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RODRIGO EDUARDO QUADRANTE
A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO
ELETRÔNICO
MESTRADO EM DIREITO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
2007
2
RODRIGO EDUARDO QUADRANTE
A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO
ELETRÔNICO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de mestre em Direito das Relações
Sociais, sob a orientação do (a) Prof.(a), Doutor (a) – Suzana Maria Pimenta Catta Preta
Federighi.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
2007
3
BANCA EXAMINADORA
__________________________________
__________________________________
__________________________________
4
AGRADECIMENTOS
À minha esposa Fernanda, pelo amor, cuidado e
paciência.
À Prof. Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi,
pela amizade, incentivo, exemplo e orientação.
5
SUMÁRIO
I. RESUMO p. 1
II. INTRODUÇÃO p. 3
III. A ORDEM CONSTITUCIONAL, O DIREITOPRIVADO E O CÓDIGO DO CONSUMIDOR p. 17
a. A livre iniciativa e o estado liberal p. 19b. A intervenção do Estado, o Direito Privado e ocontrato p. 24c. A intervenção do Estado, o Direito Privado e aresponsabilidade civil p. 28d. A responsabilidade civil e a sociedade de massas p. 30e. A evolução da responsabilidade civil e a culpapresumida p. 31f. A responsabilidade civil objetiva p. 33
IV. A INTERNET COMO INSTRUMENTO DEACESSO AO CONSUMO DE MASSA p. 37a. A desconfiança do consumidor como óbice aoamadurecimento do consumo eletrônico e ao acesso aoconsumo p. 41b. A expectativa de consumo e a sociologia jurídica p. 45c. As medidas adotadas pela Comunidade EconômicaEuropéia contra os problemas da desmaterialização docontrato, da contratação à distância e dadespersonalização das relações sociais de consumo p. 49
V. O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA, OPRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA E O PRINCÍPIODA CONFIANÇA APLICADOS AO COMÉRCIOELETRÔNICO p. 61a. O princípio da boa-fé objetiva p. 63b. O princípio da transparência p. 73c. O princípio da confiança p. 78
6
VI. A ORDEM ECONÔMICA E O MARKETINGCOMO FERRAMENTA DO COMÉRCIOELETRÔNICO p. 87a. A função social do marketing eletrônico p. 92b. A diferença entre o marketing, a publicidade e apropaganda p. 95c. Os erros na definição de publicidade e a publicidadeinstitucional p. 100
VII. A PUBLICIDADE E O PRINCÍPIO DAVINCULAÇÃO DA MENSAGEM PUBLICITÁRIA p. 102a. A teoria da declaração da vontade, a mensagempublicitária e a confiança despertada no mercado deconsumo p. 106b. O artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor e opré-contrato p. 110c. A oferta, a publicidade e o mercado de consumo p. 117
VIII. A PUBLICIDADE ENGANOSA E O DEVER DEINFORMAÇÃO p. 123a. A informação e seu processamento psicológico p. 125b. O dever de informar e o sistema jurídico p. 128c. O dever de informar como fonte de obrigação p. 132d. A mensagem publicitária enganosa e o erro p. 138e. A publicidade enganosa e a responsabilidade civildecorrente do art. 35 do Código do Consumidor p. 140
IX. A CONDUTA SOCIAL TÍPICA, AINFORMAÇÃO E A MARCA p. 144a. A conduta social típica p. 144b. A influência das marcas sobre os consumidores, ainformação e o princípio da confiança p. 147
X. CONCLUSÃO p. 156
XI. BIBLIOGRAFIA p. 160
7
I. RESUMO
O presente trabalho, para obtenção do grau de mestre em
Direito das Relações Sociais, tem por tema “A expectativa de
consumo no Comércio Eletrônico”.
O tema escolhido é fruto da observação do fenômeno do
consumo de massa e de seu desenvolvimento no ambiente da
Internet. O trabalho se baseará nos dados publicados pelo Ibope,
pela Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado de
São Paulo e pelo Instituto de Defesa do Consumidor, os quais
demonstram os problemas mais comuns enfrentados pelos
consumidores ao adquirirem bens e serviços através da Internet.
Hoje, resta claro que a desconfiança dos consumidores no
meio eletrônico é a maior barreira ao desenvolvimento do
Comércio Eletrônico, devendo-se destacar que a divulgação
correta de informações se mostra o melhor instrumento ao combate
desta desconfiança. Assim, o presente trabalho abordará a
aquisição de produtos e serviços através da Internet, abordando a
desconfiança do consumidor eletrônico e a influência da
informação nesta complexa relação, sob a luz do nosso Código de
Defesa do Consumidor e das demais legislações mundiais sobre o
tema.
8
ABSTRACT
The purpose of this paper is to achieve a Master’s Degree in Social
Relations Law, and is entitled “The expectation of consumption in E-
Commerce”.
The selected theme is the result of the observation of the mass
consumption phenomenon, as well as of its development on the Internet. The
paper will be based on the data issued by IBOBE (Brazilian Institute of Public
Opinion and Statistics), by Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do
Estado de São Paulo (Foundation for Consumer Protection and Defense of the
State of São Paulo) and by Instituto de Defesa do Consumidor (Institute for
Consumer Defense). These data reflect the problems most commonly faced by
consumers when they are purchasing goods and services on the Internet.
Today, it is clear that the consumers’ mistrust towards the electronic
media is the strongest obstacle to the development of the E-Commerce. It
should be clear that the correct disclosure of information has proven to be the
best instrument in fighting this mistrust. This paper will, therefore, approach
the purchase of goods and services on the Internet, by analyzing the electronic
consumer’s distrust as well as the influence of the information in this complex
relationship, in the light of our Consumer Defense Code, and other
international laws on the matter.
9
II. INTRODUÇÃO
O objetivo do presente trabalho é analisar o fenômeno da
expectativa de consumo gerada pela publicidade veiculada nos
meios de comunicação e pelo fascínio exercido pelas marcas
existentes no mercado de consumo. Abordará as escolhas do
consumidor sobre o quê e como consumir, sendo certo que tais
escolhas começam antes mesmo da própria aquisição de um
produto ou serviço, e baseiam-se nas suas experiências passadas e
na expectativa de mudança do seu presente, após o consumo dos
produtos ou serviços adquiridos.
O presente trabalho iniciou-se com o estudo dos dados
divulgados pela Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do
Estado de São Paulo, para que fossem destacados os três setores de
maiores reclamações por parte dos consumidores. Assim, ao se
analisar os dados dos anos de 2002, 2003 e 2004, restou claro que
as empresas de telefonia, planos de saúde e as instituições
financeiras encabeçaram o ranking das reclamações da Fundação
de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado de São Paulo.1
A Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado
de São Paulo, em Relatório de Atendimento Geral referente ao ano
de 2002, concluiu que no ano em questão 45% (quarenta e cinco
por cento) das reclamações referiam-se ao setor de serviços e 24%
10
(vinte e quatro por cento), ao setor financeiro.2 O relatório não
detalhou os problemas existentes nos setores de serviços e
financeiro, tampouco as razões que motivaram as referidas
reclamações.
A Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado
de São Paulo, em Relatório de Atendimento Geral referente ao ano
de 2004, concluiu que, em relação às reclamações recebidas, 39%
(trinta e nove por cento) delas referiam-se a problemas com
empresas de telefonia, 19% (dezenove por cento) a problemas com
instituições financeiras e 9% (nove por cento) a empresas de plano
de saúde.3 Logo, pode-se concluir que os consumidores que
adquiriram serviços de empresas de telefonia, planos de saúde e
instituições financeiras tiveram maiores problemas do que aqueles
que adquiriram produtos e serviços de empresas de outros setores
da nossa economia. Portanto, a primeira pergunta que se pode
fazer é: qual é a semelhança entre as reclamações dos
consumidores de produtos ou serviços do setor financeiro, de
planos de saúde e de telefonia?
O Relatório de Atendimento Geral do ano de 2004, ao tratar
das reclamações decorrentes do setor de telefonia, dividiu-as
conforme segue: (18%) correspondentes a reclamações referentes a
serviços de telefonia propriamente ditos; Tele Aparelho Celular
1 www.procon.sp.gov.br2 www.procon.sp.gov.br/atendimento.20023 www.procon.sp.gov.br/atendimento.2004
11
(18%) e Tele Seguro (3%).4 Isso devido à Fundação de Proteção e
Defesa do Consumidor do Estado de São Paulo ter percebido que
uma parte das reclamações referia-se a serviços de telefonia
prestados aos consumidores e outra parte, aos próprios produtos
comercializados pelas empresas de telefonia.
O referido relatório do ano de 2004 concluiu, ao analisar os
serviços de telefonia propriamente ditos, que “o maior número de
reclamações permanece ocorrendo na área de telecomunicações, não só por
força de um enorme déficit de informações ali ainda verificado mas,
também, por informações prestadas ao consumidor sem a clareza
necessária, quando da contratação de planos, promoções ou, ainda, ante as
solicitações de serviços e produtos que não se confirmam ou não se
cumprem quando efetivamente prestados ou entregues”.5
E mais: o relatório, ao analisar as reclamações na área de
produtos, ainda concluiu que os aparelhos celulares (Tele
Aparelho Celular) são os líderes das reclamações de produtos
comercializados, eis que “o público, levado pela publicidade e pelas
grandes promoções, adquire o aparelho sem observar seus manuais, que
muitas vezes não estão claros, no que se refere aos recursos e à
prestabilidade do produto, associados aos serviços das operadoras. Apesar
de muitas vezes constar do manual que alguns serviços dependem da
operadora, o consumidor, levado pelo anúncio publicitário, pela forma de
pagamento aparentemente atraente ou até mesmo pela empolgação, acaba
adquirindo um produto que não é exatamente o pretendido”.6
4 www.procon.sp.gov.br/atendimento.20045 www.procon.sp.gov.br/atendimento.20046 www.procon.sp.gov.br/atendimento.2004
12
Como se vê, o Relatório de Atendimento Geral de 2004
demonstra que os consumidores de produtos ou serviços do setor
de telefonia são levados, ao exercerem a sua escolha, pela
publicidade veiculada no mercado de consumo. A escolha do
consumidor de produtos ou serviços de telefonia, como se pode
observar através das informações do Relatório de Atendimento
Geral de 2004, não se baseia em dados racionais, pois os produtos
e serviços são adquiridos, sem que os consumidores observem seus
manuais, sendo certo que tais manuais não possuem informações
claras e precisas sobre o bem ou o serviço adquirido. O relatório
ainda deixa claro que os consumidores adquirem produtos ou
serviços com base em critérios emocionais que, por sua vez, não
levam a uma escolha madura e racional por parte do consumidor.
O Relatório de Atendimento Geral referente ao ano de 2003,
ao analisar as reclamações que dizem respeito às empresas do
setor financeiro, concluiu que a maior parte das reclamações que
foram atendidas refere-se a golpes e fraudes ocorridos no interior
de estabelecimentos bancários, em especial, nos terminais
eletrônicos. O relatório observa que “os consumidores mais lesados
são, no geral, aposentados, que, em razão da dificuldade de operar os
terminais eletrônicos, acabam tornando-se vítimas preferenciais dos
golpistas. Contribui para atuação dos golpistas o fato de que algumas
instituições financeiras praticamente impõem a seus clientes o uso dos
caixas eletrônicos convencionais". 7
7 www.procon.sp.gov.br/atendimento.2003
13
Bem se vê que o Relatório de Atendimento Geral de 2003 dá
especial importância às fraudes e golpes ocorridos nos terminais
eletrônicos. Tais golpes se dão, em especial, com consumidores
mais velhos, os quais possuem pouca prática com os meios
eletrônicos. Tem-se, entretanto, que as empresas do setor
financeiro não tomaram quaisquer medidas preventivas,
informativas ou educativas, para que tais golpes deixassem de
ocorrer.
Depreende-se assim que as empresas do setor financeiro dão
pouca importância às características dos seus consumidores, em
especial, daqueles de mais idade, quando se trata da qualidade da
informação veiculada no mercado de consumo. Esses
consumidores deveriam receber informações dirigidas ao seu
grupo social no que tange à utilização dos terminais eletrônicos,
pois, se assim as empresas do setor financeiro o fizessem, os
problemas de golpes nos terminais eletrônicos, certamente, seriam
reduzidos.
No tocante às demais reclamações, o Relatório de
Atendimento Geral do ano de 2003 conclui que “permanece
inalterada a qualidade da prestação de serviços por parte dos bancos, não
havendo, de forma prática, nenhuma melhora significativa relativamente a
questões de falta de clareza nas cobranças das tarifas, da não entrega de
cópias de contratos aos correntistas e o envio de cartão sem prévia
solicitação”.8
8 www.procon.sp.gov.br/atendimento.2003
14
A Fundação de Proteção e Defesa dos Consumidores do
Estado de São Paulo, através de pesquisa realizada em novembro
de 2002 a outubro de 2003, também observou que 44% (quarenta e
quatro por cento) das pessoas que registraram reclamações
referentes a cartões de crédito não receberam o contrato de
aquisição do serviço.9 No entanto, a pesquisa demonstra que 70%
(setenta por cento) dos entrevistados que registraram ocorrências
na fundação em questão confessaram não terem recebido o
contrato de aquisição do serviço, mas que acreditavam ter
conhecimento sobre seu funcionamento.10
Todavia, a realidade é bem diferente da que os consumidores
entrevistados alegam, visto que a maior parte das reclamações
refere-se a “problemas quanto à cobrança indevida e duplicidade de
cobrança na fatura (25%), quanto aos procedimentos no caso de perda,
roubo, furto ou extravio do cartão (23%) e quanto aos encargos de
refinanciamento e/ou atraso no pagamento das faturas (19%)”.11 Ora, os
consumidores se enganam quanto ao conhecimento acerca do
funcionamento do cartão de crédito, mas a maior parte dos
problemas decorre, justamente, do próprio funcionamento do
serviço, encargos na hipótese de financiamento, perda ou roubo do
cartão.
O relatório ainda demonstra que as empresas do setor
financeiro dão pouca importância às formas da informação aos
9 www.procon.sp.gov.br/infpressassfintaxasestaveis1perfil.shtml10 www.procon.sp.gov.br/infpressassfintaxasestaveis1perfil.shtml11 www.procon.sp.gov.br/ infpressassfintaxasestaveis1perfil.shtml
15
consumidores, como, por exemplo, o envio dos contratos de
aquisição dos seus serviços e a própria instrução (educação)
quanto às formas de utilização dos mesmos. Com efeito, o
relatório demonstra que grande parte dos consumidores não
recebeu os contratos de aquisição do produto, sendo certo que
grande parte das reclamações refere-se à utilização dos serviços,
taxas cobradas e clareza dos extratos fornecidos. Logo, a
veiculação da informação e a sua clareza são de grande valia à
realização das legítimas expectativas do consumidor e ao
desenvolvimento de um mercado maduro de consumo, pois se os
consumidores possuíssem as informações necessárias, tais
reclamações deixariam de existir.
A Fundação de Proteção e Defesa dos Consumidores do
Estado de São Paulo, através do Relatório de Atendimento Geral
do ano de 2004, ainda observa que os principais problemas
referentes às empresas de planos de saúde decorrem da negativa de
cobertura aos conveniados, alteração da rede credenciada, recusa
de atendimento em razão da existência de doenças preexistentes e
ao reajuste das parcelas mensais em razão da mudança de faixa
etária. As reclamações apresentadas têm fulcro em vícios de
informação, mesmo sendo certo que tais informações foram
prestadas ao consumidor antes, durante e depois da contratação do
serviço.12 Todavia, pode-se observar que as reclamações em
questão têm origem em vícios de informação após a contratação,
ou seja, no momento da execução dos serviços. Isso porque a
16
alteração da rede credenciada, a negativa de certas coberturas em
razão de doenças preexistentes são vícios de informação gerados
durante a execução dos serviços, fato que diferencia essa
modalidade de reclamação daquelas decorrentes do setor de
telefonia e do setor financeiro.
As pesquisas formuladas pela Fundação de Proteção e Defesa
do Consumidor do Estado de São Paulo demonstram que as
reclamações apresentadas durante os anos de 2002, 2003 e 2004,
em geral, têm como origem vícios na divulgação das informações
acerca dos serviços prestados antes, durante e depois da sua
contratação. A falta de clareza das informações prestadas em uma
publicidade veiculada nos meios de comunicação, o
desconhecimento do conteúdo de um contrato em razão da omissão
do fornecedor no tocante ao seu envio, a omissão de informações
quanto às supostas coberturas de um plano de saúde, a omissão na
divulgação do descredenciamento do médico da família do
convênio são desvios que decorrem de vícios na divulgação das
informações, no momento da formação da livre escolha do
consumidor e durante o trato negocial.
Observa-se, entretanto, que os consumidores, ao deixarem de
se preocupar com o recebimento dos contratos que lastreariam o
seu direito frente ao fornecedor de serviços, acreditam em outros
fatores maiores do que o próprio contrato celebrado, quais sejam:
12 Conf. www.procon.sp.gov.br/atendimento.2004
17
a publicidade veiculada no mercado de consumo, a marca dos
fornecedores e a confiabilidade despertada pelos mesmos.
A confiabilidade despertada pela empresa é algo intangível e
está diretamente ligada à expectativa gerada no consumidor antes e
durante o trato negocial, eis que a crença na lisura da empresa
afastará, na visão do consumidor, qualquer eventual problema
quanto ao conteúdo de um contrato de prestação de serviços que
não lhe foi entregue, eventual dificuldade de compreensão ou
clareza no extrato bancário que lhe foi enviado pelo correio, ou o
descredenciamento do médico da família do convênio médico. A
confiabilidade despertada pela empresa, quer através da sua marca,
quer através das suas publicidades, é elemento fundamental à
formação da livre escolha do consumidor e à frustração de suas
expectativas, as quais se formaram objetivamente através das
informações prestadas aos consumidores, sendo certo que a
frustração dessa credibilidade ensejou grande parte das
reclamações analisadas pela Fundação de Defesa e Proteção dos
Consumidores do Estado de São Paulo.
O consumo é um processo dinâmico, que se inicia com a
consciência das expectativas do consumidor e termina com a
avaliação da pós-compra.13 O estudo do comportamento do
consumidor pode se basear em elementos positivos, se pudermos
acreditar que o consumo seja guiado pela razão; pode se basear em
13 Ver a esse respeito, Ernesto M. Giglio, O comportamento do consumidor, p. 7 e Christiane Gade,Psicologia do consumidor e da propaganda, p. 2.
18
elementos emotivos, se pudermos acreditar que o consumo seja
guiado por elementos conscientes e inconscientes, ou pode se
basear em elementos sociais, se pudermos acreditar que o consumo
seja guiado pela influência do grupo.
A análise do mercado de consumo, conforme leciona o ilustre
Prof. PHILIP KOTLER, pode se dar através da percepção de
fatores culturais, sociais, pessoais e, em especial, psicológicos. O
fator cultural é o determinante fundamental nos desejos e no
comportamento de um indivíduo, eis que o conjunto de valores,
percepções e preferências de um indivíduo decorrem da sua vida
familiar e do seu ambiente cultural.14
O fator social, por sua vez, é reflexo da influência do grupo
sobre o indivíduo, sendo certo que se diferencia do fator cultural,
em razão da existência de vários grupos sociais dentro de um
grupo de indivíduos que possuem a mesma cultura. Ora, em um
grupo de indivíduos que possuem a mesma cultura, existem vários
outros grupos, como, por exemplo, o grupo familiar, o grupo de
trabalho e o grupo de amigos do clube. Assim, embora todos os
indivíduos desse grupo tenham a mesma cultura, eles podem não
participar do mesmo grupo, visto que alguns indivíduos do
trabalho não participam do mesmo grupo familiar, o que gera
diferenças sociais, ainda que não sejam diferenças culturais.15
14 Philip Kotler, Administração de Marketing, p. 161.
19
O fator pessoal baseia-se em características do indivíduo,
posto que as decisões do comprador são influenciadas pela sua
idade, estágio do ciclo de vida, ocupação, situação econômica,
estilo de vida, personalidade e auto-estima.16
O fator psicológico de consumo é influenciado por quatro
elementos, quais sejam: motivação, percepção, aprendizagem e
atitudes. O ilustre Prof. PHILIP KOTLER esclarece que “uma
pessoa tem muitas necessidades em determinado momento. Algumas
necessidades são fisiológicas. Elas surgem de estados fisiológicos de
tensão como fome, sede, desconforto. Outras são psicológicas. Surgem de
situações psicológicas de tensão como a necessidade por reconhecimento,
estima e posse. A maioria das necessidades psicológicas não é intensa o
suficiente para motivar a pessoa a agir imediatamente sobre elas. Uma
necessidade torna-se um motivo quando surge em nível suficiente de
intensidade. Um motivo (ou impulso) é uma necessidade que está
pressionando suficientemente para levar a pessoa a agir. A satisfação da
necessidade reduz o sentimento de tensão”.17
O indivíduo motivado, consoante às lições do ilustre
professor, está pronto para agir. No entanto, a ação do indivíduo
depende da sua percepção do ambiente. A percepção pode ser
definida como “o processo pelo qual uma pessoa seleciona, organiza e
interpreta as informações para criar um quadro significativo do mundo. Ela
15 Ernesto M. Giglio, ob. cit., p. 10. “Conf.” Margaret Mark e Carol Pearson, O herói e o fora-da-lei: Comoconstruir marcas extraordinárias usando o poder dos arquétipos, p. 23.16 Philip Kotler, ob. cit., p. 167.17 Philip Kotler, ob. cit., p. 170.
20
não depende somente do estímulo físico, mas também da relação do
estímulo com o ambiente e as condições interiores do indivíduo”.18
Como se vê, as expectativas estão intimamente ligadas à
percepção dos indivíduos motivados acerca dos serviços e
produtos veiculados no mercado de consumo, onde as informações
veiculadas permitem que eles selecionem no mercado as
possibilidades de satisfação das suas necessidades, caso adquiram
determinado produto ou serviço. Logo, pode-se concluir que
grande parte das reclamações analisadas pela Fundação de Defesa
do Consumidor do Estado de São Paulo está ligada aos vícios de
informação que geraram percepções equivocadas dos
consumidores, as quais frustraram as expectativas objetivas de
satisfação de suas necessidades.
Em razão do exposto acima, o presente trabalho terá como
objeto de estudo o comportamento dos consumidores na aquisição
de produtos e serviços através dos meios eletrônicos, em especial,
da Internet. A escolha do ambiente de estudo se deu pela
desmaterialização das relações sociais no comércio eletrônico, eis
que os consumidores contratam serviços e adquirem produtos no
ambiente eletrônico sem a materialização de um contrato, o que,
ao que parece, gerou inúmeras reclamações na Fundação de Defesa
dos Consumidores do Estado de São Paulo.
18 Philip Kotler, ob. cit., p. 172.
21
As informações prestadas no ambiente eletrônico são aquelas
veiculadas pelos próprios fornecedores nas suas publicidades. A
forma de contratação dos serviços ou produtos se dá através de um
simples toque no mouse do computador, o que torna mais latente a
crença dos consumidores na marca do fornecedor, na sua
publicidade e na lisura dos fornecedores no mercado de consumo.
Hoje, é certo que a Internet se transformou em um enorme
“shopping virtual” que mistura trabalho, consumo e
entretenimento no chamado “mundo eletrônico”. As percepções
dos consumidores se misturam na Internet, visto que os portais de
notícias misturam informações cotidianas publicadas em jornais,
entretenimento em salas de jogos e “bate papo” e veiculam ofertas
de bens e serviços. O consumidor, neste ambiente, é motivado ao
consumo, é influenciado pela divulgação de novos produtos,
serviços e marcas, ainda que tenha acessado a rede tão- somente
para alcançar o portal de uma empresa, ou para mero
entretenimento.
A importância do objeto de estudo deste trabalho ainda se dá
pela Internet ser um fenômeno de unificação de culturas e
desenvolvimento da sociedade. Na realidade, a publicidade
veiculada através da Internet permite a comunicação dos
consumidores de vários países entre si, através da sua
caracterização como parte de um grupo social que consome
determinado tipo de produto ou serviço, ainda que os indivíduos
22
desses grupos possuam culturas diferentes.19 Hoje, existe uma
verdadeira guerra das indústrias exportadoras de cultura, em
especial, das indústrias culturais do ocidente contra as culturas
locais de todos os países.
As barreiras existentes à exportação de uma cultura
internacional são as próprias culturas internas dos países, políticas
internas e leis, as quais não submetem a Internet às suas
influências. Isso porque a Internet permite que consumidores de
outros países acessem portais brasileiros e adquiram produtos e
serviços de empresas brasileiras, sendo certo que o mesmo ocorre
com os nossos consumidores. Logo, o objeto de estudo deste
trabalho será a análise da influência da publicidade veiculada
através da Internet no processo decisório do consumidor, sendo
certo que essa influência está intimamente ligada às expectativas
de satisfação das suas necessidades, e ao direito de o consumidor
receber informações corretas que levarão à satisfação dessas
necessidades.
19 Conf. Dominique Quessada, O poder da publicidade na sociedade consumida pelas marcas. Como aglobalização impõe produtos, sonhos e ilusões, p.13.
23
III. A ORDEM CONSTITUCIONAL, O DIREITO PRIVADO E
O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O Código Civil de 1916 sofreu forte inspiração do Código
Napoleônico, sendo este baseado nos princípios que nortearam a
Revolução Francesa, quais sejam, Liberdade, Igualdade e
Fraternidade. A liberdade e a igualdade - princípios que nasceram
da burguesia francesa à época da Revolução - com o passar das
décadas, tiveram o seu significado deturpado pela Revolução
Industrial e pela evolução da sociedade de massas. Com efeito, “o
enunciado do princípio de que todos são iguais perante a lei nos dá conta de
sua inconsistência, visto que a lei é uma abstração, ao passo que as
relações sociais são reais”.20 As diferenças sociais, econômicas e
culturais dos indivíduos não eram levadas em consideração no
momento da aplicação desses princípios, fato que gerou inúmeras
ilegalidades, bem como o abuso do poder econômico e a imposição
da vontade do mais forte, no momento da celebração dos tratos
privados.
O ilustre Prof. CHAÏM PERELMAN observa que “o esforço dos
juristas, em todos os níveis e em toda a história do direito, procurou
conciliar as técnicas do raciocínio jurídico com a justiça ou, ao menos, à
aceitabilidade da decisão. Quando o resultado é inadmissível por esta ou
aquela razão, é que o jurista é levado a introduzir uma distinção, que talvez
tivesse omitido ao estabelecer as premissas de seu raciocínio”.21
20 Eros Roberto Grau, A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p.16.21 Chaïm Perelman, Lógica jurídica, p.13.
24
Assim, as imperfeições do liberalismo, associadas à
incapacidade de auto-regulação dos mercados e à dificuldade de o
povo aceitar as decisões baseadas no direito da época,
transformaram o Direito Privado, pois o Estado passou a ter uma
nova função, ou seja, o Estado passou a ter a função de regular, ou
melhor, tentar regular a atividade econômica.22
A regulamentação dos mercados que o liberalismo acreditava
ser decorrente do livre jogo de interesses não alcançou os efeitos
almejados pelos seus defensores, justamente pela composição dos
interesses daqueles que, hipoteticamente, se enfrentariam no
mercado. A concorrência entre as empresas não gerou a
regulamentação de preços e das condutas de mercado e, em alguns
casos, ocorreu justamente o contrário, pois se legitimou o abuso
econômico sobre os indivíduos que compunham o Estado, as
práticas levianas de mercado, além do cartel de um pequeno grupo
de empresas, que passaram a controlar o mercado e a impor as suas
regras. Assim, caberia ao Estado limitar os abusos dos exploradores
do mercado, em especial, das empresas voltadas ao mercado de
consumo.
