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A CRIAÇÃO DA COMISSÃO ESTADUAL DE PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA NO
CAMPO E NA CIDADE (COECV): importante instrumento de mediação no cumprimento
das reintegrações de posse no estado do Maranhão
Tatiana Alves Tavares Ferreira1
Brenda de Abreu Sá2
Jonata Carvalho Galvão da Silva3
RESUMO
O presente artigo trata da criação da Comissão Estadual de
Prevenção à Violência no Campo e na Cidade (COECV) que,
dado histórico de conflitos agrários no Maranhão, apresenta o
desenvolvimento dos trabalhos da Comissão durante o período
de agosto de 2015 a dezembro de 2016, segundo os critérios
estabelecidos pela Lei nº 10.246/2015, do Decreto nº 31.048, de
25 de agosto de 2015 de e no Regimento publicado pela Portaria
nº 95 - GAB/SEDIHPOP de 22 de abril de 2016. Retrata a
estrutura e o funcionamento da Comissão como experiência
pioneira enquanto instrumento de mediação e de prevenção de
conflitos rurais e urbanos com a participação dos Órgãos
Governamentais, da Sociedade Civil e Órgãos fiscalizadores de
Justiça.
Palavras – chave: Questão Agrária. Mediação de conflios
agrários. COECV
ABSTRACT
This article deals with the creation of the State Commission for the
Prevention of Violence in the Field and in the City (COECV),
which, given the historycal of agrarian conflicts in Maranhão,
presents the development of the work of the Commission during the
period from August 2015 to December 2016, According to the
criteria established by Law 10246/155, Decrete 31.048 of August 25,
2015 and the Rules of Procedure published by Administrative Rule
95 - GAB / SEDIHPOP dated April 22, 2016. It describes the
structure and functioning of the Commission as a pioneering
experience as an instrument for mediation and prevention of rural
and urban conflicts with the participation of Governmental Organs,
Civil Society and Justice Inspection Bodies.
Key - words: Agrarian Question. Mediation of agrarian conflicts.
COECV
1 Pós-Graduanda em Gestão Pública – Instituto Alfa. 2 Graduanda em Direito–Universidade Federal do Maranhão (UFMA). 3 Especialista em Direito Processual Civil–Instituto Brasiliense de Direito Público (IPD)
1. INTRODUÇÃO
A questão agrária no Maranhão compreende um conjunto de problemas inerentes
ao desenvolvimento do capitalismo no campo, tornando-se latente imbróglio atemporal no
que concerne a problemática de direitos humano, levando-se em consideração a
multiplicidade de violações de direitos presente nos conflitos de natureza fundiária, seja por
moradia ou trabalho.
Criada pela Lei Estadual n. 10.246, de 29 de maio de 2015, a Comissão Estadual
de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade, é um mecanismo que visa reduzir a
violência no campo e na cidade, diante do quadro grave de conflitos fundiários existentes no
estado do Maranhão. Constitui-se importante mecanismo de promoção e proteção de direitos
humanos, agindo em plena consonância com a legislação nacional e internacional que trata
sobre o tema, inclusive a Convenção 169 da OIT, a Constituição Federal (art. 4º, incisos II, VI
e VII, e art. 5º, caput, e incisos XI, XXII, XXIII), a Constituição Estadual (os artigos 2º, III, e
3º), o novo Código de Processo Civil (art. 565), além do Provimento 29/2009-CGJ do TJMA
e o próprio Manual de Diretrizes Nacionais para Execução de Mandados Judiciais de
Manutenção e Reintegração de Posse Coletiva, editado pela Ouvidoria Agrária Nacional.
De acordo com o artigo 2º da Lei 10.246, dentre as competências da Comissão,
destacam-se: desenvolver estudos, projetos e ações coordenadas com vistas a prevenir,
combater e erradicar a violência no campo e na cidade, relativa a conflitos fundiários; avaliar
as medidas necessárias a serem adotadas em ações possessórias coletivas e reivindicatórias,
inclusive dialogando com Ministério Público e o Poder Judiciário quanto ao Provimento nº
29/2009, da Corregedoria-Geral de Justiça do Maranhão; sugerir medidas para agilizar o
andamento dos processos administrativos e judiciais referentes à regularização fundiária
urbana e rural; sugerir medidas para assegurar que, no cumprimento das decisões judiciais,
sejam respeitados os direitos humanos dos envolvidos em conflitos fundiários e agrários.
(MARANHÃO, 2015).
