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Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p. 315-326. <www.ephispucrs.com.br>.
A IMPORTÂNCIA DA TVE PARA CULTURA E SENSIBILIDADES NA
SOCIEDADE GAÚCHA
THE IMPORTANCE OF TVE-RS FOR CULTURE AND SENSITIVITIES IN GAUCHA
SOCIETY
Yuan Veiga Pereira
Graduando/Centro Universitário La Salle Canoas
yuanpereira2013@gmail.com
Nádia Maria Weber Santos1
Pós-doutora pela Université Laval
Instituto Histórico Geográfico RS
nnmmws@gmail.com
RESUMO
O projeto em andamento visa aprofundar questões sobre memória e sensibilidades relacionadas à primeira
televisão pública do estado (TVE-RS), através de fontes orais (entrevistas com seus dirigentes, atuais e antigos,
funcionários e telespectadores), fontes digitais (mídias sociais e jornais online) e fontes documentais escritas (da
emissora e jornalísticas). As seguintes problemáticas são levantadas: qual a importância da TVE para a cultura
da sociedade gaúcha? Quais sensibilidades relacionadas a ela estão presentes na população e nos dirigentes da
emissora? De que forma foram tratados os conteúdos de programação a partir dos governos de cada período? Os
objetivos do projeto almejam pesquisar a importância da TVE enquanto dispositivo de cultura para a memória
gaúcha, colaborando para a discussão da necessidade de sua preservação no cenário midiático do Estado; fazer o
levantamento dos documentos institucionais existentes na TVE, em relação à sua fundação e às mudanças
ocorridas nos 40 anos de existência; analisar seu processo histórico enquanto emissora pública. A pesquisa
encontra-se em fase inicial, porém ela é um desdobramento de pesquisa anterior que visava resgatar a
importância dos arquivos audiovisuais da emissora, que merecem atenção de órgãos governamentais e de
instituições de ensino e pesquisa, a fim de que este patrimônio possa ser preservado e reorganizado em seus
arquivos, bem como valorizado e divulgado de forma mais ampla para a sociedade.
Palavraschave: Memória Social. Sensibilidades. Dispositivo de Cultura. TVE (Fundação Piratini).
ABSTRACT
Project underway aims to further questions about memory and sensibilities about memory and sensibilities
related the first public television of Rio Grande do Sul state (Brazil), through oral sources (interviews with
leaders, current and former, employees and viewers), digital sources (social media and online newspapers) and
written documentary sources (mainly journalistic). The following issues are raised: what is the importance of
TVE for the gaucho culture of society? What sensitivities are related to it and are presented in the population and
station leaders? How the programming content were treated from the governments of each period? The
objectives of the project aim to research the importance of TVE as a culture device for gaucha memory,
contributing to the discussion of the need for its preservation in the media of the state; to survey existing
institutional documents on TVE in relation to its foundation and to changes in the 40 years of existence; analyze
its historical process as a public broadcaster. The research is in early stages, but it is an offshoot of previous
research that aimed at rescuing the importance of audiovisual archives of TVERS, which deserve the attention of
government agencies and educational institutions and research, so that this heritage can be preserved and
reorganized into your files, as well as valued and disseminated more broadly to society.
Keywords: Social Memory. Sensitivities. Culture Device. (Piratini Foundation).
1 Idealizadora e orientadora do projeto e pesquisa
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Esta pesquisa é um desdobramento do projeto já concluído (Memória e Patrimônio da
Fundação Cultural Piratini: o acervo audiovisual da TVE), que recebeu financiamento da
FAPERGS. Tanto a pesquisa anterior quanto a que se apresenta são projetos executados por
grupos de pesquisa orientados pela pós-doutora em História Nádia Maria Weber Santos,
organizadora de ambos os projetos.
