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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO VII – SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
A NATUREZA JURIDICA DA ATIPICIDADE DA DEFESA PRELIMINAR NO RITO DOS CRIMES FUNCIONAIS
Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de bacharel em direito do Centro de Ensino de São José, da Universidade do Vale do Itajaí.
ACADÊMICO: Willian Medeiros de
Quadros
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São José (SC), 21 de maio de 2007.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO VII – SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
A NATUREZA JURIDICA DA ATIPICIDADE DA DEFESA PRELIMINAR NO RITO DOS CRIMES FUNCIONAIS
Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de bacharel em direito do Centro de Ensino de São José, da Universidade do Vale do Itajaí, sob orientação de conteúdo e orientação metodológica Prof. MSc. Jádel da Silva Júnior.
ACADÊMICO: Willian Medeiros de
Quadros
São José (SC), 21 de maio de 2007.
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
A NATUREZA JURIDICA DA ATIPICIDADE DA DEFESA PRELIMINAR NO RITO DOS CRIMES FUNCIONAIS
WILLIAN MEDEIROS QUADROS
A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. São José, junho de 2007.
Banca Examinadora:
______________________________________________________ Prof. Msc. Jádel da Silva Júnior - Orientador
______________________________________________________ Prof. - Membro
______________________________________________________ Prof. - Membro
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DEDICATÓRIA
AOS BONS AMIGOS, ABENÇOADOS OS QUE POSSUEM AMIGOS, OS QUE OS TÊM SEM
PEDIR. PORQUE AMIGO NÃO SE PEDE, NÃO SE COMPRA, NEM SE VENDE.
AMIGO A GENTE SENTE! BENDITOS OS QUE SOFREM POR AMIGOS, OS QUE FALAM COM O
OLHAR. PORQUE AMIGO NÃO SE CALA, NÃO QUESTIONA, NEM SE RENDE.
AMIGO A GENTE ENTENDE! BENDITOS OS QUE GUARDAM AMIGOS, OS QUE ENTREGAM O
OMBRO PRA CHORAR. PORQUE AMIGO SOFRE E CHORA. AMIGO NÃO TEM HORA PRA
CONSOLAR! BENDITOS SEJAM OS AMIGOS QUE ACREDITAM NA TUA VERDADE OU TE
APONTAM A REALIDADE. PORQUE AMIGO É A DIREÇÃO. AMIGO É A BASE QUANDO FALTA O
CHÃO! BENDITOS SEJAM TODOS OS AMIGOS DE RAÍZES, VERDADEIROS. PORQUE AMIGOS
SÃO HERDEIROS DA REAL SAGACIDADE. TER AMIGOS É A MELHOR CUMPLICIDADE! HÁ
PESSOAS QUE CHORAM POR SABER QUE AS ROSAS TÊM ESPINHO, HÁ OUTRAS QUE
SORRIEM POR SABER QUE OS ESPINHOS TÊM ROSAS!
(Machado de Assis)
Dedico esta minha conquista,
Aos meus pais, Valdir e Sandra, na sua simplicidade e
humildade, fonte de sabedoria, exemplo de fé e
perseverança.
Ao meu irmão, que deus colocou ao meu lado, para dividir e
ensinar-lhe como desviar das curvas perigosas da vida.
A Gabriela Alves Medeiros, na sua ternura, pode ser fonte
de incentivo, dedicação, companheirismo e compreensão
ao longo do desenvolvimento do curso.
Aos meus padrinhos e madrinhas, aos meus tios e tias, em
especial, Sueli Ondina Rosalina de Quadros, pelo apoio
incondicional a esta nova empreitada intelectual.
Aos grandes e verdadeiros amigos, em especial, a André
Godinho Neto, pela manifestação inequívoca de amizade.
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente, a Deus por todas as bênçãos que me concedeu, que muitas
pessoas chamam de sorte ou de coincidência.
Aos meus pais, Valdir Argemiro de Quadros e Sandra Regina Medeiros de
Quadros, que sempre me apoiaram em cada etapa da minha vida, me ajudando,
me incentivando em tudo.
A minha ex-namorada, que durante grande parte do meu curso me deu subsidio e
apoio para essa empreitada, mas por ironia do destino nossos caminhos se
desvirtuaram.
Ao meu Avô, Argemiro Graciliano de Quadros que se foi quando Deus quis, mas,
deixou grandes ensinamentos, os quais levarei para minha vida pessoal e
profissional, quais sejam: a figura de homem íntegro, aguerrido, honesto e
humilde. “In Memória”.
Aos meus tios e tias, primos e primas, que são parte muito importante de minha
vida.
Ao meu orientador Professor Mestre Jádel da Silva Júnior pela paciência,
dedicação, companheirismo e incentivo que muito me ajudaram a prosseguir os
estudos nesta área. Ademais, por seu apoio e inspiração no amadurecimento dos
meus conhecimentos e conceitos que me levaram a execução e conclusão desta
monografia.
A todos os professores da Faculdade de Direito da Universidade do Vale do Itajaí,
Campus São José pela contribuição na minha formação das mais diferentes
maneiras (aulas, conversas nos corredores, exemplos de vida, ...).
Aos amigos e colegas, em especial, André, Gabriel, Marcelo, Guilherme, Victor,
Lívia, Vanessa, Luiza, Wilson, Rodrigo, e Carol, pelo incentivo e pelo apoio
constantes.
Por fim, a todos aqueles que, de maneira direta e indireta, contribuíram para a
realização desta pesquisa.
6
"O sábio não é o homem que fornece as verdadeiras
respostas; é o que formula as verdadeiras perguntas".
Claude Lévi-Strauss
"Somos o que pensamos. Tudo o que somos surge com
nossos pensamentos. Com nossos pensamentos, fazemos
o nosso mundo".
Buda
“A justiça é eterna, que não tem ‘o seu tempo’, porque ela é
virtude preclarríssima, que deve ser cultuada por todos os
bacharéis, como advogados, membros do Ministério
Público, parlamentares e magistrados”.
Santo Tomás de Aquino
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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
São José, 21 de maio de 2007.
WILLIAN MEDEIROS DE QUADROS Graduando
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RESUMO
O presente estudo monográfico faz uma análise do procedimento especial previsto
no art. 513 de seguintes do Código do Processo Penal Brasileiro, a qual prevê
audiência prévia ou defesa preliminar, tem por finalidade possibilitar ao funcionário
público, ao determinar que o juiz, antes de receber a denúncia, mande notificar o
acusado para apresentar defesa preliminar (resposta escrita), em 15 dias, cujo
escopo é de não surpreender o funcionário com uma denúncia descabida e não
atrapalhar a regularidade dos serviços. O enfoque do tema está na divergência
acerca da nulidade processual quanto ante a não observância da regra contida no
art. 514 do Código de Processo Penal. Finalizando, com o esclarecimento através
da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e do
Tribunal de Justiça de Santa Catarina, bem como da doutrina pátria, se enseja pela
não observância desse procedimento, nulidade absoluta ou relativa.
PALAVRA CHAVE: CRIMES FUNCIONAIS, NULIDADE RELATIVA, NULIDADE
ABSOLUTA.
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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Arts – Artigos
cf – Constituição Federal
CP – Código Penal
CPP – Código de Processo Penal
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ - Supremo Tribunal da Justiça
10
SUMÁRIO
RESUMO...................................................................................................................11 INTRODUÇÃO ..........................................................................................................12 1.0 SISTEMAS DE NULIDADES PENAIS NO DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO.............................................................................................................14 1.1 Teoria das Nulidades dos Atos Processuais .......................................................15 1.2 Formas e Atipicidade dos Atos Processuais .......................................................17
1.1.1 A NECESSÁRIA DISTINÇÃO ENTRE ATOS INEXISTENTES, ATOS IRREGULARES, NULIDADE ABSOLUTA E NULIDADE RELATIVA. ...................19
1.3 Princípios Orientadores das Nulidades Processuais...........................................23 2.0 O PROCEDIMENTO NOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO.........................................................................................30
2.1 Procedimentos: Generalidades........................................................................30 2.2 Os procedimentos do Código de Processo Penal e de leis Especiais.............31 2.3 Aspectos destacados do Procedimento nos Crimes de Responsabilidade de Funcionário Público ...............................................................................................38 2.4 Características dos Crimes Funcionais............................................................43
3 A NULIDADE NA FASE PRELIMINAR DO PROCEDIMENTO DE CRIMES DE RESPONSABILIDADE DE FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS.........................................47
3.1 A finalidade da notificação do acusado para a defesa preliminar ....................47 3.2 A falta da notificação do acusado para a defesa preliminar importa em nulidade? ...............................................................................................................48 3.3 A deficiência do ato de notificação acarreta nulidade?....................................50
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................58 REFERÊNCIAS.........................................................................................................60
GOMES, Flávio Luiz e outro. Súmula 330 do STJ: Violação dos Princípios do Devido Processo Criminal, do contraditório e da ampla defesa. Disponível em www.lfg.blog.br/article.php?story=20070301085342591&mode=print...................60
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RESUMO
O presente estudo monográfico faz uma análise do procedimento especial previsto
no art. 513 de seguintes do Código do Processo Penal Brasileiro, a qual prevê
audiência prévia ou defesa preliminar, tem por finalidade possibilitar ao funcionário
público, ao determinar que o juiz, antes de receber a denúncia, mande notificar o
acusado para apresentar defesa preliminar (resposta escrita), em 15 dias, cujo
escopo é de não surpreender o funcionário com uma denúncia descabida e não
atrapalhar a regularidade dos serviços. O enfoque do tema está na divergência
acerca da nulidade processual quanto ante a não observância da regra contida no
art. 514 do Código de Processo Penal. Finalizando, com o esclarecimento através
da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e do
Tribunal de Justiça de Santa Catarina, bem como da doutrina pátria, se enseja pela
não observância desse procedimento, nulidade absoluta ou relativa.
PALAVRA CHAVE: CRIMES FUNCIONAIS, NULIDADE RELATIVA, NULIDADE
ABSOLUTA.
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INTRODUÇÃO
O presente estudo faz uma abordagem acerca do procedimento
especial previsto pelo Código de Processo Penal disciplinado nos arts. 513 a 518, os
quais são somente aplicáveis aos crimes funcionais afiançáveis, conforme dispõe o
art. 514 do referido diploma legal.
Desse modo, refere-se aos crimes previstos sob o título de “crimes
praticados por funcionários públicos contra a Administração em Geral”, os quais são
elencados nos arts. 312 a 326 do Código Penal Brasileiro têm por objetivo,
precisamente, fugir dessa regra geral e possibilitar à defesa nos crimes indicados a
tanto o direito de questionar, já no limiar da ação penal, a presença da justa causa,
como discutir o próprio mérito da acusação.
Para tanto, principia–se, no Capítulo 1 uma breve abordagem do
instituto das nulidades processuais penais no contexto em que se encontra no
ordenamento jurídico.
No Capítulo 2, tratando da aplicabilidade do rito processual aplicado
aos crimes funcionais, a qual prevê audiência prévia ou defesa preliminar, a qual
possibilita ao funcionário público ora réu poder contestar a denúncia ou a queixa,
cujo escopo é evitar queixas infundadas com fito uno e exclusivo de prejudicar a
administração pública, bem como o servidor público ora reclamado. Dando um
enfoque nos crimes conexos aos crimes funcionais, os co-réus, funcionários
destituídos do cargo, os quais devem ser acobertados pelo procedimento especial
supracitado, ou seja, necessário a observância do rito processual do art. 514 do
CPP.
Por fim, no Capítulo 03, foi trazido a baila a divergência acerca da
ausência de notificação do acusado para apresentação da resposta preliminar nos
crimes ditos funcionais, esclarecendo através da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça de Santa Catarina,
bem como da doutrina pátria, se enseja pela não observância desse procedimento,
apenas nulidade relativa, dependente, portanto, de argüição em momento oportuno
13
e de demonstração de efetivo prejuízo para o acusado ou, a nulidade absoluta,
insanável do processo, declarável de pronto, independentemente de antecipada
argüição e demonstração de prejuízo.
O método empregado foi o indutivo, identificando e arrolando os
conceitos operacionais, jurisprudenciais e doutrinários acerca do procedimento
especial adotado nos crimes funcionais. Ademais, utilizou-se como técnica de
pesquisa documentação indireta, pesquisa documental em lei, pareceres, sentenças,
acórdãos entre outro, bem como pesquisa em diversas doutrinas sobre o tema.
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1.0 SISTEMAS DE NULIDADES PENAIS NO DIREITO PROCESSUAL
BRASILEIRO
Como é cediço, nosso ordenamento jurídico elenca quais os critérios
norteadores para apreciação do juiz acerca das irregularidades dos atos
processuais. Nas palavras de Vicente Greco Filho: “O sistema das nulidades
processuais tem princípios próprios, e seu entendimento deve partir do conceito de
forma e sua função na distribuição da Justiça1".
O sistema de nulidades no processo penal brasileiro preconiza a
negação ao excesso de formalismo, vigorando a prevalência dos impedimentos de
declaração, ou de argüição das nulidades, conforme estabelece o art. 563, do CPP,
“in verbis”: “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo
para acusação ou para defesa”.
Consagrou-se, portanto, o princípio pás nulitè sans giref, pelo qual
não existe nulidade desde que da preterição da forma legal não resulte prejuízo
para partes, a qual deverá ser argüida pela parte prejudicada, nas nulidades
relativas, e presumido, nas nulidades absolutas.
