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UniFMU
CURSO DE DIREITO
A CLONAGEM DE SERES HUMANOS E SUAS
IMPLICAÇÕES NO DIREITO DE FAMÍLIA E
PROPRIEDADE INTELECTUAL
AMAURY CORRÊA DA SILVA NETO – RA 473.158-0 Turma: 0315A1
Telefone de contato: (11) 3262-0485
Orientador: Ana Elizabeth Lapa Wanderley Cavalcanti
UniFMU
CURSO DE DIREITO
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A CLONAGEM DE SERES HUMANOS E SUAS
IMPLICAÇÕES NO DIREITO DE FAMÍLIA E
PROPRIEDADE INTELECTUAL
AMAURY CORRÊA DA SILVA NETO – RA 473.158-0 Turma: 0315A1
Monografia apresentada ao Curso de Direito da UniFMU como requisitoparcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação daProfª Ana Elizabeth Lapa Wanderley Cavalcanti
São Paulo, 12 de fevereiro de 2.004
AVALIAÇÃO DA MONOGRAFIA
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO: O ADMIRÁVEL MUNDO NOVO...........................................xx
1.1.delimitação e justificação do tema......................................................................xx
2. ASPECTOS CIENTÍFICOS DA CLONAGEM: UMA BREVEABORDAGEM.............................................................................................................xx
3.1. introdução...........................................................................................................xx
3.2. as novas técnicas de reprodução humana e os direitos reprodutivos.................xx
3.3. definição de clonagem.........................................................................................xx
3.4. inseminação humana...........................................................................................xx
3.5. clonagem humana...............................................................................................xx
3.6. visão legal da clonagem humana........................................................................xx
6
3. AS RELAÇÕES DE PARENTESCO ENTRE CLONES......................................xx
4.1. enfoque normativo...............................................................................................xx
4.2. critérios para caracterização do parentesco......................................................xx
4.3 filiação e clonagem..............................................................................................xx
4. CLONAGEM E PROPRIEDADE INTELECTUAL..............................................xx
5.1. conceitos importantes no direito de propriedade intelectual..............................xx
5.2. clonagem e patentes............................................................................................xx
5.3. clones e organismos modificados geneticamente................................................xx
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÃO.....................................................xx
6. BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................xx
1. INTRODUÇÃO: O ADMIRÁVEL MUNDO NOVO
DELIMITAÇÃO E JUSTIFICAÇÃO DO TEMA
Sem dúvida o tema que mais atrai atenções atualmente é a clonagem,
impulsionada por uma vasta literatura de ficção científica que acompanha e
antecede a própria discussão científica da matéria. Inúmeros escritores buscaram
antecipar profeticamente alguns dos desenvolvimentos científicos biomédicos
mais recentes, dentre os quais podemos citar Júlio Verne, Aldous Huxley,
George Orwell etc. De fato estes literatos desde longa data têm gasto muitas
laudas para descrever um mundo onde a clonagem seria um fato corriqueiro e de
certa forma incorporado à relações sociais cotidianas. Talvez a clonagem tenha
mesmo surgido antes na imaginação dos escritores para somente depois se tornar
7
teoria científica e finalmente uma realidade. Obras como “Admirável Mundo
Novo” de Aldous Huxley, “1984” de George Orwell, já prenunciavam técnicas
de fertilização in vitro e clonagem, bem como os efeitos maléficos que estas
descobertas poderiam acarretar para a humanidade. Na sociedade descrita por
Huxley não existem relações sexuais e todos são concebidos através de
inseminação artificial (isso muitas décadas antes que esta técnica fosse
aperfeiçoada). Não há afeto entre as pessoas, pois não são criados laços
familiares, já que todos são educados em instituições e não no seio de uma
família. É um prenúncio sombrio, mas não há como negar a visão arguta de
Huxley ao antever um mundo destituído de sentimentos e compaixão.
Por outro lado , as questões levantadas na presente monografia de forma alguma
pretendem representar obstáculos ao desenvolvimento natural da ciência. Com
efeito, pretendemos discutir a clonagem sob outro aspecto pouco debatido nos
meios científicos e jurídicos, qual seja as implicações que tal técnica irá provocar
nas relações de família e de propriedade intelectual. Pretendemos avançar além
dos limites circunscritos do debate ético e moral que hoje associa-se à clonagem.
Tais discussões transcorrem tão somente no campo ético-filosófico, e poucas
vezes abordam os problemas relacionadas à filiação, sucessão de bens, contratos,
patentes, etc que têm implicação direta com a clonagem.
As questões éticas sobre o banimento da clonagem ou restrições para utilização
de tais técnicas de manipulação genética são obviamente de crucial importância
8
para a sociedade, porém entendemos que mesmo venha a ser permitida ou banida
dos diversos ordenamentos jurídicos, ainda assim, não podemos nos esquivar do
debate acerca dos eventuais efeitos que tais técnicas de replicação de genes
poderão refletir nas relações sociais e jurídicas.
Oportuna a menção ao pensamento do Professor Ronald Chester, da New
England School of Law: “Is states (or indeed countries) ban whole-body human
cloning and/or criminalise it as a form of reproduction, their legislatures will lose
their opportunity to regulate it. The technology will likely move “off shore” or
“undercover”. 1
Portanto, ainda que os diversos ordenamentos jurídicos venham a disciplinar a
clonagem proibindo-a ou sendo permitida em situações específicas e sob
rigoroso controle, não devemos olvidar que a mente humana é pródiga e a
natureza do homem o conduz inevitavelmente à burla da norma jurídica no afã
de atingir patamares superiores de conhecimento.
O presente trabalho tem por finalidade entender como a clonagem poderia ter
implicações profundas no Direito de Família e de Propriedade Intelectutal,
notadamente no campo das relações de parentesco e patentes.
