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A MÁSCARA MUTANTE DO CONSUMISMO
Rafael Leonardo da Silva Orientadora: Profª. MS. Laura Taddei Brandini
RESUMO O presente trabalho foi desenvolvido no âmbito de dois projetos de pesquisa do departamento de Letras Estrangeiras Modernas da Universidade Estadual de Londrina desenvolvidos entre 2010 e 2011. Nesses projetos, de responsabilidade da Profa. Me. Laura Taddei Brandini, foram feitas leituras de textos presentes no livro Mitologias, de Roland Barthes, em que o autor pretende realizar “uma crítica ideológica da linguagem da cultura dita de massa” (BARTHES, 2009). Para tal, o livro é dividido em textos em que o autor apresenta mitologias, neste caso, os sistemas de signos culturalmente construídos que são adotados pela sociedade como padrões. Seguindo a mesma estrutura e teoria que permeiam as mitologias de Barthes, apresento, neste trabalho, uma crítica ao consumismo, analisando principalmente um vídeo publicitário do brinquedo Max Steel: Turbo Missions, procurando interpretar a ideologia por trás de propagandas de bonecos infantis. A análise, porém, não se restringe apenas ao consumismo infantil. Procuro mostrar que, apesar de ocorrer por razões diferentes, o consumismo adulto também existe. Palavras chave: Roland Barthes, mitologias, consumismo
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Introdução
O presente trabalho foi desenvolvido no âmbito de um projeto
de pesquisa do curso de Letras Estrangeiras Modernas da Universidade
Estadual de Londrina. Nesse projeto, de responsabilidade da Profa. Me. Laura
Taddei Brandini, intitulado “A recepção à obra de Roland Barthes no Brasil”,
inclusive do livro Mitologias, objeto central desse estudo.
Este trabalho se divide em quatro partes: na primeira, apresento
uma breve biografia do autor até a publicação de Mitologias. Após isso,
descrevo a obra e os textos nela presentes. Em seguida, há uma descrição da
mitologia de Barthes intitulada Brinquedos, que me inspirou a escrever este
trabalho. Por fim, apresento a minha própria mitologia, “A máscara mutante do
consumismo”, baseada nos estudos da obra de Barthes.
1. Roland Barthes
Roland Barthes nasceu em Bayonne, na França, em 12 de
novembro de 1935. Perdeu o pai antes de completar um ano de idade, e desde
então vivera apenas com sua mãe, Henriette Barthes, com quem mudou-se
para Paris em 1924.
Desde a sua adolescência, Barthes já demonstrava alguns dos
interesses que se refletiriam em suas obras futuras. Ia frequentemente ao
teatro, possuía ideias socialistas e, junto a seu amigo Phillipe Rebeyrol,
pensava em tornar-se um escritor. Porém, naquela época, sonhava em
escrever romances, ideia da qual desistiu ainda em sua juventude.
Um aspecto marcante de sua vida é a tuberculose. Em 1934, os
primeiros sinais da doença começaram a se mostrar. Barthes foi enviado para
as montanhas como uma tentativa de melhorar sua saúde. O autor descreve
este período como de profundo tédio e frustração, pois suas únicas
companhias eram suas leituras e ele estava impossibilitado de seguir em sua
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carreira acadêmica. Após uma temporada nas montanhas, Barthes se sente
melhor e retoma seus interesses.
Os anos seguintes foram turbulentos para o escritor, que
começou a lecionar em Biarritz, não muito longe de sua cidade natal, Bayonne,
mas teve de deixar o cargo devido ao agravamento de sua doença. Apenas em
1946 Barthes começa a escrever para a revista Combat o que viria a se tornar
O Grau Zero da Escritura.
Após viver em cidades como Bucareste, na Romênia, e
Alexandria, no Egito, Barthes volta para Paris para trabalhar no Ministério das
Relações Exteriores. Em 1952, publicou um texto irônico na revista Esprit
chamado “O mundo do catch”. Cinco anos depois, estes textos e muitos outros
seguintes se tornariam o seu “Mitologias”, que inspirou este trabalho.
2. Mitologias
Este livro, publicado em 1957, reúne textos escritos pelo autor
entre 1954 e 1956. Barthes pretende, nessa obra, fazer “uma crítica ideológica
da linguagem da cultura dita de massa” (BARTHES, 2009, p. 6). Para tal, o livro
é dividido em textos em que o autor apresenta mitologias, neste caso, os
sistemas de signos culturalmente construídos que são adotados como padrões
na sociedade francesa da época.
O mito, para Barthes, é uma fala que transmite uma mensagem,
e
Pode, portanto, não ser oral; pode ser formada por escritas ou representações: o discurso escrito, assim como a fotografia, o cinema, a reportagem, o esporte, os espetáculos, a publicidade, tudo isso pode servir de apoio à fala mítica. (BARTHES, 2009, p. 200)
Deste modo, tudo que nos cerca e nos permite uma
interpretação poderia ser analisado, tornando-se um mito.
