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Imprensa: um campo de batalhas,uma legitimação dos sujeitos e de ideias
Ana Carolina Ferreira da Silva
A proposta deste artigo é discutira relevância da imprensa e a publicização dos
discursos, dentro do movimento feminista no Brasil. Sem dúvida, enveredar neste caminho de
análise é pensar em relações de poder, conforme acepção de Michel Foucault, levando em
consideração as formas deresistência.
Pelas palavras dá-se a guerra de ideias.É verbalizar o feminismo. Acompanhando o
raciocínio de Michel Foucault, muito além de uma disputa de conceitos, dá-se a construção de
discursos de verdades. Mas palavras soltas não sustentam mecanismos de poder. É preciso
estar inserida em contextos, ditos por interlocutores de peso e ter publicidade, como ressalta
Pierre Bourdieu, em A economia das trocas linguísticas.O contexto também é valorizado pelo
professor José D´Assunção Barros, inspirado pelos escritos de Paul Ricoeur.
Já se encontram na própria estrutura e matérias da língua todas as possibilidades
narrativas, embora seja tarefa do falante ou do produtor de discursos selecioná-las e
individualizá-las através de uma ação humana e de novos elementos que irão
singularizar cada narrativa como única. (BARROS, 2011:7)
Ainda na Idade Média, as mulheres já demonstravam a necessidade de combater a
árdua realidade de desigualdade com os homens para ter ampliadas as possibilidades de vida.
Uma questão de reconhecimento de dignidade. Séculos mais tarde, principalmente entre o fim
do XVII ao XIX, começa-se o desafio ainda maior de vencer algumas limitações como o
acesso a educação, para ter condições de enfrentamento. Em um artigo da revista de História
da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, um exemplo.
Muito antes de existirem grupos feministas organizados – desde a Idade Média –
mulheres de letras, em diferentes lugares do Ocidente, procuraram desvendar sua
própria história refletindo sobre gênero, tradição, inovação. (...) Desde o início da
modernidade, e especialmente nos séculos XVIII e XIX, um maior número de
autoras trabalhou para destituir a língua dos mecanismos de poder que as
constrangiam e para opor-se aos estereótipos culturais. (TELLES, 2015:22)
Nesta citação, a clareza com que é exposto o discurso como um mecanismo de poder e
a necessidade de se trazer esta dinâmica para umaoutra perspectiva que favorecesse as
mulheres. Em outras épocas, onde a imprensa surge e posteriormente se consolida como um
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veículo de comunicação de massa, pela abrangência que possuía, se faz também como um
ótimo instrumento de formadores de opinião, porém sempre muito hostil aos ideais
feministas, como aponta a professora Natalia Pietra Méndez. “A imprensa atuou como
protagonista na tentativa de normatizar o papel da mulher enquanto “rainha do lar” e de
desqualificar o pensamento feminista.” (MÉNDEZ, 2007:274)
Mas antes de analisar os efeitos da imprensa feminista, vamos entender, rapidamente,
um pouco de como nasceu a imprensa no país. Vale ressaltar que no Brasil, no século XVIII,
é quando começaram a chegar os primeiros exemplares de livros. E posteriormente, diante de
uma multiplicação de tipografias, folhetos e livros em território nacional, surgia também a
imprensa. Segundo o historiador Nelson Werneck Sodré, A Gazeta do Rio de Janeiro foi o
primeiro jornal a existir no paíse defendia os interesses da Coroa Portuguesa. Em oposição a
ele havia, com uma crítica ácida à monarquia brasileira, o Correio Braziliense, publicado em
Londres e que chegava ao país por meio de contrabando.Implantou-se então uma perseguição
aos periódicos contrários. Enquanto que verbas fartas financiavam jornais favoráveis à coroa,
os demais eram duramente censurados. A liberdade de imprensa começa a ser defendida por
grupos radicais pró-independência, antes de 1822. Mas a imprensa livre, para Sodré, era uma
falácia. Com a difusão de tantos jornais, fez-se necessário uma regulamentação, isso já no
século XIX, como mostra o artigo de Octavio Penna Pieranti e Paulo Emílio Matos Martins,
que analisa a obra de Sodré.