Para Vicente Greco,
A atividade processual é de direito público e, portanto, regrada, devendo as partes obedecer à forma legal, entendida esta não só como a exteriorização do ato, mas também como os requisitos ou elementos que ele deve conter. [...] O sistema das invalidades nada mais é que um mecanismo para compelir os sujeitos do processo ao cumprimento do modelo típico legal, ou seja, ou se cumpre o modelo legal ou o ato será ou poderá ser declarado inválido.
Sobre o princípio em análise, Ada Pellegrini Grinover2 esclarece,
(...) nota-se uma evolução bastante sensível nos ordenamentos modernos: em lugar do denominado ‘sistemas de legalidade das formas’, em que o legislador enumerava taxativamente os sacos de nulidades, praticamente sem deixar espaço à discricionariedade do juiz na apreciação das conseqüências do vício, predomina hoje em dia ‘sistema da instrumentalidade das formas’, em que se dá o maior valor à finalidade atingida pelo ato, mesmo viciado, bem como o prejuízo causado pelo ato
1 www.leonildoc.com.br/curso/greco8.htm 2 GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ªed.rev.e atual. 2001. p.28
15
atípico, cabendo ao magistrado verificar, diante de cada situação, a conveniência de retirar-se a eficácia do ato praticado em desacordo com o modelo legal.
Nesse compasso, afirma que:
São três os sistemas segundo os quais ser imposta a sanção de nulidade: a) todo e qualquer vício do ato leva à sua nulidade; b) nulo só será o ato se alei assim expressamente o declarar; c) o sistema da instrumentalidade das formas, distinguindo-se as irregularidades conforme sua gravidade e segundo o qual não se declara a nulidade se a finalidade do ato foi atingida e se não houve prejuízo para a parte. Os primeiros sistemas estão desautorizados pela moderna ciência processual.
O mestre Lacerda acentua que “o que caracteriza o sistema das
nulidades processuais é que elas se distinguem em razão da natureza da norma
violada, em seu aspecto teleológico3”.
Assim sendo, o legislador no intuito de evitar a desvirtuação das
finalidades processuais, com a prática de atos desnecessários e inúteis, com o fito
uno e exclusivo de prejudicar a busca da verdade real previu a necessidade de
observância ao modelo legal processual penal. Portanto, a desconformidade ao
modelo legal desencadeará o que chamamos de nulidade, que é uma sanção
existente com o objetivo de compelir o juiz e as partes a observarem a matriz legal.
1.1 TEORIA DAS NULIDADES DOS ATOS PROCESSUAIS
Acerca do tema abordado, não se pode deixar de mencionar o
professor Galeno Lacerda, que obteve êxito na busca da sistematização da teoria
das nulidades processuais. Nesse sentido, esclarece que:
Para realizar o direito, o que faz pela atividade jurídica ou para assegurar essa realização, o que faz pela atividade forense, o seu titular tem necessidade de uma forma, meio determinação, pelo qual do estado de entidade passam o direito e a ação respectiva para o da existência, do estado de possibilidade para o de atualidade, do estado de realizabilidade para o de realização4.
Assim sendo, verificou-se que com aparente violação da norma penal,
o Estado detentor da prestação jurisdicional apura a infração e sua autoria. Mas para 3 LACERDA. Despacho saneador. 3. ed. Porto Alegre: Fabris, 1990. p. 72. 4 LACERDA, Galeno. Curso de Processo Penal, 1917. p 89.
16
que haja a elucidação e apuração dessa infração, necessita-se de um conjunto de
atos desenvolvidos e adequados ao molde legal, denominado processo5.
Fernando da Costa Tourinho Filho6, leciona que “dentro do processo,
encontramos uma série de atos realizados por aqueles que nele intervêm. São atos
jurídicos, porque regulados pelo direito e produtores de conseqüências jurídicas;
mas processuais, porque se realizam no processo e servem, direta ou indiretamente,
a ele”.
Nesse contexto, faz-se necessário a definição de atos processuais,
que nas palavras de Hélio Bastos Tornaghi7 são “atos humanos que integram o
processo, isto é, os atos a que a lei atribui transcendência técnica ou jurídica no
processo”. Já Calmon de Passos conceitua “o ato processual como aquele que é
praticado no processo, pelos sujeitos da relação processual ou do processo, com
eficácia no processo e que somente no processo pode ser praticado8”.
Esses atos processuais, por sua vez, devem obedecer todas as
formalidades, os quais o texto da lei o determina para sua realização, sob pena de
haver o que os processualistas penais chamam da atipicidade processual, ou seja, a
desconformidade na prática do ato e à lei9.
Tourinho Filho deixa consignado que:
Esses atos devem, contudo, realizar-se conforme a lei. É que se denomina tipicidade do ato processual. Assim, para que o ato processual possa ser perfeito, produzindo seus jurídicos efeitos, é preciso que ele se amolde ao modelo descrito na lei. Em suma: é preciso que ele seja típico10.
Partindo destas premissas, Carnelutti deixa consignado:
5 FERNANDES, Paulo Sérgio Leite. Nulidades no processo penal. 4.º ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1994. p. 16. 6 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 4.º ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 419. 7 TORNAGHI, Hélio Bastos. Instituição de Processo Penal. Vol. III. P. 504. 8 PASSOS, José Joaquim Calmon. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 43. 9 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 9º ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2005. p. 711. 10 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 4.º ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 419.
17
Quando o ato jurídico, em particular o ato processual, está provido de todos os seus requisitos, é dito que é perfeito. À perfeição do ato, na qual se expressa a presença de todos os seus requisitos, opõe-se sua imperfeição, a qual se resolve, reciprocamente, na ausência de algum de seus requisitos, isto é, na presença de algum vício. Da perfeição do ato deriva sua eficácia. Da imperfeição do ato pode derivar sua ineficácia. A perfeição é conceito estático; a eficácia é conceito dinâmico; a primeira refere-se ao ser do ato, a segunda a seu operar. O ato é eficaz ou ineficaz segundo produza ou não efeitos jurídicos11.
Ao verificar os pressupostos processuais, considera-se que este
decorre da observância do procedimento às normas legais. Esta, por conseguinte,
não sendo atendida, é pressuposto de nulidades e vícios em geral dos atos
processuais, em seu aspecto objetivo12.
Nesse viés, busca-se a sistematização do tema das nulidades
processuais a partir da classificação clássica dos vícios. Destarte, é sabido que “a
nulidade não é o vício que inquina o ato, mas, sim, a sanção que ao ato viciado, em
desconformidade com a lei. A nulidade é a conseqüência da prática do ato em
desconformidade com a lei e não a desconformidade em si13”.
Nesse compasso, observa-se que as nulidades processuais estão
classificadas a partir dos atos processuais, isto é, sendo sanáveis, dentre os quais,
de regra, encontram-se as nulidades relativas e anulabilidades, e os atos insanáveis,
constituídos pelas nulidades absolutas.
Ademais, é de bom tom ressaltar, que parte da doutrina pátria
acrescenta à teoria das nulidades não só os atos absolutamente ou relativamente
nulos, mas o tema acerca dos atos inexistentes ou irregulares, os quais serão
oportunamente abordados com mais clareza nessa pesquisa.
1.2 FORMAS E ATIPICIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS
Como acima afirmado, o meio pelo qual pode-se veicular a declaração e
a realização do direito material é a via processual, isto é, para obter-se a aplicação
do direito aos casos concretos, somente quem é encarregado pela prestação
jurisdicional poderá o conhecer. Entretanto, vale dizer que todo o sistema processual
11
CARNELUTTI. Francesco. Instituição de Processo Civil, vol. I, Servanda, 1999, p. 582. 12 LACERDA, Galeno. Despacho saneador. 3.ª ed. Porto Alegre: Fabris. 1990. página 69. 13
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 9º ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2005. p. 711
18
brasileiro é regulado pelo nosso ordenamento jurídico, o qual deve obedecer todas
as formalidades, pelos operadores que intervirem nesses atos14.
O processo, por si só, exige uma atividade típica de todos os seus atos,
os quais devem seguir com veemência os traços definidos em lei. Assim sendo, os
participantes da relação processual devem estar vinculados às normas que
determinam à forma dos atos e a obediência às regras procedimentais, dando
garantia ao processo e fazendo cumprir sua missão sem transformar-se em fim em
si mesmo, desvirtuando-se, em contra-senso, em estorvo da Justiça15.
Carlos Alberto Álvaro de Oliveira16 acrescenta que “a forma investe-se
da tarefa de indicar as fronteiras para o começo e o fim do processo, circunscrever o
material a ser formado, estabelecer dentro de quais limites devem cooperar e agir as
pessoas atuantes no processo para o seu desenvolvimento”.
Ada Pellegrini Grinover17 sustenta que,
A regulamentação das formas processuais, longe de representar o mal, constitui para as partes à garantia de uma efetiva participação na série de atos necessários à formação do convencimento judicial e, para o juiz, instrumento útil para alcançar a verdade sobre os fatos que deve decidir.
Por fim, arremata:
Como conseqüência natural da fixação de regras legais para a realização dos atos processuais, somente aqueles atos realizados em conformidade com o modelo legal são considerados válidos perante o ordenamento e aptos a produzirem os efeitos desejados; para os que não atendem aos requisitos mínimos do modelo traçado pela lei, o legislador estabelece sanções, que variam segundo a maior ou menor intensidade do desvio com o tipo legal18.
Com efeito, o legislador com intuito de evitar que as providências
processuais a fim de desvirtuar o foco no feito, com a prática de atos desnecessários
a busca da verdade real, previu a necessidade de observância ao modelo legal.
14 GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ªed.rev.e atual. 2001. p. 16 15 Idem 16 OLIVEIRA, Tese de Doutoramento. p. 8-9. 17 GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ªed.rev.e atual. 2001.p.16 18 GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ªed.rev.e atual. 2001. p. 17 e 18
19
1.1.1 A NECESSÁRIA DISTINÇÃO ENTRE ATOS INEXISTENTES, ATOS
IRREGULARES, NULIDADE ABSOLUTA E NULIDADE RELATIVA.
Ocorre na hipótese descumprimento da matriz legal, regula-se a
desconformidade do ato com o modelo legal e de sua repercussão no processo,
podendo o vício ser classificado como: ato inexistente, atos irregular, nulidade absoluta
ou relativa. Dito isso passa a uma análise de cada ato.
O ato inexistente é de certa forma a desconformidade do ato com o
ordenamento jurídico. Com efeito, os atos inexistentes não possuem prescrição legal,
posto que não se justificaria regulamentar o “nada”, ou seja, uma vez que inexiste o
ato, a sua invalidação torna-se desnecessária, eis que “o desatendimento as
prescrições legais não compromete os objetivos pelos quais a forma foi instituída, de
sorte que podem ser considerados meramente irregularidades, sem que sua eficácia
esteja em jogo”19.
Para Rangel20, ato inexistente é como:
A própria definição da palavra ato contradiz com a palavra inexistente. Ato é aquilo que se fez, feito, ação. Inexistente é a falta de existência, carência. Portanto, falar em ato inexistente é uma contradição de palavras. O correto, pensamos, é falarmos em inexistência jurídica dos efeitos do ato. O ato em si, óbvio, existe e por isso é ato. O que não é a produção natural de seus efeitos.
Já Ada Pellegrini21 considera que,
São atos processuais inexistentes aqueles aos quais falta, de forma absoluta, algum dos elementos exigidos em lei; neles, o vício é de gravidade que sequer seria possível considerá-los como atos processuais são, na verdade, não-atos, em relação aos quais não se cogita invalidação, pois a inexistência constitui um problema que antecede qualquer consideração para validade.
Portanto, quando a doutrina fala em inexistência do ato, esta se refere 19 Idem p. 20 20 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 9º ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2005. p. 713 21 GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ªed.rev.e atual. 2001.p. 20
20
não à ausência material do ato, “mas àquele ato que, embora tenha existência
material, é totalmente desprovido de qualquer significado jurídico”22. Assim sendo,
não haverá necessidade de provimento judicial para proclamar a inexiste do ato,
pois ele é ineficaz per se.
A jurisprudência pátria já firmou orientação acerca da concepção do ato
inexistente:
SENTENÇA CRIMINAL - Declaração de ofício pelo Juiz - Sobreposição à sentença já publicada - Novo provimento de mérito - Inadmissibilidade - Ato processual inexistente - Preliminar acolhida Uma vez apresentada a sentença definitiva através da publicação, torna-se imutável para o Magistrado, salvo as hipóteses previstas e concernentes ao juízo de retratação. Veda-se-lhe, portanto, ulterior declaração de ofício, ao intento de se escoimar eventuais imperfeições de mérito, o que redundaria desarrazoadamente na sobreposição de novo desate à causa (TJSP - Relator: Gonçalves Nogueira - Apelação Criminal n. 134.279-3 - Cotia - 12.06.94). Para poder ser anulado, é necessário que o ato processual juridicamente exista. Ato juridicamente inexistente, pura e simplesmente haverá de ser desconhecido, sem necessidade de qualquer prévia e oficial declaração de sua inanidade (TJSP – Rec. Rel. Azevedo Franceschini – RJTJESP 54/319).
Lembram-se, como exemplos de inexistência, aludir à hipótese de uma
sentença proferida por quem não é competente para o ato, ou seja, o juiz; ou ainda,
a sentença de juiz que no momento do ato de publicação teve decretada sua
promoção a outro cargo, não tendo nesse caso jurisdição no momento da prática do
ato; fala-se ainda da sentença proferida por magistrado primitivamente filiado à
Justiça Estadual, mas agora já incorporado à Justiça Federal23.
