 4 Doutorando em Educação – Tecnologia Educativa pela Universidade do Minho (Portugal), Professor do curso
de Bacharelado em Sistemas de Informação da UDESC/CEPLAN. Professor Assistente da Universidade do Estado
de Santa Catarina (UDESC). E-mail: fabio.caliari@udesc.br
11866
Educação, este desafio está presente na formação integral aspirando à reorientação de estilos de
vida coletivos e individuais com vista à proteção dos direitos humanos e expansão da cidadania
das mulheres e meninas para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.
Palavras-chave: Educação em Direitos Humanos. Direitos Humanos das Mulheres. Formação
Docente. Violência de Gênero. Organização das Nações Unidas (ONU).
Introdução
Analisar argumentos e opiniões manifestados em interações sociais e nos meios de
comunicação, posicionando-se criticamente em relação a conteúdos discriminatórios que ferem
os direitos humanos das mulheres e das meninas é condição inegável da formação integral das
pessoas em todas as fases da vida e em todos os espaços sociais.
Destarte, o desafio de universidades brasileiras direciona-se para uma intervenção na
solução deste problema de relevância sociocultural e espacial por meio de um processo
educativo, científico e cultural. Processo esse dimensionado como uma ação política,
estratégica democratizante do conhecimento com metodologias para assessorar e colaborar com
o sistema de ensino e as escolas, a sociedade civil e o poder público. Uma educação com
equidade de gênero aspirando a minimização da reprodução de discriminações e os seus
impactos na própria sociabilidade e sobrevivência de mulheres e meninas.
Diante da premissa da indissociabilidade do ensino-pesquisa-extensão, a opção por
cursos de formação docente (inicial e continuada) se justifica dado o fato de serem estas as
pessoas referências em suas comunidades, seja no litoral e, principalmente, no interior. Aliado
a isto, ainda, destaca-se a abrangência e a responsabilidade deste público em suas intervenções
pedagógicas e gerenciais. Por fim, destaca-se a possibilidade de estimular este segmento social
a se envolver com tais questões, tornando-se um público parceiro e qualificado para a
operacionalização de políticas públicas nas comunidades interna e externa das escolas. Neste
sentido, a mobilização e construção do conhecimento sobre a delimitação da temática – políticas
públicas e educação em direitos humanos das mulheres e meninas - permite integrá-los em
projetos de ensino, pesquisa e extensão (inclusive de intervenção pedagógica nas disciplinas de
estágio curricular supervisionado). Ações transversais estas que visam contribuir para uma
formação docente integral, numa perspectiva humanista, que respeita a dignidade humana e o
diálogo de saberes entre docentes e discentes. Possibilitando, dessa forma, segundo a
Organização das Nações Unidas (ONU), a implementação dos princípios de empoderamento
das mulheres, em todas as dimensões socioespaciais e em todas as fases da vida, com vista à
11867
redução dos indicadores de violências de gênero, principalmente dos indicadores de estupro e
de feminicídio.
Dessa forma, observado as diretrizes do Decreto nº 7.037/2009 - que aprovou o
Programa Nacional de Direitos Humanos -, este artigo tem como objetivo apresentar, no
contexto de um projeto de pesquisa e de um programa de extensão universitária, uma análise
do conteúdo das normativas da ONU na perspectiva dos direitos humanos das mulheres e das
meninas. Contribuindo, assim, na construção do conhecimento necessário à formação docente
crítica - nos cursos de licenciatura e pedagogia - possibilitando incorporar a abordagem deste
tema contemporâneo - que afeta a vida humana em escala global - às propostas pedagógicas do
sistema escolar e das escolas, preferencialmente de forma transversal e integradora.
Para tanto, segundo o delineamento metodológico para o atendimento do objetivo,
realizou-se uma pesquisa qualitativa exploratória, com consulta técnica documental e
bibliográfica, para a qualificação e contextualização de reflexões acerca dos conceitos e
premissas sócio-históricas na questão dos direitos humanos das mulheres presentes nos
conteúdos dos documentos da ONU. Para dar conta do objetivo, este artigo está estruturado em
três partes. Nessa introdução, demonstra-se, a partir da problemática, a relevância, justificativa
e o objetivo da pesquisa. O desenvolvimento trata do aprofundamento da discussão sobre o
objetivo da pesquisa - para a definição da metodologia - com a finalidade de apresentar a
fundamentação teórica e a análise dos resultados fundamentada nos conteúdos dos documentos
da ONU. A terceira, e última, parte apresenta as considerações finais e se encerra com a
apresentação das referências.
Desenvolvimento
A construção das discriminações de gênero estão diretamente relacionadas as diferenças
socialmente construídas que são naturalizadas, isto é, são atribuídas a uma suposta essência
masculina ou feminina com diferentes papéis e lugares sociais, que implicam diferentes valores
e capacidades atribuídos a mulheres e homens na sociedade e, consequentemente, acesso
desigual a recursos, oportunidades e benefícios.
No contexto da Base Nacional Comum Curricular (BRASIL-MEC, 2017), o
compromisso da escola de propiciar uma formação integral, balizada pelos direitos humanos e
princípios democráticos, considera a necessidade de desnaturalizar qualquer forma de
discriminação e de violência na sociedade contemporânea. Destarte, a escola como espaço
formador e orientador para a cidadania consciente, crítica e participativa abarca a
11868
responsabilidade do desenvolvimento desta compreensão pelos educandos como sujeitos com
histórias e saberes, que são construídos nas interações, tanto do entorno social quanto do
universo da cultura midiática e digital, portanto, sujeitos que devem exercer o poder de análise
e de crítica sobre o desrespeito aos direitos humanos fundamentais. Ações pedagógicas –
preferencialmente de forma transversal e integradora -, observado os direitos de aprendizagem,
devem, portanto, estimular a formação ética - elemento fundamental para a formação das novas
gerações -, auxiliando os educandos a construir um sentido para solidariedade e de
responsabilidade para valorizar o respeito aos direitos humanos, e a participação e o
protagonismo de movimentos sociais – como grupos de mulheres segundo a teoria crítica -
voltados para o bem comum.
