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6. As professoras de Classes de Aceleração e a
coordenadora pedagógica da Escola II
A Escola II está localizada em um bairro de periferia, porém mais
próxima ao centro da cidade do que a Escola I. É um edifício pequeno, de dois
andares e bem conservado.
Desde sua inauguração, a escola destinou-se à educação básica,
atendendo a uma clientela oriunda de famílias das classes economicamente
menos favorecidas.
O corpo docente é pequeno e composto, em sua grande maioria, por
professores efetivos.
O projeto pedagógico da escola ambiciona uma maior participação
da comunidade nas atividades escolares, através do envolvimento dos pais no
vida escolar dos filhos; tem como um de seus maiores objetivos, além da
melhoria da qualidade de ensino, a diminuição da agressividade e violência
entre os alunos.
A opção em implementar as Classes de Aceleração na Escola II
deu-se em razão da existência de um número razoável de alunos com
defasagem idade/série. O projeto de Aceleração iniciou-se no ano de 1997,
permanecendo ainda nos anos de 1998 e 1999.
6.1. As Classes de Aceleração na ótica das professoras
Os dados que serão descritos e analisados, a seguir, dizem respeito
às respostas dadas na entrevistas realizadas com as professoras das Classes de
Aceleração da Escola II: Elaine, Fernanda, Graça e Heloísa.
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6.1.1. Trajetória acadêmica e profissional das professoras
A professora Elaine cursou a Habilitação Específica para o
Magistério; posteriormente, cursou a faculdade de Pedagogia durante três
semestres em uma instituição privada de ensino superior e, na época da
pesquisa, cursava o curso de Ciências Sociais em uma universidade pública
federal. É docente há mais de 10 anos; trabalhou por vários anos no ensino pré
- escolar municipal, posteriormente efetivando-se no ensino público estadual,
onde trabalhou por dois anos no que denominou de uma “classe especial”, na
qual eram alocados alunos com problemas de aprendizagem e defasagem
idade/série.
A professora Fernanda é formada na Habilitação Específica para o
Magistério e cursava, na época da entrevista, o último semestre do curso de
Pedagogia, na mesma instituição privada de ensino superior cursada pela
professora Elaine. O seu tempo de experiência docente é superior a 10 anos.
Iniciou a carreira como professora do ensino pré - escolar, onde atuou por seis
anos; logo em seguida, efetivou-se no ensino público estadual, onde lecionou
em escolas da zona rural por dois anos, passando depois pela 1a e 2a série do
Ensino Fundamental. Durante o ano de 1997, atuou como coordenadora
pedagógica na Escola II.
A professora Graça, também formada na Habilitação Específica
para o Magistério, possui especialização em Educação Especial. É docente na
rede pública há mais de 20 anos. Trabalhou no Ensino Fundamental em classes
de 1a à 4a séries, além de lecionar na rede municipal de Educação Infantil e na
Associação de Pais e Amigos do Excepcional (APAE).
Heloísa é professora há 12 anos, com formação na Habilitação
Específica para o Magistério. Trabalhou com salas de reforço em escolas da
zona rural, até chegar às Classes de Aceleração.
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As professoras Elaine e Fernanda são efetivas em suas funções na
Escola II, enquanto que as professoras Graça e Heloísa são professoras ACT
(Admitidas em Caráter Temporário).
Todas as professoras possuem das Classe de Aceleração da Escola
II possuem, de alguma maneira, experiência docente junto a crianças com
histórico de fracasso escolar: a professora Elaine foi professora de uma classe
composta de vários alunos multirrepetentes; Fernanda atuou como
coordenadora no ano de implementação das Classes de Aceleração; Graça, em
salas de aula da APAE; Heloísa, em aulas de reforço escolar.
6.1.2. Ingresso e atuação nas Classes de Aceleração
No tocante à opção pelas Classes de Aceleração, das quatro
professoras da Escola II, duas delas, as professoras Elaine e Fernanda,
ofereceram-se espontaneamente para atuar nas Classes de Aceleração.
A professora Elaine revelou que já vinha realizando um trabalho
pedagógico de base construtivista e que, a partir da divulgação do projeto
dentro da escola e de sua própria avaliação do material, acabou se interessando
em participar das Classes de Aceleração:
“O ano passado trabalhei com CB (1997), fora da linha dos
outros professores, porque já trabalhava diferente, trabalhava
com Construtivismo. Depois de muita divulgação na escola,
principalmente pela Fernanda e pelos outros professores, e ao
dar uma olhada no material da Aceleração, me interessei pela
sala e, espontaneamente, falei que escolhia a Classe de
Aceleração.”
Fernanda colocou que, desde a época em que era coordenadora
pedagógica, sentia-se motivada para atuar em uma Classe de Aceleração.
Assim, a despeito de sua boa colocação na classificação para atribuição de
aulas (o que possibilitaria que ela escolhesse as melhores classes do ensino
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regular), resolveu optar pela Aceleração, o que chocou a todos, especialmente
à diretora da Escola II:
“Desde quando era coordenadora participava de todos os
encontros de capacitação, então houve muitas reuniões tanto
com professor como só com coordenador, regional, bastante
capacitadoras do CENPEC vinham para cá, fui pegando amor
pela Classe de Aceleração. Fiquei bem colocada na escola em
pontuação e poderia ter escolhido qualquer sala, e aí tem a fala
da diretora que diz assim: “curiosamente, a Fernanda quer uma
Classe de Aceleração...” Ninguém entendeu porque ninguém
quer e eu queria, então foi escolha minha mesmo, eu quis a
Classe de Aceleração. Eles procuravam escolher o professor
que tivesse jeitinho, que já trabalhava mais ou menos nessa
linha.”
Já as professora Heloísa e Graça optaram pelas Classes de
Aceleração pela falta de outras classes a serem escolhidas no processo de
atribuição. Mesmo assim, mostraram-se satisfeitas com a sua opção e
experiência nessas classes:
“Estou na Aceleração, acho gratificante, o material para ser
trabalhado é muito rico e o professor se enriquece muito
através desse material. Optei pela Aceleração porque quando
chegou na minha vez (ACT) só tinham essas classes.”
(professora Graça)
“Estou na Aceleração II, é o primeiro ano que trabalho (1998),
estou gostando muito, é um projeto muito gratificante.”
(professora Heloísa)
Em sua avaliação sobre a turma atual, a professora Elaine levantou a
questão da continuidade do processo ensino - aprendizagem dos alunos das
Classes de Aceleração e o posterior reingresso nas séries regulares:
“A minha classe tem alunos bons, tem dois alunos que eu vou
até mandar para a 5a série... Minha classe está ótima, sendo que
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eu tenho três alunos que não estão alfabetizados, mas se eu
colocar como eles chegaram e como eles estão agora, em
termos de indivíduo, como cresceram, como progrediram...
Não conseguiram atingir a alfabetização, mas eu tenho certeza
que mais um ano com um professor a nível nosso.
Recuperamos a auto - estima dos alunos, todas nós
conseguimos. Resolvemos os problemas de indisciplina, mas
têm alunos com problemas que não estão na alçada dos
professores, que fogem do trabalho do professor.”
Elaine demonstrou uma grande segurança com relação à
recuperação da auto - estima da turma, explicitando a importância dada a essa
parte das atribuições dos professores de Classes de Aceleração. Trouxe à tona,
novamente, o fato de que muitos alunos com problemas que não considera
como, simplesmente, “problemas de aprendizagem” , não puderam ser
ajudados pelo projeto de Aceleração e acredita que esses alunos mereceriam
um tratamento especializado.
A professora Fernanda fez uma avaliação detalhada da situação
acadêmica de seus alunos:
“Não era uma classe com muita defasagem série/idade, era uma
classe com problemas de disciplina, mas alunos bons de
aprendizagem e alunos novos, que foram jogados lá por
problemas de indisciplina e que deviam estar indo para a 5a
série agora. Tirando isso, a maioria das crianças não era
alfabetizada, uns cinco alunos vieram pré - silábicos e desses
alunos aqueles que freqüentaram, 50% deles tiveram um
grande avanço. Dos alunos que vieram com problemas de
aprendizagem, 50% tiveram um avanço fora de série; dos
outros 50% não acompanharam por causa de faltas e alguns
que eu não consigo explicar, que não faltavam, e não saíram do
jeito que eu esperava. Hoje, da classe de 25 alunos, 15 estão
com autonomia total, vão para a 5a série e vão se virar muito
bem. Têm uns cinco alunos que têm habilidades em alguma
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coisa, ou matemática ou português, e vão para a 5a série, mas
podem ter problemas em algumas disciplinas. Um aluno que
veio pré - silábico, mas está alfabetizado com erros de
ortografia apenas. Uns cinco alunos serão reprovados por
freqüência...”
É interessante a sua colocação sobre alguns alunos que não
conseguiram sucesso por motivos que ela “não sabe explicar” e que não se
saíram da maneira como ela esperava.
Posicionou-se criticamente quando afirmou que alguns alunos
foram “jogados” na Classe de Aceleração, supostamente por apresentarem
problemas de disciplina, o que parece ser a denúncia de uma das conseqüências
mais contundentes do fracasso escolar: a discriminação e a exclusão de alunos
que fogem do padrão de conduta idealizado pela escola.
Assim, o comentário da professora leva à reflexão sobre o fato de
que as políticas e projetos implementados com o objetivo de reintegrar alunos
ao fluxo regular acabam sendo utilizados como oportunidades para se criarem
“depósitos” de alunos, o que pode gerar um efeito contrário ao esperado, ou
seja, evidenciar, ainda mais, a segregação.
Uma das razões para essa prática pode relacionar-se ao extremo
enraizamento do processo de exclusão na cultura escolar, o qual impede que as
ações de reintegração previstas pelas propostas de aceleração sejam realizadas
em paralelo às práticas escolares cotidianas (SOUSA, 1999).
