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76O Pensamento Musical de Claude Lévi-Strauss: Notas de Aula
Rafael José de Menezes Bastos2005
Antropologia em Primeira Mão é uma revista seriada editada pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC). Visa a publicação de artigos, ensaios, notas de pesquisa e resenhas, inéditos ou não, de autoria preferencialmente dos professores e estudantes de pós-graduação do PPGAS.
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ISSN 1677-7174
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Catalogação na Publicação Daurecy Camilo CRB-14/416
Antropologia em primeira mão / Programa de Pós Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal de Santa Catarina. —, n.1 (1995)- .— Florianópolis : UFSC / Programa de Pós Graduação em Antropologia Social, 1995 -
v. ; 22cm
IrregularISSN 1677-7174
1. Antropologia – Periódicos. I. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós Graduação em Antropologia Social.
O Pensamento Musical de Claude Lévi-Strauss: Notas de Aula1
Rafael José de Menezes Bastos2
Pretendo aqui tratar de alguns aspectos do pensamento musical de Lévi-Strauss.
Somente alguns – e brevemente -, dentre aqueles que considero importantes em sua
obra. Tenho ensaiado incursões mais encorpadas alhures3. Note-se que minha intenção é
antes procurar compreendê-lo que propriamente critica-lo, o que equivaleria a repetir o
que muitos já fizeram, inclusive eu mesmo, e continuam a fazer. Desejo, enfim, abordar
Lévi-Strauss – de maneira breve, vale repetir - do ponto de vista daquele aspecto que
entendo como o mais rico no que diz respeito aos seus escritos sobre a música. É minha
convicção que Lévi-Strauss é um grande pensador sobre a música ocidental, do tope dos
maiores, o que poucos têm levado a sério. Isto ele é a partir de sua face de aficionado
cultivado - e ardoroso - desta música.
A produção acadêmica, e não, sobre esse tema – o pensamento musical de Lévi-
Strauss - é grande, privilegiando a abordagem da relação que o autor estabelece entre o
mito e a música, relação vista pela grande maioria dos comentadores de sua obra como
uma espécie de capítulo – vamos dizer assim – de seu pensamento sobre o mito,
pensamento como se sabe de grande impacto nas ciências humanas, na filosofia e nas
artes4.
Começo dizendo que Lévi-Strauss muito pouco trabalhou sobre as músicas
indígenas propriamente ditas. Se não me falha a memória, o grosso de sua contribuição
neste ponto está no segundo volume das Mitológicas (1967), ao que se pode acrescentar
algo mais em Tristes Trópicos (1986 [1955]). Pouco mais haverá, creio. Nos dois casos,
porém – especialmente no primeiro -, sua ênfase está antes nos instrumentos musicais
que na música, ela mesma. Quer dizer: quem se dispuser a encontrar na obra de nosso
1 Uma versão anterior deste texto, intítulada Claude Lévi-Strauss & Música: Notas Esparsas, está no prelo, num livro a sair em 2006, organizado por Samuel Araújo, Gaspar L. Paz e Vicenzo Cambria. Os dois textos são desenvolvimentos de uma palestra apresentada no evento Música em Debate III, realizado pelo Laboratório de Etnomusicologia da UFRJ no Rio de Janeiro em 25/11/2004. Obrigado a Samuel Araújo pelo convite, e aos demais participantes do evento pela troca de idéias.2 Professor do Departamento de Antropologia da UFSC (rafael@cfh.ufsc.br).3 Como em (1978 [1999], 1982, 1990a, 1990b, 1993, 1995, 1966) e dois livros em preparação.4 Para a consideração deste impacto nos campos musicológicos, ver, entre tantos outros textos, Nattiez (1971, 1973a, 1973b), Imberty (1979, 1981) e Pousseur (1971). Conforme os trabalhos referidos na nota 2 para um mapeamento mais sistemático. Veja Merquior (1975) sobre a estética em geral do autor, com admiráveis páginas sobre a música.
4
autor – justamente famoso pelo pensamento mito-musical – reflexões e informações
sobre as músicas ameríndias, muito pouco irá encontrar.
