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CINCO
Caracterização dos Ácidos Húmicos 42
5 CARACTERIZAÇÃO DOS ÁCIDOS HÚMICOS
5.1 Extração e Purificação
5.1.1 Introdução
As substâncias húmicas (SH) são usualmente fracionadas com
base nas suas solubilidades, sendo os ácidos húmicos (AH) a fração solúvel
em álcalis e insolúvel em meio ácido. O percentual de material húmico
extraído varia consideravelmente de um tipo de matriz para outro, e, em
geral, é maior quando se aumenta o pH do extrator e a temperatura de
extração (Stevenson, 1994).
A solubilização dos AH em meio alcalino se deve à conversão
dos grupos ácidos (principalmente carboxílicos e fenólicos) em íons. A
repulsão eletrostática entre os íons formados e as argilas (também
carregadas negativamente) e a repulsão intramolecular, que leva a uma
conformação menos “enovelada” dos AH, facilita sua hidratação. Ressalta-
se, porém, que sais (humatos) de cátions polivalentes não são solúveis.
De acordo com Stevenson (1994), o método de extração ideal
seria aquele que permitisse o isolamento dos AH inalterados, livres de
contaminantes e representativos de toda a amplitude de massas
moleculares, e que fosse aplicável a qualquer tipo de matriz. Entretanto, tal
método ainda não fora desenvolvido e, provavelmente, nunca o será, dada a
complexidade da matriz.
Dentre os vários solventes empregados nos processos de
extração dos AH em matrizes sólidas, a solução de NaOH é o mais utilizado
e é o sugerido pela Sociedade Internacional de Substâncias Húmicas (IHSS)
(http://www.ihss.gatech.edu). Sua principal vantagem é extrair uma maior
Caracterização dos Ácidos Húmicos 43
quantidade de material do que qualquer outro extrator disponível. No
entanto, esse extrator tem recebido diversas críticas (Stevenson, 1994),
como o fato de dissolver a sílica e tecidos orgânicos frescos que
contaminariam o extrato, e promover alterações químicas, como auto-
oxidação de alguns componentes orgânicos e condensação entre
aminoácidos e carbonilas de aldeídos aromáticos, decorrentes da absorção
de oxigênio da atmosfera. Nesse último caso, esse efeito pode ser
minimizado, realizando-se a extração sob atmosfera de N2, apesar de Tan et
al. (1991) não terem verificado nenhum efeito da atmosfera sobre as
características físico-químicas de diferentes frações humificadas.
Frente a essas considerações, outros extratores mais brandos
têm sido utilizados, cada um apresentando vantagens e desvantagens, mas
todos com capacidade extratora inferior a do NaOH. Entre os extratores mais
utilizados, além do NaOH, estão o Na2CO3, o Na4P2O7, o Na2B4O7 e o NaF,
além de alguns solventes orgânicos, como piridina, dimetilformamida,
dimetilsulfóxido e ácido fórmico (Hayes e Clapp, 2001; Piccolo et al., 1990).
Reagentes que formam complexos, como EDTA, acetilacetona e
hidroxiquinona, também podem ser utilizados, pois evitam a fixação de
substâncias orgânicas em componentes inorgânicos. Com a finalidade de
aumentar-se a eficiência dos extratores, pode-se submeter a suspensão do
solo a um tratamento de dispersão dos colóides com o uso de vibração
ultrassônica (Novotny, 2002).
Powell e Town (1992) mostraram que a solubilidade das SH
aumenta com o pH e diminui com a intensidade iônica do meio, e
observaram que o Na4P2O7, em pH 9,2, é um bom solvente para AH de
solos, pois apresenta eficiência de extração similar ao NaOH, com um índice
de degradação oxidativa bem menor (Powell e Fenton, 1996; Gregor e
Powell, 1986). Dick et al. (1999) observaram que as SH de solo extraídas
com Na4P2O7 apresentaram maior caráter aromático e maior proporção de
grupos carboxílicos que as SH extraídas com NaOH.
A purificação dos AH é feita geralmente com solução mista de
HCl e HF (conforme sugestão da IHSS), que promove a quebra das ligações
Si–O entre a argila e a matéria orgânica, solubilizando dessa forma os argilo-
Caracterização dos Ácidos Húmicos 44
minerais. Sánchez-Monedero et al. (2002) verificaram que o tratamento com
HCl-HF reduz significativamente o teor de cinzas dos AH sem grande
alteração na sua composição química e na sua estrutura. Por outro lado,
Piccolo et al. (1990) observaram redução de componentes alifáticos e
carboidratos em SH purificadas com essa solução ácida.
5.1.2 Materiais e Métodos
A extração e purificação dos AH foram feitas de acordo com a
metodologia convencional sugerida pela Sociedade Internacional de
Substâncias Húmicas, com a alternativa de também usar pirofosfato de
sódio no lugar de hidróxido de sódio como extrator. Foram utilizados 100 g
de vermicomposto (para extração com NaOH e com Na4P2O7), 80 g de turfa
(para extração com Na4P2O7) e 25 g de turfa (para extração com NaOH). As
extrações foram feitas em triplicata. O procedimento está resumido a seguir
(para uma quantidade de 100 g de amostra seca ao ar):
• A amostra (previamente seca a temperatura ambiente e peneirada em
malha de 2 mm) foi transferida a um béquer no qual foi adicionado 1,0 L
de solução de HCl 0,1 mol L-1. A suspensão foi agitada por 1 hora.
• Depois de removido o sobrenadante por sifonação, foi adicionado ao
resíduo 1,0 L de solução de NaOH 0,1 mol L-1 (ou Na4P2O7 0,1 mol L-1).
A mistura foi agitada por 4 horas e, em seguida, deixada em repouso por
12 horas a temperatura ambiente.
• A mistura foi então centrifugada a 7500 rpm (5,53 x 103 g) por 20
minutos. O sobrenadante foi novamente centrifugado e, depois,
acidificado com uma solução de HCl 6 mol L-1 até pH 1,0
(aproximadamente 500 mL) e deixado em repouso por 12 horas.
• O precipitado (AH) foi separado da fração solúvel, ácido fúlvico (AF), por
nova centrifugação a 7500 rpm por 20 minutos.
• Em um béquer de plástico, foi adicionado ao AH cerca de 250 mL de
solução composta de HCl 0,1 mol L-1 e HF 0,3 mol L-1. Deixou-se em
agitação por 4 horas e em repouso por, no mínimo, 24 horas.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 45
• A suspensão foi centrifugada (7500 rpm por 20 minutos) e, após se
eliminar o sobrenadante, o resíduo foi transferido, com auxílio de água
destilada, para uma membrana de diálise da marca Spectrapor (Thomas
Scientific), com 65 cm de comprimento por 50 mm de largura, capacidade
de 8,0 mL cm-1 e porosidade para moléculas com massa molecular de
6000 a 8000 daltons. Essa membrana ficou em um recipiente plástico
com água destilada e desionizada (trocada duas vezes por dia) sob
agitação constante por aproximadamente 5 dias.