As professoras Graça e Heloísa foram bastante sintéticas em suas
colocações, inclusive na avaliação de sua turma:
“Não sabiam escrever, tinham dificuldades ortográficas, com
erros... Uns alunos que tinham algum conhecimento, mas a
maioria... Hoje a minha classe está ótima.” (professora Graça)
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A falta de assiduidade de alguns alunos foi ressaltada pela
professora Heloísa, como um dos fatores prejudiciais ao aproveitamento dos
alunos:
“A minha classe está ótima, quando a recebi estava com
problemas de disciplina.... Os alunos que até agora eu não
consegui fazer com que eles acompanhassem os outros, falta, é
a freqüência. É uma pena, são alunos que teriam condições,
mas infreqüentes...”
Diante do pedido para que relatassem casos de sucesso ou de
fracasso de alunos, somente as professoras Elaine e Fernanda optaram por
relatar casos de sucesso.
Elaine relata o caso de um aluno que a procurou para confidenciar-
lhe o seu contentamento com a experiência na Classe de Aceleração e,
principalmente, algo muito importante que descobriu a seu próprio respeito:
“Um aluno meu, tem 12 anos, é o maior que eu tenho, alguns
dias atrás ele disse: ‘professora (ele vem lá do Ceará, fala tudo
arrastado) lembra quando eu ficava ali no cantinho, no começo
do ano e eu não queria sentar junto com ninguém e a hora que
todo mundo mexia a boca, eu também mexia?”. Eu perguntei:
“o que você quer dizer com isso?”, ele respondeu: “eu morria
de vergonha porque eu não sabia ler e eu não aceitava isso. Se
não fosse a senhora insistir tanto... Agora eu sinto o maior
orgulho de mim mesmo, porque agora, sim, eu sou gente.
Agora eu sou gente...”
A história da aluna bem - sucedida N., escolhida pela professora
Fernanda, é tão envolvente quanto o que foi relatado acima pela professora
Elaine:
“A N. era um bichinho no começo do ano, uma moça
envergonhada, não falava com a professora, não levantava da sua
carteira... E aí ela começou a se expressar oralmente e ter atitudes
de levantar e chamar a atenção do grupo: “olha, a caixa de lápis de
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cor está aqui, parem de brigar por causa da caixa de lápis de cor
que eu trouxe para todo mundo”... Isso ela não fazia, de querer
levantar e fazer alguma atividade na lousa, de se expressar ou então
corrigir a professora, de brincadeira, quando eu falava ‘olha só,
agora volta aqui, vamos voltar’, alguma coisa que eu abria espaço
para falar de outros assuntos: ‘então volta aqui no nosso assunto’,
então ela brincava, ‘já estamos aqui na sala de aula, professora’. Os
alunos falavam ‘nossa professora, a N., o ano passado, não abria a
boca!’, então isso ela conseguiu e ela está alfabetizada, uma
gracinha, comentei até na reunião de pais, a mãe também
reconheceu isso... N. vai fazer 13 anos e vai para a 5a série!”
O fato das duas professoras da Escola II terem optado em relatar
somente casos de sucesso de alunos (ao contrário da Escola I, onde a escolha
predominante foi o relato de histórias de fracasso) leva à consideração de que
essas professoras parecem ter adotado uma postura a favor do sucesso, que se
reflete não só na escolha pelos casos de sucesso, mas principalmente pelo
desenvolvimento que uma prática que favorece o ensino e a aprendizagem bem
- sucedidos.
Quanto aos medos apresentados pelos alunos, a professora Fernanda
relatou que o maior receio de um de seus alunos era “passar de ano”. Para ela,
o fato de ser aprovado nas Classes de Aceleração significaria ter que lidar com
aquilo que poderia acontecer nas séries subseqüentes:
“Em um dos projetos, o tema era o medo e eu trabalhei o medo
com os alunos... A maioria falou medo de trovão, medo disso,
medo daquilo. Depois eu falei sobre a sala de aula: qual era o
medo? Medo da professora me chamar na lousa, medo da
professora ficar brava, medo disso, medo daquilo e aí um aluno
falou ‘eu tenho medo de passar de ano’... ‘Medo de passar...!?’
‘É, já pensou ir para a 5a série, um monte de professores, será
que eu vou conseguir acompanhar?’ Esse é o medo deles...”
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Pode-se argumentar que o medo de avançar para outra série é
comum a muitos alunos, sejam ou não pertencentes às Classes de Aceleração.
Pode-se, inclusive, compreendê-lo como o medo do desconhecido, do novo ou
como o medo que sentimos ao ter que abandonar um lugar acolhedor, onde nos
sentimos protegidos e amados.
Porém, no caso de crianças que fracassaram várias vezes em suas
trajetórias escolares, o medo que mais aterroriza está muito possivelmente
relacionado ao medo de fracassar novamente.
Nessa direção, a professora Elaine expressou a sua preocupação
com as dificuldades dos alunos no momento em que retornassem às classes
regulares, afirmando que gostaria de mantê-los sempre consigo, o que
demostra a sua atitude maternal e protetora com relação aos alunos:
“Eles ficavam isolados num canto da classe, eram maltratados
pelos outros professores... eu tenho pena também, se eu
pudesse ficavam todos comigo, colocava debaixo da asa, como
uma pata cheia de patinhos...”
Segundo a professora Elaine, os professores das outras classes
costumam associar à sua atitude protetora o suposto “paternalismo” a que os
alunos das Classes de Aceleração estariam sendo submetidos durante o tempo
em que permanecem no projeto e consideram, ainda, que essa atitude
“superprotetora” em nada contribuiria para a adaptação dos alunos no
momento em retornassem ao “mundo real” das salas de aula regulares.
No entanto, apesar da suposta tendência ao paternalismo, considera-
se que a relação que essa professora estabeleceu com seus alunos além de ser
coerente com a Proposta Pedagógica Curricular das Classes de Aceleração,
também pode ser considerada mais propícia ao desenvolvimento emocional e à
aprendizagem do que uma postura distante e autoritária por parte do professor.
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6.1.3. Avaliação do processo de capacitação docente
As professoras da Escola II fizeram uma avaliação bastante positiva
do processo de capacitação docente a que foram submetidas, no decorrer de
sua trajetória no projeto de Aceleração.
A professora Fernanda destacou, em suas colocações sobre as
capacitações, características que parecem ser muito peculiares a esse processo,
como também às próprias capacitadoras: a qualidade e o dinamismo.
“É excelente, tudo o que aprendi nesses dois anos não tinha
aprendido nos outros oito anos em que tinha trabalhado. São
cinco vezes ao ano, três dias por bimestre, cada módulo que
chega vem a capacitação de três dias para trabalhar aquele
módulo. Mas não fica fixa apenas no módulo. Se o conteúdo é
trabalhar com texto, a capacitadora vai trabalhar mil coisas
sobre português, a capacitadora dá, dentro daquele conteúdo,
várias maneiras de trabalhar o conteúdo e a professora vai estar
ligando para depois poder trabalhar. É como se fosse uma
especialização. Elas dão uma força para quando a professora
for dar aquela atividade já ter uma bagagem e a capacitadora
trabalha também com teóricos. Já trabalharam Vygotsky,
Piaget, elas pegam aquele tipo de atividade que está ali e vão
relacionado com a parte teórica... Quanto à capacitação ser
suficiente para trabalhar na prática, acho que ajuda, mas que
não dá para sair de lá e trabalhar sozinha. O que acontece é que
a professora sempre sai de lá com um pouco de dúvida, mas
dentro da própria escola eu tiro as dúvidas, entre os
professores, sentamos lá, os professores de Aceleração e
tentamos tirar as dúvidas...”
Para essa professora17 foi possível, por meio das capacitações,
compreender-se as relações entre teoria e prática. Também foi possível
perceber-se que a tradução do conteúdo da Proposta Pedagógica Curricular das
17 É interessante relembrar que a professora Fernanda passou duas vezes pelo processo de capacitação: a primeira, como coordenadora pedagógica da Escola II e, a segunda, como professora de Classe de Aceleração.
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Classes de Aceleração para a prática docente implicava, necessariamente, em
um processo de reelaboração da teoria para a prática.
É possível afirmar que um dos mecanismos mais utilizados pelas
professoras das Classes de Aceleração para uma reelaboração eficiente da
teoria para a prática, e da prática para a teoria, foi a colaboração entre os pares.
A avaliação do processo de capacitação feita pela professora
Fernanda diverge daquela feita pela professora Ana, da Escola I, que criticou
abertamente a mesma capacitação, por achar que não houve entrosamento entre
conteúdos teóricos e a prática, além de não ter considerado a interação entre os
pares como estratégia para a retirada de dúvidas no cotidiano escolar.
A professora Elaine, apesar de avaliar positivamente a capacitação,
fez críticas quanto à necessidade de dedicação exclusiva exigida das
professoras para que pudessem participar de todas as etapas do processo de
capacitação, sem que houvesse uma compensação salarial para aqueles que
possuíam outros vínculos empregatícios além do vínculo com o Estado e que
acabavam por ter que se ausentar do outro trabalho para poderem assistir a
todos os encontros:
“Acho que em termos de capacitação é ótima, muito boa, mas
as capacitações são longas, ficamos muito ausentes; em termos
da proposta curricular, do trabalho, do material oferecido não
se tem do que reclamar. Acho que a capacitação é suficiente
para trabalhar no projeto, eles (os coordenadores do projeto)
dão preferência para os professores que trabalham
exclusivamente para o Estado, mas tem a parte financeira,
deveria haver uma diferença salarial por causa dessas
capacitações, porque temos que deixar o outro emprego para
participar da capacitação. Ganha-se a mesma coisa (...)
permanecemos três dias, por oito horas na delegacia de ensino
e não temos nenhuma ajuda de custo.”
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Em muitos momentos da avaliação das capacitações, as professoras
da Escola II se referiram às “maravilhosas” dinâmicas de grupo realizadas nos
encontros e o quanto essas dinâmicas as tocaram emocionalmente, levando-as
a refletir sobre as suas atitudes frente ao processo de avaliação da
aprendizagem e as suas concepções sobre discriminação e rotulação de alunos
dentro de sala de aula, o que, aparentemente, não foi percebido pelas
professoras da Escola I.