Estou convencido de que isto não é uma omissão, casual ou não, resultando, isto
sim, de uma posição sistemática sua, mesmo que se possa argumentar com base na sua
conhecida posição em relação às “músicas étnicas”. Recorde-se que ele uma vez
declarou que estas não exercem sobre ele a mesma “força sugestiva” que a música tonal
ocidental (Nattiez 1973a: 6)5.
Lévi-Strauss, então, quase não aborda as músicas indígenas elas mesmas, um
dos motivos mais fortes, aliás, das muitas críticas que recebeu por parte dos integrantes
das musicologias6. Mas ele dedica-se com fervor - e grande abrangência - a elaborar um
pensamento muito marcante sobre as relações entre o mito, típica mas não
exclusivamente o ameríndio, e a música, tonal ocidental (doravante aqui, música
ocidental). Mas o que, mais precisamente, pensa ele sobre essas relações?
Permita-se-me assim expressar-me: para Lévi-Strauss, tudo se passa como se a
música ocidental fosse, ela mesma, mito, ou melhor, manifestação suprema no mundo
ocidental - durante determinada época - do pensamento mítico. No universo primitivo,
para ele, curiosamente, isto não se dá – ali ele pode até “se sentir exaltado por uma
música primitiva, mas por motivos não exclusivamente musicais: em razão do contexto
ritual, social, étnico” (Nattiez 1973a: 6, tradução e ênfases minhas).
O autor elabora essa provocante senha - onde o “exclusivamente musical”
compõe com o “contexto” um enigma bem ao gosto do pensamento musical ocidental
moderno7 – cumulativamente. De maneira esquemática, eu diria que a partir das
Mitológicas (na Abertura II de O Cru e o Cozido e no já citado Finale), com
consolidação num pequeno e magnífico texto, Mito e Música8. Vale dizer que ao
produzi-la ele o faz com base em sua condição de conhecedor cultivado da vida musical
de concerto – como ele modestamente diz, através do rádio - e da literatura musical e
musicológica sobre ela. 5 Sobre a força sugestiva, sobre ele, da música ocidental – referida tantas vezes no decorrer de sua obra -, de imediato recordo a famosa passagem dos Tristes Trópicos sobre a invasão obsessiva de seu espírito, em Mato Grosso, pelo Estudo nº. 3, opus 10, para piano, de Chopin (Lévi-Strauss, 1986: 373-374).6 Ver Menezes Bastos (1999: 52-54, 1990: 41-42) para o mapeamento dessas críticas, muitas delas por demais amarradas à diplomacia dos campos intelectuais antropológico e musicológico. Para as incursões musicológicas do autor – que em nada são ingênuas -, veja o Finale do L’Homme Nu e alguns dos textos de Olhar, Escutar, Ler (1997a). 7 Refiro-me ao pensamento sobre a música clássico-romântica. Brevemente, aí a música é imaginada como uma entidade quase, por assim dizer, “em estado puro e livre de qualquer encarnação” (veja adiante, como a matemática para Lévi-Strauss). Tenho tratado disto em vários textos (por exemplo, 1990a, 1995, 1996).8 Conforme respectivamente Lévi-Strauss (1991 [1964], 1971 e 1979 [1978]).
5
Em Mito e Significado, Lévi-Strauss deixa de estabelecer as relações em
comentário no plano tão somente da similaridade – como fizera tipicamente nas
Mitológicas I -, saltando para aquelas do plano de contigüidade, conforme avançara no
último volume da célebre tetralogia. Quanto às primeiras, tudo talvez possa ser
resumido na idéia de partitura orquestral, onde a leitura deve ser feita simultaneamente
da esquerda para a direita (e, pois, horizontalmente) e, em sentido vertical, de cima para
baixo (curiosamente, não de baixo para cima)9. “Como é que isto acontece e por quê?”,
pergunta-se ele, logo avançando que as relações de contigüidade constituem a chave
para as primeiras (1979: 67-68).
