Post on 16-Dec-2015
Uma imperdvel leitura aos amantes da histria que queiram se aprofundar na histria do nazismo. O
livro proporciona uma viso do perodo de domnio nazista e os acontecimentos que levaram a isso, assim
como traz a interpretao que permite encontrar algum sentido nesse extraordinrio episdio da histria
alem.
Roderick Stackelberg professor de Humanidades na Universidade Gonzaga, em Spokane, estado de
Washington nos Estados Unidos. H mais de vinte anos o professor Stackelberg ministra um curso intitulado
"Alemanha de Hitler" nesta Universidade, e nunca encontrou qualquer deficincia de material para um curso
que aborda esse tema, pelo contrrio, para ele a tarefa mais difcil era escolher entre os muitos livros
eminentes que esto disponveis.
Mesmo assim Roderick Stackelberg se sentia frustrado pela falta de um texto breve e abrangente, que
cobrisse no apenas o perodo de 1918 a 1945, mas tambm os antecedentes, no sculo XIX e a vida depois
de 1945, considerados por ele essenciais.
A sua obra preenche esta lacuna ao apresentar uma breve e acurada reconstituio da experincia
nacional-socialista de 1933 a 1945, ao mesmo tempo em que situa esse perodo num contexto histrico mais
amplo, que se estende do sculo XIX at quase o presente.
O livro oferece uma narrativa coerente das causas, desenvolvimento e conseqncias do nazismo,
identificando seus antecedentes no sculo XIX e registra a histria do impacto do nazismo e seu lugar na
memria pblica at o final do sculo XX.
O professor Stackelberg acredita que a obra ser til por se encontrar em um nico volume no
apenas o relato dos anos da ascenso nazista ao poder no perodo da Repblica de Weimar e do Terceiro
Reich, mas tambm uma anlise do contexto mais amplo em que a histria do nazismo se desenrolou.
A Alemanha de Hitler
Origens, Interpretaes, Legados
RODERICK STACKELBERG
Traduo A. B. Pinheiro de Lemos
IMAGO
Ttulo Original: Hitlefs Gemany
Copyright 1999 by Roderick Stackelberg
Todos os direitos reservados.
Traduo da lngua inglesa da edio publicada por Routledge, um membro do Taylor & Francs Group
Capa.
Judith Adler Levacov
CIP-Brasil. Catalogaco-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
S773a Stackelberg, Roderick
A Alemanha de Hitler: origens, interpretaes, legados / Roderick Stackelberg; traduo de A. B. Pinheiro de Lemos. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2002.
412 pp.
Traduo de: Hitlefs Germany ISBN 85-312-0749-5
1. Alemanha Histria 1933-1945. Nazismo Filosofia.
3. Hitler, Adolf, 1889-1945. 4. Holocausto judeu (1939-1945). 5. Poltica cultural*Alemanha 1933-1945. l. Ttulo.
01-0234. CDD -943. 6
CDU 943"1933/1945"
2002
IMAGO EDITORA
Tel.: (21) 2242-0627 Fax: (21) 2224-8359
Rua da Quitanda, 5218 andar Centro
20011-030 Rio de Janeiro RJ
E-mail: imago@imagoeditora.com.br
www.imagoeditora.com.br
Impresso no Brasil Printed in Brazil
Para meus alunos na Universidade Gonzaga
no passado, presente e futuro.
Sumrio
Prefcio ........................................................................................................................................................ 14
Introduo: Os problemas de escrever sobre o Nacional-socialismo .......................................................... 15
Histria interpretao ............................................................................................................................ 15
Histria poltica do passado .................................................................................................................. 15
Controvrsias sobre o nacional-socialismo .............................................................................................. 16
O nazismo como um movimento de direita ............................................................................................. 17
Revolucionrio ou contra-revolucionrio? .............................................................................................. 19
O Sonderweg alemo ............................................................................................................................... 19
O debate da modernizao ....................................................................................................................... 20
A historizao do nacional-socialismo .................................................................................................... 22
1. Fascismo e a tradio conservadora ...................................................................................................... 23
Ideologia fascista, eleitorado e condies para seu crescimento ............................................................. 23
Antecedentes histricos ........................................................................................................................... 23
Conservantismo monrquico ....................................................................................................................... 23
Liberalismo .............................................................................................................................................. 24
Socialismo ................................................................................................................................................ 24
O espectro poltico esquerda-direita ........................................................................................................ 25
Fascismo como movimento da extrema direita ....................................................................................... 26
A relao do fascismo com o conservantismo tradicional ....................................................................... 27
A relao do fascismo com o comunismo ............................................................................................... 27
O eleitorado fascista ................................................................................................................................. 28
Nacionalismo ........................................................................................................................................... 28
Condies prvias para a ascenso do fascismo ...................................................................................... 29
2. O problema da unidade alem - Absolutismo e particularismo ............................................................ 31
O Sonderweg alemo ............................................................................................................................... 31
Particularismo e seus efeitos .................................................................................................................... 32
Absolutismo e seus efeitos ....................................................................................................................... 33
A Confederao Alem ............................................................................................................................ 34
A fracassada revoluo de 1848 .............................................................................................................. 34
A unificao da Alemanha sob a Prssia ................................................................................................. 35
Nacionalismo triunfa sobre liberalismo ................................................................................................... 36
O Imprio Alemo ................................................................................................................................... 36
3. O Imprio Alemo ................................................................................................................................ 37
A represso da democracia, imperialismo social e a estrada para a guerra ............................................. 37
A Poltica externa de Bismarck................................................................................................................ 37
A poltica interna de Bismarck ................................................................................................................ 38
Represso do Partido Democrtico Social ............................................................................................... 38
Industrializao alem ............................................................................................................................. 39
Guilherme II e o "Novo Curso" ............................................................................................................... 40
Weltpolitik ............................................................................................................................................... 40
Imperialismo Social ................................................................................................................................. 41
Nacionalismo radical ............................................................................................................................... 41
As origens da Primeira Guerra Mundial .................................................................................................. 42
4. Ideologia alem - Nacionalismo, idealismo vulgarizado e antissemitismo .......................................... 43
A funo da ideologia .............................................................................................................................. 43
Ideologia alem ........................................................................................................................................ 44
O impacto da Revoluo Francesa ........................................................................................................... 45
A idia alem de liberdade ....................................................................................................................... 45
Idealismo alemo ..................................................................................................................................... 46
Antissemitismo ........................................................................................................................................ 47
Antissemitismo poltico ........................................................................................................................... 48
Antissemitismo racial............................................................................................................................... 49
Ideologia vlkisch .................................................................................................................................... 50
As "Idias de 1914" ................................................................................................................................. 52
5. A Primeira Guerra Mundial: A crise da Alemanha imperial ................................................................ 52
Legado da guerra...................................................................................................................................... 52
A guerra como fora unificadora ............................................................................................................. 53
O Plano Schlieffen ................................................................................................................................... 53
Impasse na frente ocidental ...................................................................................................................... 54
Objetivos alemes na guerra .................................................................................................................... 54
Guerra de submarinos irrestrita ................................................................................................................ 55
A volta da oposio na Alemanha ........................................................................................................... 56
O Tratado de Brest-Litovsk ..................................................................................................................... 56
A derrota alem ........................................................................................................................................ 57
Revoluo ................................................................................................................................................ 57
6. A Repblica de Weimar e a fraqueza da democracia liberal ................................................................ 58
Periodizao ............................................................................................................................................. 58
O ataque democracia liberal .................................................................................................................. 59
O Acordo Ebert-Groener.......................................................................................................................... 59
A falta da reforma social fundamental ..................................................................................................... 60
A diviso na esquerda .............................................................................................................................. 61
O Freikorps .............................................................................................................................................. 61
A Constituio de Weimar ....................................................................................................................... 62
O Tratado de Versalhes ............................................................................................................................ 63
O mito da punhalada nas costas ............................................................................................................... 64
O putsch de Kapp ..................................................................................................................................... 64
Terrorismo de direita................................................................................................................................ 65
A ocupao francesa do Ruhr, em 1923 .................................................................................................. 66
A grande inflao ..................................................................................................................................... 66
O "Putsch da Cervejaria" de Hitler .......................................................................................................... 67
Estabilidade temporariamente restaurada ................................................................................................ 68
O Pacto de Locarno .................................................................................................................................. 69
A mudana para a direita ......................................................................................................................... 69
A "Revoluo Conservadora" .................................................................................................................. 70
7. O colapso da Repblica de Weimar - A Grande Depresso ................................................................. 71
Causas da Grande Depresso ................................................................................................................... 72
O governo Brning e a eleio para o Reichstag em 1930 ...................................................................... 73
O programa do Partido Nazista ................................................................................................................ 74
O papel do antissemitismo ....................................................................................................................... 76
A Frente Harzburg, 1931 ......................................................................................................................... 78
8. A Consolidao Nazista No Poder ........................................................................................................ 79
Hitler e os industriais ............................................................................................................................... 79
As eleies presidenciais de 1932 ............................................................................................................ 79
O golpe de Papen na Prssia .................................................................................................................... 80
As eleies para o Reichstag em julho e novembro de 1932 ................................................................... 81
O interldio de Schleicher ....................................................................................................................... 82
A designao de Hitler para chanceler ..................................................................................................... 83
Renascimento nacional ............................................................................................................................ 85
Novas eleies ......................................................................................................................................... 85
Represso da esquerda ............................................................................................................................. 85
O incndio do Reichstag .......................................................................................................................... 86
A Lei de Exceo ..................................................................................................................................... 86
O "Dia de Potsdam" ................................................................................................................................. 87
Gleichschaltung........................................................................................................................................ 88
Coordenao dos governos estaduais....................................................................................................... 88
Expurgo do servio pblico ..................................................................................................................... 89
Os sindicatos ............................................................................................................................................ 90
Os partidos polticos ................................................................................................................................ 90
O sistema judicirio ................................................................................................................................. 92
A profisso mdica .................................................................................................................................. 92
Cultura e ideologia ................................................................................................................................... 93
O "Putsch de Rhm " ............................................................................................................................... 93