Difundida a imprensa, tronava-se necessário regulá-la. Lei viria, dúbia e imprecisa,
em conformidade com a tradição legal brasileira. (...) A lei determinava a proibição
de escritos contra a moral, os bons costumes, a Constituição, o Imperador, a
tranquilidade pública... (PIERANTI E MARTINS; 2006:2-4)
Importante chamar a atenção para o texto citado. Veja que as publicações feministas
surgiram num ambiente não só hostil ao sexo feminino, onde a dignidade da mulher era
subtraída de todas as formas possíveis, mas dentro de uma regulação da imprensa que nada
favorecia a propagação dessas ideias. Porém o fato de não ter uma lei, entenda-se como
mecanismo de poder, a favor dos anseios feministas, este mesmo mecanismo de poder, para
existir precisa do ponto de resistência, como defende Foucault. “É preciso admitir um jogo
complexo e instável em que o discurso pode ser, ao mesmo tempo, instrumento e efeito de
poder, e também obstáculo, escora, ponto de resistência e ponto de partida de uma estratégia
oposta.” (FOUCAULT, 1988:111 -112)
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É neste contexto de disputas de poder, que surge o contraponto, o ponto de resistência:
Nísia Floresta Brasileira Augusta, uma potiguar que, segundo Constância Lima Duarte, teria
sido uma das primeiras mulheres no país a romper o ambiente privado e a publicar textos em
jornais da grande imprensa. “Seu primeiro livro, intitulado Direito das mulheres e injustiça
dos homens, de 1832, é também o primeiro no Brasil a tratar do direito das mulheres à
instrução e ao trabalho e a exigir que elas fossem consideradas inteligentes e merecedoras de
respeito.” (DUARTE, 2003:153)
Ainda que Nísia o considerasse uma tradução livre, Constância Lima Duarte defende
esta obra como o texto fundante do feminismo no Brasil. Este fato merece uma reflexão
especial. Tudo que é primeiro, é ruptura. O inédito é o desconhecido, ou pelo menos o
sufocado, que vem à tona. E conseguir publicar um livro, significa não apenas uma
propagação de ideais feministas. Significa elevar a mulher à condição de ser pensante. De
indivíduo que produz discurso e articula ideias. De um ser crítico as condições impostas e que
tem algo a dizer sobre essas circunstâncias. Mais além; é capaz de propor novos caminhos e
conceitos sobre si. Isso é cidadania. Tanto que Nísia defende que o progresso de uma
sociedade está atrelado a maneira como suas mulheres são tratadas. Somado a tudo isso,
temos aí também, por meio do discurso impresso e público, um início do que se pode pensar
sobre uma escrita de uma história de mulheres. “Escrever a história das mulheres supõe que
elas sejam levadas a sério, que se dê a relação entre os sexos um peso, ainda que relativo, nos
acontecimentos ou na evolução da sociedade.” (PERROT, 2005:14)
No artigo Feminismo, imprensa e poder no Brasil contemporâneo, a professora Natalia
Pietra Méndez defende que essa relação do feminismo com a imprensa divide-se em três
tópicos importantes: no início do século XX há a ascensão de um feminismo liberal, que
lutava pelo reconhecimento dos direitos civis das mulheres. Posteriormente, entre as décadas
de 1960 a 1980, o caráter emancipacionista vem à tona e aí surge uma imprensa feminista de
circulação nacional e as ideias do movimento passam a pautar os jornais que já circulavam. E
o terceiro tópico seria um caso de uma relação bem sucedida entre o feminismo e a imprensa
que seriam os textos da jornalista gaúcha Carmen da Silva na revista Cláudia.
Os jornais impressos e revistas, entre os séculos XIX e XX foram um importante palco
de algumas batalhas feministas e para chamar a atenção para seus ideais. Era o privado
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tomando corpo no público. Quando uso o termo batalha, me refiro de fato a uma guerra. A
hostilidade do poder masculino, do patriarcal, era perversa, cruel, segregacionista e eficiente.