Desviando assim a discussão do campo puramente ético para o aspectos
tangenciais ao Direito Civil restará a questão: mesmo que a clonagem venha a
1 CHESTER, Ronald. Cloning of Human Reproduction: One American Perspective, in The Sidney Law Review,pág. 320, setembro 2001
9
ser banida como deveremos nos portar perante um ser clonado? Quais direitos
deverão lhe ser assegurados? Se a clonagem for banida em alguns países, mas
permitida em outras, o Direito Internacional deverá reconhecer a aplicação do
mesmo estatuto de direitos dos seres originados através de reprodução sexuada
aos seres clonados? A eles serão reconhecidos direitos de sucessão? Quem serão
seus pais? O clone seria uma pessoa perante o Direito Civil? Como seria
individualizado? Realmente a quantidade de dúvidas é imensa para ser tratada no
presente estudo.
Por essa razão os aspectos éticos e morais que circundam a temática acerca da
clonagem serão estudados tão somente de forma perfunctória.
Nesse sentido, no âmbito da ética, em especial da Bioética2, importante ressaltar
que o "Relatório Belmont"3 (The Belmont Report: Ethical Guidelines for the
Protection of Human Subjects. Washington: DHEW Publications (OS) 78-0012),
publicado em 1978, utilizou como referencial para as suas considerações éticas,
a respeito da adequação das pesquisas realizadas em seres humanos, três
princípios básicos:
1. o respeito às pessoas (relacionado ao conceito de dignidade humana);
2 O Prof. JOAQUIM CLOTET em interessante artigo intitulado "A Bioética : uma ética aplicada em destaque"afirma que : "Partindo do conceito de ética aplicada, como aproximação dos princípios da ética num caso ouproblema específico, a Bioética poderia ser definida, brevemente, como a abordagem dos problemas éticosocasionada pelo avanço extraordinário das ciências biológicas, bioquímicas e médicas. (...)" (Clotet, J. "Abioética: uma ética aplicada em destaque" in A saúde como desafio ético, Anais do I Seminário Internacional deFilosofia e Saúde, Florianópolis 1994, p. 115 a 129)3 No "Belmont Report" foi, pela primeira vez, estabelecido o uso sistemático de princípios ( a saber "respeito àspessoas", "beneficência" e "justiça") na abordagem de dilemas bioéticos
10
2. a beneficência(maximizar o bem e minimizar o mal - no contexto da atuação
do profissional médico é agir sempre em favor do paciente) ; e
3. a justiça (isonomia).
Não obstante as restrições éticas que circundam a clonagem, a realidade mostra-
se mais vigorosa do que a disciplina legal, e a possibilidade de surgimento de
uma legião de seres originados mediante técnicas de clonagem é palpável.
Mesmos sendo proibida a clonagem que destinação conferir aos seres clonados?
Eles deveriam ser eliminados da sociedade? Postos simplesmente em campos de
concentração, por exemplo? Se estivéssemos diante de um ato jurídico típico,
disciplinado pelo Direito Civil, cuja validade está sendo discutida; facilmente
obteríamos a resposta: se o ato é proibido então ele será nulo ou anulável de
pleno direito, na forma da lei. Mas será possível anularmos ou decretarmos a
nulidade de um ser criado a partir de clonagem, seria possível eliminar do
universo jurídico este ser, ainda que ele seja integrante da raça humana?
Se de por um lado as novas tecnologias ligadas à manipulação do DNA
(combinação de genes) prometem alcançarmos um modo melhor de vida, com
menos doenças, com seres humanos mais resistentes; de outro existem
problemas que precisarão ser enfrentados e cuja análise nos trazem medos e
inquietações, pois colocam em foco valores religiosos, culturais, sociais e
econômicos e por este motivo devemos submeter a clonagem a um adequado
11
tratamento jurídico, para, ao menos, oferecer alguma segurança social face às
conseqüências que poderiam causar.
Certamente a clonagem nos remete à necessidade de um monitoramento e
reflexão a respeito dos avanços tecnológicos engenharia genética. Tal reflexão
buscará minimizar os riscos para as gerações futuras. No entanto, este
monitoramento não deve ser direcionado de maneira a impedir qualquer
discussão sobre clonagem como certos setores da sociedade poderiam querer,
notadamente aqueles ligados às diversas religiões, que nem sequer admitem
discutir e entender tal fenômeno.
O presente trabalho procura, dessa forma, indo além da reflexão ética e moral
que essas novas descobertas representam, pensar uma série de possíveis
implicações e possíveis soluções para a questão da clonagem quanto aos
aspectos do Direito de Família e Propriedade Intelectual.
Se há evidente carência de códigos éticos privados, sem o poder coercitivo do
direito positivo, elaborados e obedecidos pelos pesquisadores e cientistas
envolvidos com clonagem no âmbito das suas respectivas especialidades, quando
analisamos as normas jurídicas de fundo estatal logo iremos perceber que estas
praticamente são totalmente inexistentes quanto aos efeitos da clonagem e do
tratamento a ser dado aos seres originados a partir de tais técnicas.
É também necessário pontuar o momento histórico em que vivemos, ou seja,
admitir o fim da chamada "saga industrial" caracterizada pelas descobertas
12
ligadas à física e à química, momento em que os cientistas e engenheiros foram
elevados ao status de autoridades, com a divisão do átomo, a criação da bomba
atômica, a chegada do Homem à lua etc. A era Industrial durou cinco séculos e
termina com uma sociedade rodeada de problemas, tais como a diminuição das
fontes de energia, o aquecimento da biosfera, as mudanças climáticas e a
poluição.
Devemos então partir para questões práticas a respeito das novas descobertas na
área de biociência. A possibilidade de corporações globais, institutos de pesquisa
e governos deterem patentes de genes que compõem a raça humana, células,
órgãos e tecidos do corpo humano, proporcionar-lhes-ia o poder de ditar as
regras pelas quais toda a sociedade e as gerações futuras seguiriam.
2. ASPECTOS CIENTÍFICOS DA CLONAGEM: UMA BREVE
ABORDAGEM
2.1. INTRODUÇÃO
Durante a década de 50, graças aos trabalhos de dois grandes geneticistas,
WATSON e CRICK, foi possível desvendar a estrutura do DNA, o material
genético primordial de todo ser humano. Desde então os avanços na área da
genética foram espantosos e em curto espaço de tempo foi possível o
13
desenvolvimento de técnicas de manipulação do material genético e de
fertilização humana em laboratório.