Dessa maneira, ações pedagógicas sobre a história da Organização das Nações Unidas
e a questão dos direitos humanos das mulheres contribui para o adensamento de conhecimentos
sobre a participação no mundo social e a reflexão sobre questões sociais, éticas e políticas,
possibilitando a formação integral dos educandos e o desenvolvimento da autonomia
intelectual, bases para uma atuação crítica e orientada por valores democráticos, tanto em suas
interações sociais presenciais e midiáticas. A mobilização e construção de conhecimento sobre
os conteúdos dos instrumentos jurídicos da ONU, ratificados pelo Estado Brasileiro, permite a
abordagem pelo docente – formado em cursos de licenciatura e pedagogia com conteúdos em
direitos humanos e políticas públicas - e o entendimento pelo educando sobre as premissas
sócio-históricas dos direitos humanos das mulheres, que podem resultar em: 1) analisar o papel
das mulheres segundo a divisão sexual do trabalho; /2) relacionar as conquistas de direitos
políticos, sociais e civis à atuação de grupos de mulheres (movimentos sociais feministas e de
apoio à mulheres); /3) compreender a importância da Organização das Nações Unidas (ONU)
e os propósitos dessa organização à proteção dos direitos fundamentais das mulheres; /4)
relacionar a origem da Declaração dos Direitos Humanos Universais ao processo de formação
e proteção dos direitos das mulheres; e, /5) compreender as transformações no debate sobre as
questões de violência de gênero no Brasil.
Diante deste objetivo amplamente apresentado, deve-se fazer, assim, a exposição dos
caminhos para o cumprimento da proposta de pesquisa científica segundo a abordagem e as
técnicas de pesquisa.
Explicitação da Metodologia da Pesquisa
Miriam Goldemberg (2004) destaca em seu livro sobre a arte de pesquisar, que
11869
[...] quando falo de Metodologia estou falando de um caminho possível para a
pesquisa científica. O que determina como trabalhar e o problema que se quer
trabalhar: só se escolhe o caminho quando se sabe aonde se quer chegar (p. 14).
Maria Cecília de Souza Minayo (1994, p. 18) estabelece que as concepções teóricas de
abordagem subsidiam o diálogo com a prática, portanto, as teorias são
[...] explicações parciais da realidade e que estas cumprem importantes papéis,
esclarecendo melhor o objeto de investigação, auxiliando no levantamento dos
questionamentos, do problema com mais propriedade. Desta forma, permitindo
melhor organização, ‘iluminando’ a analise dos dados (grifo nosso).
Neste sentido, Minayo (1994, p. 14) estabelece o seu significado de metodologia da
pesquisa como sendo
[...] o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade.
Ou seja, a metodologia inclui simultaneamente a teoria da abordagem (o método),
os instrumentos de operacionalização do conhecimento (as técnicas) e a
criatividade do pesquisador (sua experiência, sua capacidade pessoal e sua
sensibilidade)”
Goldenberg e Minayo destacam a importância da compreensão da realidade do
problema a ser investigado para a definição da metodologia. Neste caso concreto, para uma
formação docente integral, em uma perspectiva humanista, deve-se correlacionar o impacto dos
fatores sócio-históricos de discriminação e violência de gênero na mobilização de grupos
organizados de mulheres em prol de declarações internacionais à proteção dos direitos humanos
das mulheres, que foram auspiciados pela Organização das Nações Unidas (ONU). Neste
sentido, Newton Duarte (1999, p. 13) nos traz uma afirmativa sobre a relação entre a formação
das pessoas e a importância do processo sócio-histórico:
[...] a formação de todo ser humano e sempre um processo que sintetiza de forma
dinâmica todo um conjunto de elementos produzidos pela história humana. Em outras
palavras, a singularidade de toda ação educativa e sempre uma singularidade histórica
e social.
Isto posto, pode-se estabelecer que a metodologia desta pesquisa científica é o conjunto
de procedimentos racionais, sistemáticos e técnicos que propiciam o caminho a ser seguido na
construção do conhecimento acerca da realidade sócio-histórica da adoção pela ONU de
declarações sobre os direitos humanos das mulheres como instrumentos normativos para a
transformação social com vista à eliminação da discriminação e violências de gênero.
No atendimento dos objetivos desta abordagem qualitativa, o delineamento
metodológico observa a classificação da pesquisa com base em seus objetivos como
11870
exploratória - pela aproximação e familiarização com o problema -, através da investigação
acerca do conteúdo dos tratados internacionais da ONU na questão sobre os direitos humanos
das mulheres. Por fim, segundo os procedimentos técnicos da pesquisa, este refere-se à fontes
documentais para a abordagem conceitual, sócio-histórica e normativa visando a qualificação
de reflexões contextualizadas. Precisamente, a pesquisa bibliográfica integra livros,
publicações em periódicos e impressos diversos, e a pesquisa documental aborda Convenções,
declarações e plataformas da ONU e consequentes atos vinculativos nos Estados Membros –
como o Brasil - como políticas públicas, legislações e programas.
Referencial Teórico
O conhecimento exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer
uma ação transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante. Implica
em invenção e em reinvenção (PAULO FREIRE).
A obra Mulheres Brasileiras nos Espaços Púbicos e Privados (VENTURI;
RECAMAN; DE OLIVEIRA, 2004) é o resultado de uma pesquisa de opinião pública, que foi
realizada, no ano 2000, pela Fundação Perseu Abramo (FPA) e Serviço Social do Comércio
(SESC). Esta pesquisa foi atualizada dez anos depois, na qual foram integradas novas questões
e perspectivas na obra intitulada Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado:
Uma Década de Mudanças na Opinião Pública (VENTURI, 2013). Questões tais como: Divisão
Sexual do Trabalho, Feminismo e Violência Doméstica.