Dentro do cenário da imprensa, tem-se as publicações contra esses jornais feministas. “A
reação desencadeada pelo antifeminismo foi tão forte e competente, que não só promoveu um
desgaste semântico da palavra, como transformou a imagem da feminista em sinônimo de
mulher mal amada, machona, feia e, a gota d´água, o oposto de feminina.” (DUARTE,
2003:151)
No trabalho A invenção da solteirona, de Cláudia Maia, mostra como este discurso
antifeminista, citado por Constância Lima Duarte, era divulgado por meio de publicações. A
autora faz referência a um artigo publicado na Revista da Semana que faz uma comparação
entre a solteirona enfezada e a esposa feliz. A inveja é o sentimento que permeia essa relação
entre os dois sujeitos sociais. Cláudia Maia deixa claro como isso auxilia, não só a reforçar os
padrões de submissão femininos já construídos e em vigor, quanto a rebater as ideias que
surgiam de emancipação e de casamento como um impedimento a essa libertação. Vale
ressaltar que o autor do artigo é Berilo Neves, jornalista, escritor e crítico literário, famoso por
frases machistas.
(...) a construção de representações sociais das mulheres celibatárias como invejosas,
rancorosas, infelizes, amarguradas e frustradas era, por um lado, o que confirmaria a
‘esposa feliz’, triunfante, que tinha tudo o que desejava uma mulher – casa, marido,
filhos, amor e sexo, enquanto que ela, a celibatária, não tinha nada. (MAIA,
2007:215)
Este era um período em que o papel social da mulher passou a ser muito pautado pela
imprensa. Com a chegada do movimento republicano, o feminismo ganhou um novo fôlego,
mas a cidadania feminina, assim que a República foi proclamada, não foi reconhecida, como
destaca Natalia Pietra Méndez.
(...) o advento da República não trouxe consigo o reconhecimento da cidadania à
população feminina. A Constituição de 1891 não se pronunciou sobre o direito ao
voto para mulheres. Ficou o entendimento tácito de que essas não precisavam sequer
ser mencionadas na Carta Magna da República brasileira. (MÉNDEZ, 2007:271)
Apesar de mulheres da elite estarem ligadas a essa luta, suas propostas não
encontraram respaldo na imprensa. Em muitas publicações, a ridicularização por meio do
humor. Vale ressaltar que tratar estas ideias como piadas, seria uma tática muito eficiente de
cristalizar o conceito de que não era algo sério e que merecesse credibilidade. Natalia Pietra
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Méndez ainda lembra que, nesta época, havia a inserção da mulher no mercado de trabalho
por uma necessidade de sustentação da estrutura industrial que surgia. No entanto, a mulher
ainda foi mantida, dentro dos conceitos culturais e sociais, como um ser do espaço doméstico
e do ambiente privado. E isto ganhou força com a imprensa da época. “A par do ingresso cada
vez maior das mulheres no mundo do trabalho, encontrava-se um discurso conservador por
parte da imprensa, implacável com a mulher emancipada.” (MÉNDEZ, 2007:273)
Eis que nas páginas dos jornais passa-se a difundir que a mulher, ao largar o seu papel
“natural” de mãe e do lar, era responsável pelas mazelas sociais. A imprensa passa a assumir
uma posição de liderar o combate ao feminismo e buscar, incessantemente, a desqualificação
das ideias.
Ao transitar pelos anos 1960, 1970 e 1980, teremos uma fase importantíssima e única
dessa relações de poder estabelecidas entre feministas ediscursos jornalísticos. Mas antes de
se analisar esta questão, é importante entender, brevemente, qual era o contexto em que o
pensamento intelectual, tão importante no processo de construção dos jogos de verdade e
estruturas sociais, estava imerso. Há que se pensar que, nas duas primeiras décadas deste
período, temos um momento de contracultura. Passa-se a criticar e rejeitar valores sociais
estabelecidos. É neste instante que muitas transformações, em diferentes e múltiplos campos
se dão. Cenário ideal para se repensar o papel da mulher. É importante destacar que, neste
instante, surge também a entrada, em peso das mulheres nas universidades, principalmente
como estudantes e algumas como professoras. Nasce aí uma geração de pensadoras.
Intelectuais que vão colocar em questão conceitos estabelecidos por décadas e trazer para
dentro do ambiente universitário a necessidade de se pensar o papel feminino de uma outra
forma. O que isso significa? Tudo quando se busca credibilidade. Margareth Rago, no texto
“Descobrindo Historicamente o Gênero”, fala da importância de se trazer a discussão para
dentro do ambiente acadêmico brasileiro, tão cristalizado. O que começou com uma certa
descrença e desconfiança, beirando a ironia e a curiosidade, aos poucos, ganha espaço por
meio de importantes intelectuais, de diferentes ciências que passaram a pensar sobre o
assunto. “(...) passaram a pensar na importância da sexualização do discurso historiográfico.