No final da década de 1970 podemos acompanhar o nascimento de bebês de
proveta, vale dizer o óvulo era fertilizado por meio do espermatozóide fora do
útero materno em laboratório e implantado no ventre de uma mulher que
providenciaria a gestação do embrião. Em 20 de julho de 1978, nascia Louise
Joy Brown, no General Hospital, na cidade de Oldham (Inglaterra), graças ao
trabalho dos doutores Steptoe e Edwards, que vinham se dedicando à pesquisa há
mais de quinze anos4.
2.2. AS NOVAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA E OS DIREITOS
REPRODUTIVOS
Examinaremos, a partir de agora, a temática das novas técnicas de reprodução
humana sobre o prisma jurídico-constitucional. São essas técnicas direitos
constitucionalmente garantidos? Quais as características desses direitos, se
realmente assim são considerados? Devemos, no entanto, para uma compreensão
melhor de problema tão intrincado, olhar para o passado e fazer a reconstrução
dos direitos fundamentais, tendo como marco as gerações de direitos, elaborada
de forma magnífica por Norberto Bobbio.
4 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito: Aspectos Médicos, religiosos, psicológicos,éticos e jurídicos. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995, p. 19 a 20.
14
Segundo esse autor, os direitos humanos ou fundamentais podem ser agrupados
em gerações sucessivas e complementares, gerações essas surgidas em íntima
relação com o grau de evolução do Estado. Os direitos de primeira geração
surgiram na primeira fase do Estado Moderno, o Estado de Direito. Eram direitos
de liberdade, igualdade e segurança basicamente. Num contexto político em que
se entendia que o indivíduo era tanto mais livre quanto menos o Estado
interviesse em sua vida particular, constituíam-se esses direitos uma garantia
contra os abusos do poder estatal. Era o período do liberalismo econômico,
refletido no pensamento do "laissez-faire, laissez-passer", que acabou por
influenciar a esfera política, gerando o que se denominou de Estado Mínimo.
Mas, devido a grandes modificações sociais, políticas, econômicas e culturais, o
Estado foi obrigado a intervir no domínio econômico. Passou a regular a
atividade econômica, a intervir sempre para minorar as desigualdades nas
relações entre os indivíduos. Surge, então, o Estado de Bem-Estar Social e, com
ele, os direitos de segunda geração, não considerados como superiores em
relação aos de primeira, mas complementares, englobando aqueles e lançando
uma nova interpretação em relação a eles. São os direitos relativos ao trabalho,
saúde, transporte, etc.
O Estado de Bem-Estar conseguiu por muito tempo garantir um mínimo de
igualdade entre seus membros. Mas, em decorrência de crises econômicas e até
mesmo crises internas nos Estados de Bem-Estar, esse modelo começa a
15
apresentar problemas. Passa-se a elaborar um novo modelo de Estado,
denominado de Estado Democrático de Direito, uma nova alternativa para a
resolução dos problemas que o Estado Social não havia conseguido resolver5.
É nesse novo paradigma estatal que surgem os direitos ao meio ambiente
equilibrado, consumidor, patrimônio histórico, direitos reprodutivos, material
genético etc. Esse modelo estatal caracteriza-se principalmente pela reconstrução
de conceitos como cidadania e soberania. Essas noções são baseadas na idéia de
ação comunicativa racionalmente fundada no seio da sociedade, ou seja, são
conceitos que devem ser construídos pelas pessoas no seu dia a dia, através da
comunicação e do diálogo e não simplesmente normatizados pelo Estado através
da positivação6.
Ressalte-se que no paradigma do Estado Democrático de Direito há uma grande
inovação nos conceitos de público e privado. O público não se confunde mais
com o estatal; é agora o próprio espaço social, onde se desenvolvem as ações
comunicativas. É nesse contexto que se devem entender os direitos reprodutivos,
dentre eles podendo-se destacar o direito à integridade do material genético, o
direito a ter filhos e de deixar descendentes, a própria sacralidade do corpo com
a proibição do comércio de partes do corpo humano (art. 199, parágrafo 4º da
Constituição Federal).
5 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos[L´età dei diritti]. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. 4ª reimpressão,Editora Campus, Rio de Janeiro, 1992, p. 49 a 67.
16
2.3. DEFINIÇÃO DE CLONAGEM
A clonagem é uma espécie de manipulação de genes. Trata-se, portanto de uma
técnica de engenharia genética que pretende alterar ou transferir parcelas do
patrimônio hereditário de um organismo vivo a outro.
Outras formas de manipulação genética têm por escopo realizar não uma simples
“cópia” de outro ser, mas combinações novas de genes para provocar, através de
uma reprodução assistida, a concepção de uma pessoa com caracteres diferentes
daqueles que forneceram o material genético, como simples alteração genética
ou para corrigir alguma enfermidade congênita. O que difere ambos é o
patrimônio genético produzido através de tais técnicas: na primeira o patrimônio
genético é idêntico, ao passo que na segunda técnica nova recombinação de
genes faz surgir um ser com patrimônio genético diferente do indivíduo que
doou os genes. Com efeito, a biologia nos indica dois caminhos para a
reprodução de um novo ser: reprodução sexuada e reprodução assexuada.
Na reprodução sexuada um embrião poderá surgir através de duas formas:
através da união do óvulo com o espermatozóide, mediante ato de cópula, e
assim a fecundação denominar-se-á in vivo, ou através de fecundação in vitro,
fora do útero materno, em laboratório com condições ideais para tal operação, e
somente após a união do óvulo com o espermatozóide este é reimplantado no
6 HABERMAS, Jürgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo. [Moralbewusstsein und kommunikativesHandeln]. Tradução: Guido Antônio de Almeida. Editora Tempo Brasileiro, Biblioteca Tempo Universitário, nº84, Rio de Janeiro, 1989. 235p.
17
útero da mulher que forneceu o óvulo ou no útero de uma terceira pessoa, caso a
pessoa fornecedora do óvulo não tenha condições de gerar o embrião.