A SS ......................................................................................................................................................... 96
A morte de Hindenburg ........................................................................................................................... 97
9. Sociedade, cultura e o estado no Terceiro Reich, 1933-39 ................................................................... 97
Polticas econmicas do Terceiro Reich .................................................................................................. 98
O Plano de Quatro Anos .......................................................................................................................... 99
A integrao do trabalho ........................................................................................................................ 100
Polticas nazistas de bem-estar social .................................................................................................... 102
Modernizao econmica ...................................................................................................................... 102
Agricultura ............................................................................................................................................. 103
O papel das mulheres ............................................................................................................................. 104
Polticas raciais e eugnicas ................................................................................................................... 105
Eutansia ................................................................................................................................................ 106
Educao ................................................................................................................................................ 107
Arte, arquitetura e literatura ................................................................................................................... 107
Cincia ................................................................................................................................................... 109
As Igrejas ............................................................................................................................................... 110
O estado policrtico ............................................................................................................................... 112
Estratgias e presses de integrao ...................................................................................................... 113
Coao e consenso ................................................................................................................................. 114
O mito do Fhrer .................................................................................................................................... 115
10. Perseguio dos Judeus, 1933-39 .................................................................................................... 115
Medidas antijudaicas depois que os nazistas alcanaram o poder ......................................................... 116
As Leis de Nuremberg ........................................................................................................................... 116
Escalada das medidas antijudaicas ......................................................................................................... 118
A "arianizao" das empresas judaicas .................................................................................................. 118
O pogrom da Reichskristallnacht ........................................................................................................... 119
Emigrao judaica .................................................................................................................................. 121
Papel das SS ........................................................................................................................................... 123
11. As origens da Segunda Guerra Mundial ......................................................................................... 123
A poltica de apaziguamento .................................................................................................................. 123
A Frente Popular .................................................................................................................................... 124
O fim das reparaes .............................................................................................................................. 125
A conferncia de desarmamento de Genebra ......................................................................................... 125
Alemanha deixa a Liga das Naes ....................................................................................................... 126
A Unio Sovitica e a segurana coletiva .............................................................................................. 127
Austro-fascismo ..................................................................................................................................... 127
Retorno ao Sarre .................................................................................................................................... 128
Remilitarizao ...................................................................................................................................... 128
O Acordo Naval Anglo-Alemo ............................................................................................................ 129
A invaso da Etipia .............................................................................................................................. 129
Remilitarizao da Rennia ................................................................................................................... 129
A Guerra Civil na Espanha .................................................................................................................... 130
Os Jogos Olmpicos ............................................................................................................................... 131
O Memorando Hossbach........................................................................................................................ 132
As quedas de Blomberg e Fritsch .......................................................................................................... 133
O Anschluss da ustria .......................................................................................................................... 133
A crise da Tchecoslovquia ................................................................................................................... 134
O Acordo de Munique ........................................................................................................................... 135
A destruio da Tchecoslovquia .......................................................................................................... 136
A questo polonesa ................................................................................................................................ 137
Os britnicos garantem a Polnia .......................................................................................................... 137
O Tratado de No-Agresso Nazi-Sovitico .......................................................................................... 138
O ataque alemo contra a Polnia .......................................................................................................... 139
12. A Segunda Guerra Mundial - Da guerra europia guerra global, 1939-41 .................................. 141
A campanha polonesa ............................................................................................................................ 141
A "Guerra Falsa" .................................................................................................................................... 141
A "Guerra do Inverno" ........................................................................................................................... 142
A campanha escandinava ....................................................................................................................... 142
A queda da Frana ................................................................................................................................. 143
A Batalha da Inglaterra .......................................................................................................................... 144
As opes militares de Hitler ................................................................................................................. 144
A invaso italiana na Grcia .................................................................................................................. 145
Negociaes com a Unio Sovitica ...................................................................................................... 145
Por que Hitler atacou a Unio Sovitica? .............................................................................................. 146
A campanha nos Blcs ......................................................................................................................... 148
A invaso da Unio Sovitica ................................................................................................................ 149
Polticas nazistas de ocupao ............................................................................................................... 150
O papel americano na guerra ................................................................................................................. 151
A declarao de guerra alem contra os Estados Unidos ...................................................................... 151
13. A Segunda Guerra Mundial - Do triunfo derrota, 1942-45 .......................................................... 153
A Batalha de Moscou ............................................................................................................................. 153
Conquistas alems em 1942 ................................................................................................................... 153
El Alamein e a invaso Aliada na frica do Norte ................................................................................ 154
A Batalha de Stalingrado ....................................................................................................................... 154
Derrota naval alem ............................................................................................................................... 155
A guerra area ........................................................................................................................................ 155
A economia alem durante a guerra ....................................................................................................... 156
A Batalha de Kursk ................................................................................................................................ 156
A queda de Mussolini ............................................................................................................................ 157
O Dia D .................................................................................................................................................. 157
O programa alemo de foguetes ............................................................................................................ 158
A resistncia militar alem ..................................................................................................................... 158
Outra resistncia a Hitler ....................................................................................................................... 160
Resistncia na Europa ocupada .............................................................................................................. 161
A Batalha do Bulge ................................................................................................................................ 162
A derrota da Alemanha .......................................................................................................................... 162
Perdas ..................................................................................................................................................... 163
14. O Holocausto ................................................................................................................................... 164
Interpretaes intencionalistas e funcionalistas ..................................................................................... 164
Guerra e genocdio ................................................................................................................................. 165
Guetizao.............................................................................................................................................. 166
Planos de repovoamento ........................................................................................................................ 167
A gnese da "soluo final" ................................................................................................................... 168
Os Einsatzgruppen ................................................................................................................................. 169
Os campos de extermnio ....................................................................................................................... 170
A Conferncia de Wannsee .................................................................................................................... 170
"Operao Reinhardt" ............................................................................................................................ 171
Auschwitz .............................................................................................................................................. 172
O quanto o povo alemo sabia? ............................................................................................................. 174
Os Aliados e o Holocausto ..................................................................................................................... 175
O papel da Igreja .................................................................................................................................... 175
15. Continuidades e novos comeos - As conseqncias do nacional-socialismo ................................ 176
Os Julgamentos de Nuremberg .............................................................................................................. 177
Desnazificao ....................................................................................................................................... 179
A Guerra Fria na Alemanha ................................................................................................................... 181
Represso do passado ............................................................................................................................ 183
Rejeio do antissemitismo.................................................................................................................... 184
Auslnderfeindlichkeit - Hostilidade a estrangeiros .............................................................................. 184
Partidos radicais de direita na Repblica Federal .................................................................................. 185
Neonazismo............................................................................................................................................ 185
16. O debate dos historiadores - O lugar do Reich na histria e memria alems ................................ 187
Antifascismo na Repblica Democrtica Alem ................................................................................... 187
Pagamento de indenizaes na Repblica Federal ................................................................................ 187
Historiografia na Repblica Federal ...................................................................................................... 188
A era do ps-guerra ................................................................................................................................ 188
A dcada de 1960 ................................................................................................................................... 189
O renascimento neoconservador ............................................................................................................ 191
Bitburg ................................................................................................................................................... 192
A Historkerstreit ................................................................................................................................... 192
Historiografia conservadora na Alemanha reunificada .......................................................................... 193
A nova direita da Alemanha .................................................................................................................. 194
O debate continua .................................................................................................................................. 195
Notas .......................................................................................................................................................... 196
Bibliografia selecionada............................................................................................................................. 197
ndice.......................................................................................................................................................... 202
Fotografias anexadas pelo Revisor: ........................................................................................................... 211
Prefcio
Este livro tem dois propsitos: primeiro, proporcionar uma narrativa acurada e relativamente
completa do perodo de domnio nazista e dos acontecimentos que levaram a isso; e, de igual importncia,
apresentar uma estrutura de interpretao que permita encontrar algum sentido nesse extraordinrio episdio
na histria alem e europia. A literatura de estudo do nacional-socialismo alcanou imensas propores
desde a queda do Terceiro Reich, h meio sculo. Meu objetivo sempre foi o de fazer com que algumas
descobertas e as melhores percepes se tornassem acessveis para os leitores, sem distorcer as
complexidades da causa histrica, nem excluir a contingncia, a indeterminao e a indefinio de eventos
como os que foram experimentados pelos contemporneos que viveram ao longo desses tempos trgicos e
turbulentos.