A irregularidade cuida-se, isto sim, do vício decorrente da
inobservância do modelo legal, são hipóteses de pecados veniais que não afetam a
substância do ato; nasce ele imperfeito, mas com déficit tão pouco expressivo que o
aparta do regime das nulidades. Ressalta-se que, a mera irregularidade do ato, não
tem o condão de afetar a validade do ato processual, não interferindo no andamento
processual.
22 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 4.º ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 420. 23 GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ªed.rev.e atual. 2001.p. 20
21
Conforme pondera Antônio Janyr Dall’Agnol Júnior24,
Não pode haver dúvida de que o ordenamento jurídico, qualquer que seja ele, almeja a perfeição. Os atos historicamente situados, em princípio, devem estar conformes com as hipóteses legais [...] A desconformidade com o modelo legal, pois, exige, de regra, a sua regularização, embora, muitas vezes, por razões até de economia, desdenhe-se, em concreto, a deficiência.
Paulo Rangel25 afirma que ato irregular “é o ato defeituoso, viciado,
porém que não sofreu sanção de nulidade, permanecendo válido. É ato que, mesmo
praticado em afronta à lei, atinge o fim colimado pela norma”. Arremata, ainda,
dizendo que “existe desconformidade com o modelo legal, porém não houve prejuízo
para as partes muito menos influência na verdade substancial ou na decisão da
causa. Assim, não se declara ineficácia de um ato que, mesmo praticado em afronta
à lei, atingiu seu fim”.
Vale trazer ainda à baila as lições de Ada Pellegini, acerca de ato
irregular,
O CPP também acolhe essa categoria ao prever, no art. 564, IV, a nulidade ‘por omissão de formalidade que constitua elemento essencial ao ato’; assim, o legislador admite que a omissão de formalidade não-essenciais não acarreta conseqüências, em relação à validade do ato; pode ocorrer, em alguns casos, que o ato irregular seja considerado eficaz, recaindo a sanção pela irregularidade no responsável pela mesma; é o que sucede, por exemplo, com o oferecimento de uma denuncia fora do prazo legal: o ato é válido, mas o promotor poderá estar sujeito a uma penalidade no âmbito administrativo pelo atraso26.
Em outro plano, sabido que dentre os atos processuais ditos
imperfeitos os atos nulos são aqueles que diante da inobservância de preceito legal,
tornam-se inaptos a produzir efeitos. Pode-se, ainda, dizer que é o que não produz
efeito até que seja convalidado27.
Cumpre destacar, com relação aos atos nulos, a distinção entre
nulidade absoluta e relativa. Quanto à nulidade relativa, ocorre quando se
descumpre formalidade essencial ao ato, sendo que o ato irregular deverá ser
24 DALL’AGNOL JÚNIOR, Antonio Janyr. Invalidades Processuais, Letras Jurídicas Editora Ltda., 1989, p. 103. 25 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 9º ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2005. p. 713 26 GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ªed.rev.e atual. 2001.p. 20. 27 Idem. p.21.
22
argüido pela parte interressada, tendo esta o ônus de alegar a ilicitude do ato, ante a
inobservância de preceito legal. Portanto, considerando que o interesse é muito mais
da parte do que de ordem pública, a invalidação do ato fica subordinada à
demonstração do prejuízo e à argüição do vício no momento processual oportuno.
Em relação à nulidade absoluta, advém da violação de preceito legal estabelecida
muito mais no interesse da ordem pública do que propriamente das partes. Assim
sendo, o Juiz deve reconhecê-la em qualquer fase do processo, uma vez que o
prejuízo na nulidade absoluta é presumido pelo ordenamento jurídico, não admitindo
prova em contrário.
Novamente, faz-se necessário se reportar aos ensinamentos de Ada
Pellegrini, acerca da distinção das nulidades processuais, quando explica que,
O art. 572 do CPP distingui as nulidade absolutas das relativas, prevendo, dentre as hipóteses arroladas pelo art. 564, casos em que o vício de forma estará sanado se a parte não argüir o fato na oportunidade própria (art. 571) ou tiver aceito, ainda que tacitamente, os efeitos do ato irregularmente praticado; nos demais, a nulidade será absoluta. Já a ofensa às garantias constitucionais implicará sempre nulidade de natureza absoluta, pois a obediência às regras do ‘devido processo’ constitui requisito essencial para a correção da prestação jurisdicional28.
Por fim, para distinguir atos inexistentes, de nulidades e anulabilidades,
FENANDES29, citando Hélio Tornaghi, apresenta o seguinte exemplo:
(...) três crianças estão para nascer. No dia em que a primeira vem à luz verifica-se que ela nasceu sem pernas, inexistem pernas. Quando do nascimento da segunda, vê-se que ela tem pernas, mas são nulas, não se movimentam. Ao nascer a terceira, comprova-se que ela tem pernas, elas se movem, mas estão atingidas por uma doença que acabará por paralisá-las. Se quiséssemos, poderíamos falar: no primeiro caso, em inexistência de pernas, no segundo, em nulidade; no terceiro, em anulabilidade.
28 GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ªed.rev.e atual. 2001.p. 22. 29 FERNANDES, Paulo Sérgio Leite. Nulidades no Processo Penal. 4. ed. rev., acrescida e atual – São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 1993. p. 26.
23
1.3 PRINCÍPIOS ORIENTADORES DAS NULIDADES PROCESSUAIS
Para Grinover30 os atos processuais são invalidados não somente em
função do texto legal. Faz-se necessário uma decisão judicial que a declare inválida,
ou seja, “não basta a desconformidade do ato com o modelo traçado pelo legislador,
sendo também indispensável à verificação de certos pressupostos, que deverão ser
analisados pelo juiz em cada caso concreto.”
O juiz, no caso da apreciação das irregularidades dos atos
processuais, se norteia pela lei que estabelece critérios para isto. Destarte, nota-se
uma evolução nos ordenamentos modernos, que no lugar do denominado “sistema
de legalidades das formas” predomina hoje o “sistema da instrumentalidade das
formas”. E qual a significativa diferença entre ambos? GRINOVER31 observa que o
primeiro é “aquele em que o legislador enumera taxativamente os casos de nulidade,
praticamente sem deixar espaço à discricionariedade do juiz na apreciação das
conseqüências do vício”, já no segundo caso predominante nos dias atuais, é aquele
“que se dá mais valor à finalidade pela qual a forma foi instituída e ao prejuízo
causado pelo ato atípico, cabendo ao magistrado verificar, diante de cada situação,
a conveniência de retirar-se a eficácia do ato praticado em desacordo com o modelo
legal”.
Representa que o objetivo do processo se sobrepõe às exigências de
índole formal. Portanto, mesmo que se reclame, em lei, obediência a determinado
modelo, esse aspecto é secundário se, a despeito da desconsideração àquela
fórmula, for alcançada a intenção que o ato buscava. Esse pensamento é subjacente
ao caráter instrumental do processo como um todo, que existe em homenagem ao
direito material, e não como um objeto de valor por si só. Ele é um mecanismo
entabulado para dar solução aos litígios entre autor e réu; o essencial é que se
alcance esse fim, mesmo que por vias tortuosas, eventualmente desapegadas das
explícitas recomendações do legislador processual. Os arts. 154, 244 e 249, § 1º,
30 GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ªed.rev.e atual. 2001. p.27. 31 GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ªed.rev.e atual. 2001. p.27
24
confirmam tal sistema32.
Da mesma forma, também não se decreta nulidade se a parte que vier
a ser beneficiada contar, vista a causa pelo mérito, com razão (art. 249, § 2º). Dessa
maneira, por hipótese, se o autor foi prejudicado pelo indeferimento de ouvida de
certa testemunha, mas, ainda assim, à luz das demais provas, ficar demonstrada a
sua versão, propiciando julgamento de procedência, o juiz deve desde logo proferir
sentença, olvidando a nulidade.
Dessa forma, “a celeridade não é o único valor a ser processualmente
protegido. A ânsia pela rápida solução da causa não pode ser sobreposta às
garantias processuais, mormente se estabelecidas em favor de menor. Nos Juizados
Especiais, sob nenhum pretexto pode o incapaz ser demandado. Porém, mesmo
que conscientemente dado prosseguimento ao feito, supera-se a nulidade, em
segundo grau, pela possibilidade de julgamento do mérito em favor do menor”33
Como foi citado anteriormente nesta pesquisa,
São três os sistemas segundo os quais pode ser imposta a sanção de nulidade: a) todo e qualquer vício do ato leva à sua nulidade; b)nulo só será o ato se a lei assim expressamente o declarar; c)um sistema misto, distinguindo-se as irregularidades conforme sua gravidade. Os primeiros dois estão desautorizados pela moderna ciência processual34.
E apesar do CPP receber severas críticas, por não conter uma
sistematização coerente na disciplina das nulidades, dos princípios gerais adotados
destaca-se o do prejuízo, o da causalidade, o do interesse e o da convalidação,
como será descrito na seqüência.
32
GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ªed.rev.e atual. 2001. p.27.
33 (4ª Turma de Recursos de Santa Catarina AC 1.539, de Criciúma, rel. Juiz Hélio do Valle Pereira).
34 GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ªed.rev.e atual. 2001. p.28.
25
O Princípio do Prejuízo é seguramente a sustentação do sistema das
nulidades. Decorre da idéia geral de que as formas processuais representam o
instrumento para a correta aplicação do direito. Portanto, a desobediência às
formalidades estabelecidas pelo legislador só deve levar ao reconhecimento da
invalidade do ato quando a própria finalidade pela qual a forma foi instituída estiver
comprometida pelo vício:
Sem ofensa ao sentido teleológico da norma não haverá prejuízo e, por isso, o reconhecimento da nulidade nessa hipótese constituiria consagração de um formalismo exagerado e inútil, que sacrificaria o objetivo maior da atividade jurisdicional; assim, somente a atipicidade relevante dá lugar a nulidade; daí a conhecida expressão utilizada pela doutrina francesa: pas de nullité sans grief35.
Nenhum ato será declarado nulo se da nulidade não tiver resultado
prejuízo para uma das partes.
Pelo Princípio da Causalidade concebe-se que os atos que compõem o
procedimento não existem isoladamente, de forma independente, mas sim estão
interligados por meio de uma cadeia lógica que objetiva a preparação da sentença
final. Assim, percebe-se que existe sempre um nexo de causalidade entre os vários
atos que se sucedem.
Pode-se afirmar que a ausência ou invalidade de um determinado ato
processual faz com que haja indagação sobre a extensão da nulidade; é preciso
saber se a violação da forma prescrita para o ato declarado nulo também atingiu
outros atos ligados àquele; fala-se então em nulidade originária e derivada36:
Nessa linha de raciocínio, a nulidade da denuncia, do despacho de recebimento, da citação, interrogatório e defesa prévia contamina necessariamente os atos posteriores. Já em relação a instituição, não existe, em geral, nexo de dependência entre os vários atos de aquisição da prova; nestes, o vínculo deve ser encarado sob o prisma do contraditório, pois não pode haver inversão na ordem da produção da prova testemunhal da acusação e da defesa, ou no oferecimento da alegações. A sentença, como ato final do procedimento, será sempre atingida pela invalidade dos atos que a antecedem, sejam da fase postulatória, sejam instrutórios, a não
35 GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ªed.rev.e atual. 2001. p.28. 36 GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ªed.rev.e atual. 2001. p.31..
26
ser que estes últimos não tenham exercido qualquer influencia na decisão (art. 566 do CPP)37.
A nulidade de um ato processual, uma vez declarada, causará a dos
atos que dele diretamente dependam, ou sejam conseqüência.
Princípio do Interesse: considerando que o processo é uma atividade
estatal que tem por objetivo os resultados práticos, estes decorrem em
conseqüências úteis. Por isso mesmo, para toda ação faz-se necessário estar
presente o “interesse de agir”, bem como para todo recurso após a sentença é
necessário que haja o “interesse de recorrer”. O art. 565 do CPP estabelece:
“Nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa, ou para que
tenha concorrido, o referente a formalidade cuja observância só a parte contraria
interesse”.
Ou seja, só pode argüir nulidade quem dela possa extrair algum
resultado positivo ou situação favorável dentro do processo. Logo, ninguém pode
alegar nulidade que só interessa a parte contrária.
Princípio da Convalidação: assim como em todas atividades o que se
pretende é obter o melhor resultado com o menor esforço.
O ordenamento, ao mesmo tempo que prevê as hipóteses de aplicação
da sanção de nulidade para os atos praticados irregularmente, também estabelece
remédios pelos quais será possível aproveitar-se atividade processual atípica; há
situações previstas em lei, sanada a irregularidade ou reparado o prejuízo, será
possível que o ato viciado venha a produzir os efeitos que dele eram esperados;
nesses casos, em lugar da invalidação, pode ocorrer a convalidação do ato
praticado em desconformidade com o modelo legal38.
A maneira mais comum de sanabilidade acontece pela preclusão da
faculdade de alegar a irregularidade, que tem a ver com as chamadas nulidades
37
GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ªed.rev.e atual. 2001. p.31.