A reprodução por clonagem prescinde da fecundação, e por esta razão é descrita
como reprodução assexuada. A célula que dará origem ao ser não é fecundada
por um óvulo e por um espermatozóide, mas sim reproduzida mediante a
substituição do núcleo da célula. Após tal operação a célula “copiada” é
implantada no útero.
Uma célula clonada produzida por meio de reprodução assexuada pode ser
obtida através dois métodos7:
a) Partenogênese induzida, que consiste em colocar o núcleo de uma
espermatogônia, (celular precursora do espermatozóide), com 46 cromossomos
(o espermatozóide possui 23 cromossomos), num óvulo humano desnucleado.
Não obstante, o número de cromossomos não corresponderia ao da célula
original e dessa forma eventual ser criado a partir de tal método poderia possuir
características inesperadas e indesejáveis, tais como defeitos genéticos ou
aberrações.
b) Transferência de núcleo, que consiste na utilização de uma célula-ovo ou
zigoto, substituindo seu núcleo pelo de uma célula somática, tirada via de regra
de um embrião, gerando um indivíduo com caracteres genotípicos daquele que
7 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do Biodireito, pág. 444
18
doou o núcleo, ou um óvulo não fecundado. Tal técnica foi utilizada para a
criação da ovelha Dolly.
No Brasil, a Lei de Biossegurança (Lei no. 8.974/95) em seu artigo 8o, inciso II,
III e IV veda as manipulações genéticas de células germinativas; qualquer
intervenção em material genético humano in vitro e in vivo exceto para fins
terapêuticos; experimentos de clonagem e a manipulação de embriões humanos
para servir de material biológico disponível8.
A legislação brasileira em vigor apenas permite estudos e experiências que
visem "a análise molecular do genoma humano para seqüênciação total ou
mapeamento genético com a finalidade de identificar a função dos genes que
integram o cromossomo humano, atendendo a um programa especifico de saúde
e diagnóstico genético que assegure o direito à identidade, esclareça conflitos
relativos à filiação, reconstruindo laços parentais com base em técnicas de
identificação pessoal por meio de ADN, e solucione delitos, podendo até mesmo
levar à criação de um banco de dados genéticos".9
Convém, no entanto destacar que tramitam no Congresso Nacional diversos
projetos de lei tratando de temas específicos como clonagem de seres humanos,
produtos transgênicos, sendo certo que internamente o Brasil ainda não fixou
uma diretriz jurídica sobre tais matérias.
8 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo : Saraiva, 2001. p.402.9 DINIZ, Maria Helena, Op. cit. p.403.
19
A partir da possibilidade de reprodução assistida surgiram experiências de
tecnologia genética envolvendo embriões humanos. Com a fertilização in vitro e
o congelamento de embriões humanos, surge uma nova modalidade de vida,
independente, com o papel de auxiliar na resolução dos problemas de
infertilidade humana.
Essa nova técnica para criação de ser humano em laboratório, mediante a
manipulação dos componentes genéticos de fecundação, tendo em vista a
continuidade da espécie humana, entusiasmou a engenharia genética,
provocando grandes desafios para a ciência jurídica, que deve impor limitações
legais e estabelecer normas sobre responsabilidade civil por dano moral e
patrimonial, pelos graves problemas ético-juridicos.
Ideal seria a cominação das experiências genéticas com a problemática ético-
juridica, de forma a minimizar os perigos criados com a fertilização in vitro, a
gestação por conta de desconhecidos e a inseminação artificial, ante os possíveis
riscos de origem física e psíquica para a descendência; e que se unificasse a
concepção à um ato de amor, não convertendo-o em um ato artificial de
laboratório.
2.4. INSEMINAÇÃO HUMANA
Ter-se-á a inseminação artificial quando o casal não puder procriar, por haver
obstáculo à ascensão de elementos fertilizantes pelo ato sexual, como
esterilidade, deficiência na ejaculação, malformação congênita, pseudo-
20
hermafroditismo, escassez de espermatozóides, obstrução do colo uterino,
doenças hereditárias etc. Será homóloga se o sêmen inoculo na mulher for do
próprio marido ou companheiro, e heteróloga se o material fecundante for de
terceiro, que é o doador10.
As pesquisas nos campos da biologia, da fisiologia, da psicologia e da
psicanálise tomaram vulto e - com a utilização de técnicas novas e cada vez mais
sofisticadas - revolveram e puseram a nu o corpo e a psique do ser humano. O
ritmo acelerado e sem restrições do progresso, no que tange às ciências da
matéria, irá colocar o ser humano em face de suas próprias origens e diante da
possibilidade, cada vez mais concreta e próxima, de controlá-las.
A inseminação artificial, a fecundação in vitro e a engenharia genética são
estágios conseqüentes de uma revolução biológica cujo produto final poderá, se
nenhuma providência for adequadamente adotada, ser o desenvolvimento do
embrião em sede extracorpórea (útero artificial). As tecnologias para a
reprodução humana tornam-se cada vez mais ultrapassadas em menos tempo.
E se vier a ser atingida a fase última - o filho de proveta fabricado, em série, em
laboratório - o homem ficará reduzido à condição de mero instrumento de um
Estado totalitário, pleno e eficiente, no qual terá "uma existência absolutamente
programada, minuciosamente pormenorizada, que eliminará valores
extraordinariamente importantes da pessoa, como a capacidade de improvisação,
10 DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p.455.
21
de admirar-se, de poder enfrentar o inesperado, de viver com espontaneidade, de
manter-se receptivo ao novo".
2.5. CLONAGEM HUMANA
O tema em questão é, no mínimo, instigante. Esta nova era de lidar com
fronteiras científicas, até então sequer vislumbradas, nem mesmo pelos mais
antigos visionários. Quando Mendel levou a cabo suas pesquisas com plantas, as
quais dariam início à Genética como ciência, ou seja, ao estudo das leis da
hereditariedade e das propriedades das partículas por ela responsáveis,
certamente não imaginou que suas pesquisas poderiam inspirar a engenharia
genética, isto é, à interferência do homem nas estruturas e processos naturais de
perpetuação dos seres vivos.
