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62 ARQUITETURA&URBANISMO SETEMBRO 2005
Ahheerraannççaa ddee LLee CCoorrbbuussiieerr – Como
na maioria dos países da América
Latina, a assimilação do Mo-
vimento Moderno foi lenta na
Colômbia, dado o predomínio do
academicismo europeu. Nos prédios governa-
mentais prevalecia a influência do historicis-
mo francês e, nas moradias da classe média,
eram utilizados os modelos tradicionais ingle-
ses. Em Bogotá, os bairros residenciais eram
caracterizados pelas casas em estilo Tudor
maravilhosamente construídos em tijolos
aparentes, e pela generosidade das áreas ver-
des, hoje apagadas pela presença generalizada
de prédios altos de apartamentos construídos
pela especulação imobiliária.
Com a perseguição política e racial provocada
na Europa pelo fascismo e nazismo,profissionais
qualificados emigraram para as Américas. Na
Colômbia, o italiano Bruno Violi e o alemão
Leopoldo Rother tiveram a sorte de inserir-se na
atividade profissional no momento em que o
país estava renovando a sua estrutura política
conservadora e modernizando a infra-estrutura
estatal. Projetado por Rother, o campus da
Universidade Nacional de Colômbia foi cons-
truído com uma expressão racionalista canôni-
ca, tendo sido o primeiro conjunto universitário
da América Latina edificado de acordo com os
preceitos do Movimento Moderno.
Mas a consolidação definitiva da arquitetura
moderna se deu com a visita de Le Corbusier a
Bogotá, em 1947. O arquiteto havia sido convi-
dado para elaborar o Plano Diretor da cidade,
desenvolvido com a colaboração de Jose Luis
Sert, arquiteto espanhol radicado nos Estados
Unidos, que já havia trabalhado no Brasil, onde
projetou a Cidade dos Motores, na Baixada
Fluminense, no Rio de Janeiro. Como os pais de
Salmona moraram na França (o arquiteto,
inclusive, nasceu em Paris), participaram de
uma recepção para o Mestre organizada por
ocasião de sua visita a Bogotá. A aproximação
proporcionou ao jovem estudante do primeiro
ano de arquitetura um convite para trabalhar no
escritório de Le Corbusier na Rue de Sévres.
Assim, Rogelio Salmona chega em Paris no
ano de 1948 e fica lá por quase dez anos, ou seja,
até a sua volta a Bogotá,em 1957,sempre colabo-
rando com Le Corbusier. A experiência marcou
o seu futuro profissional.Ali ele teve contato com
os intelectuais progressistas de Paris, em especial
com o historiador de arte Pierre Francastel,
duro crítico da "sociedade maquinista", e esteve
presente na euforia do pós-guerra, com a suces-
são de novas encomendas recebidas por Le
Corbusier: a Unité de Marselha, a igreja de
Ronchamp, o conjunto de Chandigarh e o Pla-
no Diretor de Bogotá. Salmona participou dire-
tamente neste último, para o qual, segundo
palavras dele próprio, sugeriu a aplicação do
sistema viário das 7V, que logo seria implanta-
do em Chandigarh. Também fez os desenhos
das casas Jaoul, em Paris, e de Ahmedabad, na
Índia, cujas coberturas com abóbadas logo uti-
lizaria nos seus projetos residenciais.
Quando Salmona afirmou se considerar dis-
cípulo de Le Corbusier, não quis dizer que
reproduzia as formas que caracterizaram a pro-
dução do Mestre nos anos 50, mas, sim, que se
identificava com as idéias, os conceitos e com
uma nova sensibilidade totalmente alheia ao
purismo racionalista e universalista dos anos 30.