A seguir, são analisadas duas dinâmicas citadas pelas professoras e
avaliadas o impacto das mesmas, pelos seus depoimentos e pela análise dos
dados coletados na aplicação de uma dessas dinâmicas, por parte da
pesquisadora, junto a um grupo de professoras que participava de um curso de
extensão sobre fracasso escolar.
A primeira dinâmica tratava da questão da avaliação e era iniciada
quando a capacitadora colocava uma cadeira no centro da sala e pedia que cada
uma das professoras a desenhasse, a partir do ângulo que a estivessem vendo.
Logicamente, cada professora acabava por desenhar uma cadeira diferente.
A professora Elaine explica o processo:
“Nós fizemos uma capacitação, a última que nós fizemos, a
ATP colocou uma cadeira no meio da sala e disse assim "agora
cada um desenha a cadeira do ângulo que está vendo"; todo
mundo desenhou, caprichou, detalhou do ângulo que estava
vendo. A hora que todo mundo terminou ela fez... “É assim que
vocês avaliam o aluno.”
O objetivo dessa dinâmica era mostrar como a avaliação do
desempenho de um aluno não pode ser feita de maneira padronizada e,
principalmente, utilizando-se apenas um tipo de instrumento de avaliação em
um momento específico do processo ensino - aprendizagem.
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A segunda dinâmica, chamada pelas professoras de “dinâmica dos
rótulos”, constou do processo de capacitação de professores de Classes de
Aceleração como estratégia para iniciar a discussão sobre o uso de rótulos na
sala de aula e as influências que o uso desses rótulos pode ter sobre o
comportamento dos alunos.
A capacitadora pedia para que oito professoras se apresentassem
voluntariamente para a realização de uma dinâmica. Era colocada, na cabeça
de cada uma delas, uma tira de papel onde estava escrito uma frase. Assim,
uma participante podia ler o que está escrito na tira de papel colocada na fronte
da outra professora, mas cada participante não sabia o que estava escrito em si
mesmo. Em uma das participantes era colocada uma tira de papel em branco.
As frases escritas nas tiras eram:
1. sou lenta: não me espere;
2. sou líder: siga-me;
3. sou muito poderosa: siga-me;
4. sou mentirosa: desconfie;
5. sou pouco inteligente: ignore-me;
6. sou engraçada: ria;
7. sou criativa: ouça-me;
8. (em branco)
As participantes recebiam as seguintes recomendações: realizariam
uma atividade qualquer (programar uma festa, montar uma exposição) e
deveriam relacionar-se segundo as instruções escritas nas tiras de papel. Cada
uma deveria prestar atenção ao tratamento que dispensaria a cada colega, no
tratamento que estaria recebendo e, principalmente, naquilo que estaria
sentindo. Os não participantes atuariam como Grupo de Observação e as suas
anotações seriam utilizadas posteriormente, na análise da dinâmica.
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Como foi dito anteriormente, houve a oportunidade de se aplicar
essa mesma dinâmica junto a um grupo de professoras que estava participando
de um curso de extensão sobre fracasso escolar. Seguiu-se exatamente o
mesmo procedimento utilizado pelas capacitadoras da Diretoria Regional de
Ensino. A atividade escolhida para contextualizar a dinâmica foi a preparação
de uma festa de comemoração dos 500 anos do Brasil.
A dinâmica e os resultados observados foram muito interessantes.
Foi possível perceber que as participantes “entravam” em seus personagens de
tal forma, que uma delas, a que ficou com o rótulo “em branco”, chegou a se
sentir mal durante a dinâmica. Segundo ela, durante a dinâmica sentiu-se tão
rejeitada pelas colegas (que nem a encaravam, pois ela era o “zero à esquerda”
do grupo), que acabou desistindo de tentar participar da atividade.
Uma outra professora, que recebeu o rótulo “sou pouco inteligente:
ignore-me” tentou participar da atividade, sendo constantemente colocada de
lado pelas colegas. Segundo ela, não contente com a falta de atenção por parte
das colegas passou a “fazer bagunça”, batendo as mãos nas cadeiras e falando
alto.
A professora que recebeu o rótulo “sou líder: siga-me” realmente
passou a ser o ponto de referência para a realização da festa de comemoração
dos 500 anos e, segundo ela, a partir de um determinado momento, passou a se
cansar de atuar como liderança, tentando delegar o papel para as outras
colegas, que não o aceitavam.
Segundo as professoras que participaram da dinâmica dos rótulos, o
impacto da experiência de terem sido rotuladas e do seu comportamento ter
sido avaliado a partir desses rótulos, foi muito importante para que elas
conseguissem compreender determinadas atitudes de seus alunos e de si
mesmas enquanto educadoras.
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A reação das professoras das Classes de Aceleração, segundo o
depoimento da professora Fernanda, parece ter sido a mesma das professoras
que participaram da experiência realizada pela pesquisadora.
A seguir, a professora Elaine, descreve a forma como a dinâmica foi
aplicada em sua capacitação, fala sobre as suas reações e sentimentos, assim
como a de algumas colegas, no decorrer do processo:
“A capacitadora fez uma atividade em que colocou oito
professores em círculo e os outros observando, e disse: “agora
vocês vão se imaginar como crianças que vão discutir a festa
de encerramento, só que cada um vai receber um
chapeuzinho”, e no caso a pessoa não sabia o que estava escrito
no seu chapeuzinho, só lia o dos outros, então um era o
mentiroso, o outro chapeuzinho não tinha nada escrito, o outro
era o lentinho, o outro era o líder, o outro era o poderoso, o
outro era o ignorante, o outro era burro, e a gente tratava os
professores, os nossos colegas se referindo àquele rótulo que
ele tinha aqui na frente... Eu era a “líder”, então pediam pra eu
falar, “fala, fala, fala”. Eu pensei “que será que é isso na minha
cabeça?”, então eu sabia que eu tinha que tomar as rédeas, mas
eu fiquei constrangida, porque eu estava com medo do que eles
estavam achando de mim. Aí foi pedido o depoimento de todos
como se achou, então tem uns que aceitaram, aquela moça que
estava com nada ela aceitou que ela não era nada...”
E compara a sua experiência vivida na dinâmica com a situação dos
alunos de Classes de Aceleração:
“Os alunos dessas classes já vêm rotulados e se você não
souber tirar esse rótulo, manipular esse ‘chapeuzinho’, aí não
tem trabalho que funcione. Então, nada melhor do que sentir...”
O uso de estratégias como as dinâmicas descritas acima, podem ser bons
instrumentos para auxiliar o processo de reflexão do professor sobre a sua
postura diante do processo ensino - aprendizagem, assim como possibilitar
161
uma oportunidade para que o professor se coloque (ou seja colocado) no lugar
do “outro”, no caso, o seu aluno.
6.1.4. Avaliação do projeto Classes de Aceleração
Todas as professoras da Escola II aprovaram, entusiasticamente, as
Classes de Aceleração, qualificando-as como “ótima”, “excelentes” e
“maravilhosas”.
A professora Elaine, além de aprovar o projeto das Classes de
Aceleração, acredita que ele foi bem - sucedido, especialmente no que diz
respeito à formação do espírito crítico e resgate da auto - estima do aluno.
Entretanto, apontou aquilo que, na sua opinião, considera o grande
obstáculo ao sucesso do projeto como um todo: a continuidade do processo
ensino - aprendizagem e a socialização dos alunos egressos das Classes de
Aceleração após a retomada do fluxo regular. Segundo ela, o problema da
continuidade ocorreria pelo fato do aluno ter que voltar para uma cultura
escolar centrada na transmissão de conhecimentos e num padrão de
relacionamento professor - aluno característico do ensino tradicional, no qual o
professor mantém-se distante dos alunos.
“A proposta é boa, excelente... Dá oportunidade mesmo, os
alunos são críticos, se era esse o objetivo pode ter certeza que
esses alunos falam e resgata a auto - estima... Era esse o
objetivo da Classe de Aceleração, além dessa defasagem,
recuperar a auto - estima... Só que aí está o grande problema da
Classe de Aceleração: a continuidade... eu procurei fazer o
contato com o pessoal que foi para a 5a série no ano passado,
50% se evadiram, não continuaram os estudos... os poucos que
estão lá, estão com o rendimento insatisfatório... porque não
tem interação professor - aluno de 5a série em diante... Caem
numa série tradicional de novo.” (professora Elaine)
162
Na mesma direção, a professora Fernanda, apesar de avaliar muito
bem o projeto, referiu-se ao medo e à insegurança que os alunos das Classes de
Aceleração apresentavam diante do inevitável retorno às classes regulares.
Revelou que, ao final do ano, se esforçava para que os alunos não perdessem a
autoconfiança e a auto - estima conquistada:
“Tentei devolver a auto - estima e alguns eu sinto que têm
insegurança, têm medo de chegar na 4a série e enfrentar
problemas que já enfrentaram... Acreditam que podem ler,
escrever, acompanhar os outros... A proposta está falando para
a gente, agora no final do ano, não desistir, o pessoal que passa
a capacitação dá tanto estímulo para a gente que a gente chega
na sala de aula.... Isso passa, a gente sente segurança e essa
segurança a gente passa para eles, que ainda não é hora de
desistir, até o último dia de aula a gente vai estar tentando...”
A professora Fernanda faz uma avaliação das suas dificuldades em
atuar de acordo com o projeto Classes de Aceleração, referindo-se
especificamente às suas dificuldades em administrar o tempo necessário para a
preparação da aulas, assim como o cuidado em não utilizar o material das
Classes de Aceleração como um “guia didático”:
“Tempo insuficiente... porque é bastante coisa para você estar
trabalhando e você precisava ter tempo para estar preparando
aula, porque não vem nada pronto, você tem que estar
buscando alguma coisa, senão você acaba usando aquilo ali
como um livro didático...”