É dispensável lembrar que a intervenção humana na reprodução já é uma
realidade. A idéia de clonagem não é recente. Essas técnicas vêm sendo
empregadas na engenharia agrônoma desde a década de 60, visando o comércio
de plantas. Após bem-sucedidas realizações nos domínios do reino vegetal, os
cientistas passaram a realizar as mesmas experiências com animais. Com
animais as primeiras pesquisas foram desenvolvidas, em 1962, por Gurdon, em
sapos. Na década de 80 tentou-se, em Houston, inseminar vacas com embriões
22
clonados, mas sem sucesso. A primeira clonagem bem sucedida de um mamífero
ocorreu em 1988, com o rato, pelos cientistas Kal Hillmensee e Peter Hoppe11.
Até a criação de Dolly pela equipe do embriologista Ian Wilmut, do Instituto
Roslin, situado em Edimburgo, na Escócia, ainda não se havia conseguido, de
forma assexuada e artificialmente, em setembro de 1996 nasceu Dolly, uma
cópia perfeita de um ovino adulto, tendo como única diferença a idade12. Porém,
quando o tema alcança os seres humanos, afigura-se, de maneira preocupante, a
aplicação da técnica da clonagem.
Segundo palavras do Ministro Paulo Costa Leite13:
"O primeiro passo dessa reflexão consiste em admitir que a clonagem hoje é
uma realidade. Pertence ao mundo real, seguindo dois métodos como nos ensina
a ciência: no primeiro, provoca-se a cisão das células de um embrião, processo
semelhante àquele que gera, na natureza, gêmeos univitelinos; o resultado serão
dois seres compartilhando a mesma herança genética, porém diferentes de
qualquer outro.
A segunda forma, talvez a mais polêmica por se tratar de reprodução assexuada,
também denominada duplicação, produz um indivíduo pela substituição do
núcleo de um óvulo pelo núcleo de uma célula diplóide retirada de outro ser; o
resultado, como se viu no experimento que gerou a ovelha Dolly, será um
11 DINIZ, Maria Helena, Op. cit. p. 41812 DINIZ, Maria Helena, Op. cit. p. 417-1813 Discurso proferido pelo presidente do STJ na abertura do IV Seminário sobre Clonagem
23
indivíduo não apenas com a mesma herança genética de outro, mas exatamente
igual ao ser que lhe deu origem. Eis aí a diferença essencial entre os dois
métodos: naquele, o novo ser será portador de uma combinação gênica cujo
produto ainda é desconhecido; neste, as características do novo ser não trazem
novidade, pois já é conhecido o adulto que vai originar o clone".
Este tipo de argumento traz a humanidade um questionamento ético sobre a
possibilidade do clone humano. No caso específico da clonagem humana, a
perspectiva ética se torna crucial porque, enquanto os seres capazes de
manifestar sua vontade se fazem ouvir quando chamados a participar de
experimentos, os embriões e os fetos, seres humanos em potencial, ainda não
têm meios de expressão e, por isso acabam sendo tratados como se inanimados
fossem.
Recentemente, foi destaque na imprensa um cientista italiano que anunciou estar
preparado para dar início à primeira duplicação humana ainda neste ano. O seu
projeto envolverá cerca de 200 mulheres nas quais serão inseminados, em média,
três embriões, dos quais deverão nascer somente oito bebês. Espera-se que
apenas três deles saiam sadios do berçário, pois alguns dos clones não
sobreviverão devido a problemas respiratórios e cardíacos nas primeiras horas de
vida e outros viverão com falhas imunológicas graves. Não está descartada a
hipótese de se praticar eutanásia no caso dos bebês que apresentarem problemas
de saúde.
24
Ao demonstrar grande preocupação, não pretendo posicionar-me contra os
avanços da Ciência Genética, mesmo porque não se podem ignorar o seu uso
terapêutico e vantagens para a qualidade da vida humana. Vislumbra-se até a
possibilidade de empregar a técnica da manipulação do núcleo celular para obter
órgãos sadios para transplante. Meu objetivo é fazer uma advertência, como o
fez José Renato Nalini: "se a intensidade dos problemas em que se vê
mergulhada a sociedade humana parece invencível para o esforço individual,
esse é um desafio para a consciência ética"14.
Ausente a ética, surgirão os conflitos de interesse, que trouxeram desarmonia
individual e social. A esta altura, considerando que nem todos os cidadãos terão
o discernimento para agir em prol do bem comum, chega-se à abordagem moral
e legal, cujo caráter é dar limites e garantir a dignidade humana.
2.6. VISÃO LEGAL DA CLONAGEM HUMANA
Até então, discorreu-se sobre os aspectos biológicos das técnicas de reprodução
humana e suas implicações éticas. Tudo isso, com o objetivo de esclarecer
algumas noções.
Neste momento serão examinadas algumas questões intrigantes sobre as novas
técnicas de reprodução humana. É bem de ver que não se tem a pretensão de
esgotar tema tão vasto e complexo. Mas colocar alguns problemas, sempre
balizados pelos princípios constitucionais.
14 LEITE, Paulo Costa. Clonagem Humana
25
Na França, tem-se assentado que só se considera vida humana depois de 14 dias
da fecundação, por ser esse tempo a época aproximada do surgimento do tecido
nervoso. Contudo, esse critério não parece aceitável, pois logicamente um ser
não-humano, não se pode tornar ser humano, da noite para o dia. Aceita-se, pois,
que assim que as duas células sexuais se unem, formando uma só célula, tem
surgimento um ser humano, pelo menos em potencial.
Além da proteção constitucional da vida humana, estabelecida no art. 5º, o
ordenamento jurídico brasileiro ainda cuida, no plano infraconstitucional, da
proteção do nascituro, ou seja, o ser humano que ainda não chegou a nascer. É o
que estabelece, de forma clara e objetiva, o Código Civil, no art. 4º, que dispõe:
"A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe
a salvo desde a concepção os direitos do nascituro".
A Constituição Federal de 1988 fundamenta-se em princípios e valores
essenciais à vida do homem, distinguindo-se, por excelência, o bem estar e a
dignidade da pessoa humana.