O Mestre tinha desenvolvido uma liberdade
plástica e espacial que rejeitava a predetermina-
ção formal pelas tipologias funcionais já estabe-
lecidas. Segundo Silvia Arango, o conceito de
"função" foi substituído pelas múltiplas alterna-
ROGELIO SALMONA COLÔMBIA 1929
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ConjuntoResidencial SanCristobal. Bogotá,Colômbia
Residencias El Polo. Bogotá, Colômbia
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1962-19651950 Plano Piloto dos bairros de Ricaurte, La Pepita e La Estanzuela – plano de zonas verdes, sob orientação de Le Corbusier
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tivas da noção de "uso", relacionado com as
particularidades do sítio e a expressividade da
natureza. Naquela época Salmona recolhia con-
chas do mar e pedaços de madeira com formas
escultóricas, definidos como objets á reáction
poétique, logo assimilados nas obras artísticas
criadas com Constantino Nívola. E ainda que
privilegiasse o concreto armado à vista, tam-
bém o tijolo e a madeira estavam presentes nas
suas residências. Mas a herança fundamental foi
assumir a sensibilidade com a ambiência de Le
Corbusier na configuração dos espaços, pelas
qualidades variáveis da luz obtidas em Ron-
champ, La Tourette e nas casas da Índia.
As primeiras experiências profissionaisDepois de uma longa viagem pela Europa e
África e de um curto período de trabalho em
Roma com Pier Luigi Nervi, Salmona chega à
Colômbia em uma fase política relativamente
calma, e com diversos projetos de conjuntos
habitacionais desenvolvidos com recursos do
governo. Insere-se no movimento dos jovens
arquitetos, do qual faziam parte Fernando
Martínez Sanabria e Guillermo Bermúdez, que
começavam a questionar a difusão do Inter-
national Style aplicado pelas grandes empresas
estrangeiras e pela iniciativa privada no centro
de Bogotá. Salmona também se dedica à elabo-
ração de alguns projetos em equipe até obter o
diploma de arquiteto pela Universidade dos
Andes, em 1962.
A primeira dessas obras seria o prédio baixo
de apartamentos Polo Club (1959-60), em cola-
boração com Guillermo Bermúdez, construído
em tijolo aparente, mas ainda caracterizado
pelas faixas horizontais contínuas das varandas
assumidas da herança racionalista. A ruptura
aparece no conjunto habitacional de San
Cristobal (1962-1965). Situado em um bairro
periférico de baixa renda, o edifício é definido
por fortes volumes que reproduzem metaforica-
mente um telhado com duas águas na composi-
ção triangular dos blocos, cuja diagonal princi-
pal se orienta em direção ao espaço público
verde. Aqui aparece a preocupação em contex-
tualizar e com o relacionamento entre arquite-
tura e cidade, presentes, a partir daí, em todas as
suas obras. Também para uma população de
baixa renda, os sobrados em San Pablo (1965)
tentam articular uma estrutura urbana contí-
nua, oposta à autonomia tradicional da unidade
isolada no terreno. A integração obtida com os
terraços e as galerias deixava espaços livres logo
ocupados pelos moradores na expansão das
unidades residenciais.
A primeira obra madura que coloca Salmona
no patamar internacional foi o conjunto habita-
cional Torres del Parque (1965-1970), situado
em um sítio privilegiado da cidade de Bogotá,
de frente para a popular Praça de Touros, desti-
nado a moradores de classe média. Aqui, a rígi-
da geometria da Unité de Marselha ficou esque-
cida e o projeto adotou o modelo de formas
livres das torres Romeu e Julieta, em Stuttgart
(1954-1959), de Hans Scharoun.
Não foi tarefa fácil obter o apoio do Banco
Hipotecario Colombiano para a construção de
três torres com alturas e volumetrias diferencia-
das, num período burocrático dominado pelos
blocos que foram difundidos por toda a
América Latina em conjuntos habitacionais
estatais financiados pelo programa Aliança para
o Progresso, do governo norte-americano.
Concebido para abrigar 1.470 habitantes em
294 apartamentos com 17 tipos diversos e com
uma densidade de 1.840 hab/ha, o arquiteto ela-
borou complexas articulações volumétricas
1965-19701965 Torres del Parque.Bogotá, Colômbia
1976-1982 Alto de los Pinos.Bogotá, Colômbia
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Residências San Pablo.Bogotá, Colômbia
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baseadas num módulo constante da unidade
dos apartamentos. Construídas em concreto e
revestidas com tijolos aparentes, as inéditas for-
mas das varandas definem uma helicóide na
torre principal e dialogam com a elipse da Praça
de Touros, com as montanhas vizinhas e com os
espaços públicos verdes criados no embasa-
mento dos edifícios.