Segundo a professora Fernanda, o Livro do Professor não pode ser
considerado uma “camisa - de - força”, mas sim um guia metodológico e uma
fonte de subsídios e de pistas para se trabalhar o conteúdo. Ela não se sentiu
limitada pelo material, chegando, até mesmo, a acrescentar a um tópico do
163
conteúdo de Ciências (“Ciclo da Água”), dados de um projeto no qual vinha
atuando, com o objetivo de enriquecer e aprofundar o assunto em questão:
“O Livro do Professor ele só está te dando uma ajuda, “olha,
com essa atividade, o objetivo dessa atividade é tal coisa,
procura o seu aluno fazer em grupo” Ele dá sugestões
metodológicas, pistas para você estar trabalhando e mostra o
porquê você vai trabalhar... dá para você fugir sim, como a
água, terminei agora de trabalhar o Projeto Água, que é um
projeto do Livro, mas eu também faço parte de um projeto de
Educação Ambiental. Eu estou transferindo o meu
conhecimento do outro projeto do CDCC18 para eles, está
ligado com aquilo ali... O Livro do Aluno, ele tem a metade de
atividade do Livro do Professor, se você usar o livro de
atividades do aluno, é só exercícios, então você vai usando ele
lá, “abre na página tal e faz a atividade tal”, e isso não dá. O do
Professor não, está ali com textos informativos para você, que
voltam na capacitação, você tem um embasamento para
trabalhar com o aluno, se o aluno te perguntar alguma coisa
você está preparado, você tem já uma teoria e está pronto para
dar aula...”
O fato da professora Fernanda estar envolvida em projetos de
pesquisa em instituições como a mencionada parece ser mais um indicativo de
sua dedicação e comprometimento com o seu desenvolvimento profissional.
As colocações da professora Fernanda sobre a necessidade do
professor de Classes de Aceleração não ficar preso ao material didático estão
bem amparadas, pois coincidem com as colocações dos próprios idealizadores
das capacitações docentes do projeto de Aceleração.
18 CDCC: Centro de Divulgação Científico e Cultural, órgão pertencente ao Instituto de Física e Química da Universidade de São Paulo - São Carlos, SP.
164
Maria das Mercês Sampaio, coordenadora pedagógica do CENPEC
(Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) e
uma das responsáveis pela elaboração da capacitação dos professores das
Classes de Aceleração, em colóquio realizado sobre o projeto de Aceleração
(1998: 24), coloca que o material didático é diretivo no sentido de mostrar ao
professor os conteúdos centrais da proposta, os caminhos de atuação e as
sugestões para o seu trabalho com classes heterogêneas.
No entanto, acrescenta que a exploração do material está muito
relacionada ao uso das experiências pessoais dos professores, além do suporte
que o processo de capacitação deve ser capaz de fornecer:
Oferece-se uma proposta que é única, um material que é único, mas que deve permitir uma exploração diversificada e diferenciada diante da classe. Deve permitir, com o apoio dos momentos de capacitação, que o professor intervenha com sua experiência, com suas questões da sua sala de aula. (p. 24)
A professora Fernanda falou de sua ansiedade diante de alguns
alunos que não estavam avançando, admitindo que muitas vezes achou que
estava errando e que não conseguiria auxiliá-los. Diante desse fato, buscou
ajuda da coordenadora pedagógica, especializada em alfabetização:
“... foi vindo uma ansiedade, um desespero quando eu percebi
que alguns alunos não estavam avançando, então daí eu senti
dificuldade, aí eu achei “puxa vida, eu acho que eu estou
errando em alguma coisa”, aí você procura saber aonde está
errando... então essa dificuldade aí de estar descobrindo aonde
que eu estava errando e, se eu não estava errando, aonde que eu
podia estar melhorando... É mais no finalzinho, que você
começa a ficar ansiosa, “meu Deus, a minha classe é de
Aceleração II, se fosse uma Aceleração I eu não estava tão
ansiosa”, mas é dois e a dois não dá chance do aluno ficar nem
na 4a série, ele tem que ir para a 5a... e aí a minha preocupação,
e aí a minha dificuldade foi estar vendo aí o que fazer e aí eu
fui pedir ajuda, pedi ajuda para a coordenadora, pedi ajuda para
165
a Elaine, que eles estão alfabetizando, a coordenadora é
alfabetizadora, o que eu podia estar fazendo para alfabetizar
aqueles alunos... então essa foi a minha dificuldade...”
Na fala acima, deve-se destacar a visão crítica da professora
Fernanda sobre a sua própria prática e as estratégias que acabou por mobilizar
para vencer as suas dificuldades, como quando pediu ajuda à professora Elaine
e à coordenadora pedagógica.
No tocante às alternativas para superar as dificuldades do cotidiano das Classes
de Aceleração, a referência aos pares como fontes de informação, para o
esclarecimento de dúvidas, troca de idéias e a diminuição das ansiedades e
dilemas da prática é muito evidenciada na fala das professoras Elaine e
Heloísa:
“Eu acho que nós somos, as quatro, muito unidas; então, nós
falamos que o aluno está assim, trocamos idéias, comentamos
sobre os nossos alunos, os rendimentos, o fracasso, as
dificuldades, as facilidades, trocamos muita idéia entre as
quatro, nós nos reunimos muito e conversamos muito sobre
isso...” (professora Elaine)
“Eu me sinto, às vezes, perdida em atividades em que eu
preciso estudar, preciso aprender para depois passar para eles...
eu não posso chegar na sala de aula e ir dando aula. Eu tenho
as minhas amigas que trabalham com a Classe de Aceleração,
estou sempre procurando elas...” (professora Heloísa)
A referência às colegas por parte das professoras Elaine e Fernanda
parece reforçar a idéia de que
A formação organizada não é o único método de aprendizagem, sendo útil destacar o papel dos grupos de encontro e de partilha de experiências ou outras modalidades de “círculos de qualidade”, que tendem a favorecer a comunicação, a circulação de idéias e a pesquisa. (HUTMACHER, 1995: 68)
166
A afirmação acima fica clara quando reportada à próxima
colocação, da professora Fernanda:
“Eu acho que é uma com a outra mesmo, Fernanda com Elaine,
mesmo... Tinha um problema para resolver, era uma situação -
problema (...) que envolvia número e a gente não conseguia
fazer, era uma festa de aniversário que tinha que saber quantos
cumprimentos iam ter lá e aí bateu uma dúvida, “meu Deus,
vamos fazer uma dramatização”, e pegamos no corredor, eu e a
Elaine, pegamos o professor da frente, o inspetor que estava
ali, as serventes que estavam varrendo e fizemos a
dramatização para estar resolvendo aquele problema, então a
gente trabalha junto, professor com professor mesmo...”
A professora Elaine fez uma reflexão sobre aquilo que considerou
como as aparentes “facilidades” para se trabalhar nas Classes de Aceleração,
assim como as mudanças que observou em sua maneira de ensinar e na
maneira de seus alunos aprenderem:
“Eu estava ensinando matemática e na minha classe em
matemática eles são ótimos, mas é aquela coisa “decoreba”.
Então quando eu fui ensinar a multiplicação e a subtração com
material dourado, ia no básico, a subtração também, porque
empresta, porque não empresta, uma aluna levantou a
mãozinha e disse “ah, professora, agora sim, eu estou
aprendendo a raiz das coisas”... É o que nós estamos
aprendendo, nossa formação deficiente, muitas coisas que nós
não aprendemos, então não sabíamos ensinar, não tenho
vergonha de falar isso, eu tive que repensar o que eu sabia e o
que eu não sabia, aprendi muitas coisas... Além de aprender a
trabalhar, eu aprendi muitas coisas que eu não sabia, conceitos
básicos que se você for ver, você não sabe de onde veio, “por
que empresta professora, de onde veio?”, a gente aprendeu
errado e passava errado, isso foi muito enriquecedor para nós.”
167
Para a professora Elaine, em sua experiência específica com a
Classe de Aceleração, foi possível atuar de acordo com uma nova metodologia
que, segundo ela, levaria o aluno à compreensão de um conteúdo que
anteriormente fora apenas memorizado. Em sua concepção houve, igualmente,
uma nova possibilidade de formação para o professor, diante dos desafios da
prática: a revisão e reaprendizagem de antigos conceitos, considerados como já
estabelecidos e a aprendizagem daquilo que ainda não se conhecia,
aprendendo-se a ensinar de uma nova maneira.
No entanto, a experiência profissional e acadêmica da pesquisadora,
tanto no contato profissional cotidiano com professores que encaminhavam
seus alunos para avaliação psicológica, quanto na análise dos resultados
obtidos na pesquisa de mestrado, leva à consideração de que a mesma
experiência prática, vista como fonte de bons aprendizados pode ser, às vezes,
a própria origem de conhecimentos e hábitos nocivos ao desenvolvimento e
atuação do professor, ao reforçar preconceitos e atitudes discriminatórias,
formar ou consolidar concepções de ensino e aprendizagem obsoletas.
Ao abordar as críticas e sugestões para a melhoria do projeto de
Aceleração, as professoras Elaine e Fernanda falaram do uso das Classes de
Aceleração como uma espécie de “depósito” de alunos rejeitados,
principalmente por apresentarem problemas de disciplina:
“A Classe de Aceleração se transformou em um depósito, tudo
o que os professores não querem, que perturba... então, se você
procurar, eu estou dedando, se for procurar vai achar que não
tem problema de defasagem, de aprendizagem, nem de idade,
mas sim de indisciplina ....” (professora Elaine)
“A composição da classe com alunos com problemas de
disciplina, alunos que foram “jogados” lá por problemas de
indisciplina e que já deveriam ter ido para a 5a. série.”
(professora Fernanda)
168
A esse respeito, consultou-se a supervisora da Diretoria Regional de
Ensino, que afirmou não haver a menor possibilidade de que esse fato
acontecesse, pois o critério básico para o encaminhamento do aluno para as
Classes de Aceleração foi defasagem idade/série.