Como bem leciona o Prof. MAURO CAPPELLETTI, “ los
derechos sociales de libertad corresponde, en efecto, la obligación del
Estado de remover los obstáculos de orden económico y social que se oponen
a la libre expansión moral y política de la persona humana. Mientras con los
derechos tradicionales se tiende a salvaguardar la libertad del ciudadano de
22 Ver a esse respeito, Norberto Bobbio, A era dos direitos, p. 24.
25
la opresión politica, con los nuevos derechos sociales se tiende, en cambio, a
salvaguardarla de la opreción económica. El fin es ele mismo, esto es, la
defensa de la libertad individual, pero los medios son diversos, porque,
mientras para satisfacer los derechos sociales el Estado debe emplearse
activamente para destruir el privilegio económico y para ayudar al
necesitado a liberarse de la necesidad”.23
O Estado, conforme o exposto acima, deve responder aos
abusos praticados pelo mercado, eis que é seu dever então intervir e
regulamentar a livre iniciativa, as condutas mercadológicas, toda
vez que essas condutas implicarem abuso de direito, para que seja
garantida a sobrevivência digna de seus súditos, o acesso sadio ao
consumo, preservando-se, conseqüentemente, o próprio capitalismo
liberal.
a) A livre iniciativa e o Estado liberal
A Constituição italiana, de 1947, trouxe, de forma expressa,
pela primeira vez, a possibilidade de o Estado intervir na Ordem
Econômica, consoante se percebe pela leitura do seu art. 41º, ao
dispor que “L`iniziativa econômica privata è libera. Non può svolgersi in
contrasto com l`utili tà sociale o in modo da recare danno alla sicurezza, alla
libertà, alla dignità umana. La legge determina i programmi e i controlli
opportuni perché l´attività econômica pubblica e privata possa essere
indirizzata e coordinata a fini sociali”.
Resta claro, pelo texto acima exposto, que o Estado italiano
23 Mauro Cappelletti, Proceso, Ideologias, Sociedad, p. 123.
26
poderá intervir na economia para coordenar as práticas da iniciativa
privada, as quais deverão alcançar os fins sociais legítimos e a
dignidade da pessoa humana.
Deve-se notar, por oportuno, que a Constituição brasileira, de
1988, trouxe dispositivo muito semelhante, ao dispor, através do seu
art. 170, que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social.. .”
O ilustre Prof. EROS ROBERTO GRAU, ao analisar o art. 170
da nossa Constituição, leciona que “a nossa Constituição optou pelo tipo
liberal do processo econômico, que só admite a intervenção do Estado para
coibir abusos e preservar a livre concorrência de quaisquer interferências,
quer do próprio Estado, quer do embate econômico que pode levar à
formação de monopólios e ao abuso do poder econômico visando ao aumento
arbitrário dos lucros". 24
Logo, o ilustre professor concluiu que as empresas são livres
para explorar o mercado, entretanto essa liberdade não é irrestrita.
No entanto, a limitação ao princípio da livre iniciativa pode ser
considerada inconstitucional?
Como se sabe, a limitação da livre iniciativa dar-se-á nas
hipóteses de afronta à dignidade da pessoa humana, à justiça social
e à defesa do consumidor. Há quem tenha defendido a existência de
24 Eros Roberto Grau, ob. cit., p. 171.
27
normas constitucionais inconstitucionais,25 principalmente na
Alemanha, como se poderia, nesse caso, pensar que a limitação da
livre iniciativa o seria. O fundamento dessas alegações basear-se-ia
na existência de normas superconstitucionais26, as quais estariam
acima de outras normas, em razão do seu caráter intimamente ligado
ao Direito Natural. Tais normas vedariam as ofensas à vida e à
liberdade dos indivíduos, razão pela qual elas estariam acima das
demais normas constitucionais.
Sucede, no entanto, que tais assertivas são despidas de razão,
posto que as normas da nossa Constituição devem ser analisadas em
seu conjunto, para que se alcance a sua harmonização. Elas,
consoante lições do ilustre Prof. PAULO BONAVIDES,27 não são
inconstitucionais entre si, mas o que pode existir são interpretações
que, aparentemente, desarmonizem as normas constitucionais,
interpretações que permitam o seu suposto confronto. Logo, a
desarmonia não residiria nas normas constitucionais in abstrato ,
mas na desarmonização das interpretações dessas normas.
O exercício da interpretação das normas nada mais é do que a
adaptação da norma aos fatos existentes dentro do seu momento
histórico, elegendo-se o fim perseguido pela norma através de
critérios valorativos e principiológicos. Nesse caso, o operador do
direito elege os princípios e os valores que devem prevalecer frente 25 Ver a esse respeito, Otto Bachof, Normas Constitucionais Inconstitucionais?, p. 67. Ver, de maneiradiversa, Paulo Bonavides, A constituição aberta. Temas políticos e constitucionais da atualidade, p. 27.26 Conf. Oscar Vilhena Vieira, A constituição e sua reserva de Justiça. Um ensaio sobre os limitesmateriais ao poder de reforma, p. 135.
28
aos fatos existentes.
O Prof. CLAUS WILHELM CANARIS, por oportuno, explicou
a possibilidade da existência de valores e princípios contraditórios
entre si e a impossibilidade de normas contraditórias dentro de um
sistema jurídico, eis que “no que respeita, em primeiro lugar, à ausência
de contradições, é seguro, como geralmente se reconhece, que se deve negar
uma contradição entre duas normas, em todas as circunstâncias, tendo a
metodologia jurídica desenvolvido um instrumentarium que, em caso extremo
através da aceitação de uma lacuna de colisão, o possibilite. Contudo, isso
só funciona para verdadeiras contradições de normas, enquanto que as
contradições de valores e de princípios não se deixam evitar sem excepções;
por conseqüência, o postulado da ausência de contradições só se alcança
num sistema de normas e não, também, num sistema de valores ou de
princípios”.28
Portanto, a suposta inconstitucionalidade in abstrato das
normas constitucionais não é possível no nosso sistema jurídico,
mas não se pode afastar a possibilidade da existência de
interpretações eventualmente contraditórias frente aos fatos
existentes na sua concretude.
O art. 170 da nossa Constituição, por oportuno, estipula o
princípio da livre iniciativa como base da nossa ordem econômica e
financeira, sendo certo que tal princípio é um desdobramento do
princípio da liberdade.29 Todavia, o princípio da livre iniciativa é
27 Conf. Paulo Bonavides, ob. cit., p. 283.28 Claus Wilhelm Canaris, Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, p. 40.29 Conf. José Joaquim Gomes Canotilho, Estudos sobre direitos fundamentais, p. 25.
29
limitado ao princípio da defesa do consumidor, o que demonstra que
o mesmo artigo que estipula a livre iniciativa a limita.
Como bem leciona o ilustre Prof. CHAÏM PERELMAN,“nenhuma regra de direito, assim como nenhum valor, é absoluta, e que
sempre haverá situações em que uma regra, seja qual ela for, deverá ser
limitada, e em que um valor, qualquer que seja sua importância, deverá
ceder diante de considerações preponderantes na ocorrência”.30
Ainda no mesmo sentido, é o entendimento do Prof. CLAUS
WILHELM CANARIS ao concluir que “os princípios não valem sem
excepção e podem entrar entre si em oposição ou em contradição; eles não
têm a pretensão da exclusividade; eles ostentam o seu sentido próprio apenas
numa combinação de complementação e realização, de uma concretização
através de sub-princípios e valores singulares, com conteúdo material
próprio. Os princípios não valem sem excepção e podem entrar em oposição
ou em contradição entre si”.31
Logo, ao se analisar o princípio da livre iniciativa, deve-se
perceber que o próprio artigo que lhe consagra restringe sua
aplicação em ofensa ao princípio da defesa do consumidor, sendo
certo que a sua restrição só ocorre nos casos expressos nos seus
incisos.
Com efeito, o Estado não poderia deixar de harmonizar o
exercício da livre iniciativa com os demais princípios da nossa
Constituição, como, por exemplo, os princípios fundamentais do seu 30 Chaïn Perelman, ob. cit., p. 129.
30
art. 5º, ou seja, a limitação da livre iniciativa, quando esta afronte à
justiça social, à vida e à defesa do consumidor. Isso porque a livre
iniciativa deve ser adotada, sem submeter os fracos ao domínio
daqueles superiores economicamente, sem comprometer a vida dos
indivíduos que compõem o nosso Estado, inclusive devendo
procurar promover a justiça social e a dignidade.
b) A intervenção do Estado, o Direito Privado e o contrato
O Direito Privado, em razão da possibilidade de interferência
do Estado nos tratos privados, também sofreu algumas
transformações, pois o acordo de vontades também deve ser
norteado pelos princípios da dignidade da pessoa humana, da justiça
social e da igualdade32, sendo, por isso, limitado aos referidos
princípios, nos moldes do art. 421 do Código Civil do Brasil, do art.
1322 do Código Civil italiano, e 305 do Código Civil alemão.
O contrato, conforme as lições do Prof. ENZO ROPPO,33 é
instrumento de circulação de riquezas, acesso ao consumo, e, como
tal, o Estado deve coibir a livre iniciativa exercida de forma
abusiva, atípica, para que ela não promova a circulação de riquezas
e, em conseqüência, a estipulação de contratos e o acesso ao
consumo, de forma divorciada do princípio da dignidade da pessoa
humana, do princípio da justiça social e do princípio de igualdade.
31 Claus Wilhelm Canaris, ob. cit., p. 88.32 Conf. Leon Duguit, Las Transformaciones del Derecho Público y Privado, p. 171.
31
O Direito Privado, como se percebe, não deve servir ao
domínio de grupos economicamente abastados sobre os demais
grupos sociais, tampouco deve servir como instrumento ilícito de
obtenção de riqueza. Ora, os tratos privados sempre privilegiaram o
grupo economicamente mais forte, eis que a igualdade da “era
moderna” - é formal e não real - fato que transformou o Direito
Privado em um instrumento de repressão, de injustiças e divorciado
do princípio da dignidade da pessoa humana.
Ora, como as normas do Direito Privado permitiam a
circulação de riquezas de forma leviana e abusiva - baseadas no
abuso do poder econômico e nas atipicidades da livre iniciativa -,
tínhamos normas do Direito Privado em desconformidade com o
Estado Democrático de Direito, do fim social do Direito Privado,
pois a atipicidade, certamente, não era a vontade do povo, que
outorgou o poder de mandato a um determinado grupo de
representantes políticos, no momento da eleição das suas regras de
Direito Privado.34
Diante dos problemas existentes à época, o Estado passou a
fiscalizar a circulação de riquezas e, por conseqüência, o acesso ao
consumo, com o fim de garantir a sua correta destinação, dentro dos
princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade real e justiça
social, para que deixasse de ser um Estado propulsor de
desigualdades, injustiças, enfim, um Estado que não garantisse os
33 Conf. Enzo Roppo, O contrato, p. 13.34 Conf. Georges Ripert, O Regime democrático e o Direito Civil moderno, p. 9 e Heloisa Carpena, Abusodo direito nos contratos de consumo, p. 31.
32
princípios democráticos de uma sociedade justa e proba!35
O Prof. ENZO ROPPO, ao analisar os problemas decorrentes
da massificação das relações sociais, ainda observou que “na época
liberal (época na qual se formou a moderna teoria do contrato), o problema
fundamental da disciplina contratual consistia, pois, em assegurar que as
relações entre os contraentes se desenrolassem de modo racional e correto
do ponto de vista da lógica do mercado".36
A Prof.ª HELOÍSA CARPENA, ao analisar o problema do
abuso do direito e a possibilidade da intervenção estatal, concluiu
que “o intervencionismo (estatal) não busca afastar a noção de liberdade
contratual, procura, sim, garanti-la, preservando a principal função do
contrato, qual seja, servir de instrumento de segurança das expectativas”.37
Ainda no mesmo sentido são as considerações de KARL
ENGISCH, ao declarar que “o próprio Direito, portanto, f ixa os fins e
exige a sua realização de uma forma tão incondicional, dum modo
exactamente tão categório como a moral. Resulta, pois, como conseqüência
desta concepção, que, na interpretação e na aplicação dos imperativos
jurídicos, devemos entender (compreender) estes como meios para alcançar
os fins que o Direito considera bons”.38
A lógica do mercado, no entanto, não visava à defesa da
dignidade da pessoa humana, do consumidor, mas, sim, aos lucros
daqueles que exploravam o mercado de consumo. O contrato não
35 Enzo Roppo, ob. cit., p. 13.36 Enzo Roppo, ob. cit., p. 223.37 Heloísa Carpena, ob. cit., p. 31.38 Karl Engisch, Introdução ao pensamento jurídico, p. 51.
33
pode, por ser instrumento de trocas, de acesso ao consumo e de
circulação de riquezas, servir à exploração do homem pelo próprio
homem, consagrar o enriquecimento injusto de um dos contratantes
em detrimento do outro39, pois, caso isso ocorra, ter-se-á a execução
de um contrato imoral, divorciado do racional, do probo e da lógica
do mercado.40 Em suma, o “correto” é um juízo de valor
intimamente ligado à idéia do “justo”, ao valor social da circulação
de riquezas, ao fim social do acesso ao consumo, à dignidade da
pessoa humana e à justiça social.
O Prof. NORBERTO BOBBIO, ao enfrentar o problema da
justiça, observa que “o problema da justiça é o problema da
correspondência ou não da norma aos valores últimos ou finais que inspiram
um determinado ordenamento jurídico. O problema se uma norma é justa ou
não é de um aspecto do contraste entre o mundo ideal e mundo real, entre o
que deve ser e o que é: norma justa é aquela que deve ser, norma injusta é
aquela que não deveria ser”.41
Portanto, conclui-se que o contrato justo é aquele que
representa aquilo que é licito se esperar da outra parte da relação
contratual, algo que nos faria crer que a conduta adotada no
mercado de consumo é correta. Assim, caso o fornecedor não se
porte de forma justa no mercado, desrespeitando o princípio da
dignidade da pessoa humana, e promovendo o acesso ao consumo, à
circulação de riquezas divorciada dos princípios citados, o Estado
39 Conf. Georges Ripert, ob. cit., p. 44.40 Artigo 226 do Código Civil Alemão (BGB) – O exercício de um direito é inadmissível, se ele tiver por fim,somente, causar um dano a um outro. – tradução livre41 Norberto Bobbio, Teoria da norma jurídica, p. 46.
34
estará autorizado a intervir e regular os tratos privados em benefício
dos seus súditos e, em especial, dos consumidores.
c) A intervenção do Estado, o Direito Privado e a responsabilidade
civil
O séc. XIX pode ser conhecido como o século das grandes
codificações, pois, à época, além do Código Napoleônico, também
foi promulgado o Código Civil alemão. Todavia, em razão das
evoluções tecnológicas dos séculos XX e XXI, estes poderão ser
chamados de séculos dos novos direitos42, já que os códigos
envelheceram, não mais sendo capazes de dispor sobre todas as
obrigações decorrentes dos avanços tecnológicos.43
Os operadores do Direito, por sua vez, passaram a buscar
novas saídas, para adequar o desequilíbrio causado pela “sociedade
de massas”, pois é certo que as teorias tradicionais já não surtiam
os efeitos esperados por toda a sociedade.
A multiplicação dos acidentes nas fábricas e nos meios de
transportes acompanhou a evolução científica, em que pesem os
benefícios que a ciência proporcionou à humanidade naquela época.
O interessado não lograva êxito em receber indenização pela morte
de um parente ou pela lesão sofrida no exercício da sua atividade
fabril, visto que a prova da culpa do empresário era quase 42 Ver a esse respeito, Rubén S. Stiglitz y Gabriel A. Stiglitz, Contratos por adhesión, clausulas abusivas yprotección al consumidor, p. 3.
35
impossível.44 Logo, não se encontravam, no Direito da época, os
ideais de justiça social e dignidade da pessoa humana, eis que o
Direito já não conseguia se materializar.
Os professores RUBÉN S. STIGLITZ e GABRIEL A.
STIGLITZ, ao analisarem o mercado de consumo da época,
concluíram que “el mercado revela una serie de patologias desde el punto
de vista axiológico, producto de la adopcion de mecanismos a veces no muy
trasparentes en el circuito que trascurre entre la procucción y el consumo de
bienes y servicios. La creación artificial de necesidades masivas,
popularizadas mediante fórmulas publicitarias de inmensa potencialidad
para condicionar psicológicamente al consumidor havia el acrecentamiento
de su propensión a la adquisicion. La conformación de un marco falseado de
confianza en la empresa, que obstaculiza la percepción de la situacion real
de conflicto estructural de intereses, mediante sistemas persuasivos de venta
o técnicas crediticias de facil acceso pero generadoras de un insalvable
endeudamiento sin salida".45
Os operadores do Direito, na busca do justo, probo e digno,
perceberam que a teoria da responsabilidade civil tradicional não
alcançava mais os ideais de justiça, que norteavam as normas do
Estado moderno, impondo, a toda evidência, alterações para
proteger as vítimas dos danos causados pelas inovações da
sociedade industrial.
Como se sabe, a culpa selecionava os danos propagados
delimitando o ressarcimento, em clara demonstração da concepção
43 Conf. Sérgio Cavalieri Filho, O direito do consumidor no limiar do século XXI, p. 97.44 Conf. Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade civil nas relações de consumo, p. 25.45 Rubén S. Stiglitz y Gabriel A. Stiglitz, ob. cit., p. 3.
36
voluntária e individualista do Direito da época.46 Isto porque, se um
indivíduo praticasse um ato contrário às normas jurídicas então
vigentes sem, contudo, ser provada a sua culpa – ou até mesmo dolo
– não lhe poderia ser imputada a obrigação de indenizar, ainda que
o dano tivesse sido efetivamente sofrido por outrem.
Portanto, depreende-se que todo o risco da atividade
empresarial era carreado à sociedade, e não ao empresário. Essa
concepção, como se verá, mostrou-se cada vez mais inadequada à
proteção do indivíduo durante o processo de massificação das
relações sociais.47
d) A responsabilidade civil e a sociedade de massas
A responsabilidade civil, de forma simplista, consiste na
obrigação de o ofensor reparar os danos causados ao ofendido ou
aos seus bens, assim a fonte dessa obrigação é a conduta anti-social
do causador do dano. Todavia, a mola propulsora da
responsabilidade subjetiva seria a moral do agente no momento da
execução da conduta ilícita, podendo-se entender que, ao se perder
esse critério subjetivo, estaríamos atribuindo um risco injusto ao
empresário.48 Neste ponto, assume relevância a questão da culpa e
do dolo.
46 Conf. Guido Alpa, Responsabilità della Impresa e Tutela del Consumatore, pág. 31147 Conf. Arystóbulo de Oliveira Freitas, Responsabilidade Objetiva no Código de Defesa do Consumidor,p.104.48 Conf. Georges Ripert, A Regra moral nas obrigações civis, p. 217.
37
Esses dois requisitos da conduta ilícita e lesiva foram, até o
séc. XVIII, os limitadores da obrigação de reparação de danos,
fazendo com que nem todas as ofensas dessem causa à
correspondente reparação do dano ao ofendido. Contudo, a
utilização dos bens por uma massa indeterminada de pessoas alterou
bruscamente a sorte da teoria da responsabilidade civil baseada na
culpa. Ora, o consumidor, na maioria das vezes, não adquire o
produto do seu fabricante, mas, sim, de um comerciante. Mas não é
só. Os fornecedores de produtos ou serviços, com a Revolução
Industrial, passaram a oferecer seus produtos ou serviços a um
número indeterminado de consumidores, o que fez com que os
defeitos de seus produtos atingissem inúmeros indivíduos que
sequer poderiam ser determinados.
Assim, diante da dificuldade de esses adquirentes
demonstrarem a culpa dos fornecedores de produtos ou serviços,
bem como os danos que essas empresas poderiam causar à sociedade
toda, quais seriam as obrigações com que essas empresas deveriam
arcar?
e) A evolução da responsabilidade civil e a culpa presumida
A partir da metade do séc. XVIII, começaram a surgir os
primeiros trabalhos doutrinários, trazendo à baila o início da
objetivação da responsabilidade, diluindo, cada vez mais, a
importância da culpa na configuração da responsabilidade civil. A
38
dificuldade da comprovação da culpa do agente fez nascer a Teoria
da Culpa Presumida. Tal teoria, através do sistema de presunção,
faz com que não haja necessidade da demonstração da culpa do
responsável do dano, visto que a culpa seria presumida, em
decorrência de uma determinada norma jurídica. Em outras palavras,
uma lei específica instituiria a responsabilidade civil do agente,
através da presunção da culpa.
Como se percebe, a presunção iuris tantum da culpa acarreta a
inversão do ônus da prova, sendo certo que a referida teoria, através
dos artigos 516, 517, 1339 e 1532, foi amparada pelo Código Civil
de 1916. Todavia, ainda que exista a referida presunção, não se
excluiu a análise subjetiva da conduta do agente, facilitando-se, tão-
somente, o acesso da vítima à Justiça, em virtude da dispensa da
prova da culpa do agente “por presunção” . Depreende-se, de forma
clara, que a análise da culpa do agente ainda persistiu, contudo, o
ônus da demonstração da inexistência de culpa caberia ao agente
que praticou o ato ilícito e, não, à vítima.
Tem-se, no entanto, que os operadores do Direito buscavam
uma responsabilidade maior do que aquela que era aplicada às
empresas que exploravam o mercado, visto que o risco da atividade
empresarial deveria ser arcado pelas empresas e, não, pelos
indivíduos que compunham a sociedade de massa. Ou seja, os
operadores do Direito buscavam o fim da socialização dos riscos da
atividade empresarial, passando o referido risco àqueles que
auferissem lucro com a exploração do mercado de consumo. Assim,
39
a responsabilidade civil objetiva – ou sem culpa – foi a saída
encontrada por esses operadores do Direito.
f) A responsabilidade civil objetiva
A responsabilidade civil objetiva funda-se na justiça
distributiva e na solidariedade dos diversos setores da atividade
profissional, especialmente naqueles em que o desenvolvimento
tecnológico se demonstre mais acentuado.49 Isto significa que a
responsabilidade civil objetiva nasce, com mais força, naqueles
segmentos em que se pode proporcionar danos a outrem, pelo risco
que suas atividades ofereçam à vida, à saúde e à segurança.50
A concepção individualista do Direito dispõe que o indivíduo
vem em primeiro lugar, sendo certo que o Estado – a sociedade –
viria em segundo.51 Todavia, essa concepção não serve para regrar
a Teoria da Responsabilidade Civil, posto que a norma deve buscar
um fim social. O fim social perseguido pela norma jurídica nada
mais é do que a certeza de que o Direito tutela o bem-estar social,
divorciando-se dos meandros do sistema da culpa, o qual já não
encontra mais seu fim social na sociedade de consumo.
Assim, para que as necessidades decorrentes da sociedade de
consumo sejam tuteladas de forma satisfatória, criou-se uma
Teoria de Responsabilidade Civil, que levaria em consideração 49 Conf. Clovis do Couto e Silva, A obrigação como processo, p.3450 Conf. Roberto Senise Lisboa, ob. cit., p. 39.
40
tão-somente a conduta objetiva do agente, ou seja, a referida
responsabilidade civil não levaria em conta a existência da culpa –
ou dolo – mas, sim, a existência de um dano, de um ato ilícito e do
nexo causal entre os dois eventos.52
Ressalte-se, por oportuno, que uma das diferenças existentes
entre a responsabilidade civil subjetiva e a responsabilidade civil
objetiva reside, justamente, no ato ilícito. Com efeito, o ato ilícito
na responsabilidade civil subjetiva seria um ato ilícito por
natureza, enquanto que a responsabilidade civil objetiva seria
decorrente de um ato ilícito por resultado.
Nesse passo, deve-se notar que as obrigações decorrentes das
relações de consumo seriam obrigações de fim, sendo a
responsabilidade civil objetiva uma de suas maiores expressões.
Ora, o referido sistema de responsabilidade civil não busca as
razões subjetivas – culpa ou dolo – do fornecedor na relação
jurídica de consumo, mas, sim, os deveres de conduta desse
fornecedor no mercado de consumo.53
Como se vê, ainda que o produto ou o serviço traga riscos à
vida, à saúde e à segurança, o fornecedor decidiu explorá-lo para
auferir algum tipo de vantagem, devendo, por tal razão, arcar com
o ônus da sua atividade empresarial.54
51 Conf. Norberto Bobbio, A Era dos Direitos, p.6052 Artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor.53 Inciso 1º do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor.54 Ubi emonumentum, ibi onus
41
As expectativas do consumidor, por sua vez, nada mais são
do que a certeza de que o produto consumido é seguro, e não traz
nenhum risco à vida. Essa é a obrigação do fornecedor, ou seja, a
de suprir as expectativas do consumidor, não lhe gerando nenhum
dano. É, em suma, a certeza de que o sistema normativo defende
um fim social, sendo evidente que tal fim nada mais é do que a
dignidade da pessoa humana.55
A defesa desse fim social – dignidade da pessoa humana –
não poderia se curvar frente a qualquer elemento subjetivo, ou
mesmo, à alegação de ignorância sobre vícios do produto ou
serviço. Como já dito, a responsabilidade civil objetiva não leva
em consideração os elementos subjetivos do agente que praticou o
ato ilícito, não podendo, por tal razão, levar em consideração a
ignorância do fornecedor. Portanto, percebe-se que o art. 23 do
Código de Defesa do Consumidor é uma das maiores
demonstrações de que a Teoria do Risco foi coroada no Código do
Consumidor, sendo tal artigo uma decorrência da sua existência.56
Assim, nota-se que a responsabilidade civil objetiva está
intimamente ligada à Teoria do Risco.57
Como bem leciona o ilustre Prof. CAIO MÁRIO PEREIRA,“o conceito de risco que melhor se adapta às condições de vida social é o
que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento qualquer
atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os
55 Conf. Leon Duguit, ob. cit., p.180.56 Conf. Zelmo Denari, Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p.198.57 Conf. Alvino Lima, Culpa e Risco, p. 190.
42
indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso,
isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de
conduta. Fazendo abstração da idéia de culpa, mas atentando apenas no
fato danoso, responde civilmente aquele que, por sua atividade ou por sua
profissão, expõe alguém ao risco de um dano”.58
Percebe-se, de forma clara, que o fornecedor responde pelos
riscos do seu produto ou serviço, ao colocá-lo no mercador de
consumo, pois o risco da exploração do mercado de consumo
pertence à empresa que decidiu explorá-lo.59 Contudo, o que seria
colocar um produto no mercado de consumo?
O ilustre Prof. ZELMO DENARI entende que colocar um
produto no mercado de consumo é “introduzi-lo no ciclo produtivo-
distributivo, de uma forma voluntária e consciente”.60 Assim, a empresa
poderá deixar de arcar com os danos decorrentes do produto, se
comprovar que não o colocou no mercado.61
Todavia, ao que parece, tal excludente só ocorreria nas
hipóteses de furto ou de roubo do produto, visto que os referidos
atos demonstrariam que o explorador do mercado de consumo não
tinha a intenção de colocá-los no próprio mercado de consumo,
naquele determinado lapso temporal.
58 Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade Civil, p.271.59 Inciso 3º do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor. Ver de maneira diversa, Maria Paz GarcíaRubio, Los riesgos de desarrollo en la responsabilidad por daños causados por los productosdefectuosos: su impacto en el derecho español, p. 67.60 Zelmo Denari, ob. cit., p. 169.61 Inciso 3º do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor.
43
IV. A INTERNET COMO INSTRUMENTO DE ACESSO AO
CONSUMO DE MASSA
A Internet, hoje, é um instrumento de acesso ao consumo, ao
entretenimento e à unificação da cultura mundial. Através dela,
pode-se acessar diversas home pages de variados fornecedores de
produtos e serviços, além de ela também possibilitar a obtenção de
informações sobre bens ou serviços.