Não obstante, estimular o diálogo e a negociação entre os órgãos governamentais
e a sociedade civil organizada, com o objetivo de alcançar soluções pacíficas nos conflitos
fundiários e agrários; elaborar, semestralmente, relatório circunstanciado sobre as decisões
judiciais referentes a ações possessórias e reivindicatórias expedidas no Estado do Maranhão,
identificando as comarcas e regiões com maior grau de incidência de conflitos fundiários; e
elaborar um Plano Estadual de Enfrentamento à Violência no Campo e na Cidade, contendo
as diretrizes para o cumprimento pelo Poder Executivo de decisões judiciais de
reintegração/manutenção de posse, também são importantes atribuições do referido
mecanismo.
Vinculada à Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular –
SEDIHPOP, a COECV deverá ser cientificada, de imediato, pela Secretaria de Estado da
Segurança Pública de todas as requisições judiciais para cumprimento de mandados de
reintegração/manutenção de posse, devendo manifestar-se sobre o Estudo de Situação
elaborado pela Polícia Militar. Além disso, pode receber denúncias sobre quaisquer ameaças,
atentados e atos de violência extrajudicial em conflitos agrários.
Portanto, o presente artigo tem por objetivo apresentar os primeiros relatos da
atuação da COECV no Estado, sua estrutura e funcionamento, bem como sua importante
função como experiência pioneira no Brasil na mediação e prevenção dos conflitos de terra no
estado do Maranhão, segundo os critérios estabelecidos pela Lei estadual nº 10.246/2015, do
Decreto nº 31.048, de 25 de agosto de 2015 de e no Regimento publicado pela Portaria nº 95 -
GAB/SEDIHPOP de 22 de abril de 2016. (MARANHÃO, 2015b; 2016), e resultados
alcançados no que tange ao não uso de violência de força policial nas oportunidades de
cumprimento dos mandados de reintegração de posse no Estado.
2. DOS ASPECTOS HISTÓRICOS DA QUESTÃO AGRÁRIA NO MARANHÃO
Para que haja uma compreensão acerca das particularidades da questão agrária
maranhense, é necessário um diálogo com os fundamentos históricos comuns da concentração
fundiária brasileira, pois torna possível a percepção quanto a forte presença da questão
política na crônica concentração fundiária do país.
A apropriação da terra sob o argumento do direito à propriedade privada se fez
sentir com clareza na metade do século XIX, quando o sistema agrário-exportador e o regime
escravista do Brasil estava em inevitável esfacelamento devido à abolição gradual do tráfico
de escravos, através da captura de navios negreiros e a promulgação de leis que proibiam a
importação de escravos.
Nesse contexto surge uma nova forma de colonização validada pela Lei de Terras
nº 601, de 18 de setembro de 1850. Inicia-se, então, a política de aquisição de terras devolutas
mediante compra, obrigando colonos e trabalhadores livres a constituir força de trabalho nas
grandes propriedades agrícolas, uma vez que, devido aos elevados preços, estavam
impossibilitados de adquirir terras para subsistência.
Contudo, o fim da lei escravista deu início a um novo paradigma: o homem estava
formalmente livre (materialmente não), mas as terras aprisionadas. A partir dessa trajetória o
país e, principalmente, o estado do Maranhão seguiriam sob a égide do trinômio da
desigualdade fundiária: latifúndio/monocultura/exploração de força de trabalho.
Considerado o oitavo estado da federação em extensão territorial e o segundo do
Nordeste, o Maranhão é protagonista da evolução de diversos conflitos agrários e da
resistência dos trabalhadores rurais frente à perversa realidade da concentração fundiária.
Com este ponto central da sua questão agrária e formação socioeconômica, a história
fundiária do Maranhão contou com a forte presença de assinatura estatal que, através de
artifícios jurídicos e incentivos governamentais, legitimou um espaço atraente para o capital
em nome do progresso e do desenvolvimento.
Apesar de atualmente se apresentar em uma perspectiva globalizada, a situação de
confronto entre camponeses e segmentos latifundiários se fez sentir, principalmente, a partir
da década de 1940 em diante, devido a introdução de grandes projetos agropecuários na
realidade do campo maranhense, refletindo-se, consequentemente, no cotidiano
organizacional urbano.