Cada obra de sntese histrica essencialmente um projeto coletivo, que se baseia e desenvolvido a
partir do trabalho e inspirao dos colegas e antecessores. Tenho mltiplas dvidas intelectuais com muitos
colegas historiadores (e estudiosos em outros setores) para relacionar a todos. Gostaria, no entanto, de
expressar minha gratido especial a Ann Le Bar, professora de histria na Eastern Washington University e
a minha esposa, Sally A. Winkle, professora de alemo e diretora de Estudos Femininos na mesma
universidade. As duas leram o original e fizeram sugestes e correes da maior importncia. Tambm
quero agradecer a dois leitores da editora Routledge, Shelley Baranowski, da Akron University, e David F.
Crew, da University of Texas; seus muitos comentrios e crticas proveitosos propiciaram um texto bastante
melhor. Quaisquer deficincias que o livro ainda possa ter so de minha responsabilidade exclusiva.
Os heris jamais enaltecidos do empreendimento acadmico so os assistentes administrativos, sem
os quais nenhuma universidade poderia funcionar. Sou profundamente grato pelo apoio e jovial ajuda que
venho recebendo, ao longo dos anos, de Nancy Masingale, Sandy Hank, Fawn Gass, Diana Lartz, Janet
Cannon, Paulette Fowler e Gloria Strong. Tambm quero agradecer a meus alunos na Gonzaga University,
cujo interesse, apreo e curiosidade intelectual criaram o incentivo para escrever este livro. A contribuio
deles para a concluso bem-sucedida deste trabalho maior do que podem imaginar. aos meus estudantes
no passado, presente e futuro que dedico este livro, com gratido.
Roderick Stackelberg
Spokane, Washington
Novembro de 1998
Introduo: Os problemas de escrever sobre o Nacional-socialismo
Qualquer novo livro sobre o nacional-socialismo, sobretudo se presume ilustrar uma histria
abrangente, deve oferecer alguma justificativa para acrescentar outro volume s centenas de milhares de
obras publicadas sobre esse perodo da histria, estudado de uma forma profundamente meticulosa. H mais
de vinte anos que ensino um curso intitulado "A Alemanha de Hitler". Apesar de no haver deficincia de
material para um curso assim (ao contrrio, a tarefa mais difcil escolher entre a infinidade de obras
eminentes que esto disponveis), eu realmente me sentia frustrado pela falta de um texto breve, embora
inclusivo, que cobrisse no apenas o perodo de 1918 a 1945, mas tambm os acontecimentos no sculo XIX
e a vida depois de 1945, que considero essenciais para a plena compreenso da experincia nazista1.
O objetivo deste livro apresentar uma breve, mas acurada reconstituio da experincia nacional-
socialista entre 1933 e 1945, ao mesmo tempo em que situa esse perodo num contexto histrico mais
amplo, que se estende do sculo XIX at quase o presente. Visa oferecer uma narrativa coerente das causas,
curso e conseqncias do nazismo, identificando seus antecedentes no sculo XIX e levando a histria do
impacto do nazismo e seu lugar na memria pblica at o final do sculo XX. Creio que til ter em um
nico livro no apenas o relato dos anos da ascenso nazista ao poder (o perodo da Repblica de Weimar) e
do Terceiro Reich, mas tambm uma anlise do contexto mais amplo em que a histria do nazismo se
desenrolou.
Histria interpretao
Nenhum historiador, no entanto, pode justificar seu trabalho com base apenas no relato dos "fatos
essenciais". Escrever histria obriga ao de interpret-la. Nem mesmo a viso mais positivista e
meticulosamente objetiva da histria pode evitar a interpretao, no mnimo para uma seleo dos fatos
considerados dignos de serem apresentados Neste livro, apresento a interpretao que creio ser a mais
apropriada para nos ajudar a compreender esse extraordinrio fenmeno histrico.
Em particular, espero que meu livro contribua para uma indagao fundamental em qualquer histria
da Alemanha Nazista: como pde uma cultura nacional altamente criativa produzir um barbarismo e
destruio sem precedentes? As primeiras histrias do Terceiro Reich tendiam a tratar o nazismo como uma
misteriosa patologia, a encarnao de uma fora maligna que, em ltima anlise, s podia ser explicada em
termos metafsicos, como se o demnio efetuasse uma interveno direta nos assuntos humanos. Em vista
dos horrores sem precedentes do Holocausto e da irracionalidade das obsesses raciais nazistas, sem
dvida compreensvel a tendncia para pensar no nazismo como carente de qualquer explicao racional. As
condenaes morais predominavam nos relatos iniciais sobre o Terceiro Reich, como se o nazismo fosse
exclusivamente um problema moral, o triunfo do mal sobre o bem. Por mais justificada que a condenao
moral possa ser, considerar o nazismo apenas em termos morais ou metafsicos no proporciona uma
explicao coerente para seu sucesso extraordinrio e popularidade excepcional.
Histria poltica do passado
A interpretao oferecida neste livro baseia-se na pressuposio de que a poltica proporciona a
chave para a compreenso do nacional-socialismo. Em sua definio mais sucinta, a histria a poltica do
passado! Sou propenso a acreditar, como Hegel, que a dialtica do desenvolvimento histrico lana foras
umas contra as outras, cada uma se percebendo e definindo como a boa e a certa. Esse ceticismo sobre a
utilidade analtica das categorias morais no visa absolutamente relativizar o mal do nazismo; pretende
apenas atrair a ateno para o fato incontestvel de que entre 1933 e 1945 muitas pessoas bem-intencionadas
na Alemanha (e em outros lugares) acharam que o nazismo era um movimento adequado e construtivo. O
historiador deve explicar por que isso aconteceu. At a caracterstica mais abominvel do nacional-
1 O termo "nazi", ou nazista, formado pelas duas primeiras slabas de nacional socialista, conforme a pronncia em alemo. Foi
usado inicialmente de um modo meio depreciativo por oponentes do nacional socialismo. Neste livro, uso os termos nazista e
nacional-socialista no mesmo sentido.
socialismo, o virulento antissemitismo, que acabou levando ao Holocausto, tinha uma terrvel lgica prpria,
que o historiador precisa explicar.