O IBOPE, por meio da publicação de seu Almanaque Ibope,
informa que 12.200.000 (doze milhões e duzentos mil) usuários
brasileiros acessaram a Internet em dezembro de 2005, sendo certo
que houve um aumento aproximado de 12 % (doze por cento) no
número de usuários, quando se comparam esses dados aos do
mesmo mês do ano de 2004.62
Ademais, o IBOPE ainda observa que os usuários navegaram
na Internet, em média, 13h34min. (treze horas e trinta e quatro
minutos) durante o mês de dezembro de 2004, sendo certo que
ocorreu um aumento de 34% (trinta e quatro por cento) no tempo 62 http://www.almanaqueibope.com.br/asp/busca_docInfo.asp
44
médio de navegação dos usuários no mês de dezembro de 2005, o
qual passou, então, a corresponder a 17h59min. (dezessete horas e
cinqüenta e nove minutos).63
O tempo médio de acesso dos usuários brasileiros à Internet é
o maior do mundo, o que significa que os consumidores brasileiros
ficam mais tempo expostos a publicidades e a práticas
mercadológicas dos fornecedores, no ambiente eletrônico. Com
efeito, os usuários brasileiros acessam a Internet, em média,
16h54min. (dezesseis horas e cinqüenta e quatro minutos) ao mês,
enquanto que os franceses, 15h40min. (quinze horas e quarenta
minutos) , os japoneses 15h35min. (quinze horas e trinta e cinco
minutos) , os americanos 14h46min (quatorze horas e quarenta e
seis minutos). e os espanhóis 14h41min. (quatorze horas e
quarenta e um minutos).64
O IBOPE, conforme pesquisa divulgada pelo IBOPE /
NETRATINGS65, observou os hábitos dos usuários brasileiros:
20,5% (vinte vírgula cinco por cento) deles passam seu tempo de
acesso à Internet em comunidades e sites de comunicação; 11,3%
(onze vírgula três por cento), em acessos a e-mail; 10,5% (dez
vírgula cinco por cento), em acessos a portais de interesse geral;
6,2% (seis vírgula dois por cento), em acesso a sites de
63 http://www.almanaqueibope.com.br/asp/busca_docInfo.asp64 http://www.almanaqueibope.com.br/asp/busca_docInfo.asp65 http://www.ibope.com.br/asp/busca_docInfo.asp
45
instituições financeiras e 4,7% (quatro vírgula sete por cento), em
acessos a ferramentas de busca.
O maior tempo gasto entre os usuários americanos e os
espanhóis é, certamente, o tempo de acesso aos seus e-mails. Os
usuários americanos, conforme pesquisa divulgada pelo IBOPE /
NETRATINGS66, acessam os seus e-mails 7,7% (sete vírgula sete
por cento) do seu tempo mensal de acesso, ao passo que os
usuários espanhóis acessam os seus, 10,9% (dez vírgula nove por
cento) do seu tempo mensal de acesso. Os americanos acessam
portais de interesse geral 6,6% (seis vírgula seis por cento) do seu
tempo mensal de acesso à Internet, ao passo que os usuários
espanhóis acessam esses portais 6,9% (seis vírgula nove por
cento) do seu tempo mensal de acesso à Internet.
Os portais de interesse geral e os portais de instituições
financeiras, certamente, influenciam a conduta objetiva dos
consumidores brasileiros, eis que esses portais influenciam os seus
usuários através das publicidades neles veiculadas. Essas
publicidades são formas de informação sobre determinados bens
ou serviços que induzem os seus usuários ao consumo, geram
percepções sobre esses bens ou serviços e, em um segundo
momento, geram as suas próprias expectativas de consumo.
Os dados apurados pelo IBOPE demonstram que os usuários
66 http://www.ibope.com.br/asp/busca_docInfo.asp
46
brasileiros acessam a Internet por mais tempo durante o mês do
que os usuários americanos e espanhóis. Logo, o que se verifica é
algo muito diferente do que se poderia supor. Com efeito, os
usuários brasileiros acessam por mais tempo a Internet do que os
usuários americanos e espanhóis, cidadãos de países em que o
capitalismo é mais desenvolvido do que no Brasil, o que pode nos
levar a crer que os usuários brasileiros, ao acessarem a Internet,
estão mais suscetíveis às publicidades, às marcas, aos estímulos e
percepções gerados por esse instrumento do que os usuários de
outros países.
Isto não significa que o volume de vendas e compras na
Internet por usuários americanos e espanhóis seja inferior ao
volume de vendas e compras na Internet por usuários brasileiros,
pois o amadurecimento do capitalismo desses países e o grau de
escolaridade da sua população faz com que existam mais usuários
acessados à Internet, ainda que em tempo inferior ao dos usuários
brasileiros.
Os dados ora trazidos à baila têm como objetivo demonstrar
o aumento da importância da Internet no mercado de consumo
brasileiro, em razão da sua transformação em um veículo que
permite o acesso ao consumo. E como já dito, o acesso ao
consumo é a única forma de manter a dignidade dos indivíduos que
compõem a nossa sociedade, visto que as formas de subsistência
47
através da coleta e caça, em grande parte das sociedades
modernas, não é mais possível. Assim, o presente trabalho
analisará a Internet como forma de acesso ao consumo digno, justo
e probo, nos moldes do art. 170 da nossa Constituição Federal.
a) A desconfiança do consumidor como óbice ao
amadurecimento do consumo eletrônico e ao acesso ao consumo
A Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, recentemente,
divulgou estudo que demonstra que somente 12% (doze por cento)
dos consumidores brasileiros que acessam a Internet adquiriram
produtos e serviços.67 O referido estudo ainda demonstra que 71%
(setenta e um por cento) dos usuários compradores de produtos e
serviços na Internet têm idade entre 25 (vinte e cinco) a 49
(quarenta e nove) anos e renda superior a 13 (treze) salários
mínimos.68
Logo, o que se pode concluir é que o comércio eletrônico
propriamente dito, capaz de ensejar o acesso ao consumo através
da Internet, ainda é muito tímido no mercado brasileiro. No
entanto, qual seria a razão de números tão inexpressivos, quando
se compara a quantidade de horas que o usuário brasileiro
permanece conectado à Internet?
67 http://camara-e.net/_upload/perfil_e-consumidor.pdf68 http://camara-e.net/interna.asp?tipo=3&valor=40
48
O Prof. RICARDO LORENZETTI, ao enfrentar o tema em
recente trabalho sobre o comércio eletrônico, observa que “os
consumidores não têm segurança quanto à utilidade e à qualidade do bem
se não o utilizaram, em razão disso se diz que estes são“bens de
experiência” ou produtos para experimentar, porque não se saberá se o
livro ou jornal é bom antes de tê-lo. Para neutralizar este aspecto, a marca
e o prestígio têm uma grande importância e, com isso, a proteção da
imagem, da marca e da reputação. Neste sentido, já se observou que o
ponto central da criação de valor na web é a confiança, uma vez que o
usuário não tem meios empíricos ou sensíveis para verificar, mas pode
confiar no prestígio de uma marca ou na fiabilidade de um comportamento
repetido”.69
Os consumidores, ao adquirirem bens através da Internet,
devem “confiar na aparência, na imagem, no som, na informação, no
click, na presença de um ser humano ou de uma pessoa jurídica
organizadora, em qualquer um dos computadores interligados no mundo.
Confiança no meio eletrônico, na entrega, nos dados, na contratação, no
armazenamento, na possibilidade de perenizar o negócio jurídico e de seu
bom fim! Confiança na realização das expectativas legítimas do consumidor
também nos negócios jurídicos do comércio eletrônico é a meta"! 70
Ao que parece, a desconfiança dos consumidores, hoje, é a
grande barreira ao acesso ao consumo através da Internet. No
69 Ricardo L. Lorenzetti, Comércio Eletrônico, p. 60.70 Cláudia Lima Marques, Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor. Um estudo dosnegócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico, p. 47.
49
entanto, quais seriam os elementos que ensejariam essa
desconfiança, no momento de escolher a Internet como o veículo
de materialização do acesso ao bem ou serviço pretendido? As
razões que motivam a desconfiança do consumidor, ao que parece,
residem no próprio negócio jurídico eletrônico, que possui
características especialíssimas, quais sejam, a despersonalização, a
desterritorialização, desumanização da relação social de consumo
e a desmaterialização do meio contratual.
A despersonalização do contrato se dá em razão de o
fornecedor, agora, ser um ofertante profissional automatizado e
globalizado, presente em uma cadeia sem fim de intermediários,
um fornecedor sem cara, sem sede, que fala todas as línguas, e já
não possui mais nacionalidade.71
A desumanização do negócio jurídico na Internet decorre da
conduta dos agentes. Como se sabe, os fornecedores veiculam
publicidades na Internet, e os consumidores, em grande parte das
vezes, apenas aderem à publicidade veiculada através de um
simples click. A linguagem dos fornecedores na Internet se dá
através de publicidades, desenhos, sons, ícones, marcas, banners e
outras manifestações unilaterais de vontade, as quais se encontram
com outra manifestação unilateral de vontade do consumidor, ou
seja, um simples click. Não existe um diálogo entre o fornecedor e
71 Conf. Cláudia Lima Marques, ob. cit., p. 62.
50
o consumidor sobre a relação de consumo, mas tão-somente
manifestações unilaterais de vontade que fazem nascer uma
obrigação de consumo.
A ilustre Prof.ª CLÁUDIA LIMA MARQUES esclarece que“o contrato eletrônico é concluído sem forma física, desmaterializada, são
bits e códigos binários. A linguagem do contrato também é diferente, é
virtual em um primeiro momento e semi-escrita num segundo. (. . .) Neste
primeiro momento, todas estas impressões criam a confiança do
consumidor. Em um segundo momento, as condições gerais do contrato
impostas pelo fornecedor aparecem em uma janela sob a forma escrita e
poderão ser baixadas". 72
O negócio jurídico eletrônico ainda é atemporal e
desterritorializado. Os fornecedores veiculam publicidades, na
Internet, que os obrigam ao seu cumprimento, em razão do
princípio da vinculação da mensagem publicitária. Tem-se,
entretanto, que o fornecedor e o consumidor, na maioria das vezes,
não fecham o negócio ao mesmo tempo e, ainda que o pudessem
fazer, normalmente não residem no mesmo país. O que há, na
prática, é a veiculação de uma publicidade por parte do fornecedor
e a adesão, através de um simples click, por parte do consumidor.
As partes, em alguns casos, sequer residem no mesmo país, sequer
se submetem às mesmas leis, o que gera insegurança e
desconfiança por parte do consumidor.
72 Cláudia Lima Marques, ob. cit., p. 81.
51
Como se vê, o acesso ao consumo através da Internet é uma
relação jurídica complexa, em razão da desmaterialização, da
desterritorialização do contrato e da desumanização das partes
envolvidas na relação de consumo. Assim, a saída ao problema
acima exposto, certamente, reside em instrumentos que protejam o
consumidor, promovam e garantam a sua confiança nos meios
eletrônicos.
b) A expectativa de consumo e a sociologia jurídica
Como se sabe, a desconfiança nasce do receio de
desapontamento ou de frustração das expectativas criadas dentro
do mundo significativo do indivíduo, que lhe oferece uma série de
possíveis experiências e ações, em que pese o seu limitado
potencial interno de percepção, assimilação de informações e ação
consciente.73 A Sociologia Jurídica, ao analisar os problemas
decorrentes da quebra da expectativa dos indivíduos, define que a
conduta de um indivíduo deve se pautar naquilo que se pode
esperar objetivamente dele e dos demais indivíduos que compõem
a sua sociedade.
73 Conf. Niklas Luhmann, Sociologia do direito II, p. 52.
52
NIKLAS LUHMANN, autor de vários livros sobre Sociologia
Jurídica, observa que existem estruturas de assimilação de
experiências sociais que buscam afastar o indivíduo dos
desapontamentos das expectativas geradas no ambiente social.
Com efeito, ele assevera que “sobre essa situação existencial
desenvolvem-se estruturas correspondentes de assimilação da experiência,
que absorvem e controlam o duplo problema da complexidade e da
contingência. Certas premissas da experimentação e do comportamento,
que possibilitam um bom resultado seletivo, são enfeixadas constituindo
sistemas, estabilizando-se relativamente frente a desapontamentos. Elas
garantem uma certa independência da experimentação com respeito a
impressões momentâneas, impulsos instintivos, excitações e satisfações,
facilitando assim uma seleção continuada também ao longo do tempo, tendo
em vista um horizonte de possibilidades ampliado e mais rico em
alternativas. As comprovações e as satisfações imediatas são em parte
substituídas por técnicas de abstração de regras cientificamente úteis, e de
seleção de formas adequadas de experimentação e de autocertificação. A
esse nível do comportamento seletivo podem ser formadas e estabilizadas
expectativas com relação ao mundo circundante. Seu efeito seletivo é ao
mesmo tempo inevitável e vantajoso, motivando assim a retenção de tais
estruturas, mesmo frente a desapontamentos". 74
Bem se vê que NIKLAS LUHMANN acreditava que o
indivíduo, guiado pelas condutas sociais, cria uma premissa de
experimentação e de comportamento, para reduzir as
possibilidades de frustração das suas expectativas, devendo-se
destacar que seriam as condutas sociais reiteradas dos indivíduos
74 Niklas Luhmann, ob. cit., p. 46.
53
que ordenariam as premissas desse sistema. As expectativas
sociais, por oportuno, não se restringem às expectativas de
conduta de um indivíduo com outro que compõe uma sociedade,
mas também com as expectativas que o outro indivíduo terá da
atuação do primeiro indivíduo.
O agir social e o nascimento das expectativas teriam uma
dupla relevância, eis que “uma ao nível das expectativas imediatas de
comportamento, na satisfação ou no desapontamento daquilo que se espera
do outro; a outra em termos de avaliação do significado do comportamento
próprio em relação à expectativa do outro. (. . .) Essa função última tem seu
centro de gravidade no plano reflexivo da expectativa sobre expectativas,
criando aqui segurança em termos de expectativas, à qual se segue, apenas
secundariamente, a segurança sobre o comportamento próprio e a
previsibilidade do comportamento alheio. É muito importante, para a
compreensão do direito, ter uma visão clara dessa diferença. Isso porque a
segurança na expectativa sobre expectativas, seja ela alcançada por meio
de estratégias puramente psíquicas ou por normas sociais, é uma base
imprescindível de todas as interações, e muito mais importante que a
segurança na satisfação de expectativas”.75
O que ora se pode indagar é o que seria a expectativa da
expectativa de um indivíduo? A explicação poderia se dar pelo
exemplo da estipulação do horário de visita de um doente em um
hospital. Com efeito, os parentes dos doentes têm a expectativa de
que podem fazer visitas em um determinado horário, mas não
54
podem, em um outro. Assim, a primeira expectativa residiria na
segurança de que os parentes dos doentes podem visitá-los em um
determinado horário. A segunda expectativa, a qual se pode
chamar de expectativa da expectativa de um indivíduo, é que
nenhum doente esperará seu parente fora desse horário, ou seja, os
doentes não podem esperar que seus parentes os visitem fora do
horário estipulado. Portanto, a segunda expectativa nada mais é do
que a previsibilidade de que o doente e o médico não esperarão o
parente do doente fora do horário de visitas.
Como se vê, a expectativa imediata reside no comportamento
que um indivíduo pode esperar do outro na relação social das
partes, ao passo que o comportamento mediato dos indivíduos é a
previsibilidade da relação social dos indivíduos que compõem a
sociedade, baseando-se naquilo que é lícito se esperar da
expectativa do outro sobre os seus atos.
A expectativa de consumo estudada como fato sociológico é
fenômeno de grande importância ao seu estudo no comércio
eletrônico. Isso porque a primeira expectativa do consumidor
residirá no alcance do fim esperado com a aquisição de produtos e
serviços através da Internet. A segunda expectativa do consumidor
– expectativa da expectativa – residirá na sua expectativa de que o
fornecedor sempre o trate como parte vulnerável dentro do
75 Niklas Luhmann, ob. cit., p. 52.
55
mercado de consumo eletrônico e, em certos casos, também como
parte hipossuficiente. Nesse momento, pode-se observar que a
segunda expectativa de consumo sempre levará em conta a
expectativa de o consumidor ser tratado como parte vulnerável e
hipossuficiente dentro do mercado de consumo.
c) As medidas tomadas pela Comunidade Econômica Européia
contra os problemas da desmaterialização do contrato, da
contratação à distância e da despersonalização das relações
sociais eletrônicas
A falta de confiança dos consumidores na aquisição de
produtos e serviços através da Internet não é um fenômeno novo.
Isto porque os estudos sobre o tema se iniciaram com o problema
da contratação à distância, e com os problemas decorrentes dos
veículos que permitem esse tipo de contratação, na qual o
consumidor não tem contato físico com o bem adquirido, nem
mesmo com a empresa fornecedora dos bens.
A dificuldade encontrada pelo consumidor na aquisição de
bens através de contratos à distância refere-se à formação da sua
escolha. Sabe-se que o processo de escolha dos consumidores se
divide em quatro estágios, sendo o primeiro aquele que se refere
ao levantamento das expectativas dos consumidores, o segundo o
56
que se refere à percepção de estímulos exteriores, o terceiro
aquele que se refere ao levantamento das possíveis alternativas
dos consumidores e o quarto, o que se refere ao julgamento do
consumo.76
Logo, como os consumidores não têm contato com o produto
que será adquirido, ou mesmo, com o próprio fornecedor de
produtos e serviços, as suas expectativas de consumo, as suas
percepções, as suas análises basear-se-ão tão-somente nas
informações prestadas pelo fornecedor, fato que demonstra a
importância do dever de informação do fornecedor nesse tipo de
contratação.
A Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu, de 20 de maio de
1997, a qual se refere à contratação à distância, no parágrafo nono
da EXPOSIÇÃO DOS SEUS MOTIVOS, declara que a utilização
de técnicas de comunicação à distância não deve conduzir a uma
diminuição da informação prestada ao consumidor. E mais, a
Diretiva em questão, na mesma EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS,
através do seu parágrafo décimo terceiro, considera que “a
informação divulgada por algumas tecnologias eletrônicas tem
freqüentemente caráter efêmero, na medida em que não é recebida em
suporte durável, que é deste modo, necessário que o consumidor receba por
escrito, em tempo útil, as informações necessárias para a correta execução
do contrato”.
76 Conf. Ernesto M. Giglio, ob. cit., p.198.
57
A Diretiva 97/7/CE, através dos seus artigos 4º e 5º, ainda
estipula as informações prévias que devem ser prestadas aos
consumidores, quando estes adquirirem produtos e serviços de um
fornecedor à distância. O fornecedor deverá informar ao
consumidor, em tempo útil e antes da celebração do contrato, as
características essenciais do bem ou do serviço que será adquirido
pelo consumidor, o seu preço, as modalidades de pagamento, as
despesas da sua entrega no domicílio e o prazo de validade do
preço e da oferta.
Nem se fale, por sua vez, que a Diretiva 97/7/CE não foi
recepcionada pelas normas internas dos países que compõem a
Comunidade Européia, visto que o próprio Código de Defesa do
Consumidor da Itália, no seu art. 50, define o contrato à distância
como “il contratto avente per oggetto beni o servizi stipulato tra um
professionista e um consumatore nell ambito di um sistema di vendita o di
prestazione di servizi a distanza organizzato dal professionista che, per
tale contratto, impiega esclusivamente una o più tecniche di comunicazione
a distanza fino allá conclusione del contratto, comprese ala conclusione del
contratto stesso”.
O art. 50 do Código de Defesa do Consumidor da Itália, por
sua vez, ainda dispõe quanto às informações que o fornecedor
deverá fornecer ao consumidor que contratar à distância, nos
mesmos moldes da Diretiva 97/7/CE, ao declarar que “in tempo
utile, prima della conclusione di qualsiasi contratto a distanza, il
58
consumatore deve ricevere le seguenti informazioni: (a) identità del
professionista e, in caso di contratti che prevedono il pagamento
anticipato, l’indirizzo del professionista; (b) caratteristiche essenziali del
bene o del servizio; (c) prezzo del bene o del servizio comprese tutte lê
tasse e lê imposte;(d) spese di consegna . . .”
Portanto, nota-se que a Diretiva 97/7/CE foi recepcionada
pelo Código de Defesa do Consumidor da Itália, tendo este dado
especial importância à formação da expectativa de consumo e à
percepção do consumidor ao designar os elementos objetivos que o
fornecedor deverá divulgar, se quiser que seus consumidores
adquiram seus produtos e serviços à distância.
Com efeito, as informações prestadas de forma objetiva pelo
fornecedor, certamente, formarão as expectativas dos
consumidores quanto à possibilidade de satisfação das suas
necessidades e de seus desejos, caso adquiram o produto ou o
serviço ofertado, razão pela qual, nos contratos à distância, o
legislador comunitário tratou de forma específica e peculiar a
prestação de informações por parte dos fornecedores de bens e
serviços.
A Diretiva 2002/65/CE, de 23 de setembro de 2002, que trata
da comercialização à distância de serviços financeiros, é ainda
mais severa quanto à necessidade da clara e veraz informação
quanto aos riscos e às características desse tipo de contratação. O
59
seu art. 3º trata da informação prévia que deverá ser prestada ao
consumidor, a qual formará sua expectativa e percepção acerca dos
produtos e serviços fornecidos pela instituição financeira. O mais
curioso é que o inciso 2º do art. 3º da Diretiva 2002/65/CE
determina que “a instituição financeira informe o preço total devido pelo
consumidor ao prestador pelo serviço financeiro, incluindo o conjunto das
comissões, encargos e despesas inerentes e todos os impostos pagos através
da prestação”. 77
Como se vê, a Diretiva 97/7/CE e a Diretiva 2002/65/CE,
ainda que não tratem especificamente da contratação através da
Internet, nos guiam ao cerne do problema da contratação à
distância, qual seja, a desumanização e a desmaterialização das
relações sociais de consumo.
Ora, a contratação realizada através da Internet também é
feita à distância, de forma desumanizada e desmaterializada, visto
que o consumidor não manuseia os produtos antes de adquiri-los,
não os testa, antes de comprar. As expectativas e percepções dos
consumidores formam-se tão-somente através das informações
prestadas pelo fornecedor, sem qualquer contato com o fornecedor,
eis que a modalidade desse tipo de contratação impede que o
consumidor alcance suas expectativas e percepções, de outra
forma. Assim, nota-se que o legislador comunitário, antes mesmo
77 Ver a esse respeito, o art. L 311-4 do Código de Defesa do Consumidor da França.
60
de tratar o problema da contratação eletrônica, já havia outorgado
grande importância às informações prestadas aos consumidores, na
hipótese de contratação à distância.
A Comunidade Econômica Européia, através da Resolução do
Conselho 1999/C23/01, de 19 de janeiro de 1999, a qual trata,
especificamente, do comércio eletrônico, no parágrafo quinto da
EXPOSIÇAO DE MOTIVOS, deliberou que a confiança dos
consumidores constitui uma condição indispensável para que estes
aceitem a sociedade da informação, e dela participem.
Ademais, a Resolução do Conselho 1999/C23/01, de 19 de
janeiro de 1999, da Comunidade Econômica Européia, através do
parágrafo 6º das EXPOSIÇÕES DE MOTIVOS, ainda considerou
que “para instaurar essa confiança, é necessário facultar, relativamente
às novas tecnologias, um nível de proteção equivalente ao existente nas
transações tradicionais, através da aplicação dos princípios existentes na
política dos consumidores aos novos produtos e serviços disponíveis na
sociedade de informação, notadamente: (a) transparência e o direito a
receber informações suficientes e f iáveis antes e, nos casos adequados,
depois da transação, incluindo em especial a identidade autenticada do
fornecedor e as informações necessárias para provar a autenticidade de
cada elemento de uma transação”.
61
Logo, nota-se que a Resolução do Conselho da Comunidade
Econômica Européia 1999/C23/01 dá, nos mesmos moldes das
Diretivas 97/7/CE e 2002/65/CE, grande importância às
informações prestadas aos consumidores, à transparência e à
lealdade da conduta dos fornecedores no mercado de consumo,
estabelecendo, implicitamente, que a transparência, a veracidade e
a clareza dessas informações poderão motivar a confiabilidade dos
consumidores na cadeia eletrônica de consumo criada pelo
fornecedor.
A Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu, de 8 de
junho de 2000, por sua vez, estabeleceu os parâmetros ao exercício
do comércio eletrônico dentro da comunidade européia. A Diretiva
em questão, através do seu art. 5º, estipula que “além de outros
requisitos de informação constantes do direito comunitário, os estados-
membro assegurarão que o prestador do serviço faculte aos destinatários
do seu serviço e às autoridades competentes um acesso fácil , direto e
permanente, pelo menos, às seguintes informações: (a) nome do prestador;
(b) endereço geográfico em que o prestador se encontra; (c) elementos de
informação relativos ao prestador de serviços, incluindo o seu endereço
eletrônico, que permitam contatá-lo rapidamente e comunicar direta e
efetivamente com ele”.78
Como se vê, o art. 5º da Diretiva 2000/31/CE estipula a
obrigação de o fornecedor se identificar, informar de forma clara o
78 Ver, de maneira semelhante, o artigo 10º da Diretiva 2000/31/CE.
62
valor do produto ou serviço adquirido, as formas de pagamento, o
conteúdo e a forma do contrato que será celebrado. O referido
artigo é semelhante aos artigos 4º e 5º da Diretiva 97/7/CE e ao
art. 50 do Código de Defesa do Consumidor da Itália, eis que
todos esses artigos estipulam, de forma objetiva, os elementos que
o fornecedor deverá informar ao consumidor, se quiser oferecer
bens e serviços à distância, ou através da Internet.
O legislador brasileiro, por sua vez, também não poderia
deixar de observar a importância das relações de consumo no
âmbito do comércio eletrônico. Hoje, o Projeto de Lei nº
4906/2001, que dispõe sobre o valor probante do documento
eletrônico e da assinatura digital, e que regula a certificação
digital e institui normas para as transações de comércio eletrônico,
dá boa solução, ainda que muitos critiquem a sua necessidade, aos
problemas que decorrem do comércio eletrônico.79
O Projeto de Lei n. 4906/2001, através do seu art. 30, dispõe
que "aplicam-se ao comércio eletrônico as normas de defesa e proteção do
consumidor vigentes no País".
79 Ver, de maneira semelhante: o Projeto de Lei nº 1483/1999 foi substituído pelo Projeto de Leinº 4906/2001. Em apenso aos Projetos de Lei nº 1483/1999 e 4906/2001, está apenso o Projeto de Leinº 1598/1999.
63
Inicialmente, pode-se perceber, ainda que o referido Projeto
de Lei dê boa solução a parte dos problemas existentes na Internet,
que o artigo acima é desnecessário, visto que as normas
decorrentes do Código de Defesa do Consumidor têm força de Lei
Complementar, pois regulam o art. 170 da Constituição Federal, e
decorrem do art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias da nossa Constituição. Nesse mesmo sentido, é o
pacífico entendimento dos nossos tribunais, conforme segue:
“Consumidor. Aplicação de legislação consumerista. Codexque prevalece quando em conflito com a Convenção deVarsóvia, uma vez que se trata de norma hierarquicamentesuperior e posterior. O Código de Defesa do Consumidor,quando em conflito com a Convenção de Varsóvia temprevalência sobre ela, considerando tratar-se de leihierarquicamente superior – editada nos termos do art. 5,XXXII, da CF – e posterior – editada em 11.09.1990 e comvigência em 13.03.1991 – enquanto a Convenção ingressou noordenamento jurídico nacional em 24.11.1931”.80
Bem se vê não haver choque entre lei ordinária, no caso
trazido como paradigma à Convenção de Varsóvia, com o Código
de Defesa do Consumidor, pois o Código de Defesa do
Consumidor é lei hierarquicamente superior, e editada após a
adoção da Convenção de Varsóvia, no nosso sistema jurídico. Ora,
a interpretação do nosso sistema jurídico jamais poderá colocar em
choque lei ordinária com lei complementar, a qual tem sua origem
e aplicabilidade em decorrência da nossa Constituição, fato que
80 RT 809/330.
64
nos leva a crer que o aresto acima deu boa solução a eventual
conflito entre essas normas.
Observa-se, entretanto, que o Projeto de Lei n. 4906/2001
segue os mesmos passos da Diretiva 2000/31/CE do Parlamento
Europeu, eis que declara, nos mesmos moldes do art. 3º da referida
Diretiva, a obrigatoriedade da aplicação das normas de consumo
ao comércio eletrônico. Como dito, essa disposição não é
necessária, em razão da própria natureza hierárquica do Código de
Defesa do Consumidor do Brasil, o qual tem natureza de lei
complementar, sendo, portanto, hierarquicamente superior ao
referido Projeto de Lei, o que não ocorre nas legislações européias
e, por conseqüência, origina o dever de o comércio eletrônico
respeitar as normas de defesa do consumidor europeu.
Em segundo lugar, tem-se que o dever de informação por
parte do fornecedor, nos mesmos moldes dos artigos 5º e 10º da
Diretiva Européia 2000/31/CE do Parlamento Europeu, é disposto
no art. 31 do Projeto de Lei n. 4.906/2001.