O feminismo saía do gueto e irradiava seus fluidos mornos e positivos pela academia.”
(RAGO, 1998:90)
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Ao aumento da escolaridade, somam-se a inserção no mercado de trabalho em
diferentes postos e a propagação de anticoncepcionais, o que dá a mulher o direito de gerir o
próprio corpo e ter no sexo uma fonte de prazer e não apenas de reprodução. Começa-se a
repensar tudo, não só a questão de direitos femininos, mas as relações familiares e
interpessoais. O papel da mulher no mercado de trabalho e os espaços ocupados por elas. É
justamente, neste momento, que a imprensa estabelece outras relações de poder com o
feminismo. Numa perspectiva foucaultiana, pode-se dizer que são jogos intensos e com muita
mobilidade, tipicamente fluida e dinâmica.
Tanto o pensamento intelectual feminista quanto sua expressão como movimento
social encontraram na imprensa um espaço cativo para expressar suas ideias.
Entretanto, esse contato com a imprensa brasileira foi interposto por relações de
poder nas quais é possível observar fluxos de reciprocidades, afastamentos,
dominações e resistências. (MÉNDEZ, 2007:275)
Importante destacar que, essas idas e vindas, aprovações e reprovações por parte da
imprensa são baseadas no comportamento social do momento. Nos anos de 1960 e 1970,
temos uma linha de pensamento libertário, de ruptura. Nos anos de1980, a retomada do
conservadorismo. E este ponto é crucial para influenciar o comportamento da imprensa, que
passa a deixar de lado a abertura e certa simpatia pelas ideias feministas para retomar a
antipatia de outrora. Natalia Pietra Méndez, ainda no mesmo artigo citado anteriormente,
chama a atenção para uma importante pesquisadora: Simone Schmidt, que estuda esses
movimentos diversos da imprensa e do feminismo. “Já nos anos 80, a autora identifica um
recuo de tais pensamentos e um agrupamento da intelectualidade em torno dos ideais
neoliberais, o que justificaria uma tentativa de apagar o feminismo das páginas dos jornais.”
(MÉNDEZ, 2007:275)
O que se percebe neste jogo de poderes, por parte da imprensa, um abuso do humor
para desqualificar o feminismo, além do fortalecimento de estereótipos de feministas como
mulheres masculinizadas, feias e mal resolvidas. Temos aí a reedição de um senso comum de
que as posições assumidas por essas mulheres são assim feitas por conta de dificuldade em se
relacionar com o sexo masculino, principalmente por não se enquadrarem em padrões de
beleza. Há também, nas manchetes ou nos textos uma hierarquia de qualidades. Os adjetivos
bonita sendo colocados antes de inteligentes. Aliás, inteligência não seria um pré-requisito
para uma mulher. Méndez também cita um exemplo que deixa bem claro o poder de
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construção de valores que a imprensa exerce. A entrevista dada por Leila Diniz, em 1969,
provoca uma revolução social. Os jornais da época, ao dar visibilidade excessiva às falas de
Leila, carregadas de conceitos feministas, provoca, no governo militar, uma reação.“A
repercussão da referida entrevista foi tão grande que o governo militar, através do ministro da
Justiça Alfredo Buzaid, aprovou o Decreto 1.077, que permitia a censura prévia à imprensa. A
medida ficou conhecida como ‘Decreto Leila Diniz’”. (MÉNDEZ, 2007:277)
Temos aqui, um fato que abre reflexão para o significado da recepção. Nos estudos de
comunicação social, quem consome o que é publicado pela imprensa, seja qual mídia for, é a
recepção. Dentre as correntes existentes, da marxista – com uma concepção de recepção mais
passiva e manipulada – às mais atuais que compreendem este leitor, ouvinte ou telespectador,
com uma atitude mais ativa diante dos conteúdos, a questão é que, a razão de ser do trabalho
de um jornalista não se desvincula do público.