Toda interpretao est fadada a gerar alguma controvrsia, na medida em que apresenta uma
perspectiva particular, que talvez nem todos partilhem. Essa perspectiva determinada pelos valores do
historiador, em particular os valores polticos, que so em geral, mas nem sempre, os valores da sociedade
ou do subgrupo em que vive ou com que se identifica. Se a divergncia abrange fatos bsicos, pode em geral
ser resolvida prontamente com mais freqncia, no entanto, as divergncias entre historiadores envolvem o
significado e a importncia desses fatos. Os mesmos fatos podem ser avaliados de maneiras muito diferentes
por historiadores diferentes. E por isso que ainda surgem muitas questes histricas sobre as quais os
crticos srios discordam, embora os fatos bsicos sejam conhecidos e aceitos por todos. Os historiadores em
confronto esto genuinamente empenhados na avaliao objetiva dos fatos, o que ainda mais incontestvel
em questes de responsabilidade histrica, especialmente porque os eventos em questo, o nacional-
socialismo e o Holocausto, merecem uma condenao universal.2
Controvrsias sobre o nacional-socialismo
Apesar ou talvez por causa da condenao quase universal de Hitler e suas cortes como modelos do
mal absoluto, as interpretaes do nacional-socialismo continuam a gerar uma vigorosa controvrsia. H
exemplos todos os dias, nas colunas de cartas dos leitores em jornais, de esforos para desacreditar grupos
ou movimentos ligados de alguma forma ao nazismo (ou ao Holocausto). Na dcada de 1960, estudantes
radicais chamavam autoridades universitrias de "nazistas" ou "fascistas", porque recorriam polcia para
reprimir suas manifestaes e o direito de livre expresso; as autoridades universitrias, por sua vez,
chamavam os estudantes radicais de "nazistas" ou "fascistas" por rejeitarem o dilogo civilizado e adotarem
tticas de confrontao. "nazismo ou fascismo" tornaram-se armas convenientes a serem usadas contra
atitudes ou mtodos polticos que se deseja desacreditar.
Quando os comunistas ligaram o fascismo3 ao capitalismo, acreditavam sinceramente que haviam
determinado a fonte do problema. E assim procuravam, de forma deliberada, desacreditar o sistema
capitalista. Por outro lado, o consenso ideolgico ocidental no auge da Guerra Fria, na dcada de 1950,
virtualmente comparava a Unio Sovitica Alemanha Nazista, em termos de totalitarismo. Era uma
tentativa deliberada de desacreditar o sistema sovitico, baseada na convico sincera de que a oposio
sovitica e nazista democracia liberal ocidental era a caracterstica definidora de suas respectivas
ideologias. O fato de que comunistas e fascistas tinham objetivos basicamente diferentes parecia quase
irrelevante da perspectiva dos liberais, que prezavam a liberdade individual acima de tudo mais. Os motivos
polticos por trs das interpretaes do nazismo so ainda mais claros no caso dos nacionalistas alemes que,
depois da guerra, procuraram salvaguardar seu prprio conservadorismo ao efetuarem a improvvel ligao
dos nazistas com o regime da democracia popular, que mais odiavam.
Este livro, porm, no se dedica s controvrsias que envolvem a natureza do nacional-socialismo.
verdade que muitas das discusses mais profundas so abordadas aqui, mas esse no o foco principal. O
propsito maior, como j ressaltei, estabelecer um levantamento dos fatos e uma estrutura de avaliao. H
trs controvrsias importantes, no entanto, que preciso destacar agora, a fim de esclarecer minha
interpretao.
A primeira delas, talvez a mais fundamental, envolve a localizao do nazismo no espectro poltico.
Em minha interpretao, enunciada no Captulo l, o nazismo sem qualquer dvida um movimento da
2 Um enfoque sensacionalista, moralizador e fantico prejudica grande parte da literatura popular inicial sobre o nazismo. Uma
exceo o bestseller William L. Shirer, The Rise and Fali ofthe Third Reich: A History o/Nazi Germany, Nova Iorque: Simon
and Schuster, 1960. 3 De acordo com a prtica convencional, eu uso o termo fascismo em caixa baixa quando me refiro ao conceito genrico, no qual esto includas
vrias formas nacionais de fascismo, inclusive o nacional-socialismo (ou nazismo). Uso Fascismo com maiscula quando me refiro
expressamente ao movimento italiano. O mesmo princpio aplica-se ao comunismo, que ponho em maiscula quando me refiro a um partido
especfico.
direita, a extremidade conservadora do espectro. A meu ver, o nazismo uma variante radical do fascismo, o
movimento pela regenerao nacional que surgiu em muitos pases para compensar a ameaa percebida do
comunismo e da democracia liberal nas dcadas de 1920 e 1930. Embora uns raros historiadores situem o
nazismo indubitavelmente na esquerda, a extremidade progressista da esquerda, muitos consideram o
fascismo como uma mistura de esquerda e direita ou um movimento que "nem de esquerda nem de
direita".4
Muitos desses historiadores incluem o nazismo sob a rubrica de "totalitarismo", para indicar que se
encontra mais prximo do comunismo do que de outras formas menos radicais de fascismo.
Uma segunda controvrsia destacada envolve a questo do Sonderweg alemo, ou seja, o
excepcional modo alemo. O nazismo, em ltima anlise, deve ser atribudo s "peculiaridades da histria
alem",5 de sua cultura ou suas causas podem ser encontradas, primariamente ou na totalidade, no conjunto
peculiar de eventos na Europa depois da Primeira Guerra Mundial? Em minha opinio, relatada nos
Captulos 2 a 4, "o curso da histria alem" essencial para compreender as origens do nazismo e sua
ascenso ao poder.
Uma terceira controvrsia importante, estreitamente ligada s duas primeiras, a determinao de se
o nazismo deve ser compreendido como uma reao contra as foras da modernidade (industrializao,
democratizao, racionalizao, urbanizao, secularizao,6 ou como uma manifestao e radicalizao
dessas mesmas foras. Guiava-me por trs ou pela frente ou era uma mistura ambgua das duas coisas?
Tratarei de cada uma dessas controvrsias no momento apropriado, deixando bem clara minha posio.
O nazismo como um movimento de direita
A narrativa fundamental em que se baseia a histria da Alemanha Nazista o conflito entre as foras
includas nos cabealhos de "esquerda poltica" e "direita poltica". Alguns leitores vo discordar do
ressuscitamento de uma distino entre esquerda e direita, que muitos ps-modernistas preferem relegar
lata de lixo da histria. Numa era em que duas das mais radicais ideologias do sculo XX, o fascismo e o
comunismo dissolveram-se na ignomnia, a distino pode no parecer mais til. Estamos todos agora no
centro, parece ser o argumento, e quaisquer que sejam as diferenas por ns admitidas, no podem ser
compreendidas de uma forma proveitosa em termos de "esquerda" e "direita" com toda certeza, alguns
crticos da distino esquerda e direita esto ativamente comprometidos com as polticas da direita. Para
eles, a desvalorizao da distino entre esquerda e direita um meio de neutralizar o desafio reformador da
esquerda.
Os tempos no final do sculo XX no parecem propcios para essa iniciativa conservadora. A
desiluso ps-moderna com o progresso moderno, para no mencionar o golpe desferido contra a esquerda
pelo aparente eclipse do marxismo, ajudou a embaar a imagem da esquerda "progressista". Mas esses
termos, "esquerda" e "direita", conservam sua utilidade, no apenas como instrumentos descritivos e
analticos para os historiadores, mas tambm na poltica cotidiana. A preocupao com a preservao do
meio ambiente, por exemplo, pode ser partilhada hoje por esquerda e direita, mas ainda h diferenas
cruciais entre as solues da esquerda e direita, para esse e outros problemas.