38 GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ªed.rev.e atual. 2001. p.33.
27
relativas, pois só nelas o reconhecimento da invalidade depende de provocação do
interessado. Nesse sentido:
O art. 572 do CPP admite que certas irregularidades estarão sanadas senão argüidas em tempo oportuno, ou se a parte, ainda que tacitamente, tiver aceito seus efeitos; o art. 571, por sua vez, estabelece os momentos em que as nulidades devem ser alegadas; ao contrario do que sucede no processo civil, em que o vício deve ser apontado na primeira oportunidade em que couber a parte falar nos autos (art. 245 do CPC), no processo penal é possível aguardar-se uma das fases mencionadas no art. 571 (alegações do art.406, no procedimento do Júri, ou do art. 500, no procedimento ordinário; defesa prévia, no procedimento sumário etc.) para invocar a nulidade; todavia, passados esses momentos, a irregularidade estará sanada pela preclusão39.
A prolação da sentença constitui, da mesma forma, causa de
convalidação de determinadas irregularidades formais do procedimento; ou seja, é o
que se dá a partir do art. 249 § 2°, do CPC, que se aplica por analogia ao processo
penal: “quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a
declaração da nulidade, o juiz não pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-
lhe a falta40”; no caso do prejudicado pela irregularidade, a decisão de mérito a seu
favor é um fato novo, que afasta a conveniência de retroceder na marcha
procedimental, pois, a finalidade da instituição da forma não chegou a ser
comprometida.
Da mesma forma, a coisa julgada é motivo de convalidação de
irregularidades não alegadas ou não aparecidas durante o iter procedimental,
considerando que a imutabilidade da sentença contra a qual não caibam mais
recursos alcançando desta maneira o seu antecedente, que são os atos processuais
praticados no processo de conhecimento41.
Há de se levar em consideração a convalidação do ato irregular, e
suas regras especiais, pois ao lado de tais prescrições de ordem geral, a lei
processual penal aceita outras hipóteses particulares, sendo possível corrigir-se a
39 Idem. p.34 40 GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ªed.rev.e atual. 2001. p.34. 41 Idem
28
falha do ato processual defeituoso ou omitido, uma vez que a nulidade não será
decretada:
É o que ocorre, em primeiro lugar, com eventuais irregulares relacionadas à representação da parte. Diz o art. 568 do CPP que “a nulidade por ilegitimidade do representante da parte poderá ser a todo tempo sanada, mediante ratificação dos atos processuais”42.
É o que acontece em geral na ação penal privada, quando a
procuração dada ao advogado do ofendido não atende aos requisitos do art.44 do
CPP. Assim reconhecido o defeito, é possível a ratificação dos atos já praticados,
pela parte legítima ou por seu representante constituído dentro da lei, por meio de
petição ou termo nos autos, se obedecido o prazo de decadência pertinente (TJSP,
RT 514-334 e 432-285)43.
Para Grinover o art. 569 do CPP estabelece a possibilidade de
suprimento, a todo tempo, antes da sentença final, das omissões da denúncia, da
queixa e da representação.
O suprimento é mais do que a mera ratificação, pois implica acréscimo naquilo que já existia; parece óbvio que nesse passo o legislador pretendeu referir-se somente às formalidades não-essenciais daquelas peças, não podendo a disposição abranger os elementos sem os quais não caberia falar em “omissões”, mas na própria inexistência ou invalidade do ato por falta de formalidade essencial44.
O art. 570 do CPP estabelece que o comportamento do interessado, ainda
que somente com o fim de argüir a irregularidade, sana a falta ou nulidade da
citação, intimação ou notificação; a presença em juízo demonstra que, mesmo não
atendidos os preceitos que regulam essas formas de comunicação processual, foi
possível alcançar o que se pretendia, a finalidade do ato. Nesse caso, como observa
Grinover45, a parte final da regra prevê que ”o juiz ordenará, todavia, a suspensão ou
adiamento do ato, quando reconhecer que a irregularidade poderá prejudicar direito
da parte”. É necessário cuidar de ressalva oportuna, especialmente nas hipóteses
de citações em que o defeito do ato pode causar irreparáveis prejuízos ao exercício
42 Ibidem. p.35 43 GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ªed.rev.e atual. 2001. p.35. 44 GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ªed.rev.e atual. 2001. p.35. 45Idem. p.36
29
pleno do direito de defesa, notadamente do que tange a assistência técnica.
30
2.0 O PROCEDIMENTO NOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE DE
FUNCIONÁRIO PÚBLICO
2.1 PROCEDIMENTOS: GENERALIDADES
Processo e procedimento caminham juntos. Tourinho46 afirma que para
o Juiz solucionar o litígio, com a atuação concreta da lei, é necessário, junto a ele, a
prática de numerosos atos, iniciando pelo pedido do autor, a presença do réu, a
resposta do Juiz, a produção de provas, o exame crítico do Juiz e por fim, a
sentença, a resolução da lide. A este conjunto de atos processuais denomina-se
processo. Porém, considerando esta ordem, seqüência e coordenação dos atos,
fala-se, tecnicamente, em procedimento, que nada mais é do que a exteriorização
do processo.
Os procedimentos promovem o desenvolvimento do processo,
delimitando os caminhos a serem percorridos na apuração judicial do caso penal,
constituem o rito processual. Considera-se rito a seqüência dos atos processuais,
ordenadamente encadeados, do ponto de vista externo 47:
Sendo a noção de processo eminentemente teleológica, finalística, voltada para o resultado a obter-se, e a noção de procedimento, ao invés, eminentemente formal, conforme lição de Calmon de Passos (cf. Comentários, cit.,1974,v.3,p.7), deve o legislador emprestar ao procedimento notável funcionabilidade, isto é, adequá-lo e apropria-lo a uma perfeita discussão da causa, de modo a permitir ao Estado-Juiz a resolução justa ao litígio, com razoável celebridade. (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 4º volume, 24ª ed. rev. atual.e ampl. São Paulo. Saraiva, 2002. p. 25).
Então, é notório concluir que o legislador pode, conforme a natureza da
causa, fixar uma gama de procedimentos.
46 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 4º volume, 24ª ed. rev. atual.e ampl. São Paulo. Saraiva, 2002. p. 01. 47 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 3ª ed. rev. atual.e ampl. Belo Horizonte. Livraria Del Rey Editora, 2004. p. 638.
31
Uma vez que o processo é o movimento dos atos destinados à solução
da questão penal, considerando que para chegar a este fim, necessita dos
procedimentos e diferentes ritos, dependendo da natureza do delito ou da respectiva
apenação48.
OLIVEIRA49 observa que:
Cumpre ainda salientar que no processo penal há procedimentos condenatórios, que são a regra, inseridos nas ações penais ditas condenatórias, e procedimentos não condenatórios, regulando ações autônomas, em que se cuida de pretensões não condenatórias, não punitivas, como é o caso da ação de habeas corpus (art.647) e da ação de revisão criminal (art.621).
Existem três espécies, ante a leitura do CPP, para os procedimentos,
segundo entendimento do legislador, sendo o denominado comum, que se divide em
solene e soleníssimo; os especiais; e o destinado aos processos da competência
originária do STF e dos Tribunais de Justiça50.
Para os fins a que se destina a presente pesquisa, serão abordados na
seqüência os tipos de procedimentos do CPP e as leis específicas que foram criadas
para dar suporte a estes procedimentos.
2.2 OS PROCEDIMENTOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E DE LEIS ESPECIAIS
O CPP faz uso de terminologias um tanto quanto inadequadas em se
tratando de procedimentos, segundo Oliveira51. Denomina processo comum, o
procedimento do Tribunal de Júri, que, a rigor é especialíssimo, ao menos em 48 Idem. p. 639. 49 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 3ª ed. rev. atual.e ampl. Belo Horizonte. Livraria Del Rey Editora, 2004. p. 640. 50 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 4º volume, 24ª ed. rev. atual.e ampl. São Paulo. Saraiva, 2002. p.25. 51 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 3ª ed. rev. atual.e ampl. Belo Horizonte. Livraria Del Rey Editora, 2004. p. 641.
32
relação aos demais ritos da legislação brasileira. E mais, “prevê um procedimento
sumário que é aplicável a todos os crimes punidos com detenção, à exceção
daqueles para os quais seja previsto procedimento especial: é dizer, é sumário, mas
é comum”.
Reforçando o que já foi dito anteriormente, o procedimento pode ser
classificado em comum e especial, sendo que o procedimento comum é aquele
aplicado a todas as causas para as quais a lei não previu forma especial, enquanto
os procedimentos especiais, dizem respeito àquelas hipóteses que fogem à regra
comum, estando previstas pelo legislador no CPP e em leis específicas. Mas, a
própria lei processual se encarrega de subdividir o procedimento comum em:
ordinário e sumário, sendo o primeiro, aquele que se aplica a todo processo, para o
qual não esteja previsto nenhum procedimento especial ou sumário. A lei disciplina
somente o procedimento ordinário. Nos procedimentos especial e sumário serão
aplicadas as regras que lhe são próprias. No entanto, naquilo que essas normas não
dispuserem, incidirão subsidiariamente sobre os procedimentos especial e sumário
as disposições gerais do procedimento ordinário.
Nucci52 observa que o CPP padroniza as formas de procedimentos,
tendo sido estas denominadas de comuns e outras especiais, que fogem à regra. O
procedimento comum está previsto nos arts. 394 a 405, tornando a ser estabelecido
com a indevida interrupção do procedimento especial do júri, no art. 498 até art.502.
É aplicado a todos cuja punição é de pena de reclusão, com exceção dos que se
amoldam em legislações especiais, como por exemplo, tráfico ilícito de
entorpecentes, neste caso a pena é de reclusão, mas o procedimento está previsto
na Lei 6.368/7653.
52 NUCCI. Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5ª ed. rev.e atual. .São Paulo. Revista dos Tribunais, 2002. p. 689. 53 LEI Nº 6.368, DE 21 DE OUTUBRO DE 1976, disponível no site http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L6368.htm - Dispõe sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica, e dá outras providências. Porém esta foi revogada pela LEI Nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006, disponível no site http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm#art75 - Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.
33
Oliveira54 dispõe dentro do procedimento comum, o ordinário (rever o
texto) que é de competência do juiz singular, cujos crimes são punidos com
reclusão, bem como o procedimento sumário comum, (suprimi texto) para os crimes
que são punidos com detenção. Destarte, inicia-se a discussão com o procedimento
comum ordinário, em que na chamada fase introdutória, conforme consta no
Capítulo I, do Título I, Livro II, Dos processos em espécie, do CPP, se localizaria
entre o art. 394 e o art. 405, ou seja, do recebimento da denúncia e denominação do
interrogatório ao encerramento junto a oitava testemunha de defesa.
A defesa prévia, neste caso, tem grande importância, pois, cumpre
importantes funções como a de fixar o prazo para o oferecimento do rol de
testemunhas para o réu. Segundo Oliveira, “a defesa prévia constitui-se na primeira
intervenção da chamada defesa técnica, isto é, aquela produzida por profissional do
direito. Por isso, é somente nessa ocasião que se dará início ao processo realizado
em contraditório, com a abertura para o exercício da ampla defesa” (OLIVEIRA,
2004.p. 644).
No caso do procedimento sumário comum, Oliveira55 esclarece que a
Instituição dos Juizados Especiais Criminais, embora tenha abarcado grande parte
das contravenções e muitos dos crimes que não se prevê a pena de reclusão, não
esgotou nem mesmo afastou a aplicação do processo sumário.
Nesse sentido, o disposto no art.66, parágrafo único da Lei 9.099/9556,
segundo o qual, quando não se puder realizar a citação pessoal nos processos de
competência dos Juizados Especiais Criminais, os autos devem ser encaminhados
ao Juízo comum para adoção do rito cabível.
No caso do procedimento sumário, as partes poderão alistar no
máximo cinco testemunhas, não se incluindo nesse número aquelas cuja oitava
tenha sido determinada de ofício pelo juiz, e também aquelas que nada souberem
sobre os fatos (art. 209, §2°, CPP), como aliás, ocorre em todo e qualquer
54 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 3ª ed. rev. atual.e ampl. Belo Horizonte. Livraria Del Rey Editora, 2004. 55 Idem. p. 650. 56 LEI Nº 9.099, DE 26 DE SETEMBRO DE 1995 – disponível no site - http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9099.htm que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências.
34
procedimento (Oliveira, 2004.p.651). A partir de então, o Juiz, depois de sanar
quaisquer nulidades, deverá designar a audiência de julgamento em qualquer dos
oito dias seguintes à oitava testemunha de acusação.
Nucci57 enfatiza que entre os procedimentos especiais, além do relativo
ao júri, que foi inserido no capítulo destinado ao procedimento comum, por ser
semelhante à regra geral, é possível citar o procedimento dos crimes falimentares,
conforme arts. 503 a 512; o procedimento dos crimes de responsabilidade dos
funcionários públicos, nos arts. 513 a 518; o procedimento dos crimes contra honra
previstos nos arts. 519 a 523; o procedimento sumário das contravenções e dos
crimes apenados com detenção conforme os arts. 531 a 538 para as primeiras, bem
como os arts. 539 e 540, para os últimos; e os procedimentos de restauração dos
autos contidos nos arts. 541 a 548, todos pertencentes ao CPP. Importante ressaltar
que não está mais em vigor o procedimento para aplicação provisória de medida de
segurança que constam nos artigos 549 a 555, nem mesmo os procedimentos
referentes a instâncias superiores (arts. 556 a 562), substituídos por outras leis. Há
também outros procedimentos especiais previstos em leis igualmente especiais,
como por exemplo, a Lei de Tóxicos (6.368/7658), Lei de Imprensa (5.250/6759), Lei
de Abuso de Autoridade (4.898/6560) dentre outras.