O art. 31 do Projeto de Lei n. 4.906/2001 dispõe que “a oferta
de bens, serviços ou informações por meio eletrônico deve ser realizada em
ambiente seguro, devidamente certificado, e deve conter claras e
inequívocas informações sobre: I – nome ou razão social do ofertante, III –
domicílio ou sede do ofertante, V – número de telefone e endereço
65
eletrônico para contato com o ofertante, bem como instruções precisas para
o exercício do direito de arrependimento”.
Ora, nota-se que o Projeto de Lei n. 4906/2001 estipula, de
forma objetiva, os deveres de informação do fornecedor
eletrônico, restando claro que o mesmo ocorre nos artigos 4º e 5º
da Diretiva 2000/31/CE. Sabe-se que a informação é elemento de
grande importância ao desenvolvimento do comércio eletrônico,
pois dará ensejo às legítimas expectativas dos consumidores no
ambiente eletrônico, o que demonstra a preocupação correta do
nosso legislador ao cumprimento do dever de informação e à
necessidade desse dever por parte do fornecedor.
Assim, conclui-se que a desconfiança do consumidor é uma
grande barreira ao crescimento do comércio através da Internet e à
transformação da Internet em uma ferramenta de acesso ao
consumo, sendo certo que a grande arma dos fornecedores contra
essa barreira é a veiculação transparente, veraz e clara das
informações necessárias à formação das percepções dos
consumidores, as quais motivarão as suas legítimas expectativas.
66
V. O PRINCÍPIO DA BOA- FÉ OBJETIVA, O PRINCÍPIO DA
TRANSPARÊNCIA E O PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
APLICADOS AO COMÉRCIO ELETRÔNICO
As Diretivas da Comunidade Econômica Européia 97/7/CE,
2002/65/CE e, em especial, a Diretiva 2000/31/CE demonstram
que as medidas adotadas pela Comunidade Européia buscam a
confiança do consumidor nos meios eletrônicos, sendo tais
medidas muito semelhantes àquelas adotadas nas contratações
realizadas à distância, através dos meios tradicionais. Observa-se,
no entanto, que todas essas diretivas dão especial importância à
divulgação das informações prestadas através da Internet81 e à
transparência dos fornecedores na sua veiculação.
As diretivas acima citadas são normas de conduta que devem
ser adotadas pelos membros da Comunidade Econômica Européia,
e que buscam introduzir valores ao sistema normativo vigente nos
países que compõem a Comunidade Econômica Européia. Logo,
devemos estudar a busca da confiança do consumidor, a boa-fé dos
exploradores do mercado de consumo, a transparência da conduta
adotada através da Internet, como valores perseguidos pelo
legislador comunitário, no momento da criação das normas
inseridas no sistema jurídico europeu.
81 Ver a esse respeito, os artigos 30 e 31 do Projeto de Lei n. 4906/2001.
67
O comportamento de uma pessoa, conforme leciona a ilustre
Prof.ª CHRISTIANE GADE, “é a manifestação externa de processos
psicológicos internos, de respostas aos estímulos que são processados e
transformados em informações aprendidas e memorizadas. Os estímulos
também são geradores de motivação, fazendo com que os consumidores
desejem as coisas. E a partir das informações do que é aprendido e sentido,
das emoções, é que se desenvolvem as atitudes, opiniões e a intenção de
ação de compra”. 82
As assertivas da ilustre professora, ainda que tratem o
processo de escolha do consumidor como um processo psicológico,
trazem importantes elementos ao nosso estudo, visto que
demonstram que as informações veiculadas na Internet são
aprendidas, memorizadas, geram estímulos, expectativas e
percepções, sendo certo que esses fatores, em um segundo
momento, influenciam o comportamento de consumo de um
indivíduo.
Portanto, o que motiva o dever de os fornecedores adotarem
condutas transparentes e de boa-fé no mercado de consumo
eletrônico é o grande poder que as publicidades, as informações
veiculadas no mercado de consumo e as condutas objetivas dos
fornecedores despertam nos comportamentos de consumo da nossa
sociedade, quer através da sua influência psicológica sobre os
82 Christiane Gade, ob. cit., p. 27.
68
processos de decisão, quer através da sua influência sobre os
elementos racionais que motivaram a escolha dos consumidores.
Assim, como a proteção dos consumidores frente às práticas
acima expostas é medida fundamental à proteção das legítimas
expectativas de consumo no comércio eletrônico, nada mais
cabível do que se estudar os princípios que inseriram valores nas
diretivas adotadas pela Comunidade Econômica Européia, os quais
também poderão nortear o comércio eletrônico brasileiro.
a) O princípio da boa-fé objetiva
O princípio da boa-fé é um dos princípios que norteiam o
Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. Todavia, o
Código Civil contempla tanto o princípio da boa-fé subjetiva
quanto o princípio da boa-fé objetiva, sendo que o primeiro deles
não é contemplado pelo Código de Defesa do Consumidor.
A diferença entre os referidos princípios acima expostos
reside no fato de que o princípio da boa-fé subjetiva leva em conta
a intenção do indivíduo ao executar o ato, ao passo que o princípio
da boa-fé objetiva leva em conta tão-somente a conduta do
indivíduo, totalmente despida de qualquer elemento interno.83
83 Conf. Maria Cristina Cereser Pezzella, O Princípio da boa fé objetiva no Direito Privado alemão ebrasileiro, p. 199.
69
A Prof.ª JUDITH MARTINS COSTA, ao analisar as
diferenças entre boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva, conclui que “a
expressão boa fé subjetiva denota estado de consciência, ou convencimento
individual de obrar (a parte) em conformidade ao direito (sendo) aplicável,
em regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria
possessória. Diz-se subjetiva justamente porque, para a sua aplicação, deve
o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu
estado psicológico ou íntima convicção. (. . .) A boa fé subjetiva denota,
portanto, primariamente, a idéia de ignorância, de crença errônea, ainda
que escusável, acerca da existência de uma situação regular, crença (e
ignorância) que repousam seja no próprio estado da ignorância, seja numa
errônea aparência de certo ato. (. . .) A boa fé objetiva qualifica, pois, uma
norma de comportamento legal. É norma nuançada – mais propriamente
constitui um modelo jurídico – na medida em que se reveste de variadas
formas, de variadas concreções, denotando e conotando, em sua
formulação, uma pluridiversidade de elementos entre si interligados numa
unidade de sentido lógico". 84
A Prof.ª MARIA CRISTINA CERESER PEZZELA, de forma
simplista, diferencia a boa-fé objetiva da boa-fé subjetiva, eis que“a boa fé subjetiva é a consciência ou a convicção de se ter um
comportamento conforme ao direito ou conforme à ignorância do sujeito
acerca da existência do direito do outro. Já a boa fé objetiva permite a
concreção de normas impondo que os sujeitos de uma relação se conduzam
de forma honesta, leal e correta”.85
O Prof. ANTONIO MENEZES CORDEIRO explica, ao
analisar a conduta objetiva dos indivíduos de boa-fé, que “o
84 Judith Martins Costa, A boa fé no Direito Privado, p. 412.85 Maria Cristina Cereser Pezzella, ob. cit., p. 199.
70
comportamento das pessoas deve respeitar um conjunto de deveres
reconduzidos, num prisma juspositivo e numa ótica histórico-cultural, a
uma regra de actuação de boa fé. As incursões anteriores permitiram
detectar esses deveres – e logo o aflorar dessa regra no período pré-
negocial, na constância de contratos válidos, em situações de nulidades
contratuais e na fase posterior à extinção de obrigações”.86
Como se sabe, os princípios possuem eficácia mediata e
indireta sobre o sistema jurídico, dependendo de normas jurídicas
e de interpretações jurisprudenciais para sua aplicação.87 Com
efeito, o inesquecível Prof. CLAUS WILHELM CANARIS
lecionava que “os princípios necessitam, para a sua realização, da
concretização através de subprincípios e de valorações singulares com
conteúdo material próprio. De facto, eles não são normas e, por isso, não
são capazes de aplicação imediata, antes devendo primeiro ser
normativamente consolidados ou normativizados”.88
Ora, se os princípios não possuem aplicação imediata e
dependem de uma norma para sua aplicação, então qual a função
dos princípios? Novamente, o Prof. CLAUS WILHELM CANARIS
dá uma boa explicação à pergunta, eis que “através deste último
(princípio), garante-se que a ordem do Direito não se dispersa numa
multiplicidade de valores singulares desconexos, antes se deixando
reconduzir a critérios gerais relativamente pouco numerosos; e com isso
fica também demonstrada a efectividade da segunda característica do
conceito de sistema, da unidade”.89
86 António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Da boa fé no direito civil, p. 633.87 Ver, de forma diversa, o art. 7 do Código de Defesa do Consumidor.88 Claus Wilhelm Canaris, Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, p. 9689 Claus Wilhelm Canaris, ob. cit., p. 22.
71
Bem se vê que os princípios dão unidade ao sistema jurídico,
o qual se desordenaria, caso deixasse de lado os valores inerentes
aos princípios e se apoiasse tão-somente na validade jurídica do
próprio sistema.
O princípio da boa-fé, por sua vez, transformou-se em norma
no nosso Código Civil, através do art. 422, o qual dispõe que “os
contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,
como em sua execução, os princípios de probidade e boa fé”.
No mesmo sentido, o art. 1337 do Código Civil da Itália,
dispõe que “Le parti, nello svolgimento delle trattative e nella formazione
del contratto, devono comportarsi secondo buona fede”. 90
E mais, o art. 242 do Código Civil da Alemanha, de forma
semelhante, determina que “o devedor está obrigado a executar a
prestação como a boa fé, em atenção aos usos e costumes, o exige”. 91
Tal princípio, que é adotado por todos os sistemas jurídicos
dos países ocidentais, traduz-se como o dever de conduta que,
razoavelmente, se espera da pessoa em uma relação jurídica,
quando analisada através do seu aspecto objetivo.92 A boa-fé
objetiva é, nesses termos, o princípio orientador das condutas
90 Ver a esse respeito, os artigos 1.366 e 1.375 do Código Civil da Itália e Rodolfo Sacco, La buona fede,nella teoria dei fatti giuridici di diritto privato, p. 14.91 Ver a esse respeito, o art. 1.198 do Código Civil da Argentina e o artigo 227 do Código Civil de Portugal.92 Conf. Inciso III do art. 6º , 31º , 36º e 37º do Código de Defesa do Consumidor do Brasil, alínea d, inciso1º do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor da Espanha, artigo 3º do Código de Defesa doConsumidor Português e artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor da Argentina.
72
sociais, estando estritamente ligada ao princípio da razoabilidade,
dele, facilmente, deduzindo-se o comportamento que as partes
devem pautar.93
A questão do princípio da boa-fé objetiva como mola
propulsora das condutas sociais foi esclarecida por LUIS DÍEZ-
PICAZO PONCE DE LEÓN, eis que o mesmo conclui que “una de
las consecuencias del deber de obrar de buena fe y de la necesidad de
ejercitar los derechos de buena fé, es la exigência de um comportamiento
coherente. La exigencia de un comportamiento coherente significa que,
cuando una persona, dentro de una relación juridica, ha suscitado en otra
con su conducta una confianza fundada, conforme a la buena fe, en una
determinada conducta futura, según el sentido objetivamente deducido de la
conducta anterior, no debe defraudar la confianza suscitada y es
inadmisible toda actuación incompatible con ella. La exigencia juridica del
comportamiento coherente está de esta manera estrechamente vinculada a
la buena fe y a la protección de la confianza”. 94
Ora, como já dito, a expectativa de consumo é a percepção de
que o consumidor alcançará a satisfação das suas necessidades ao
adquirir o produto ou o serviço oferecido no mercado, o que
guarda íntima semelhança com a explicação exposta acima. Isso
porque a expectativa de coerência dos atos presentes e futuros do
fornecedor gera a confiança depositada nele, bem como a crença
de que ele irá adotar uma conduta de boa-fé, a qual, em última
instância, protegerá os consumidores dentro do mercado de
93 Conf. Clovis V. do Couto e Silva, ob. cit., p.31.94 Luis Díez-Picazo Ponce de León, La doctrina de los propios actos, Un estudio crítico sobre lajurisprudencia del tribunal supremo, p. 142.
73
consumo.95 Logo, as expectativas geradas no mercado de consumo
decorrem das condutas objetivas dos fornecedores, as quais devem
se pautar de acordo com o princípio da boa-fé objetiva.
O Código de Defesa do Consumidor, através do seu art. 4º,
dispõe que: “A Política Nacional das Relações de Consumo tem por
objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua
dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a
melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia
das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: III –
harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e
compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de
desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os
princípios nos quais se funda a ordem econômica, sempre com base na boa
fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”. 96
O Min. RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, ao estudar a
questão do princípio da boa-fé objetiva e a Política Nacional de
Defesa do Consumidor, concluiu que “tal política deverá atender
entre outros, ao princípio da harmonização dos interesses dos participantes
das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor
com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a
viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica, sempre com
base na boa fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
(. . .) Isso porque a boa fé não serve tão-só para defesa do débil, mas
também atua como fundamento para orientar interpretação garantidora da
ordem econômica, compatibilizando interesses contraditórios, onde
95 Maria Cristina Cereser Pezzela, ob. cit., p. 211.96 O Princípio da boa- fé objetiva aparece nos artigos 6º, 46º, 51º e 54º do Código de Defesa doConsumidor.
74
eventualmente poderá prevalecer o interesse contrário ao do consumidor,
ainda que a sacrifício deste, se o interesse social prevalente assim o
determinar. (. . .) O artigo 4º do código se dirige para o aspecto externo e
quer que a intervenção na economia contratual, para harmonização dos
interesses, se dê com base na boa fé, isto é, com a superação dos interesses
egoísticos das partes e com a salvaguarda dos princípios constitucionais
sobre a ordem econômica através de comportamento fundado na lealdade e
na confiança”.97
O princípio da boa-fé objetiva é, certamente, elemento que
deve levar harmonia ao mercado de consumo, em razão dos
possíveis choques entre a livre iniciativa e os interesses dos
consumidores, o que nos leva a crer que qualquer política adotada,
quer seja pelo fornecedor, quer seja pelo Estado, deve respeitar o
princípio da boa-fé objetiva, o qual deverá ser exercido nos
moldes do art. 170 da Constituição Federal, sob pena de a política
adotada estar em desarmonia com o próprio sistema de consumo.
O princípio da boa-fé objetiva, o qual nos importará no
presente trabalho, pode ser estudado através da análise de quatro
deveres de conduta social, quais sejam, o dever de lealdade, o
dever de cooperação mútua, o dever de assistência técnica e o
dever de informação.
Inicialmente, tem-se que o dever de lealdade é aquele que
obriga o fornecedor a cumprir com as expectativas do consumidor,
97 Ruy Rosado de Aguiar Júnior, A boa fé na relação de consumo, p. 22. Ver a esse respeito, HeloísaCarpena, Abuso do direito nos contratos de consumo, p. 75.
75
geradas no momento em que o fornecedor veiculou a sua
publicidade no mercado de consumo, ou celebrou um contrato com
o consumidor.98
O Prof. JORGE CESA FERREIRA DA SILVA dispõe que “os
deveres de lealdade são aqueles que adstringem as partes a não praticar
atos, comissivos ou omissivos, anteriormente à conclusão do contrato,
durante a vigência dele ou até após a sua extinção, que venham a frustrar
as expectativas corporificadas no contrato ou nele legitimamente
sustentadas”. 99
O Prof. GERALDO DE FARIA DA COSTA, ao analisar o
dever de lealdade, observou fato curioso no Direito francês, eis
que “na França, a autoridade judiciária, nos termos do art. 312-13 do
Code de la Consommation, combinado com os art. 1244-1 e 1244-3 do Code
Civil pode conceder um "prazo de graça” (délai de grace) a todo devedor
que, em razão de circunstância independentes de sua vontade, como a
doença ou o desemprego, experimentem dificuldades em pagar suas dívidas.
O texto legal permite ao juiz de instância suspender a execução das
obrigações do tomador podendo decidir que durante o “délai de grace”,
sobre as somas devidas não incidirão juros. O credor não poderá demandar
a resolução do contrato durante a vigência do benefício”. 100
O Direito francês, como se pode observar, dá especial
atenção ao dever de lealdade na adoção de condutas dentro do
mercado de consumo. Sabe-se que o dever de lealdade está ligado
98 Geraldo de Faria Martins da Costa, Superendividamento. A proteção do consumidor de crédito emdireito comparado brasileiro e francês, p 65.99 Jorge Cesa Ferreira da Silva, A boa fé e a violação positiva do contrato, p.113.100 Geraldo de Faria Martins da Costa, ob. cit., p.65.
76
ao fim contratual, pois sua finalidade, como no caso dos juízes
franceses, é proteger o vínculo contratual, as legítimas
expectativas das partes, ainda que ocorram fenômenos alheios à
vontade das mesmas. Logo, a suspensão momentânea da execução
de um contrato, em razão de dificuldades passageiras do
consumidor, decorrentes de uma doença ou de perda do emprego,
seria a maior expressão da aplicação do dever de conduta em
benefício da própria manutenção do vínculo contratual existente
entre as partes.
Percebe-se, portanto, que esse dever nada mais é do que a
obrigação de o fornecedor se vincular a condutas sociais que
geram expectativas nos consumidores, tais como, a vinculação
deste à mensagem publicitária veiculada nos meios de
comunicação, à vedação à prática de veiculação de publicidades
abusivas e enganosas, além da vedação de o fornecedor lesar a
vida, ou o patrimônio do consumidor.
Em segundo lugar, tem-se o dever de as partes cooperarem
mutuamente para os fins do contrato. O Prof. JORGE CESA
FERREIRA DA SILVA, ao analisar o dever de cooperação,
depreende que esses deveres “estabelecem que ambas as partes têm o
dever de auxiliar a realização das atividades prévias necessárias à
consecução dos fins do contrato, assim como de afastar todas as
dificuldades para tal consecução, estando este afastamento ao alcance das
partes. Esses deveres recebem forte influência dos deveres de prestação, já
que, orientando-se pelo fim do contrato, encontram neles as suas balizas
77
fundamentais”.101
Em terceiro lugar, tem-se o dever de assistência técnica, o
qual, como o próprio nome indica, significa que o fornecedor
ficará sujeito ao reparo de eventuais vícios ou defeitos que o seu
produto ou serviço possua. Tais vícios ou defeitos deverão ser
reparados, para que seja alcançada a intenção almejada pelo
consumidor, no momento da celebração do contrato. Logo, tal
dever nada mais seria do que a garantia conferida ao consumidor
de que o produto ou serviço adquirido alcançará o fim almejado,
ainda que o fornecedor tenha que reparar eventuais defeitos nesse
produto.
Em quarto lugar, tem-se o dever da informação. De forma
superficial, pois o referido dever será estudado de forma
aprofundada nos próximos capítulos, é o dever de o fornecedor
prestar todas as informações necessárias ao correto consumo de
produtos ou serviços. Esses deveres, nos moldes dos estudos do
Prof. JORGE CESA FERREIRA DA SILVA, são “aqueles que
obrigam as partes a se informarem mutuamente de todos os aspectos
atinentes ao vínculo, de ocorrências que, com ele tenham certa relação e,
ainda, de todos os efeitos que, da execução, possa advir. São, portanto,
deveres que visam a permitir que as partes tenham, na medida do possível,
a exata dimensão das condicionalidades específicas da relação, podendo
com isso melhor projetar seus próprios futuros”.102
101 Jorge Cesa Ferreira da Silva, ob. cit., p. 114.
78
Portanto, o princípio da boa-fé objetiva é norma de conduta
que deve ser adotada pelos fornecedores no mercado de consumo,
sob pena de agirem em desacordo com a Política Nacional de
Defesa dos Consumidores. O presente trabalho, no entanto, não se
aterá ao dever de cooperação mútua, assistência técnica e lealdade,
pois as expectativas dos consumidores nascem das informações
veiculadas no mercado de consumo, sendo certo que essas
informações são as responsáveis pela geração das legítimas
expectativas dos consumidores, e de suas condutas no mercado de
consumo.
b) O princípio da transparência
O princípio da transparência, por sua vez, decorre do dever
de os fornecedores adotarem condutas claras, verazes e probas no
mercado de consumo, que sejam condizentes com as expectativas
dos consumidores.
A Prof.ª CLÁUDIA LIMA MARQUES, ao analisar o
princípio da transparência, assevera que “transparência significa
informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato
a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e
consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos
contratos de consumo. (. . .) O CDC regulará, assim, inicialmente aquelas
102 Jorge Cesa Ferreira da Silva, ob. cit., p. 115.
79
manifestações do fornecedor tentando atrair o consumidor para a relação
contratual, tentando motivá-lo a adquirir seus produtos e usar os serviços
que oferece. Regula, portanto, o código, a oferta feita pelo fornecedor,
incluindo aqui também a publicidade veiculada por ele. O fim destas
normas protetoras é assegurar a seriedade e a veracidade destas
manifestações, criando uma nova noção de oferta contratual.. .”103
O Prof. CHRISTOPH FABIAN, ao analisar o princípio da
transparência, observa que “a transparência é um princípio que
demanda como resultado clareza sobre o conteúdo da relação de consumo.
Neste sentido, a transparência descreve um modo de informar, isto é,
informar de forma clara. A transparência rege em primeiro lugar as
relações contratuais, mas a relação de consumo abrange também a relação
não contratual entre o fabricante e o consumidor". 104
O Prof. SERGIO CAVALIERI FILHO, por sua vez,
compreende que “a transparência, em última instância, é o dever que tem
o fornecedor de dar informações claras, corretas e precisas sobre o
produto a ser vendido, o serviço a ser prestado, ou sobre o contrato a ser
firmado. Vamos encontrar esse princípio repetido em vários dispositivos do
Código de Defesa do Consumidor – art. 6º , III, 31, 54, inciso 3. Isso está a
evidenciar que nos contratos de consumo não cabe subterfúgios, o antigo
dolus bonus. (. . .) Hoje, como já assinalado, os papéis se inverteram e é o
fornecedor que tem o dever de informar, dever esse que persiste não só na
fase pré-contratual, quando as informações são fundamentais para a
103 Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relaçõescontratuais, p. 595.104 Christoph Fabian, O dever de informar no Direito Civil, p.68.
80
decisão do consumidor, mas até na fase pós contratual, como se vê do
artigo 10, inciso 1º do Código de Defesa do Consumidor". 105
O princípio da transparência está intimamente ligado ao
processamento das informações veiculadas no mercado de
consumo pelos consumidores. Com efeito, os consumidores são
expostos a vários estímulos sensoriais no mercado de consumo, os
decodificam, adotam condutas objetivas baseadas nesses
estímulos, e adquirem expectativas acerca das condutas adotadas
pelos fornecedores. A transparência das condutas dos fornecedores
ajudará na materialização das expectativas dos consumidores,
razão pela qual a probidade, a veracidade das condutas sociais dos
fornecedores fará nascer as expectativas dos consumidores e, em
um segundo momento, gerará obrigações por ofensa ao princípio
da transparência.
O princípio da transparência, ao que parece, busca a
coerência da conduta do fornecedor no mercado de consumo, pois
o obriga a cumprir aquilo a que se propôs no mercado. Isto porque
os fornecedores devem agir de forma clara, veraz e, acima de tudo,
contribuir para a satisfação das necessidades dos consumidores, o
que, repita-se, nada mais é do que materializar as suas
expectativas. Ora, se uma conduta não é transparente, não pode ser
entendida como coerente.
105 Sergio Cavalieri Filho, ob. cit., p.102.
81
A coerência da conduta dos fornecedores, conforme as lições
de LUIZ DÍEZ-PICAZO PONDE DE LEÓN, nada mais é do que“la confianza suscitada por los actos, que impone una coherencia lógica al
comportamiento del autor, no es solo la confianza en una “aparientia
iuris”. Evidentemente el creador de una apariencia jurídica está, en
princípio, obligado por la buena fe, a permitir que los terceros que
confiaron en esa apariencia, la utilicen para sus propios fines y no puede
destruirla o pretender su ineficacia en daño de ellos. Pero la protección de
la confianza y, por tanto, la exigencia de coherencia va, en rigor, más
lejos. Todo el que suscita no sólo una apariencia jurídica, sino una
expectativa seria de una conducta futura, debe ser consecuente con la
expectativa suscitada”. 106
O autor, ao que parece, mistura a conduta social típica do
agente, o princípio da boa-fé, a aparência de veracidade e a
coerência da atitude adotada pelo autor com a expectativa da outra
parte da relação jurídica. No presente caso, o princípio da
transparência ajuda-nos a esclarecer as assertivas acima, visto que
a transparência da conduta dos fornecedores deverá legitimar as
expectativas dos consumidores, em harmonia com o princípio da
boa-fé, eis que os fornecedores geram uma aparência de conduta
social coerente no mercado, a qual tem sua percepção captada
pelos consumidores, que, assim, geram o dever de o fornecedor
cumprir a sua conduta social, ainda que tenha agido sem a
transparência necessária ao fiel cumprimento da obrigação.
106 Luis Díez-Picazo Ponce de León, ob. cit., p. 142.
82
O legislador do Código de Defesa do Consumidor cuidou de
tornar o princípio da transparência norma jurídica, ao dispor, no
caput do seu art. 4º, que “A política Nacional das Relações de Consumo
tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o
respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses
econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a
transparência e harmonia das relações de consumo...”
O art. 4º do Código de Defesa do Consumidor influenciou
vários outros artigos do nosso código, em especial, aqueles que
tratam da publicidade e da oferta veiculada no mercado de
consumo. Com efeito, a clareza, a precisão e a veracidade da
informação são direitos que decorrem do princípio da
transparência, e também foram regrados pelo art. 31 do Código de
Defesa do Consumidor. O princípio da transparência também fez
com que o código abraçasse o princípio da vinculação da
mensagem publicitária, através do art. 31 do Código de Defesa do
Consumidor, eis que a declaração de vontade publicitária é
suficiente, e vincula o fornecedor independente da sua vontade
interna, fazendo com que a conduta dos fornecedores seja mais
transparente no mercado de consumo.
c) O princípio da confiança
83
O princípio da confiança surge nas relações eletrônicas como
elemento fundamental à manutenção do comércio eletrônico.107
Com efeito, os consumidores, ao contratarem através da Internet,
aderem à publicidade, ou à oferta veiculada na rede mundial, sem
qualquer diálogo com o fornecedor, baseando-se tão-somente nas
informações, sensações e percepções que foram geradas.
As lições do ilustre Prof. GERSON LUIZ CARLOS
BRANCO, por sua vez, demonstram que “a transformação do contrato
pelo impacto social tem por conseqüência a proteção da confiança não
apenas para tutela da aparência ou das situações de confiança geradas em
razão da divergência entre a vontade e a declaração, mas
fundamentalmente para tutela dos efeitos do contrato, com a finalidade de
proteger as expectativas legítimas em relação às prestações e à segurança
das relações jurídicas. (. . .) A sociedade de consumo, forçada pela
necessidade de construir um consenso que preserve aqueles que têm menor
força no processo democrático passou a valorizar a confiança como um
bem dotado de autonomia, baseada em métodos de decisão que também
preservem as minorias. ( . . .) o princípio da confiança tem sua grande
atuação na tutela do direito do consumidor, pois sua incidência objetiva
torna o mercado um local seguro onde possa haver harmonia e lealdade nas
relações entre consumidores e fornecedores e onde não se necessite sempre
desconfiar do outro”. 108
107 Ver, nesse sentido, a Diretiva 2000/31/CE, art. 3º108 Gerson Luiz Carlos Branco, A proteção das expectativas legítimas derivadas das situações deconfiança, p. 195.