A história do século XIX revela que havia, na sociedade de modo geral, uma nítida
divisão entre domínio público e privado. Os homens ‘pertenciam’ à esfera pública,
pois desempenhavam de forma predominante o papel de provedor da família, e as
mulheres ‘pertenciam’ à esfera privada, uma vez que o cuidado do lar funcionava
como atividade de contrapartida dado o sustento financeiro do marido. Nessa
dicotomia entre o público e o privado se consubstanciou a divisão sexual do
trabalho, homens provedores e mulheres cuidadoras (DE SOUZA; GUEDES, 2016,
internet)
Dessa maneira, classificou-se a divisão sexual do trabalho como Trabalho
Reprodutivo e Trabalho Produtivo. O trabalho reprodutivo pertence ao espaço privado,
caracterizado por atividades não remuneradas e não tem valor econômico atribuído como, por
exemplo, gestação e parto (reprodução); criação (cuidado) dos filhos e planejamento familiar;
trabalho doméstico (preparação dos alimentos), e cuidado da casa e da saúde da família. Por
sua vez, o trabalho produtivo, no espaço público, refere-se a produção de bens e serviços com
11871
valor de troca, sendo normalmente remunerado e, consequentemente, com valor econômico
contabilizado nos indicadores econômicos de um país, portanto, representando respeito e poder.
A divisão sexual do trabalho foi objeto de pesquisa em diversos países, notadamente
sob o impulso de movimentos com orientação política e crítica, entre eles, destacadamente o
movimento feminista. No início dos anos 1970, na França, ocorreu o reconhecimento de que
a condição da mulher nas sociedades é determinada por processos de desigualdades estruturais,
segundo três eixos: Gênero, Raça e Classe social. Seja, gênero como um eixo da matriz de
desigualdade da sociedade, que interfere nos direitos humanos e consequentemente na
dignidade humana.
Mas como alterar esta realidade?
Milton Santos (1999), em sua obra “A natureza do espaço: espaço e tempo: razão e
emoção”, ensina que o conhecimento das questões históricas sobre os chamados grupos
excluídos tem uma participação efetiva nas questões do desenvolvimento territorial e
socioambiental pela construção do espaço com objetos e ações. Destarte, na relação mulher-
espaço-inovação, Milton Santos (2008), em sua abordagem sobre ‘o espaço e as rugosidades
do espaço’, nos leva à reflexões sobre o impacto do avanço das mulheres, no espaço público e
privado, e como isto se relaciona aos pretendidos objetivos do desenvolvimento sustentável das
organizações da nações unidas:
os espaços, isto é, a mescla de estruturas que os caracterizam, são, a cada momento,
mais ou menos infensos (adversos), mais ou menos abertos, a influências novas. Há
desse modo, uma receptividade específica dos lugares, ocupados ou vazios, aos fluxos
de modernização ou inovação (p. 160).
A ‘cegueira de gênero’ – mais infensa nos espaços do mercado de trabalho - prejudica
as mulheres, porque não se leva em consideração as discriminações de gênero a que, muitas
vezes, estas estão submetidas como, entre outras, à violência, opressão, desigualdade de poder
nas relações, dupla ou tripla jornadas, necessidade de creche e assédio no trabalho.
Diante de tais constatações, depara-se com a importância da temática feminismo como
teoria crítica, que analisa e desconstrói os conhecimentos que não reconhecem tais
discriminações, portanto, é transformacional, que acredita nas potencialidades do ser humano,
porque visa a mudança em busca de uma sociedade com equidade social, política e econômica.
Historicamente, o Feminismo reúne atitude e movimento para atuar e realizar tais
mudanças. Segundo a professora Clair Castilhos Coelho – representante do Brasil, em 1995, na
Convenção da ONU sobre Mulheres (Convenção de Pequim) -, a ‘cegueira de gênero’ afetou
11872
até mesmo a era do humanismo, por excluir as mulheres como portadoras dos direitos de
cidadania no primeiro documento político a estabelecer o princípio da universalidade. Embora
as mulheres tenham participado ativamente na luta por este ideal durante a revolução francesa,
este documento foi intitulado Declaração dos direitos do homem e do cidadão (FRANÇA, 1789,
Declaration des droits de l’homme et du citoyen). Em decorrência deste fato, tentando assegurar
também às mulheres esses direitos, Olympe de Gouges - revolucionária, historiadora e
jornalista – redigiu a Declaração dos direitos da mulher e da cidadã (FRANÇA, 1791).
Estas declarações são documentos históricos importantes, pois no século XX, em 1948,
foram utilizadas para a elaboração da “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, que
tem como principio fundante a justiça social e a equidade de direitos entre homens e mulheres.
Declaração esta adotada pela ONU e pelos seus Estados Membros, que acordaram em promover
os direitos humanos de todas as pessoas por meio de pactos e convenções. São instrumentos
jurídicos vinculativos, ou seja, significa que os Estados Membros, como o Brasil, têm a
obrigação de cumprir todas as suas disposições. Entretanto, diante de situações de manifesto
desrespeito a estes, fez-se necessário também elaborar instrumentos específicos sobre os
direitos humanos da mulher e o combate às formas específicas de discriminação de que estas
são vítimas.
Neste sentido, o surgimento da concepção de cidadania das mulheres foi fundamentada
na ideia do reconhecimento e da ampliação de direitos humanos das mulheres (civis, políticos,
sociais, culturais). O quadro 1 demonstra esse grande número de instrumentos para ações de
fomento a cidadania feminina, resultado destas inúmeras e permanentes mobilizações com
participação ativa, em todas as regiões do mundo, de grupos e organizações feministas e de
apoio à mulheres (capital social).
Quadro 1- Instrumentos jurídicos da ONU e do Brasil.