• O AH foi então liofilizado e mantido em dessecador.
Antes de serem utilizadas na purificação dos AH, as
membranas de diálise foram devidamente tratadas para remoção de
glicerina, traços de compostos sulfurosos e metais, seguindo o procedimento
estabelecido por McPhie:
• As membranas foram fervidas por 1 hora em 1 litro de etanol 50%.
• As membranas foram então agitadas por 1 hora a temperatura ambiente
em solução de NaHCO3 0,01 mol L-1 e EDTA dissódico 0,001 mol L-1.
• Repetiu-se o procedimento com água destilada, depois com nova
solução de NaHCO3 0,01 mol L-1 e EDTA 0,001 mol L-1, e, por fim, com
água destilada.
5.1.3 Resultados e Discussão
A tabela 9 mostra as quantidades de AH de turfa extraídas com
NaOH e com Na4P2O7 (TN e TP, respectivamente) e AH de vermicomposto
extraídas com NaOH e com Na4P2O7 (VN e VP, respectivamente).
Caracterização dos Ácidos Húmicos 46
TABELA 9 - Quantidade extraída (e quantidade extraída em relação ao teor
de matéria orgânica) de ácidos húmicos de turfa e vermicomposto (entre
parênteses: desvio-padrão; n = 3 determinações).
Amostra Quantidade extraída (%) Quantidade extraída/matériaorgânica (%)
TN 8,60 (0,50) 16,51 (0,96)
TP 7,46 (0,23) 14,32 (0,44)
VN 3,55 (0,37) 12,75 (1,33)
VP 1,04 (0,09) 3,74 (0,32)
Pode ser observado na tabela 9 que a quantidade de ácidos
húmicos extraídos de turfa é muito maior que a quantidade extraída de
vermicomposto. Normalizando-se pelo teor de matéria orgânica, a
quantidade de AH extraídos no vermicomposto ainda assim foi menor que na
turfa. Esse resultado era esperado, uma vez que o vermicomposto teve um
tempo de humificação consideravelmente menor. Além disso, a solução de
NaOH extrai cerca de 3 vezes e meia mais AH de vermicomposto que a
solução de pirofosfato de sódio, fato esse que pode ser explicado pela maior
alcalinidade do hidróxido de sódio. Entretanto, para turfa, a quantidade de
AH extraídos variou muito pouco, alterando-se o extrator. Dados da literatura
(Dick et al., 1999) mostram que, dependendo do solo, a diferença na
quantidade extraída de AH, variando-se o extrator, pode ser maior ou menor.
Além disso, pelo fato de se ter utilizado quantidades iniciais da matriz
diferentes, as possíveis perdas durante o processo de extração podem não
ter sido proporcionais à massa inicial.
5.2 Teor de Cinzas
5.2.1 Introdução
O teor de cinzas corresponde à quantidade de matéria
inorgânica, especialmente sílica e metais, presentes no ácido húmico. Esse
Caracterização dos Ácidos Húmicos 47
valor reflete na eficiência da extração e purificação. Valores altos de cinzas
podem comprometer a interpretação da análise elementar e interfere nas
análises de NMR e EPR.
5.2.2 Materiais e Métodos
Aproximadamente 50,0 mg da amostra de ácido húmico foram
colocados em mufla, a 550 °C, por 4 horas, em um cadinho de platina
previamente tarado. As determinações foram feitas em triplicata.
O teor de cinzas foi calculado seguindo a equação 21:
0
100mmC = (21)
em que: C = teor de cinzas (em %);
m = massa (em miligramas) da amostra calcinada;
m0 = massa (em miligramas) da amostra não calcinada.
5.2.3 Resultados e Discussão
Os resultados de teor de cinzas estão expostos na tabela 10.
TABELA 10 - Teor de cinzas das amostras de ácidos húmicos (entre
parênteses: desvio-padrão; n = 3 determinações).
Amostra Teor de cinzas (%)
TN 1,0 (0,3)
TP 1,1 (0,5)
VN 2,1 (0,5)
VP 2,1 (0,1)
Como pode ser visto na tabela 10, os teores de cinzas de todas
as amostras ficaram abaixo de 3%, o que pode ser considerado satisfatório
para as análises subseqüentes.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 48
5.3 Acidez Total, Carboxílica e Fenólica
5.3.1 Introdução
A determinação de acidez em ácidos húmicos é um importante
passo na sua caracterização, pois indica o número de grupos ácidos
(essencialmente carboxílicos e fenólicos) presentes na estrutura. Vários
métodos foram propostos para determinar esses grupos ácidos, desde
titulações potenciométricas diretas (Conte et al., 2003), até métodos
espectroscópicos (Cabaniss, 1991; Masini et al., 1998). Porém, o método
mais utilizado se baseia em titulação potenciométrica indireta, com hidróxido
de bário (para acidez total) e acetato de cálcio (para acidez carboxílica)
(Schnitzer e Gupta, 1965; Schnitzer e Khan, 1972). Esse método se mostrou
mais reprodutivo que as titulações diretas (Perdue, 1985) e é o mais utilizado
para substâncias húmicas (Ayuso et al., 1997; Landgraf et al., 1998b; Poppi
e Talamoni, 1992; Rasyid et al., 1992). Bonn e Fish (1991) estudaram a
relação da acidez carboxílica com a razão acidez total e quantidade de
acetato.
5.3.2 Materiais e Métodos
Acidez Total: Uma amostra de 100 mg de AH foi colocada em
um erlenmeyer de 25 mL, juntamente com 10 mL de solução 0,1 mol L-1 de
hidróxido de bário (Ba(OH)2). A água utilizada para preparar a solução
alcalina foi previamente fervida para retirada de CO2. Foi também preparado
uma solução referência (branco), constituída apenas de 10 mL da solução
de Ba(OH)2. Passou-se um fluxo de nitrogênio nos erlenmeyers, que foram
então submetidos à agitação por 24 horas a temperatura ambiente. Em
seguida, a suspensão foi filtrada em papel de filtro comum, sendo coletados
5 mL do filtrado, que foi titulado potenciometricamente com uma solução
padrão de HCl 0,05 mol L-1. O ponto de equivalência foi determinado em pH
8,4. A acidez total foi calculada pela equação 22.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 49
( )alíquota
base
AH
abrancoT V
Vm
CVVA .
.−= (22)
em que: AT = acidez total (em mmolc g-1);
Vbranco = volume de HCl usado na titulação do branco;
V = volume de HCl usado na titulação da amostra;
Ca = concentração da solução de HCl;
mAH = massa de ácido húmico;
Vbase = volume total de Ba(OH)2 utilizado (10 mL);
Valíquota = volume da alíquota utilizado na titulação (5 mL).
