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Enos Picazzio
Licenciatura em ciências · USP/ Univesp
9.1 Sol: a estrela do Sistema Solar 9.1.1 O estudo do sol através da história
9.2 Sol: A nossa estrela 9.2.1 Características Gerais 9.2.2 A fotosfera solar 9.2.3 Granulação9.2.4 Borda do Sol 9.2.5 Manchas Solares 9.2.6 Manchas solares e o ciclo de 11 anos9.2.7 Vento solar
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A NOSSA ESTRELA: O SOL
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Céu aparente, sistema solar e exoplanetas
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 1
9.1 Sol: a estrela do Sistema Solar Vimos a natureza da radiação eletromagnética e como ela transfere energia através do espaço.
É com base na luz emitida pelas estrelas que podemos extrair informações importantes a respeito
de suas características. Antes de prosseguirmos no estudo das propriedades estelares, vamos falar
sobre o Sol, uma estrela muito bem conhecida graças à sua proximidade.
Iniciamos esta aula com uma abordagem histórica das observações do Sol. A seguir, mencio-
namos como é feita atualmente a exploração observacional do Sol. Na sequência, apresentamos
suas principais propriedades; estrutura interna, superfície e atmosfera. Terminamos esta aula
discutindo a atividade solar e sua influência na Terra.
9.1.1 O estudo do sol através da história
Desde a Idade da Pedra até a Idade do Espaço, o
Sol tem sido estudado pela humanidade com muito
entusiasmo. Já na Antiguidade foram construídos
observatórios como o Stonehenge (5.000 anos
atrás) para registrar o caminho percorrido pelo Sol
no céu. Aprendemos como o Sol governa nossos
dias e as estações do ano, mas sabíamos muito
pouco como era realmente o Sol.
Figura 9.1: a. Esquema das manchas solares de 26/6/1613, feito por Galileu Galilei. b. Imagem de uma mancha solar de 02/7/2010 obtida com o Novo Telescópio do Observatório Solar Big Bear na Califórnia, EUA. / Fonte: Instituto de Tecnologia de Nova Jersey (EUA).
a b
Figura 9.2: Stonehenge (do inglês arcaico "stan" = pedra, e "hencg" = eixo). Este monumento megalítico da Idade do Bronze (de 3300 a 1100 a.C), localizado na planície de Salisbury, condado de Wiltshire. / Fonte: Thinkstock.
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Podemos considerar o eclipse total do Sol como o mais impressionante fenômeno astronô-
mico que pode ser observado, com certa regularidade, a olho nu. O registro mais antigo de um
eclipse solar foi encontrado em uma argila descoberta na antiga cidade de Ugarit, (Síria), com
duas datas plausíveis: 3 de maio de 1375 a.C. ou 5 de março de 1223 a.C., sendo esta última
favorecida pela maior parte dos recentes autores sobre o tema. Por volta do século XVIII a.C., os
babilônios mantiveram um registro sistemático dos eclipses solares, e podem até ter sido capazes
de prevê-los com precisão.
Como vimos na aula 3, no século III a.C. a distância ao Sol foi pela primeira vez calculada
pelo astrônomo grego Aristarco de Samos, que já admitia o modelo heliocêntrico.
Quando Galileu Galilei apontou seu telescópio para o céu abriu-se uma nova era para o
conhecimento do Sol. As observações da superfície solar por meio do telescópio começaram
por volta de 1610. A partir dessa época, as manchas solares passaram a ser sistematicamente
observadas, de início por Galileu (Figura 9.1), Johann Fabricius, Christoph Scheiner e Thomas
Harriot. Entre 1645 e 1715, o número de manchas diminuiu muito. Durante esses 70 anos,
provavelmente havia menos de 15 manchas solares observadas. Curiosamente, nessa mesma
época, as temperaturas na Europa estavam mais frias do que o normal. Isto parece indicar que
as variações ocorridas no Sol influenciaram o
clima da Terra. Esse período é referido como a
“Pequena Era Glacial”, e a ausência de manchas
solares, como o mínimo de Maunder. Edward
W. Maunder estudou a variação em latitude das
manchas no tempo. Esta variabilidade na quan-
tidade de manchas está associada à atividade
solar, que será discutida oportunamente.