A Fundação Piratini – Rádio e Televisão (cujas emissoras que a compõe são a TVE e
a Rádio FM Cultura) completou 40 anos em 2014. No projeto encerrado, mencionado acima,
foi examinada uma parte de seu arquivo audiovisual relativo à TVE (que conta com mais de
16 mil fitas). Como um dos objetivos principais do projeto, almejou-se a valorização desse
bem cultural da sociedade gaúcha no que tange aos seus produtos audiovisuais. O projeto
resultou na publicação do livro TVs Públicas: memórias de arquivos audiovisuais, organizado
pela pós-doutora em História, Nádia Maria Weber Santos e pela pós-doutora em
Comunicação Social, Ana Luiza Coiro Moraes.
Tendo apoio CNPq ligado a uma bolsa de produtividade, a atual pesquisa, coordenada
pela pesquisadora Dra. Nádia Maria Weber Santos, pretende aprofundar questões sobre
memória e sensibilidades em relação à primeira televisão pública do Rio Grande do Sul,
através de fontes orais (entrevistas com seus presidentes, atual e antigos), fontes eletrônicas
ou digitais (mídias sociais e jornais online) e fontes documentais escritas (da emissora e de
publicações jornalísticas escritas do Estado).
Um ponto importante, relativo à sociedade gaúcha, que deve ser considerado na
qualificação do problema e justificar o desdobramento desta pesquisa para as fontes escritas,
eletrônicas e orais, além das audiovisuais é o seguinte: no atual governo estadual (do
governador Sartori), existe uma ‘sombra’ em relação aos instrumentos de cultura de nosso
Estado, tendo o atual governador, logo no início de seu mandato, em início de 2015,
ameaçado extinguir alguns órgãos de cultura, bem como seus financiamentos, incluindo a
TVE. Além disto, alguns contratos com funcionários não estão sendo cumpridos, salários
estão sendo atrasados, não estão sendo admitidos profissionais concursados recentemente, etc.
Assim, desde o início de 2015, eclodiram vários movimentos dos cidadãos porto-alegrenses (a
capital do RS, Porto Alegre, é a sede do Governo e também da emissora TVE) em redes
sociais e em manifestações públicas. Há muitas documentações disto em jornais do Estado,
bem como em redes sociais. Nota-se, também, que a TVE tem sua transmissão veiculada para
as principais cidades gaúchas, não somente para a capital.
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Como mencionado acima, além das fontes audiovisuais, já problematizadas na
pesquisa que está sendo realizada, observamos que existe uma gama de outros documentos,
servindo-nos de fontes históricas, que não foram contemplados no projeto inicial: in loco,
temos, da emissora TVE, atas de fundação e transformações de sua instituição, documentos da
direção, um arquivo muito extenso de recortes de notas e reportagens de jornais gaúchos, feito
por alguns dos funcionários antigos do arquivo audiovisual desde os primórdios até 1998,
noticiando a TVE em seus mais variados aspectos; exterior à TVE, temos jornais gaúchos
(principalmente Correio do Povo, Jornal do Comercio e Zero Hora), redes sociais e sites de
internet com depoimentos (principalmente quando, em alguns momentos, este bem cultural da
sociedade é ameaçado de extinção, como no atual governo). Junta-se a estas, a possibilidade
de fazer entrevistas com os antigos e atuais dirigentes da instituição, assim como funcionários
e espectadores de longa data da emissora, a fim de perceber as sensibilidades dos envolvidos
para com a perpetuação da TVE e de seu acervo.
Assim, os problemas de pesquisa a serem trabalhados neste projeto que ora
propomos podem ser definidos através dos seguintes questionamentos: qual a importância da
TVE da Fundação Piratini para a cultura da sociedade gaúcha? Quais sensibilidades estão
presentes na população (redes sociais e fontes jornalísticas) e nos dirigentes (entrevistas) em
relação à essa emissora pública gaúcha? Qual a receptividade da sociedade gaúcha em relação
à programação da TVE? Qual a trajetória histórica da TVE da Fundação Piratini em termos de
políticas públicas especificadas na sua documentação? De que forma foram escolhidos e
tratados os conteúdos de programação a partir do olhar dos governos em cada período? Como
podemos estudar aspectos da memória da emissora e, consequentemente, da identidade
cultural do Rio Grande do Sul a partir da documentação pesquisada e dos depoimentos, na
emissora e em redes sociais? De que forma a realização da pesquisa histórica pode interagir
com a sociedade e colaborar para a preservação da emissora pública de TV?