Acidez Carboxílica: Uma amostra de 50 mg de AH foi colocada
em um erlenmeyer de 25 mL, juntamente com 20 mL de solução 0,1 mol L-1
de acetato de cálcio (Ca(CH3COO)2). A água utilizada para preparar a
solução foi previamente fervida para retirada de CO2. Foi também preparado
um branco, constituído apenas de 20 mL da solução de Ca(CH3COO)2.
Passou-se um fluxo de nitrogênio nos erlenmeyers, que foram então
submetidos à agitação por 24 horas à temperatura ambiente. Em seguida, a
suspensão foi filtrada em papel de filtro comum, sendo coletados 10 mL do
filtrado, que foi titulado potenciometricamente com uma solução padrão de
NaOH 0,05 mol L-1. O ponto de equivalência foi determinado em pH 9,8. A
acidez total foi calculada pela equação 3.
( )alíquota
acetato
AH
bbrancoC V
Vm
CVVA .
.−= (23)
em que: AC = acidez carboxílica (em mmolc g-1);
V = volume de NaOH usado na titulação da amostra;
Vbranco = volume de NaOH usado na titulação do branco;
Cb = concentração da solução de NaOH;
mAH = massa de ácido húmico;
Vacetato = volume total de acetato de cálcio utilizado (20 mL);
Valíquota = volume da alíquota utilizado na titulação (10 mL).
Caracterização dos Ácidos Húmicos 50
Acidez Fenólica: A determinação da acidez fenólica foi feita por
diferença entre a acidez total e a acidez carboxílica.
5.3.3 Resultados e Discussão
Os resultados da análise de acidez estão mostrados na tabela
11 e os gráficos titulométricos estão mostrados nas figuras 16 e 17.
TABELA 11 - Acidez total, carboxílica e fenólica das amostras de ácidos
húmicos (valores em mmolc g-1) (n = 6 determinações).
Amostra Acidez total Acidez carboxílica Acidez fenólica
TN 6,8 ± 0,5 3,9 ± 0,2 2,9 ± 0,5
TP 6,8 ± 0,6 4,3 ± 0,4 2,5 ± 0,7
VN 4,8 ± 0,2 2,3 ± 0,2 2,5 ± 0,3
VP 5,7 ± 0,3 2,8 ± 0,1 2,9 ± 0,3
0 5 10 15 20 25 300
2
4
6
8
10
12
14
turfa/NaOH turfa/Na4P2O7 vermicomposto/NaOH vermicomposto/Na4P2O7 branco
pH
Volume de HCl (mL)FIGURA 16 - Curva titulométrica de ácidos húmicos (dissolvidos em solução
de Ba(OH)2) com HCl 0,05 mol L-1 (acidez total).
Caracterização dos Ácidos Húmicos 51
0 2 4 6 8 105
6
7
8
9
10
11
12
turfa/NaOH turfa/Na4P2O7 vermicomposto/NaOH vermicomposto/Na4P2O7 brancopH
Volume de NaOH (mL)
FIGURA 17 - Curva titulométrica de ácidos húmicos (dissolvidos em solução
de Ca(CH3COO)2) com NaOH 0,05 mol L-1 (acidez carboxílica).
Esses resultados mostram uma maior acidez carboxílica nas
amostras de AH de turfa. Observa-se também uma maior acidez carboxílica
nas amostras de vermicomposto extraídas com pirofosfato de sódio em
relação às extraídas com hidróxido de sódio, ou seja, o pirofosfato de sódio
foi mais seletivo em relação aos grupos funcionais dos AH.
5.4 Titulação Potenciométrica – Funções de Gran
5.4.1 Introdução
Titulações potenciométricas são freqüentemente utilizadas para
se estudar as propriedades ácido-base das substâncias húmicas. A
presença de grupos fenólicos e carboxílicos com diferentes forças ácidas,
aliada a efeitos eletrostáticos, devido à acumulação de cargas na
macromolécula, leva a curvas de titulação sem nenhum ponto de inflexão
abrupta. Assim, o uso de métodos numéricos tem sido proposto para
distinguir grupos ácidos de diferentes forças.
Titulações de ácidos húmicos em meio aquoso usando funções
de Gran modificadas (baseadas em equações lineares) foram estudadas por
alguns pesquisadores (Abate e Masini, 2001; Aleixo et al., 1992; Cabaniss,
Caracterização dos Ácidos Húmicos 52
1991; Masini, 1994). Masini et al. (1998) utilizaram funções de Gran, com
regressão não-linear, para determinação das constantes de ionização dos
sítios ionizáveis de amostras de AH da Aldrich e de vermicomposto. Outros
modelos potenciométricos também foram utilizados nos estudos das
propriedades ácidas das SH (Bonn e Fish, 1991; Falzoni et al., 1998;
Fukushima et al., 1996; Kurková et al., 2004; Manusa et al., 1992; Marshall
et al., 1995). Métodos baseados em titulações condutimétricas (Van der
Hoop e Van Leeuwen, 1990) e por espectroscopia no infravermelho
(Cabaniss, 1991) também foram propostos.
5.4.2 Materiais e Métodos
As titulações potenciométricas foram realizadas, utilizando-se
um pHmetro Metrohm 654, com precisão de 0,1 mV ou 0,001 unidades de
pH, uma bomba de pistão do sistema FIALab 3500 (capacidade de 2,5 mL e
resolução de 0,1 µL) nas titulações, e uma cela de vidro com capacidade de
50,0 mL provida de uma “camisa” externa que permite a circulação de água
com o objetivo de manter a temperatura constante. Durante todas as
titulações, a cela foi termostatizada a 25,0 ± 0,5 °C com auxílio do banho
termostático Ética 521D, e circulado N2 livre de CO2 em seu interior.
Nas titulações dos AH, foram preparadas suspensões das
amostras (cerca de 12 mg) em 25 mL de solução de KNO3 0,1 mol L-1 (para
se ajustar a concentração iônica do meio). As concentrações de AH e a
concentração iônica foram escolhidas como os valores que propiciaram
melhores resultados em experimentos realizados por Masini (1999). As
suspensões foram tituladas com solução de NaOH 0,1241 mol L-1, e foram
obtidos cerca de 80 pontos (volume de NaOH e potencial do eletrodo) para
cada amostra. Uma vez por dia, eram realizados experimentos de calibração
dos eletrodos (para determinação do produto de ionização da água e
conversão de potencial para pH), utilizando-se um volume inicial (Vo) de
27,5 mL (25,0 mL de KNO3 0,1 mol L-1 e 2,5 mL de HCl) e solução de NaOH
0,1241 mol L-1 como titulante (fluxo de 50 µL s-1).
Caracterização dos Ácidos Húmicos 53
Para determinação dos parâmetros ácido-base (inclusive pKa)
das amostras, foram usadas as funções de Gran, com regressão não-linear.
Para tanto, foi utilizado o algoritmo MIXAC, suportado em linguagem Q-
BASIC. Para a conversão de potencial para pH, utilizou-se o algoritmo
CONVERT, também em linguagem Q-BASIC.