PATTO (1997), ao discorrer sobre o projeto de Aceleração, faz um
paralelo com o processo de implementação do Ciclo Básico19 e coloca que no
processo de transposição de uma nova política há um movimento de resistência
à mudança por parte das escolas que, ao se apropriaram das inovações
propostas acabam por reformulá-las nos termos da lógica institucional.
Dessa maneira, a utilização das Classes de Aceleração como
possíveis “depósitos” de alunos excluídos parece enquadrar-se nesse processo
de ressignificação das políticas educacionais por parte das escolas.
A professora Elaine colocou que seria importante a criação de uma
equipe interdisciplinar que atendesse os alunos com problemas que desafiam
os limites da formação docente:
“Precisávamos de assistência de fisioterapeuta, de psicólogos,
de médicos, de fono, porque com a formação do professor ele
vai até onde dá, nos esforçamos ao máximo, mas chega um
momento... não é que eu estou rotulando a criança ou me
limitando, mas os professores teriam que ter um pessoal que
acompanhasse. Além desse projeto eu acho que deveria investir
mais num outro tipo de pessoal, para trabalhar junto com o
professor.”
A professora, talvez adiantando-se a uma possível crítica, comentou
que, ao fazer essa sugestão, não estaria se limitando ou rotulando alunos.
19 Dentre as pesquisas citadas por Patto, encontra-se a de CRUZ, S .H. V. O Ciclo Básico construído pela escola. São Paulo, 1994. Tese de doutoramento. Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo.
169
Pelo que pôde-se observar sobre a professora Elaine, através da
análise de seu discurso sobre o projeto de Aceleração, de seus depoimentos
apaixonados sobre os alunos e de sua evidente crença na importância do
trabalho nas Classes de Aceleração, pode-se afirmar com certa segurança que
ela, ao sugerir a criação da equipe multiprofissional, não estaria recorrendo ao
reducionista discurso da medicalização do fracasso escolar.
Além disso, é fato que existem alunos que realmente necessitam de
atendimento especializado para o diagnóstico e acompanhamento de problemas
de aprendizagem, apesar desses constituírem-se em uma pequena parcela da
totalidade de alunos portadores de problemas ou distúrbios de aprendizagem.
A seguir, a professora Elaine faz uma interessante análise acerca do
extenso conteúdo curricular das Classes de Aceleração e da questão da
adequação do currículo escolar em geral:
“O conteúdo é muito extenso... Tem professor que diz que está
dando conta do conteúdo, mas não são todos. A gente recebe o
Livro do Professor e do Aluno, se você for só pelo Livro do
Aluno dá, agora o Livro do Professor são inúmeras atividades
que não constam do Livro do Aluno. O programa está difícil,
muito extenso, dá um pouco de receio, porque tem duas
maneiras de tornar o sujeito ignorante: uma é não fornecer
nenhum conhecimento, a outra é oferecer tanto conhecimento
que ele vai pegar aquela coisa fragmentada, que não vai servir
para nada.”
A colocação da professora Elaine é importante no sentido de se
compreender como o conteúdo curricular tem sido selecionado e distribuído ao
longo dos programas de ensino. Remete, ainda, à afirmação de PÉREZ
GÓMEZ (1998: 63), sobre a fragmentação de informações, situação
característica da sociedade pós - industrial:
170
(...) a criança, na sociedade pós - industrial (...) vive e se desenvolve saturada de estímulos, oprimida por pedaços de informação geralmente fragmentária e desintegrada cujo sentido para a elaboração de uma visão geral de vida, da natureza e da sociedade normalmente lhe escapa.
Nessa mesma perspectiva, PERRENOUD (1999) afirma que o
debate da escola sobre o conteúdo curricular costuma transitar entre duas
concepções opostas: a primeira, que consiste em percorrer um caminho mais
amplo possível de conhecimentos, sem a preocupação de que esses conteúdos
sejam ou não utilizados em determinadas situações e a segunda, que aceita
drasticamente a limitação da quantidade de conhecimentos a serem ensinados,
os quais deverão ser utilizados de maneira intensiva na resolução de situações
complexas.
No decorrer da entrevista com as professoras da Escola II, surgiu,
de forma espontânea, a discussão sobre o perfil do professor ideal para atuar
diante de alunos com histórico de fracasso escolar.
Para a professora Elaine, no perfil desse professor devem-se incluir
atributos como o amor e a devoção à profissão, a crença em si e no seu
trabalho. Também considera essencial a recuperação da auto - estima do aluno,
por parte desse professor:
“Acima de tudo tem que ter amor à profissão. Se ele está ali
para cumprir, aquele professor que fica o tempo todo olhando
para o relógio, jamais ele vai conseguir resultados... Se você
não ama o que você faz, se você não se dedica, se você não
acredita, não vai conseguir trabalhar com uma criança,
principalmente que tenha fracasso escolar, na sua pequena
carreira já é um fracassado. Recuperar a auto - estima e gostar
do que faz; se ele não gostar não adianta.”
171
A valorização do resgate da auto - estima dos alunos por parte do
professor é melhor compreendida quando se recorre à explicação de Maria
Alice Setúbal (1998: 23), diretora executiva do CENPEC:
(...) esse resgate (da auto - estima) é interessante. De um lado, a dignidade do professor, o respeito a ele enquanto protagonista do ensino; do outro, o respeito ao aluno enquanto protagonista da aprendizagem. Cria-se um círculo vicioso positivo, pois, na medida em que o aluno aprende, sente-se motivado para continuar e envolvido nesse processo, com a escola como um todo. O professor vendo que o aluno aprende, acredita no seu ensino e, ao mesmo tempo, mobiliza-se para continuar acreditando no projeto, acreditando no material.
Já a professora Heloísa acredita que é necessário que o professor
ideal para atuar diante do fracasso escolar esteja constantemente em busca de
aprendizagem e desenvolvimento profissional, num processo de construção de
conhecimento conjunto com os alunos:
“O professor tem que estar sempre indo em busca de novas
conquistas. Tem que estar sempre aprendendo, construindo
junto com os alunos, porque o que a gente aprende com eles é
inacreditável, tem que estar sempre indo em busca de novas
conquistas, porque ele nunca está formado... a vida continua,
ela está andando e nós temos que acompanhar ela, levar as
nossas crianças também junto...”
6.1.5. Reações da equipe escolar, dos alunos e pais em relação ao
projeto, sob a ótica das professoras
Pediu-se para que as professoras comentassem como a equipe
escolar, os pais e os alunos reagiram diante do projeto de Classes de
Aceleração.
Segundo a professora Fernanda, a reação dos professores das outras
séries foi praticamente a mesma dos professores da Escola I: ciúmes e
reclamações. Havia também ciúmes por parte da própria direção da escola. E
quanto aos funcionários, especificamente, os inspetores de ensino, eles
172
pareciam ver os alunos dessas classes como geradores de problemas de
disciplina:
“O corpo docente da escola, um ciúme doentio... A diretora
tem ciúmes, falam que não querem sala de Aceleração esse ano
na escola. Sabe, a diretora disse isso... Inspetor de aluno dá
palpite, falou para a E, “encaminha esses alunos para a 5 a
hein”. Não querem problemas na escola... então a Classe de
Aceleração, talvez para alguns funcionários, é para eliminar os
problemas na hora do intervalo...”
Mas quais seriam as razões para tanto ciúmes por parte dos outros
professores e até mesmo por parte da direção?
A professora Elaine elencou uma série de razões, que vão desde o
rico material das Classes de Aceleração, às capacitações e às cobiçadas
assinaturas de revistas. Mas, segundo ela, a razão mais forte estaria relacionada
ao tipo de postura profissional e ao trabalho de boa qualidade que essas
professoras, em especial Elaine e Fernanda, vinham realizando já há algum
tempo na Escola II, o qual que seria devido ao que qualifica como um
verdadeiro “dom” para a docência:
“O motivo dos ciúmes é porque quem vai para a Aceleração já
tem um dom, eu costumo falar, será que sou eu que arrumo
enguiço, será que sou eu? Porque se eu estou na 1a série, tem
professor que tem ciúmes, se eu estou na 2a, tem professor que
tem ciúmes, e é o caso da Fernanda no ano passado, que ela
tinha uma 2a e o pessoal de outras 2as séries também tinha
ciúmes dela... Então, não é a sala também não, são os
professores que mostram trabalho, são professores que não
conseguem ficar dentro da sala de aula com a porta fechada só
trabalhando com o aluno sem mostrar trabalho. Se o professor
vai mostrar trabalho os outros vão ficar enciumados... Eu acho
que é o trabalho mesmo do professor, e mesmo porque têm
capacitações, e porque é chamado, nós recebemos revistas, nós
recebemos jornais, nós recebemos fitas de vídeo. Mas pegar a
173
Classe de Aceleração ninguém quer, tem uma das professoras
que ela fala até hoje, na frente da minha sala, “nossa, você vai
para o Céu por ficar com essa sala”. Quer dizer, é uma sala que
ninguém quer, eles acham que a sala dá um monte de
trabalho... Eles acham que até a coordenadora bajula, e não é
isso, ela vai na sala porque acaba tendo interação com o
professor mesmo.”
Como também parece acontecer na Escola I, o vínculo entre os
professores das Classes de Aceleração e os outros professores é ambíguo, pois
ao mesmo tempo em que criticam e reclamam dos “privilégios” que os
docentes das Classes de Aceleração possuem, os desejam para si mesmos.
No entanto, a atitude das professoras das classes regulares parece
ser uma reação normal. Afinal, se essas professoras tivessem as mesmas
condições de trabalho e o mesmo apoio recebido pelas das professoras de
Classes de Aceleração, também estariam realizariam um bom trabalho
pedagógico?