4 Esse o ttulo de um livro de Zeev Sternhell, Neither Right nor Left: Fascist Ideology in France, trad. para o ingls por David
Maisel, Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1986. 5 Esse o ttulo de um livro dos principais crticos da tese do Sonderweg, David Blackbourn e Geoff Eley, The Peculiarities of
Geman History: Bourgeois Society and Politics In Nineteenth-Centtiry Germany, Oxford: Oxford University Press, 1984. 6 A secularizao de uma sociedade pode ser entendida, em um sentido literal, como um processo pelo qual a religio deixa de ser
o aspecto cultural agregador, transferindo para uma das outras atividades desta mesma sociedade este fator coercitivo e
identificador. Ela faz com que tal objeto de anlise j no esteja mais determinado diretamente pela religio.
Qual a natureza dessas diferenas?7 A diferena essencial entre esquerda e direita est na atitude
em relao igualdade humana como um ideal social. Quanto mais uma pessoa julga que a igualdade
absoluta entre todas as pessoas uma condio desejvel, mais para a esquerda estar situada no espectro
ideolgico. Quanto mais uma pessoa considera que a desigualdade inevitvel ou at desejvel, mais para a
direita estar situada. Nos pontos mais extremados desse espectro esto as pessoas ou movimentos capazes
de qualquer coisa para alcanarem seu ideal utpico: na esquerda, a utopia igualitria, em que os fracos e os
fortes partilham igualmente os benefcios de sua sociedade; na direita, o desigualitarismo e antiutopia, em
que os fortes recebem os benefcios que lhes so devidos em virtude de sua superioridade natural, enquanto
os fracos, por mais insidiosamente que sejam definidos, so dispensveis, privados e excludos.
Embora os movimentos de esquerda, historicamente, tenham defendido a emancipao do governo
opressivo como meio para alcanar maior igualdade, enquanto os movimentos de direita pregam as formas
hierrquicas tradicionais de autoridade, a distino entre esquerda e direita no equivalente distino
entre liberdade e autoridade. De fato, a extrema esquerda favorece os meios autoritrios como o caminho
ideal para se criar uma sociedade igualitria. Os regimes comunistas do sculo XX tm demonstrado que
objetivos igualitrios e meios autoritrios no se excluem mutuamente. Por outro lado, alguns movimentos
libertrios, propondo uma liberdade individual total, pertencem direita do espectro, porque seu supremo
objetivo a sociedade em que a desigualdade encarada como inevitvel e aceita de forma calorosa.
Parte da confuso esquerda ou direita hoje decorrente do fato de que os "conservadores"
americanos se opem ao "governo grande" (e os "liberais" de nossos dias so defendidos como defensores
do governo grande). A defesa da liberdade individual pelos conservadores parece situ-los junto aos
defensores da emancipao na esquerda, mas os objetivos so diferentes; e, em ltima anlise, so os
objetivos que se tornam decisivos para a localizao no contnuo esquerda-direita. O objetivo dos
conservadores nas sociedades liberais de hoje restringir o poder do governo para promover uma igualdade
maior, atravs dos programas de assistncia social e outros meios. Ao procurarem limitar os poderes sociais
(no os militares) do governo e defender o laissez-faire, os atuais conservadores americanos so na verdade
liberais antiquados, mais prximos dos liberais do sculo XIX do que dos conservadores desse mesmo
perodo na Europa continental, que defendiam o estado monrquico forte. a essa ltima tradio
conservadora que o nazismo e o fascismo so relacionados no Captulo 1.
Nas sociedades liberais, como os Estados Unidos ou a Europa Ocidental, hoje em dia, a maioria das
pessoas, inclusive muitas que se intitulam conservadoras, situam-se em algum ponto prximo do centro do
espectro poltico. So a favor da liberdade pessoal e da igualdade social. Infelizmente, em algum momento,
claro, esses dois valores devem conflitar. Aqueles que optam pela igualdade se descobrem mais para a
esquerda do que aqueles que optam pela liberdade custa da igualdade. As distines entre esquerda e
direita, como no podia deixar de ser, so de modelos do tipo ideal, teis para a anlise. No correspondem
necessariamente, em todos os detalhes, a uma realidade contraditria, em que as pessoas podem defender
uma posio de esquerda em uma questo e ter uma opinio de direita em outro problema.
Obviamente, a distino esquerdo-direita tambm muito diferente da distino entre moderado e
extremista. H moderados e extremistas nos dois lados da divisria. Os extremistas so sempre autoritrios,
intolerantes e coletivistas, em geral propensos a fraude e violncia. Essas caractersticas no so monoplios
da esquerda ou da direita, mas sim marcas registradas dos dois extremos. Os extremistas no podem permitir
o desvio de ou a oposio ao seu ideal desejado quer seja igualitrio ou desigualitrio que a liberdade
individual acarretaria. E desejam impor seu ideal a todos os outros. Se no procurassem fazer isso, no
seriam considerados extremistas.
O sculo XX tem sido um sculo de extremos. O comunismo na esquerda e o fascismo na direita
partilham muitas caractersticas. Na teoria do totalitarismo, que readquiriu uma vida nova na dcada de
7 Para uma anlise recente e correta da igualdade como o critrio determinante para a distino esquerda-direita, ver Norberto
Bobbio, Left and Right: The Signiftcance of a Political Distinction, trad. para o ingls por Allan Cameron, Chicago: Uniyersityj
Chicago Press, 1996.
1990, so tratados como essencialmente iguais. Os ideais procurados, no entanto, so fundamentalmente
opostos. Os comunistas, em ltima anlise, queriam criar uma utopia igualitria que abrangesse o mundo
inteiro; os fascistas procuravam uma utopia baseada na igualdade natural e desejvel entre pessoas, naes e
raas. Os comunistas tendiam a atrair as pessoas que tinham alguma coisa a ganhar de uma igualdade maior
(da seu apelo para os trabalhadores carentes de bens), enquanto que o fascismo tendia a atrair mais as
pessoas que tinham alguma coisa a perder com a implementao rigorosa do princpio igualitrio (da seu
apelo desproporcional para as classes mdias, inclusive trabalhadores donos de propriedades). Em suas
polticas sociais, o comunismo vitimava os ricos, os bem-sucedidos e as classes mais altas, de uma forma
desproporcional; o fascismo vitimava os pobres, os "desajustados" e os que eram considerados raas
"inferiores", de uma forma desproporcional. Os defensores de cada sistema encaravam os adeptos do outro
sistema como seus piores inimigos, lutando contra eles com unhas e dentes.
Revolucionrio ou contra-revolucionrio?
Alguns leitores vo questionar o uso do termo "contra-revolucionrios" (em vez de simplesmente
"revolucionrios) para descrever os movimentos fascistas, inclusive o nazismo. A ligao com a tradio
conservadora europia continental (diferente do conservantismo em sociedades liberais, como Estados
Unidos e Inglaterra) , em minha opinio, crucial para uma compreenso do fascismo e da fora do fascismo
na Alemanha. Mas isso no significa que o fascismo, em particular sua variante alem (nazista), no tivesse
algumas caractersticas nitidamente anticonservadoras. Como deixo claro no Captulo l, essas caractersticas
podem ser mais bem compreendidas como uma radicalizao de mtodos, muitos dos quais adotados
deliberadamente das prticas do inimigo comunista (violncia, propaganda, terror, tcnicas de mobilizao
de massa, etc.). Os fascistas tomavam emprestadas tcnicas da esquerda para melhor combater a esquerda. A
distino esquerdo-direita, no entanto, definida por objetivos fundamentais, que no caso da esquerda
promover a igualdade, e pelo lado da direita impedi-la, em parte pela negao da existncia ou importncia
da desigualdade dentro do grupo racial ou nacional, ao mesmo tempo em que as questes da igualdade so
subordinadas ao objetivo mais importante da regenerao nacional.