Ano Instrumento
1945 Criação da ONU
[..] principal diretriz de atuação é encorajar o respeito aos Direitos Humanos e liberdades fundamentais
para todos e todas, independentemente de raça, sexo, língua ou religião (Carta das Nações Unidas,
1945, p. 35)
1948 Declaração Universal dos Direitos Humanos –
Princípio fundante: Os direitos humanos são universais, indivisíveis e inalienáveis.
1948 Convenção Interamericana sobre a Concessão dos Direitos Civis à Mulher.
Outorga às mulheres os mesmos direitos civis de que gozam os homens.
Promulgada no Brasil pelo decreto presidencial no 31.643/1952.
1951 Convenção da OIT/ONU no. 100 –
Dispõe sobre igualdade de remuneração entre a mão-de-obra masculina e a mão-de-obra feminina
em trabalho de valor igual.
Assinada pelo Brasil em 1957 e Promulgada pelo Decreto 41.721/57.
1952 Convenção da OIT/ONU no 103 - Dispõe sobre o amparo materno.
Assinada pelo Brasil em 1965 e promulgada pelo Decreto 58820/1966.
11873
1953 Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher: “Determina o direito ao voto em igualdade de
condições para mulheres e homens, bem como a elegibilidade das mulheres para todos os organismos
públicos em eleição e a possibilidade, para as mulheres, de ocupar todos os postos públicos e de
exercer todas as funções públicas estabelecidas pela legislação nacional”.
Convenção aprovada pelo Congresso Brasileiro mediante decreto legislativo no 123/1955 e
promulgação pelo decreto presidencial no 52.476/1963.
1957 Convenção sobre a Nacionalidade das Mulheres Casadas.
1958 Convenção da OIT/ONU sobre a Discriminação em matéria de Emprego e Profissão.
1960
UNESCO/ONU - Convenção relativa à Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino, destacando
no Art. 1o: “entende-se por discriminação toda a distinção, exclusão, limitação ou preferência que, com
fundamento na raça, cor, sexo, [..], tenha a finalidade ou efeito de destruir ou alterar a igualdade de
tratamento no domínio de educação” (ONU, 1960, grifo nosso).
1962 Convenção sobre o Consentimento para Contrair Matrimônio, Idade Mínima e Registo de Casamento.
1975 I Conferência Mundial sobre a Mulher - Cidade do México - direito da mulher à integridade física,
inclusive a autonomia de decisão sobre o próprio corpo e o direito à maternidade opcional em defesa
dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos das mulheres.
1979 II Conferência Mundial sobre a Mulher – Copenhague. Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1979). É o primeiro tratado internacional que
dispõe amplamente sobre os direitos humanos das mulheres com 2 eixos: 1. promover os direitos da
mulher na busca da igualdade de gênero; 2. reprimir quaisquer discriminações contra as
mulheres. Visa o exercício e gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, por meio de
uma agenda de atividades para os Estados participantes, a saber legislação específica e ações especiais,
visando a igualdade entre mulheres e homens, inclusive assegurando igual acesso e oportunidades na
vida política e pública, assim como em educação, saúde e emprego.
No Brasil, o Congresso Nacional ratificou a assinatura, com reservas em 1984, suspensas pelo decreto
legislativo no. 26/1994. Promulgada por meio do decreto no. 4.377/2002.
1981 Convenção da OIT/ONU no. 156 – Estende aos homens a responsabilidade sobre a família.
Pendente de ratificação pelo Estado Brasileiro.
1985 III Conferência Mundial Sobre a Mulher – Nairóbi. Aprovada estratégias de aplicação voltadas para
o progresso da mulher. O Fundo de Contribuições Voluntárias das Nações Unidas para a Década da
Mulher é convertido no Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM).
1992 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – Rio de Janeiro: “Pede-
se urgência aos Governos [...] estabelecer procedimentos jurídicos, constitucionais e administrativos
para transformar os direitos reconhecidos em leis nacionais e devem tomar medidas para implementá-
los, a fim de fortalecer a capacidade jurídica da mulher de participar plenamente e em condições de
igualdade nas questões e decisões relativas ao desenvolvimento sustentavel.” (Agenda 21, Art. 24.4,
1992, p.37).
1993 II Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reafirma que todos os direitos humanos são
interdependentes, indivisíveis e universais: “Os direitos das mulheres e das crianças do sexo
feminino constituem uma parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais. A
participação plena e igual das mulheres na vida política, civil, econômica, social e cultural, e a
erradicação de todas as formas de discriminação com base no sexo constituem objetivos prioritários da
comunidade internacional (Art. 18 da Declaração e Programa de Ação de Viena, p.36)’.
Adoção pela ONU da Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres
1994 Convenção da ONU sobre População e Desenvolvimento (CIPD) - marco na evolução de direitos das
mulheres, especialmente no que tange à capacidade de tomar decisões sobre sua própria vida.
A saúde reprodutiva da mulher é um direito humano e um elemento fundamental da equidade de
gênero.
Metas até 2015: 1) redução da mortalidade infantil e materna; /2) o acesso à educação, especialmente
para as meninas; e, /3) o acesso universal a uma ampla gama de serviços de saúde reprodutiva,
incluindo o planejamento familiar.
1994 Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher - Belém
do Pará.
Assinada pelo Brasil em 1995. Promulgada pelo decreto nº 1973, em 1º de agosto de 1996.Define
como violência contra a mulher “qualquer ato ou conduta baseada nas diferenças de gênero que cause
morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto na
esfera privada” (Convenção, 1994, p.37).
11874
1995
IV Conferência Mundial sobre a Mulher - “Igualdade, Desenvolvimento e Paz” –
Além dos direitos, as mulheres reclamam a efetivação [...] de políticas públicas. assinada por 184
países, [..] objetivos estratégicos e medidas para a superação da situação de discriminalização,
marginalização e opressão vivenciadas pelas mulheres (p. 38). (Declaração e Plataforma de Ação de
Pequim).