Entre prioridades mercadológicas e de fins econômicos, algo só se mantém na mídia se
houver certo sucesso e aceitação do público. E é justamente este o terceiro ponto abordado
pela professora Natália Pietra Méndez, ao analisar as relações de poder entre feminismo e
imprensa. A coluna “A arte de ser mulher”, na revista Cláudia, durou de 1963 até início dos
anos de 1980, tratando dos mais diversos assuntos que envolviam o movimento feminista de
uma maneira ampla e sem preconceitos. Para a autora, este foi um exemplo de perfeito
relacionamento entre a grande imprensa e as ideias feministas. Além de tratar de assuntos
vinculados ao universo das mulheres sem a colocar numa posição de objeto, frívola ou fútil;
(...) influenciou diversas gerações ao tratar, de forma independente e livre de
preconceitos, de temas vinculados ao feminismo. Carmen não foi apenas uma
ativista engajada no movimento feminista. Foi uma das precursoras no exercício
intelectual de pensar a realidade da mulher brasileira, em discutir seus problemas de
forma pública e irrestrita, levando a discussão do feminismo para um leque
extremamente amplo de leitoras e leitores. (MÉNDEZ, 2007:281)
Diante de todas as abordagens até o momento sobre essa relação de imprensa e
feminismo, poderíamos dizer que a mídia, assume, em muitos momentos um papel de
auditor? Se levarmos em conta alguns significados para esta palavra, veremos que se trata de
pessoa com conhecimento o suficiente para emitir pareceres sobre um assunto do qual é
especialista. O/a jornalista não é um/uma especialista em si, mas detém em suas mãos o
respaldo de fontes para sustentar a informação a ser dada e é o filtro final da apuração e
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veiculação dessa informação. E ao fazer isso ele/ela não se torna apenas um mensageiro,mas
um formador de opinião.
Dentro do contexto da sociedade, a imprensa sempre ocupou um papel de autoridade a
falar dos fatos e divulgá-los. Fazendo uma analogia a esse papel, ela se torna uma espécie de
auditor ideológico. Os jornais, as revistas e seus respectivos jornalistas passam a mediar
discursos em um cenário de discussões, construções de valores, conceitos, amparados em
outras ciências além da comunicação social, como o direito, a medicina, a psicologia e
pedagogia. Eis a relevância de se ter uma perspectiva e uma posição feminista, como a
jornalista Carmen da Silva, citada acima, dentro dos meios de comunicação, seja da grande
mídia ou da imprensa independente. Por isso, logo em meados do século XIX, conforme
relata Constância Lima Duarte, as feministas dão um passo importante além da publicação em
si dos seus textos. Começam a surgir os primeiros jornais editados e dirigidos por mulheres.
Com isso, claro, surge também a reação, com o discurso contrário, de considerar essas
publicações como algo sem qualidade, secundário e supérfluo, simplesmente porque era
destinado ao “segundo sexo”. Mesmo sendo consideradas as publicações como algo
inconsistente por quem combatia o discurso feminista, por meio da imprensa conseguiu se
construir uma identidade feminina. Porém, esta estratégia de desmerecer o conteúdo
produzido por feministas teve um importante contraponto. Podemos dizer também que nesta
época foi lançado um relevante embrião da imprensa brasileira: a modalidade de mídia
alternativa que, futuramente, seria extremamente usada, principalmente pelas feministas da
quarta onda. Nasce a possibilidade de se ter um jornalismo alternativo como um espaço de
discursos de resistências e de contrapontos com costumes estabelecidos. Karina
JanzWoitowcz, jornalista e professora, ressalta o peso dessa significância da entrada das
mulheres feministas no universo da imprensa.