O objetivo geral deste projeto é pesquisar a importância da TVE da Fundação Piratini
enquanto dispositivo de cultura e de sensibilidades para a memória da sociedade gaúcha,
através de fontes escritas, eletrônicas e orais.
Como objetivos específicos, elencamos os seguintes:
- Fazer o levantamento detalhado dos documentos institucionais existentes na TVE, em
relação à sua fundação e às transformações ocorridas em seu estatuto nos 40 anos de
existência. [os documentos estão dispersos por alguns órgãos da Cultura do Estado e dentro
da emissora, sendo que este levantamento nunca foi realizado até então].
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- Perceber as sensibilidades existentes a respeito da emissora através das entrevistas com os
presidentes, atual e antigos, funcionários e telespectadores da emissora, e dos depoimentos e
postagens em redes sociais de grupos direcionados à TVE.
- Identificar, através do arquivo de recortes de jornais existentes em uma sala da emissora
(arquivo este não organizado e sim constando de matérias de jornais acumuladas ao longo do
tempo da emissora por um grupo de funcionários), alguns aspectos relevantes sobre as
sensibilidades dos funcionários que conservaram este material para a memória e a história da
emissora gaúcha.
- Analisar o processo histórico pelo qual passou a TVE, tendo em vista o caráter da emissora
pública, cujas finalidades diferem das emissoras privadas, em relação à sua historicidade,
demandas, investimentos e tipo de programas. (OBS: este item, de alguma maneira, já foi
contemplado no projeto anterior, mas será aprofundado com estas outras fontes históricas)
- Identificar através da fonte jornalística (impressa e digital/eletrônica) aspectos da
importância da emissora como dispositivo cultural da sociedade gaúcha e para a História do
Estado do Rio Grande do Sul.
- Destacar as sensibilidades da sociedade para com a emissora e, relatar, ao final, a
importância da TVE, de sua programação e de seu acervo, como dispositivo cultural da
sociedade gaúcha, colaborando para a discussão da necessidade de sua preservação no cenário
midiático do Estado, enquanto uma televisão pública.
As discussões teóricas neste projeto irão complementar aquelas já realizadas no
projeto anterior principalmente no que se refere à memória, às imagens, às sensibilidades e
sua relação com arquivos e arquivos audiovisuais, e estes como dispositivos de cultura, noção
esta, tão presente nas discussões contemporâneas sobre políticas públicas para a cultura.
Também discutiremos a importância das fontes orais e documentais escritas e eletrônicas na
complementação da fonte audiovisual trabalhada na pesquisa já em andamento.
O início da TV brasileira remonta a 18 de setembro de 1950, quando a TV Tupi de São
Paulo, PRF-3 TV, canal 3, foi inaugurada. Era a concretização do sonho de um pioneiro da
comunicação no Brasil, Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, o “Chatô”, que
já controlava uma cadeia de jornais e emissoras de rádio, o grupo Diários e Emissoras
Associados. A TV Piratini foi ao ar no dia 20 de dezembro de 1959, como uma das emissoras
integrantes do grupo que ao longo da década de 1950 também inaugurou estações em
Curitiba, Salvador, Recife, Campina Grande, Fortaleza, São Luís, Belém e Goiânia
(STRELOW, 2009).
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Silva (2008) informa que a origem da TVE, e consequentemente do seu arquivo de
imagens, está ligada ao encerramento da TV Piratini, em 18 de junho de 1980. A TVE-RS
atualmente está situada no mesmo prédio em que a TV Piratini fora instalada. Algumas lutas
travaram-se, entre grupos e governo (principalmente nas décadas de 1960-70 do período
ditatorial) para que as emissoras pudessem ter seus espaços de concessão garantidos pelo
Governo.