Em meados de 1950, nas regiões do Pindaré e Mearim, posseiros ocupavam o
campo maranhense desbravando terras férteis para plantio. Entretanto, fazendeiros se
aproveitavam desse desmatamento realizado por eles para facilitar o avanço da pecuária,
obrigando-os a procurar novas áreas para exploração, tornando-os cada vez mais encurralados
no interior da mata. Promovia-se, então, um novo deslocamento da fronteira agrícola. “Nessas
áreas os conflitos de terra aumentaram consideravelmente, pois a ação de grileiros em muitos
casos se antecipava ao movimento da frente nordestina fazendo picadas e se apropriando das
terras devolutas”. (ALMEIDA, 1981, p. 35 apud SILVA, 2006 p. 128).
Com o advento do golpe de 1964, os trabalhadores rurais, que já enfrentavam a
violência dos latifundiários, tornaram-se alvo da perseguição do Estado autoritário. Nesse
contexto, trabalhadores rurais apoiaram em massa a candidatura de José Sarney para a eleição
do governo estadual, que até então era deputado federal e candidato da União Democrática
Nacional - UDN.
Para uma melhor compreensão sobre esse apoio decisivo dos trabalhadores rurais,
é mister salientar que o grupo hegemônico que até então “mandava e desmandava” no
Maranhão era liderado pelo senador Vitorino Freire, coronel reconhecido pelo controle
eleitoral rural de cabresto4. Como a UDN era o principal partido de oposição e seu eleitorado
era essencialmente urbano, o partido estrategicamente se aliou às entidades representativas
dos trabalhadores rurais, uma vez que 82% do eleitorado maranhense era rural, naquele
período.
Entretanto, o êxito de Sarney nas eleições não só gerou frustações aos que
acreditaram na possível mudança, como instalou uma nova ordem oligárquica no estado.
Assim, os trabalhadores continuaram a enfrentar as mesmas situações de violência no campo:
Em seu cotidiano, os trabalhadores rurais continuaram a enfrentar as mesmas atrocidades,
com a ação dos grileiros avançando sobre a posse da terra e o gado alimentando-se das
lavouras. A omissão das autoridades locais não deixou muitas alternativas aos lavradores, que
passaram a sacrificar o gado encontrado em suas roças e a envolver-se cada vez mais em
confrontos armados contra os jagunços dos latifundiários. A atuação dos representantes do
Estado, nitidamente favorável aos grandes proprietários e poderosos, a partir de então, veio a
incitar ainda mais a violência no campo maranhense. (SILVA, 2006, p. 151).
A partir de então, cria-se a reserva estadual de terras, as delegacias de terras e, sob
a égide do discurso desenvolvimentista de promoção da modernização do campo, surge, nesse
contexto, o instrumento jurídico legitimador da transformação do espaço maranhense em
atração do capital: a Lei Sarney de Terras de 1850, que permitia a venda de terras devolutas
do estado para grupos empresariais sem a necessidade de realização de processo licitatório.
Para tanto, criou-se a Companhia Maranhense de Colonização - COMARCO -
responsável pela implantação de grandes projetos agropecuários, favorecendo grandes
corporações nacionais e estrangeiras através de incentivos fiscais governamentais. Assim,
além contribuir para o desenvolvimento pecuarista da região, o projeto de colonização
ocasionou a exploração de muitas famílias camponesas, pois
[...] ofertava-se também a população como mão de obra barata, elemento essencial para a
materialização de tal processo de acumulação, considerando-se as condições técnicas
vigentes. Quanto a este aspecto particular, o projeto de colonização da COMARCO
implantado mais tarde, parece ter sido concebido de modo a localizar os produtores familiares
no centro da área transferida aos grupos empresariais. Com esse desenho do projeto, esses
4 Sobre o tema, o autor Victor Nunes Leal, em sua obra Coronelismo, enxada e voto, trata do assunto ao afirmar
que “Qualquer que seja, entretanto, o chefe municipal, o elemento primário desse tipo de liderança é o “coronel”,
que comanda discricionariamente um lote considerável de votos de cabresto. A força eleitoral empresta-lhe
prestígio político, natural coroamento de sua privilegiada situação econômica e social de dono de terras. Dentro
da esfera própria de influência, o “coronel” como que resume em sua pessoa, sem substituí-las, importantes
instituições sociais. Exerce, por exemplo, uma ampla jurisdição sobre seus dependentes, compondo rixas e
desavenças e proferindo, às vezes, verdadeiros arbitramentos, que os interessados respeitam”. (LEAL, 1976, p.
23, grifo do autor).
produtores viriam a fornecer a mão-de-obra que as fazendas poderiam demandar
sazonalmente, nas etapas de implantação de cercas, desmatamento ou corte de ervas daninhas.
(SILVA, 2006, p.152).