A massa do Sol e sua distância da Terra só
foram determinadas, com precisão razoável, no
Figura 9.3: Sequência do eclipse do Sol.
Figura 9.4: Ilustração da Pequena Era Glacial. / Fonte: Pieter Bruegel the Elder (1525 – 1569).
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século XVIII. A primeira estimativa quantitativa da massa do Sol é atribuída a Isaac Newton. Ele
apresentou o cálculo no seu livro “Principia Mathematica”, fazendo uso da recém-formulada
gravitação universal.
Com o passar do tempo, novos instrumentos foram construídos e instalados em observatórios,
alguns especificamente dedicados à observação solar. Esses instrumentos fizeram-nos conhecer
fenômenos e processos dinâmicos no Sol, completamente desconhecidos até então. A cada nova
descoberta, novas questões surgiam. O que causa as misteriosas manchas solares? Por que o número
de manchas solares aumenta e diminui de maneira regular? O que causa as violentas explosões
associadas às manchas? Como esse fenômeno afeta a Terra?
Hoje procuramos obter um conhecimento maior observando o Sol do espaço. Sem a limi-
tação observacional imposta pela atmosfera terrestre, poderosos observatórios espaciais come-
çaram a fornecer respostas sobre sua complexa estrutura dinâmica. Com objetivo de coletar
dados sobre o Sol, várias sondas e satélites foram lançados por agências americanas e europeias.
9.2 Sol: A nossa estrela 9.2.1 Características Gerais
Como todas as estrelas, o Sol constitui-se de uma esfera de gás ionizado (plasma) brilhante,
sustentada por sua própria gravidade e pelas forças geradas por reações nucleares que ocorrem
no seu centro e que produzem sua energia. Ele tem a idade do Sistema Solar (4,6 bilhões de
anos) e está na meia-idade. À medida que envelhece, o Sol vai-se tornando mais quente e haverá
consequências desastrosas na Terra em futuro distante.
O Sol brilha forte porque estamos muito perto dele. Se estivesse à mesma distância da estrela
Sirius, por exemplo, o Sol brilharia 22 vezes menos que ela. A estrela Acrux (a mais brilhante
do Cruzeiro do Sul) seria aproximadamente 5.500 vezes mais brilhante que o Sol se estivesse
em seu lugar. Comparado com outras estrelas, em termos de massa, raio, brilho e composição
química, o Sol está na faixa média de valores desses parâmetros. Na Tabela 9.1 são apresentadas
algumas de suas propriedades.
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Tabela 9.1: Parâmetros físicos mais importantes do Sol. Na terceira coluna, são apresentados os valores comparativamente aos terrestres. R e M são, respectivamente, raio e massa da Terra.
Raio 6,96 × 108 m ~109 R⊕
Massa 1,99 × 1030 kg ~330.000 M⊕
Densidade 1.410 kg m-3
Luminosidade 3,8 × 1033 erg s-1
Temperatura superficial 5.780 K
Período de rotação 25 dias (no equador) 34 dias (nos polos)
9.2.2 A fotosfera solar
A luz solar é a principal fonte de energia da Terra. A quantidade de luz que o Sol deposita, por
unidade de área, no topo da atmosfera terrestre é chamada constante solar, e equivale, aproxi-
madamente, a 1.368 W/m². Considerando toda a superfície terrestre, a cada segundo nosso planeta
recebe 50.000.000 GW1. Parte dessa luz é atenuada pela atmosfera. Em dia de céu claro e o Sol no
zênite, a potência incidente é de, aproximadamente, 1.000 W/m².
A energia solar pode ser coletada através de uma variedade de processos sintéticos e naturais.
Essa energia é indispensável para a manutenção da biosfera e da água no estado líquido. A energia
solar também pode ser capturada direta ou indiretamente do Sol. O processo de conversão de
energia luminosa em energia elétrica é feito através de células fotoelétricas ou fotovoltaicas.
A energia solar também pode ser transformada diretamente em calor. Mas a energia solar pode
ser convertida de várias outras maneiras. A energia eólica (ventos) é subproduto da energia solar.