O movimento feminista desde cedo reconheceu o papel da mídia na produção de
estereótipos de gêneros. Assim, a crítica ao modo como as mulheres eram
representadas nos meios de comunicação, em especial na segunda metade do século
XX, acompanhou o processo organizativo do movimento.(WOITOWICZ, 2012:4)
Mas voltando no tempo, essa mídia alternativa passa a provocar polêmicas importantes
neste lento e arrastado processo de naturalização da ideia do sexo feminino como um ser que
pode e deve ocupar o espaço público, uma vez que coloca em discussão a importância de se
incentivar a mulher a buscar melhorias sociais e a emancipação moral. Este é o conteúdo do
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editorial do Jornal das Senhoras, citado em um texto de Constância Lima Duarte. Ele foi
publicado em 1852, no Rio de Janeiro e era dirigido pela argentina Joana Paula Manso de
Noronha que morava no Brasil. “O pioneirismo d´O jornal das senhoras, e suas colaboradoras
tímidas e anônimas, representaram, ainda sim, um decisivo passo na longa trajetória das
mulheres em direção à superação de seus receios e conscientização de direitos.” (DUARTE,
2003:155)
Constância Lima Duarte ainda destaca que na segunda onda do movimento feminista,
temos um enorme número de jornais e revistas feministas que surgem, no Rio de Janeiro e em
outros pontos do país. A autora chama a atenção para uma característica importantíssima: as
publicações passam a ser menos literárias e mais jornalísticas. Assim como existe a polêmica
até que ponto a literatura também contribuiu para o processo historiográfico, na ciência da
Comunicação Social, bem mais recente do que a ciência História, há uma discussão parecida:
a necessidade de se separar o que é literatura e o que é jornalismo. Esta aproximação vem de
longa data, desde o século XVIII. E ao longo do tempo, jornalismo e literatura se convergem e
se divergem. A escrita feminista, ao adquirir um aspecto mais jornalístico, ela ganha o tom de
credibilidade tanto buscado dentro da imprensa. Apesar de que a imparcialidade é algo
utópico e dentro dos conceitos semióticos fica claro que o/a jornalista sempre deixa escapar
sua subjetividade no processo de construção da notícia, o texto jornalístico deveconservar a
essência, a espinha dorsal de um fato, em respeito a esses princípios que tangem a apuração e
publicação de fatos. Vale ressaltar que, quando a escrita feminista assume uma postura mais
jornalística, estamos no fim do século XIX. Nesta época, começam a surgir valores e
conceitos muito ligados a questão da racionalidade, transformação que se intensifica no século
XX. O jornalismo acompanha este movimento e a literatura faz o caminho inverso, segundo
jornalista e professor Roberto Nicolato. “(...) no século XX o jornalismo procurou firmar-se
como entidade autônoma e estável, sob a influência do pensamento racional e científico, a
literatura encampou o discurso da desconstrução.” (NICOLATO, 2006:1)
Temos aqui, ao meu ver, uma possível justificativa para que os jornais feministas
também buscassem essa mudança: a necessidade de se acompanhar um comportamento da
época, pautado na ciência e na racionalidade. Isso seria dar credibilidade e seriedade aos
conceitos a serem difundidos.
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Obviamente que o caminho não era simples como ainda não é. Não se resolveria tudo
com apenas algumas publicações e as questões pendentes nos dias atuais também não serão
solucionadas apenas com os múltiplos discursos divulgados de diversas formas dentro das
mídias. Dentro da complexidade de um processo histórico e suas transformações, muitos são
os elementos que compõe uma conjuntura de mudança. Mas este estudo, no que tange ao seu
objetivo que é promover reflexão sobre o assunto, quer mostrar que a imprensa foi uma
grande ferramenta de discurso e de contra discurso. Como uma faca de dois gumes dentro do
cenário de conquistas femininas. Como jornalista, crítica ao meio no qual estou inserida,
ainda considero que a imprensa continua ocupando este papel. Diante de um leque mais
amplo: impresso, rádio, TV e internet, temos batalhas de conceitos ocorrendo. Temos
discussões importantes sobre gênero sendo colocadas em pauta. Mas temos também um
feminismo pasteurizado, sendo amplamente divulgado na grande imprensa, onde a figura da
mulher independente é usada para a colocar apenas em um universo de consumo, como alerta
Natalia Pietra Méndez.
As revistas e os encartes de jornais destinados ao público feminino foram assumindo
um discurso que reconhece a emancipação da mulher enquanto essa pretensa
liberdade contribuir para transformá-la em objeto da sociedade de consumo. Ou seja,
a mulher é vista não como um sujeito de ações e mudanças capaz de construir novas
relações sociais, mas como um elemento da sociedade capitalista enquanto geradora
de renda e usuária de mercadorias e serviços. (MÉNDEZ, 2007:284)
Não julgando as angulações escolhidas, seja pela grande imprensa ou a imprensa
alternativa, fato é que há uma efervescência, característica dos processos de discussões. E
onde há divergências, há transformações ocorrendo e algumas por vir. Com relação ao
feminismo, Constância Lima Duarte em seu texto de 2003 sublinha que ainda não se sabe
como se dará de fato a próxima onda do movimento no Brasil. Quanto a imprensa, dentro do
contexto social, continuará o seu importante papel de mediadora e formadora de opinião
mediante a essas transformações. Potencialidade antiga, mas que no atual contexto ganha
peso, uma vez que vivemos a sociedade da informação. Onde relações pessoais, econômicas e
políticas se dão por meio da circulação instantânea de conteúdo. Onde o especulativo gera
expectativas e pode influenciar decisões. Seguindo este raciocínio, o/a jornalista passa a
carregar sob os ombros, uma responsabilidade ainda mais pesada.