Ações estratégicas em 12 areas tematicas: “Direitos Humanos das Mulheres; Direitos das Meninas;
Educação e Capacitação de Mulheres; Violência contra as Mulheres; Mulheres e pobreza; Mulheres e
Saúde; Mulheres e Economia; Mulheres no Poder e na liderança; Mecanismos institucionais para o
Avanço das Mulheres; Mulheres e a mídia; Mulheres e Meio Ambiente; e, Mulheres e Conflitos
Armados (grifo nosso)”.
Sobre a interrupção voluntária da gravidez, o Plano de Ação aprovado recomendou a revisão das leis
punitivas para a questão. Assinado pelo Brasil em 1995.
1995 15 de outubro - Dia Internacional da Mulher Trabalhadora Rural. Data estabelecida na IV
Conferência sobre a Mulher (Pequim, 1995). Destaque ao papel que as mulheres do campo
desempenham na garantia da segurança alimentar e na erradicação da pobreza no meio rural.
2000 Declaração dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – ODM/ONU: Igualdade de gênero e o
empoderamento da mulher como condição vital para a consecução de todas os outros objetivos.
2004 Brasil: I Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2004-2007)
2006 Lei no 11.340 – Lei Maria da Penha dispõe sobre a violência doméstica e familiar, Art. 1o Cria
mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o
do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pelo Brasil.
2007 II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2008-2012)
2008 Declaração da ONU apenando violações dos direitos humanos com foco na orientação sexual e na
identidade de gênero.
2009 Lei nº 112 (Lei de prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas)
Lei nº 12.015 - altera o Título IV do Código Penal Brasileiro passa a vigorar com as seguintes
alterações: Dos crimes contra a dignidade humana, Capítulo I: combate aos crimes contra a liberdade
sexual: (estupro, Violação sexual mediante fraude, assédio sexual). Art. 213 - constranger alguém,
mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se
pratique outro ato libidinoso.
2010 Criação ONU Mulheres - Entidade visa equidade de Gênero para acelerar o progresso e atendimento
das demandas para o empoderamento qualificado de mulheres e meninas e redução da violência de
gênero.
2011 Convenção OIT - Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos (Genebra).
2012 Lei Nº 12.737 Dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos – Lei Carolina Dickmann
relacionada à vitimização das mulheres e meninas nas redes sociais.
2013 III Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2013-2015)
2015 Lei do Feminicídio nº 13.104 - Extremo do espectro de violência - morte intencional de uma mulher
pelo condição de ser uma mulher, que tem como motivações para o crime o ódio, desprezo ou
sentimento de perda da propriedade sobre a mulher. Pena aumentada para crimes contra a mulher
por ser mulher.
2015 Transformando Nosso Mundo: Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável - revisou
ODM/ONU (2000) para ODS/ONU (2015) “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para a
igualdade de gênero e o empoderamento qualificado das mulheres“
2015 ONU/UNESCO - Fórum mundial de educação (FME 2015)
Declaração de Incheon (Coreia do Sul) - “Educação 2030” com vistas a implementar o objetivo no 4
dos ODS/ONU “Assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades
de aprendizagem ao longo da vida para todos”.
2016 Conferência Brasileira de Direitos da Mulher – Brasília, 10 a 13/05/2016
2016 Pena aumentada para crimes de estupro coletivo (art. 213 no Código Penal).
Fonte: Dados do site da ONU e do Observatório Brasileiro de Gênero.
11875
Resultados e Discussões
A leitura crítica do quadro 1 sobre os instrumentos jurídicos internacionais e daqueles
ratificados pelo Brasil permite observar a intencionalidade dos diplomas para a proteção aos
direitos fundamentais das mulheres, sendo: direito à vida, à segurança, à educação, à cultura,
à alimentação, à moradia, ao acesso a justiça, ao lazer, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao
respeito e a convivência familiar e comunitária.
Helena de Faria e Mônica de Melo (1998, p. 373) manifestam necessária obviedade
sobre a proteção aos direitos humanos das mulheres, em decorrência do processo sócio-
histórico de exclusão da mulher.
Embora os principais documentos de direitos humanos e praticamente todas as
constituições da era moderna proclamem a igualdade de todos, essa igualdade,
infelizmente, continua sendo compreendida em seu aspecto formal e estamos ainda
longe de alcançar a igualdade real, substancial entre mulheres e homens. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher
(1979) foi, dentro de todas as convenções da ONU, a que mais recebeu reservas por
parte dos países que a ratificaram. E em virtude da grande pressão das organizações
não governamentais é que houve o reconhecimento de que os direitos das mulheres
também são direitos humanos, ficando consignado na Declaração e Programa de
Viena (Item 18) que ‘os direitos humanos das mulheres e meninas são inalienáveis
e constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais [..].
A Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher (CEDAW em inglês) foi auspiciada pela Assembleia Geral da ONU em 18 de
dezembro de 1979, e entrou em vigor em 3 de setembro de 1981. A Convenção é constituída
por um preâmbulo e 30 artigos, sendo que 16 deles contemplam direitos substantivos que
devem ser respeitados, protegidos, garantidos e promovidos pelo Estado (Brasileiro). Em
seu artigo 1º, a Convenção define “discriminação contra a mulher” como sendo:
[..] toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou
resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher,
independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher,
dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico,
social, cultural e civil ou em qualquer outro campo (ONU, CEDAW, 1979).