84
Os consumidores, de acordo com a Prof.ª CLÁUDIA LIMA
MARQUES, devem “confiar na aparência, na imagem, no som, na
informação, no click, na presença de um ser humano ou de uma pessoa
jurídica organizadora, em qualquer um dos computadores interligados no
mundo. Confiança no meio eletrônico, na entrega, nos dados, na
contratação, no armazenamento, na possibilidade de perenizar o negócio
jurídico e de seu bom fim! Confiança na realização das expectativas
legítimas do consumidor também nos negócios jurídicos do comércio
eletrônico . . .”109
O Prof. RICARDO LUIS LORENZETTI, de forma
complementar, ainda dispõe que “al contratar por internet no hacemos
una indagación sobre la solvencia del oferente, del servidor, el
funcionamiento de las claves, el sistema de seguridad en las transacciones,
y otros aspectos. (. . .) la confianza es la expectativa que surge dentro de
una comunidad de comportamento normal, honesto y cooperativo, basada
en normas comunes, compartidas por todos los miembros de dicha
comunidad. (. .) la confianza es un mecanismo de reducción de la
complejidad social, porque la existencia de variables tan abstractas,
distantes, y complicadas, sólo puede ser tratadas en base a la
confianza”.110
Como se vê, a confiança é um princípio que deve nortear
toda relação eletrônica, visto que a complexidade das informações
no meio eletrônico, a sedução exercida pela publicidade e a
109 Cláudia Lima Marques, Confiança no Comércio Eletrônico e a proteção do consumidor: um estudodos negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico, p. 46.110 Ricardo Luis Lorenzetti, La oferta como apariencia y la aceptación baseada en la confianza, p. 14.
85
segurança gerada pelas condutas antecedentes do fornecedor geram
expectativas no sentido de que as necessidades dos consumidores
serão satisfeitas, caso adquiram bens ou serviços que lhes sejam
oferecidos.
As percepções geradas pelos estímulos sensoriais e por
informações prestadas geram a confiança de que o fornecedor
adotará uma determinada conduta, e de que os produtos ou
serviços adquiridos atingirão um determinado fim. Logo, o sistema
jurídico deve proteger a confiança que o consumidor deposita no
mercado de consumo, sob pena de comprometimento das legítimas
expectativas do consumidor.
Por ora, o presente trabalho trata da confiança como um
princípio, eis que busca apurar neste capítulo a inclusão valorativa
dos princípios no sistema de consumo em questão. Todavia, não se
deve restringir a confiança somente a um princípio, eis que “a
confiança é um fato, é um valor e também uma estrutura normativa, quando
considerada como princípio jurídico”.111
O princípio da confiança não está expresso no nosso Código
de Defesa do Consumidor, todavia “um dos maiores reflexos da teoria
da confiança no direito do consumidor são as disposições do art. 30 do
CDC, segundo o qual as informações derivadas da publicidade integram o
86
contrato em razão das justificadas expectativas criadas por tal ato, assim
como, o declarante deve responder pela confiança que o contratante nele
depositou ao contratar. (. . .) é exigido que a publicidade obedeça a padrões
éticos e que os fornecedores respondam juridicamente pelos efeitos
econômicos que resultaram de tal atividade. Para fazer frente à
necessidade de uma responsabilidade que estivesse à altura das respectivas
benesses, o Código de Defesa do Consumidor qualificou a publicidade como
um instrumento que induz a confiança do consumidor e por tal razão
atribuiu à publicidade a estrutura e eficácia de negócio jurídico”.112
Os nossos tribunais, por sua vez, já reconhecem o princípio
da confiança, e o ligam ao dever de o fornecedor informar o
consumidor, através da publicidade veiculada no mercado, de
forma clara e veraz, conforme segue:
“Consumidor. Relação de consumo. Empresa que promove a
redução do peso do produto que comercializa há vários anos,
sem dar adequada informação sobre a mudança. Violação ao
princípio da confiança. Afronta ao disposto no art. 31, caput,
da Lei 8.078/90.
Ementa oficial: A empresa que promove a redução do peso do
produto que comercializa há vários anos, sem dar adequada
informação aos consumidores, viola o princípio da confiança
e o art. 31, caput, do CDC .
111 Gerson Luiz Carlos Branco, ob. cit., p. 180.112 Gerson Luiz Carlos Branco, ob. cit., p. 195.
87
(. . .) A meu sentir a redução da quantidade de sabão em pó,
mantendo-se, no entanto, o mesmo padrão de embalagem
anteriormente comercializada, confunde o consumidor.
Em razão da utilização da embalagem de 1kg durante vários
anos, a redução, da forma que se deu no caso em questão,
leva o consumidor a adquirir o produto (900g) acreditando
que a embalagem contém mais produto do que tem. Adquire o
consumidor 900g pensando estar adquirindo 1kg e que a
embalagem de 900g mantém o mesmo padrão da embalagem
anteriormente comercializada, inclusive quanto ao tamanho e
fórmula”.113
Bem se vê que a empresa que produziu o sabão em pó
afrontou o princípio da confiança, ao reduzir a quantidade de
sabão existente na embalagem, sem modificar, ou ainda, informar
de forma clara a redução da quantidade de sabão existente dentro
da embalagem. A manutenção da mesma embalagem, cor e nome
do produto fez com que os consumidores o adquirissem, sem
observar que estavam adquirindo menos produto, fato que motivou
a quebra do princípio da confiança por parte do fornecedor.
No tocante ao comércio eletrônico propriamente dito, tem-se
que a Diretiva 2000/31/CE, através do parágrafo 7º da sua
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS, declara que “a fim de garantir a
segurança jurídica e a confiança do consumidor, é essencial que a presente
113 RT 842/284
88
diretiva estabeleça um quadro geral claro, que abranja certos aspectos
legais do comércio eletrônico no mercado interno”.
Ora, tal diretiva, na realidade, prevê a desconfiança do
consumidor nos meios eletrônicos, ainda que o consumidor
brasileiro, conforme levantamento realizado pelo
IBOPE/NETRATINGS, permaneça 16h54min mensais conectado à
Internet.114 A razão da desconfiança dos consumidores decorre da
desumanização e da desmaterialização da relação de consumo
havida entre as partes, eis que o consumidor não tem contato físico
com o fornecedor, tampouco com os bens ofertados, sendo certo
que as partes da relação sequer dialogam sobre os detalhes da
operação de consumo.
Logo, caberá à legislação e aos fornecedores que se utilizam
do mercado de consumo eletrônico garantir a existência de
mecanismos que gerem a confiança dos consumidores nesse
mercado e, caso tal expectativa não seja cumprida, obriguem o
fornecedor a cumpri-la nos moldes a que se comprometeu.
O princípio da confiança, por sua vez, ainda gera deveres de
conduta por parte dos fornecedores. Esses deveres nada mais são
do que a obrigação secundária de os fornecedores não frustrarem
as expectativas depositadas pelos consumidores.
89
Os deveres de conduta são uma ampliação da obrigação
contraída pelas partes, eis que o devedor deve não só cumprir a
obrigação primária, mas também uma obrigação de conduta
secundária. Assim, “os deveres laterais podem ser definidos, a título
aproximativo, como todos aqueles deveres decorrentes do fato jurígeno
obrigacional cujo escopo não seja, diretamente, a realização ou a
substituição da prestação”.115
Esses deveres secundários de conduta, os quais decorrem do
princípio da confiança, podem, conforme as lições da Prof.ª
CÉLIA WEINGARTEN, gerar a responsabilidade do fornecedor
pela quebra da conduta antecedente da empresa.116
Em outras palavras, a Prof.ª CÉLIA WEINGARTEN acredita
que “la doctrina de los actos propios viene a completar el esquema como
nueva fuente en la configuración del contenido contractual, para abarcar
las razonables expectativas objetivamente esperadas por el consumidor.
Los derechos de los consumidores se ven de esta forma revalorizados, más
objetivos, conforme a las expectativas típicas de la relación
socioeconómica y la finalidad perseguida y las circunstancias que rodean
la celebración (oferta y publicidad del empresario). Estas constituyen el
conjunto de conductas empresariales dinámicas que contribuyen a formar
en el consumidor una determinada representación mental objetiva, respecto
114 http://www.almanaqueibope.com.br/asp115 Jorge Cesa Ferreira da Silva, ob. cit., p. 75.
90
del contenido del contrato, al cual se integran como es andar de calidad y
seguridad de los bienes y servicios”.117
Sucede, no entanto, que a quebra da expectativa do
consumidor poderia ensejar a responsabilidade do fornecedor e o
cumprimento da mensagem publicitária nos moldes da sua
veiculação, conforme dispõe o art. 35 do Código de Defesa do
Consumidor. Todavia, o princípio da confiança, ao que parece,
estaria implícito no nosso Código de Defesa do Consumidor, sendo
forçoso entender-se que seria possível obrigar um fornecedor ao
cumprimento obrigatório de uma publicidade, pela simples quebra
da sua conduta antecedente. Por esta razão, as conclusões da
ilustre professora argentina, certamente, seriam desnecessárias ao
sistema jurídico brasileiro, visto que o simples descumprimento da
publicidade veiculada no mercado de consumo - e não da complexa
conduta antecedente do fornecedor - já obrigaria o fornecedor à
reparação do dano, sendo essa complexa construção doutrinária,
no tocante à publicidade veiculada no mercado, desnecessária ao
nosso sistema jurídico.
Pode-se, por todo o exposto, entender que o princípio da
confiança está presente no nosso Código de Defesa do
Consumidor, nos artigos 30, 31 e 35, eis que os mesmos obrigam o
116 “Célia Weingarten, Derecho en expectativa del consumidor. Aplicación de la doctrina de los propiosactos, p. 50.117 Célia Weingarten, ob. cit., p. 55.
91
fornecedor a cumprir a declaração existente na informação e na
publicidade veiculada, sendo desnecessário aplicar-se a doutrina
dos atos próprios em razão do nosso próprio sistema, de forma
expressa, dar uma solução adequada à quebra das expectativas
legítimas dos consumidores.
92
VI. A ORDEM ECONÔMICA E O MARKETING COMO
FERRAMENTA DO COMÉRCIO ELETRÔNICO
O marketing pode ser definido como um processo social, pelo
qual os indivíduos e os grupos obtém o que necessitam e o que
desejam através da criação, oferta e troca de valor com outros.118
Como se percebe pela definição acima, a “necessidade” e o
“desejo” são elementos propulsores das “trocas” de produtos e
serviços, assim, vê-se que a necessidade e o desejo dos
consumidores são elementos centrais ao exercício do marketing.119
O ilustre Prof. PHILIP KOTLER define a “necessidade humana
como um estado de privação de alguma satisfação básica”120, sendo certo
que, dentre outras coisas, as pessoas necessitam, para a sua
sobrevivência, de alimentos, vestuário, abrigo, segurança e de
sentimentos de posse e auto-estima. O ilustre professor ainda
conclui que “estas necessidades não são criadas pela sociedade ou pelas
empresas, elas existem na delicada textura biológica e são inerentes à
condição humana”.121
O Prof. PHILIP KOTLER ainda define os desejos “como a
carência por satisfações específicas para atender as necessidades mais
profundas.”122 Assim, ele explica que um indivíduo necessita de um
118 Conf. Philip Kotler, ob. cit., p. 36.119 Conf. Vidal Serrano Nunes Júnior, Publicidade comercial: Proteção e limites na Constituição de 1988,p. 26.120 Philip Kotler, ob. cit., p. 25.121 Philip Kotler, ob. cit., p. 25.122 Philip Kotler, ob. cit., p. 25.
93
alimento e deseja um hambúrger, ou necessita de estima e compra
uma Mercedes Benz.123 Embora ele aborde as necessidades dos
consumidores sob aspectos econômicos e psicológicos, percebe-se
que ele designa grande importância aos aspectos sociais e culturais
dos consumidores. Isto porque ele acredita que “os desejos humanos
são continuamente moldados por instituições sociais como a igreja, a escola,
as empresas e os meios de comunicação. (. . .) os especialistas de marketing
não criam necessidades, elas já existiam antes deles. Os especialistas de
marketing, junto com outros influenciadores da sociedade, despertam
desejos”.124 Logo, o marketing seria uma atividade de busca das
necessidades já existentes nos consumidores, para que sejam
geradas demandas, possibilidades de novos produtos e,
inequivocamente, o lucro.
A Associação Americana de Marketing define o marketing
como “the process of planning and executing the conception, pricing,
promotion and distribution of ideas, goods and services to create exchanges
that satisfy individual (customer) and organizational objectives. The
marketing concept is a business philosophy that defines marketing as a
process intended to find, satisfy, and retain customers while the business
makes a profit . Central to both of theses definitions is the role of the
costumer's relationship to the product, whether that product is a good,
service or idea”.125
A definição anteriormente citada complementa a definição do
Prof. KOTLER, posto que define os critérios de marketing tomando
123 Philip Kotler, ob. cit., p. 26124 Philip Kotler, ob. cit., p. 27.125 Jonh Burnett and Sandra Moriarty, Introduction to Marketing Communication, p. 31.
94
como parâmetro o acesso ao consumo e ao consumidor, que pode ser
fiel ao fornecedor, se estiver satisfeito com o produto ou o serviço
adquirido, sendo esta definição complementar àquela do Prof.
Kotler, a qual se baseia em critérios de geração de demanda.
O marketing baseia-se em quatro elementos, sendo eles: (a) o
preço; (b) o ponto de venda; (c) a promoção e (d) o produto. Os dois
primeiros elementos são os mais simples de se conceituar, eis que o
preço é a vantagem alcançada pelo proprietário do bem – ou
executor do serviço – com a troca efetuada com o consumidor, ao
passo que o ponto de venda é o ambiente físico em que os produtos
são expostos ou vendidos.
No entanto, como o presente trabalho analisará o marketing
digital, é certo que não haverá a análise do ponto de venda, pois os
bens e serviços serão comercializados por via digital, em um
ambiente desmaterializado e desterritorializado.
Ademais, é muito simplista entender-se que o produto ou
serviço possa ser conceituado através da forma tradicional, ou seja,
o bem material ou imaterial adquirido através do processo de troca.
Isto porque o Código de Defesa do Consumidor ampliou o
entendimento tradicional, para que o produto ou o serviço sejam
vistos como o benefício que o bem deve - ou deveria – trazer ao
consumidor.
95
Como leciona o ilustre Prof. FERNANDO GHERARDINI
SANTOS, “as pessoas não compram o que o produto é, mas o que elas
querem que ele seja, isto é, compram um benefício consubstanciado em um
produto. Por isto, produto é, sempre, uma combinação de dois aspectos: um
tangível e um intangível, pois vem a ser algo (tangível) somado à sua
capacidade de satisfazer as necessidades e desejos humanos”.126 (intangível)
A capacidade de satisfazer as necessidades e desejos humanos
é uma expectativa que decorre das informações que os consumidores
adquirem no mercado de consumo, as quais motivaram a percepção
de que a aquisição de um determinado produto poderá modificar o
futuro. Essas informações são adquiridas através do processamento
das percepções e do aprendizado do consumidor.
A percepção, conforme leciona a ilustre Prof.ª CHRISTIANE
GADE, é “definida como sensações acrescidas de significados. Por meio
dos processos perceptivos as experiências sensoriais são integradas ao que
já existe armazenado de experiências anteriores para se obter significado.
Implica interpretar estímulos e, para tanto, relacionar componentes
sensoriais externos com componentes significativos internos.”127 O
aprendizado, por sua vez, é 'definido como modificações de respostas em
função da experiência'. Isto significa que certas respostas que o indivíduo
aprendeu a dar ao sentir certos estímulos podem se modificar de acordo com
o que este indivíduo experimentar. A maior parte dos comportamentos
humanos é aprendida”.128
126 Fernando Gherardini, Direito do marketing, p. 25.127 Christiane Gade, ob. cit., p. 29.128 Christiane Gade, ob. cit., p. 61.
96
Portanto, nota-se que as percepções trazem estímulos
exteriores aos consumidores, sendo certo que esses estímulos são
armazenados à bagagem de vida que os consumidores já possuem.
Esta bagagem nada mais é do que aquilo que o consumidor aprendeu
durantes todos os anos da sua vida. Logo, o objetivo dos
fornecedores é informar os consumidores sobre a existência dos
seus produtos ou serviços, os quais podem modificar o presente dos
consumidores e gerar novas expectativas de consumo, fazendo com
que esses consumidores modifiquem os seus hábitos e aprendam a
consumir determinados produtos, para alcançar a satisfação das suas
necessidades.
A promoção é qualquer forma de comunicação ligada à
divulgação de um produto ou serviço ao público consumidor, e a
informação é que motivará as expectativas de satisfação das
necessidades dos consumidores. As informações gerarão percepções
e o aprendizado de novas formas de satisfazer velhas ou novas
necessidades, com o intuito de modificar os hábitos de consumo,
facilitar a venda de produtos ou serviços e, mais especificamente,
promover o acesso dos consumidores ao mercado de consumo.
Assim, como ora se estuda o acesso ao consumo através da
Internet, tem-se que as promoções que nos interessam serão aquelas
que se dão através de publicidades veiculadas na rede mundial. E
mais: como já se ressaltou nos capítulos anteriores, as promoções
veiculadas na Internet são impessoais, desumanizadas,
desmaterializadas, identificando-se somente o emissor da
97
mensagem, sendo certo que tal mensagem é transmitida a um
número indeterminado de indivíduos. Assim, será analisada a
promoção digital tão-somente como publicidades veiculadas na
Internet, deixando-se de lado as possibilidades de promoções
enviadas por e-mails ou outras formas eletrônicas.
a) A função social do marketing eletrônico
A análise da publicidade eletrônica, que motivará o
aprofundamento do estudo acerca das legítimas expectativas dos
consumidores, em razão das informações prestadas no mercado de
consumo, iniciar-se-á com a análise da função social do marketing,
ainda que este não seja objeto do presente trabalho.
Como já exposto, o marketing nada mais é do que o conjunto
de atividades humanas que tem por objetivo facilitar e consumar
relações de troca, as quais visam satisfazer as mais inexplicáveis
necessidades humanas. Sabe-se que a atividade do marketing se dá
nas empresas que exploram o mercado de consumo, a livre
iniciativa, sendo certo que essas empresas, nos moldes do art. 170
da nossa Constituição, devem respeitar o consumidor e o mercado
de consumo.
As empresas, assim como a propriedade privada, devem
respeitar um fim social maior do que os benefícios que estas possam
trazer aos seus acionistas ou administradores (função social
individual). Isto porque os seus acionistas e administradores devem
98
administrar a empresa em benefício da sociedade, e jamais em
benefício próprio.129 Com efeito, a obtenção de lucro do empresário
jamais poderá afrontar os interesses sociais, devendo, na hipótese de
choque, prevalecer o interesse social.130
A Prof.ª MARIA CRISTINA CERESER PEZZELLA, ao
estudar o fenômeno do marketing, o princípio da boa-fé e o
princípio da transparência, observou que “foi o Código de Defesa do
Consumidor a primeira lei a tratar da boa fé objetiva que, assim, encontrou
repercussão concreta no ordenamento contemporâneo brasileiro não se
limitando à introdução do princípio no artigo 4º, III (cláusula geral da boa
fé). Para controlar o abuso contratual, no artigo 51, IV, perfaz uma
trajetória mais ampla, pois tipifica várias hipóteses legais de deveres que, se
não tivessem sido previstos na lei, incluir-se-iam, entretanto, no âmbito de
concreção da boa fé objetiva. A fim de facilitar a atividade jurisdicional,
muitos dos deveres decorrentes da boa fé objetiva mereceram, no Código de
Defesa do Consumidor, previsão legal específica, permitindo que a
fundamentação das decisões judiciais se baseie diretamente na lei. E é por
esta razão que as decisões tomadas em primeiro grau e por nossos tribunais
hoje podem ser formuladas não só com a doutrina aqui exposta, melhorando
a qualidade das soluções em juízo proferidas. (. . .) Pois os métodos atuais de
marketing são utilizados para forçar psicologicamente a aceitação do
consumidor adquirente, que disporá do prazo de reflexão de sete dias,
conforme dispõe o artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, para
desfazer o negócio. Há ainda a possibilidade de, ultrapassado este prazo,
discutir-se todos os abusos constantes nestes contratos com base em vários
artigos do Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, os arts. 6º, 46º,
51º, 54º e seus parágrafos que, aliás, nada mais são do que a expressão
129 Eros Roberto Grau, ob. cit., p. 206.
99
t ipificada da boa fé objetiva e, por isso, resultam da efetiva proteção
daqueles que porventura possam ter sido lesados e não tenham usufruído do
período de reflexão estabelecido no artigo 49 do Código de Defesa do
Consumidor”.131
Como se vê, a ilustre professora estudou o marketing exercido
em desarmonia com a sua função social, concluindo que o princípio
da boa-fé e seus desdobramentos seria instrumento suficiente para
recolocar o marketing exercido de forma abusiva em harmonia com
o nosso sistema de consumo.
A função social do marketing, como ocorre com a função
social do contrato, refere-se à "fattispecie", e não encontra
definição precisa na lei.132 Assim, caberá ao julgador adaptar e
interpretar o princípio à sociedade objeto do momento histórico em
que a decisão for proferida.133
Tal assertiva, como bem preceitua o Prof. FERNANDO
GHERARDINI SANTOS, não é descabida, eis que “o marketing (a)
leva a conhecimento do público, através do composto promocional, a imensa
gama de produtos existentes no mercado; (b) proporciona um tipo de
concorrência extremamente interessante ao consumidor, uma vez que lhe
oferece diferentes opções de produtos a preços baixos; (c) produz uma
segmentação de mercado, pela qual as empresas decidem acerca da política
de produto a ser adotada; (d) finalmente, pelo merchandising, coloca os
130 Ver, de maneira semelhante, Fernando Gherardini Santos, Direito do Marketing: uma abordagemjurídica do marketing empresarial, p.123.131 Maria Cristina Cereser Pezzella, ob. cit., p. 221.132 Fernando Gherardini Santos, ob. cit., p. 125.133 Conf. Cláudio Luiz Bueno de Godoy, Função Social do Contrato: os novos princípios contratuais,p.129.
100
produtos certos, pelo preço certos, nos locais certos”.134 Logo, se o
marketing for exercido de forma abusiva, levará ao conhecimento
dos consumidores informações incompletas, falsas, as quais viciarão
a escolha, motivarão condutas equivocadas e frustrarão as legítimas
expectativas dos consumidores.
A função social do marketing, como se observa, é vital à
sociedade contemporânea, posto que permite o acesso do
consumidor ao mercado de consumo e a uma sobrevivência digna.
Todavia, o marketing não deve ser exercido em benefício de um
pequeno grupo que tenha por objetivo os próprios interesses, o
próprio lucro, mas deve ser exercido em benefício da sociedade, já
que promove a circulação de riqueza e o acesso ao consumo.
b) A diferença entre o marketing, a publicidade e a propaganda
O marketing é o gênero do qual a publicidade é uma das suas
espécies, sendo certo que ele “elege um objetivo de mercado, em função
do qual são definidos o produto, o preço, o modo de promoção e de
comercialização. A publicidade vem depois, num conjunto de apoio, ao lado
da promoção de vendas, dos eventos e patrocínios, das relações públicas e do
pessoal de vendas. E o seu papel principal é influenciar o comportamento do
público visado. Integrada desse modo ao processo de marketing, ela é
definida como uma forma de comunicação persuasiva, destinada a obter uma
resposta positiva de um alvo de mercado pré-definido”.135
134 Fernando Gherardini Santos, ob. cit., p. 126.
101
A definição de publicidade, nos moldes do art. 8º do Código
Brasileiro de Auto-Regulação Publicitária corresponde a “toda
atividade destinada a estimular o consumo de bens ou serviços, bem como,
promover instituições, conceitos ou idéias.”
O Prof. ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E
BENJAMIN, por sua vez, define publicidade como “toda a informação
dirigida ao público com o objetivo de promover, direta ou indiretamente,
uma atividade econômica”.136
Em um sentido muito semelhante é o art. 1º, inciso 4º do
Código de Defesa do Consumidor do Chile, ao dispor que“publicidade es la comunicación que el proveedor dirige al público por
cualquier médio idôneo al efecto, para informarlo y motivarlo a adquirir o
contratar un bien o servicio”.
A Diretiva da Comunidade Econômica Européia 84/450, de 10
de setembro de 1984, estabelece que publicidade é “toda forma de
comunicação feita no âmbito de uma atividade comercial, industrial,
artesanal ou liberal, com o fim de promover o fornecimento de bens ou de
serviços, compreendidos neste conceito os bens imóveis, os direitos e as
obrigações".
O Código de Defesa do Consumidor da Itália, através do seu
art. 20, define a publicidade como “qualsiasi forma di messaggio che sai
diffuso in qualsiasi modo, nell’esercizio di um attività commerciale,
135 Adalberto Pasqualotto, Os efeitos obrigacionais da publicidade no Código de Defesa do Consumidor,p. 28.136 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentadopelos Autores do Anteprojeto, p. 265.
102
industriale, artigianale o professionale allo scopo di promuovere la vendita
di beni mobili o immobili, la costituzione o il trasferimento di diritti ed
obblighi su di essi oppure la prestazione di opere o di servizi”.
As três definições anteriores, como se vê, não fazem qualquer
menção expressa à influência que a publicidade exerce sobre o
consumidor, o que parece ser, sua maior finalidade. Esta influência,
como já exposto, busca modificar os hábitos de consumo de um
indivíduo e gerar novas expectativas, através das informações
veiculadas no mercado de consumo.
O Prof. VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR, ao analisar a
influência da publicidade no mercado de consumo, observa que “a
publicidade comercial, utilizando técnicas argumentativas, que tocam a
sensibilidade e as emoções dos indivíduos, tende a criar novas necessidades,
forjadas sob as vestes de hábitos de consumo, não raro impulsionadas por
desejos latentes do indivíduo que pouca ou nenhuma correlação mantém com
o próprio produto consumido. Depois de 'fixado' o novo hábito de manter o
consumidor satisfeito, a publicidade comercial teria o propósito de manter o
consumidor satisfeito, levando-o a estabelecer uma relação de fidelidade com
o produto”.137
O Prof. PAULO JORGE SCARTEZZINI GUIMARÃES, ao
analisar a influência da publicidade sobre o consumidor, observou
que “não há hoje qualquer dúvida sobre a influência que a publicidade gera
sobre o consumidor, fazendo com que adquira produtos ou serviços sob
pressões internas (usos e costumes) e externas (informações inadequadas),
137 Vidal Serrano Nunes Júnior, Publicidade comercial: proteção e limites na Constituição de 1988, p. 32.
103
que deformam o contrato de consumo, tornando-o não mais um ato
voluntário, mas sim um ato condicionado”. 138
O Prof. ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR, ao analisar a
influência da publicidade sobre a sociedade atual, concluiu que “a
importância da publicidade e a sua extraordinária relevância para a
efetividade dos sistemas legais contemporâneos permitem falar na existência
de um quarto tipo de racionalidade, cujo objetivo é motivar os destinatários
para a adoção de determinado comportamento. As ciências sociais têm
procurado distinguir entre poder e influência como formas de controle
social. O poder incide sobre o comportamento dos indivíduos que são
constrangidos a agir de determinada maneira. A força física, o impedimento
legal e a ameaça de sanção caracterizam o seu exercício. A influência, por
sua vez, atua no pano das escolhas individuais, procurando-se determinar o
seu sentido e direção. A influência é exercida por intermédio do estímulo, da
persuasão e do desencorajamento. A publicidade é com certeza uma forma de
influência visando à obtenção do controle social. Ela altera a comunicação
entre os sujeitos, pois a sua finalidade básica é a busca do consenso”.139
O Prof. ADALBERTO PASQUALOTTO, por sua vez, define a
publicidade como “toda comunicação de entidades públicas ou privadas
inclusive as não personalizadas, feita através de qualquer meio, destinada a
influenciar o público em favor, direta ou indiretamente, de produtos ou
serviços, com ou sem finalidade lucrativa. São dois elementos nucleares do
conceito: 1) a finalidade de influenciar o público, 2) o favorecimento, direto
e indireto, de produtos e serviços". 140
138 Paulo Jorge Scartezzini Guimarães, A publicidade ilícita e a responsabilidade civil das celebridadesque dela participam, p. 100.139 Alberto do Amaral Júnior, O princípio da vinculação da mensagem publicitária, p. 46.140 Adalberto Pasqualotto, ob. cit., p. 25.
104
Ora, não há como se discordar das assertivas do Prof.
ADALBERTO PASQUALOTTO, visto que a finalidade da
publicidade é influenciar o comportamento dos consumidores
através da mensagem publicitária, motivar a demanda de produtos e
serviços e o surgimento de expectativas que modificarão, na visão
do consumidor, o seu presente. A sua função persuasiva e a sua
influência sobre o comportamento de consumo é notada na grande
maioria dos trabalhos cujo tema é a publicidade.