Classificar o nazismo a variante mais radical do fascismo como um movimento revolucionrio faz
sentido em termos de seus mtodos, violentos e radicais, mas ofusca o fato de que os nacionais socialistas
usavam esses mtodos para prevenir o socialismo (a eliminao da propriedade particular nos meios de
produo), em vez de promov-lo (apesar do proposital uso enganador de "socialista" no nome do partido).
o motivo pelo qual prefiro o termo "contra-revolucionrio", porque alude ao objetivo fascista bsico de
evitar uma transformao total das relaes de propriedade, ao mesmo tempo em que reconhece a natureza
extremista do projeto fascista e a extenso da transformao que ocorreu sob os regimes de direita.
O Sonderweg alemo
No Captulo l, trato de questes que os estudiosos vm discutindo h dcadas: o que o fascismo;
ser o nazismo uma forma de modelo fascista, e como o fascismo (nazismo) relaciona-se com os outros
grandes movimentos polticos dos ltimos dois sculos? Duas outras questes tambm tm gerado muito
debate histrico: por que uma forma particularmente radical de fascismo subiu ao poder na Alemanha, e
como possvel que isso tenha ocorrido num pas com uma cultura to alta, com uma tecnologia avanada e
uma longa e orgulhosa tradio histrica? Analiso essas questes nos Captulos 2 a 5, que tratam dos
antecedentes histricos da unificao alem em 1871, os imprios bismarckiano e guilhermino, a ideologia
alem, e a Primeira Guerra Mundial.
Assim, voltando ao sculo XIX em busca de explicaes para a ascenso e triunfo do nazismo,
apio-me na chamada tese de Sonderweg8, a noo de que o desenvolvimento antidemocrtico da Alemanha
foi bem diferente dos modelos do resto da Europa Ocidental, e que essa diferena ajuda a explicar muitos
eventos posteriores, inclusive a Primeira Guerra Mundial e a suscetibilidade alem direita radical. Seus
crticos negam que o desenvolvimento alemo tenha sido muito diverso do modelo britnico ou que essas
8 Sonderweg - caminho especial.
diferenas possam explicar o triunfo do fascismo. As crticas ao Sonderweg alemo vm tanto da direita
quanto da esquerda. Na direita, os conservadores alemes esperam, ao negarem qualquer "desvio" no
desenvolvimento histrico, recuperar o passado pr-nazista da Alemanha, promovendo dessa forma o
orgulho nacional, to abalado pela dbcle nazista. Na esquerda, os historiadores britnicos, em particular,
rejeitam uma interpretao que, ao procurar as razes do nazismo apenas nas instituies "atrasadas" e na
ideologia do desvio na Alemanha, subestima o potencial para o fascismo em sociedades capitalistas liberais.9
Os Captulos 2 a 5 procuram explicar por que o conflito entre esquerda e direita foi to intenso na
Alemanha, e por que a direita demonstrou ser to forte. No uma tentativa de escrever uma histria ampla
da Alemanha no sculo XIX, dos imprios de Bismarck ou de Guilherme ou da Primeira Guerra Mundial.
De forma bastante consciente, focalizam os aspectos da histria alem que podem proporcionar indicaes
para a eventual ascenso e triunfo do nazismo. Isso no significa que eu acredito que a ascenso e o triunfo
do nazismo eram inevitveis ou o resultado obrigatrio do desenvolvimento histrico alemo. A histria
contingente e no tem conseqncias determinadas. H sempre muitos resultados possveis, em qualquer
momento determinado. Historiadores do sculo XIX protestaram, com toda razo, pelo tratamento da
Alemanha no sculo XIX como um mero estgio preliminar para a ascenso do nazismo. Escrever a histria
do sculo XIX apenas sob a perspectiva do triunfo posterior do nazismo no pode fazer justia
contingncia e complexidade dos eventos ocorridos. Mesmo assim, continuo a acreditar que o
desenvolvimento histrico da Alemanha oferece percepes que podem ajudar a entender e explicar a
experincia nazista. O reconhecimento de continuidades essencial para compreender a histria alem.
O passado do sculo XIX, claro, no pode oferecer qualquer coisa mais do que uma explicao
parcial para o triunfo do nazismo na dcada de 1930. Muito mais importantes foram os acontecimentos nos
anos entre as guerras, descritos nos Captulos 6 e 7. Sob esse aspecto, estou de pleno acordo com os crticos
do Sonderweg, que apontam a Revoluo Bolchevique na Rssia, a derrota na Guerra de 1914-18, os
conflitos polticos da Repblica de Weimar e a crise do capitalismo na Grande Depresso como muito mais
significativos para o triunfo do nazismo do que o precrio desenvolvimento poltico da Alemanha. De
qualquer forma, o desenvolvimento anterior da Alemanha no com certeza irrelevante para os eventos
catastrficos do sculo XX por isso que dedico tanto espao neste livro "pr-histria" do nazismo.
O debate da modernizao
Uma das questes mais discutidas na historiografia do nacional-socialismo se o regime nazista foi
um movimento antimoderno ou um movimento de modernizao. Esse debate se sobrepe em parte
controvrsia do Sonderweg, em que a modernidade alem no sculo XIX, em relao Europa Ocidental,
foi uma questo das mais discutidas.
Mas at mesmo os proponentes do "desenvolvimento aberrante" da Alemanha nunca negaram que a
economia alem era bastante eficiente, dinmica e avanada. Foi o fracasso da liberalizao poltica alem
em acompanhar o ritmo da liberalizao econmica que os defensores do Sonderweg consideraram a
diferena fundamental no desenvolvimento da Alemanha em comparao com Inglaterra, Frana ou Estados
Unidos.
Os proponentes do Sonderweg, que consideravam o fracasso alemo em adotar caractersticas
cruciais da modernidade, por exemplo, o liberalismo poltico e a democracia como a falha decisiva no
desenvolvimento nacional, tendiam a encarar o nazismo como a culminao lgica dessa rejeio
progressista. H muitas evidncias de antimodernidade na ideologia nazista de "sangue e solo", que
idealizava um estilo de vida agrrio com homogeneidade racial. Isso era ameaado pela urbanizao,
mobilidade social, industrializao, ascenso de um movimento trabalhista organizado e explorao
comercial insidiosamente atribuda influncia judaica. J no sculo XIX os polticos e publicistas da direita
radical conseguem seu maior apoio de grupos como os mestres artesos, enfrentando o declnio econmico
9 Para uma anlise recente do Sonderweg, ver Reinhard Khnl, "The German Sondenveg Reconsidered: Continuities and
Discontinuities in Modern German History", em Reinhard Alter e Peter Monteath, eds., Rewriting the German Past: History and
Identity in the New Germany, Atlantic Highlands, New Jersey: Humanities Press, 1997, pp. 115-28.
por causa do crescimento das grandes empresas. Os nazistas tambm atraram muito os angustiados da
"velha" Mittelstand10
, a classe em situao econmica difcil dos pequenos proprietrios (camponeses,
artistas, modestos comerciantes), que procuravam proteo contra a concorrncia das grandes empresas,
idealizando um passado em que formavam o principal grupo produtor.
Essa viso do nazismo como uma reao modernidade passou, no entanto, a sofrer uma
contestao, cada vez maior, de historiadores que apontam as bvias caractersticas modernas de um regime
que desenvolveu, nos estgios iniciais da Segunda Guerra Mundial, a mais formidvel fora militar do
mundo. Ningum pode duvidar da qualidade moderna e eficiente dos armamentos do Terceiro Reich,
inclusive sua tecnologia espacial pioneira. Mesmo assim, a rejeio nazista da "fsica judaica" pode ter
contribudo para o fracasso do desenvolvimento de armas nucleares (ver Captulo 9). Os nazistas tambm
procuraram aproveitar a mais avanada tecnologia de mdia, para propagar seus objetivos ideolgicos,
essencialmente arcaicos. Jeffrey Herf criou a noo de modernismo reacionrio para designar essa
combinao peculiar de caractersticas modernas e antimodernas no nacional-socialismo.