A TVE foi criada em 1974 na Faculdade dos Meios de Comunicação Social da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (FAMECOS/PUCRS), a partir de um
acordo do Governo do Estado com a instituição de ensino. Sua programação era voltada para
a educação e servia de laboratório aos alunos do curso de Jornalismo. (SILVA, 2008). Tendo
ocorrido um incêndio nas instalações da TVE na FAMECOS em 1980, a administração da
emissora reivindicou o espaço pertencente à extinta TV Piratini, no Morro Santa Teresa
(Avenida Corrêa Lima), local em que permanece até hoje. A TVE herdou da TV Piratini
acervos filmográficos, torre e equipamentos. Mas em 1983, após uma reformulação e
modernização tecnológica, um novo incêndio destruiu algumas instalações da TVE e todo seu
arquivo de imagens, composto por “documentos produzidos pela emissora e por toda herança
filmográfica da extinta TV Piratini”. (SILVA, 2008, p. 26). Segundo este autor, a maioria das
latas de filme foi queimada e o restante foi depositado nos porões do prédio principal da TVE,
onde permaneceram até a década de 1990, quando então, num repasse, os equipamentos,
filmes e fitas do incêndio foram levados para o Museu de Comunicação Social Hypólito José
da Costa, onde permanecem até hoje, muitos em precário estado de conservação.
Na década de 90, abriu-se uma exposição dos equipamentos da extinta Televisão
Piratini que permaneceu até o início deste século. As películas em 16mm, as fitas
Quadruplex de 2 polegadas e as Helicoidais de 1 polegada ficaram jogadas no
subsolo do Museu por mais de 15 anos. Em 2006, através da ação conjunta da ONG
Arqvive, Universidade Federal do RGS e Museu de Comunicação Social Hipólito
José da Costa, foi recatalogado parte do acervo fílmico proveniente do incêndio. Os
demais documentos permanecem, até o momento, em más condições de guarda e
preservação. (SILVA, 2008, p. 27)
Muitas outras transformações aconteceram na TVE, como a transmissão a cores em
1983, a interiorização do sinal para o interior do Estado, a reformulação (nos anos 1990) da
estrutura organizacional (passando a chamar-se Fundação Rádio e Televisão Educativa) e a
realização de um acordo de cooperação técnica com a Fundação Padre Anchieta de São Paulo
– TV Cultura, que propiciou a troca de programas entre as grades de programação (SILVA,
2008, p. 28).
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O conteúdo do arquivo que hoje encontramos nas dependências da TVE data, portanto,
da década de 1980 em diante, nos formatos já elencados no início deste projeto. Interessa-nos,
a partir deste acervo de imagens, retraçar a história da TVE, assim como de alguns momentos
da sociedade gaúcha, naquilo que constitui sua memória imagética, o que se configura como
um dos motes desta pesquisa.
As discussões sobre memória são bastante contemporâneas e incluem uma gama de
autores e pontos de vista sobre a construção da memória em grupos e partes da sociedade
(HALBWACKS, 2006; ASSMANN, 2011; NORA, 1992; POLLACK, 1989, 1992). E com
ela surge também a discussão sobre a relação memória e imagem.
A noção de representação permeia este projeto, no que tange ao estudo de imagens
(arquivo audiovisual) televisivas. Imagens são narrativas que se prestam à decifração e
atestam/representam a passagem do homem através das épocas, re-apresentam o ausente
(CHARTIER, 1998). Neste sentido, as imagens fornecem rastros do presente ou do passado e,
fixas ou em movimento, são um tipo de linguagem cuja finalidade é comunicar. Dotadas de
sentido e produzidas por ações humanas intencionais, as imagens partilham com outras
formas de linguagem a condição de serem simbólicas e dotadas de sentido, são ações humanas
dotadas de significação. “Imagens são representações da realidade que se colocam no lugar
das coisas, dos seres, dos acontecimentos do mundo. É da natureza da imagem oferecer-se à
contemplação, dando-se a ver.” (PESAVENTO, 2008, p. 100). Na função de representação do
real, contudo, uma imagem porta significados somente quando nela incide o olhar humano,
que já traz consigo outras imagens, do “arquivo da memória”, de seu “museu imaginário”.