5.4.3 Calibração dos Eletrodos
Pela teoria de Debye-Hückel, mantendo-se constante a
temperatura e o meio iônico, os coeficientes de atividade do íon H+ mantêm-
se constantes durante a titulação. Com isso, a equação de Nernst pode ser
escrita como:
joa EHEE ++= + ]log[16,59 (24)
em que: E = potencial medido;
Eoa = termo que engloba o potencial padrão do eletrodo e o
coeficiente de atividade do íon H+;
Ej = potencial de junção líquida.
O potencial de junção líquida pode ser representado por:
].[].[ −+ += OHJHJE OHHj(25)
em que: JH e JOH são característicos do meio iônico.
Na região ácida da titulação de calibração, o termo JOH[OH–]
pode ser desprezado, e a equação 24 pode ser escrita como:
].[]log[16,59 ++ ++= HJHEE Hoa
(26)
Colocando-se em um gráfico o termo E – 59, 16 log[H+] em
função de [H+], obtém-se uma reta cujo coeficiente angular é igual a JH e o
coeficiente linear igual a Eoa.
De forma análoga, na região alcalina da titulação, o gráfico de
E – 59,16 log[OH–] em função de [OH–] fornece JOH e Eob.
Os valores de [H+] e [OH–] podem ser obtidos pelas equações:
( )b
o
e CVVVV
H .][+−
=+ (27)
Caracterização dos Ácidos Húmicos 54
( )b
o
e CVVVV
OH .][+
−=−
(28)
em que: Ve = volume de equivalência;
V = volume do titulante adicionado;
Vo = volume inicial do titulado;
Cb = concentração da base.
O volume de equivalência, por sua vez, pode ser determinado
pela interseção das funções de Gran F1 = (Vo + V) x 10E/59,16 (região ácida) e
F2 = (Vo + V) x 10–E/59,16 (região alcalina) com o eixo do volume do titulante
adicionado (V).
Por fim, a constante de ionização da água (Kw), no meio iônico
e temperatura usados, pode ser determinado pela expressão:
16,59log
ob
oa
wEE
K−
= (29)
Assim, a partir de uma titulação potenciométrica de um ácido
forte e uma base forte de concentração conhecida, a temperatura e meio
iônico constantes, é possível determinar os valores de Eoa, JH e JOH, além do
produto iônico da água, Kw. Com isso, torna-se possível relacionar o
potencial medido com [H+] (ou com pH), usando-se a equação 24 para a
titulação de uma amostra desconhecida, realizada nas mesmas condições
de temperatura e concentração iônica.
5.4.4 Cálculo do pKa dos Ácidos Húmicos
Foi utilizado o método não-linear de Gran para determinação
do pKa de uma amostra de AH de vermicomposto. O programa de regressão
não-linear utiliza a equação geral que descreve a titulação de uma mistura
de um ácido forte com N ácidos fracos (sítios ionizáveis):
( ) ( ) { }( ) ( ){ }∑=
+++−
−−+−+−=N
jbjHAHAowbHA CAVVVVHKHCVVHVf
jjo1
...][][.,1 (30)
em que: V = volume do titulante;
Vo = volume inicial presente na cela;
Caracterização dos Ácidos Húmicos 55
VHAo e VHAj = volume de equivalência para o ácido forte e para o j-
ésimo ácido fraco;
Kw = produto de ionização da água a 25 °C;
Cb = concentração do titulante (em mol L-1).
O termo Aj é definido por:
][ ++=
HK
KA
j
j
HA
HAj (31)
O pH é adotado como variável dependente e o volume do
titulante como variável independente. VHAj e KHAj são os parâmetros
ajustáveis no cálculo, que é realizado minimizando-se o erro da soma, S:
( )2
1'∑
=
−=m
jjj pHpHS (32)
em que: m = total de dados (V, pH) usado na análise de regressão;
pHj = pH experimental;
pH’j = pH calculado.
Os valores de pH foram calculados usando-se uma sub-rotina
iterativa baseada no método de Newton-Raphson. Inicialmente, os valores
de [H+] são calculados usando os valores iniciais estimados para VHAj e KHAj.
As melhores aproximações para os valores de [H+] calculados no ponto
experimental j são obtidos através de sucessivas iterações, k, de acordo
com a equação:
( )( )kj
kjkjkj HVf
HVfHH
,
,,1, ][,'
][,][][
+
++
++ −= (33)
em que: f’(V, [H+]j,k) = primeira derivada da equação 6666.
A equação 33 é usada repetidamente até que ocorra a
convergência a um valor limite, previamente definido por:
00001,0][
][][
,
,1, <−
+
++
+
kj
kjkj
HHH
(34)
Caracterização dos Ácidos Húmicos 56
5.4.5 Resultados e Discussão
A figura 18 mostra as curvas de titulação das amostras de
ácidos húmicos, de onde se pode observar que praticamente não há pontos
de inflexão bem definidos, indicando a presença de grande quantidade de
grupos ácidos com diferentes valores de pKa.
0 400 800 1200 1600 20002
4
6
8
10
12
turfa/NaOH turfa/Na4P2O7 vermicomposto/NaOH vermicomposto/Na4P2O7
pH
Volume de NaOH (µL)
FIGURA 18 - Curvas de titulação experimentais obtidos para os ácidos
húmicos de turfa e vermicomposto (ca. 0,5 g L-1 em KNO3 0,1 mol L-1) com
NaOH 0,1241 mol L-1.
A tabela 12 mostra os valores de pKa obtidos da função de
Gran, com regressão não-linear, de uma amostra de ácido húmico de
vermicomposto.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 57
TABELA 12 - Valores de constante de ionização ácida (Ka e pKa) e
concentração em mmol por grama de ácido húmico (CHA) relacionados às
espécies ionizáveis HAi (i = 1 a 4) de ácidos húmicos de vermicomposto.
Resultados obtidos por função de Gran (regressão não-linear).
HA1 HA2 HA3 HA4
Ka 1,61 x 10-4 2,78 x 10-6 1,23 x 10-7 2,93 x 10-9
pKa 3,79 5,56 6,91 8,53
CHA 0,77 1,25 1,12 0,72
As 3 primeiras espécies (HA1 a HA3) foram tituladas em um
intervalo de pH característico de grupos carboxílicos, enquanto HA4 pode ser
atribuído a grupos fenólicos (Masini, 1999).
Os valores de pKa obtidos para a amostra de AH foi bem
semelhantes aos observados na literatura para AH de vermicomposto
(Masini, 1999; Masini et al., 1998).
5.5 Análise Elementar (CHNS)
5.5.1 Introdução
Os primeiros experimentos para determinação da composição
elementar das SH foram feitos por Sprengel e Berzelius entre os anos de
1826 e 1845 (Stevenson, 1994). Segundo eles, as SH eram constituídas
essencialmente de carbono (C), hidrogênio (H), nitrogênio (N) e oxigênio (O),
sendo C e O os elementos mais abundantes.