Como bem lecionam os ilustres professores RUBÉN S.
STIGLITS e GABRIEL A. STIGLITZ, “si la publicidad, en esencia, es
información, y si su objeto es la persuasión a cuyo efecto la sociedad
industrial se vale de todas las variables que ofrece la estructura de
comunicación de masas que la tecnologia ha generado, con efecto
multiplicador, y si está demonstrado el influjo que la publicidad ejerce sobre
sus destinatarios, es fundamental que se ordene juridicamente el sistema
informativo atendiendo prioritariamente al principio de veracidad a los fines
de que el consumidor no vea relativizado su poder de elección”.141
Logo, a publicidade, em um primeiro momento, tem a função
de informar o consumidor através da mensagem publicitária e, em
um segundo momento, motivar suas percepções, expectativas e
influenciar o seu comportamento no mercado de consumo. Portanto,
o caráter persuasivo da publicidade é a sua maior finalidade.
141 Rubén S. Stiglits y Gabriel A. Stiglitz, ob. cit., p. 35.
105
Por fim, cumpre notar que o caráter comercial da publicidade
a diferencia da propaganda, posto que a primeira tem por objetivo
informar os consumidores sobre as características de um
determinado produto e persuadi-los sobre as qualidades desse
produto, levando-os a se lembrar da sua existência, enfim, gerar
demandas,142 sempre com o fim de potencializar a atividade
econômica da empresa, potencializar o acesso do indivíduo ao
consumo, ao passo que a propaganda tem um objetivo ideológico,
religioso, ou mesmo, social.143
c) Os erros nas definições de publicidade e da publicidade
institucional
As definições trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor
chileno e aquela trazida pela Diretiva da Comunidade Econômica
Européia 84/450 não possuem a exatidão conceitual necessária ao
estudo do fenômeno da publicidade. Isto porque não é correto
afirmar-se que toda publicidade tem como elemento central uma
oferta, pois existem publicidades institucionais, que promovem um
produto ou serviço de forma indireta, mediata, através da marca do
seu fabricante ou da sua conduta institucional no mercado.
Com efeito, “a publicidade institucional anuncia a própria empresa
e não um produto. Seu objetivo é alcançado a mais longo prazo, beneficiando
muitas vezes produtos ou serviços que sequer foram produzidos pela empresa.
Nela não existe a preocupação com a venda do produto em si, não há
142 Conf. Philip Kotler, ob. cit., p. 540.
106
preocupação de levar o mercado a comprar uma determinada quantidade de
produto. A preocupação é com a marca e não com o produto”.144
Conclui-se, portanto, que o Prof. ANTÔNIO HERMAN DE
VASCONCELLOS E BENJAMIN, com a sua costumeira sapiência,
tomou o cuidado de não definir a publicidade como oferta direta de
produtos e serviços no mercado, pois, ao dispor que a informação
promoveria de forma direta e indireta a atividade econômica,
abarca, inquestionavelmente, a possibilidade da propaganda
institucional, o que não ocorre com o Código de Defesa do
Consumidor do Chile e a Diretiva da Comunidade Econômica
Européia 84/450.
143 Conf. Vidal Serrano Nunes Júnior, ob. cit., p. 15.144 Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, ob. cit., p. 271.
107
VII. A PUBLICIDADE E O PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO DA
MENSAGEM PUBLICITÁRIA
Como se sabe, não há o dever legal de um empresário veicular
a publicidade do seu produto, ou mesmo, de promovê-lo através de
outras práticas de marketing. O que há, consoante dispõe o inciso
III do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, é a obrigação de
os fornecedores e prestadores de serviços informarem, de forma
clara e correta, os consumidores acerca das características dos bens
e serviços colocados no mercado de consumo, para que sejam
motivados ao consumo por percepções e expectativas corretas.145
A fonte obrigacional da vinculação publicitária não é a
vontade publicitária, mas, sim, a declaração publicitária. O Código
de Defesa do Consumidor reduziu o papel da importância do
elemento da vontade no momento da formação do contrato, da
veiculação de uma publicidade no mercado de consumo, assim a
vontade subjetiva do fornecedor não é levada em conta no momento
da formação do contrato. O que se deverá levar em conta é,
justamente, a confiança na declaração da vontade dos fornecedores,
afastando-se, por completo, qualquer reserva mental por parte dos
próprios fornecedores.
A Prof.ª MARIA CRISTINA CERESER PEZZELLA, ao
estudar a diferença entre a teoria da vontade e a teoria da declaração
da vontade, explica que “a teoria da vontade, defendida por Savigny,
108
engendrava a invalidade do negócio sempre que fosse verificada uma
divergência entre a vontade interna e a declaração, desprezando quaisquer
outros requisitos. A teoria da declaração afirma sua essência na declaração,
ou melhor, no que foi exteriormente manifestado, residindo aí sua distinção
para com a teoria da vontade, onde o fundamental é a vontade do declarante.
Esta teoria comporta várias modalidades”.146
A razão da escolha do legislador pela teoria da declaração da
vontade, e não pela teoria da vontade, pode se explicar pelo
comportamento psicológico dos consumidores no mercado de
consumo. O comportamento de consumo baseado em elementos
psicológicos pode ser definido como “uma manifestação externa de
processos psicológicos internos, de respostas aos estímulos que são
processados e transformados em informações aprendidas e memorizadas". 147
A Prof.ª CHRISTIANE GADE, ao analisar o processamento da
informação e a formação do comportamento dos consumidores,
concluiu que “o processo de informação e percepção passam por etapas
nas quais tanto as variáveis e características do indivíduo percebedor como
as do estímulo a ser percebido são de relevância. A percepção deriva de
processos de exposição, atenção e interpretação seletivos.”
Como se vê, as informações transmitidas através da mensagem
publicitária motivam a percepção e a interpretação da realidade pelo
consumidor, as quais, somadas às suas experiências anteriores,
guiarão o seu comportamento de consumo e as suas próprias
145 Conf. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, ob. cit., p. 263.146 Maria Cristina Cereser Pezzella, ob. cit., p. 202.147 Christiane Gade, ob. cit., p.27.
109
expectativas de consumo. Nesse passo, o que se percebe é que a
mensagem publicitária irreal, confusa e incompleta motivará uma
percepção e uma expectativa irreal acerca do produto ou serviço
adquirido, visto que as informações captadas e aprendidas pelo
consumidor, nestas hipóteses, estarão divorciadas da realidade do
bem adquirido.148
O art. 30 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que“toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por
qualquer forma ou meio de comunicação, com relação a produtos e serviços
oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela
se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado”.
O legislador, como se vê, não poderia adotar uma teoria de
vinculação do fornecedor com base nas suas intenções subjetivas,
mas, sim, em sua declaração propriamente dita, a qual motivou as
percepções, as expectativas e as condutas do consumidor no
mercado de consumo. Mas, caso essas mensagens publicitárias
motivem a percepção e a interpretação erradas do consumidor,
caberá ao fornecedor o dever de arcar com as imperfeições da
mensagem publicitária veiculada e, até mesmo, cumpri-la dentro dos
moldes declarados. Nesse sentido, é o entendimento dos nossos
tribunais, conforme segue:
“Consumidor. Propaganda enganosa. Caracterização.
Fornecedor que garantiu que os imóveis comercializados
seriam financiados pela Caixa Econômica Federal.
148 Conf. Carlos Alberto Goulart Ferreira, Direito civil constitucional, p. 103.
110
Necessidade de submeter a assinatura do contrato de compra e
venda nos exatos termos da oferta apresentada.
Emenda oficial: O Código de defesa do consumidor dispõe que
toda informação ou publicidade, veiculada por qualquer forma
ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços
oferecidos ou apresentados, desde que suficientemente precisa
e efetivamente conhecida pelos consumidores a que é
destinada, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se
utilizar, bem como integra o contrato que vier a ser celebrado.
Se o fornecedor, por meio de publicidade amplamente
divulgada, garantiu que os imóveis comercializados seriam
financiados pela Caixa Econômica Federal submetem-se a
assinatura do contrato de compra e venda nos exatos termos da
oferta apresentada.
Dada a força vinculativa da oferta divulgada pelo recorrido,
aplica-se ao caso em análise o art. 35, I, do CDC nos termos
do pedido formulado pelos recorrentes na petição inicial.
Deverá o recorrido financiar o restante do saldo devedor dos
imóveis adquiridos nas mesmas condições e prazos de
financiamento concedidos pela CEF, inclusive no que diz
respeito ao plano de equivalência salarial, desde que os
mutuários preencham os requisitos estabelecidos pela CEF,
entre esses o de possuir renda compatível com o
financiamento” .149
Bem se vê que a oferta veiculada pelo fornecedor, a qual
informava que os imóveis seriam financiados pela Caixa Econômica
149 RT 818/176
111
Federal, obriga o fornecedor ao seu cumprimento, razão pela qual,
na hipótese de recusa do banco em financiar o consumidor, deverá o
fornecedor financiá-lo nos mesmos padrões que o banco o faria.
Assim, pode-se concluir que os tribunais aplicam amplamente a
teoria da declaração da vontade e a obrigatoriedade de o fornecedor
cumprir com aquilo que veiculou no mercado de consumo.
a) A teoria da declaração da vontade, a mensagem publicitária e a
confiança despertada no mercado de consumo
A publicidade tem como sua principal característica a função
persuasiva, a qual, exercida de forma divorciada do princípio da
transparência e do princípio da boa-fé, poderá gerar inúmeros
problemas no mercado de consumo.
Como explica o Prof. ANTÔNIO HERMAN DE
VASCONCELLOS E BENJAMIN, “na raiz da força obrigatória da
mensagem publicitária está o reconhecimento pelo Direito do poder de
influência desse instrumento promocional nas decisões dos consumidores: a
publicidade cria expectativas – legítimas – que precisam ser protegidas. O
princípio da vinculação publicitária, portanto, é uma reação direta ao
potencial persuasivo das técnicas de marketing, que transformam e ampliam,
profundamente, a feição da oferta e do consentimento clássico”.150
Portanto, nada mais justo do que o fornecedor ser obrigado a
cumprir o que foi objetivamente veiculado na sua publicidade, razão
pela qual o Código de Defesa do Consumidor elegeu a teoria da
150 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamim, ob. cit., p. 233.
112
declaração da vontade.
O ilustre Prof. ORLANDO GOMES, com a sua costumeira
sapiência, explica que do confronto analítico da teoria da vontade
com a teoria da declaração nasceu a teoria da confiança. Com efeito,“constitui a teoria da confiança abrandamento da Erklarungstheorie – teoria
da declaração - que concede prelazia da declaração sobre a vontade sob o
fundamento de que o direito deve visar antes à certeza do que à verdade.151
Também denominada teoria do crédito social, empresta valor à aparência da
vontade, se não é destruída por circunstâncias que indiquem má-fé em quem
acreditou ser verdadeira.152 Havendo divergência entre a vontade interna e a
declaração, os contraentes de boa fé, a respeito dos quais tal vontade foi
imperfeitamente manifestada, têm direito a considerar firme a declaração
que se podia admitir como vontade efetiva da outra parte, ainda quando esta
houvesse errado de boa fé ao declarar a própria vontade. Enquanto, pois,
tem um dos contratantes razão para acreditar que a declaração corresponde
à vontade do outro, há de se considerá-la perfeita, por ter suscitado a
legítima confiança em sua veracidade”.153
O fornecedor vincula-se à vontade declarada na publicidade
veiculada, em razão da confiança que o mercado de consumo
deposita nele e na sua publicidade, em razão das percepções e
interpretações que a sua publicidade gerará, ainda que a referida
publicidade não expresse a intenção do empresário no momento da
sua criação. 151 Art. 116 do Código Civil alemão – uma declaração não é nula pela circunstância de que o declarante,intimamente, reservou-se não querer o declarado. A declaração é nula, se ela foi proferida ante um outro, eeste conhecia a reserva.152 Art. 122 do Código Civil alemão – Se uma declaração de vontade, de acordo com o art. 118, for nula, oucom fundamento nos artigos 119 e 120, for impugnada, terá o declarante, se a declaração devida forenunciada ante um outro, de indenizar a este, ou senão a qualquer terceiro, a dano que o outro ou o terceirosofreu pela circunstância de que confiou na validade da declaração, contudo, não além da importância dointeresse que o outro, ou o terceiro, tinha na validade da declaração. – tradução livre
113
Assim, para que os consumidores não tenham as suas probas
expectativas frustradas, as quais nasceram de publicidade veiculada
de forma irregular e de respectivas percepções e interpretações
equivocadas, o fornecedor deverá cumpri-la nos moldes da sua
veiculação, sob pena de responder pelo seu cumprimento forçado,
ou mesmo, por uma indenização, nos moldes do art. 35 do Código
de Defesa do Consumidor.
Ressalte-se que a teoria da declaração também é adotada pelo
Código de Defesa do Consumidor da Argentina, através do seu art.
8º, o qual dispõe que “las precisiones formuladas en la publicidad o en
anuncios prospectos, circulares y otros medios de difusión obligan al
oferente y se tienen por incluidas en el contrato con el consumidor”.
O Prof. JUAN M. FARINA, ao comentar o referido artigo,
deixa claro que " la confianza y expectativas que genera la oferta al
público requieren particular protección, en vista del grado de certidumbre
que ella puede suscitar en el consumidor – según la confiabilidad o seriedad
de quien hace tales ofertas – y por suponer éste la franca intención del
comerciante de vincularse jurídicamente”.154
Os nossos tribunais, por sua vez, também aplicam a teoria da
declaração da vontade, e não a teoria da manifestação da vontade,
nas publicidades veiculadas no mercado de consumo, conforme
segue:
153 Orlando Gomes, Transformações Gerais do Direito das Obrigações, p. 14.154 Juan M. Farina, Defesa del consumidor y del usuário, p. 176.
114
“Consumidor. Publicidade enganosa. Hipótese em que o art. 60
da Lei 8.078/90 impõe o dever de contrapropaganda. Ação civil
pública. Pedido pelo representante do Ministério Público, de
aplicação da proibição de veicular a publicidade sob pena de
multa. Circunstância em que o requerido constitui um minus em
relação ao que a lei prevê.
Ostenta-se enganosa a publicidade que, em página inteira de
jornal, na parte superior, supermercado lista produtos e preços
e, na inferior, com destaque, anuncia garantia total extra,
seguido de texto com destaque ainda maior, dizendo que a
pessoa ganha grátis o produto se encontrá-lo com preço mais
baixo junto à concorrente do que o praticado pelo anunciante,
como tal entendido aquele do jornal, e não o da loja sujeito a
manipulação instantânea para frustrar o direito do consumidor.
De outra parte, não há o que falar em obrigação de pagar
apenas a diferença entre o preço do anunciante e o do
concorrente, invocando texto que, embora na mesma
publicidade, revela promoção diversa. Na realidade, face à
clareza da mensagem no sentido de ganhar grátis o produto, o
anunciante fez um desafio a todas as pessoas sob promessa de
recompensa, prevista inclusive na legislação civil comum, qual
seja, a prestação de um serviço consistente em encontrar um
produto, integrante de uma lista, com preço mais baixo na rede
de concorrentes. Para fazer jus ao produto, não era preciso
comprá-lo. Bastava encontrá-lo com menor preço na rede de
concorrentes. Desde o momento em que pessoas fizeram a
pesquisa e encontraram produtos com menor preço e o
anunciante negou-se a entrega grátis a pretexto de apenas
cobrir a diferença a quem comprasse, e o preço praticado para
115
fins de parâmetro não ser aquele publicado no jornal, e sim o da
loja sujeito a prestigiação, restou evidenciada, pelo suficiente
potencial de enganosidade, tratar-se de publicidade enganosa.
(. . .)
Não é possível admitir, como quer o réu, que a expressão
“ganha grátis” o produto não significa dispensa total de
pagamento, ou seja, que o vocábulo grátis não significa grátis e
que produto não significa o produto mas uma diferença de
preço. Descabe adentrar no movediço terreno das subjetividades
ou das intenções de quem promoveu a publicidade, se a intenção
ao ser usada a palavra grátis não era que significasse grátis, e
sim outra coisa, se a intenção ao ser usado o vocábulo produto
não era que significasse produto, e sim diferença de preço”.155
Bem se vê que o fornecedor se vincula à mensagem –
declaração - publicitária e não à vontade publicitária, eis que a
mensagem publicitária gera a confiança do consumidor no
fornecedor e as legítimas expectativas por parte do consumidor
acerca da satisfação das suas necessidades, fato que obriga o
fornecedor a cumprir aquilo que declarou no mercado de consumo,
sob pena de responder pelo cumprimento obrigatório da publicidade,
ou responder por perdas e danos.
b) O art. 30 do Código de Defesa do Consumidor e o pré-contrato
As partes, ao iniciarem as tratativas de um futuro negócio 155 RT 821/360
116
jurídico, aproximam-se, trocam informações e adotam condutas
honestas e probas, as quais concorrerão à celebração do futuro
contrato.156 O pré-contrato, nesse cenário, é um contrato em si
mesmo, que estabelece uma relação obrigacional entre as partes,
com o fim de se estabelecer um contrato futuro.157
Como bem explica o Prof. ENZO ROPPO, “as partes já
definiram os termos essenciais da operação econômica que tencionam
realizar, mas não querem passar de imediato a atuá-la juridicamente, não
querem concluir, desde já, o contrato produtor dos efeitos jurídico -
econômicos próprios da operação, preferem remeter a produção de tais
efeitos para um momento subseqüente, mas, ao mesmo tempo, desejam a
certeza de que estes efeitos se produzirão no tempo oportuno, e por isso não
aceitam deixar o futuro cumprimento da operação à boa vontade, ao sentido
ético, à correição recíproca, fazendo-a, ao invés, desde logo matéria de um
vínculo jurídico. Estipulam, então, um contrato preliminar, do qual nasce
precisamente a obrigação de concluir, no futuro, o contrato definitivo”.158
A grande questão que nasceu do estudo do pré-contrato é o
tipo de responsabilidade civil que nasceria com a ruptura das
relações existentes entre as partes, ou melhor, a existência de uma
ruptura do trato comercial na fase pré-contratual. Isto porque a fase
pré-contratual nas relações de consumo é marcada por publicidades,
pela veiculação da marca das empresas no mercado de consumo,
sendo rara a celebração de um pré-contrato entre fornecedor e
156 Conf. Luiz Guilherme Loureiro, Teoria Geral dos Contratos no novo Código Civil, p. 283.157 Conf. Regis Fichtner Pereira, A responsabilidade civil pré-contratual, p. 108.158 Enzo Roppo ob. cit., p. 103.
117
consumidor na fase pré-contratual.159
A responsabilidade pré-contratual, cumpre notar, “somente tem
lugar quando de fatos ocorridos durante o desenrolar das negociações com a
finalidade de estabelecimento da relação jurídica contratual, surgem danos a
um dos contraentes”.160 As divergências entre a doutrina e a
jurisprudência sobre a natureza jurídica da responsabilidade civil
decorrente da ruptura da fase pré-contratual foram inúmeras, pois
parte acredita que a responsabilidade em questão seria contratual e
parte acredita que a responsabilidade seria extracontratual.
Na Itália, a grande maioria dos autores entende que a
responsabilidade seria extracontratual.161 Isto porque o Código Civil
da Itália, através do seu art. 1337, dispõe que “le parti, nello
svolgimento delle trattative e nella formazione del contratto, devono
comportarsi secondo buona fede”. Logo, o dever de atuar na fase pré-
contratual de boa-fé estaria estipulado de forma expressa no sistema
jurídico italiano, implicando a sua ofensa no dever de o infrator
indenizar o ofendido.
O Prof. REGIS FICHTNER PEREIRA, ao analisar o sistema
jurídico italiano e o brasileiro, entendeu que “a violação do artigo
1337 do Código Civil i taliano, que trata do dever de boa fé imposto às partes
durante as negociações para conclusão do contrato, constitui, para a maioria
da doutrina, uma aplicação do princípio do neminem laedere, sob o
fundamento de que o prejuízo causado por um comportamento contrário à
159 Conf. Renata Mandelbaum, Contratos de adesão e contratos de consumo, p. 171.160 Regis Fichtner Pereira, ob. cit., p. 109.
118
boa fé é dano injusto, no sentido da disposição geral em matéria de ilícito
extracontratual. (. . .) No Brasil, a doutrina majoritária reconhece o caráter
extracontratual da responsabilidade pré-contratual". 162
No entanto, como o presente estudo não se aprofundará no
problema da natureza jurídica da ruptura das relações pré-
contratuais, caberá verificarmos a solução dada pelo legislador
brasileiro em face de possíveis confrontos entre consumidores e
fornecedores na fase pré-contratual.
A Prof. DORA SZAFIR, ao analisar o sistema de defesa dos
consumidores dos países que compõem o Mercosul, aponta
eventuais problemas decorrentes da natureza jurídica da
responsabilidade civil pré-contratual nas legislações da Argentina e
do Uruguai, visto que “el deber extracontratual se vincula a un derecho
absoluto, la obligación preexistente en la responsabilidad contractual se
relaciona con un derecho relativo. (. . .) La distinción adquiere relevancia en
virtud de que los regimenes jurídicos de ambos tipos de responsabilidad son
diferentes, en especial si tenemos en cuenta que en Uruguay no existe ley del
consumidor que unifique el régimen de las responsabilidades, y en Argentina
se vetó en la ley 24.240 el artículo relativo a la misma. En Brasil, el punto
pierde transcendencia, por existir un régimen de responsabilidad del
proveedor específico en el derecho del consumidor, y debe considerarse que
es comprensivo de los daños emergentes de la etapa precontractual, y
contractual, lo que a mi entender es preferible”.163
As dificuldades de se caracterizar o tipo de responsabilidade
161 Regis Fichtner Pereira, ob. cit., p. 214.162 Regis Fichtner Pereira, ob. cit., p. 237.163 Dora Szafir, El consumidor en el derecho comunitário: proyecto de protocolo de defensa delconsumidor del Mercosur, p. 54.
119
civil decorrente da ruptura das tratativas pré-contratuais, como se
nota, trará problemas aos consumidores do Uruguai e da Argentina,
os quais terão dificuldades em materializar seus direitos, em razão
da complexidade do sistema de consumo desses países, o que não
ocorre no Brasil.
O art. 30 do nosso Código de Defesa do Consumidor,
entretanto, deixa claro que o legislador brasileiro reduziu a
importância da fase pré-contratual nas relações de consumo, visto
que todas as informações e publicidades, ou seja, elementos
existentes na fase pré-contratual, serão integradas ao contrato,
gerando obrigações para o fornecedor que as veicular no mercado de
consumo.164
Neste sentido, foi o entendimento do Superior Tribunal de
Justiça, em acórdão proferido pela eminente Min.ª Nancy Andrighi,
no julgamento do Recurso especial n. 363.939-MG, conforme segue:
“Consumidor. Recurso especial. Publicidade. Oferta. Princípio
da vinculação. Obrigação do fornecedor.
O Código de defesa do consumidor dispõe que toda informação
ou publicidade, veiculada por qualquer forma ou meio de
comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou
apresentados, desde que suficientemente precisa e efetivamente
conhecida pelos consumidores a que é destinada, obriga o
fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar, bem como
164 Conf. Rogério Ferraz Donnini, Responsabilidade pós-contratual no novo Código Civil e no Código deDefesa do Consumidor, pág. 46.
120
integra o contrato que vier a ser celebrado.
Constatado pelo eg. Tribunal a quo que o fornecedor, através de
publicidade amplamente divulgada, garantiu a entrega do
veículo objeto de contrato de compra e venda firmado entre o
consumidor e uma de suas concessionárias, submete-se ao
cumprimento da obrigação nos exatos termos da oferta
apresentada.
A recorrida, mediante ampla divulgação publicitária, levou ao
conhecimento de todos os consumidores informações acerca da
venda de veículos Palio pelo sistema “on line”.
As práticas comerciais abrangem as técnicas e métodos
utilizados pelos fornecedores para fomentar a comercialização
dos produtos e serviços destinados ao consumidor. Acabam,
pois, por alimentar a sociedade de consumo. Entre essas se
encontra o marketing, que além dos mecanismos de incentivo às
vendas, compreende também a publicidade.
Na medida em que, na sociedade de consumo, as relações
jurídicas travadas ascendem do nível pessoal ao social,
inserindo em seu contexto interesses comuns, se tomou
imperiosa a intervenção do Estado nessas relações de modo a
compatibilizar o exercício do marketing pelo fornecedor com a
defesa do consumidor.
A publicidade realizada pelo fornecedor tem o objetivo de
divulgar seus produtos e/ou serviços e ofertá-los aos
consumidores. A oferta, nesse caso, difere da oferta a que faz
alusão o art. 1080 do Código Civil. Porquanto destinada à
121
sociedade de consumo, fez-se necessário atribuir à publicidade
certo valor contratual, ainda que não fosse instrumento do
contrato e tivesse mero conteúdo indicativo.
Atento à possibilidade de que a veiculação desvirtuada da
publicidade viesse a prejudicar os consumidores, o legislador
assegurou a tutela da sociedade de consumo através do preceito
legal esculpido no art. 30 do Código de Defesa do Consumidor.
No caso sub examine, o eg Tribunal a quo reconhecera a
declaração recorrida no sentido de garantir a entrega do
veículo, independentemente de qualquer fato atinente às
relações jurídicas operadas entre os consumidores e suas
concessionárias.. .
Posta a situação nesses termos, ainda que a recorrida deva
submeter-se ao cumprimento forçado da obrigação, em virtude
de publicidade pela qual garantiu a entrega do veículo, o
recorrente deve efetuar o pagamento do saldo devedor do
contrato para que tenha direito ao recebimento do bem objeto
da avença”.165
Bem se vê que a fornecedora de veículos, através do acórdão
acima exposto, foi obrigada a entregar o bem prometido em
publicidade veiculada no mercado de consumo, eis que o
consumidor confiou na sua declaração veiculada no mercado, ainda
na fase pré-contratual. Com efeito, a relatora entendeu que a
publicidade veiculada no mercado de consumo compôs o futuro
165 Superior Tribunal de Justiça, Recurso especial n. 363.939-MG, rel. Min.ª Nangy Andrighi, j. 04 dejunho de 2002.
122
contrato celebrado entre as partes, sendo certo que a fornecedora,
através da publicidade veiculada, garantia a entrega do bem, desde
que fosse paga a quantia sugerida pela montadora. Assim, como o
consumidor aderiu à oferta implícita na publicidade veiculada no
mercado de consumo, a montadora foi obrigada ao seu cumprimento,
desde que o consumidor terminasse de adimplir o pagamento das
parcelas vencidas.
Portanto, percebe-se que não existirá, como visto em outros
sistemas jurídicos, a necessidade de o consumidor brasileiro provar
a existência de fatos pré-contratuais que motivaram as suas
percepções, geraram expectativas e sua conduta, visto que todos os
elementos que seriam considerados pré-contratuais no Direito Civil
se integrarão à relação de consumo, à publicidade, ao contrato, e
obrigarão o fornecedor nos exatos termos do veiculado no mercado
de consumo.166
c) A oferta, a publicidade e o mercado de consumo
O nosso Código de Defesa do Consumidor, através do seu art.
30 e seguintes, modificou profundamente a vinculação das partes,
caso a oferta seja realizada no mercado de consumo. A ilustre Prof.ª
RENATA MANDELBAUM, ao explicar as mudanças produzidas
pelo Código de Defesa do Consumidor, aduz que “temos uma nova
noção de oferta, a publicidade tida como verdadeira oferta, esta aliada a um
novo dever de informar. O produtor, ao ofertar seus produtos através de
166 Alberto do Amaral Júnior, O princípio da vinculação da mensagem publicitária, p. 41.
123
publicidade, tem para com o consumidor o dever de informar a este sobre as
qualidades do produto e as condições do contrato e sobre os produtos”.167
Observa-se ainda que a ilustre professora trata a publicidade
como mera oferta, o que sabemos não ser correto, em razão da
existência da publicidade institucional. O caráter obrigacional da
publicidade, independentemente da aceitação do consumidor,
obrigará o fornecedor ao seu cumprimento incondicional.