Ademais,
[...] passa-se a gerar um cenário no qual as possibilidades de acesso à terra pelos
trabalhadores rurais – antes aliados na campanha do governador – passam pela necessidade de
confronto, agora não somente com os tradicionais latifundiários individuais, mas com
parcelas do capital especulativo em busca das facilidades de reprodução proporcionadas pelos
incentivos fiscais e de crédito. (SILVA, 2006, p.154).
Desse modo, a implantação desses grandes projetos de modernização do campo
contribuiu para expulsar decisivamente famílias camponesas de suas terras, empurrando-as
para as cidades. Os impactos afetaram não só o cotidiano familiar dos camponeses, mas
também ocasionaram mudanças nas tradicionais relações de trabalho e o crescimento
desordenado das cidades devido ao inevitável e forçado êxodo rural.
É nesse contexto, da década de 1940 para a atualidade, que a violência no campo
adquiriu diversos contornos, desde os conflitos decorrentes da colonização antiga, passando
pela pressão da grilagem pelas terras devolutas do Estado, o cercamento de campos públicos
pelos fazendeiros para a expansão do rebanho bubalino até a instalação do agronegócio sob a
justificativa desenvolvimentista de progresso.
Visando modificar esse quadro histórico de conflitos fundiários e evitar que
outros se instalem, em 2015, com a ruptura do ciclo oligárquico outrora vigente, criou-se a
Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade, cujo objetivo é atuar na
mediação de conflitos agrários de forma preventiva trazendo novas perspectivas à promoção,
proteção e respeito aos direitos humanos dos segmentos mais vulnerabilizados no que tange à
situação de moradia. Sobre esta Comissão, trataremos a seguir.
3. DO FLUXO ESTALECIDO PARA O FUNCIONAMENTO DA COECV
Foi sancionada em 26 de maio de 2015 a lei de autoria do Poder Executivo, que
dispõe sobre a criação da Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade
(COECV). Elaborado pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular
(Sedihpop), visa ampliar a garantia dos direitos humanos e mediar os conflitos fundiários no
campo e na cidade. Após a criação do mecanismo legal que instituiu a COECV, houve um
período de articulação dos órgãos públicos e das organizações da sociedade civil, para compor
este espaço de deliberação.
Segundo a determinação da Lei nº 10.246, a COECV está vinculada à Secretaria
de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular (SEDIHPOP), sendo esta
responsável pela Coordenação dos trabalhos da Comissão, como a articulação da agenda de
visitas e organização das reuniões.
Além da SEDIHPOP compõem a COECV como membros efetivos:
a) a Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP);
b) a Secretaria de Estado das Cidades (SECID);
c) a Secretaria de Estado da Agricultura e Pecuária (SAGRIMA);
d) o Instituto de Terras do Maranhão (ITERMA);
e) o Comando Geral da Polícia Militar do Maranhão (CGPMMA);
f) a Defensoria Pública do Estado do Maranhão (DPE).
Como Instituições convidados a participar da COECV, estão:
a) a Superintendência Regional do INCRA;
b) a Defensoria Pública da União;
c) o Ministério Público do Estado;
Além das intuições citadas, a COECV conta com a participação de entidades
da Sociedade Civil Organizada, cujo o critério de escolha está definido no Capítulo II, art.
3º no inciso que segue:
§ 2º A COECV também será composta por 04 (quatro) entidades da sociedade civil, que serão escolhidas pelo Fórum Estadual de Direitos Humanos do Maranhão (FEDH-MA). Como critério de escolha, o FEDH-MA deverá selecionar entidades que tenham reconhecida atuação estadual em confl itos fundiários no campo e na cidade. (MARANHÃO, 2015b).
Deste modo, escolheu-se as seguintes instituições, passando estas, compor a COECV como membros efetivos:
a) a Comissão Pastoral da Terra (CPT);
b) a Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado do Maranhão;
c) a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos;
d) a União por Moradia Popular (UMP).
Os titulares e suplentes de cada Órgão e Instituição são indicados por seus
dirigentes.
Segundo o art. 4º do Capítulo II outros órgãos federais e estaduais, entidades
ou especialistas podem ser convidados a participar das reuniões para assessorar os
trabalhos e contribuir na construção de ações desenvolvidas pela Comissão quando
houver pautas e demandas que justifiquem. (MARANHÃO, 2015b).