Os métodos para determinação desses elementos são muito
variados, dentre eles os métodos químicos. Assim, carbono e hidrogênio
podem ser determinados por combustão completa a seco, nitrogênio pelos
métodos de Dumas ou de Kjeldahl, oxigênio por pirólise redutiva e enxofre
por combustão (Huffman Jr. e Stuber, 1985)
Entretanto, a utilização de analisadores elementares
automáticos trouxe avanços consideráveis nesse sentido, permitindo
Caracterização dos Ácidos Húmicos 58
análises rápidas e confiáveis. Os analisadores elementares atuais são
baseados na oxidação da amostra em alta temperatura, depois da qual os
gases resultantes são separados por uma coluna cromatográfica e
detectados, geralmente, por condutividade térmica (Skoog et al., 2002).
Informações isoladas sobre a composição elementar dessas
substâncias não são muito conclusivas, e as razões atômicas (H/C, O/C,
C/N) têm sido preferencialmente utilizadas para estabelecer o grau de
condensação, as transformações diagenéticas, bem como as condições
ambientais sob as quais elas foram formadas. Existem, inclusive, diversos
diagramas que relacionam as razões atômicas com o tipo de material
húmico (Yonebayashi e Hattori, 1988).
A razão H/C é freqüentemente associada ao grau de
condensação ou de aromaticidade, e este, por sua vez, ao grau de
humificação, sendo que maiores valores de H/C (ou menores valores de
C/H) indicam maior quantidade de grupos alifáticos, típicos de materiais
menos humificados (Stevenson, 1994). As razões O/C e C/N indicam,
respectivamente, o teor de grupos oxigenados presentes na molécula e o
grau de incorporação de nitrogênio na estrutura. Apesar de não ter uma
relação tão direta, amostras mais humificadas apresentam, em geral,
maiores valores de O/C e C/N (Stearman et al., 1989).
Em geral, ácidos húmicos apresentam menores valores de H/C
e O/C que ácidos fúlvicos (Bravard e Righi, 1991; Rasyid et al., 1992).
Veeken et al. (2000) observaram um decréscimo nas razões H/C e C/N e
aumento na razão O/C quando se aumentava o tempo de compostagem de
resíduos urbanos. Outros parâmetros que podem ser obtidos pela análise
elementar são grau de polaridade, correspondente à razão atômica (O +
N)/C (Fukushima et al., 1996) e grau de oxidação, correspondente à razão
atômica (2O – H)/C (Canellas, 1999).
5.5.2 Materiais e Métodos
Os experimentos foram realizados em um analisador elementar
CE Instruments EA 1110 CHNS-O, em que foram utilizados os seguintes
Caracterização dos Ácidos Húmicos 59
padrões: L-cistina, sulfanilamida, DL-metionina e BBOT (2,5-bis-(5-tert-butil-
benzoxazol-2-il)-tiofeno). Foram pesados, em cada análise, cerca de 2 mg
de amostra. Os valores de C, H, N e S (porcentagem em massa) foram
corrigidos para base seca e sem cinzas (valor corrigido = valor original x 100
÷ (100 – teor de umidade – teor de cinzas)), sendo que do teor de H foi
subtraído o H originário da umidade, antes da correção para base seca e
sem cinzas. O teor de oxigênio foi determinado por diferença a 100% a partir
dos valores de C, H, N e S corrigidos.
Os parâmetros H/C, O/C, C/N e (O + N)/C foram determinados
pelas razões atômicas, ou seja, dividindo-se previamente as porcentagens
em massa dos elementos por suas respectivas massas atômicas.
5.5.3 Resultados e Discussão
Os valores de porcentagem em massa de C, H, N, S e O, e as
razões atômicas H/C, e O/C e C/N, estão mostrados na tabela 13.
TABELA 13 - Teor (em massa) de C, H, N, S e O, e razões elementares H/C,
O/C, C/N e (O + N)/C das amostras de ácidos húmicos (entre parênteses:
desvio-padrão; n = 3 determinações).
TN TP VN VP
C (%) 55,82 (0,06) 55,15 (0,25) 53,03 (0,65) 52,81 (0,20)
H (%) 4,45 (0,09) 4,20 (0,14) 5,81 (0,17) 5,21 (0,47)
N (%) 3,11 (0,04) 2,75 (0,08) 3,67 (0,02) 3,58 (0,09)
S (%) nd nd nd nd
O (%) 36,63 (0,09) 37,90 (0,32) 37,49 (0,80) 38,40 (0,59)
H/C 0,96 (0,02) 0,91 (0,03) 1,31 (0,02) 1,18 (0,10)
O/C 0,49 (0,00) 0,52 (0,01) 0,53 (0,02) 0,55 (0,01)
C/N 20,96 (0,27) 23,45 (0,58) 16,85 (0,28) 17,20 (0,49)
(O + N)/C 0,54 (0,00) 0,56 (0,01) 0,59 (0,02) 0,60 (0,01)nd = não detectado.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 60
As razões H/C obtidas para as amostras de AH de
vermicomposto foram maiores que das amostras de AH de turfa (e próximas
às encontradas por Hervas et al., 1989), indicando uma menor proporção de
estruturas condensadas no AH de vermicomposto. Esse resultado confirma
o esperado, uma vez que o vermicomposto é bem menos humificado (e,
conseqüentemente, com menor quantidade de estruturas aromáticas) que a
turfa. Com a razões O/C e (O+N)/C acontece o mesmo, apesar da diferença
ser bem menor, indicando menor quantidade de grupos oxigenados nas
amostras de AH de turfa.
Comparando-se as extrações, observa-se valores muito
próximos entre AH extraídos com NaOH e com pirofosfato de sódio. As
razões H/C são ligeiramente menores para AH extraídos com pirofosfato.
Entretanto, as razões O/C são praticamente iguais entre os AH extraídos
com NaOH e com pirofosfato.
A figura 19 apresenta um diagrama de Van Krevelen que
correlaciona as razões atômicas H/C e O/C, discriminando os diferentes
tipos de materiais e os mecanismos de reação. Pode ser observado que as
amostras estudadas ficaram nas regiões características de turfa e ácidos
húmicos (não há no diagrama região característica de materiais
compostados).
FIGURA 19 - Diagrama de Van Krevelen de correlação entre as razões H/C
e O/C e o tipo de matriz. Os pontos coloridos correspondem às amostras de
ácidos húmicos (preto: TN; vermelho: TP; verde: VN; azul: VP).
Caracterização dos Ácidos Húmicos 61
5.6 Análise Termogravimétrica
5.6.1 Introdução
No estudo de substâncias húmicas e de matéria orgânica do
solo em geral, a termogravimetria é bastante utilizada para quantificar teor
de umidade e de cinzas (resíduos inorgânicos). Entretanto, alguns autores
têm usado essa técnica, juntamente com outras análises térmicas, para
caracterizar substâncias húmicas (Esteves e Duarte, 1999; Provenzano et
al., 1998; Provenzano e Senesi, 1999) e estudar interações de SH com íons
metálicos (Martyniuk et al., 2001; Prado e Airoldi, 2003).