3. AS RELAÇÕES DE PARENTESCO ENTRE CLONES
3.1. ENFOQUE NORMATIVO
O conceito de parentesco não é definido expressamente no Direito que se refere
às relações entre os membros de uma família como as decorrentes de
consangüinidade. Tal disposição vem insculpida no artigo 1.593 do Novo
26
Código Civil, que ao abordar o tema das relações de parentesco faz distinção
entre as relações por consangüinidade, denominando-as de naturais, referindo-se
à filiação decorrente da cópula entre um homem e uma mulher, e denominando
de civis as relações de parentesco derivadas de outra origem, como a adoção.
Oportuna as preleções da Profa. Evelyne Shuster, PhD da Universidade de
Pennsyvania sobre os direitos da criança no caso de eventual clonagem:
“Reproductive cloning further creates intratacble problems of filiation, and fails to achieve its
intended goal, i.e. to produce a genetically related son or daughter. For example, if a woman
gives birth to a clone of herself she is the child’s genetic and gestational mother. But she is not
just the child’s mother; she is also the child’s genetic twin sister. . .” 15
Evidente que o conceito de filiação tal como disciplinado na legislação civil
adotou critério vago, incompatível com as inovações trazidas pela ciência
biológica nas últimas décadas. Com efeito, se a filiação natural é para todos os
efeitos legais somente aquela que advém de fecundação sexuada, através da
cópula ou de inseminação artificial, como ficariam as relações de parentesco
originadas entre seres criados através de métodos de reprodução assexuada,
notadamente mediante transferência nuclear? Vale dizer os clones. Poderiam tais
seres serem incluídos no critério de consangüinidade para efeito de definição de
parentesco?
3.2. CRITÉRIOS PARA CARACTERIZAÇÃO DO PARENTESCO
15 SHUSTER, Evelyne, My Clone, My Daughter, My Sister: Echoes of Le Petit Prince, palestra apresentada noInternational Symposium on Bioethics and the Rights of the Child, Mônaco, 28-30 de abril 2000.
27
Consangüinidade é expressão dotada de pouca técnica jurídica, pois daria
margem para interpretações que podem restringir o alcance da norma,
considerando como filhos somente aqueles gerados através de fecundação
sexuada. Mas por outro lado consangüinidade também não exclui as ligações
genéticas que unem os progenitores e os seus descendentes. Importante a
compreensão da evolução dos critérios para a caracterização do parentesco,
desde o surgimento da inseminação artificial, e verificarmos se estes critérios
também são válidos para a clonagem.
A partir da década de 60 assistimos ao surgimento de técnicas de inseminação
artifical, onde o óvulo era fecundado pelo espermatozóide fora do útero materno
(in vitro) e depois implantado para ser gerado no ventre de outra mulher. Desde
o surgimento da fertilização fora do útero, os doutrinadores e demais operadores
do direito vêm debatendo a questão da maternidade e paternidade nestas
situações. O Ordenamento jurídico anterior não continha qualquer disposição
legal quanto aos critérios de filiação quando esta estivesse relacionada com
inseminação artifical ou clonagem, sendo tal tarefa relegada à construção
doutrinária e jurisprudencial. Duas correntes surgiram: a) os que entendiam que a
maternidade cabia à mulher que cedeu o óvulo; b) os que defendiam que a
maternidade caberia à mulher em cujo ventre foi gerada a criança.
Com o advento do Novo Código Civil, o legislador passou a fixar como critérios
a consangüinidade, com as ressalvas previstas no artigo 1.597 deste mesmo
28
diploma legal, que no seus incisos III, IV e V passou a tratar de forma expressa
da filiação decorrente de fertilização artificial.
Conclui-se portanto que os artigos 1.593 e 1.597 deverão ser interpretados de
forma conjunta e sistemática, onde a consangüinidade a que se refere o primeiro
dispositivo será destacada e delimitada em conformidade com o que reza o
segundo. De fato o artigo 1.597 refere-se tão somente à inseminação artificial
homóloga e heteróloga, que foi precisamente conceituada por Maria Helena
Diniz16: “Ter-se-á inseminação artificial quando o casal não puder procriar, por
haver obstáculo à ascensão dos elementos fertilizantes pelo ato sexual, como
esterilidade, deficiência na ejaculação, malformação congênita, pseudo-
hermafroditismo, escassez de espermatozóides, obstrução do colo uterino,
doença hereditária etc. Será homóloga se o sêmen inoculado na mulher for do
próprio marido ou companheiro, e heteróloga se o material fecundante for de
terceiro, que é o doador”.
O legislador não tomou qualquer precaução em fixar critérios de paternidade no
caso de reprodução sem material fecundante, vale dizer quando o agente
patrocinador da fecundação doar células de seu organismo para através de
técnicas de clonagem dar origem a outro ser, sem que incorra na fertilização
propriamente dita.
16 DINIZ. Maria Helena, Op. cit. p 478-479
29
Importante destacar que o artigo 1.593 ao indicar a consangüinidade como
elemento caracterizador o faz em relação a qualquer relação de parentesco,
englobando, portanto as relações entre pais e filhos e entre irmãos. Já o artigo
1.597 em seu caput, indica que os critérios estabelecidos pelo legislador referem-
se somente aos casos de filiação.
Diante disso fica afastada completamente a incidência deste dispositivo para
efeitos de fixação de filiação de seres originados por meio de clonagem, quando
utilizada técnica de transferência de núcleo de célula, posto que não haverá
fertilização artificial.
3.3 FILIAÇÃO E CLONAGEM
Conclui-se dessa forma que entre seres clonados a legislação em vigor não
reconhece vínculo de filiação, eis que inexistente, via de regra, a fecundação
neste tipo de reprodução.
Resta, no entanto o artigo 1.593 que trata das outras relações de parentesco por
consangüinidade ou outra origem de natureza civil, como a adoção e o
parentesco por afinidade.