Nos termos do artigo 5º da Lei nº. 10.246/2015 e do § 1º do artigo 5º do
Regimento Interno, que instituiu e regula a Comissão de Prevenção à Violência no Campo e
na Cidade, a coordenação desta fica a cargo da Secretaria de Estado de Direitos Humanos
(SEDIHPOP). (MARANHÃO, 2016).
Destaca-se que, embora o artigo 6º da lei que institui a Comissão preveja que as
reuniões ordinárias ocorrerão com periodicidade bimestral, o mecanismo tem se organizado
em reuniões mensais (ordinárias e extraordinárias) para atender a alta demanda de casos que
exigem a deliberação e providências. E, neste sentido, abordaremos, a sequir, sobre casos
desta Comissão.
4. DA ATUAL SITUAÇÃO DOS CASOS ANALISADOS PELA COECV
Desde a sua criação até dezembro de 2016, tramitaram 436 (quatrocentos e trinta e
seis) casos pela COECV, distribuídos em 241 (duzentos e quarenta e um) casos identificados
como COLETIVOS; 133 (cento e trinta e três) identificados como INDIVIDUAIS; e, 62
(sessenta e dois) casos NÃO IDENTIFICADOS devido à ausência do Estudo de Situação.
(MARANHÃO, 2017).
4.1. Dos casos despachados para cumprimento
Em atenção às discussões desenvolvidas pelo Plenário desta Comissão, foram
estabelecidos os critérios citados e consolidados no seu Regimento Interno. Este foi aprovado
pela Portaria nº 95 – GAB/SEDIHPOP, publicada no Diário Oficial do Poder Executivo do
Estado do Maranhão no dia 22 de abril de 2016, conforme itens a seguir:
1. O caso não é de interesse da Comissão por se tratar de demanda individual ou ocupação coletiva não consolidada e sem medidas de prevenção de conflitos aplicáveis; 2. O caso não é de interesse da Comissão, pois o conflito se desenvolve em áreas de preservação ambiental permanente, áreas de assentamento criadas por órgãos fundiários e outras áreas públicas, que tenham por objeto serem destinadas à execução de obras e serviços públicos. 3. Apesar de se encontrar dentro do escopo de atuação desta Comissão, esgotaram-se as medidas de prevenção de conflitos aplicáveis; 4. Não persistem os fundamentos jurídicos para a realização da ação policial, mormente revogação da medida liminar, ou sentença favorável aos ocupantes da área em litígio, ou suspensão da liminar para realização de audiência de conciliação, ou realização de acordo entre as partes, ou extinção do processo, etc. (MARANHÃO, 2016, p. 30).
Segundo os incisos do artigo 7º do Regimento Interno da Comissão, em sua
atuação para evitar e mediar conflitos decorrentes de mandados de reintegração de posse
expedidos pelo Poder Judiciário, a COECV atuará prioritariamente em conflitos pela posse
coletiva de área urbanas e rurais onde há famílias e trabalhadores utilizando a terra para morar
ou cultivar de maneira efetiva, de modo que os casos individuais estão fora do escopo de
atuação da Comissão. (MARANHÃO, 2016).
Por conseguinte, os casos identificados como individuais são encaminhados ao
Comando-Geral da Polícia Militar, informando que não há óbice à disponibilização de força
policial para auxiliar no cumprimento da decisão judicial de reintegração de posse, por não
haver medidas de mediação aplicáveis. Ressalva-se, por oportuno, que casos individuais que
envolvam possibilidade de grave violação de direitos humanos têm o condão de atrair
excepcionalmente os trabalhos da COECV.
Encontram-se, ainda, no bojo da atuação desta Comissão os casos que envolvem
comunidades tradicionais e os territórios tradicionalmente ocupados por estas, em ocupações
antigas e habituais de qualquer tipo. Ademais, ainda que não haja ação de reintegração de
posse judicializada, a Comissão tem desenvolvido trabalho em casos com lideranças,
comunidades e trabalhadores rurais ameaçados em decorrência de conflitos pela posse da
terra, a fins de evitar violações de direitos humanos, mortes no campo e atentados à
integridade física.
Ainda, segundo a previsão do § 5º do artigo 7º, são excluídas da apreciação da
COECV, ocupações situadas em áreas de preservação ambiental (reserva legal, áreas de
preservação permanente, entre outras), projetos de assentamento criados em órgãos fundiários
e áreas públicas destinadas à execução de obras e serviços públicos. Esta ressalva se deve à
sobreposição de direitos difusos e transindividuais a um meio ambiente equilibrado e a boa
prestação de serviços públicos, para o pleno exercício da cidadania, sobre as comunidades que
ocupam as referidas áreas. (MARANHÃO, 2016).