O Prof. ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR, ao analisar o
fundamento jurídico que motivaria a responsabilidade civil do
fornecedor pela veiculação de uma publicidade, explica que “o
fundamento jurídico da obrigação do fornecedor reside nas expectativas que
venha a criar em virtude da exibição da mensagem publicitária. O
consumidor, que teve a sua escolha determinada pela publicidade, precisa ter
a confiança de que a oferta reflete a vontade efetiva do fornecedor. Trata-se,
em última instância, de evitar o exercício abusivo do direito à publicidade,
que poderia converter-se em meio de influência das escolhas dos
consumidores sem qualquer responsabilidade para o fornecedor”.168
Como já dito, a declaração da mensagem publicitária obriga os
fornecedores aos seus efeitos, posto que ela gera percepções e
expectativas de que o consumidor alcançará a satisfação de suas
necessidades, caso adquira um produto ou serviço oferecido no
mercado de consumo.
O Prof. ADALBERTO PASQUALOTTO, ao tratar a questão da 167 Renata Mandelbaum, ob. cit., p. 172.
124
natureza jurídica da publicidade, conclui que “considerando a
publicidade apenas como oferta, o tratamento que mais freqüentemente lhe é
dispensado é o de declaração unilateral de vontade”.169
A oferta ou proposta, consoante disposto no art. 427 do
Código Civil, é a declaração inicial de vontade direcionada à
realização de um contrato.170 O proponente não fica obrigado a
efetuar a prestação principal, até que o aderente manifeste a sua
aceitação, ou ainda, se o contrário não resulte dos termos da oferta.
A preocupação com o vínculo obrigacional que nasceria com a
veiculação de uma oferta ou a declaração de uma proposta sempre
foi objeto de grandes discussões na doutrina.
O ilustre Prof. CLOVIS BEVILAQUA expõe que “a elaboração
do contracto transpõe o mundo mental com a proposta, offerta ou promessa,
embora se lhe sigam outros momentos internos realizados no espírito do
solicitado. E, se a proposta é a força phychica embóra, que vae determinar
uma serie de movimentos por parte do solicitado, movimentos que podem ir
até alterar o estado de seu patrimônio, é obvio que não deve ser recuada,
arbitrariamente, da parte de quem a faz”.171 Ora, o inesquecível Prof.
CLOVIS BEVILAQUA demonstra que a força obrigacional da oferta
nasce da crença de que a oferta veiculada no mercado é válida, e
poderá, caso seja aceita pela outra parte, gerar seus efeitos no
mundo jurídico.
168 Alberto do Amaral Júnior, ob. cit., p. 50.169 Adalberto Pasqualotto, ob. cit., p. 61.170 Cláudia Lima Marques, ob. cit., p. 599.171 Clóvis Bevilaqua, Direito das obrigações, p. 167.
125
O nosso Código Civil, por sua vez, também tratou das ofertas
feitas ao público, as quais guardam semelhança com as ofertas
veiculadas no mercado de consumo, e são regradas pelo art. 31 do
Código de Defesa do Consumidor.
O ilustre Prof. PONTES DE MIRANDA, ao tratar sobre as
ofertas feitas ao público, conclui que os seus pressupostos são a
promessa e a publicidade do ato da promessa, sendo certo que ele dá
especial atenção ao elemento da publicidade do ato, pois “as
promessas ao público somente se tornam prefeitas com a publicidade”.172
As diferenças das propostas feitas ao público dentro e fora do
mercado de consumo residem na sua finalidade, visto que existem
ofertas voltadas ao público consumidor (varejo) e ofertas voltadas
ao público dos comerciantes (atacado), sendo as últimas
regulamentadas pelo art. 429 do Código Civil.173
A oferta feita ao público equivale à proposta, quando esta
tenha estipulado os requisitos essenciais do contrato, tendo deixado
o Código Civil de fixar quais seriam os seus requisitos
indispensáveis. Diferente da oferta pública regulada pelo Código
Civil, tem-se a oferta feita ao público realizada no mercado de
consumo, eis que “os contornos da oferta publicitária, na forma traduzida
pelos estatutos e doutrinas recentes de proteção do consumidor, divergem
profundamente daqueles da policitação clássica. (. . .) seu grau mínimo de
precisão ou completude é reduzido. Já não se exige que traga todos os termos
172 Francisco Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, p. 149.
126
essenciais do contrato particularmente referências à coisa e ao preço”.174
Como se vê, não há necessidade de que a oferta pública feita no
mercado de consumo traga todos os elementos necessários à sua
caracterização, bastando trazer tão-somente os elementos que
convençam o consumidor de que se trata de uma oferta veiculada no
mercado de consumo.175
A oferta pública regulada pelo Código Civil, diferente do que
ocorre com aquelas alcançadas pelo Código de Defesa do
Consumidor, é passível de revogação pela mesma via da sua
divulgação, desde que esta possibilidade tenha sido estipulada na
sua veiculação, nos moldes do parágrafo único do art. 429 do
Código Civil.
A oferta veiculada no mercado de consumo, por sua vez, não
tem a mesma sorte. Com efeito, ela é irrevogável, não dependendo
da vontade unilateral do fornecedor para cessar a sua
responsabilidade.176
Conforme leciona a ilustre Prof.ª CLÁDIA LIMA MARQUES,“ser irrevogável significa, no sistema do CDC, que o ato criado não
desaparecerá do mundo jurídico por vontade unilateral do fornecedor, uma
vez criado, é válido, terá efeitos, pelo menos o da vinculação. Sofrerá os
efeitos do contrato, se aceitação já ocorreu, ou os de seu ato il ícito de ter
prejudicado, quebrado a confiança, da outra pessoa que acreditou na sua
173 Cláudia Lima Marques, ob. cit., p. 601.174 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, ob. cit., p. 241.175 Conf. Renata Mandelbaum, ob. cit., p. 92.176 Ver, de maneira diversa, Jorge José Lawand, Teoria geral dos contratos eletrônicos, p.134.
127
oferta inicial”.177
Cumpre notar, por oportuno, que o Código de Defesa do
Consumidor da Argentina, através do seu art. 7º, dispõe que “la
revocación de la oferta hecha pública es eficaz una vez que haya sido
difundida por medios similares a los empleados para hacer la conoce”.
Logo, o Código de Defesa do Consumidor da Argentina
permite a revogação da oferta pública realizada no mercado de
consumo, desde que realizada pelos mesmos meios da oferta
pública, o que, à primeira vista, poderá gerar conflitos entre as
normas de defesa do consumidor brasileiras e as argentinas.
O nosso Código de Defesa do Consumidor, ao que nos parece,
deu a melhor saída ao problema da revogação da oferta realizada no
mercado de consumo, eis que a oferta deve ser irrevogável. Isto
porque o consumidor, ao adotar um determinado comportamento de
consumo, captou percepções, sensações e informações decorrentes
da oferta veiculada no mercado de consumo, e confiou na oferta do
fornecedor. Esta confiança, certamente, gerou seus atos, não
podendo o fornecedor, de forma unilateral, revogar a oferta e
frustrar as legítimas expectativas do consumidor geradas pela sua
oferta e desmerecer a confiança depositada naquilo que foi
veiculado.
177 Cláudia Lima Marques, ob. cit., p.602 .
128
VIII. A PUBLICIDADE ENGANOSA E O DEVER DE
INFORMAÇÃO
A publicidade, como já dito, é “toda informação dirigida ao
público com o objetivo de promover, direta ou indiretamente, uma atividade
econômica”.178 Logo, percebe-se que a publicidade tem sua origem na
informação veiculada no mercado de consumo, e seu fim é
influenciar o comportamento dos indivíduos no mercado de
consumo.
Sucede, no entanto, que a publicidade veiculada no mercado
não é livre, eis que a existência de direitos absolutos leva ao abuso
de direito e ao domínio do mais fraco pelo mais forte, o que é
vedado no sistema de defesa do consumidor brasileiro. Assim, o
nosso Código de Defesa do Consumidor identificou dois tipos de
anomalias nas publicidades, vedando, dessa forma, as publicidades
abusivas e as publicidades enganosas.
A publicidade abusiva, conforme o inciso segundo do art. 37
do Código de Defesa do Consumidor, é aquela “discriminatória de
qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição,
se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança,
desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a
se comportar de forma prejudicial ou perigosa à saúde ou segurança”.
A publicidade enganosa, nos moldes do inciso primeiro do
178 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, ob. cit., p. 265.
129
artigo 37 do nosso Código de Defesa do Consumidor, é “qualquer
modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou
parcialmente falsa, ou, qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de
induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características,
qualidades, quantidades, propriedades, origem, preço e quaisquer outros
dados sobre produtos e serviços”.
O presente trabalho, como já dito, tratará da expectativa dos
consumidores no comércio eletrônico, já tendo destacado que a
informação prestada no mercado é o elemento objetivo que gera as
expectativas de consumo, razão pela qual atear-se-á tão-somente às
anomalias referentes às publicidades enganosas, deixando de lado as
anomalias referentes às publicidades abusivas.
A Diretiva 450/84 da Comunidade Econômica Européia define
que é enganosa “toda publicidad que, de cualquier manera incluida su
presentación, induce en erro o puede inducir en erro a las personas a las que
se dirige o afecta, y que debido a su carácter engañoso, puede afectar su
comportamiento economico o que, por estas razones, perjudica o es capaz de
perjudicar a su competidor”. 179
O Prof. ADALBERTO PASQUALOTTO, ao analisar a
publicidade enganosa, conclui que “se põe em evidência seis aspectos
relevantes: I) a técnica enganosa (qualquer modalidade de informação ou
comunicação de caráter publicitário), II) o vício de mensagem (enganosidade
ou falsidade), III) extensão do vício (inteira ou parcialmente), IV) a conduta
do agente (ação ou omissão), V) o efeito da conduta (indução em erro) e VI)
179 Dora Szair, ob. cit., p. 62.
130
o objeto do engano”.180
As publicidades podem ser enganosas por comissão ou
omissão. O Prof. ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E
BENJAMIN explica que “na publicidade enganosa por comissão, o
fornecedor afirma algo capaz de induzir o consumidor em erro, ou seja, diz
algo que não é. Já na publicidade enganosa por omissão, o anunciante deixa
de afirmar algo relevante e que, por isso mesmo induz o consumidor em erro,
isto é deixa de dizer algo que é”.181
Nesse contexto, ganha importância a técnica enganosa, a qual,
obrigatoriamente, está ligada à informação veiculada no mercado.
Observa-se, no entanto, que a técnica enganosa da publicidade pode
se dar através da apresentação de um catálogo eletrônico de
produtos, através do site de um fornecedor, dentre outras práticas.
Esta informação enganosa ou falsa gera uma crença equivocada por
parte do consumidor, a qual frustrará as suas expectativas legítimas
e, em última instância, obrigará o fornecedor a cumprir com o
prometido no mercado de consumo, ou indenizar o consumidor pelo
dano experimentado.
a) A informação e seu processamento psicológico
A informação é um dos pilares ao estudo e ao amadurecimento
do mercado de consumo, pois é certo que a falta de informação
correta e veraz é a grande vilã das anomalias existentes no mercado
180 Adalberto Pasqualotto, ob. cit., p. 117.181 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, ob. cit., p. 289.
131
de consumo.
O processamento das informações, conforme leciona a Prof.ª
CHRISTIANE GADE, divide-se em três momentos, a saber: a
captação dos estímulos, a interpretação e, por fim, o processamento
das informações.182
A captação dos estímulos sensoriais se dá através do olfato,
visão, audição e gustação. Os sentidos dos consumidores são a porta
de entrada ao processamento das informações, pois eles captam as
sensações exteriores, transformam essas sensações em percepções e,
talvez, essas percepções é que venham a ser decodificadas,
armazenadas e transformadas em preferências de consumo. Os
fornecedores buscam a atenção e o estímulo dos consumidores
através da Internet, de várias formas. Com efeito, é muito comum o
uso de cores e sons para transmitir mensagens e estímulos através
da Internet, como, por exemplo, os sons relaxantes em portais de
hotéis de praia ou ainda a utilização de sons e cores fortes em
portais de jogos eletrônicos.183
Os estímulos ambientais são levados ao cérebro para sua
decodificação, sendo certo, porém, que grande parte deles já é
bloqueada, antes mesmo de chegar ao cérebro. Nesse contexto, a
atenção ganha importância no processamento das informações, pois
ela se dá quando as sensações decorrentes da estimulação dos
182 Conf. Christiane Gade, ob. cit., p. 30.183 Conf. Christiane Gade, ob. cit., p. 37.
132
receptores sensoriais são levadas ao cérebro, sem qualquer
interrupção, para serem decodificadas e processadas.184
No entanto, a atenção dos consumidores é seletiva, o que
bloqueia e interrompe os estímulos externos, com grande facilidade.
Tal seletividade se dá pelos mais variados motivos, como, por
exemplo, a falta de necessidade do produto ou serviço veiculado
através de uma publicidade, a ignorância da sua utilidade, ou ainda,
a existência de uma defesa psicológica do consumidor sobre certos
assuntos.
Os estímulos e percepções externas, portanto, podem ser
bloqueados por inúmeros elementos interiores e exteriores - fatos
que impedirão a decodificação, o processamento e a sua
interpretação por parte do consumidor. A interpretação, por sua vez,
é o processo de decodificação e identificação dos estímulos
exteriores, sendo certo que esse processo é o que atribui significado
às percepções e aos estímulos exteriores captados pelo indivíduo.
O processo de decodificação e atribuição de significado às
percepções e aos estímulos exteriores também é influenciado por
fatores individuais dos consumidores, como, por exemplo,
características, necessidades, ou ainda, a sua predisposição mental
para organizar um mundo significativo.185 E mais: o processo de
decodificação e atribuição de significado implica a formação de
184 Conf. Christiane Gade, ob. cit., p. 32.185 Conf. Christiane Gade, ob. cit., p. 45.
133
crenças, a partir das características dos estímulos e do contexto
situacional, pelas quais o consumidor conclui se as expectativas de
satisfação das suas necessidades serão ou não supridas, na hipótese
de aquisição dos produtos ou serviços oferecidos através de uma
oferta ou de uma publicidade veiculada na Internet.
Portanto, o processamento das informações recebidas, quer
através de percepções, quer através de estímulos sensoriais, é o
elemento que motivará a conduta dos consumidores no mercado de
consumo. E essas informações, as quais motivarão a crença de que a
oferta ou a publicidade é veraz e confiável, são os elementos que,
repita-se, ensejarão a crença de que o consumidor alcançará a
satisfação das suas necessidades com a aquisição dos produtos e
serviços veiculados na Internet, fato que atribui grande importância
às informações veiculadas no mercado de consumo e, em
conseqüência, à necessidade de uma especial proteção às
informações veiculadas pelos fornecedores nesse mercado.
b) O dever de informar e o sistema jurídico
A preocupação com a veiculação correta da informação é tão
vital à manutenção do mercado de consumo, que grande parte dos
sistemas de proteção dos consumidores tem esse dever como
princípio básico. Isto porque há necessidade de os consumidores
confiarem no mercado de consumo, pois, do contrário, a descrença
no mercado de consumo motivaria a sua própria ruína.
134
O inciso XIV do art. 5º da Constituição do Brasil, assim como
o art. 42 da Constituição da Argentina, declaram como direito
fundamental dos cidadãos a prestação de informações adequadas,
corretas e verazes.186
A Constituição do Brasil, através do inciso XIV do seu art. 5 e
do inciso V do seu art. 170, determina a obrigatoriedade de o
fornecedor informar ao consumidor os elementos necessários ao
correto acesso ao consumo, pois, caso o fornecedor deixe de
informar os dados necessários à correta relação social entre as
partes, o Estado poderá intervir na relação, para equilibrá-la e evitar
o abuso econômico por parte do fornecedor.
O nosso Código de Defesa do Consumidor, através do seu art.
31, dispõe que “a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem
assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua
portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição,
preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como
sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores”.
De forma semelhante, ainda dispõe o art. 4º do Código de
Defesa do Consumidor da Argentina que “quienes produzcan, importen,
distribuyan o comercialicen cosas o presten servicios, deben suministrar a
los consumidores o usuários, en forma cierta y objetiva, información veraz,
detallada, eficaz y suficiente sobre las características esenciales delos
mismos”.
186 Art. 42 da Constituição argentina – Los consumidores y usuarios de bienes y servicios tienen derecho, enla relación de consumo, a la proteción de su salud, seguridad e intereses econômicos, a una informaciónadecuada y veraz, a la liberdad de elección y a condiciones de trato equitatico y digno.”
135
O inciso 3º do art. 5º do Código de Defesa do Consumidor da
Itália, de forma semelhante ao art. 31º do nosso código, dispõe que“Le informazioni al consumatore da chiunque provengano, devono essere
adeguate alla tecnica di comunicazione impiegata ed espresse in modo chiaro
e comprensibile, tenuto anche conto delle modalità di conclusione del
contratto o delle caratteristiche del settore, tali da assicurare la
consapevolezza del consumatore”.
O art. 8° do Código de Defesa do Consumidor de Portugal, por
sua vez, dispõe que “o fornecedor de bens ou prestador de serviços deve,
tanto nas negociações como na celebração de um contrato, informar de forma
clara, objectiva e adequada o consumidor, nomeadamente, sobre
características, composição e preço do bem ou serviço, bem como sobre o
período de vigência do contrato, garantias, prazos de entrega e assistência
após o negócio jurídico”.
O Projeto de Lei 4906/2001, o qual trata do comércio
eletrônico, através do seu art. 31, ainda determina os elementos
necessários à correta informação do consumidor eletrônico. O art.
do Projeto de Lei n. 4906/2001 segue os mesmos passos da Diretiva
2002/65/CE, a qual também trata do comércio eletrônico, visto que
os artigos 5º e 10º da Diretiva, assim como o art. 31 do Projeto de
Lei, estipulam, de forma objetiva, os elementos que deverão ser
informados aos consumidores eletrônicos sobre a correta oferta e
veiculação da publicidade.
O Prof. ANTÔNIO HERMANN DE VASCONCELLOS E
BENJAMIN, ao tratar da questão, conclui que “o Estado intervém para
136
assegurar, em face da falha de funcionamento do mercado, que os
consumidores recebam informações adequadas que os habilitem a exercer, de
maneira consciente e livre, suas opções de consumo. A informação deve ser
correta (verdadeira), clara (de fácil entendimento), precisa (sem
prolixidade), ostensiva (de fácil percepção) e em língua portuguesa”.187
A Prof.ª CLÁUDIA LIMA MARQUES, ao tratar do dever de
informação, observa que o dever de informar decorre do princípio
de transparência, eis que “transparência significa informação clara e
correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado,
significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor,
mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de
consumo. Efetivamente, o mandamento da transparência é um dos grandes
instrumentos de proteção da confiança, imposto pelo CDC nos contratos
entre fornecedores e consumidores”.188
O dever de informação, conforme conclui o Prof. PAULO
LUIZ NETTO LÔBO, é “direito à prestação positiva oponível a todo
aquele que fornece produtos e serviços no mercado de consumo”.189 Os seus
requisitos, conforme expõe o ilustre professor, seriam adequação,
suficiência e veracidade. A adequação deriva do respeito ao meio de
informação utilizado e seu conteúdo, eis que os meios devem ser
compatíveis com o produto ou serviço oferecido e com o tipo de
consumidor que se quer alcançar. Ademais, a suficiência refere-se à
completude e à integralidade das informações, bem como a
veracidade refere-se à sua realidade com as características do 187 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, ob. cit., p.245.188 Cláudia Lima Marques, Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor: um estudo dosnegócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico, p. 243.189 Paulo Luiz Netto Lôbo, A informação como direito fundamental do consumidor, p. 69.
137
produto ou serviço apresentado.
O Prof. ANTÔNIO CARLOS EFING, ao analisar o dever de
informação, observa que “os arquivos de consumo, fontes precípuas de
informações apresentam íntima ligação com este princípio, que normatiza
não somente a responsabilidade do fornecedor na divulgação destas
informações, mas também os direitos do consumidor de obtê-las, e mais,
encontrá-las sem disparidades com a realidade. (. . .) A educação caminha
junto com a informação, e estas almejam a efetiva proteção e defesa do
consumidor. Desta forma, quanto mais desenvolvido o sistema educacional,
mais possibilidades de se concretizar o fim pretendido por estes institutos. À
medida que a sociedade de consumo passa a ser informada, suas chances de
defesa e obtenção de tutela aumentam em proporção igual ou superior”.190
Portanto, observa-se que o dever de informar, quando
analisado através da oferta e da publicidade, está intimamente
ligado ao princípio da transparência e ao princípio da confiança, eis
que informações claras e verazes, ou seja, informações que
alcancem o seu verdadeiro fim, ensejarão a transparência da relação
entre o fornecedor e o consumidor e, ao final, ensejarão a confiança
deste no primeiro e no mercado de consumo.
c) O dever de informar como fonte de obrigação
O nosso Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, traz o
dever de informar no inciso III do art. 6º e nos seus artigos 12º, 14º,
18º, 30º e 31º. O dever de informar ainda consta nos artigos 4º , 5º e
190 Antônio Carlos Efing, Bancos de dados e cadastro de consumidores, p. 91.
138
6º do Código de Defesa do Consumidor da Argentina, no art. 2º do
Código de Defesa do Consumidor da Espanha, artigos 3º, 6º , 7º e 8º
do Código de Defesa do Consumidor de Portugal e no art. 5º do
Código de Defesa do Consumidor da Itália.
A informação, objeto de estudo do presente trabalho, é
oferecida em dois momentos principais. Há, em primeiro lugar, uma
informação que precede o nascimento da relação de consumo –
publicidade – ou acompanha o bem de consumo. Em segundo lugar,
existe a informação passada no momento da formalização do ato de
consumo, isto é, no instante da contratação.191
As informações devem ser prestadas de forma correta
(verdadeira), clara (de fácil entendimento), precisa (sem
prolixidade), ostensiva (de fácil percepção), enfim, de forma a
possibilitarem a livre escolha do consumidor e o nascimento das
suas expectativas quanto ao fim que será alcançado ao término da
relação de consumo.
Nesse sentido, é o art. 31 do nosso Código de Defesa do
Consumidor, ao dispor que “a oferta e apresentação de produtos ou
serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e
em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade,
composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros
dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos
consumidores”.
191 Conf. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, ob. cit., p. 243.
139
O art. 8º do Código de Defesa do Consumidor de Portugal, por
sua vez, dispõe que “o fornecedor de bens ou prestador de serviços deve,
tanto nas negociações como na celebração de um contrato, informar de forma
clara, objectiva e adequada o consumidor, nomeadamente, sobre
características, composição e preço do bem ou serviço, bem como sobre o
período de vigência do contrato, garantias, prazos de entrega e assistência
após o negócio jurídico”.
O Código de Defesa do Consumidor traz a obrigatoriedade de
o fornecedor informar o consumidor em diversos momentos da
relação jurídica, sendo a omissão do fornecedor um possível defeito
nos produtos ou serviços oferecidos (defeitos de concepção e de
produção) ou ainda uma prática comercial abusiva. O dever de
informar, e as conseqüências da omissão deste dever estão, em
grande parte, dispostas nos inúmeros artigos do nosso Código de
Defesa do Consumidor.
Todavia, há quem acredite que existem obrigações de informar
que não estão dispostas nas normas do Código de Defesa do
Consumidor, pois tratar-se-iam de obrigações secundárias aos tratos
comerciais, as quais têm uma relação secundária com a obrigação
principal.
O exemplo que interessa ao nosso trabalho são os deveres de
informação e esclarecimento, os quais “obrigam as partes a se
informarem mutuamente de todos os aspectos atinentes ao vínculo, de
ocorrências que, com ele tenham certa relação e, ainda, de todos os efeitos
que, da execução, possam advir. São, portanto, deveres que visam a permitir
140
que as partes tenham, na medida do possível, a exata dimensão das
condicionalidades específicas da relação, podendo com isso melhor projetar
seus próprios futuros”.192
Aqueles que acreditam que nem todos os deveres de
informação estariam abarcados no nosso Código de Defesa do
Consumidor concluem que existem deveres secundários de
informação mais amplos do que aqueles dispostos no Código de
Defesa do Consumidor. Isto porque poderia existir a ofensa ao dever
de informação, mesmo após o cumprimento da obrigação de
consumo – entendendo-se obrigação de consumo em estrito “sensu”,
ou seja, o pagamento pelo produto/serviço fornecido e o consumo
total do bem/serviço. Um bom exemplo poderia ocorrer com um
remédio fornecido ao mercado de consumo que curasse um
determinado órgão do ser humano, provocando efeitos secundários
mortais, sendo certo que tal conhecimento só tivesse sido obtido
após 2 (dois) anos da utilização desse medicamento no mercado.
Como bem leciona o Prof. ROGÉRIO FERRAZ DONNINI, “o
Código de Defesa do Consumidor, ao prever, de maneira expressa, pela
primeira vez em nosso ordenamento jurídico, a denominada boa fé objetiva,
possibilitou, indubitavelmente, que nos contratos de consumo, mesmo após a
sua extinção, seja responsabilizado aquele que transgrediu os deveres
acessórios ou anexos por qualquer ato imanente ao pacto firmado, o que se
caracteriza a responsabilidade pós-contratual”.193
192 Jorge Cesa Ferreira da Silva, ob. cit., p. 106.193 Rogério Ferraz Donnini, Responsabilidade pós-contratual no novo Código Civil e no Código de Defesado Consumidor, p. 102.
141
Ora, existem vários consumidores que sequer podem provar
que consumiram esse medicamento inadequado, todavia o
fornecedor deverá informar ao mercado de consumo a constatação
obtida após 2 (dois) anos de uso do medicamento, e responder pelos
danos causados pelo produto fornecido.
O nosso sistema jurídico anterior ao Código de Defesa do
Consumidor e ao Código Civil editado em 2002 determinava que a
obrigação jurídica só poderia nascer do acordo das vontades ou por
força de lei. O sistema jurídico à época era fechado, não se
permitindo a sua ampliação fora do espectro da vontade e da lei.
O aumento do alcance do vínculo obrigacional se tornou lei no
sistema jurídico da Itália, em 1942. O Código Civil italiano, de
forma diferente do nosso antigo sistema de Direito Civil, dispõe no
seu art. 1173 que “le obbligazioni derivano da contratto, o da ogni altro
atto o fatto idoneo a produrle in conformità dell’ordinamento giuridico”.
Nota-se, através da análise do referido artigo, que o sistema
jurídico da Itália permite que qualquer ato ou fato jurídico idôneo a
produzir um efeito poderia gerar uma obrigação de indenizar,
ganhando importância às condutas sociais das partes como fonte de
obrigação no sistema jurídico italiano.
Todavia, percebe-se que o Código Civil de 1916 adotou à
época o sistema obrigacional fechado, abrindo-se tão-somente após
a promulgação do Código Civil de 2002. Isto porque o novo Código
142
Civil, através do art. 422, estipulou a cláusula geral da boa-fé, a
qual permitiu que as obrigações secundárias fossem amparadas pelo
sistema atual.
Tem-se, no entanto, que o Código de Defesa do Consumidor é
um sistema aberto, no qual se permite a responsabilidade do
fornecedor decorrente de uma conduta social atípica, no caso, a
ofensa ao dever de informação. Todavia, a nosso ver, parece que o
Código de Defesa do Consumidor, ainda que permita a
responsabilidade do fornecedor baseada em afronta a deveres
secundários do consumidor, exauriu grande parte dos deveres e
conseqüências da afronta ao dever de informar, incluindo, em
grande parte dos casos, o dever de informação como obrigação
primária, e não secundária à relação jurídica.
Com efeito, a informação é princípio básico à correta
exploração do mercado de consumo, nos moldes do inciso IV do seu
art. 5º, é direito básico do consumidor, nos moldes do inciso III do
seu art. 6º, gera obrigações no campo da responsabilidade civil
objetiva, nos moldes dos artigos 12º e seguintes e, no campo da
oferta e publicidade, obriga o consumidor ao veiculado no mercado
de consumo e integra o futuro contrato, nos moldes dos seus artigos
30º, 31º e 35º, além de proibir a veiculação de publicidades
abusivas e enganosas, nos moldes do art. 37º do Código de Defesa
do Consumidor.