TOURINHO FILHO61, para maior entendimento, cria um quadro
sinótico das formas procedimentais, deixando claro que, corre o risco de cometer
57 NUCCI. Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5ª ed. rev.e atual. .São Paulo. Revista dos Tribunais, 2002. p. 689. 58 LEI Nº 6.368, DE 21 DE OUTUBRO DE 1976, disponível no site http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L6368.htm - Dispõe sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica, e dá outras providências. Porém esta foi revogada pela LEI Nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006, disponível no site http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm#art75 - Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. 59 LEI No 5.250, DE 9 DE FEVEREIRO DE 1967, disponível no site - https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5250.htm - que Regula a liberdade de rnanifestação do pensamento e de informação. 60 LEI Nº 4.898, DE 9 DE DEZEMBRO DE 1965, disponível no site http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/L4898.htm - que Regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade. 61 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 4º volume, 24ª ed. rev. atual.e ampl. São Paulo. Saraiva, 2002. p. 60.
35
alguma omissão. E na seqüência tentar-se-á transcreve-lo para auxiliar na
elaboração desta pesquisa.
Segundo ele, os procedimentos são para crimes apenados com
reclusão, detenção e para as contravenções. Inicialmente abordam-se os
procedimentos para crimes cuja pena é de reclusão, eles são ordinários, de
transação e sumaríssimo.
No primeiro caso, para ser ordinário, Tourinho Filho afirma que a pena
máxima deve exceder a um ano; se, malgrado a pena máxima não exceder a um
ano, o autor do fato não tiver sido encontrado para ser citado pessoalmente; mesmo
sendo infração de menor potencial ofensivo, a complexidade ou circunstância do fato
não autorizar o procedimento sumariíssimo; e ainda caso não estiver a infração,
pouco importando a pena cominada, conexa a outra sujeita a procedimento especial.
Estes casos estão previstos nos arts. 394/405 e 498/502, parágrafo único, do CPP.
Noutro caso, será do tipo transação se a pena máxima não exceder a
um ano (rectius: dois anos); ou se a infração não estiver sujeita a procedimentos
ordinário ou especial; ou se o autor do fato não tiver sido condenado pela prática de
crime à pena privativa de liberdade por sentença definitiva; ou ainda se o agente não
tiver sido beneficiado, antes, no prazo de 5 anos, com a transação; ou se seus
antecedentes, conduta social, personalidade, motivos e circunstâncias do crime
autorizarem o benefício; se houver comparecido à audiência; e por fim se a infração
não estiver conexa a outra subordinada a procedimento ordinário ou especial.
Previsto nas Leis 7.505/86, art.14, 8.313/91 arts. 39/40 e na 8.685/93, art.10.
E será do tipo sumaríssimo quando a pena máxima não exceder a um
ano (rectius: dois anos); quando a infração não estiver sujeita a procedimentos
ordinários ou especiais; quando o autor do fato não atender a citação pessoal para
audiência de transação; se malgrado presente, não houver aceito a proposta
prevista no art. 76 da Lei 9.099/95; caso não haja complexidade ou alguma
circunstância que exija maior estudo; ou quando não houver relação de conexidade
entre a infração de menor potencial ofensivo e outra sujeita a procedimento ordinário
36
ou especial. Previsto nas Leis 7.505/86, art.14, 8.313/91 arts. 39/40 e na 8.685/93,
art.10.
E os casos de crimes apenados com reclusão cujos procedimentos são
do tipo especiais, estão previstos nos arts. 394/497 do CPP; o do Tóxico na Lei
10.459/0162, o Falimentar nos arts. 503/512 do CPP e 103 a 111 da Lei de
Falências, o Funcional (afiançáveis) arts. 513/518 do CPP, o de Imprensa na Lei
5.250/67, o Eleitoral, previsto no Código Eleitoral e por fim o de “lavagem de capitais
previsto na lei 9.613/98.
TOURINHO FILHO63, neste mesmo quadro, destaca as diferenciações
para os crimes cujas penas são de detenção, sendo eles, os sumários, os de
transação e os sumaríssimos. No primeiro caso, o autor sublinha que é sumário se a
pena máxima exceder a um ano - rectius: dois anos; (salvante as infrações
tipificadas nos arts. 303, 306 e 308 do Código de Trânsito); se, malgrado a pena
máxima não exceder a um ano, o autor do fato não tiver sido encontrado para ser
citado pessoalmente; mesmo sendo infração de menor potencial ofensivo, a
complexidade ou circunstância do fato não autorizar o procedimento sumaríssimo; e
por fim quando não estiver a infração conexa a outra mais grave ou sujeita a
procedimento especial.
Será do tipo transação se a pena máxima não exceder a um ano -
rectius: dois anos (salvo as infrações previstas nos arts. 303, 306 e 308 do Código
de Trânsito); ou se a infração não estiver subordinada a procedimento especial; ou
se o autor do fato não tiver sido condenado pela prática de crime à pena privativa de
liberdade por sentença definitiva; ou ainda quando o agente não tiver sido
beneficiado, antes, no prazo de cinco anos, com a transação; se seus antecedentes,
conduta social, personalidade, motivos e circunstâncias do crime autorizarem o
benefício; se houver comparecido à audiência e por fim se a infração não estiver
conexa a outra mais grave ou sujeita a procedimento especial.
62 LEI No 10.259, DE 12 DE JULHO DE 2001, disponível no site - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10259.htm que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. 63 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 4º volume, 24ª ed. rev. atual.e ampl. São Paulo. Saraiva, 2002. p. 63.
37
E sumaríssimo, se a pena máxima não exceder a um ano (rectius: dois
anos); ou se a infração não estiver sujeita a procedimento especial; se o autor do
fato não atender à citação pessoal para a audiência de transação; se, malgrado
presente, não houver aceito a proposta prevista no art. 76 da Lei 9.099/95; se não
houver complexidade ou alguma circunstância que exija maior estudo; e por fim se
não houver relação de conexidade entre a infração de menor potencial ofensivo e
outra de mais grave ou sujeita a procedimento especial.
TOURINHO FILHO64 observa ainda que atualmente nas contravenção,
quando sujeita ou não a procedimento especial, esta sempre será subordinada às
regras contidas na Lei 9.099/95, como transação, procedimento sumaríssimo, ou até
mesmo a suspensão condicional do processo, a não ser quando o autor do fato não
for encontrado para ser citado ou quando o fato apresentar complexidade, como
pode ser visto no quadro sinótico abaixo, que traz as formas procedimentais para o
crime de contravenção, sendo sumário, transação e o sumaríssimo.
No primeiro caso, o sumário acontece se o autor do fato não for
encontrado para ser citado, nem for previsto procedimento especial; também se
houver complexidade ou circunstância que não autorize o procedimento
sumaríssimo; se a contravenção não estiver conexa a alguma infração grave ou
subordinada a procedimento especial. Toda e qualquer contravenção admite a
transação desde que não tenha sido autor da infração condenado pela prática de
crime à pena privativa de liberdade por sentença definitiva; que não tenha sido o
autor da infração beneficiado, anteriormente, com a transação, no prazo de cinco
anos; ou que tenha comparecido à audiência para a transação; ou se seus
antecedentes, conduta social, personalidade, motivos e circunstâncias da infração
autorizarem o benefício; por fim se não houver relação de conexidade com infração
à qual não se aplique a Lei 9.099/95.
E por fim o procedimento sumaríssimo, que acontece quando a
transação não é possível, seja pelo não comparecimento do autor do fato à
audiência, seja pela recusa à proposta para transação, seja por não ter sido possível
a transação face do § 2° do art. 76 da Lei 9.099/95; ou se não houver relação de 64 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 4º volume, 24ª ed. rev. atual.e ampl. São Paulo. Saraiva, 2002. p. 64.
38
conexidade com infração à qual não se aplica a Lei 9.099/95; e se não houver
complexidade ou circunstância que impeça a imediata oferta da denúncia.
Considerando o mesmo quadro sinótico abordado por Tourinho Filho65,
é de suma importância transcrever que, o crime comum e o crime de
responsabilidade definido no art. 10 da Lei 1.079/50 conforme prevê as Leis
8.038/90 e 8.658/93 e mais o crime de responsabilidade previsto na Lei 1.079/50 e
no art. 52, I e II, da CF/88.
Oliveira66, ao abordar a questão da suspensão do processo, sustenta
que, a primeira hipótese cabível para quaisquer dos procedimentos (inclusive aquele
do Tribunal do Júri, mas excluindo o previsto na Lei 9.613/98, por força do disposto
no seu art. 2°, § 2° ), é aquela do art. 366 do CPP, segundo a qual, citado o réu por
edital, este não comparecendo ao interrogatório e nem constituindo advogado, tanto
o prazo prescricional quanto o processo serão suspensos. Ainda poderá ocorrer no
procedimento do Tribunal do Júri, a paralisação do processo enquanto o réu não for
intimado pessoalmente da decisão de pronúncia (art.413), nos crimes inafiançáveis.
E na Lei 9.099/95, no art. 89, foi inserida uma espécie de suspensão do processo
para crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, mas o
acusado não pode estar sendo processado ou não tenha sido condenado por outro
crime, e devem constar os outros critérios para que se possa suspender de modo
condicional a pena, o chamado suris do art. 77 do Código Penal.
2.3 ASPECTOS DESTACADOS DO PROCEDIMENTO NOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE DE
FUNCIONÁRIO PÚBLICO
Oliveira67 observa que a expressão crime de responsabilidade não está
se referindo àquelas infrações políticas previstas na Constituição Federal para
65 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 4º volume, 24ª ed. rev. atual.e ampl. São Paulo. Saraiva, 2002. p. 60. 66 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 3ª ed. rev. atual.e ampl. Belo Horizonte. Livraria Del Rey Editora, 2004. p. 652. 67 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 3ª ed. rev. atual.e ampl. Belo Horizonte. Livraria Del Rey Editora, 2004. p. 749.
39
determinadas autoridades publicas. Mas, sim, refere-se ao crime comum mesmo. O
rito, para variar, é quase o mesmo daquele previsto para os crimes punidos com
pena de reclusão (art. 394 a 405; 498 a 502, do CPP), com as alterações que se
seguem.
Nucci68 afirma que os crimes de responsabilidade de funcionários
públicos, quando autênticos, são normalmente julgadas por órgão políticos como o
Senado Federal, a Assembléia Constituinte do Estado, ou mesmo a Câmara de
Vereadores, em nível Municipal, determinando como pena a perda do cargo ou
função pública, impossibilitando o réu de exercer por certo período tal cargo ou
função.
São os crimes cometidos por funcionários no exercício diário da sua
função, portanto, são crimes funcionais, que estão previstos nos arts. 312 a 325 do
CP. O mesmo autor ainda refere que “essa é uma corrente majoritária, mas há
corrente contrária que diz: “Não basta que o agente seja funcionário público para
que tenha aplicação do art.514 do CPP. É preciso que a infração de que seja
acusado constitua crime de responsabilidade.”(não aplicação do caso dos arts.312 a
326 do CP;).
Assim sendo, faz-se necessário para dar continuidade à pesquisa
conceituar o funcionário público ou equiparado, conforme art. 327 do Código Penal.
2.3.1 CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO E EQUIPARADO
O Art. 327 do Código Penal afirma que
considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce o cargo, emprego ou função pública.
§1°.Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora
68 NUCCI. Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 2ª ed. rev.e atual. .São Paulo. Revista dos Tribunais, 2002. p. 849.
40
de serviço público contratada ou conveniada para execução de atividade típica da Administração Pública.
§2°. A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.69
Diferentemente do conceito aplicado pelo Direito Administrativo, o
Direito Penal considera funcionário público aquele, embora transitoriamente ou sem
remuneração, exerce o cargo, emprego ou função pública. Visando assim assegurar
o interesse da administração pública e para que não houvesse dúvida quanto ao
alcance normativo, o legislador penal acolheu a noção extensiva de funcionário
público, não exigindo do agente o exercício profissional ou permanente da função
pública, bastando que esse exercício fosse transitório, ou mesmo sem remuneração,
atinente ao cargo, emprego ou função pública70.
Cargo Público é, na expressa disposição do art. 3° da Lei 8.112/90, o
conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional
que devem ser cometidas a um servidor. Emprego Público é o serviço por prazo
determinado, em que a pessoa exerce uma função para atender a uma necessidade
temporária, está prevista na estrutura organizacional da administração pública, com
contrato em regime especial ou de conformidade com a CLT (Consolidação das Leis
Trabalhistas). Já Função Pública, por sua vez, “é a atribuição ou atividade específica
ou um conjunto delas, cujo exercício o Poder público incumbe a um agente
administrativo ou a um conjunto deles”.71
São considerados funcionários públicos, segundo Nucci72, os
vereadores; serventuários da justiça; funcionários de cartórios; peritos judiciais;
contador da prefeitura; prefeito municipal; inspetor de quarteirão; leiloeiro oficial,
quando auxiliar do juízo; administrador de hospital que presta atendimento a
69 PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal: Doutrina, Jurisprudência selecionada e Leitura indicada. p. 1078. 70 Com base em Prado, p.1079. 71 MUKAI, Toshio. Direito Administrativo sistematizado. São Paulo: Saraiva, 1999. p.166 apud PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal: Doutrina, Jurisprudência selecionada e Leitura indicada. p. 1079. 72 Nucci. Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. p. 900.