Os professores da Aceleração da Escola II, especialmente a
professora Elaine, compreendiam essa necessidade e acabavam compartilhando
o material e as suas experiências pedagógicas com os colegas das outras
classes:
“Você vê toda essa confiança da gente, essa união, essa força, e
isso causa um pouco de ciúmes e inveja entre os outros
professores... Menos crianças...material diferente... Isso causa
em alguns professores, eu não posso generalizar, porque tem
muita gente boa aqui, mas alguns professores, mais difíceis
assim, de convivência.... Até mesmo da direção; acha que a
escola está muito em torno da Aceleração, que não devia. Mas,
pelo menos, a gente é aberta, o material que a gente possui, que
a gente recebe, estamos sempre divulgando pra ajudar, e eu
tenho ajudado pessoas até fora daqui, porque não é
monopolizar, o material é meu e acabou, e sim, acho que
174
quando o projeto dá certo você tem mais é que ajudar outras
pessoas que se encontram em dificuldades, porque eu não sou
uma pessoa egoísta. Então, por que não se estende para a rede
toda e agora nós tivemos a feliz notícia de que vai ter Classe de
Aceleração no ginásio...nós ficamos muito contente com
isso...” (professora Elaine)
As professoras Graça e Heloísa comentaram sobre a reação positiva
dos pais quanto ao projeto. Também ressaltaram a auto confiança adquirida por
alguns alunos, a partir do trabalho realizado nas Classes de Aceleração:
“A mãe de um aluno falou que ele melhorou muito... Eles
ficam felizes, aquele aluno que você fica pensando que não
está bem, que ainda não escreve mas, de repente, dá aquele
salto, começa a ler. Eu falo “não se preocupa, pode ler à
vontade”, então eles pegam aquela confiança, acreditam que
são capazes...” (professora Graça)
“Vou falar pelos pais dos meus alunos, eu estou recebendo
muitos elogios, eles estão contentes, contentes mesmo, eles
perceberam já a mudança... E os alunos também....“Eu não
sabia fazer isso, agora eu sei”, “nossa professora, mas está
fácil”, porque no ano passado eles ficavam jogados... “A
professora explica...” E esse projeto, ele leva as crianças a se
sentirem seguras...” (professora Heloísa)
Na turma da professora Elaine, os alunos também manifestaram
reações positivas em relação ao projeto:
“Os alunos adoram, amam de paixão com certeza, gostam da
classe, gostam do professor, não é que gostam de mim, gostam
das três professoras de Aceleração, do corpo docente... Os pais
gostam, entendem, não teve uma reclamação, de falar que essa
classe é uma baderna, que essa classe não dá nada, como
dizem, que nós não trabalhamos com caderno, não tem
atividades no caderno, dificilmente... Desde o primeiro
175
momento em que você trabalhou com o pai e ele entendeu onde
o filho está, só têm elogios...”
É compreensível que a resposta dos pais e dos alunos ao projeto de
Aceleração seja positiva pois, ao contrário da crença existente nos meios
educacionais, a maioria das famílias dos alunos multirrepetentes valorizam a
educação formal de seus filhos e procuram as alternativas que estão ao seu
alcance para mantê-los na escola e para que superem as suas dificuldades.
6.2. As professoras bem - sucedidas das Classes de Aceleração
da Escola II
Na tentativa de uma melhor compreensão e de um maior
aprofundamento da análise sobre o processo de tradução do projeto de
Aceleração para a prática docente na Escola II, decidiu-se realizar uma
segunda entrevista com as professoras Elaine e Fernanda.
A opção por realizar nova entrevistas com essas professoras, em
particular, deu-se a partir da avaliação de suas respostas na primeira entrevista
e de consultas à coordenadora pedagógica da Escola II e às especialistas
educacionais da D.R.E., a quais apontaram essas professoras como as mais
bem - sucedidas no trabalho junto às Classes de Aceleração da Escola II.
Um outro fator decisivo foi a abertura dada pelas professoras.
Sempre que foram procuradas estavam dispostas a colaborar com a pesquisa e
nunca criaram impecilhos para a investigação.
Nessa segunda entrevista, procurou-se clarear assuntos já abordados
mas não completamente discutidos, retirar dúvidas e aprofundar análises.
Colocou-se para as professoras, logo de início, as razões pelas quais
elas tinham sido escolhidas para a realização de uma segunda entrevista.
Pediu-se, então, para que elas dissessem a que atribuíam o seu
sucesso no trabalho realizado nas Classes de Aceleração.
176
A professora Fernanda colocou que tanto ela como a professora
Elaine sentiam muita afeição pelos alunos que compunham as Classes de
Aceleração em geral (alunos multirrepetentes), que esse apego ou atração que
sentiam era uma característica muito pessoal de ambas e que as levava à uma
necessidade muito intensa de ajudá-los em seu processo de recuperação da
trajetória escolar: “Por gostar desse tipo de aluno, e a vontade de ajudar... que
era bem pessoal, meu e dela, esse entrosamento com o aluno, essa interação.
Então estava ali a oportunidade de estar ajudando essas crianças, os alunos.”
Um outro fator de grande relevância para se compreender o sucesso
da prática dessas professoras parece ser a crença que as mesmas possuíam em
relação ao projeto de Aceleração: “Eu acreditei no projeto, já estava um ano
como coordenadora, gostei, acreditei e falei “eu vou tentar como professora
também.” (professora Fernanda)
A crença das professoras no projeto de Aceleração, em si mesmas
enquanto professoras e na capacidade de seus alunos em obterem bons
resultados acadêmicos parece ter sido o grande diferencial da prática dessas
docentes, em comparação às outras professoras entrevistadas.
Como foi visto no terceiro capítulo, a pesquisa educacional vem
dando muita ênfase ao estudo das crenças dos professores e a maneira como
essas crenças podem interferir na prática pedagógica e no cotidiano escolar.
Assim, as crenças dos professores parecem direcionar a prática pedagógica e
contribuir para o sucesso ou fracasso dessa mesma prática.
As professoras também atribuíram o seu sucesso à personalidade
que possuem e a uma postura de “vestir a camisa”, isto é, a capacidade de se
envolverem completamente no trabalho proposto:
“Vai um pouco da personalidade, somos pessoas que se
envolvem, a gente quer fazer bem feito e se envolve, tanto
emocionalmente quanto pedagogicamente, é um envolvimento
177
total; a gente abraça, veste a camisa, não sabemos de modo
algum “empurrar com a barriga” ou fazer o que estão
mandando: “a gente faz o que estão mandando, a gente faz
porque mandaram lá de cima.” (professora Elaine)
A frase “a gente faz o que estão mandando, a gente faz porque
mandaram lá de cima”, utilizada pela professora Elaine, parece ser uma crítica
ao professor que não vai além daquilo que se espera, que não ousa ou não
desafia os limites estabelecidos.
As professoras, em sua grande maioria, enfatizaram a qualidade das
capacitações recebidas e sua importância para o desenvolvimento de um
trabalho mais seguro, com maior confiança e eficiência.
Na avaliação de seu sucesso como professoras, Elaine e Fernanda se
referiram às capacitações como um elemento fundamental para a realização de
uma prática pedagógica adequada:
“Pelo fato da gente ter lido a proposta, ter capacitações.... eu
sempre trabalhei com aluno assim, então, de repente eu vi no
meu caminho algo que me sustentava, algo que me dava
apoio.” (professora Fernanda)
As professoras analisaram, a partir de sua experiência, os fatores
que consideravam responsáveis pelo sucesso do projeto Classes de Aceleração.
Os seguintes fatores foram elencados: o números de alunos por
classe e a qualidade das capacitações.
Quanto ao processo de capacitação, as professoras colocaram:
“Na minha opinião, eu acho que as capacitações foram muito
importantes, no momento das capacitações, o envolvimento
com que eles faziam que a gente tivesse, principalmente
quando eles colocavam eles professores e nós alunos, mexeu
demais com o nosso emocional.” (professora Elaine)
178
“Eu acho que a capacitação enquanto eu era coordenadora foi
que me fez partir para o lado da Aceleração... Deu uma
vontade, eu tinha vontade, eu queria de todo jeito trabalhar na
sala de aula, mas é a capacitação.” (professora Fernanda)
Diante das experiências vivenciadas nas Classes de Aceleração, que
tipo de mudanças as professoras perceberam em suas práticas docentes?
Uma das posturas que a professora Fernanda disse ter sido
incorporada em sua prática após a experiência profissional nas Classes de
Aceleração é o resgate consciente e sistemático da auto - estima dos alunos
que, segundo ela, deve acontecer em qualquer circunstância e com todo o tipo
de clientela escolar.
Para Elaine, a sua facilidade em elaborar e aplicar projetos
pedagógicos em sala de aula e de “fazer a interdisciplinaridade”, a partir de um
determinado conteúdo, foram as lições aprendidas nas Classes de Aceleração:
“O pessoal tem o maior trauma de trabalhar com projeto... Eu,
simplesmente, você fala assim “faz um projeto sobre tal coisa”,
com a maior facilidade, eu sento e em duas horas deixo o
projeto pronto. Fazer a interdisciplinaridade... eu aprendi isso
muito no segundo ano que eu peguei Classe de Aceleração, eu
conseguia fazer essa interdisciplinaridade entre uma matéria e
outra, eu sabia que lá, o Português estava falando isso, era o
momento de eu estar puxando aquilo.”
A professora Elaine acredita que, após a experiência positiva das
Classes de Aceleração, as suas rígidas defesas contra toda e qualquer política
educacional imposta pelos órgãos decisórios, puderam ser suavizadas:
“Você precisa ter um senso crítico pra saber o que é bom e o
que é ruim, não é se armar completamente contra tudo que vem
lá de cima e eu estou aprendendo a fazer isso... Veio lá de
cima? Então vamos ver... A gente sempre tem que ter aquela
criticidade de ver o que é bom e o que é ruim, o que serve e o
179
que não serve e Classes de Aceleração foi uma das coisas boas
que vieram...”
As colocações da professora Elaine levam à questão do cuidado que
deve ser tomado na implementação de políticas públicas e que, muitas vezes,
boas propostas podem ser prejudicadas em seu processo de implementação por
não existir essa cautela inicial.
Não há dúvidas de que a professora Elaine expressou uma postura
bem diversa da usualmente encontrada no discurso docente acerca das políticas
educacionais, quando alegou que nem todos os projetos elaborados e impostos
pelos órgãos oficiais de ensino eram necessariamente ruins ou prejudiciais à
melhoria da qualidade do ensino.