Diferenças nas curvas termogravimétricas (TG) e
especialmente nas suas primeiras derivadas (DTG), que enfatizam
mudanças no sinal, são provavelmente devido a diferentes graus de
humificação (Busnot et al., 1995; Pietro e Paola, 2004) e a diferentes
mecanismos químicos e biológicos que originaram as substâncias húmicas.
Em substâncias húmicas, as curvas TG e DTG apresentam
duas perdas de massa correspondente à matéria orgânica: uma perda
abaixo de 300 °C, referente à decomposição de carboidratos e grupos
carboxílicos, metil, metileno e alcoólicos e perda de insaturação, e uma
perda a temperaturas mais elevadas (> 300 °C) devido à oxidação e
policondensação de estruturas aromáticas (Campanella e Tomassetti, 1990;
Provenzano et al., 1998). Assim, a razão entre as perdas de massa em
temperaturas maiores e as perdas de massa em temperaturas menores,
chamada de Índice Termogravimétrico (ITG), pode ser um bom indicativo de
quantidade relativa de estruturas aromáticas e, conseqüentemente, do grau
de humificação das amostras.
5.6.2 Materiais e Métodos
As análises termogravimétricas (TG) e de calorimetria
diferencial exploratória (DSC) foram realizadas em um sistema de análise
térmica TGA 2050, da TA Instruments. Foram utilizadas as seguintes
condições experimentais nas análises TG: atmosfera oxidante (ar sintético),
Caracterização dos Ácidos Húmicos 62
com fluxo de 80 mL min-1, intervalo de temperatura de 25 a 800 °C (298 a
1073 K) com razão de aquecimento de 10 °C min-1 e massa de amostra em
torno de 10 mg, acondicionada em um suporte aberto de platina. Para as
análises de DSC, foram utilizados atmosfera oxidante (ar sintético) com fluxo
de 80 mL min-1, intervalo de temperatura de 25 a 550 °C (298 a 823 K) com
razão de aquecimento de 10 °C min-1 e massa de amostra em torno de 10
mg, acondicionada em um suporte fechado (mas não hermeticamente) de
alumínio. As curvas de termogravimetria derivada (DTG) foram obtidas no
software Microcal Origin, a partir das curvas TG. Os índices
termogravimétricos (ITG) foram calculados a partir da razão entre as perdas
de massa no intervalo 350-600 °C e no intervalo 140-350 °C (nas amostras
de AH de turfa) e entre as perdas de massa no intervalo 370-600 °C e no
intervalo 120-370 °C (nas amostras de AH de vermicomposto).
As análises térmicas diferenciais (DTA) foram realizadas em
um sistema de DTA Shimadzu 50H com as seguintes condições: atmosfera
oxidante (ar sintético), intervalo de temperatura de 25 a 900 °C (298 a 1173
K) com razão de aquecimento de 10 °C min-1 e massa de amostra em torno
de 10 mg, acondicionada em um suporte aberto de platina. O sistema foi
calibrado com relação à linha de base e à temperatura com índio e zinco de
alta pureza.
5.6.3 Resultados e Discussão
As figuras 20 a 23 mostram as curvas TG e DTG das amostras
de AH. Podem ser observadas três perdas de massa no intervalo 25-800 °C.
A primeira perda de massa (no intervalo 50-130 °C) é representativa de
reações de desidratação. Nas outras perdas de massa, entre 130 e 600 °C,
ocorre o processo de decomposição da matéria orgânica: combustão de
carboidratos (próximo a 300 °C) e degradação térmica de estruturas
aromáticas (próximo a 500 °C). Observa-se também que nas amostras de
AH de turfa (figuras 20 e 21), a perda de massa próxima a 500 °C é dividida
em duas partes, o que não ocorre nas amostras de AH de vermicomposto
Caracterização dos Ácidos Húmicos 63
(figuras 22 e 23). Por sua vez, nessas últimas, verifica-se um ombro na
curva DTG próximo a 250 °C.
0 100 200 300 400 500 600 700 800
0
20
40
60
80
100
Mas
sa (%
)
Temperatura (oC)FIGURA 20 - Curvas TG (em vermelho) e DTG (em azul) de ácidos húmicos
de turfa extraídos com NaOH.
0 100 200 300 400 500 600 700 800
0
20
40
60
80
100
Mas
sa (%
)
Temperatura (oC)
FIGURA 21 - Curvas TG (em azul) e DTG (em azul) de ácidos húmicos de
turfa extraídos com Na4P2O7.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 64
0 100 200 300 400 500 600 700 800
0
20
40
60
80
100
Mas
sa (%
)
Temperatura (oC)
FIGURA 22 - Curvas TG (em vermelho) e DTG (em azul) de ácidos húmicos
de vermicomposto extraídos com NaOH.
0 100 200 300 400 500 600 700 800
0
20
40
60
80
100
Mas
sa (%
)
Temperatura (oC)
FIGURA 23 - Curvas TG (em vermelho) e DTG (em azul) de ácidos húmicos
de vermicomposto extraídos com Na4P2O7.
A tabela 14 apresenta as perdas de massa das amostras
(correspondentes aos principais picos mostrados pelas curvas DTG) e os
valores de ITG obtidos. As perdas de massa ocorridas no intervalo de 130 a
360 °C foram menores para AH de turfa (19,95% e 18,31%) que para AH de
vermicomposto (39,74% e 40,06%). Por outro lado, as perdas de massa
Caracterização dos Ácidos Húmicos 65
ocorridas entre 360 e 600 °C, atribuídas a dissociação e decomposição de
estruturas aromáticas e sistemas polinucleares, foram maiores para AH de
turfa (69,95% e 70,26%) que para AH de vermicomposto (49,26% e
46,96%). Assim, os valores de ITG calculados para as amostras de AH de
turfa foram cerca de 3 vezes maiores que para as amostras de AH de
vermicomposto, confirmando a maior quantidade de estruturas aromáticas
nas amostras de AH de turfa. Entretanto, não se verificou nenhuma
diferença significativa nas perdas de massa e nos valores de ITG entre as
amostras extraídas com NaOH e as extraídas com Na4P2O7.
TABELA 14 - Perdas de massa e índice termogravimétrico (ITG) de
amostras de ácidos húmicos (entre parênteses: desvio-padrão; n = 3
determinações).