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Barthes faz uma análise de propagandas, objetos culturais e
eventos da França de seu tempo, desconstruindo as crenças que permeiam
esses textos e acontecimentos, apontando, desta forma, intenções políticas e
publicitárias por trás de tais mensagens. Nos textos presentes em Mitologias,
Barthes procura sempre introduzir o tema sobre o qual falará e o seu
direcionamento na análise. Em seguida, o autor analisa o objeto – o signo –
que é o resultado de um processo de significação entre um significante e um
significado. Segundo ele, “o plano dos significantes constitui o plano de
expressão e o dos significados o plano de conteúdo” (BARTHES, 1985, p. 43).
Procuro, neste texto, seguir a mesma estrutura e teoria que permeiam as
mitologias de Barthes.
3. Brinquedos
Para produzir o presente trabalho, inspirei-me na mitologia
Brinquedos.
Barthes introduz este texto dizendo que “[...] [brinquedos] são
reproduções em miniatura de objetos humanos” (2009, p. 59). O autor baseia
sua mitologia no argumento de que brinquedos, em sua maioria, são apenas
imitações de objetos utilizados por adultos, como estojos de instrumentos
médicos em miniatura, trens e brinquedos marcianos.
Segundo o autor, tais objetos têm a finalidade de preparar a
criança para funções adultas, para que possam aceita-las funções futuramente.
Desse modo, as ações da criança nunca são executadas por sua livre e
espontânea vontade, mas sim devido a uma imitação daquelas ações
realizadas por adultos utilizando objetos similares. Em sua mitologia, Barthes
exemplifica citando objetos como os mencionados acima, mas aproprio-me
desta ideia e atualizo-a para estender a imitação também a ações fictícias
produzidas por computador que podem ser observadas em vídeos publicitários
nos dias atuais.
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Em sua mitologia, o autor critica exclusivamente o brinquedo
francês na década de 50. É sabido, porém, que esta é uma questão universal e
pertinente a nosso presente. Tais objetos, hoje, supostamente, deveriam
contribuir para que a criança exercesse sua criatividade, mas o que se vê é o
contrário. No caso de brinquedos de instrumentos médicos que podem ser
encontrados em qualquer loja de brinquedos, não há outra maneira de utilizá-
los senão em uma simulação de uma consulta médica ou uma cirurgia. Trens
em miniatura podem apenas mover-se para frente e para trás, conforme a
vontade da criança. E, por fim, como será observado na presente mitologia que
criei, vídeos publicitários de bonecos oferecem uma linha de ação pronta a ser
repetida.
4. Mitologia: A máscara mutante do consumismo
O consumismo é como uma máscara que se modifica com o
tempo e se torna praticamente impossível de ser detectada. Quando crianças,
enxergamos nos bonecos aquilo que gostaríamos de ser, uma máscara que
sonhamos usar, como a fantasia que esconde a identidade de um super-herói.
Quando adultos, enxergamos nos carros a maneira que gostaríamos de ser
vistos – uma máscara para esconder o que realmente somos.
Comecemos por vídeos publicitários de brinquedos, que
incentivam o consumismo em uma faixa etária que possui pouco ou nenhum
senso crítico. Trinta segundos são necessários para que um vídeo
aparentemente inocente se revele repleto de pequenas estratégias de
convencimento, se submetido a uma análise mais cuidadosa.
Podemos tomar como exemplo o pequeno filme de propaganda
“Max Steel: Turbo Missions”, veiculado em 2009, produzido pela empresa
Mattel. 1 Neste vídeo, são apresentados três bonecos, inseridos em um enredo:
o herói, seu ajudante e o vilão. Max Steel, o herói, é atacado por um inimigo de
aparência não humana com acessórios, armas denominadas “oito cristais
1 Vídeo disponível em: <www.youtube.com/watch?v=algpoklLZRI>. Acesso em: 30 maio 2012.
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poderosos”, que o deixam fora de combate. Após isso, aparece o ajudante,
também com seus atributos devidamente descritos. Este, por sua vez, ataca o
vilão, que sofre danos, mas contra-ataca e derrota seu oponente. Neste
momento, ressurge Max Steel, que finalmente destrói o inimigo.
Em uma época na qual as crianças parecem cada vez mais
precoces, pedindo como presentes celulares e computadores ao invés de
brinquedos, é necessária uma maior criatividade para divulgar um produto.
Como o público-alvo costuma passar horas em frente ao aparelho de TV,
assistindo, na maior parte das vezes, a desenhos animados, uma narrativa
para divulgar brinquedos se torna essencial. Muitas dessas animações
apresentam super-heróis que defendem causas socialmente nobres, protegem
os cidadãos comuns e combatem o crime. Por apresentar elementos
fantásticos em suas narrativas, os desenhos animados frequentemente têm
como vilões seres aparentemente não humanos. A sequência de eventos
apresentada no vídeo publicitário tem como finalidade apresentar um produto
em um contexto familiar à criança, basicamente o tipo de programa televisivo
que ela mais consome, e por isso apresenta os elementos mencionados
anteriormente. A personagem de desenho animado provoca reações
emocionais no espectador, e o vídeo publicitário de bonecos, reproduzindo o
enredo do desenho, tem como finalidade provocar estes mesmos sentimentos.