Como já tivemos oportunidade de expressar, o critério de consangüinidade é
demasiado amplo, e dotado de pouca técnica. Consangüinidade tem origem
etimológica da palavra sangue. Neste caso o parentesco entre pais e filhos e entre
irmãos se daria pelo fato de terem todos o mesmo “sangue”. Com é do
30
conhecimento geral o sangue é um tecido existente em todos os seres animais,
não sendo este tecido elemento apto para distinguir o parentesco entre as
pessoas.
O critério que deveria ter sido adotado é o da individuação genética. De fato o
que nos torna únicos é a combinação de genes e não o sangue. Todos os seres
humanos são formados através de genes comuns em todos nós, mas é a diferente
combinação entre eles que nos torna únicos.
Assim, teria laborado em melhor seara o legislador se tivesse escolhido o
elemento genético como informador das relações de parentesco.
Não obstante como no sangue estão presentes células que possuem um standard
de genes, podemos admitir que ao mencionar consangüinidade o legislador na
verdade estava a referir-se aos genes que nele estão contidos. Assim, num
exercício de hermenêutica podermos aceitar como critérios de validação do
parentesco o patrimônio genético de cada indivíduo que é transmitido de geração
para geração. É através do exame dos genes que a paternidade é fixada com
99.99% de certeza, mediante a aplicação de um teste de DNA tão comum hoje
em dia. Não podemos olvidar que antes do advento das técnicas de mapeamento
genético, realmente eram os exames de sangue que permitiam identificar as
relações de parentesco, porém, isto dava margem a incertezas, gerando no campo
do direito uma série de presunções que poderiam revelar a identidade do
indigitados pais. No atual estado de desenvolvimento tecnológico não podemos
31
aceitar que o sangue continue a ser o elemento de identificação do parentesco, se
há outros métodos que conferem uma certeza praticamente absoluta quanto às
relações de parentesco.
Se do ponto de vista biológico as relações entre ascendentes e descendentes é
estabelecida em função do mapeamento genético entre uns e outros, no campo
jurídico está-se a observar uma mudança quanto aos modelos de parentesco a
serem adotados.
Nas sociedades mais antigas, como a Romana, as relações de filiação entre pais e
filhos eram exclusivamente derivadas do ato copular ou de adoção, sendo que
aos filhos adotivos não eram reconhecidos os mesmos direitos do que aos filhos
tidos como “legítimos”. Nestas sociedades a consangüinidade era o único
elemento de agregação do núcleo familiar, podemos falar então que a
paternidade era tão somente biológica.
O desenvolvimento social fez evoluir a noção de família, surgindo outros
elementos para alicerçar o núcleo familiar como a afinidade, por exemplo.
Assim, a família que antes era constituída somente por pessoas unidas por laços
genéticos, passou também a ser aplicada àquelas pessoas unidas por laços de
afinidade e companheirismo17.
17 MACENA DE LIMA, Taisa Maria, Filiação e Biodireito, Revista Brasileira de Direito de Família, no. 132002, pág. 144.
32
As relações de parentesco entre seres clonados também estão sujeitas a esta
evolução. Podemos assim concluir que as relações de parentesco, mesmo quando
envolvem seres originados através de clonagem, estão sedimentadas em dois
pilares: a) laços biológicos e b) laços de afinidade.
Elida Seguin, aborda a especificamente a questão do parentesco entre seres
clonados, optando pelo reconhecimento da maternidade da mulher em cujo útero
foi gerada a criança: “A determinação da ascendência deve ser pensada no
processo de clonagem, pois os pais de um clone do ponto de vista genético são o
homem e a mulher cujo espermatozóide e óvulo geraram o indivíduo que foi
clonado. A responsável do ponto de vista legal é a mulher em cujo útero o óvulo
foi implantado18.
De fato, o ser clonado é geneticamente uma cópia de outro indivíduo que foi
gerado de por meio de fecundação. É preciso um doador do material genético, e
por essa razão o clone seria irmão do doador do material genético ou filho da
mulher que gestacionou o embrião.
Tal problemática já havia sido enfrentada quando do advento das técnicas de
inseminação artifical que dependiam de uma terceira pessoa em cujo ventre seria
gerada a criança.
18 SEGUIN, Elida, Clonagem – polêmicas e inovações sob a ótica do biodireito, in Revista de Direitos Difusos,abril 2002, pág. 1609.
33
Neste sentido o Novo Código Civil determina a maternidade é definida em favor
da pessoa que forneceu o material genético e não daquela que emprestou o útero
(NCC artigo 1.597).
Tal disposição não conflita com o artigo 1.593 daquele diploma legal posto que
como já abordamos anteriormente a consangüinidade não é critério adequado
para fixação do parentesco, e o mais correto seria interpretar tal dispositivo de
forma a caracterizar os vínculos de parentesco em função do patrimônio genético
entre as pessoas.
4. CLONAGEM E PROPRIEDADE INTELECTUAL
4.1. CONCEITOS IMPORTANTES NO DIREITO DE PROPRIEDADE
INTELECTUAL
Inicialmente cabe uma breve fazer breve introdução sobre os direitos de
propriedade intelectual, para em seguida posicionarmos o tema em relação à
clonagem.
Patente é um título outorgado pelo Poder Público a um inventor para que este
tenha exclusividade na exploração de sua invenção (art. 8o. da Lei 9.279/96),
impedindo que outrem a explore sem sua anuência19.
19 DINIZ, Maria Helena, O Estado Atual do Biodireito, pág. 466 a 467
34
Invenção por sua vez é uma criação intelectual que requer três requisitos (art. 18
da Lei 9.279/96 para ser reconhecida: a) novidade, b) atividade inventiva e c)
aplicação industrial.
4.2. CLONAGEM E PATENTES
Diante destas definições poderiam o material genético clonado ser objeto de
registro perante o Poder Público para gozar dos direitos e privilégios inerentes às
invenções?
A Lei de Propriedade Intelectual brasileira em seu artigo 10o , incisos I e IX
expressamente exclui do âmbito de aplicação do referido diploma legal o ser
vivo, o corpo humano, o genoma, o material genético e processos biológicos
naturais. Assim, escapa da proteção conferida às invenções o mapeamento
genético, o seqüenciamento de genes, material resultante de clonagem etc.