A reação da professora seria contrária ao usual pois, de acordo com
PATTO (1997: 33),
(...) em relação às reformas, há uma queixa permanente de verticalidade, de ausência de participação docente nas decisões, de imposição dos órgãos superiores, de desinformação sobre as novas propostas que, geralmente, tomam de surpresa os educadores, que são preparados a “toque de caixa” e atropelados, às vezes, em pleno ano letivo, por mudanças de regras administrativas e pedagógicas.
Nessa perspectiva, pode-se analisar a postura de Elaine sob duas
perspectivas: a do conformismo e a da credibilidade.
De acordo com HELLER (1989), o conformismo enraíza-se na
busca de orientação do homem num complexo social caracterizado pela
existência, de um lado, de normas e estereótipos e de outro, de sua integração
primária, composta pela sua classe ou camada social. Na maioria das vezes, a
assimilação ou a conformidade com respeito às normas garante ao indivíduo o
êxito nas suas relações sociais.
A mesma autora afirma que a transição da conformidade para o
conformismo ocorre a partir do momento em que
180
o indivíduo não aproveita as possibilidades individuais de movimento, objetivamente presentes na vida cotidiana de sua sociedade, caso em que as motivações de conformidade da vida cotidiana penetram nas formas não cotidianas de atividade, sobretudo nas decisões morais e políticas, fazendo com que essas percam o seu caráter de decisões individuais (HELLER 1989: 46)
Na perspectiva do conformismo, a atitude da professora Elaine seria
explicada levando-se em conta o fato de que, após sua participação como
docente na Classe de Aceleração, ela ocupava, na época da segunda entrevista,
o cargo de coordenadora pedagógica na Escola II, posição hierarquicamente
superior na estrutura administrativa, o que poderia facilmente conduzi-la a se
colocar a favor do discurso oficial.
No entanto, partindo da idéia de credibilidade, não se pode deixar
de considerar, com base nas evidências existentes, a possibilidade de que a
professora passou a ter mais confiança nas políticas educacionais por ter vivido
uma experiência de vida pessoal e profissional realmente gratificante, enquanto
professora de uma Classe de Aceleração.
Pôde-se perceber, pela análise dos dados, que a satisfação e
entusiasmo de Elaine com o seu trabalho era constante e, principalmente,
contagiante o bastante para poder transformar o discurso existente do
professorado e dos acadêmicos, de que todas as reformas educacionais são
prejudiciais por não refletirem exatamente o que acontece no cotidiano das sala
de aula, e por serem elaboradas e implantadas de forma vertical.
De qualquer maneira, a adesão ao projeto de Classes de Aceleração,
expressa na fala da professora, é um fator pode estar intimamente relacionado à
sua prática docente bem - sucedida.
Perguntou-se para as professoras Elaine e Fernanda, o que seria
necessário para que uma política voltada ao combate do fracasso escolar fosse
bem - sucedida em sua tradução para a prática docente. As professoras
181
apresentaram muitas dificuldades em compreender o teor dessa questão em
particular. Foi necessário refazê-la várias vezes, de forma a facilitar o seu
entendimento.
A professora Elaine disse acreditar que o ponto chave para o
sucesso de qualquer política educacional seria a melhoria da qualidade da
formação do professor. Apontou, igualmente, a falta de interesse de alguns
docentes que, segundo ela, não valorizariam a sua profissão, tratando-a como
um hobby:
“O professor. Não adianta o governo aplicar todo esse dinheiro
que ele aplica em Classe de Aceleração, em Progressão
Continuada. Ele tem que investir na formação, quando o
professor vai para a sala de aula, é lá que as coisas têm que
pegar... É o professor mal formado, é o professor
desinteressado, o profissional que está ali por hobby, por isso
que o sistema tem tanto problema...”
Em sua atual posição como coordenadora pedagógica, disse estar
enfrentando dificuldades ao solicitar mudanças de atitudes dos professores.
Chegou até a acusar os antigos professores de seus alunos de Classe de
Aceleração pelas dificuldades e “bloqueios” apresentados por eles para
aprender:
“Se você bate de frente ele não faz nada... se você passa a mão
na cabeça, ele se acomoda... É o professor... aqueles alunos que
estavam bloqueados, talvez seja anti - ético o que eu vou dizer
agora, mas fazendo um levantamento dos professores
anteriores e conhecendo esse professores anteriores, estavam
todos os problemas deles... “
A professora Fernanda fez considerações sobre a falta de interesse
de algumas professoras durante as capacitações e como a indisciplina das
mesmas durante os encontros de capacitação prejudicava a ela e às outras
182
professoras. Comentou sobre o processo de avaliação docente o qual, na sua
opinião, deveria ser realizado sistematicamente pela equipe da Diretoria
Regional de Ensino, mas que não havia sido levado adiante:
“O governo fez dois anos de educação continuada, cursos
maravilhosos... ficava o pessoal interessado na frente e os
outros atrás sem prestar atenção, não deixavam você prestar
atenção em nada... Existia uma ficha de avaliação que parou do
nada... os itens eram ótimos: como o professor interage com o
aluno, as atividades que o professor dá... Teve professor que
esteve direto lá, teve nota lá embaixo... É o caso de diretor,
supervisor falar: “esse professor está com problemas, vamos
ver o que é...”
Em sua análise sobre os critérios para a elaboração de políticas de
superação do fracasso escolar, a professora Fernanda aponta, com indignação,
a rotatividade dos professores nas salas de aula o que, de acordo com ela, gera
uma situação perversa, na qual os professores substitutos são substituídos por
outros substitutos:
“Eu posso falar pelos nossos filhos: o ano passado, em um mês
passaram quatro professores... Você acha que eles não foram
prejudicados? O professor pega, larga; o outro vem, pega,
larga; o outro tira licença e aquele um que pegou aquela licença
pode tirar licença também... Ficam três, quatro professores em
uma turma, passando por ali...” (professora Fernanda)
De modo geral, as professoras fizeram referência a questões que
parecem essenciais no debate sobre a melhoria da qualidade de ensino. Todos
os critérios apontados para que uma política voltada para a superação do
fracasso escolar tenha êxito, levaram diretamente à figura do professor, seja em
relação à sua formação, à necessidade de avaliação contínua do trabalho
docente ou à diminuição da rotatividade de professores em sala de aula.
6.3. A coordenadora pedagógica da Escola II
183
A coordenadora pedagógica da Escola II, Irene, é formada em
Pedagogia por uma universidade pública federal e há 10 anos exerce a
profissão docente; nesse período atuou como professora na Habilitação
Específica para o Magistério, ministrando a disciplina Didática e como
professora alfabetizadora em classes do antigo Ciclo Básico Inicial.
Exerceu a função de coordenadora pedagógica na Escola II, no
período de 1997 a 1998. Ocupava a função de vice - diretora, na época em que
respondeu ao questionário (1999).
Irene foi considerada pelas professoras como um elemento
fundamental para o sucesso das Classes de Aceleração na Escola II, se
referindo a ela como ponto de apoio, fonte de conhecimentos e de superação de
dúvidas do dia - a - dia.
O apoio dado pela coordenadora para que este estudo pudesse ser
realizado na Escola II também foi crucial pois, contrariando as ordens da
diretora, possibilitou a realização da entrevista coletiva com as professoras
Elaine, Graça e Heloísa e da entrevista individual com a professora Fernanda.
Além disso, sempre foi receptiva nos momentos em que se buscou maiores
informações e dados sobre as Classes de Aceleração e a Escola II.
Segundo a coordenadora Irene, a reação inicial de todos os
envolvidos equipe da escola, alunos e familiares na implementação das
Classes de Aceleração na Escola II, foi excelente:
“Os envolvidos acreditaram no Projeto e transmitiram isto aos
pais e alunos. Os demais professores sempre buscaram material
usado nas Classes de Aceleração e a eles sempre foi dado tudo
que queriam em questão de material e orientação técnica.”
Os critérios utilizados para a composição das Classes de Aceleração
foram aqueles prescritos pela Proposta Pedagógica Curricular e pela Diretoria
184
Regional de Ensino: para freqüentar a Classe de Aceleração I, o aluno deveria
ser oriundo do Ciclo Básico Inicial e Ciclo Básico Continuidade e ter, pelo
menos, dois anos de defasagem idade/série; nas Classes de Aceleração II, as
alunos deveriam estar cursando a terceira ou quarta série do Ensino
Fundamental e ter, pelo menos, dois anos de defasagem idade/série.
De acordo com a coordenadora, nenhum aluno fora dos parâmetros
identificados acima foi encaminhado à Classe de Aceleração, contrariando a
denúncia feita anteriormente pelas professoras Elaine e Fernanda.
Avaliou como excelente o processo de capacitação das professoras e
coordenadoras pedagógicas participantes do projeto de Aceleração, com
qualidade incomparável a qualquer outra capacitação que tenha participado.
Quanto ao material das Classes de Aceleração, segundo ela esse
sempre foi enviado com antecedência, o que facilitou o trabalho das
professoras.
Quanto à avaliação do trabalho desenvolvido pelas professoras, para
Irene “só não fez um excelente trabalho, o profissional que não se envolveu
com o projeto, que não conseguiu sensibilizar-se com as maravilhosas
capacitações oferecidas pela Delegacia de Ensino.”
Pediu-se para que ela explicasse melhor a expressão “não se
envolveu com o projeto”. Ela colocou que seria o caso daquele professor que
“não acreditou, ‘não vestiu a camisa’, não se identificou com a essência do
projeto.”
A coordenadora pedagógica não encontrou dificuldades para
colocar em prática as diretrizes pedagógicas e metodológicas do projeto de
Classes de Aceleração na Escola II. Para ela, a ausência de dificuldades advém
do fato de ter tido “profissionais envolvidos e excelentes resultados.”