Eis a chave: quando o pensamento mítico passou para segundo plano no
ocidente – entre a Renascença e o século XVIII –, começaram a surgir os primeiros
romances e os grandes gêneros da música ocidental. No campo da música, com
Frescobaldi (1583-1643) e Bach (1685-1750), o que vai atingir seu pico adiante, com
Mozart (1756-1791), Beethoven (1770-1827) e Wagner (1813-1883) [: 68-69], sempre
de acordo com o autor10. Note-se que no Finale, Lévi-Strauss colocara que o romance e
a música partilhavam, entre as épocas de Frescobaldi e Bach, a herança do mito, sendo
que com a invenção da fuga deu-se um descolamento entre os dois, a música assumindo
“as estruturas do pensamento mítico” e o romance, de mítico tornando-se romanesco (:
583)11. Noto que esta tese é compatível com a de Spengler, que considera o século
XVIII como o período em que o indivíduo, no ocidente, comete o teícídio,
entronizando-se como Deus ex-nihilo na religião da arte12.
Para o autor, então, o pensamento mítico no ocidente moderno deixa de ter
consistência no campo mitológico propriamente dito, migrando inicialmente para a
literatura e a música, logo passando, porém – sob o império da arte da fuga –, a ter
residência específica no domínio da música, ali onde suas “funções intelectuais e
também emotivas” encontraram condições de pleno desenvolvimento (1979: 69).
Sugiro, assim, que não resulta de omissão a ausência na obra de Lévi-Strauss de
maiores dados e elaborações sobre as músicas ameríndias, consistentemente
9 A idéia da partitura como símile do mito já havia sido posta pelo autor pelo menos desde 1955 (veja 1970a: 232). Disse “curiosamente”, pois a leitura de baixo para cima (que não se confunde com a de sentido avesso) é tão legítima quanto esta. Eventualmente – no contexto da música clássico-romântica -, a leitura do grave para o agudo privilegiaria o plano harmônico. Do agudo para o grave, o melódico. 10 Ver Menezes Bastos (1996: 156-160, 176, nota 12).11 A fuga a que Lévi-Strauss se refere é a bachiana (1979: 72-73).12 Tratei deste cruzamento entre Lévi-Strauss e Spengler (veja 1973) em 1990, 1995 e 1996. No mesmo Finale (: 584), diz Lévi-Strauss, sem referir-se a Spengler: “quando o mito morre, a música torna-se mítica da mesma maneira que as obras de arte, quando a religião morre, cessam de ser simplesmente belas para se tornarem sagradas” (tradução minha).
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compensada por uma forte presença de reflexões sobre a música ocidental. É minha
opinião que, quanto à música, o fundamental na obra em tela é a composição, ela
mesma, dessa relação - entre o mito (como disse, ameríndio mas não só) e a música
(ocidental) - a partir de um insight muito poderoso: a música ocidental e o mito
ameríndio são manifestações equivalentes do pensamento mítico. A música primitiva? -
Está no mundo do contexto.
Poder-se-ia dizer de tudo isso: “Mein Reich ist in der Luft”. É óbvio apontar,
mas entendo que é relevante: o pensamento musical de Lévi-Strauss é um pensar sobre
o ocidente, tendo enquanto tal tanto interesse quanto o de outros intelectuais da mesma
estatura quanto a isto. Por exemplo, Weber e Adorno13. Será possível, enfim, pensar o
ocidente sem a música ocidental?
Ainda no Finale, Lévi-Strauss aborda a música sob uma ótica mais abrangente,
mantendo-a ao lado do mito e incluindo os dois no rol “das quatro famílias de ocupantes
maiores dos estudos estruturais”, juntamente com as entidades matemáticas e as línguas
naturais. Sua intenção com isto – que qualifica como uma hipótese - é estabelecer as
relações mito-música de maneira mais clara e convincente (: 578).
No caso das entidades matemáticas, o autor ressalta que elas consistem de
estruturas “em estado puro e livres de qualquer encarnação”. Sendo elas assim, Lévi-
Strauss - recordando Saussure - vai apontar que elas mantêm uma relação de oposição
com os fatos da língua, duplamente encarnados, pelo som e pelo sentido. As entidades
matemáticas e lingüísticas ocupam, então, pólos opostos de um mesmo eixo no presente
esquema de Lévi-Strauss. A música e o mito desenham o segundo, nele posicionando-se
de maneira também oposta: no caso da primeira, a estrutura “descola-se do sentido e
adere ao som”. Quanto ao mito, dá-se o inverso – “descola-se do som e adere ao
sentido” (: 578).