O estatuto da imagem enquanto “acontecimento visual”, qualquer que seja ela,
transforma-a em “vestígio ou fragmento de verdade” (DIDI-HUBERMAN, 2012, p.58). E
este é o motivo pelo qual uma imagem, mesmo deteriorada “devido ao seu contato com o real
(como testemunho ou imagem de arquivos), e por pouco que se tenha tornado possível
conhecê-la ao relacioná-la com outras fontes (como montagem ou imagem construída), ‘salva
a honra’, isto é, salva pelo menos do esquecimento, um real histórico ameaçado pela
indiferença”. (p.226).
Assim, será a partir deste estatuto da imagem como “acontecimento visual” e
representação/vestígio/fragmento de um real histórico que tomaremos as imagens do arquivo
audiovisual da TVE, nestes 40 anos de sua existência. E, na medida em que as imagens são
tidas como testemunhos imediatos da memória, neste caminho é que buscaremos estudar a
memória e a sensibilidade da sociedade rio-grandense a partir do ponto de vista de quem
trabalha na emissora e de uma parte da população que está sensibilizada com a possibilidade
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de fechamento da TVE (Blogs e redes sociais). Como diz Nora (1993, p.9), “a memória se
enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto”.
Na relação com as fontes orais da pesquisa, vamos adentrar o campo das
sensibilidades a fim de percebermos como estas imagens produzidas pela TV pública têm sua
reverberação naqueles que a produzem e naqueles que são sensíveis a elas (e de que forma são
sensíveis), tornando-a dispositivo para cultura no Estado do RS.
Sabe-se que a subjetividade e as sensibilidades também formatam o indivíduo em
todas as suas funções, tanto corporais quanto sociais e culturais. Beatriz Sarlo (2007, p.18)
postula uma “guinada subjetiva”, ao admitir que, na contemporaneidade, existe a
“revalorização da primeira pessoa como ponto de vista, a reivindicação de uma dimensão
subjetiva, que hoje se expande sobre os estudos do passado e os estudos culturais do
presente”. Onde, então, incluem-se “novas exigências e métodos que tendem à escuta
sistemática dos ‘discursos de memória’: diários, cartas, conselhos, orações”. (SARLO, 2007,
p.17) Independente da crítica que a autora faz a certos ‘dispositivos’ da memória em nossa
atualidade e sua relação com a história, é importante sua sugestão de que as narrativas
testemunhais na primeira pessoa sejam submetidas a uma metodologia de análise, antes de se
tornarem fontes memoriais ou históricas sobre o passado. O que nos remete à necessidade
sempre imperiosa de se contextualizar as marcas de sensibilidade nos traços objetivos do real.
E fazer-se a “crítica da fonte” memorial.
A este respeito, uma passagem do texto de Pesavento (2005), sobre o trabalho com as
sensibilidades na História, vem ao encontro do que se pretende dizer, servindo para o trabalho
com a Memória: “[...] mesmo as sensibilidades mais finas, as emoções e os sentimentos,
devem ser expressos e materializados em alguma forma de registro passível de ser resgatado
pelo historiador”. Para esse último, assim, a narrativa deve se fundamentar nas “marcas de
historicidade”, deixadas pelas fontes ou pelos registros de algo que aconteceu um dia “e que,
organizados e interpretados, darão prova e legitimidade ao discurso historiográfico”.
Para o pesquisador no campo da Memória não é diferente, embora guardadas as
respectivas diferenças metodológicas: as sensibilidades podem constituir-se em vetores
memoriais que também deixam suas marcas na objetividade do mundo. Para esta autora,
ainda, o território do sensível constitui-se em “território do não dito ou mesmo do não
provado, porque pertencem à esfera do sentimento, que tocam, não só na subjetividade, mas
também no coletivo”, onde tais indícios, “traços de sentimento”, se insinuam em discursos,
práticas e ritos. (PESAVENTO, 2001, p.236)
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A TVE e sua produção de imagens constituem-se, assim, em dispositivos culturais,
que possuem significado político, ético e histórico dentro da sociedade, pois a televisão, ao
produzir imagens, ao guardá-las e no trabalho ativo de preservá-las faz de seu arquivo um
lugar de memória, um lócus privilegiado da memória coletiva, social e cultural. Resgatar
sensibilidades a respeito de imagens televisivas, ou mesmo fragmentos delas, torna o arquivo
valioso às lembranças e imprescindível para a memória cultural (ASSMAN, 2013) da
sociedade, em seus instantes de verdade e na sua identidade (POLLAK, 1992; HALL, 2006).