Deve-se, pois, ressaltar que, conforme o disposto no artigo 10 do referido
regimento, ainda que se encontrem dentro do escopo de atuação da Comissão, caso seja
verificado o esgotamento das propostas de mediação cabíveis no âmbito da COECV, os casos
devem ser encaminhados ao Comando-Geral da Polícia Militar informando que não há óbice
para a disponibilização de força policial, a qual deverá cumprir as determinações do Poder
Judiciário com o uso exclusivo dos meios proporcionais indispensáveis à execução da
medida. (MARANHÃO, 2016). Assim, propõe-se uma mudança no fluxo do cumprimento de
mandados de reintegração de posse prolatadas em decisões judiciais de ações possessórias
que, outrora eram encaminhados direto ao Comando-Geral da Polícia Militar, e hoje passam
primeiro por propostas de prevenção e mediação em direitos humanos.
5. CONCLUSÃO
Desde a implantação desta Comissão, não se tem notícias de ocorrência sobre ações de
violência policial em cumprimento de reintegração de posse, o que confere a COECV
importante mecanismo de promoção e proteção de direitos humanos para redução da violência
no campo e na cidade, agindo em plena consonância com a legislação nacional e internacional
que trata sobre tema, inclusive a Convenção 169 da OIT, a Constituição Federal (art. 4º,
incisos II, VI e VII, e art. 5º, caput, e incisos XI, XXII, XXIII), a Constituição Estadual (os
artigos 2º, III, e 3º), o novo Código de Processo Civil (art. 565), além do Provimento 29/2009-
CGJ do TJMA e o próprio Manual de Diretrizes Nacionais para Execução de Mandados
Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse Coletiva, editado pela Ouvidoria Agrária
Nacional.
Ante o exposto, infere-se, pois, que, apesar do pouco tempo de atuação, a Comissão
tem desenvolvido importante trabalho na mediação e prevenção de conflitos decorrentes de
decisões judiciais prolatadas em sede de ações possessórias no Estado do Maranhão.
É necessário ressaltar que o cumprimento das ordens judiciais de ações
possessórias segue dinâmica administrativa estabelecida em lei. A partir do surgimento da
Comissão, e do Decreto nº 31.048, no entanto, a utilização de força policial no cumprimento
das decisões judicias em ações possessórias coletivas, passou a seguir fluxo diferenciado que
garante o respeito aos direitos fundamentais dos envolvidos, evitando situações de violações
de direitos, de acordo com a legislação nacional e internacional sobre o tema.
REFERÊNCIAS
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: município e o regime representativo no
Brasil. São Paulo: Alfa - omega, 1976.
MARANHÃO. Decreto nº 31.048, de 25 de agosto de 2015. Dispõe sobre o uso de Força
Policial para atendimento às determinações do Poder Judiciário relativas às reintegrações de
posse e similares, nos meios urbanos e rural. Diário Oficial do Estado Maranhão, Poder
Executivo, São Luís, 26 ago. 2015, p. 1. Disponível em:
<http://diariooficial.ma.gov.br/DiarioOficial/public/index.jsf>. Acesso em: 20 fev. 2017.
MARANHÃO. Lei n. 10.246, de 29 de maio de 2015. Dispõe sobre a criação da Comissão
Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade COECV e dá outras providências.
Diário Oficial do Estado Maranhão, Poder Executivo, São Luís, 29 maio 2015, p. 3.
Disponível em: < http://diariooficial.ma.gov.br/DiarioOficial/public/index.jsf>. Acesso em:
20 fev. 2017.
MARANHÃO. Portaria nº 95 - GAB/SEDIHPOP de 15 de abril de 2016. Diário Oficial do
Estado Maranhão. Poder Executivo, São Luís, 22 abr. 2016, p. 30. Disponível em:
<http://diariooficial.ma.gov.br/DiarioOficial/public/index.jsf>. Acesso em: 20 fev. 2017.
MARANHÃO. Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular. Nota sobre suposto
descumprimento de reintegrações de posse. São Luís, 2017. Disponível em:
<http://www.sedihpop.ma.gov.br/2017/03/18/nota-sobre-a-denuncia-do-senador-roberto-
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SILVA, José Ribamar Sá. Segurança Alimentar, produção agrícola familiar e
assentamento de reforma agrária no Maranhão. 2006, 217f. Tese (Doutorado em Políticas
Públicas) – Universidade Federal do Maranhão, São Luís: 2006.