O debate da modernizao, como tantas outras controvrsias histricas, tambm tem implicaes
polticas. Durante a Guerra Fria, adeptos do modelo totalitarista descreveram o fascismo como uma
"ditadura desenvolvimentista", a fim de tornar mais plausvel a comparao com o comunismo. Um ataque
mais formidvel noo do nazismo como antimoderno foi desfechado nas dcadas de 1980 e 1990, sob a
influncia da desiluso ps-moderna com a exaltao da racionalidade humana pelo Iluminismo do sculo
XVIII. As promessas exageradas de progresso formuladas pelo Iluminismo provaram ser vazias, luz das
terrveis catstrofes do sculo XX. Segundo os crticos ps-modernos, os efeitos homogeneizadores do
racionalismo iluminista, com sua alegao de verdade universal e marginalizao inevitvel do "outro" no-
conformista, contriburam para a destrutividade do nazismo e o advento do Holocausto. Por essa
perspectiva, proposta de forma mais persuasiva pelo historiador alemo Detlev Pukert, o nazismo no foi
antimoderno tanto quanto foi a personificao das "patologias e distores da modernidade" e o resultado da
"crise da modernidade clssica".
Essa interpretao reala os aspectos tecnocrticos "modernos" do regime nazista e liga
sugestivamente o Holocausto e outras atrocidades nazistas a esquemas eugnicos "cientficos". Contudo,
subestima demais as caractersticas nitidamente antimodernas da Repblica de Weimar e da Alemanha
Nazista. Isso talvez seja demonstrado de forma mais expressiva pela difuso do antissemitismo, que est
ligado, em termos histricos, oposio aos efeitos sociais da modernizao. Embora seja importante
compreender a "lgica" do racismo e antissemitismo nazista, um exagero considervel defini-los como
expresses patolgicas do racionalismo iluminista e do moderno pensamento cientfico. No resta a menor
dvida de que o uso da razo a servio do poder tem sido um legado odioso e no intencional do
Iluminismo; muito mais fundamental, no entanto, so os valores progressistas da liberdade e igualdade a que
o Iluminismo deu origem. na oposio a esses valores "modernos" e progressistas, sem minha opinio,
que se devem procurar as razes do nacional-socialismo.
Ao apontar as caractersticas modernas do programa nazista, Peukert no tencionava absolutamente
oferecer razes atenuantes para os crimes nazistas. Se ele tinha algum motivo adicional, era o de advertir
contra a complacncia de presumir que as sociedades industriais modernas so imunes aos barbarismos,
convenientemente atribuveis a resqucios atvicos do passado (o que aconteceu com o nazismo, de forma
equivocada, na opinio de Peukert). As possibilidades de desculpas relacionadas com o debate da
modernizao, no entanto, no passaram despercebidas dos revisionistas conservadores alemes, que nas
dcadas de 1980 e 1990 deliberadamente realaram as caractersticas modernas do domnio nazista para
mostrar o regime pelo seu melhor lado.
Os deplorveis esforos para promover polticas conservadoras, "normalizando" a histria do
nazismo e "relativizando" os crimes nazistas, levaram chamada Historikerstreit, um furioso debate entre
historiadores alemes, que o assunto do Captulo 16.
10
Mittelstand refere-se a pequenas e mdias empresas em pases de lngua alem, especialmente na Alemanha , ustria e Sua .
A historizao do nacional-socialismo
Os revisionistas neoconservadores procuraram aproveitar uma necessidade geralmente percebida
pelo que veio a ser chamado, de forma um tanto canhestra, de "historizao" do nacional-socialismo. O
chamado para a "historizao" foi lanado pela primeira vez num artigo, citado com freqncia, do
historiador alemo Martin Broszat, em 1985. Broszat deplorava o fato de que os historiadores muitas vezes
deixavam de examinar o passado nazista com a mesma objetividade emprica e sobriedade com que
investigavam outros perodos histricos. A repulsa moral levava-os a encarar a experincia nazista como
uma histria parte, o que impedia seus esforos de compreender os processos histricos a longo prazo em
ao no Terceiro Reich.
Numerosos estudos regionais e locais, alm de monografias especializadas, revelaram as
complexidades e contradies do regime nacional socialista. Mas as anlises amplas do perodo continuaram
a sofrer uma tendncia para demonizar o regime nazista de uma maneira que obscurecia a posio do
perodo na histria alem, e pouco contribua para a explicao histrica. Longe de procurar reabilitar o
regime nazista ou atenuar a condenao moral de Hitler e suas coortes, Broszat esperava neutralizar o perigo
de que as denncias superficiais e estereotipadas se tornassem clichs vazios, sem fora moral ou contedo
histrico. Ele achava que apenas a reconstituio histrica autntica poderia aumentar nossa sensibilidade
para as implicaes e lies morais da era nazista.
Esse projeto tornou-se ainda mais urgente, ainda mais impregnado de armadilhas em potencial, na
esteira do movimento na Alemanha, comeando com o chamado Historikerstreit de 1986-87, visando
"normalizar" a experincia nazista e livr-la do estigma de criminalidade extraordinria. Esse revisionismo
est bastante vinculado ao historiador Ernst Nolte11
, cujo propsito confesso reinterpretar o nacional-
socialismo sob uma luz mais positiva. Se a estratgia tradicional dos conservadores alemes no ps-guerra
foi a de minimizar o nacional-socialismo como um acidente histrico, uma aberrao deplorvel, mas atpica
e marginal na continuidade da histria alem, a viso de Nolte representava um desvio novo e ousado do
constrangimento conservador anterior. Para Nolte, o nacional-socialismo era uma reao justificada, embora
excessivamente radical, ameaa maior do comunismo sovitico. O colapso do comunismo significava, para
Nolte, que pelo menos a "essncia racional" do nacional-socialismo fora justificada pela histria. O
nacional-socialismo era a nica alternativa racional ao comunismo, alegou ele, um movimento que precedia
o fascismo e o superava em sua inteno destrutiva. E em parte para neutralizar tal tipo de revisionismo
analisado em mais detalhes no Captulo 16 que este trabalho foi escrito. Procura combinar interpretao e
anlise do nazismo com uma narrativa razoavelmente completa dos eventos mais importantes do Terceiro
Reich e da Segunda Guerra Mundial. A maior parte do livro, os Captulos 8 a 14, trata dos anos de 1933 a
1945. Os dois ltimos captulos discorrem sobre as conseqncias do nazismo e o que os alemes chamam
de Vergangenheitsbewltigung, a tentativa de expiar ou absorver o passado nazista.
O principal propsito deste livro por o Terceiro Reich no contexto da histria alem, numa
estrutura de interpretao que faa com que os extraordinrios acontecimentos desse perodo se tornem
compreensveis para os no-especialistas, mas sem comprometer os padres rigorosos do estudo histrico.
Espero que ajude a proporcionar sentido a um passado em que a direita radical alem enlouqueceu. Espero
tambm que ajuda a prevenir novos episdios de predomnio da direita radical, em circunstncias diferentes
e em lugares diferentes, com todas as conseqncias destrutivas que isso acarretaria.
11
Dr. Ernst Nolte, professor emrito de Histria na renomada Universidade Livre de Berlim. Melhor conhecido por seu aclamado
estudo do fenmeno do fascismo - publicado em ingls como As Trs Faces do Fascismo - Nolte o autor de numerosos livros e
artigos acadmicos. Sem ser estranho controvrsia, foi o professor Nolte que provocou o debate intelectual furioso durante o
final dos anos 1980 sobre o legado de Hitler e do Nacional Socialismo Alemo, conhecido como a "controvrsia dos
historiadores", ou Historikerstreit.
1. Fascismo e a tradio conservadora
Ideologia fascista, eleitorado e condies para seu crescimento
O nacional-socialismo pode ser mais bem compreendido como uma forma radical e tipicamente
alem de fascismo, um movimento e uma ideologia que conquistaram milhes de adeptos em muitos pases
europeus na era das duas guerras mundiais do sculo XX. O termo "fascismo foi usado pela primeira vez no
incio de 19 3 9 pelo ex-socialista Benito Mussolini, que deixara o Partido Socialista italiano em protesto
contra sua poltica antiguerra, na Primeira Guerra Mundial. O nome derivava do "fasces", o feixe de varas e
um machado que simbolizava a unidade e poder do imprio Romano. Mussolini transformou seu Partido
Fascista Nacional numa organizao nacionalista militante, que atacava a "fraqueza" da democracia liberal.