No Brasil, os movimentos feministas e de apoio à mulheres desenvolveram, também,
ações estratégicas e democráticas com vista à assinatura e à promulgação pelo Estado Brasileiro
dos tratados internacionais. Cite-se o caso concreto da Convenção de Viena ratificado pelo
Decreto Legislativo n° 93/1983 e promulgada pelo decreto presidencial no 89.460/1984, cuja
11876
ementa destacava, infelizmente, as reservas ao diploma internacional, que foram suspensas,
em 1994, pela pressão dos movimentos feministas. Vejamos:
O Estado brasileiro ratificou a Convenção da Mulher em 1984. Ao fazê-lo, o Brasil
formulou reservas aos artigos 15, parágrafo 4º, e artigo 16, parágrafo 1º, alíneas (a),
(c), (g) e (h), e artigo 29. As reservas aos artigos 15 e 16, retiradas em 1994, foram
feitas devido à incompatibilidade entre a legislação brasileira, então pautada pela
assimetria entre os direitos do homem e da mulher. A reserva ao artigo 29, que não
se refere a direitos substantivos, é relativa a disputas entre Estados partes quanto à
interpretação da Convenção e continua vigorando. Quanto ao Protocolo Adicional à
Convenção, o Brasil se tornou parte em 2002. (BRASIL, OBSERVATÓRIO DE
GÊNERO, 2013)
Em 2015, durante a reunião de avaliação dos resultados da implementação da
Convenção de Pequim (ONU, 1995), a ONU Mulheres concluiu que “nas unidades federativas
do Brasil todas as 12 temáticas permanecem sendo desafios importantes a serem alcançados”
(internet). Entre estas temáticas, o Sistema da ONU oferece atenção particular para a questão
da violência contra as mulheres, haja vista que é uma questão que não pode esperar. Destarte,
o quadro 1 evidencia esta intencionalidade de proteção ao direito à vida da mulher em vários
diplomas internacionais e brasileiros. Estes diplomas abrigam legalmente a mulher não apenas
no seu ambiente domestico e familiar, mas tambem “em qualquer relação intima de afeto, na
qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente da coabitação
(Lei Maria da Penha /2006, Art. 5o, III).
A Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres auspiciada, em
1993, pela Assembleia Geral da ONU, apresenta definições claras e compreensivas sobre os
direitos a serem aplicados para assegurar a eliminação da violência contra as mulheres em todas
as suas formas. Esta declaração representou um compromisso por parte dos Estados em relação
às suas responsabilidades, e um compromisso da comunidade internacional em geral para a
eliminação da violência contra as mulheres. Em 2006, no atendimento à esse compromisso
internacional, o Brasil promulgou a Lei Maria da Penha. Em 2007, o tema do Dia Internacional
das Mulheres foi “Acabar com a impunidade da violência contra Mulheres e Meninas”. Em
2008, a ONU lançou a campanha global plurianual “Unidos pelo Fim da Violência contra as
Mulheres“. Em 2009, o Brasil promulgou a lei no 112/2009, que dispõe o regime jurídico para
a prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas.
Para tanto, a Convenção do Conselho da Comunidade Europeia para a Prevenção e o
Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica foi bem precisa sobre os
aspectos da violência de gênero:
11877
a Violência contra as mulheres constitui uma violação dos direitos humanos e é
uma forma de discriminação contra as mulheres, abrangendo todos os atos de
violência de gênero que resultem, ou possam resultar, em danos ou sofrimentos
físicos, sexuais, psicológicos ou econômicos para as mulheres, incluindo a ameaça
de tais atos, a coação ou a privação arbitrária da liberdade, tanto na vida pública como
na vida privada. A ‘violência doméstica’, abrange todos os atos de violência física,
sexual, psicológica ou econômica que ocorrem na família ou na unidade doméstica,
ou entre cônjuges ou ex-cônjuges, ou entre companheiros ou ex-companheiros, quer
o agressor coabite ou tenha coabitado, ou não, com a vítima. ja o ‘Gênero’ refere-se
aos papéis, aos comportamentos, às atividades e aos atributos socialmente construídos
que uma determinada sociedade considera serem adequados para mulheres e homens.
Para tanto, a ‘violência de gênero’ exercida contra as mulheres abrange toda a
violência dirigida contra a mulher por ser mulher ou que afeta
desproporcionalmente as mulheres (CONSELHO DA COMUNIDADE
EUROPEIA, 2011, p. 5, grifo nosso).
No Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher, em 25 de
novembro, divulgação de dados de crimes contra a mulher ratificam esta posição da ONU em
atenção ao direito à vida da mulher.
No Brasil, mesmo depois da entrada em vigor da Lei Maria da Penha (2006), segundo
o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (BRASIL/IPEA), a partir de pesquisa de Garcia et
al. (2015), os indicadores de feminicídio elevaram-se em todas as suas unidades federativas.
Segundo Waiselfisz, “em relação ao número de homicídios femininos, o país ocupa a 5º posição
internacional, em uma lista de 83 países” (2015, p. 72). Dados estes que justificaram a Lei
Federal no 13.104/2015 – Lei do Feminicídio, que aumenta, no código penal brasileiro, a pena
de CRIME CONTRA MULHER POR SER MULHER.
Entre 1980 e 2010 foram assassinadas mais de 92 mil mulheres, sendo que 47,5%
apenas na última década. A pesquisa indica que 68,8% desses homicídios ocorreram
nas residências das vítimas, e para as mulheres da faixa etária entre 20 e 49 anos, 65%
deles foram cometidos por homens com os quais elas mantinham ou mantiveram um
relacionamento amoroso. O relatório alerta ainda que altos níveis de feminicídio,
com frequência, são acompanhados por uma grande tolerância quanto à violência
contra as mulheres e, em muitos casos, são resultado dessa própria tolerância (GUIMARÃES; PEDROZA, 2015, p. 257, grifo nosso).
Diante destes fatos, segundo a ONU Mulheres – criada em 2010 com a finalidade de
zelar pelos direitos humanos das mulheres -, os ODS (Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável) devem orientar as políticas nacionais e as atividades de cooperação internacional
segundo a Agenda 2015-2030, sucedendo e atualizando os ODM (Objetivos do
Desenvolvimento do Milênio). Entre as principais ações está o empoderamento qualificado de
mulheres e meninas - pela educação humanista - com vista à redução de violências de gênero,
que impactam em todos os espaços sociais e em todas as fases da vida, com graves
consequências para a sociedade brasileira e mundial.