41
segurados da Previdência Social; funcionários do Banco do Brasil; zelador de prédio
municipal; advogado do município; estudante atuando como estagiário da
Defensoria Pública; militar; guarda noturno não particular; deputado, e não são
considerados funcionários públicos o síndico de massa falida; defensor dativo;
administradores e médicos de hospitais privados credenciados pelo Governo; tutores
e curadores; inventariantes; advogado, mesmo exercendo a função de representante
classista ou remunerado por convênio público.
É equiparado a funcionário público aquele que exerce cargo, emprego
ou função não somente em entidade tipicamente paraestatal, como autarquia, mas
também aqueles que atuam em sociedades de economia mista, empresas públicas
e fundações instituídas pelo poder público. “No § 1° do artigo 84, o legislador fez
certo que: Equipara-se a servidor público, para fins desta Lei, quem exerce cargo,
emprego ou função em entidade paraestatal...”73
Faz-se necessário para o entendimento do conceito de funcionário
público e equiparado, a descrição do que vem a ser entidades paraestatais.
As Entidades paraestatais são, pessoas jurídicas de direito privado, instituídas por lei, “para a realização de atividades, obras ou serviços de interesse coletivo, sob normas e controle do Estado” (cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro, p. 312). Inserem-se como modalidades de entidades paraestatais as empresas públicas, as sociedades de economia mista, os serviços sociais autônomos e modernamente o que se denomina “terceiro setor” (entes da sociedade civil de fins públicos e não lucrativos)74.
Para Nucci75, entidades paraestatais são “além das fundações,
empresas públicas e sociedades de economia mista, as demais entidades sob
controle, direto ou indireto, do Poder Público”. Bem como Damásio76 apud Nucci,
73 Com base em Nucci, p. 900. 74PRADO, p. 1079. 75 Os crimes contra a administração pública, p.138, apud NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado. p. 900. 76 Damásio, Código Penal anotado, p.918, apud NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado. p. 901.
42
tem opinião contrária, “sustentando opinião restritiva, ou seja, somente a autarquia
seria entidade paraestatal”.
Os funcionários públicos estão sujeitos à responsabilização em três
áreas, considerando a decorrência do exercício do cargo, emprego ou função, sendo
elas relacionadas às praticas ilícitos administrativos, civis, penais77.
A responsabilidade administrativa acontece em função do não
cumprimento de normas internas da Administração pelo servidor público sujeito ao
estatuto e a outras disposições de lei, decreto ou provimento regulamentar da
função pública. Meirelles78 afirma que a falta funcional gera o ilícito administrativo e
permite a aplicação de pena disciplinar. Porém, tal punição administrativa ou
disciplinar está desvinculada do processo civil ou criminal a que se sujeita o servidor
pela mesma falta, ou seja, ao final desta, fica o servidor sujeito à respectiva
penalidade administrativa. Os meios apropriados para se apurar a falta funcional
podem ser o processo administrativo, a sindicância ou o meio sumário. Como afirma
o próprio autor, o ilícito administrativo independe do ilícito penal. A absolvição
criminal só afastará o ato punitivo se ficar provada, na ação penal, a inexistência do
fato ou que o acusado não foi o seu autor”79.
Já a responsabilidade civil é independente das demais
responsabilidades e deve ser apurada perante a Justiça Comum, ou seja, o fato de
ser funcionário público não o isenta da responsabilidade civil uma vez que a
Administrativa não possui disponibilidade sobre o patrimônio público. A
responsabilização por ação regressiva é civil. As demais são administrativas, e estão
previstas nos estatutos, e outras penais, conforme a tipificação dos crimes
funcionais dos artigos 312 a 327 do Código Penal Brasileiro. Mas faz-se necessário,
segundo Meirelles80, que a condenação criminal implique no reconhecimento
automático das responsabilidades civis e administrativas.
A responsabilidade penal ou criminal decorre da prática de crimes
funcionais descritos nas leis federais. O servidor responsável responde a processo
77 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, 24ª edição, São Paulo: Malheiros, 1999, p. 441. 78 Meirelles, 1999. p.442. 79 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, 24ª edição, São Paulo: Malheiros, 1999, p. 443. 80 Idem. p. 444.
43
crime e sofre os efeitos legais da condenação. Muitos crimes contra a Administração
Pública estão definidos nos artigos 312 a 326 do Código Penal81.
2.4 CARACTERÍSTICAS DOS CRIMES FUNCIONAIS
Os crimes funcionais é uma denominação criada pelos doutrinadores
aos delitos que são cometidos somente por funcionários públicos, chamados
próprios e impróprios são os que outras pessoas podem cometer, respondendo
como incursas em outro tipo penal82.
São crimes contra a Administração Pública: peculato, peculato culposo,
peculato mediante erro de outrem, inserção de dados falsos em sistemas de
informações, modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações,
extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento, emprego irregular de
verbas ou rendas públicas, concussão, excesso de exação, corrupção passiva,
facilitação de contrabando ou descaminho, prevaricação, condescendência
criminosa, advocacia administrativa, violência arbitrária, abandono de função,
exercício funcional ilegalmente antecipado ou prolongado, violação de sigilo
funcional e violação do sigilo de proposta de concorrência83.
Com o objetivo de preservar os interesses da Administração Publica, é
prevista uma fase preliminar, quando o juiz, antes de receber a denúncia ou a
queixa, mandará notificar o réu, para que este apresente os documentos e
justificações84:
81 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, 24ª edição, São Paulo: Malheiros, 1999. p. 445. 82 NUCCI. Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5ª ed. rev.e atual. .São Paulo. Revista dos Tribunais, 2002. p. 849. 83 MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, nº 9002, 24ª edição, São Paulo: Malheiros, 1999. p. 445. 84 Idem.
44
O CPP utilizou-se da expressão notificação não por acaso. Na realidade, e de acordo com a sistemática do Código, a citação somente é determinada após o recebimento da denúncia o da queixa. Por essa razão, a citação do réu, nos moldes e para os fins previstos CPP, somente será determinada quando e se for recebida a peça acusatória (OLIVEIRA, 2004. p. 750).
Cabe assinalar que o procedimento somente será cabível para os
crimes assim definidos no Código Penal, sob a rubrica dos crimes praticados por
funcionários públicos contra a Administração em geral. Para outros, mesmo quando
praticados por servidor público, ou quando praticados por particulares contra a
Administração Pública, o rito será comum, para cada crime a utilização devida de um
procedimento85.
Esses crimes de responsabilidade, também chamados de funcionais,
apenados com reclusão ou detenção, conforme constam nos arts. 312 a 326 do CP,
cujo processo e julgamento ficam a cargo do Juiz de Direito. É desses delitos que os
arts. 513 a 518 do CPP cuidam. O art. 514 do CPP refere-se a tais crimes quando
afiançáveis, embora aqui estejam sendo analisados somente os crimes funcionais
apenados com detenção, porém. como todos admitem fiança, o procedimento segue
conforme disposto nos arts. 513 a 518 do estatuto processual86.
Oliveira87, de outro lado, como se vê do art. 513 CPP, a lei parece
prever uma outra forma de procedimento, ou melhor, uma condição especifica da
ação, exigindo que a denúncia ou queixa esteja já acompanhada de documentos ou
justificação que façam presumir a existência do delito, ou com declaração
fundamentada da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas. O
conteúdo do artigo 513 em estudo gera uma discussão entre os doutrinadores, sobre
crime afiançável e inafiançável. Tal discussão é de suma importância, pois, só é
possível a defesa preliminar, apenas aos crimes afiançáveis.
85 Ibidem. p. 750. 86 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 4º volume, 24ª ed. rev. atual.e ampl. São Paulo. Saraiva, 2002. p. 64. 87 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 3ª ed. rev. atual.e ampl. Belo Horizonte. Livraria Del Rey Editora, 2004. p. 750.
45
O artigo 513 do CPP é o início do procedimento, em estudo, ao qual,
mais uma vez, há uma discussão entre os doutrinadores, sobre crime afiançável e
inafiançável. Tal discussão é de suma importância, pelo motivo de ser possível a
defesa preliminar, apenas, aos crimes afiançáveis, porém, antes de seguir, verifica-
se do que se trata, referida defesa preliminar.
A defesa preliminar é uma exigência estabelecida por este
procedimento, ou seja, oferecida a denúncia ou queixa, “... o juiz mandará autuá-la e
ordenará a notificação do acusado...” (artigo 514, do CPP). Porém, antes disso, o
juiz deve verificar se os autos estão em conformidade, ou seja, observar se a
denúncia/queixa foi instruída com “... documentos ou justificação que façam
presumir a existência do delito...”.
Mas há um entendimento entre os doutrinadores de que com o advento
do inciso I, do artigo 323, do CPP, deixou de impedir a apresentação da defesa
preliminar. Paulo Lúcio Nogueira ensina que “atualmente, com a Lei n. 6.416, de 24
de maio de 1997, que estendeu a fiança e o sursis a todos os crimes funcionais são
afiançáveis.”, portanto, referida defesa preliminar é estendida, também, para os
crimes ditos inafiançáveis.
Assim tendo sido superada a discussão sobre a possibilidade da
apresentação da defesa preliminar a ambos os crimes (afiançáveis e inafiançáveis),
haverá notificação, quando terá o acusado o prazo de 15 para oferecer resposta.
Entretanto, algo parecido à defesa prévia ocorre, pois nesta oportunidade poderá o
acusado juntar as peças que achar necessárias para fazer sua defesa e, ainda,
arrolar suas testemunhas:
A justificação (oitava antecipada de testemunha, fora do juiz criminal) mencionada pelo art.513, que poderia instruir tanto a peça acusatória como a resposta do réu (art.515 parágrafo único), não é procedimento probatório realizado em contraditório, ou, quando nada, não é realizado diante do juiz criminal, que seria o juiz da causa (OLIVEIRA, 2004 p. 751).
46
Como se vê, há uma significativa preocupação com a iniciativa penal
instaurada contra servidores públicos, por crimes praticados contra a Administração.
Destarte, diante das graves conseqüências que tal ação penal pode causar no
desenvolvimento da atividade administrativa, entendeu o legislador de exigir um
suporte mínimo de prova para o ajuizamento da demanda. Mas, a jurisprudência
entende que essa exigência estaria superada quando a apuração inicial de possível
delito for realizada por meio de inquérito policial, ou seja, não haveria surpresa ao
suspeito com o oferecimento da ação penal e poderia o quanto possível, oferecer,
desde logo, as provas da inexistência do crime. E sendo assim se, o juiz entender
inexistente o crime, ou improcedente a ação, deverá rejeitar a denúncia ou a
queixa88.
88 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 3ª ed. rev. atual.e ampl. Belo Horizonte. Livraria Del Rey Editora, 2004. p. 750.
47
3 A NULIDADE NA FASE PRELIMINAR DO PROCEDIMENTO DE CRIMES DE
RESPONSABILIDADE DE FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS
3.1 A FINALIDADE DA NOTIFICAÇÃO DO ACUSADO PARA A DEFESA PRELIMINAR
A observância do rito processual aplicado aos crimes funcionais, o qual
prevê audiência prévia ou defesa preliminar, tem a finalidade una e exclusiva de
possibilitar ao funcionário público, na condição de réu, contestar a denúncia ou a
queixa, cujo escopo é evitar acusações infundadas que visem prejudicar a
administração pública, bem como o servidor público reclamado.
Nesse diapasão, importante considerar, ainda, que a finalidade da
medida, é de não surpreender o funcionário com uma denúncia descabida e não
atrapalhar a regularidade dos serviços públicos.
A objetividade jurídica desse procedimento é o interesse da
normalidade funcional, probidade, prestígio, incolumidade e decoro da
Administração Pública. Assim, pretende o legislador proteger o normal
desenvolvimento da máquina administrativa em todos os setores de sua atividade,
no sentido do bem-estar e do progresso da sociedade. De forma secundária, o
diploma legal penal também protege interesses particulares; então, neste caso, a
tutela penal também se estende ao bem particular lesado pelo funcionário público89.
Dessa forma, proíbe-se, pela incriminação penal, não só a conduta
ilícita dos agentes do poder público, os funcionários públicos, como as dos
estranhos ao serviço público, como os particulares, que venham, de forma comissiva
ou omissiva, causar ou expor o perigo de dano à função administrativa, legislativa e
judiciária. A intenção de proteger as funções desempenhadas da máquina
administrativa foi ainda reforçada com a alteração advinda da Lei n. 9.983, de 14 de
julho de 2000, que ampliou o conceito de funcionário público (art. 327, §1º), tornando
evidente o propósito de tutelar à adequada prestação de serviços públicos.
89 NUCCI. Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5ª ed. rev.e atual. .São Paulo. Revista dos Tribunais, 2002. p. 689.
48
Sabe-se que os crimes praticados por funcionários públicos ou
equiparados são processados por um procedimento especial previsto nos arts. 513 a
518 do Código de Processo Penal, sendo somente aplicáveis aos crimes funcionais
afiançáveis, tal como previsto no art. 514 do CPP.
Extraí-se da jurisprudência:
A previsão de procedimento especial para os crimes praticados por funcionário público visa proteger o interesse público, evitando que o funcionário em exercício seja temerariamente processado, com prejuízo ao normal andamento da atividade administrativa; "se o acusado perdeu o status de servidor público, dado o sentido finalístico da lei, desnecessária se faz a referida fase procedimental (RSTJ 87/390).
Neste sentido, colhe-se entendimento do colendo Superior Tribunal de
Justiça:
A defesa preliminar, antes do recebimento da denúncia, atende a interesse do Estado, sempre afetado quando o crime é praticado por funcionário público. Se o acusado perdeu o status de servidor público, dado o sentido finalístico da lei, desnecessária se faz a referida fase procedimental (RSTJ 87/390).