Amostra 25-130 °C 130-360 °C 360-600 °C ITG
TN 8,07 (1,73) 19,95 (0,29) 69,86 (1,58) 3,90 (0,13)
TP 9,74 (1,90) 18,32 (0,29) 70,26 (1,24) 3,84 (0,12)
VN 6,40 (1,58) 39,74 (1,49) 49,26 (0,61) 1,24 (0,06)
VP 8,47 (0,77) 40,06 (0,30) 46,86 (0,62) 1,17 (0,01)
A figura 24 mostra as curvas DSC das amostras de AH. Pode
ser verificado um pico endotérmico bem proeminente, relacionado à perda
de água de hidratação. Como os experimentos de DSC foram realizados em
suporte fechado, a pressão de vapor da água dificulta sua saída. Assim, a
perda de água ocorre em temperaturas maiores e pode ser observada por
picos bem agudos. Observa-se também que nas amostras de AH de
vermicomposto, a perda de água ocorre em temperaturas maiores (145 °C)
do que nas amostras de AH de turfa (120 °C), indicando que nessas
amostras, as moléculas de água estão mais fracamente ligadas do que nas
amostras de AH de vermicomposto. Entretanto, os picos relacionados às
reações de oxidação da matéria orgânica foram bastante largos e de baixa
intensidade, provavelmente devido também ao suporte.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 66
0 100 200 300 400 500
-3
-2
-1
0
1
2
exotérmico
turfa/NaOH turfa/Na4P2O7 vermicomposto/NaOH vermicomposto/Na4P2O7
Flux
o de
cal
or (W
g-1)
Temperatura (oC)
FIGURA 24 - Curvas DSC das amostras de ácidos húmicos.
As curvas DTA (figura 25) mostram que, ao contrário do que
ocorre nas curvas DSC, o pico endotérmico da perda de água é bem largo,
abrangendo o intervalo de 25 a 120 °C, e praticamente igual para todas as
amostras. Ou seja, a perda de água ocorre de maneira bem lenta e gradual.
Deve-se lembrar que as análises de DTA foram feitas em suporte aberto. As
curvas DTA mostram também dois picos exotérmicos distintos (190-400 e
400-580 °C, sendo que o segundo pico, nas amostras de AH de
vermicomposto extraídas com Na4P2O7, foi desdobrado em dois) bem
proeminentes, típicos da decomposição térmica e oxidação de componentes
orgânicos de diferentes estabilidades térmicas (Pietro e Paola, 2004). Nas
amostras de AH de turfa, o segundo pico, correspondente a oxidação de
estruturas aromáticas, apresentaram intensidade muito maior que o primeiro,
correspondente a degradação de carboidratos e estruturas alifáticas. Por
outro lado, nas amostras de AH de vermicomposto, o primeiro pico
apresentou maior intensidade que o segundo. Os pontos máximos dos picos
exotérmicos ocorreram a 320 °C e entre 460 e 500 °C, próximos aos pontos
máximos verificados nas curvas DTG. Esse fato confirma que as perdas de
massa relacionadas à matéria orgânica são devidas a reações exotérmicas.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 67
0 100 200 300 400 500 600 700 800 900-50
0
50
100
150
200
250
exotérmico
turfa/NaOH turfa/Na4P2O7 vermicomposto/NaOH vermicomposto/Na4P2O7
∆T (o C
)
Temperatura (oC)FIGURA 25 - Curvas DTA das amostras de ácidos húmicos.
5.7 Espectroscopia de Absorção no Ultravioleta/Visível
5.7.1 Introdução
Através da espectroscopia de absorção na região do
ultravioleta e visível, é possível calcular a razão E4/E6 (razão entre as
absorbâncias a 465 e a 665 nm). Essa razão é um primeiro indicativo da
proporção de grupos aromáticos. Pelo mesmo propósito, já foram utilizadas
(com menor freqüência) razões entre as absorbâncias a 350 e a 450 nm
(E350/E450) e entre as absorbâncias a 350 e a 550 nm (E350/E550) (Dick e
Burba, 1999). Quanto maior a aromaticidade, menor a razão E4/E6.
Entretanto, deve-se levar em conta que essa relação deve ser interpretada
com cuidado, pois a comparação entre amostras bem distintas pode não ser
conclusiva. Chen et al. (1977) estudaram a correlação entre E4/E6 de AH e
diversos parâmetros, como concentração de AH, viscosidade, pH, massa
molecular e quantidade de radicais livres. Trubetskoj et al. (1999)
fracionaram AH de 4 solos diferentes por SEC-PAGE e observaram que a
razão E4/E6 diminui com o aumento do tamanho molecular. Martin-Neto et al.
(1998) estudaram a correlação entre índice pluviométrico anual e E4/E6 e
concentração de radicais livres (medida por EPR) de amostras de AH.
Verificou-se também boa correlação linear entre aromaticidade e
Caracterização dos Ácidos Húmicos 68
absortividade a 272 ou 280 nm (Fukushima et al., 1996; Chin et al., 1994;
Traina et al., 1990).
A absorbância da maioria dos ácidos húmicos decresce
exponencialmente com o comprimento de onda (ou pelo menos parte do
espectro possui esse comportamento) (Yonebayashi e Hattori, 1988). Assim,
pode-se relacionar a absorbância E e o comprimento de onda λ:λ.10. baE −= (35)
em que: a e b são constantes.
Dessa forma, o logaritmo da absorbância é uma função linear
do comprimento de onda:
λbaE −= loglog (36)
A inclinação da reta (b) pode ser definida como:
λdEdb log
−= (37)
Utilizando-se comprimentos de onda iguais a 600 e 400 nm e
um parâmetro ∆log K, definido como a diferença entre os logaritmos das
absorbâncias a 400 nm (log E400 ou log K400) e a 600 nm (log E600 ou log
K600) (Kumada, 1987), o valor de b pode ser redefinido como:
200log
600400loglog 600400 KEE
b ∆=
−−
−= (38)
A equação 36 pode ser então reescrita como:
( )λ.200logloglog KaE ∆−= (39)
Fixando-se um comprimento de onda, pode-se relacionar log E
e ∆log K de diversas amostras de ácidos húmicos, resultando em uma
correlação linear com coeficiente angular igual a λ/200 e coeficiente linear
igual a log a. Yonebayashi e Hattori (1988) construíram um diagrama de log
E6001% (absorbância a 600 nm de uma solução de AH a 1%) versus ∆log K
de 41 amostras e encontraram uma correlação de 86,9%, concluindo que o
mecanismo fundamental da absorção de luz de todos os ácidos húmicos era
similar.
Pode-se utilizar, no lugar de E6001%, um outro parâmetro,
chamado de RF, definido como o valor da absorbância a 600 nm
Caracterização dos Ácidos Húmicos 69
normalizado pela massa de carbono orgânico presente na solução (Kumada,
1987; Maie et al., 2002).
5.7.2 Materiais e Métodos
Cerca de 5,0 mg de AH purificado foram dissolvidos em 50,0
mL de uma solução de bicarbonato de sódio (NaHCO3) 0,025 mol L-1, com
pH 8,4. As medidas de absorbância da solução foram obtidas a partir do
espectro na região do visível, utilizando um espectrofotômetro de UV-Visível
Hitachi U3501 e uma cubeta de quartzo de 1 cm de caminho óptico.