Deste modo, o brinquedo que é sucesso de vendas nunca
existe por si mesmo, está sempre relacionado a algo, seja a uma narrativa
exclusivamente fabricada para a venda do produto, como no caso de Max
Steel, ou a um personagem de desenhos animados. Sendo a história e/ou a
personalidade do herói à criança apresentada pronta, ela não desenvolve sua
criatividade, apenas reproduzindo ações antes vistas no filme de propaganda.
Após assistirmos ao vídeo atentamente, podem-se perceber
características que influenciam na decisão da criança de adquirir o produto, ou,
mais comumente, convencer os pais a adquiri-lo, estes que acabam por ceder
à pressão infantil. Deste modo, o objetivo da propaganda é atingido com
sucesso.
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Belas atrizes e modelos influenciam as meninas, levando-as a
copiarem seu corte de cabelo, modo de se vestir e até mesmo de agir. Isso
acontece devido ao fato de estas celebridades representarem padrões ideais
de beleza e elegância. Heróis atraem garotos por também representarem um
padrão ideal: são símbolos de nobreza, determinação, coragem, força e
persistência, uma representação fantástica do que o garoto sonha em ser. Por
este motivo, muitas vezes os heróis principais de desenhos animados são
retratados como jovens comuns que possuem uma vida normal quando não
estão combatendo o crime, ou ainda, são mostrados de forma que pareçam
mais frágeis, e assim, mais humanos. É o caso de Max Steel, que não possui
ferramentas, mas o seu papel determinante em aplicar o golpe final no inimigo
é o suficiente para convencer a criança de que aquele é o personagem mais
importante, o essencial a ser comprado. Comparados ao herói, os outros dois
brinquedos teriam uma importância bem menor, se não possuíssem acessórios
que são mencionados repetidamente na sequência de ação. Mas qual o
problema, afinal?
Os brinquedos são vendidos separadamente, fato que só é
mencionado em uma pequena linha nos quatro segundos finais do vídeo. Ora,
se o filme publicitário é destinado a crianças, esta demonstração de ética
também deveria levar em conta o público que sequer aprendeu a ler, ou está
no início de sua alfabetização. Estas crianças, que representam uma grande
fatia do universo de consumidores de Max Steel, estão cientes apenas das
imagens e sons ali apresentados. Assim, saberão que os movimentos são
produzidos por computador, o que é dito nos segundos finais, mas ainda
pensarão que os bonecos são vendidos em conjunto. Contudo, também
aquelas crianças que sabem ler e têm ciência de que os brinquedos são
vendidos separadamente ainda terão a impressão de que os três personagens
fazem parte de um contexto que, como apresentado no vídeo, só está completo
com a presença de todas as mercadorias.
Vídeos publicitários como o de Max Steel: Turbo Missions
estimulam o consumismo, o que é ainda mais perigoso para uma criança. Isto
se deve ao fato de que os mais novos, na maioria das vezes, não têm
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consciência da situação financeira dos pais, que pode não ser tão estável a
ponto de poder adquirir um dos produtos divulgados no vídeo publicitário, que
dirá os três. Por este e os outros motivos mencionados acima, a publicidade de
brinquedos deveria ser direcionada aos pais, como já é feito em países como a
Suécia e a Noruega. Assim, além de as crianças estarem protegidas do
consumismo desenfreado, os pais podem presentear os filhos com mais
qualidade e segurança em seu orçamento.
Parar por aqui, porém, não seria enxergar o problema em sua
totalidade. Por que não mencionar, também, o consumismo adulto (expressão
tão incomum que soa até estranha)? O desejo incontrolável por objetos não é
particularidade dos pequenos.
Podemos exemplificar este problema com um objeto muito
comum vida das pessoas: carros. Ora, só de observarmos o ambiente que nos
cerca já é possível perceber a variedade de veículos existente. Se adultos não
são impulsionados também pelo desejo, qual a razão de tamanha variedade?
No final, não somos tão diferentes das crianças. Um carro mais potente – e,
consequentemente, mais caro – é sinal de status.
Carros esportivos, como Ferraris e Chevrolet Camaros, são
sempre atrações por onde passam. Pessoas param por instantes para observar
estas máquinas cruzarem as ruas, produzindo ruídos que são sinônimos de
uma incrível potência. Deste modo, se possuímos um carro destes, sentimo-
nos sendo observados com admiração. Sim, apesar de estarem, na verdade,
observando o nosso carro, nos sentimos o centro das atenções.
O consumismo em si é uma doença incurável: podemos lutar
contra ele o quanto quisermos, com vacinas como a proibição da publicidade
infantil, mas ele não acaba. Ele se modifica.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARTHES, Roland. Elementos de semiologia. Tradução de Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1985. BARTHES, Roland. Mitologias. Tradução de Rita Buongermino, Pedro de Souza e Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Disal, 2009.