Desse modo, o juiz antes de receber a denúncia ou a queixa,
mandará autuá-la e ordenará a notificação do acusado, para responder por escrito,
dentro do prazo de 15 (quinze) dias. Recebida a denúncia, o rito será sempre o da
reclusão (rito ordinário), ainda que o crime seja apenado com detenção. Todavia, a
não observância da defesa preliminar acarreta nulidade do processo penal.
3.2 A FALTA DA NOTIFICAÇÃO DO ACUSADO PARA A DEFESA PRELIMINAR IMPORTA EM
NULIDADE?
Á luz da jurisprudência e da doutrina pátria vislumbra-se total
divergência no que tange aos efeitos da ausência de notificação do agente público
para apresentação de defesa preliminar nos processos acobertados pelo
49
procedimento especial do art. 514 do CPP, se acarretaria nulidade absoluta ou
relativa.
Na lição de Ada Peligrini Grinover90, “a falta de notificação resulta em
nulidade absoluta, pois impede a realização de fase essencial para a defesa do réu,
mesmo que anterior ao recebimento da acusação”.
Noutro sentido, é entendimento de Julio Fabbrini Mirabette91, que
assevera: “A falta de notificação preliminar é causa de nulidade relativa, que deve
ser alegada em tempo oportuno, ficando sanada com preclusão”.
A jurisprudência também diverge acerca do tema, conforme alguns
julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Percebe-se
duas orientações, “(...) uma no sentido de que se trata de nulidade absoluta, porque
ficaria afetado irremediavelmente o direito de defesa” (STF, RTJ 36/152 e 103/157;
RT 572/412; STJ RHC 1.503 – GO, DJU 30.03.1992, p. 3.999). Outra sustenta que
“(...) se cuida de nulidade apenas relativa, devendo ser alegada em tempo oportuno,
com demonstração de prejuízo” (STF, RTJ 60/459, RT 586/432).
Ainda, há que se ressaltar o entendimento do Tribunal de Justiça de
Santa Catarina, o qual já se manifestou no sentido de que a não observância do art.
514 do Código Processo Penal acarretaria nulidade absoluta:
Crimes contra a administração pública. Corrupção passiva relativamente a um dos apelantes e corrupção ativa tocante ao outro. Crimes afiançáveis. Inobservância do art. 514, do Código de Processo Penal. Nulidade insanável. Procedência da preliminar de nulificação do feito suscitada no recurso do réu exercente de cargo público. Anulação do processo a partir do recebimento da denúncia, inclusive, relativamente a ambos os apelantes. Precedentes jurisprudenciais (...) (Ap. Crim. n. 28.644, Des. Relator Alberto Costa)
90 GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. As Nulidades do Processo Penal. São Paulo: RT, 2000, p.254. 91 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Editora Atlas, 2006. 18 ed., p. 579.
50
No entanto, o mesmo Tribunal de Santa Catarina entende que é
apenas caso de nulidade relativa a não observância do artigo supracitado. Colhe-se
desta corte:
A não observância do disposto no referido dispositivo legal (art. 514, do CPP) acarreta a penal nulidade relativa. E, em se tratando de nulidade relativa, ficou ela sanada por não ter sido argüida no momento processual oportuno (art. 571, I, do CPP) (RT 646/346) (Ap. Crim. n. 32.987, Des. Relator Aloysio de Almeida Gonçalves).
Assim, a defesa prevista no art. 514 do CPP, não é, portanto, ato
dispensável e passível de acarretar mera nulidade relativa, noutro vértice, é ato de
defesa obrigatório do procedimento dos delitos funcionais, cuja inobservância
acarreta irregularidade processual e constitucional, ensejando, conseqüentemente,
nulidade absoluta, por ofensa aos princípios constitucionais.
3.3 A DEFICIÊNCIA DO ATO DE NOTIFICAÇÃO ACARRETA NULIDADE?
A inobservância da notificação desse rito especial implica nulidade
relativa, conforme reiterada jurisprudência e doutrina, porquanto, dependendo do
teor da defesa preliminar oferecida, o juiz poderá, conforme preconiza o art. 516 do
mesmo Código Processo Penal, rejeitar a denúncia ou a queixa se estiver
convencido da inexistência de crime ou da improcedência da ação. Outrossim, dada
a possibilidade de realização de um contraditório breve, e também do exercício da
ampla defesa, parte da doutrina e jurisprudência entende que a falta de observância
desse rito induz nulidade absoluta.
No entanto, diante da divergência entre os Tribunais, trago a baila o
entendimento do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e
mesmo do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, os quais entendem que
é apenas caso de nulidade relativa a não observância rigorosa do preceito do art.
514, do Código de Processo Penal.
51
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou:
'FUNCIONÁRIO PÚBLICO. CRIME DE RESPONSABILIDADE FUNCIONAL. RESPOSTA PRÉVIA. FALTA DE CONCESSÃO DE OPORTUNIDADE PARA SUA APRESENTAÇÃO. NULIDADE RELATIVA SANADA PELA PRECLUSÃO. 'HABEAS CORPUS. NÃO OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 514 DO CPP. A NÃO OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL ACARRETA APENAS NULIDADE RELATIVA. E, EM SE TRATANDO DE NULIDADE RELATIVA, FICOU ELA SANADA POR NÃO TER SIDO ARGÜIDA NO MOMENTO PROCESSUAL OPORTUNO (artigo 571, I, do CPP)' (ementa - pág. 346).
E mais,
“PROCESSUAL PENAL. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. CRIME AFIANCAVEL. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PARA A RESPOSTA ESCRITA. FATO IMPUTADO OBJETO DE APRECIAÇÃO EM INQUERITO POLICIAL. NULIDADE RELATIVA E NÃO ABSOLUTA (JURISPRUDÊNCIA DO STF). ANULAÇÃO DO PROCESSO, NA INOBSERVANCIA RECORRIDA, A PARTIR DO RECEBIMENTO DA DENUNCIA, POR INOBSERVANCIA DO ART. 514 DO CPP. DIVERGENCIA JURISPRUDENCIAL. EMBORA RELATIVA A NULIDADE, ARGUIDA, EM TEMPO OPORTUNO, A OCORRENCIA DE PREJUIZO, DEVE A ALEGAÇÃO SER APRECIADA PELO TRIBUNAL A QUO. PROVIMENTO DO RECURSO PARA QUE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA PROSSIGA NO JULGAMENTO DA APELAÇÃO, MAS APRECIANDO, PRELIMINARMENTE, SE HOUVE OU NÃO PREJUIZO PARA A DEFESA. RE CONHECIDO E PROVIDO” (STF - RE 108485 / SP – Ministro relator CELIO BORJA, DJ 25/08/1987).
No voto do Ministro Moreira Alves (pág. 350) consta:
'A NULIDADE É ABSOLUTA QUANDO A NÃO OBSERVÂNCIA DE FORMALIDADE PROCESSUAL ACARRETA NECESSARIAMENTE PREJUÍZO. E ESSE NÃO É O CASO DA NÃO OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 514 DO CPP, EM QUE, NOS CASOS COMO O PRESENTE, EM QUE JÁ HOUVE CONDENAÇÃO DO PACIENTE EM AMBOS OS GRAUS DE JURISDIÇÃO, LHE FOI ASSEGURADA A MAIS AMPLA DEFESA, NO CURSO DA AÇÃO PENAL, O QUE, EVIDENTEMENTE, AFASTA A ALEGAÇÃO DE QUE, NA RESPOSTA QUE APRESENTARIA ANTES DO RECEBIMENTO OU NÃO DA DENÚNCIA, SERIA ELE CAPAZ DE CONVENCER O JUIZ DA INEXISTÊNCIA DO CRIME OU DA IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO' (Revista dos Tribunais, volume 646, páginas 346/350).
Nesse diapasão o Superior Tribunal de Justiça já decidiu:
'PROCESSUAL PENAL. NULIDADE RELATIVA. ARTIGO 514, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. 'A INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 514, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, GERA NULIDADE RELATIVA, SENDO IMPRESCINDÍVEL, À SUA DECRETAÇÃO, SE DEMONSTRE PREJUÍZO PARA A DEFESA DO RÉU ' (Recurso Especial n. 1.515-SP, 5. Turma do STJ, DJU de 19 de março de 1990, pág. 1.952).
Ainda,
52
PENAL E PROCESSUAL. HABEAS CORPUS. DEFESA PRELIMINAR. ARTIGO 514, CPP. AUSÊNCIA. NULIDADE RELATIVA. PREJUÍZO. NÃO COMPROVAÇÃO. ORDEM DENEGADA. CONCESSÃO DE REGIME DOMICILIAR. NÃO CONHECIMENTO. 1. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que a defesa preliminar, prevista no art. 514 do CPP é peça facultativa, cuja falta pode configurar nulidade relativa e, como tal, dependente de comprovação de prejuízo, sobretudo quando se trata de ação penal cujo rito prevê defesa escrita posterior ao oferecimento da denúncia (art. 104 da Lei nº 8.666/93). 2. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo comprovado para a acusação ou para a defesa.
A corte Catarinense em alguns acórdãos não diverge do
entendimento das cortes superiores, senão vejamos:
“PECULATO. NÃO APLICAÇÃO DO ARTIGO 514 DO CPP. MATÉRIA PRECLUSA. PRELIMINAR REJEITADA. POR SE CONSTITUIR EM NULIDADE RELATIVA, A INOBSERVÂNCIA DA REGRA DO ARTIGO 514, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, HÁ QUE SER ALEGADA EM TEMPO OPORTUNO, SOB PENA DE PRECLUSÃO” (Apelação Criminal n. 23.388, de Indaial, rel. Des. Marcio Batista, DJ/SC de 12.5.88, pág. 18).
Extraí-se da jurisprudência:
“A INOBSERVÂNCIA DO ARTIGO 514, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, GERA A NULIDADE RELATIVA DO PROCESSO QUE, POR NÃO TER SIDO ALEGADA EM TEMPO OPORTUNO, E, TAMBÉM, POR NÃO TER INFLUÍDO NA APURAÇÃO DA VERDADE OU NA DECISÃO DA CAUSA, É REJEITADA” (Apelação Criminal n. 21.300, de São Francisco do Sul, Des. Rel. Tycho Brahe Fernandes, DJ 03.04.1986, pág. 10).
Consoante iterativa jurisprudência, da qual retira-se:
“PROCESSO PENAL - NULIDADES - PROCEDIMENTO ESPECIAL DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS - DENÚNCIA BASEADA EM INQUÉRITO POLICIAL NO QUAL FOI OUVIDO O ACUSADO - NULIDADE INEXISTENTE - CERCEAMENTO DE DEFESA - INDEFERIMENTO DE REPERGUNTAS DA DEFESA PARA A VÍTIMA - PERGUNTAS INÚTEIS E IMPERTINENTES À SOLUÇÃO DA CAUSA - DEVER DO MAGISTRADO EM INDEFERI-LAS - PRELIMINARES AFASTADAS. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - CONCUSSÃO - MÉDICO QUE COBRA VALORES POR CIRURGIA REALIZADA EM PACIENTE CONVENIADO AO SUS - EXIGÊNCIA DE VALORES INDEVIDOS CONFIGURADA - DESCLASSIFICAÇÃO PARA CORRUPÇÃO PASSIVA EQUIVOCADA - IMPOSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO NESTA SEDE, SOB PENA DE SE INCORRER EM REFORMATIO IN PEJUS - CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE - RECURSO DESPROVIDO. SOBRESTAMENTO DOS EFEITOS DO ACÓRDÃO - RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA OPORTUNIZAÇÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 89 DA LEI N. 9.099/95 - DIREITO SUBJETIVO DO RÉU - POSSIBILIDADE MESMO DEPOIS DA PROLAÇÃO DE SENTENÇA” (Ap. Crim. n. 2004.032226-9, Des. rel. Torres Marques, DJ 29/03/2005).
53
Esta corrente jurisprudencial tem entendido que a não observância do
art. 514 do Código de Processo Penal gera nulidade relativa, devendo ser alegado
em tempo oportuno e com a efetiva demonstração de prejuízo.
Ademais, em recente julgado o Superior Tribunal de justiça, seguindo
diversos precedentes da Corte, proclamou a Súmula de número 330, “in verbis”: “É
desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514 do Código de
Processo Penal, na ação penal instituída por inquérito policial”.
Luiz Flávio Gomes92, ao interpretar a Súmula supracitada, aventa:
Os julgados que constituem os precedentes da Súmula 330 é possível, portanto, extrair a seguinte interpretação: a defesa preliminar do art. 514 do CPP é desnecessária quando houver inquérito policial instruindo a inicial acusatória, sendo necessária apenas quando a denúncia basear-se tão somente em documentos ou justificação (art. 513 do CPP), fornecidos juntamente com uma representação que é encaminhada ao Ministério Público. E mesmo nos casos em que não haja inquérito policial instruindo a ação penal, mas apenas essa representação com documentos ou justificação, ocorrerá apenas nulidade relativa se o juiz não notificar o acusado para oferecer a defesa preliminar, cuja decretação, portanto, dependerá de argüição tempestiva pela defesa (não podendo ser declarada ex officio) e de demonstração de efetivo prejuízo ao acusado. Essa é a interpretação da Súmula 330.
