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A CRIAÇÃO DOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E
TECNOLOGIA: PERSPECTIVAS PARA O ENSINO SUPERIOR
Priscila Caetano Bentin
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) Eixo Temático: Políticas de inclusão/exclusão em educação
Categoria: Pôster priscaetano@hotmail.com
1. INTRODUÇÃO
Em 2008, sob o governo do Presidente Lula da Silva, foi promulgada a Lei nº 11.892/08,
instituindo a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. No entanto,
a grande novidade em torno desta lei foi a criação dos Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia (IFs), compreendidas como
instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos [..] (BRASIL, 2008).
Diante das inúmeras possibilidades de discussão em torno da criação destas instituições,
destacamos aqui a equiparação das mesmas às universidades federais (BRASIL, 2008),
tendo como uma de suas responsabilidades a expansão e interiorização deste nível de
ensino no país, uma demanda antiga e urgente na trajetória da educação brasileira. De
acordo com Tavares (2012, p.9), estas instituições
passam a concorrer com as universidades federais na oferta de Ensino Superior público e gratuito. O diferencial em relação às universidades, segundo a SETEC11, é a priorização da oferta de cursos superiores de licenciatura (formação de professores) e cursos de bacharelado e de tecnologia em áreas consideradas estratégicas, do ponto de vista econômico.
A compreensão desta especificidade, ou seja, a intrínseca vinculação da atuação destas
instituições a questões econômicas se faz necessária para o desenvolvimento de um olhar
11 Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica.
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mais atento acerca desta proposta, que traz como uma de suas bandeiras a democratização
e inclusão no ensino superior. Para tanto, nos prenderemos à uma análise bibliográfica e
documental, privilegiando o texto da Lei nº 11.892/08, por entender que todo documento
reflete uma “construção” tendenciosa, refletindo embates entre diferentes interesses e
concepções (tampouco a crítica de tais fontes seria neutra ou imparcial), constituindo-se
em fontes que possibilitam “entender como os homens buscaram e buscam a hegemonia de
determinada interpretação teórica de homem e de sociedade, como forma de defender
interesses de uma classe social específica” (JACOMELI, 2007, p.24).
2. A PROPOSTA DE ENSINO SUPERIOR DOS INSTITUTOS FEDERAIS
A atenção direcionada à tríade inovação-ciência-tecnologia e sua relação com a educação
superior esteve fortemente presente no governo Lula da Silva, algo bastante perceptível ao
analisarmos os direcionamentos deste governo para este nível de ensino. Este movimento
acompanhou a conjuntura do cenário mundial, onde o domínio e acesso à ciência e
tecnologia se tornaram um diferencial competitivo, sendo a educação vista como a
principal propulsora deste processo. De acordo com Soares (2004, p.228),
O investimento tecnológico na educação faz parte da convicção de que a educação é um componente substancial de qualquer política de desenvolvimento, como bem em si e como instrumentalização da cidadania, pois a aproximação entre educação e modernidade tecnológica torna viável colocar em curso os desafios da modernidade.
Inserida nesta concepção, a lei de criação dos Institutos Federais explicita em seu texto a
articulação do ensino ofertado com o desenvolvimento socioeconômico, o que não se
configura como uma novidade no sistema educacional, bem como o desejo em ser
referência no ensino científico e tecnológico de nível superior. Dentre as finalidades e
características destas instituições citadas pela lei que reafirmam esta posição, destacamos a
busca por “realizar e estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o
empreendedorismo, o cooperativismo e o desenvolvimento científico e tecnológico”
(BRASIL, 2008).
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Ao falarmos de pesquisa aplicada, articulamos diretamente a produção acadêmica ao setor
produtivo, uma orientação que dá continuidade à política executada por Fernando Henrique
Cardoso de incentivo a parcerias “entre setor privado e governo, entre universidade e
indústria, tanto na gestão quanto no financiamento do sistema brasileiro de
desenvolvimento científico e tecnológico” (CUNHA, 2003, p.39). Embora tal articulação
seja justificada, na atuação dos IFs, pela necessidade de fomentar o desenvolvimento
regional, ou seja, de alavancar a capacidade produtiva das comunidades que abrigam estas
instituições, Lima (2006, p.38) sinaliza o risco de afirmarmos ainda mais a lógica do
empresariamento da educação superior brasileira, através da privatização interna das
instituições públicas, “garantindo que o conhecimento produzido nestas instituições esteja
submetido às exigências de lucratividade do setor privado”.