Logo, o que se pode concluir é que o Código de Defesa do
143
Consumidor é um sistema aberto, no qual se admite a
responsabilidade do fornecedor pela ofensa ao dever secundário de
informação, entretanto, ainda que o código permita a
responsabilidade do fornecedor por ofensa a deveres secundários do
consumidor, nos parece que grande parte dos deveres de informação
(ativo) e do combate às omissões e anomalias frente a esse dever
(passivo), estão dispostos no Código de Defesa do Consumidor
como deveres primários, os quais geram obrigações em razão dos
seus artigos, e estão diretamente ligados ao cumprimento da
obrigação principal, sendo, em alguns casos, a própria obrigação
principal.
d) A mensagem publicitária, a publicidade enganosa e o erro
Como já dito, os fornecedores não se vinculam ao consumidor
pela vontade da mensagem publicitária, mas, sim, pela declaração
dessa vontade. Isto porque os consumidores devem confiar naquilo
que foi veiculado no mercado, afastando-se a vontade subjetiva do
fornecedor no momento da veiculação da mensagem publicitária.
A publicidade enganosa nasce de uma ação ou omissão do
fornecedor capaz de induzir o consumidor a erro, eis que as
informações veiculadas não correspondem à realidade do produto ou
do serviço oferecido, fato que motivará uma expectativa errada e,
certamente, a insatisfação do consumidor quanto às suas
necessidades.
144
O Prof. ADALBERTO PASQUALOTTO, ao estudar a
publicidade enganosa, observou que “o desmembramento de todos os
elementos integrativos do artigo 37, parágrafo primeiro, põe em evidência
seis aspectos relevantes: 1) a técnica enganosa ( qualquer
modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário); 2) o
vício da mensagem (enganosidade ou falsidade); 3) a extensão do vício
(inteira ou parcialmente); 4) a conduta do agente (ação, omissão ou qualquer
outro modo); 5) o efeito da conduta (indução em erro) e 6) o objeto do
engano (natureza, características, qualidade, propriedades, origem, preço e
quaisquer outros dados sobre produtos e serviços)”.194
O Prof. FERNANDO GHERARDINI SANTOS, ao analisar a
necessidade do elemento indutivo ao erro, concluiu que “o conceito
de publicidade enganosa, a despeito de enfrentar uma inevitável tautologia,
corresponde à espécie de publicidade que engana a seus destinatários,
podendo induzi-los em erro, ou seja, apresentando um potencial de desviar a
vontade de consumo. Não se exige, portanto, a efetiva indução em erro do
consumidor, mas a mera potencialidade para tanto”.195
O Código de Defesa do Consumidor da Itália, através do seu
art. 20, define a publicidade enganosa como “qualsiasi pubblicità che
in qualunque modo, compresa la sua presentazione sia idonea ad indurre in
errore le persone fisiche o giuridiche alle quali è rivolta o che essa
raggiunge e che, a causa del suo carattere ingannevole, possa pregiudicare il
loro comportamento economico ovvero che, per questo motivo, sia idonea
ledere un concorrente”.
Deve-se notar que o erro disposto na publicidade enganosa ou 194 Adalberto Pasqualotto, ob. cit., p. 116.
145
a sua potencialidade está intimamente ligado à expectativa de
consumo dos indivíduos que compõem o mercado de consumo, pois
é a informação equivocada que levará à escolha errada dos
consumidores e frustrará as suas legítimas expectativas.
Com efeito, os consumidores captam percepções e
informações no mercado de consumo, processam essas informações
e adotam condutas objetivas nesse mercado, sendo certo que essas
condutas não alcançarão o fim esperado pelo consumidor, em razão
de as publicidades enganosas não condizerem com a realidade do
produto ou serviço oferecido. Logo, se as percepções e informações
captadas são falsas - o que ocorre nas publicidades enganosas -,
motivarão expectativas frustradas de consumo, eis que essas
expectativas jamais se materializarão, em razão da sua
desconformidade com a realidade do produto oferecido no mercado
de consumo.
e) A publicidade enganosa e a responsabilidade civil decorrente do
artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor
A responsabilidade civil objetiva decorrente do art. 35 do
Código de Defesa do Consumidor baseia-se no descumprimento do
princípio da vinculação da mensagem publicitária pelo fornecedor, o
qual está intimamente ligado à teoria da declaração da vontade.
A expectativa de consumo, como já dito, é formada pelas 195 Fernando Gherardini Santos, ob. cit., p. 210.
146
informações veiculadas no mercado de consumo, as quais são
transmitidas através de publicidades e ofertas veiculadas pelos
fornecedores. Essas informações formam uma mensagem
publicitária que é captada e processada pelos consumidores e que,
ao final, poderá induzi-los a adquirir determinado bem ou serviço,
caso estejam convencidos de que o bem ou o produto satisfarão as
suas necessidades.
Como bem leciona o ilustre Prof. ANTÔNIO HERMAN DE
VASCONCELLOS E BENJAMIN, “a parceria entre o Direito e a
comunicação mercadológica com o consumidor evoluiu de uma proteção
extracontratual (fragi) para uma tutela (efetiva) na fase da formação do
contrato e, a partir desta, para um regime especial de execução do
documento contratual. É nessa última concepção que as mensagens
mercadológicas, em particular a publicidade, ganham força obrigatória,
transformando-se a comunicação publicitária em autêntico serviço
informativo em benefício dos consumidores”.196
Observa-se que o art. 35 do Código de Defesa do Consumidor
deu efetividade à responsabilização do fornecedor, caso deixe de
cumprir a mensagem publicitária veiculada no mercado de consumo,
eis que o referido artigo dispõe que “se o fornecedor de produtos ou
serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o
consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: I – exigir o
cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou
publicidade; II – aceitar outro produto ou prestação de serviços equivalente;
III – rescindir o contrato, com direito à restituição da quantia eventualmente
antecipada, monetariamente atualizada e a perdas e dano”.
147
A tutela efetiva dos danos decorrentes do descumprimento da
mensagem publicitária é marco importantíssimo às relações de
consumo, pois se permitiu que o consumidor, ao seu livre arbítrio,
buscasse o seu direito de forma efetiva, quer através de
cumprimento obrigatório, quer através de pagamento de indenização
ou aceitação de outro produto ou serviço equivalente.
Ao se analisar o sistema jurídico da Argentina, não se
vislumbra um sistema de responsabilidade civil objetiva semelhante
ao brasileiro no que se refere à tutela específica do consumidor pelo
descumprimento da mensagem publicitária. O Código de Defesa do
Consumidor argentino, ainda que seu art. 8º trate dos efeitos da
publicidade nos contratos de consumo, não traz uma tutela efetiva
na hipótese do descumprimento da mensagem publicitária. Com
efeito, o referido código, através do seu art. 40º, adota a
responsabilidade civil objetiva, ainda que não determine o
cumprimento forçado da obrigação, ou a possibilidade de escolha do
consumidor quanto ao cumprimento da obrigação inadimplida, na
hipótese do descumprimento da mensagem publicitária.
O Código de Defesa do Consumidor da Itália, através do seu
art. 26, estipula as conseqüências administrativas da veiculação da
publicidade enganosa, todavia não dá solução semelhante ao art. 35
do Código de Defesa do Consumidor do Brasil. A solução dada pelo
nosso Código de Defesa do Consumidor, ao que parece, é melhor do 196 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, ob. cit., p. 252.
148
que aquelas dadas pelos Códigos de Defesa do Consumidor da
Argentina e da Itália, visto que a tutela específica na hipótese do
descumprimento da mensagem publicitária, a qual obriga o
fornecedor a cumprir a declaração da mensagem publicitária,
garante de forma efetiva o cumprimento da obrigação do fornecedor.
Portanto, percebe-se que o nosso Código de Defesa do
Consumidor dá boa solução ao problema do descumprimento da
mensagem publicitária veiculada na Internet, visto que o
consumidor terá apenas que demonstrar que adquiriu o produto ou o
serviço através da Internet e o vício existente na mensagem
publicitária, para que o fornecedor seja obrigado, nos moldes do art.
35 do nosso Código de Defesa do Consumidor, ao cumprimento da
mensagem publicitária.
149
IX. A CONDUTA SOCIAL TÍPICA, A INFORMAÇÃO E A
MARCA
a) A conduta social típica
As condutas dos fornecedores no mercado de consumo
repetem-se várias vezes durante o trato negocial com os
consumidores. Com efeito, os consumidores, hoje, podem comprar
um ingresso de cinema, produtos de limpeza, livros, comidas,
roupas e jornais, através da Internet, bastando, para tanto, uma
senha de um cartão de crédito ou outra forma de pagamento.
O Prof. CLÓVIS V. DO COUTO E SILVA iniciou o estudo
acerca das condutas sociais típicas como fonte de obrigação no
sistema jurídico brasileiro, ainda sob a vigência do Código Civil de
1916. Ele assevera que “a lei tipifica diferentes atividades dos
particulares, que se tornaram usuais, comuns, no curso dos tempos. A
estrutura desses negócios, recolhidos pela legislação, passou a denominar-se
típica. (. . .) Assim, à margem dos seus tipos legais, estabeleceram-se o que se
poderiam denominar de sociais, por obra e influência de práticas reiteradas,
tipos esses ainda não recebidos e normados convenientemente. Resultado de
práticas continuadas, de costumes, esses t ipos têm a cogência peculiar ao
poder da sociedade. (. . .) Essa afirmativa importa em reconhecer haver outros
elementos de fixação no mundo social, além do Direito. Todos esses
elementos atuam sobre a atividade dos indivíduos processando-se uma
estruturação, um tipificar-se de condutas, na qual a vontade individual, em
virtude da objetivação decorrente da incidência daqueles fatores sociais, vai
passando para o segundo plano. (. . .) São atos absolutamente necessários à
vida humana. Ninguém poderá pensar em anulá-los desde que se realizem
150
dentro de moldes normais e adequados, sob a alegação, por exemplo, de
incapacidade de uma das partes”.197
Como se pode observar através das assertivas do Prof.
CLÓVIS V. DO COUTO E SILVA, existem atos e fatos sociais
reiterados que geram conseqüências no mundo jurídico, não
podendo o nosso sistema jurídico deixar de observar esses
fenômenos e dar-lhes conseqüências jurídicas.198
Os estudos do Prof. CLÓVIS V. DO COUTO E SILVA
basearam-se na Sociologia Jurídica estudada por NIKLAS
LUHMANN, eis que a expectativa do consumidor nascerá da
expectativa de uma determinada conduta por parte do fornecedor e
da expectativa de que o fornecedor o trate como indivíduo
vulnerável e hipossuficiente.199
Nesta hipótese, os comportamentos das empresas, conforme
observa a Prof.ª CELIA WEINGARTEN, geram deveres e
obrigações decorrentes das suas condutas no mercado de consumo,
eis que as referidas condutas no mercado de consumo geram
expectativas por parte dos consumidores.200
Ora, a indicação do número e da senha de um cartão de crédito
em um site de uma empresa de venda de livros gera,
inquestionavelmente, o fechamento da compra pelo pagamento do 197 Clóvis V. do Couto e Silva, ob. cit., p. 93.198 Clóvis V. do Couto e Silva, ob. cit., p. 95.199 Conf. Niklas Luhmann, ob. cit., p. 54.
151
valor do livro, ou ainda a indicação da senha em um site de um
banco gera a expectativa de acesso às informações do saldo e do
valor dos investimentos existentes na conta corrente do consumidor.
Logo, as condutas típicas do fornecedor e do consumidor – que se
repetem reiteradamente – geram efeitos no mundo jurídico.
Nesse contexto, a expectativa de consumo ganha importância,
visto que as condutas sociais são exercidas, em razão da expectativa
de que a outra parte adote condutas que satisfaçam às expectativas
que motivaram a conduta anterior. Ou seja, a conduta de uma
empresa, ao veicular uma publicidade de um livro no seu site, e
informar o seu preço, induz à expectativa de que o pagamento do
preço do produto, através da informação do número de um cartão de
crédito e de sua senha, implicará a compra do livro.
A Prof.ª CELIA WEINGARTEN explica que “los actos
antecedentes de la empresa tienen un importante valor motivador de
conductas, dado que el hombre se mueve por motivaciones, y la principal
motivación es la expectativa que supera la incertidumbre, especialmente en
el ámbito económico, para romper con la complejidad del mercado, creando
un marco favorable a su acesso, evitando los riesgos innecessários. (. . .) Los
actos antecedentes como comportamiento dinámico de la empresa determinan
bajo qué condiciones un consumidor realizará el intercambio económico,
porque la conducta empresarial antecedente crea expectativas y garantiza su
cumplimiento, que se materializan en obligaciones jurídicas, convirtiéndose
en fuente de seguridad”.201
200 Celia Weingarten, ob. cit., p. 6.
152
Ainda no mesmo sentido, conclui a ilustre professora que“cuando una empresa opera con un comportamiento continuo (actos propios
dinámicos), está generando un valor más, que representa uno de los activos
más valiosos que las empresas tienen. (. .) El consumidor no puede obtener
información óptima (no es fácil acceso, o puede ser muy costosa); por eso,
para el contratante (consumidor o subconsumidor) es de suma importancia la
trayectoria de la empresa, evaluada por medio de sus actos. (. .) Cuando un
consumidor compra varias veces un producto y encuentra que su calidad es
siempre la misma (actos propios), puede suponer (expectativa razonable) que
en el futuro será igual (por aplicación de la teoría de los actos propios)”.202
Portanto, a conduta social típica da empresa seria a sua
conduta reiterada no mercado de consumo, a qual gerará a
expectativa do consumidor de que os atos passados da empresa –
veracidade da informação prestada através de uma publicidade e
aquisição de bens em razão desta – se repetirão novamente nas
demais relações de consumo futuras que haverá entre as partes. A
quebra dessas expectativas, geradas pelas condutas reiteradas dos
fornecedores, por si só, daria ensejo ao dever de os fornecedores
indenizarem os consumidores lesados.
b) A influência das marcas sobre os consumidores, a informação e
o princípio da confiança
As condutas da empresa no mercado de consumo geram
expectativas nos consumidores, principalmente, quando esses
consumidores já tiveram experiências anteriores com a empresa. É 201 Celia Weingarten, ob. cit., p. 21.
153
certo, hoje, que grande parte dos produtos são padronizados, quer na
sua apresentação, quer no seu nível tecnológico e de segurança,
razão pela qual a publicidade e a marca da empresa são seu grande
diferencial competitivo no mercado de consumo.
Deve-se ressaltar, por oportuno, que o comportamento do
consumidor é guiado por percepções, as quais são adquiridas através
de publicidades veiculadas no mercado de consumo. Essas
percepções são apreendidas, decodificadas e se transformam em
juízos de valor, que têm a função de modificar o comportamento do
consumidor. Logo, se os comportamentos dos consumidores já
foram influenciados por empresas e marcas existentes no mercado,
as quais ficaram armazenadas em sua memória de forma positiva,
será mais fácil essas empresas modificarem os hábitos de consumo
desses consumidores do que outras empresas que sequer são
conhecidas no mercado de consumo.
A Prof.ª CÉLIA WEINGARTEN alega que “la marca define la
elección de un consumidor; es una promesa de que colmarán sus
expectativas. Los nombres de marcas conocidas otorgan información al
consumidor sobre la calidad de un producto o servicio, gerándole mayor
confianza y la certeza de que siempre encontrará dichas cualidades. (. .) Para
una empresa, la buena reputación de su marca ayuda a mantener su
prestigio, agrega valor a sus productos o servicios y constituye no de los
activos intangibles mas importantes, por los menores costos de marketing
requeridos para impulsar productos asociados. (. .) La marca reconocida le
permite a la empresa facilitar la introducción en el mercado de nuevas líneas
202 Celia Weingarten, ob. cit., p. 43.
154
o variedades de productos. (. .) La marca opera como aval de calidad, pues
transfiere gran parte de sus atributos a los otros productos”.203
O Código de Defesa do Consumidor da Argentina, através do
seu art. 42, dispõe que “si el daño al consumidor resulta del vicio o
riesgo de la cosa o de la prestación del servicio, responderán el productor,
el fabricante, el importador, el distribuidor, el proveedor, el vendedor y
quien haya puesto su marca en la cosa o servicio.”
Ora, o Código de Defesa do Consumidor da Argentina, de
forma diferente do nosso Código do Consumidor, deu especial
importância à marca da empresa, eis que qualquer empresa da cadeia
de consumo, incluindo aquele que somente colocou a sua marca no
produto, responderá pelos danos causados ao consumidor.204 Isto
decorre da influência da marca sobre o processo de decisão do
consumidor, eis que uma marca já experimentada pelo consumidor,
a qual goza de uma boa impressão, terá mais possibilidade de ter
seu produto adquirido do que uma marca que sequer é notória no
mercado de consumo.
O nosso sistema de consumo, ao que parece, abarcou a
influência da marca de forma implícita, eis que, ao dar especial
tratamento à informação veiculada no mercado de consumo,
alcançou de forma indireta a influência das marcas sobre o processo
de decisão do consumidor. E mais, o nosso sistema de consumo, ao
203 Celia Weingarten, ob. cit., p. 33.204 Ver a esse respeito, Carlos Molina Sandoval, Derecho de consumo y franchising. Defensa delconsumidor, p. 375.
155
proibir publicidades enganosas e práticas desleais, também abarcou
a influência da marca sobre o processo de decisão do consumidor e
a responsabilidade do explorador dessa marca, quando esta afrontar
os princípios básicos do consumidor, e se promover publicidades
tidas como enganosas.
Ora, sabe-se que toda marca transmite um valor, uma
experiência ao consumidor através de sensações, informações ou
publicidades, sendo certo que qualquer marca busca persuadir o
consumidor à aquisição de um produto ou serviço. Logo,
poderíamos concluir, inicialmente, que existe uma mensagem
publicitária por trás de toda marca, uma mensagem publicitária que
diferencia a empresa das demais, a qual gera um comportamento dos
consumidores daquela marca, que lhes diferencia de outro grupo de
consumidores, uma expectativa de satisfação das suas necessidades,
ao adquirirem os bens dessa marca e, ainda, uma postura desse
consumidor frente ao mundo.205
O Superior Tribunal de Justiça, através do julgamento do
Recurso Especial n. 63.981/SP, o qual teve o Ministro Sálvio de
Figueiredo Teixeira, da Quarta Turma, analisou a influência da
marca no processo de decisão dos consumidores e, ao final, concluiu
que as marcas exercem grande influência sobre o consumidor, ainda
que sejam marcas internacionais e, caso essas marcas sejam
exploradas por uma empresa com sede ou filial no Brasil, a
205 Ver a esse respeito, Margaret Mark e Carol Pearson, O herói e o fora-da-lei, p. 70 e Dominique Quessada,ob. cit., p. 34.
156
representação da marca no Brasil poderá arcar com os danos
causados, ainda que os produtos sejam adquiridos no exterior,
conforme segue, in verbis:
“Direito do consumidor. Filmadora adquirida no exterior.
Defeito da mercadoria. Responsabilidade da empresa nacional
da mesma marca. (Panasonic). Economia globalizada.
Propaganda. Proteção do consumidor. Peculiaridades da
espécie. Situação a ponderar nos casos concretos. Nulidade do
acórdão estadual rejeitada, porque suficientemente
fundamentado. Recurso conhecido e provido.
Se a economia globalizada não tem mais fronteiras rígidas e
estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível que as
leis de proteção do consumidor ganhem maior expressão em
sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações
judiciais dimensionando-se inclusive, o fator risco, inerente à
competitividade do comércio e dos negócios mercantis,
sobretudo quando em escala internacional, em que presentes
empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vários
países, sem falar nas vendas, hoje, efetuadas pelo processo
tecnológico da informática e no forte mercado consumidor que
representa em nosso país. O mercado do consumidor, não há
como negar, vê-se hoje “bombardeado” diuturnamente por
intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos,
notadamente os sofisticados de procedência estrangeira,
levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e
com relevo, a respeitabilidade da marca. Se empresas
nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas,
incumbe-lhes responder também pelas deficiências dos
produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável
157
destinar-se ao consumidor conseqüências negativas dos
negócios envolvendo objetos defeituosos”.
O acórdão acima demonstra o amadurecimento do Superior
Tribunal de Justiça quanto à análise das relações existentes no
mercado de consumo. Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça
condenou filial de empresa estrangeira por produto comprado fora
do Brasil, eis que a relação do consumidor com a empresa
estrangeira, com a sua marca, se iniciou no Brasil, através da
exploração, veiculação e exposição da marca, a qual motivou a
aquisição de produto dessa multinacional exploradora da marca fora
do Brasil.
Assim, como a empresa brasileira se aproveita da marca
internacional, a divulga, a explora no Brasil, nada mais justo do que
essa empresa responder também pelos acidentes de consumo de
brasileiros que adquiriram produtos no estrangeiro, levados ao
consumo por informações e publicidades dessa marca veiculadas no
Brasil.
O que se pode indagar é a fonte normativa que permitiria a
punição do explorador da marca no nosso sistema de consumo. O
acórdão ora analisado, por oportuno, baseou-se nos direitos básicos
de defesa do consumidor, na proibição da veiculação de uma
publicidade enganosa, na proibição da prática de métodos
comerciais coercitivos ou desleais, conforme disposto no inciso IV
do art. 6º do nosso Código de Defesa do Consumidor.
158
Todavia, ainda que o referido acórdão tenha se baseado nos
direitos básicos do consumidor, tem-se a influência da marca tanto
sobre o processo de decisão quanto sobre o comportamento do
consumidor, sendo certo que essa influência também está ligada às
informações que são transmitidas ao consumidor na fase pré-
contratual. Tais informações formam as legítimas expectativas do
consumidor, razão pela qual a exploração da marca também estaria
implicitamente ligada aos artigos 30 e 35 do nosso Código de
Defesa do Consumidor.
O art. 30 do nosso Código de Defesa do Consumidor, através
da veiculação de uma marca, vinculará o fornecedor ao consumidor,
eis que as informações, a exposição do consumidor a uma marca, ao
valor que se busca alcançar com a aquisição de produtos de
determinada marca e à confiabilidade que essa marca exerce sobre o
consumidor, influenciará o seu comportamento, razão pela qual o
referido artigo alcança de forma implícita as condutas sociais do
fornecedor, e a expectativa gerada pela sua marca.
As informações e percepções transmitidas pelo fornecedor
através da sua marca geram expectativas objetivas aos
consumidores, sendo certo que o art. 35 do Código de Defesa do
Consumidor trata da responsabilidade civil objetiva do fornecedor,
ao quebrar as legítimas expectativas dos consumidores e afrontar o
princípio da confiança.
159
Como bem declara o Prof. ANTÔNIO HERMAN DE
VASCONCELLOS E BENJAMIN, “a teoria da confiança confere
supremacia à declaração sob o fundamento de que o direito deve visar antes
à certeza do que à verdade, mais ainda quando uma das partes – aquela que
confiou – é particularmente vulnerável, como o consumidor”.206
Logo, se o fornecedor afronta o princípio da confiança, o qual
é pilar da vinculação do fornecedor à declaração da mensagem
publicitária, em razão da sua recusa ao cumprimento das
expectativas nascidas das informações transmitidas através da
apresentação do seu produto, publicidade ou mesmo da sua marca,
este se sujeitará à responsabilidade civil objetiva, nos moldes do
art. 35º do Código de Defesa do Consumidor, podendo ainda
cumprir as expectativas geradas nos mesmos moldes do veiculado
no mercado de consumo.
Nesse contexto, o princípio da confiança ganha importância no
mercado de consumo, visto que a confiança dos consumidores nas
mensagens, informações e percepções transmitidas pelos
fornecedores geram a expectativa de que a aquisição de
determinados produtos satisfarão às suas necessidades. Essas
expectativas estão diretamente ligadas à confiança depositada pelos
consumidores na marca do fornecedor, nas suas informações,
apresentações e publicidades, sendo certo que a quebra da confiança
depositada pelos consumidores no fornecedor implicará a frustração
das suas expectativas e o dever de o fornecedor cumprir com a
206 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, ob. cit., p. 256.
160
mensagem publicitária veiculada no mercado, nos moldes do art. 35
do Código de Defesa do Consumidor.
Por derradeiro, pode-se caracterizar nas indagações acima
expostas a desconformidade da mensagem publicitária com a
realidade da marca e do produto, o que, em última instância, poderá
caracterizar os atos de exploração da marca como publicidade
enganosa. Com efeito, a indução ao erro no exercício através da
veiculação da informação, a qual caracteriza a publicidade
enganosa, pode se dar através de qualquer forma de informação,
restando claro que a veiculação de uma marca no mercado de
consumo também pode ser entendida como uma forma de
informação.
Assim, a desconformidade da mensagem publicitária existente
de forma implícita em uma marca com a realidade dos seus produtos
poderá ensejar a caracterização da existência de uma publicidade
enganosa, ensejando a condenação do explorador dessa marca,
conforme já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, à reparação
objetiva dos danos experimentados pelo consumidor, nos moldes do
art. 35 do Código de Defesa do Consumidor.
161
X. CONCLUSÃO
Por todo o exposto no presente trabalho, observou-se que a
expectativa de consumo é gerada por informações veiculadas no
mercado de consumo, quer através de uma oferta, quer de uma
publicidade, ou mesmo, de uma marca. As expectativas de
consumo nascem das percepções captadas pelos consumidores no
mercado, são processadas e apreendidas e, ao final, geram
determinados comportamentos dos consumidores.
Os consumidores são movidos no mercado de consumo pela
satisfação das suas necessidades, sendo a informação percebida no
mercado de consumo o instrumento utilizado à geração dessas
expectativas, as quais, se materializadas, satisfarão as
necessidades dos consumidores.
Os consumidores, ao adquirirem produtos através do
comércio eletrônico, não têm contato físico com os produtos
adquiridos, tampouco com o fornecedor desses bens e serviços,
fato que gera grande desconfiança nesse meio de aquisição de bens
e serviços. Nos meios eletrônicos, os consumidores têm tão-
somente a crença na informação veiculada e a confiança na
probidade de seus fornecedores. Nesse contexto, a informação, a
transparência, a marca, a publicidade e as atitudes das empresas do
162
mercado de consumo ganham grande importância, pois essas
“informações” serão vitais à confiança dos fornecedores no
mercado de consumo eletrônico.
As Diretivas européias sobre o fornecimento de produtos à
distância e sobre o comércio eletrônico demonstram a preocupação
do legislador comunitário com a seriedade da veiculação das
informações, com a veracidade e clareza dessas informações, com
a necessidade de transparência das empresas que se utilizam desse
tipo de comércio e, sobretudo, com a vedação de práticas abusivas
e publicidades enganosas por parte daqueles que veiculam seus
produtos e serviços através da Internet.
O nosso Código de Defesa do Consumidor já abarcou grande
parte dos problemas que decorrem do comércio eletrônico
realizado através da Internet. Isto porque o nosso código deu
especial importância à veiculação da informação de forma clara e
veraz, à vinculação do fornecedor à oferta na fase pré-contratual, à
vedação à veiculação de publicidades enganosas por ação ou
omissão e, caso qualquer dever secundário fuja da aplicação
desses artigos, o que não se acredita, o princípio da boa-fé, o
princípio da transparência e da confiança certamente darão ao
julgador a liberdade necessária ao correto juízo de valor sobre as
questões levantadas pelos consumidores.
163
Não se deve esquecer que, hoje, o Poder Judiciário já aplica
de forma desacanhada e mais amadurecida os princípios gerais do
Código de Defesa do Consumidor, eis que a própria edição do
Código Civil, de 2002, fez nascer nos nossos julgadores a
necessidade de releitura dos princípios clássicos dos séculos
passados.
Ademais, pode-se dizer que o nosso Código de Defesa do
Consumidor é diploma avançado e suficiente às questões e
desafios traçados pelas evoluções tecnológicas, em especial,
aquelas trazidas pela Internet. Não se vê, até o presente momento,
problema referente às relações de consumo que não possa ser
resolvido pelo Código de Defesa do Consumidor, mas tão-somente
pelo Projeto de lei n. 4.906/2001.
Portanto, os problemas gerados pela desconfiança dos
consumidores na aquisição de bens e serviços já é matéria tratada
pelo nosso Código de Defesa do Consumidor, o qual busca o
consumo amadurecido dos indivíduos que compõem o mercado e o
exercício da livre iniciativa, sem os abusos corriqueiros das
economias liberais.
164
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