Analisando, por outro vértice, não podemos deixar de trazer à tona
entendimentos jurisprudenciais, que sustentam a tese de que a ausência de
notificação nos crimes funcionais acarreta nulidade absoluta, eis que impede a
realização de fase indispensável para a defesa do acusado, ferindo princípios
constitucionais, o do contraditório, ampla defesa e do devido processo legal.
Desse modo, o descumprimento do disposto no art. 514 do Código de
Processo Penal, pois, tratando-se o réu de funcionário público denunciado pela
prática de crime de responsabilidade, a exordial acusatória não deve ser recebida
sem que, a anteriori, tenha sido observada a providência ínsita no art. 514 do
92 www.lfg.blog.br/article.php?story=20070301085342591&mode=print, publicado em 01/03/2007 - 08:53.
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Código Instrumental Processual, notificando-o para, dentro do prazo de quinze dias,
responder à acusação por escrito.
Esse entendimento é deveras, minoritário, mas, inobstante o
posicionamento contrário, a inobservância do rito processual estatuído nos arts. 513
a 518 do CPP traz ao processo nulidade insanável, devendo ser declarada ex oficio,
independentemente de argüição da parte cumulada com a demonstração de
prejuízo.
Nesse sentido, JC 63/267, reportando-se à RT 583/328 e RJTJESP - vol.
101/410, e apresentando o aresto deste Egrégio Tribunal, a seguinte ementa:
Crime contra a administração pública - Concussão - Crime afiançável - Inobservância do art. 514, do CPP - Nulidade insanável - Anulação de ofício do processo a partir do recebimento da denúncia, inclusive - Com o advento da Lei n. 6.416/77, o delito de concussão, entre outros, passou a ser afiançável. Por conseqüência, imprescindível a aplicação do art. 514 do CPP antes do recebimento da denúncia, constituindo-se a omissão em nulidade insanável.
No mesmo diapasão, do Superior Tribunal de Justiça, lastreado na
doutrina e na jurisprudência dos Tribunais pátrios, inclusive do Supremo Tribunal
Federal, colhe-se a seguinte orientação:
“RECURSO DE HABEAS CORPUS. CRIME DE RESPONSABILIDADE DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO. SUA NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAR DEFESA PRELIMINAR (art. 514 do CPP). OMISSÃO. CAUSA DE NULIDADE ABSOLUTA E INSANÁVEL DO PROCESSO. OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL (art. 5º, inc. LV). Precedente acolhido pela Sexta Turma, no Recurso Especial n. 1.769-SP, em 10.9.91, no sentido de que, 'na esteira da melhor doutrina e jurisprudência da Suprema Corte, a omissão do contraditório preliminar, onde se assegura ampla defesa ao réu, a ponto de elidir a denúncia, dá causa à nulidade absoluta e insanável do processo, ainda que não tenha sido por ele argüida, ou demonstrado o prejuízo da defesa, ou que tenha sido já exonerado. É que a ofensa atinge a Constituição Federal, no que concerne aos princípios do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa. A nulidade absoluta decorre da certeza de ser o 'Direito Processual um dos ramos das ciências jurídicas de mais íntimo e próximo contato com os direitos constitucionais' (FREDERICO MARQUES). Nos presentes autos, conheceu-se do recurso e deu-se-lhe provimento, para anular-se o processo criminal a que respondeu o paciente, pelo crime do art. 317 do Código Penal, a partir do recebimento da denúncia (inclusive), a fim de que se cumpra o estabelecido no art. 514, do Código de Processo Penal" (Habeas Corpus n. 1.503 - GO, relatado pelo eminente Ministro José Cândido, publicado na RSTJ n. 34/64).
55
Extraí-se da jurisprudência da Corte Suprema:
“ARTIGO 514 DO CPP. FORMALIDADE DA RESPOSTA POR ESCRITO, EM CRIME AFIANCAVEL. NULIDADE ALEGADA OPORTUNAMENTE E, COMO TAL, IRRECUSAVEL, CAUSANDO A RECUSA PREJUIZO A PARTE E FERINDO O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA AMPLA DEFESA. 'HABEAS CORPUS' DEFERIDO” (HC 62635 / RJ – Ministro Relator OSCAR CORREA, DJ 08/02/1985).
E mais,
ARTIGO 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. FALTA DE NOTIFICAÇÃO DO ACUSADO PARA RESPONDER, POR ESCRITO, EM CASO DE CRIME AFIANCAVEL, APRESENTADA A DENUNCIA. RELEVÂNCIA DE FALTA, IMPORTANDO NULIDADE DO PROCESSO, PORQUE ATINGE O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA AMPLA DEFESA. EVIDENCIA DO PREJUIZO. "IN CASU", DEMAIS DISSO, DESIGUALDADE DE TRATAMENTO EM RELAÇÃO AO CO-RÉU. PEDIDO DE HABEAS CORPUS DEFERIDO (HC 60104 / SP - Ministro Relator OSCAR CORREA, DJ 14/09/1982).
A corte Catarinense já decidiu a respeito da não observância do art.
514 do CPP:
Crimes contra a administração pública. Corrupção passiva relativamente a um dos apelantes e corrupção ativa tocante ao outro. Crimes afiançáveis. Inobservância do art. 514, do Código de Processo Penal. Nulidade insanável. Procedência da preliminar de nulificação do feito suscitada no recurso do réu exercente de cargo público. Anulação do processo a partir do recebimento da denúncia, inclusive, relativamente a ambos os apelantes. Precedentes jurisprudenciais. Vedação da reformatio in pejus. Decretação, de ofício, da extinção da punibilidade dos apelantes pela prescrição da pretensão punitiva, na forma retroativa, a teor do disposto nos arts. 107, inciso IV, 109, inciso V, e 110, §§ 1º e 2º, todos do Código Penal (Ap. Crim. n. 28.644, Des. rel. Des. Alberto Costa, DJ 19/06/1995).
Poder-se-ia dizer que essa corrente defende a tese de que a lei
processual garante à época do oferecimento da denuncia, o direito ao funcionário
público de procurar evitar, com razões invencíveis, o seu envolvimento no fato do
qual está sendo investigado, ou seja, antes de iniciar o processo penal, o funcionário
tem o direito resguardado pela lei processual penal, de apresentar defesa preliminar,
cujo escopo principal é dar oportunidade ao investigado de demonstrar e evitar
terríveis repercussões no seio da sociedade, bem como salvaguardar tanto a
administração pública quanto o funcionário investigado.
56
Nesse mesmo compasso, à luz dos princípios constitucionais da atual
Carta Política, não seria possível ter-se apontado nulidade como simplesmente
relativa, com o aproveitamento dos atos processuais, eivados de nulidade. Pelo
contrário, esses vícios têm caráter absoluto, e anulam o processo em respeito os
ditames processuais.
Desse modo o Supremo Tribunal Federal já decidiu: “a nulidade
decorrente da falta de observância do dispositivo legal citado é insanável,
importando em violação do direito de defesa, assegurado pela constituição”. (RTJ
36/152)
Esse entendimento tem como escopo diligenciar a observância de
previsão legal, que determina o condicionamento do recebimento da denuncia à
reposta do acusado, que poderá ser instruída com documentos e justificações
plausíveis de forma a elidir o processo penal. Assim, ao suprimir a resposta escrita
prevista no art. 514 do CPP, oportunidade em que o juiz, ao receber a denuncia, dá
outro caminho ao rito adotado pela lei processual, está de certa forma cerceando a
defesa do réu.
Com todas essas considerações, filio-me à corrente minoritária, que
adota como caráter absoluto e insanável a violação da regra constitucional esculpida
no art. 5º, inciso LV, da CF/88, que assegura ao acusados em geral o direito à ampla
defesa, do contraditório e do devido processo legal.
Assim, o art. 514 é explicito: “Nos crimes afiançáveis, estando a
denúncia ou queixa em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a
notificação do acusado, para responder por escrito, dentro do prazo de 15 (quinze)
dias”.
Por fim, reporto-me novamente aos ensinamentos de Luiz Flávio
Gomes93, que arremata:
93
www.lfg.blog.br/article.php?story=20070301085342591&mode=print, publicado em 01/03/2007 - 08:53.
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O descumprimento da fase do art. 514 do CPP caracteriza, portanto, inadmissível violação ao constitucional principio do devido processo criminal. Recorde-se que o dues process of law retrata duas garantias: uma material, que é a garantia de um justo processo; e "uma garantia procedimental que consiste no prévio conhecimento das regras procedimentais que regulam o justo processo, obrigando, assim, o Estado-Administração da Justiça (a Justiça) a respeitá-las" . Esta garantia procedimental (devido processo judicial ou procedimental), que constitui uma das dimensões do devido processo criminal, impõe "que o processo deve se desenvolver conforme a lei (seguindo rigorosamente os ditames da lei).
E mais. Como é sabido, o inquérito policial é procedimento inquisitivo, não havendo nele o direito ao contraditório e à ampla defesa, uma vez que a investigação policial é mera colheita de provas, não existindo ainda nessa fase policial, "instrução" processual no sentido estrito, nem acusação formal. Assim sendo, a existência ou não de inquérito policial em nada anula a necessidade da defesa preliminar, porquanto na fase investigatória o suspeito ou indiciado não pode exercer o efetivo contraditório, nem a ampla defesa. De outro lado, a existência de inquérito policial não é uma garantia de que foram reunidas provas necessárias para a justa causa requerida no limiar da ação penal. Outro equívoco da súmula em questão (330) consiste em pressupor o que deve ficar evidenciado na fase contraditória prévia ao recebimento da denúncia. Em outras palavras, ela pressupõe satisfeita a justa causa com a simples existência do inquérito policial, quando na verdade o que a lei manda é que se verifique dentro do contraditório se existe ou não justa causa para a ação penal. Aliás, como a defesa preliminar tem a ver com o ato de recebimento ou rejeição da denúncia (ou queixa), somente após o oferecimento da exordial (da formalização da acusação) é que o acusado poderá a ela responder e tentar demonstrar ao juiz a inviabilidade da ação penal. Na fase inquisitória isso é impossível, porquanto não existe ainda denúncia oferecida e não é possível sequer saber se haverá e qual será seu exato conteúdo. Na verdade, a defesa preliminar do art. 514 do CPP, seja qual for sua finalidade, é o primeiro ato procedimental do direito de ampla defesa do funcionário acusado de um crime funcional. A primeira e única oportunidade para ele contraditar, no juízo a quo, os termos da inicial acusatória, na tentativa de demonstrar ao Juiz a inviabilidade da ação penal e assim impedir um processo eventualmente desnecessário e descabido.
Dessa forma, indispensável que assegurem aos funcionários públicos
todas as regras processuais pertinentes a sua defesa, uma vez que é ato de defesa
obrigatório do procedimento dos delitos funcionais, cuja inobservância acarreta
irregularidade processual e constitucional.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Urge salientar a importância do tema sub examine. Sem dúvida
apaixonante, eis que a legislação processual prevê procedimento especial aplicável
aos crimes afiançáveis praticados por funcionários públicos contra a administração
em geral, tipificados nos artigos 312 a 326, do CP. O procedimento especial previsto
pelo Código de Processo Penal disciplinado nos arts. 513 a 518 são somente
aplicáveis aos crimes funcionais afiançáveis, conforme dispõe o art. 514 do referido
diploma legal.
A finalidade do art. 514 do CPP, ao determinar que o juiz, antes de
receber a denúncia, mande notificar o acusado para apresentar defesa preliminar
(resposta escrita), em 15 dias, é de proteger o interesse público, evitando que o
funcionário em exercício seja temerariamente processado, com prejuízo ao normal
andamento da atividade administrativa.
Á luz da jurisprudência e da doutrina pátria vislumbra-se total
divergência no que tange à ausência de notificação do agente Público para
apresentação de defesa preliminar nos processos acobertados pelo procedimento
especial do art. 514 do CPP, acarretaria nulidade absoluta ou relativa. Desse modo,
sabido que as invalidades processuais suscitam inúmeras interpretações e, por
vezes, muitos equívocos, que grandes processualistas empenham-se em dissipar.
Como visto a divergência gira em torna se a falta de notificação resulta
em nulidade absoluta, pois impede a realização de fase essencial para a defesa do
réu, mesmo que anterior ao recebimento da acusação. Noutro sentido é
entendimento a falta de notificação preliminar é causa de nulidade relativa, que deve
ser alegada em tempo oportuno.
Assim sendo, após todas essas considerações, filio-me a corrente dos
que adotam o entendimento que a ausência de notificação para apresentação de
defesa preliminar acarreta nulidade absoluta, insanável, eis que a lei processual
penal adotou o procedimento especial a fim de proteger os interesses dos
funcionários públicos e da administração pública que eles representam, evitando-se
59
denúncias incabíveis e desnecessárias, que possam causar transtornos ao regular
funcionamento dos serviços públicos.
Ademais, a inobservância do procedimento supracitado fere o sistema
de defesa do acusado, consagrada pela Constituição Federal de 1988, em seu art.
5º, Inciso LV como o princípio do contraditório, da ampla defesa, não podendo
excluir do processo a notificação do acusado.
O juiz processante, ao receber a denuncia, sem notificar o acusado
para apresentar resposta preliminar que alude o art. 514 do Código de Processo
Penal, altera o rito processual recomendado, cerceando a defesa do réu.
Portanto, conclui-se que a norma é imperativa. Ela determina o amplo
sistema processual de defesa do acusado. Desse modo, não pode excluir do
processo a notificação prévia do acusado, eis que sua não observância acarreta
vício insanável, devendo o processo ser anulado em sua integralidade.
60
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Editora Ltda., 1989.
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