A questão do desenvolvimento da capacidade empreendedora, tratada na lei de criação dos
IFs como possibilidades de geração de renda e emancipação do trabalho, também merece
destaque. Ao confrontarmos este conceito com a conjuntura do mundo do trabalho, é
perceptível que
O processo de inovação tecnológica reduz a necessidade de força de trabalho, aumentando os “soldados” do exército industrial de reservas. Mesmo assim, tenta-se construir um novo senso comum, um consenso, fundado no discurso de que os indivíduos que fracassarem na busca do emprego, à medida que investiram em aquisições de aptidões, habilidades e competências, ou seja, em capital humano, poderão sobreviver de forma criativa como empreendedores no mercado informal (BATISTA, 2011, p.82).
Neves (2006) chama atenção para a falsa “politização” destes conceitos que, na prática, são
inseridos em um projeto teórico e ideológico que visa materializar e legitimar as intenções
das classes dominantes através da atuação do Estado no campo da educação instituindo
assim, consensualmente, o ethos da sociedade burguesa.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A recente atuação dos Institutos Federais não nos permite uma análise que possa afirmar,
com segurança, se sua prática é contrária ao discurso que permeia sua criação, ou seja, a
instituição de um espaço que visa garantir demandas historicamente vinculadas à luta da
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classe trabalhadora. No entanto, conforme afirma Lima (2006, p.22), o discurso político
tem buscado “suavizar” seu caráter autoritário, usando como artifício a aproximação de
suas execuções aos interesses de grupos até então considerados “oposição”, aproximação
esta que na prática objetiva limitar a
participação dos trabalhadores com vistas a impedir qualquer possibilidade de construção de uma “revolução contra a ordem” 12, ou mesmo uma “revolução dentro da ordem” que não seja conduzida e consentida por seus quadros dirigentes.
Essa compreensão nos alerta para a possibilidade destas instituições serem definitivamente
inseridas em um projeto que reforce ainda mais as relações de dominação e exploração, de
caráter econômico e/ou ideológico, as quais nos deparamos diariamente e as quais,
enquanto educadores comprometidos com uma educação emancipatória, devemos nos opor
através de uma prática crítica.
REFERÊNCIAS
BATISTA, Roberto Leme. A ideologia da nova educação profissional no contexto da reestruturação produtiva. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. BRASIL. LEI Nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. Brasília, 2008. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11892.htm> Acesso em janeiro de 2013.
CUNHA, A. O Ensino Superior no octênio FHC. Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 82, p. 37-61, abril 2003. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em 17 de setembro de 2012. JACOMELI, Mara Regina Martins. PCNs e temas transversais: análise histórica da política educacional brasileira. Campinas, SP: Editora Alínea, 2007.
12 É importante demarcar que a ideia de revolução, no interior da teoria marxista, remete à luta de classes (NEVES, 2006). Enquanto “Revolução contra a ordem” é um conceito de orientação anticapitalista que almeja a transformação da estrutura social, elevando a classe trabalhadora ao status de sujeito político, “Revolução dentro da ordem” é um conceito que “identifica, na ótica do capital, a realização de um conjunto de ações que, circunscritas à reforma do capitalismo, reproduzam e legitimem, em última instância, seu projeto de sociabilidade. Na ótica do trabalho, ‘a revolução dentro da ordem’ possibilita um processo, instrumental e conjuntural, de ampliação da participação política da classe trabalhadora na sociedade burguesa e de construção de condições objetivas e subjetivas com vistas à superação da ordem burguesa por meio da revolução socialista (LIMA, 2006, p.22).
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LIMA, Kátia Regina de S. Capitalismo dependente e “Reforma universitária consentida”: A contribuição de Florestan Fernandes para a superação dos dilemas educacionais brasileiros. In: SIQUEIRA, Ângela C. de; NEVES, Lúcia Maria W. (orgs). Educação superior: uma reforma em processo. São Paulo: Xamã, 2006, p.19-42. NEVES, Lúcia Maria W. A reforma da educação superior e a formação de um novo intelectual urbano. In: SIQUEIRA, Ângela C. de; NEVES, Lúcia Maria W. (orgs). Educação superior: uma reforma em processo. São Paulo: Xamã, 2006, p. 81-106.
SOARES, Suely Galli. Inovações no ensino superior: Reflexões sobre educação a distância. In: CASTANHO, Sérgio; CASTANHO, Maria Eugênia L. M. (org.). O que há de novo na educação superior: Do projeto pedagógico à prática transformadora. 2. ed. Campinas, SP: Papirus, 2004, p.221-238.
TAVARES, Moacir Gubert. Evolução da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica: as etapas históricas da educação profissional no Brasil. Trabalho apresentado na IX ANPED SUL, Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul, 2012. Disponível em http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/anpedsul/9anpedsul/paper/viewFile/177/103. Acesso em março de 2013.