11878
O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das
mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares de resguardá-la de toda a
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão
(LEI MARIA DA PENHA, 2006, Art. 3o, § 1o, grifo nosso).
Finalizando, faz-se importante destacar que o quadro referencial teórico utilizado na
construção do saber social para a elaboração de instrumentos jurídicos internacionais - sob os
auspícios da ONU e promulgados pelo Estado Brasileiro - observou a compreensão de gênero
no campo do conhecimento cientifico, que são contribuições advindas principalmente da
história, da política, da sociologia, da antropologia, da filosofia, da cultura, da psicologia
social e da pedagogia.
Considerações Finais
Eu sou um intelectual que não tem medo de ser amoroso. Amo as gentes e amo o
mundo. E é porque amo as pessoas e amo o mundo que eu brigo para que a justiça
social se implante antes da caridade (PAULO FREIRE).
Orientada pelos princípios éticos, políticos e estéticos traçados pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCN, 2013), a educação em Direitos Humanos
das Mulheres soma-se aos propósitos que direcionam a educação brasileira para a formação
humana integral e para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.
Convenções, Resoluções, Declarações, Plataformas e Recomendações internacionais
concluídas sob os auspícios da Organização das Nações Unidas (ONU) – e seus organismos
especializados (ONU Mulheres, UNESCO, OIT, OMS, entre outros) - reafirmam a crença nos
direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa e na igualdade de direitos da
mulher e do homem. Neste norte, a Declaração Universal dos Direitos Humanos reafirma o
principio da não discriminação e proclama que todos os seres humanos nascem livres e iguais
em dignidade e direitos e que toda pessoa pode invocar todos os direitos e liberdades
proclamadas nos instrumentos jurídicos da ONU, sem distinção alguma, inclusive de sexo. Os
Estados-parte da ONU, como o Brasil, tem a obrigação de garantir ao homem e a mulher a
igualdade de gozo de todos os direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos.
Movimentos sociais organizados – como os movimentos feministas - preocupados,
contudo, com o fato de que, apesar destes diversos instrumentos, a mulher continue sendo
objeto de grandes discriminações, que viola os princípios da equidade de direitos e do respeito
da dignidade humana, dificultando a participação da mulher - nas mesmas condições que o
homem - na vida política, social, econômica e cultural de seu país, constituindo um obstáculo
11879
ao aumento do bem-estar da sociedade e da família. Bem como dificultando o pleno
desenvolvimento das potencialidades da mulher no desempenho do trabalho produtivo, que
pode conduzi-la ou mantê-la em situações de pobreza, na qual a mulher tem um acesso mínimo
a alimentação, saúde, educação, capacitação e oportunidades de emprego, assim como a
satisfação de outras necessidades.
A participação máxima da mulher, em igualdade de condições com o homem, em
todos os campos, e indispensável para o desenvolvimento pleno e completo de um país, o
bem-estar do mundo e a causa da paz. Sobre a grande contribuição da mulher ao bem-estar da
família e ao desenvolvimento da sociedade, ate agora não plenamente reconhecida, deve ser
destacada a importância social da maternidade e a função dos pais na família e na educação dos
filhos, e conscientes de que o papel da mulher na procriação não deve ser causa de
discriminação, mas sim que a educação dos filhos exige a responsabilidade compartilhada entre
homens e mulheres e a sociedade como um conjunto. Para tanto, deve-se reconhecer que para
alcançar a plena igualdade entre a mulher e homem e necessario modificar o papel tradicional
tanto do homem como da mulher na sociedade e na família, superando a clássica divisão sexual
do trabalho.
Resolvidos a aplicar os princípios enunciados nos Diplomas da ONU sobre a proteção
e expansão dos direitos humanos das mulheres e, para isto, a adotar as medidas necessárias a
fim de suprimir discriminações em todas as suas formas e manifestações – principalmente na
forma de violências de gênero -, o Estado Brasileiro, impulsionados por movimentos sociais
feministas e de apoio à mulheres, promulgou políticas públicas, legislações, programas e planos
de direitos humanos que exigem a abordagem da temática direitos humanos na Educação Básica
e no Ensino Superior, preferencialmente de forma transversal e integradora, em prol da
construção de uma sociedade democrática, inclusiva e com justiça social.
Neste sentido, a Universidade deve responder as demandas do poder público e da
sociedade e, nesta via de mão dupla, oportunizar espaços autorais para reflexões e de produção
de saberes na área de educação em direitos humanos nos cursos de formação docente, numa
concepção humanista - transformadora e crítica - articulada em respeito a “indissociabilidade
do ensinar-aprender” visando a formação integral das pessoas – dessa e das próximas gerações
- como mecanismo para a redução e eliminação das discriminações em todas as suas formas de
manifestações seja nas interações sociais ou midiáticas, notadamente as que abarcam violências
de gênero em todas as fases da vida da mulher e em todas as classes sociais.
11880
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei Maria da Penha. Lei nº 11.340, DE 7 de agosto de 2006. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm >. Acesso em: 30
mai. 2017.
______. Lei do Feminicídio. Lei no 13.104, de 9 de março de 2015. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/lei/L13104.htm>. Acesso em: 30
mai. 2017.
______. Decreto no 7.037, de 21 de dezembro de 2009. Aprova o Programa Nacional de
Direitos Humanos – PNDH-3 e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 22
de dezembro de 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cciviL_03/_Ato2007-
2010/ 2009/Decreto/D7037.htm >. Acesso em: 23 mai. 2017.
______. Base Nacional Comum Curricular. MEC: Brasília. 2017. 396 p. Disponível em
<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_publicacao.pdf>. Acesso em: 02 mai.
2017.
______. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 de dezembro de 1996. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 23 mai. 2017.
______. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília: MEC;
SEB; DICEI, 2013. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=15548- d-
c-n-educacao-basica-nova-pdf&Itemid=30192>. Acesso em: 23 mai. 2017.
_________Plano nacional de políticas para as mulheres 2013-2015. Brasília, 2013.
Disponível em < http://www.spm.gov.br/assuntos/pnpm/publicacoes/pnpm-2013-2015-em-
22ago13.pdf >. Acesso em: 20 abr 2017.
______. Plano Nacional de Educação 2014-2024. Brasília, 2014. Disponível em <
http://pne.mec.gov.br/ >. Acesso em: 17 mai 2017.
_________. Observatório Brasileiro de Gênero. Disponível em: <
http://www.observatoriodegenero.gov.br/ > . Acesso em: 17 mai 2017.
_________. Observatório Brasileiro de Gênero: Comitê CEDAW. Disponível
em:<http://www.observatoriodegenero.gov.br/eixo/internacional/instancias-regionais/o-
comite-cedaw-2013-comite-para-a-eliminacao-de-todas-as-formas-de-discriminacao-contra-a-
mulher>. Acesso em: 17 mai 2017.
BORDIEU, Pierre. A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 2001.
CONSELHO DA COMUNIDADE EUROPÉIA. Convenção do Conselho da Europa para
a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica. COE:
11881
Istambul. 2011. 32 p. Disponível em: < https://rm.coe.int/168046253d>. Acesso em 02 jun.
2017.
DE SOUSA, Luana Passos; GUEDES, Dyeggo Rocha. A desigual divisão sexual do trabalho:
um olhar sobre a última década. Estudos Avançados. v. 30, Ano 87, 2016. Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142016000200123. Acesso
em: 30 mai. 2017.
DUARTE, Newton. A Individualidade Para-Si: contribuição a uma teoria histórico-social
da formação social do indivíduo. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 1999.
DE FARIA, Helena Omena Lopes; DE MELO, Mônica. Convenção sobre a eliminação de
todas as formas de discriminação contra a mulher e a convenção para prevenir, punir e
erradicar a violência contra mulher. In: Direitos humanos: Construção da Liberdade e
Igualdade. Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, 1998.
Disponível em: <
http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/direitos/humanos.htm>. Acesso
em: 30 mai. 2017.
GARCIA, Leila Posenato; DE FREITAS, Lúcia Rolim Santana; DA SILVA, Gabriela
Drummond Marques; HOFELMANN, Doroteia Aparecida. Violência contra a mulher:
Feminicídios no Brasil. Brasília: IPEA. 2015. 5 p. Disponível em:
<https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/130925_sum_estudo_feminicidio_leilag
arcia.pdf>. Acesso em 04 jun. 2017.
GOLDENBERG, Miriam. A arte de pesquisar: Como fazer pesquisa qualitativa nas ciências
sociais. 8o ed. Record: Rio de Janeiro e São Paulo. 2004. 57 p. Disponível em: <
http://www.ufjf.br/labesc/files/2012/03/A-Arte-de-Pesquisar-Mirian-Goldenberg.pdf>.
Acesso em: 30 mai. 2017.
GUIMARÃES, Maísa Campos; PEDROZA, Regina Lúcia Sucupira. Violência contra a
Mulher: Problematizando Definições Teóricas, Filosóficas e Jurídicas. Psicol. Soc. vol.
27 n. 2 Belo Horizonte May/Aug. 2015. P. 256-266. Disponível em: <
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
71822015000200256&lng=en&nrm=iso&tlng=pt >. Acesso em: 30 mai. 2017.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Transformando Nosso Mundo: A Agenda
2030 para o Desenvolvimento Sustentável. 2015. 41p. Disponível em: <
https://nacoesunidas.org/>. Acesso em: 10 mai. 2017.
______. Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos. Disponível em:
<http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-
view/news/world_programme_for_human_rights_education_is_launched_in_portuguese>.
Acesso em: 24 mai. 2017
______. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher. 1979. 20 p. Disponível em: <http://www.onumulheres.org.br/wp-
content/uploads/2013/03/convencao_cedaw.pdf>. Acesso em: 30 mai. 2017.
11882
______. Declaração e Programa de Ação de Viena. III Conferência Mundial sobre
Mulheres. Viena. 1993.55f.
______. Declaração e Plataforma de Ação de Pequim. IV Conferência Mundial sobre
Mulheres. Pequim. 1995. 112p.
Organização dos Estados Americanos. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência Contra a Mulher. Disponível em: <
http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/A-61.htm > Acesso em 30 mai. 2017.
RANGEL, Ignácio. Obras Reunidas. V. 2. Rio De Janeiro: Contraponto, 2005.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: espaço e tempo: razão e emoção”. São Paulo, Ed.
Hucitec, 1999, 3ª Ed.
__________. Por uma geografia nova: Da Crítica a Geografia a Geografia Crítica. Editora:
EdUSP. 2008. 6o ed. (1o reimpressão). 288 p.
VENTURI, Gustavo. Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado: uma
década de mudanças na opinião pública. São Paulo: Pesquisa de Opinião Pública da
Fundação Perseu Abramo. Edições Sesc SP, 2013, 504p. Disponível em: <
http://www.apublica.org/wp-
content/uploads/2013/03/www.fpa_.org_.br_sites_default_files_pesquisaintegra.pdf>. Acesso
em: 30 mai. 2017.
VENTURI, Gustavo; RECAMAN, Marisol; OLIVEIRA, Suely. A mulher brasileira nos
espaços públicos e privados. São Paulo: Fundação Perseu Abramo. 2004. 30 p. Disponível
em: <http://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/05629-introd.pdf>. Acesso em: 30 mai.
2017.
WAISELFISZ, Júlio Jacobo. Mapa da Violência - Atualização: Homicídios de mulheres
no Brasil. Rio de Janeiro: Flacso; CEBELA. 2012. Disponível em: <
http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf>. Acesso
em: 30 mai. 2017.