Há que se fazer importante distinção entre descoberta científica e invenção. No
primeiro se trata de conhecimento resultante de estudos e pesquisas que muitas
vezes demoram longos anos para poderem ser concretizados. No segundo há
obviamente trabalho humano, mas este trabalho é voltado para um fim especial,
e não para o conhecimento em si. O conhecimento seria portanto instrumental
para a invenção e não o contrário.
35
De nada adiantaria investir-se tempo na realização de estudos e pesquisas se os
resultados destas pesquisas não pudessem ser compartilhados pela comunidade
científica.
Outrossim, seria inaceitável admitir que determinada pessoa detivesse privilégios
exclusivos sobre o material genético por ela produzido, podendo desta forma
manipular livremente tal material, sob a proteção do direito de propriedade
intelectual. Reconhecer tal possibilidade seria aceitar que o homem pudesse se
apropriar de outro ser humano, reduzindo todos à condição de escravos da
vontade do detentor da patente.
De fato os seres vivos são produtos da natureza e não da vontade do homem. Os
processos de mapeamento genético, clonagem e recombinação de genes são
instrumentos que devem servir ao homem respeitando princípios invioláveis da
condição humana, não sendo aceitável que a natureza possa ser objeto de direitos
exclusivos concedidos a outrem.
Nesse sentido oportuna a lição de Maria Helena Diniz: “A descoberta do gene da
obesidade não poderá ser patenteada,. Nem adquirir valor mercadológico, mas o
remédio inventado com base nele poderá sê-lo. É permitido o uso de gene
humano para obter uma droga patenteável. O gene é um instrumento para a
obtenção de um medicamento e não um fim comercial em si mesmo” 20.
20 DINIZ, Maria Helena, Estado Atual do Biodireito, pág. 468
36
Não obstante poderão ser objeto de patentes os processos biotecnológicos que
utilizem genes ou organismos geneticamente modificados (transgênicos).
Também cabe diferenciar o que venha a ser uma descoberta científica de um
processo tecnológico. Poderíamos imaginar que na base da pirâmide do
conhecimento está a descoberta, o conhecimento, na parte média desta pirâmide
está o processo técnico que utiliza o conhecimento científico adquirido para a
obtenção de uma determinada finalidade que vem a ser a invenção.
INVENÇÃO
PROCESSO TECNOLÓGICO
CONHECIMENTO HUMANO
No entanto, se estes processos biotecnológicos venham a apresentar algum grau
de nocividade, violem a dignidade humana ou possam ser utilizados de maneira
que coloquem em risco a saúde e integridade física de outrem, não poderão ser
objeto de registro junto ao Pode Público para efeito de patente.
Por exemplo se determinado astrônomo descobrir uma nova galáxia através de
um processo ótico inovador, ele poderá registrar e obter o direito de propriedade
intelectual sobre este processo (processo tecnológico), mas não poderá impedir
37
que outras pessoas olhem para a galáxia (descoberta científica) recém descoberta
utilizando outro processo ótico.
4.3. CLONES E ORGANISMOS MODIFICADOS GENETICAMENTE
Cabe discutir se regras existentes para patentes de organismos geneticamente
alterados, poderão ser estendidas aos clones. De fato estes são gerados a partir
dos genes copiados de uma célula fornecida por outrem, não são portanto
organismos geneticamente alterados (transgênicos) mas sim “organismos
geneticamente copiados”. Entendemos que as regras aplicáveis aos transgênicos,
no que tange aos direitos de propriedade intelectual poderão ser utilizados no
caso dos clones, posto que em ambas situações discute-se apropriação por parte
de outrem de material genético, pouco importando se este foi copiado ou
alterado. Porém acreditamos também que as restrições para a obtenção de
patentes em relação aos organismos geneticamente alterados deveriam ser
expressamente estendidas aos organismos geneticamente copiados.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÃO
Tivemos oportunidade neste trabalho de analisar os atuais avanços da ciência no
campo genético, especificamente a clonagem, e as possíveis implicações de tais
descobertas nas relações de parentesco e patentes.
38
Buscamos focar somente os aspectos precipuamente normativos do Direito de
Família e de Propriedade Intelectual, sem alusão profunda aos temas éticos e
morais no que concerne à clonagem. Ao analisar a clonagem, partindo do cenário
científico atual, derivamos para o campo jurídico e verificamos que a atual
estrutura normativa não é adequada para tratar do tema, pois baseia-se em
consangüinidade e fertilização, e estes não se aplicam diretamente à clonagem.
Conclui-se portanto, no que tange às relações de parentesco e filiação:
a) o clone poderá ser irmão do indivíduo que doou o material genético;
b) o clone poderá ser filho do indivíduo que doou o material genético;
c) o clone não mantém qualquer relação de parentesco com o indivíduo que
forneceu o material genético;
d) o clone é filho da mulher em cujo ventre ele foi gerado, mas não terá a
paternidade reconhecida.
Os dispositivos legais constantes do Código Civil nos permitem definir que
haverá relação de parentesco entre os clones pela consangüinidade, desde que
através de um exercício exegético, ampliemos tal conceito para abranger as
características genéticas, que são de fato as responsáveis pela formação biológica
do indivíduo.
39
Porém não há definição adequada para caracterizarmos a filiação, eis que a
clonagem ocorre independentemente de fertilização, tratando-se de técnica de
transferência de material genético.
No entanto a falta de norma legal expressa para definição da filiação no caso da
clonagem deverá ser suprida, posto que as normas constitucionais (art. 226 e
seguintes da CF) asseguram às pessoas a sua inserção em ambiente familiar,
sendo dever do Estado promover políticas para garantir que todos tenham uma
família.
O clone não está submetido ao direito de propriedade, posto que este se constitui
de tecido humano, expressamente excluídos do âmbito do Direito de Propriedade
Intelectual, não podendo haver registro de patentes sobre estes. No entanto, o
mesmo não se aplica às técnicas de clonagem, que se constituem num “ modus
faciendi”, podendo neste caso ser reconhecido o direito de propriedade
intelectual, desde que tais técnicas não se sejam consideradas descobertas
científicas.
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