Assim como vários setores da sociedade passam por uma desconstrução e
turbulências, o jornalismo também se reinventa como um todo sem perder as raízes. E se esta
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ciência se transforma, seus temas abordados serão propagados conforme suas mudanças. Ouso
dizer que, os assuntos feministas também se reinventam dentro das páginas de jornais,
revistas, na agilidade da internet e amplitude do rádio e tv. Parafraseando Fernando Pessoa,
divulgar é preciso. Claro dentro de padrões éticos e democráticos. E se ética, para os antigos
gregos é liberdade (FOUCAULT, 1994:26-37), que se liberem os espaços para termos, cada
vez mais, discussões de gênero. Ter uma ampla divulgação de informação é tão essencial para
a manutenção da diversidade.
Numa época em que a conjunção de vários fatores tem ensejado o fortalecimento do
conservadorismo ideológico na sociedade brasileira, é importante que as causas das
minorias estejam cada vez mais em evidência. Diante dessa complexa realidade,
fomentar uma organização social pautada pela equidade entre os gêneros é um
enorme desafio. E essa tarefa não é somente dos movimentos feministas, mas de
todos os indivíduos que anseiam por uma sociedade mais justa e solidária.
(LADEIRA, 2015:1)
“Bela, recatada e do lar”1; estaria aí o conservadorismo se mostrando mais uma vez
por meio da imprensa? Certamente que sim. O que tem por trás de um título deste em uma
reportagem dentro de uma revista de grande circulação? Muitas são as interpretações; desde o
uso de palavras minuciosamente escolhidas para objetificar as mulheres, colocando uma
simbologia universal de perfeição, a divulgação de um perfil ideal de primeira dama para
desmerecer a presidente Dilma Rousseff, seguindo assim um comportamento conservador da
maioria do Congresso a apenas uma divulgação sobre a personalidade de quem está à sombra
do político Michel Temer. Fato é que isenção absoluta assim como ingenuidade são
características jamais existentes desde os primórdios da imprensa e seja qual for a corrente
ideológica ou editorial que o veículo seguir. Assumem hoje a arena, imprensas diversas com
suas batalhas de opiniões travadas. Nas rodas de amigos, nas esquinas, nas padarias e
intensamente nas redes sociais, as recepções fazem seus julgamentos. Um festival de
subjetividades a serviço da informação e também da desinformação.
Referências
1 Esta expressão surgiu numa reportagem da revista Veja online, onde se traçou o perfil da esposa de Michel Temer, como um padrão ideal de mulher e exemplo a ser seguido. Publicação que gerou muita repercussão, principalmente em redes sociais, de pessoas contrárias ao padrão exposto pela revista. Reportagem disponível no link: HTTP://veja.abril.com.br/noticia/brasil/bela-recatada-e-do-lar
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BARROS, José D´Assunção. Paul Ricoeur e a narrativa histórica. História, imagem e
narrativas, n.12, abril/2011. Disponível em
http://www.historiaimagem.com.br/edicao12abril2011/paulricoeur.pdf. Acesso em:
09/04/2016
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas lingüísticas. São Paulo: Edusp, 1996.
DUARTE, Constância Lima. Feminismo e literatura no Brasil. Estudos Avançados. V.17
no.49 São Paulo Sept./Dec.2003. Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142003000300010. Acesso
em: 09/04/2014
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade. V.1 A vontade de saber. 11 ed. Rio de
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FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade. V.2O uso dos prazeres. 7 ed. Rio de Janeiro:
Graal, 1994.
LADEIRA, Francisco. Polarização na Imprensa afeta debate sobre feminismo. Disponível
em http://premiowepsbrasil.org/polarizacao-na-imprensa-afeta-debate-sobre-feminismo/.
Acesso em: 16/04/2016
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02/02/2016
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NICOLATO, Roberto. Jornalismo e Literatura: aproximações e fronteiras. Disponível
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df
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WOITOWICZ, Karina Janz. Imprensa feminista no contexto das lutas das mulheres: Ativismo
midiático, cidadania e novas formas de resistência. Disponível em
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