Seu alvo principal, no entanto, era o movimento socialista internacional, revigorado e radicalizado pela
revoluo bolchevique na Rssia, ao final de 917. Movimentos similares ao Fascismo italiano surgiram por
toda a Europa nos anos subseqentes, em particular na Alemanha, Espanha, Portugal, Romnia, Hungria e
Crocia, mas tambm na Polnia, em outros pases da Europa Ocidental, e at nos Estados Unidos, onde as
idias fascistas, porm, nunca se tornaram predominantes. Como eram inevitveis, os movimentos fascistas
diferiam uns dos outros, porque cada um se dedicava ao renascimento de sua cultura nacional especfica.
Assim, os fascistas italianos evocavam a glria da antiga Roma, enquanto os nazistas alemes enalteciam o
esplendor do imprio Hohenstaufen medieval, alm do passado mtico das tribos nrdicas que primeiro se
instalaram no norte da Europa. Mas todos os movimentos fascistas partilhavam determinados mtodos,
convices e valores polticos, assim como inimigos comuns.
Antecedentes histricos
Embora o fascismo fosse um movimento do sculo XX, que se desenvolveu nas circunstncias
especficas da Europa depois da Primeira Guerra Mundial, suas razes podem ser encontradas no sculo
XIX. Para compreender o fascismo, importante examinar sua genealogia e antecedentes histricos. Podem
ser traados at a grande Revoluo Francesa, que comeou em 1789. Dessa extraordinria convulso
surgiram as trs principais ideologias polticas, que consideravam a Revoluo de maneiras diferentes, e
competiram pelo poder e domnio em pases europeus nos sculos XIX e XX. Essas ideologias, apesar de
no serem absolutamente monolticas ou inalterveis, podem ser designadas como conservadoras (ou
monarquistas), liberais e socialistas. A fora de cada ideologia diferia bastante de um pas para outro, assim
como sua unidade interna. Em alguns pases, as divergncias sobre prioridades polticas especficas levaram
formao de mais de um partido poltico dentro de cada setor ideolgico. Embora esses movimentos
ideolgicos e seus programas polticos mudassem ao longo do tempo (o que explica o fato de os termos
"conservador", "liberal" e "socialista" causarem tanta confuso hoje em dia), cada um aderia a certos
objetivos e valores fundamentais, que o punham em conflito com as outras duas ideologias.
Conservantismo monrquico
O termo "conservador" agora usado amide num sentido geral, para descrever um estilo poltico
cauteloso. O "conservantismo" como a designao para um amplia movimento ideolgico, na Europa
continental do sculo XIX, no entanto, significa mais do que apenas uma atitude cautelosa em relao
mudana poltica; representa uma doutrina poltica substantiva e um conjunto de valores que poucos
conservadores atuais partilham. Os conservadores europeus do sculoXIX consideravam a Revoluo
Francesa com averso e desdm. Na Frana, os conservadores procuravam reverter as mudanas acarretadas
pela Revoluo e restaurar o ancien regime (o sistema monrquico pr-revolucionrio). Em outros pases, os
conservadores procuravam preservar a ordem antiga contra a investida das idias revolucionrias. Os
conservadores eram favorveis a uma forte monarquia hereditria, privilgios aristocrticos (direitos
especiais para grupos de elite) e uma Igreja consolidada (isto , apoiada pelo estado). Acreditavam numa
ordem natural de desgnio divino de autoridade e subordinao. Desejavam um estado forte que moldasse o
carter e usasse a censura e a vigilncia para defender padres morais e religiosos intemporais. Ao contrrio
dos conservadores americanos e britnicos de hoje, que defendem uma economia de mercado livre, os
conservadores europeus continentais do sculo XIX preferiam uma economia organizada e regulamentada
para aumentar o poder estatal. Prezavam a unidade, autoridade, ordem, hierarquia, dever e disciplina, para o
que um monarca poderoso proporcionava as melhores garantias. O principal apoio para o conservantismo
monrquico vinha dos aristocratas e das elites sem ttulos, que se Beneficiavam ou esperavam se beneficiar
de seus papis num sistema monrquico. Mas o conservantismo tambm contava com o apoio de populaes rurais, desconfiadas de mudanas em prticas tradicionais ou de desafios aos costumes
estabelecidos.
Liberalismo
Os liberais, por outro lado, apoiavam o clamor dos revolucionrios franceses pela liberdade
individual e a imposio de limitaes ao poder arbitrrio do estado monrquico. Em termos histricos, o
liberalismo definido por trs grandes compromissos: o compromisso com as liberdades civis ou direitos
humanos, inclusive a liberdade de expresso, liberdade da imprensa e liberdade de culto; compromisso com
uma forma de governo constitucional & representativa (o que acarretava uma separao de poderes e um
legislativo eleito); e compromisso com a propriedade particular e a livre atividade econmica. A Inglaterra
desenvolveu um sistema liberal depois da derrota do absolutismo Stuart no final do sculo XVII. Os Estados
Unidos jamais conheceram qualquer outro sistema (um dos motivos pelos quais muitos americanos tem
dificuldade para compreender o conservantismo monrquico europeu e o sistema de privilgio aristocrtico).
Na Frana, as instituies liberais s surgiram depois da Revoluo. Na Alemanha, o movimento liberal foi
muito mais fraco. com isso, o conservantismo monrquico era mais forte do que no resto da Europa
Ocidental, por motivos que sero examinados com mais detalhes no Captulo 2.
At mesmo na Frana, a luta dos liberais contra a monarquia absoluta no foi definitivamente
acertada na grande Revoluo, j que os conservadores tentaram salvar e restaurar tanto do sistema
absolutista quanto parecia vivel nas diferentes condies ps-revolucionrias. A restaurao conservadora
depois da derrubada de Napoleo, em 1815, prolongou a luta pelo sculo XIX, levando s renovadas
erupes revolucionrias em 1830 e 1848. O liberalismo definia-se originalmente por sua oposio ao
arrogante estado monrquico, que levara John Locke a enunciar seu famoso princpio liberal: "O melhor
governo aquele que governa menos". Para os primeiros liberais, a funo exclusiva do estado era a
proteo da vida, liberdade e propriedade (ou, nas palavras de Thomas Jefferson, "a busca da felicidade").
Os liberais defendiam os direitos individuais, um estado secular (no-religioso), igualdade de oportunidades
para todos os cidados e igualdade perante a lei. Procuravam substituir o sistema absolutista de privilgios
baseado no nascimento por um sistema de oportunidade baseado no talento ou mrito. Acreditavam na
possibilidade do progresso mais do que isso, em sua inevitabilidade tanto social quanto tecnolgico, atravs
do uso da razo humana. O liberalismo extraa seu principal apoio da classe mdia em ascenso, formada
pelos pequenos negociantes e profissionais especializados (abourgeoisie), em suma, pessoas de nascimento
"comum", mas muitas vezes com uma grande riqueza e propriedades considerveis, que se irritavam com a
falta de liberdade e representao poltica nas monarquias absolutistas.
Socialismo
Em meados e para o final do sculo XIX, medida que o progresso da industrializao levava ao
rpido crescimento de uma nova classe trabalhadora industrial, muitos autoconsiderados liberais passaram a
ver o socialismo e a extenso dos direitos democrticos s classes trabalhadoras como urna ameaa maior a
seus interesses do que o absolutismo monrquico enfraquecido. O movimento socialista foi a terceira grande
ideologia do sculo XIX. Suas origens modernas podem ser localizadas na fase radical da Revoluo
Francesa. Para os socialistas, a igualdade, ainda mais do que a liberdade, tornou-se o ideal revolucionrio
predominante. Foi em parte como uma reao s presses socialistas que muitos pases, inclusive os Estados
Unidos, acabaram promovendo mudanas que transformaram liberdade de livre mercado no sistema liberal
moderno, s vezes conhecido como "estado do bem-estar social" (um dos motivos pelos quais o termo
"liberal" est hoje associado, nos Estados Unidos, ao apoio ao estado de bem-estar social, enquanto os
partidrios dos princpios de livre mercado do sculo XIX so em geral