Quanto às dificuldades encontradas pelas professoras para
colocarem em prática as diretrizes pedagógicas e metodológicas do projeto de
185
Classes de Aceleração, segundo ela, não existiram, pois “todas abraçaram e
desenvolveram o projeto a contento.”
Posteriormente, em conversa informal, colocou que apenas uma das
professoras não foi fiel ao projeto, utilizando o método tradicional.
Avaliou o programa de Classes de Aceleração como “um ótimo
projeto, que deveria ser estendido a toda a rede. Não o material, pois fecha um
pouco a liberdade do professor e do aluno, pois o assunto é pré -
estabelecido.”
Com relação à colocação acima, a coordenadora explicou que o
material foi elaborado com um conteúdo direcionado para um determinado
perfil de aluno, ou seja, o aluno com defasagem idade/série, com baixa auto -
estima e que o professor deveria permanecer fiel aos referenciais existentes em
cada um dos quatro módulos, seguindo a programação à risca, senão correria o
risco de ser advertido por ela, coordenadora, ou pelas supervisoras da Diretoria
de Ensino.
O seu conceito de sucesso para uma política educacional de
combate do fracasso escolar é o que se segue: “Sucesso é a criança recuperar
sua auto - estima e sentir-se capaz de prosseguir nos estudos.” E acrescenta,
“é retomar a trajetória escolar, com as competências necessárias.”
Questionada sobre a possibilidade do aluno das Classes de
Aceleração conseguir acompanhar novamente a trajetória escolar, colocou que
isso só é possível se os professores das séries subseqüentes recebessem a
mesma capacitação dos professores de Aceleração.
Na sua opinião, os critérios para que uma política educacional de
superação do fracasso escolar seja bem - sucedida na prática resumem-se em
“levar o aluno a acreditar em suas potencialidades e fazer o professor
acreditar que todo aluno é capaz de aprender e todo professor é capaz de
ensinar.”
186
Em sua opinião, uma das maiores dificuldades da Secretaria de
Estado da Educação de São Paulo para melhorar a qualidade do ensino reside
na falta de interesse dos professores em se aperfeiçoar, se reciclar ou se
capacitar.
Para ela, qualquer prática pedagógica, para ser bem - sucedida,
depende muito do professor acreditar que vai dar certo. Em sua atuação, seja
como coordenadora pedagógica ou atualmente, como vice - diretora, costuma
dizer aos professores “esquece a teoria, agora quem vai falar sou eu: para
mim vai dar certo!”
De acordo com a coordenadora, na Escola II está sendo formada
uma nova mentalidade entre os professores, a qual se resume no respeito pelo
aluno e que pode ser considerado como o fruto de um trabalho que vem sendo
desenvolvido há algum tempo por ela, enquanto coordenadora pedagógica e,
mais recentemente, como vice - diretora.
Nesse sentido, os professores são constantemente incentivados a
acreditarem na idéia de que “o aluno é capaz aprender e o professor é capaz de
ensinar”. Além disso, é proibido a qualquer professor ou funcionário referir-se
ao aluno de forma depreciativa, seja chamando-o de burro, negro, pobre,
dizendo que ele não vai conseguir aprender ou qualquer outro tipo de
comentário ofensivo e/ou preconceituoso.
6.4. Análise da tradução do projeto Classes de Aceleração pelas
professoras e coordenadora pedagógica da Escola II
Foi revelado, ao longo da descrição e análise dos dados referentes à
Escola II que, nessa escola em particular, pode-se considerar que a tradução do
187
projeto Classes de Aceleração para a prática docente foi considerada bem -
sucedida.
Essa avaliação fundamenta-se nos depoimentos das professoras e da
coordenadora pedagógica dessa escola, assim como nos resultados do estudo
avaliativo das Classes de Aceleração da rede estadual de ensino do Estado de
São Paulo, empreendido por PLACCO, ANDRÉ & ALMEIDA (1999), o qual
também foi tomado como referência para a análise do mesmo processo na
Escola I.
Foram identificadas características muito semelhantes entre a Escola
II e as escolas bem - sucedidas investigadas pelo estudo citado.
Em primeiro lugar, um importante fator de sucesso, segundo os
autores do estudo, seria o gosto pessoal dos professores de Classes de
Aceleração pelo desafio e pela experiência docente com alunos com história de
fracasso escolar. O estudo ainda evidencia que “um professor dedicado,
experiente e disposto a estudar e a aprender, contando com bom material e
apoio pedagógico adequado são fatores chaves no sucesso do projeto”
(PLACCO, ANDRÉ & ALMEIDA, 1999: 57).
Em segundo lugar, no tocante à prática pedagógica, o fato dos
professores seguirem de modo flexível as orientações do material didático,
levando em conta a realidade dos alunos, fazendo as adaptações necessárias e
sendo criativos.
De acordo com as autoras, um outro importante fator facilitador do
processo de tradução do projeto de Aceleração para a sala de aula, foram as
concepções dos atores educacionais envolvidos no processo. Nessa
perspectiva, de acordo com a pesquisa citada, a opinião de todos os envolvidos
em relação ao projeto foi muito positiva.
Da mesma maneira, na Escola II houve um discurso muito positivo
daqueles envolvidos diretamente com o projeto de Aceleração. O reflexo dessa
188
avaliação positiva era ouvir a todo momento que as condições do projeto
deveriam ser estendidas à toda rede de ensino, especialmente quanto ao
material didático, considerado de excelente qualidade e ao apoio pedagógico
fornecido ao professor, por meio do processo de capacitação.
Percebeu-se uma grande semelhança entre os aspectos apontados
pela pesquisa de PLACCO, ANDRÉ & ALMEIDA (1999) e os pontos
positivos sobre o projeto identificados pelas professoras e coordenadora
pedagógica da Escola II: classes menores; material didático pertinente aos
conteúdos e aos alunos realmente presentes; profissionais experientes,
dispostos a estudar e aprender; acompanhamento constante do trabalho
pedagógico, por meio de ações capacitadoras competentes.
Acredita-se que, no caso da Escola II, a maioria dos fatores de
sucesso ou de condições para uma tradução mais aproximada do projeto de
Classes de Aceleração para o cotidiano de atuação, apontados pelo estudo
avaliativo empreendido por PLACCO, ANDRÉ & ALMEIDA (1999),
estiveram presentes, especialmente no que diz respeito ao um fator específico
da atuação do professor: a motivação para enfrentar desafios e situações novas.
Além disso, como foi colocado anteriormente, o que pareceu
diferenciar a qualidade da tradução do projeto na Escola II, foi a existência de
uma crença muito intensa por parte das professoras e da coordenadora
pedagógica na capacidade de realizarem um bom trabalho junto aos alunos.
Essa crença se manifestou muito claramente no discurso das
professoras Elaine e Fernanda, as quais, juntamente com a coordenadora,
atuavam como “catalisadoras” da crença e do entusiasmo das outras
professoras em relação ao resultado de sua atuação nas Classes de Aceleração.
O envolvimento positivo com o projeto parece tê-las levado a
esperar bons resultados de seus alunos. De acordo com MARIN (1999: 44),
essa expectativa quanto ao progresso dos alunos por parte de seus professores
189
de Classes de Aceleração, em forma de profecias auto - realizadoras20, acaba se
tornando um fator realmente decisivo para a obtenção de bons resultados:
(...) parece muito presente também a questão das profecias auto - realizadoras, no sentido positivo. Elas fazem que professores e alunos, sabendo que estão passando por um processo diferenciado, do qual se espera um efeito positivo, tenham uma predisposição muito diferente do que numa classe regular, na qual não sabem exatamente o que se espera deles.
A postura das professoras da Escola II, também remete à análise de
GERALDI (1999) sobre duas atitudes clássicas de um professor ao se
relacionar com o sistema educacional, na sua atual condição de
“sucateamento”: a atitude de desistência e a atitude de resistência.
A atitude de desistência se aplica ao professor que atua na escola,
mas há muito tempo desistiu de sua profissão; essa atitude de desistência se
manifesta pelo não envolvimento do professor em projetos coletivos, pela
procura de estratégias capazes de sabotar o seu próprio trabalho, como por
exemplo, tirar licenças médicas a todo momento.
A atitude de resistência, por outro lado, caracteriza a postura do
professor que ainda acredita na produção e na ação coletiva dentro da escola e
que procura atuar de acordo com essa perspectiva institucional.
Segundo a autora, os professores que resistem acabam por se diferenciar dos
demais:
(...) Em geral, esses professores têm um processo pedagógico diferenciado na sala de aula. Eles seriam mais suscetíveis de entrar, por exemplo, em um projeto de aceleração, se sentissem alguma possibilidade de um trabalho coletivo, que não destruísse aquilo que eles fazem e em que acreditam. (GERALDI, 1999: 48)
Por outro lado, com relação ao desenvolvimento profissional e a
dedicação dos professores ao seu trabalho, NÓVOA (1995: 28) coloca que 20 Ver ROSENTHAL R. & JACOBSON, L. “Profecias auto - realizadoras em sala de aula: as expectativas dos professores como determinantes não intencionais da competência intelectual”. In:
PATTO, M. H. S. (Org.). Introdução à Psicologia Escolar. São Paulo: Cortez, 1991.
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As escolas não podem mudar sem o empenhamento dos professores; e estes não podem mudar sem uma transformação das instituições em que trabalham. O desenvolvimento profissional dos professores tem de estar articulado com as escolas e os seus projectos.
Portanto, não se pode pensar na melhoria da formação do professor,
no processo de avaliação de seu desempenho profissional em sala de aula ou
nos mecanismos que são utilizados por eles diante do desgaste causado pelo
seu trabalho, sem pensar que esses profissionais fazem parte de uma estrutura
mais ampla, ou seja, o próprio sistema educacional.
No entanto, acredita-se que, no caso da Escola II, o corpo docente
das Classes de Aceleração se enquadra na categoria descrita por GERALDI
(1999) de professores que, mesmo diante das dificuldades no dia - a - dia das
escolas pública, persistem e procuram manter a fé na sua capacidade de “fazer
a diferença”, a partir do trabalho que realizam junto aos seus alunos.
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