Mesmo os combustíveis fósseis, como o petróleo, foram produzidos através da luz solar; a energia
existente nesses combustíveis foi originalmente convertida da energia solar, via fotossíntese, em
um passado distante.
Na região espectral do visível, nós observamos apenas o disco solar de contorno bem
definido. Esse disco é a fotosfera (esfera de luz), uma fina
camada com espessura menor que 0,1% do raio do Sol, cujas
características veremos quando tratarmos das estrelas. Sendo
gasoso, o Sol não tem uma superfície sólida ou líquida como há
na Terra. A fotosfera é considerada a superfície solar, já que, sendo
relativamente muito fina e opaca, nos impede de ver camadas
mais internas. A temperatura média da fotosfera é de 5.800 K e
ela é muito mais rarefeita que a atmosfera terrestre, mas ela varia
de 6.400K na base a 4.400 K no topo.Figura 9.5: Imagem do disco solar na luz visível. / Fonte: NASA/SDO.
1 1G (giga) = 109
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A luz ultravioleta do Sol tem propriedades antissépticas e, por isso, pode ser utilizada em atividades
de saneamento. Ela também desempenha papel importante na produção de vitamina D no corpo
humano, mas, em excesso, pode causar queimaduras sérias. A exposição direta do olho à luz solar causa
queimadura irreversível na retina, provocando cegueira. A luz ultravioleta é fortemente atenuada pela
camada de ozônio. Sua quantidade varia bastante com a latitude e acaba influenciando adaptações
biológicas em seres vivos, incluindo variações da cor da pele humana em várias regiões da Terra.
Imagens da fotosfera mostram que ela não é homogênea e que seu brilho não é uniforme.
Veremos, a seguir, algumas de suas características.
9.2.3 Granulação
Vista com maior resolução, a superfície fotosférica não é homogênea e sim formada por
grânulos brilhantes rodeados por contornos mais escuros (Figura 9.1). Esses grânulos têm
cerca de 700 km de diâmetro e são transientes, com tempo de vida médio de vários minutos.
Essa granulação é a visão que se tem das células convectivas (massas de gás quente ascendentes)
quando vistas do topo. O centro da célula é mais quente que os bordos e, por isso, ela é mais
brilhante no centro que nos bordos.
9.2.4 Borda do Sol
Como mostram as imagens, o brilho superficial do disco solar não é uniforme. Nas bordas do
Sol, ocorre uma diminuição de brilho (Figura 9.5) definida como obscurecimento de limbo,
que é provocado pela variação de temperatura na fotosfera. Quanto mais profunda for a camada
vista, mais quente ela será. Na direção do centro do disco solar, o brilho provém de todas as
camadas da fotosfera, mas, nos bordos, ele provém das camadas mais externas que estão mais frias.
Figura 9.6: Geometria que implica o obscurecimento do limbo. A radiação do limbo é proveniente de camadas mais externas que são mais frias e, portanto, menos brilhantes.
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9.2.5 Manchas Solares
As manchas solares são, sem dúvida, as figuras mais marcantes da fotosfera (Figura 9.4).
Elas variam em tamanho, abundância e posição no decorrer do tempo. Essas manchas estão
associadas a fortíssimos campos magnéticos. Elas têm, em média, 10.000 km de extensão e são
mais escuras que a fotosfera porque têm temperaturas mais baixas. A parte central, umbra, é a
mais escura; sua temperatura aproximada é de 4.500 K. A penumbra, que circunda a umbra, é
mais clara e tem temperatura média de 5.500 K.
A longevidade da mancha é de alguns meses. Quando surge, ela é pequena; aos poucos, ela
aumenta de tamanho até se fragmentar e, finalmente, desaparecer. As manchas aparecem em
grupos, segundo a bipolaridade do campo magnético. Uma mancha associada à polaridade
norte vem sempre acompanhada por outra associada à polaridade sul do campo magnético.
Algumas podem se apresentar mais dispersas ou mais concentradas que as outras.
Os campos magnéticos associados às manchas são fortíssimos, cerca de 50 mil vezes mais
intensos que o campo magnético terrestre encontrado nos polos. Esse campo magnético
inibe o transporte de calor proveniente das camadas mais profundas do Sol. Observações do
deslocamento das manchas, no sentido de leste para oeste, permitem determinar o período
de rotação do Sol em função da latitude solar. Em valores aproximados, o período de rotação
solar varia entre 34 dias nos polos (rotação mais lenta) e 25 dias no equador (rotação mais
rápida). Essa dependência da rotação em relação à latitude é chamada rotação diferencial.