A originalidade das torres e a sua presença
marcante no skyline da cidade as transforma-
ram em paradigma da qualidade estética que
poderiam ter tido os conjuntos habitacionais
financiados pelo Estado. Mas a sua exemplari-
dade só repercutiu na nova geração de arquite-
tos, que se opunha à dinâmica especulativa que
marcava as obras urbanas, e naqueles clientes
iluminados que apoiariam o desenvolvimento
de uma arquitetura moderna nacional reconhe-
cida por sua seriedade, criatividade e adaptação
às condições culturais e econômicas locais.
Aprofundando a linguagem experimental
desenvolvida nas torres, Salmona constrói, nos
anos 70, várias obras significativas. Além do
prédio da Sociedade Colombiana de Arquitetos
(1970), também situado diante da Praça de
Touros e onde mantém o seu escritório, na
cobertura, Salmona desenvolveu o Automóvel
Clube de Colômbia (1972), com volumes esca-
lonados que contornam o pátio de acesso, e o
edifício de apartamentos Los Pinos (1976-
1982), implantado em um terreno de encosta
com forte declividade, o que permitiu uma livre
articulação volumétrica das unidades habita-
cionais ao longo da pendente.
Esse período de ensaios, no relacionamento
entre os prédios e a cidade se conclui na casa
Franco, em Tabío (1978-1979), uma área resi-
dencial rural de Bogotá, cuja complexidade
espacial e compositiva se expande sobre uma
grande área livre.
As teses do regionalismo críticoCom a irrupção do cosmopolitismo banal
identificado com o estilo pós-moderno na
América Latina, surgiu um movimento de defe-
sa da identidade arquitetônica e cultural nacio-
nal, aglutinando críticos e profissionais da
região. Reunidos nos Seminários de Arquitetura
Latino-Americana (SAL) desde 1985, até hoje
debatem os conteúdos e as condicionantes de
uma expressão definida como uma "moderni-
dade apropriada", segundo o chileno Fernández
Cox. Desde que participou do primeiro SAL, em
Cali, Salmona foi um dos principais promotores
desse movimento e chegou a organizar o 3o SAL,
em 1987, em Manizales. O princípio essencial
defendido foi que a solução arquitetônica não
podia surgir de uma resposta abstrata e precon-
cebida, mas devia "respeitar as particularidades
do sítio, respeitar a escala orgânica do espaço e o
princípio de organização do construído", con-
forme Salmona, em 1983. Além disso, a expres-
são contemporânea da solução obtida teria que
incorporar a releitura da herança histórica, das
tradições locais e da cultura popular.
A Casa dos Hóspedes Ilustres, em Cartagena
de Índias (1978-1981), solicitada pelo governo
para residência de verão do Presidente e dos
seus convidados especiais, resume os princípios
citados. Situada em uma península de frente
para o mar, se relaciona com uma das cidades
coloniais espanholas melhor conservadas do
continente, caracterizada pela muralha quase
intacta e o complexo sistema de fortificações. O
extenso conjunto formado pela casa, que além
dos amplos quartos e salas ocupadas pelo presi-
dente, tem doze dormitórios e uma sala de jan-
tar para trinta convidados, se desenvolve hori-
zontalmente numa sucessão de pátios, terraços,
jardins e galerias contidos em uma sóbria cons-
trução de pedra e abóbadas de tijolos aparentes.
ROGELIO SALMONA COLÔMBIA 1929
D O C U M E N T O
1983-1986 Museu Quimbaya.Armênia, Colômbia
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Casa Franco. Tabio,Colômbia
1978-1979
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Casa de HóspedesIlustres. Cartagenade Índias, Colômbia
1978-1979
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