Do ponto de vista da encarnação – pelo sentido e pelo som -, as quatro famílias
em tela assim constroem, segundo o autor, um contínuo. Neste, as matemáticas são as
mais imunes, as lingüísticas as menos, as musicais e míticas sendo intermediárias. Por
fim, diz ele, a música é a linguagem – leia-se, a língua falada - sem o sentido. O mito? -
O inverso, o sentido sem o som (: 579). Não deixa de aqui comparecer, de maneira
implícita, o pitagorismo da aproximação das entidades musicais com as matemáticas,
recordação por parte de Lévi-Strauss do quadrívio medieval.
13 Recordo que para Weber a grande marca da música ocidental é a racionalidade, enquanto que para Adorno, a ratio progressiva (Menezes Bastos 1990a, 1995, 1996).
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O chão de todo esse exercício comparativo é dado pelo entendimento da língua
falada como a entidade que preexiste às demais (: 579). Mas, que tipo de preexistência
será esta? Ademais: de dentro de que antropologia Lévi-Strauss formula esse esquema
tão absolutamente insinuante?
Estas duas questões remetem minha reflexão aos primórdios da obra do autor, ali
onde ela é, por assim dizer, programada - aos textos republicados como os capítulos II-
V e XV-XVII de Antropologia Estrutural (1970 [1958]), a As Estruturas Elementares
do Parentesco (1976 [1949]) e a Tristes Trópicos. Muito brevemente falando: ali ele,
apropriando-se de um lado da semiologia de Saussure e do estruturalismo lingüístico da
escola de Praga – neste, Jakobson ocupando posição destacada; das matemáticas
qualitativas, desenvolvidas, entre outros, nos campos das teorias da informação e dos
jogos, e da cibernética – Wiener aqui sendo central; e, de outro, da teoria da
reciprocidade de Mauss, busca compreender o homem sob a moldura geral da
comunicação – “Quem diz o homem diz linguagem, quem diz linguagem diz sociedade”
(1986: 385).
Neste quadro, a precedência em consideração – a da língua falada sobre as
demais entidades abarcadas pelos estudos estruturais - parece evidenciar-se no plano
absolutamente radical da filogenia da espécie humana e, aí, da passagem do estado de
natureza para o de cultura. Isto, porém, merece ser abordado com generosidade – dir-se-
ia, de maneira “nuançada” -, não se perca de vista a polissemia com que o termo
linguagem é administrado pelo autor, o que inclui desde seus sentidos mais restritos ao
campo lingüístico até aqueles que apontam para a semiologia como domínio geral dos
estudos sobre os sistemas de signos, passando pelas suas acepções mais propriamente
antropo-sociológicas (conforme a noção de troca).
Em Totemismo Hoje (1975 [1962: 104-105]), abraçando as idéias de Rousseau
sobre a origem das línguas, Lévi-Strauss toma o partido de pensar a música (para ele,
sempre humana já que mesmo o canto dos pássaros – para não falar daqueles dos cães e
das baleias - não lhe aparece como propriamente musical [1991: 27, nota 6]) por assim
dizer, originária como pré-verbal, ligada (como a poesia) ao mundo das paixões. A
língua é posterior, pertinente ao universo da intelecção e significadora distintiva do
advento da cultura (: 104). O autor parece estabelecer, então, as relações música-língua
falada em termos ordinais no processo de hominização.
Em As Palavras e a Música (1997b), resgatando as idéias de Chabanon –
diferentes das de Rousseau e Rameau, particularmente por não associar a origem da
8
música com a da língua -, o autor assume uma posição algo distinta desta, apontando
para uma relação de ordem mais cardinal entre música e língua. Fazendo justiça a
Chabanon pela antecipação, no século XVIII, de pontos que a semiologia Saussereana
consolidará e recorrendo a Jakobson na comparação entre a música e a poesia – no
limite, a língua -, ele resume as diferenças entre as duas dizendo que “a música não tem
palavras”, sendo uma linguagem, assim, que “exclui o dicionário” (: 71). Ele então
retroage à sua célebre tese de O Cru e o Cozido: a música somente é traduzível por ela
mesma, sendo a linguagem que por excelência obtém transcender a oposição entre o
sensível e o inteligível (: 22), “o supremo mistério das ciências do homem, contra o qual
elas esbarram, e que guarda a chave de seu progresso” (: 26). É de dentro dessa
antropologia, uma semiologia geral enquanto suma das ciências do homem – onde a
matemática é tão objeto quanto o mito, a língua e a música -, que Lévi-Strauss propõe
seu admirável esquema.