Figura 9.7: Mancha solar em detalhes e comparação com o tamanho da Terra. / Fonte: NASA.
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9.2.6 Manchas solares e o ciclo de 11 anos
É desde o tempo de Galileu que se realizam contagens do número de manchas solares visíveis.
Nota-se um fenômeno cíclico, onde um número máximo de manchas solares é observado a
intervalos de 11 anos.
Nesse ciclo de 11 anos do Sol, ocorre também uma variação na distribuição das manchas
em relação à latitude solar. No início do ciclo, as manchas aparecem preferencialmente nas altas
latitudes (35°); na época de pico máximo do ciclo, a maioria das manchas se encontra a 15°,
e finalmente, quando o número de manchas diminui no final do ciclo, elas se distribuem em
torno de latitudes de 8°.
Entre 1645 e 1715, o número de manchas ficou bem abaixo do normal. Essa anomalia ficou
conhecida como mínimo de Maunder, e foi uma das três anomalias que ocorreram nos
últimos mil anos. Esse período coincide com a Pequena Idade do Gelo, que cobriu de gelo boa
parte das regiões terrestres de maiores latitudes norte e sul.
O ciclo de 11 anos é o mais evidente, mas há outros de períodos mais longos que se corre-
lacionam com as idades de gelo (eras glaciais) terrestres. Há um consenso de que a quantidade
de manchas solares está associada à atividade solar. Quanto maior a quantidade de manchas, mais
ativo está o Sol.
Figura 9.8: Ciclos das manchas solares observados anualmente desde 1600. O período de 60 anos (1645 a 1705) em que não ocorreu atividade solar é chamado mínimo de Maunde.
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9.2.7 Vento solar
O vento solar é a emissão contínua e variável de partículas eletricamente carregadas, provenientes
da alta atmosfera solar (coroa). As partículas mais abundantes são elétrons, prótons, núcleos de hélio
(chamados partículas alfa), além de íons mais pesados e partículas subatômicas como os neutrinos.
Nas proximidades da Terra, a densidade de partículas varia de 400 mil a 80 milhões por
m3. Quando ocorrem as explosões solares, a densidade de partículas aumenta enormente,
gerando tempestades magnéticas, que influem na propagação de ondas de rádio e deformam
a magnetosfera terrestre, e ainda produzem auroras polares mais intensas. Os cinturões de Van
Allen também são intensificados pela ocorrência de erupções solares, que aumentam com o
ciclo de atividade solar.
Como o vento se propaga por todo o meio interplanetário ele interage com as magnetos-
feras dos planetas e destrói as atmosferas dos planetas que possuem campos magnéticos fracos.
Outro exemplo de efeitos do vento solar são as caudas ionizadas de cometas.
O vento solar emana do Sol em todas as direções, com velocidades de algumas centenas de
km/s, e afeta diretamente todos os constituintes do Sistema Solar. Ele forma a heliosfera, uma
imensa bolha magnética que envolve a região mais interna do Sistema Solar. Estima-se que, na
direção do movimento do Sol na galáxia, a heliosfera possa atingir até 160 UA, mas ela é bem
maior na direção oposta, formando uma espécie de cauda magnética chamada heliocauda.
Dentro da heliosfera, predominam
o material e o magnetismo solar, ou
seja, o meio interplanetário. Fora dela,
predominam o material interestelar
e seu campo magnético, portanto, o
meio interestelar. A Nuvem de Oort,
fonte dos cometas de longo período,
tem dimensão milhares de vezes
maior que a heliosfera. Na região de
transição (heliopausa), as partículas
interestelares sofrem redução de
velocidade, de supersônica a subsônica.Figura 9.9: Representação da interação do vento solar com a magnetosfera terrestre. A linha roxa representa a zona de choque entre o vento e a magnetosfera, e as linhas azuis, o campo magnético terrestre deformado pelo vento, formando uma cauda magnética. / Fonte: SOHO, NASA, ESA.