O arquivo da televisão pública do Rio Grande do Sul pode ser considerado, deste
modo, como a “consciência histórica” não só da administração (BELLOTTO, 2006), mas
também de todos aqueles que partilharam o fazer das programações, de todos os gêneros,
apresentando e reapresentando a identidade gaúcha.
Este estudo será caracterizado como uma pesquisa exploratória e qualitativa, pois visa
proporcionar maior familiaridade com o problema, tornando-o mais explícito, e viabilizando o
aprimoramento de ideias para um estudo ou tratamento posterior (GIL, 2007). Com relação
aos procedimentos metodológicos, serão adotadas as seguintes etapas:
1- Pesquisa bibliográfica (livros, artigos científicos, TCCs, dissertações e sites/blogs de
internet sobre a TVE, arquivos audiovisuais, memória social, sensibilidades,
dispositivos culturais).
2 - Coleta de dados - pesquisa em: (não necessariamente nesta ordem, pois algumas são
fontes dinâmicas)
2.1 - Documentos da emissora (ligados à direção da TVE);
2.2 - Recortes de jornais colecionados por alguns funcionários do arquivo da TVE e
depositados em uma das salas do prédio da Fundação Piratini;
2.3 - Jornais do Estado do Rio Grande do Sul de maior circulação nos últimos 40 anos,
principalmente Correio do Povo, Jornal do Comércio e Zero Hora (os dois primeiros
encontram-se arquivados no Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa em Porto
Alegre e o último no arquivo da RBS Telecomunicações, cuja sede também é em Porto
Alegre).
2.4 - Mídias e redes sociais: sites da emissora e de jornais, com notícias, e também em
redes sociais onde hajam comentários de funcionários e da população em geral
(principalmente Facebook).
2.5 - Entrevistas com os presidentes da TVE (atual e passados, quando possível), através
de entrevistas semiestruturadas (instrumentos de pesquisa de história oral), que contemplem
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questões relativas às permanências e modificações da estrutura da emissora em cada gestão.
Serão entrevistados, também, funcionários e telespectadores da emissora.
3 - Análise dos dados: cruzamento das diversas fontes escritas, eletrônicas e orais,
utilizando o referencial dos estudiosos da memória, das sensibilidades e da história oral, a fim
de observar as sensibilidades e a importância que é dada pela população em geral e pela mídia
gaúcha à emissora pública mais antiga do Estado, constituindo assim um viés de sua memória.
4 - Escrita e publicação de um livro com os resultados de pesquisa, a ser organizado nos
últimos meses do projeto (que pode ser prorrogado), com convidados da comunidade
acadêmica e não acadêmica, todos ligados à história e à memória da TVE.
5 - Realização de um Blog interativo com a população, compartilhando os resultados
da pesquisa e sensibilizando a população para a necessidade de preservação desse bem
cultural de nossa sociedade.
Sendo considerados bens culturais da sociedade gaúcha, os arquivos audiovisuais da
TVE (da Fundação Piratini) merecem atenção e disposição tanto de órgãos governamentais
como de instituições de ensino e pesquisa, a fim de que este patrimônio possa ser preservado,
reorganizado em seus arquivos e salvaguardado da destruição do tempo, bem como valorizado
e divulgado de forma mais ampla para a sociedade. Pretendemos colabora para a discussão a
respeito da necessidade de preservação da TVE em nosso Estado, assunto este em voga nas
mídias contemporâneas. Também, alguns resultados esperados se darão como a continuação
da pesquisa já em andamento, apenas aprofundando seu escopo: a manutenção deste bem
cultural em seu lócus primário e sua guarda permanente em acervo poderão ser a origem da
criação de uma Memória da TVE (ou de um Centro de Memória, Informação e Imagens) a
partir dos materiais audiovisuais produzidos nos 40 anos da emissora, como também dos
materiais colhidos em entrevistas e em mídias sociais e daqueles documentos impressos que
tivermos acesso.
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