Desde, pelo menos, Barlow e Morgenstern (1949) que a música – melhor
dizendo, a musicologia ou, mesmo, a teoria musical ocidental - inclui o dicionário e,
pois, algo – mutatis mutandis - como a palavra. Dicionário de temas, no caso
organizado por compositor. Note-se que esse tipo de obra em nada é excêntrica no
cenário da música ocidental, radicada que está no labor dos tratadistas medievais e, há
cerca de pelo menos trinta anos, tendo ampla continuidade na área de estudos da
inteligência musical (veja Meek e Birmingham 2003).
Mas o que será um dicionário de temas? O que será um tema? Haverá, enfim,
alguma linguagem efetivamente traduzível - intersemioticamente - em outra? Como
“digo”, por exemplo, “pedra” em “pintura (por exemplo, de Monet)”? Tudo começa,
aqui, com o que será “dizer” - no plano intersemiótico. Evidentemente que no jogo ora
sendo feito não valem respostas tipo “’anthropology’ é ‘anthropologie’, que é
‘antropologia’”, etc, pois assim estaremos congelados na mesma linguagem em termos
intersemióticos (língua falada).
Sugiro que nas Mitológicas Lévi-Strauss, ele mesmo, tangencia um dos enigmas
(palavra que prefiro a mistério, no caso da inquirição antropológica) da música. Isto, ao
analisar o mito sob inspiração da idéia de tema & variação, apontando simultaneamente
para a noção de motivo - átomo do estrato sintático da música - e para os processos
variacionais através dos quais os motivos são elaborados na trama musical: inversão,
oposição e tantos outros mais.
9
O que é um motivo? – Digamos que algo, de um lado, da natureza do tema –
coisa que ninguém pode denegar à música (é claro que não a toda, mas a alguma) - ao
mesmo tempo em que similar a um assunto ou tópico, o que muitos (tipicamente,
músicos e aficionados, como Lévi-Strauss, da música clássico-romântica ocidental)
recusam ter existência no campo musical. Um motivo é uma causa ou agitação
elementar (motivus), um tema minimal. Algo, enfim, como uma palavra ou, melhor
dizendo, tema, raiz, radical do campo da língua falada14.
Não creio, assim, que um dos problemas – expressemos desta maneira o que
chamei de enigma e que Lévi-Strauss compreende como mistério – da música seja que
ela exclua a palavra e, assim, o dicionário. O problema que Lévi-Strauss levanta,
apontando somente para a música – e, assim, recontando o mito que constitui a própria
música ocidental, não qualquer uma mas tipicamente a clássico-romântica -, seria, se o
fosse realmente, um problema geral das linguagens. De todas e de qualquer uma, caso a
inquirição se estabeleça no plano da tradução intersemiótica, pensada esta em termos
sinonímicos ou da reprodução dos mesmos sentidos pelas diferentes linguagens. Trata-
se – é o que penso – de um falso problema. No campo antropológico, vale dizer, pois
não no da mitologia da música ocidental. Recordando o que eu mesmo disse uma vez,
sobre a questão: as linguagens ou “subsistemas envolvidos na trama intersemiótica na
verdade constituem, um a um, esforços de expressão significante de significados de
outros canais, deslocando-os, no entanto, através dos novos significados, conseqüentes,
que mimeticamente produzem” (Menezes Bastos 2001: 347).
Referências
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Imberty, Michel. 1979. Entendre la Musique: Sémantique Psychologique de la
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--------------------. 1981. Les Écritures du Temps: Sémantique Psychologique de la
Musique. Tome 2. Paris: Bordas.
14 Tratei disto em 1990.
10
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11
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12
ANTROPOLOGIA EM PRIMEIRA MÃO
Títulos publicados
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2. MENEZES BASTOS, Rafael José de e Hermenegildo José de Menezes Bastos. A Festa da Jaguatirica: Primeiro e Sétimo Cantos - Introdução, Transcrições, Traduções e Comentários, 1995.
3. WERNER Dennis. Policiais Militares Frente aos Meninos de Rua, 1995.
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7. RIAL Carmen Silvia. Os Charmes dos Fast-Foods e a Globalização Cultural, 1995.
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