Com os valores de absorbância nos comprimentos de onda 465
e 665 nm, calculou-se a razão E4/E6. Os parâmetros ∆log K e RF foram
calculados a partir das equações 40 e 41:
600400 logloglog EEK −=∆ (40)
( ) 15.6 cERF = (41)
em que: E400 e E600 = valores de absorbância em 400 e 600 nm;
c = massa (em mg) de C orgânico por volume (em mL) de solução
de AH.
5.7.3 Resultados e Discussão
Os espectros de absorbância na região do UV/visível das
amostras de AH estão mostrados na figura 26. Pode ser observado um
comportamento logarítmico dos espectros, pelo menos entre 400 e 800 nm,
o que pode ser verificado pelo gráfico do logaritmo da absorbância em
relação ao comprimento de onda (figura 27). As amostras de AH de
vermicomposto apresentaram um ombro próximo a 280 nm, característico de
grupos cromóforos, como estruturas insaturadas e/ou aromáticas (Prudent et
al., 1995). Nos AH de turfa, a absorção nessa região ocorre de forma mais
intensa e homogênea.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 70
200 300 400 500 600 700 800
0
1
2
3
4
5
turfa/NaOH turfa/Na4P2O7 vermicomposto/NaOH vermicomposto/Na4P2O7
Abso
rbân
cia
Comprimento de onda (nm)
FIGURA 26 - Espectros de absorbância no UV/visível das amostras de
ácidos húmicos.
450 500 550 600 650 7000.01
0.1
1
turfa/NaOH turfa/Na4P2O7 vermicomposto/NaOH vermicomposto/Na4P2O7
Abso
rbân
cia
Comprimento de onda (nm)
FIGURA 27 - Gráfico de logaritmo de absorbância por logaritmo de
comprimento de onda nas amostras de ácidos húmicos.
Os valores da razão E4/E6 e dos parâmetros ∆log K e RF estão
mostrados na tabela 15.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 71
TABELA 15 - Valores de E4/E6, ∆log K e RF das amostras de ácidos
húmicos (entre parênteses: desvio-padrão; n = 3 determinações).
Amostra Razão E4/E6 ∆log K RF
TN 3,77 (0,02) 0,58 (0,00) 67,68 (1,61)
TP 4,26 (0,01) 0,63 (0,00) 57,65 (2,75)
VN 5,23 (0,28) 0,72 (0,02) 9,98 (0,11)
VP 5,20 (0,21) 0,72 (0,02) 11,88 (0,86)
Pode ser observado na tabela 15 que, em relação as amostras
de AH de turfa, as amostras de AH de vermicomposto apresentaram valores
de E4/E6 e ∆log K maiores e valores de RF consideravelmente menores.
Como os parâmetros E4/E6 e ∆log K diminuem com o grau de humificação, e
o parâmetro RF aumenta com a humificação, esses resultados são um
primeiro indicativo do menor grau de humificação do AH de vermicomposto.
Os valores da razão E4/E6 obtidos pelos AH de vermicomposto estão de
acordo com os valores citados na literatura (Hervas et al., 1989; Landgraf et
al., 1999). Os valores de ∆log K obtidos foram próximos aos citados na
literatura para amostras de solo (Barančiková et al., 1997; Yonebayashi e
Hattori, 1988). Já os valores de RF ficaram abaixo dos obtidos por Maie et
al. (2002) também para amostras de solo. Ao contrário de ∆log K, o
parâmetro RF é bastante afetado pela presença de substâncias não húmicas
nas amostras (Kumada, 1987). Também foi verificado um valor de E4/E6
ligeiramente menor para as amostras de AH de turfa extraídas com NaOH,
quando comparado com as amostras extraídas com Na4P2O7.
5.8 Espectroscopia de Fluorescência
5.8.1 Introdução
A utilização da espectroscopia como uma técnica sensível e
relativamente simples para estudar a estrutura e os grupos funcionais de
ácidos húmicos e demais substâncias húmicas deve-se à presença de várias
Caracterização dos Ácidos Húmicos 72
estruturas fluorescentes (fluoróforos) na macromolécula húmica, que inclui
desde estruturas aromáticas condensadas a cadeias alifáticas insaturadas.
Além disso, as propriedades fluorescentes de ácidos húmicos dependem de
diversos parâmetros, incluindo sua origem, massa molecular e sua
concentração, pH, intensidade iônica, temperatura e potencial redox do
meio, bem como suas interações com íons metálicos e compostos
orgânicos. O efeito desses parâmetros em ácidos fúlvicos tem sido estudado
por diversos pesquisadores, como relatado por Senesi (1990b).
Apesar de ainda não ser possível identificar todos os
fluoróforos presentes nas SH, algumas moléculas potencialmente
responsáveis por emissão de fluorescência são: salicilato de metila, ácido
salicílico, ácido 3-hidroxibenzóico, ácido caféico, ácido felúrico, β-naftóis
ionizados, cumarinas não substituídas, derivados de cromonas, xantonas e
hidroxixantonas (Giovanela, 2003; Senesi et al., 1991).
Pullin e Cabaniss (1995) estudaram o efeito do pH nos
espectros de fluorescência de 6 amostras de ácidos húmicos e fúlvicos, e
concluíram que os espectros de emissão (com excitação a 340 nm) e os
espectros de excitação (com emissão a 450 nm) tiveram pouca variação,
nos intervalos de pH de 3,2 a 10,3; entretanto, foi observada grande
variação nos espectros no modo síncrono (∆λ = 20 nm).
Recentemente, a espectroscopia de fluorescência tem sido
utilizada na avaliação do grau de humificação de substâncias húmicas. De
acordo com Zsolnay et al. (1999), quando os fluoróforos se tornam mais
condensados, o espectro de emissão tende-se a deslocar para regiões com
maior comprimento de onda. Assim, pode-se estimar o grau de humificação
pela razão entre a área da região de maior comprimento de onda do
espectro e a área da região de menor comprimento de onda.
De acordo com Kalbitz et al. (1999), os espectros no modo
síncrono (variando-se simultaneamente a excitação e a emissão) de
substâncias húmicas apresentam 2 picos em 360 e 400 nm e um ombro em
470 nm, e o máximo de intensidade tende a se deslocar para regiões de
maior comprimento de onda com o aumento do número de anéis aromáticos
Caracterização dos Ácidos Húmicos 73
substituídos e/ou cadeias insaturadas conjugadas, com alto grau de
ressonância.
De acordo com Milori et al. (2002), a absorção de luz azul por
AH é mais ressonante com estruturas cuja concentração aumenta com o
grau de humificação. Por isso, pode-se estimá-lo pela área total do espectro
de emissão com excitação a 465 nm. Milori et al. estudaram 18 amostras de
AH de 4 solos brasileiros e comparam os diferentes métodos de se estimar o
grau de humificação por fluorescência.
5.8.2 Materiais e Métodos
Os espectros de fluorescência foram obtidos por um
espectrômetro de luminescência Perkin Elmer LS 50 B. Os ácidos húmicos
foram dissolvidos em uma solução de NaHCO3 0,05 mol L-1, de modo que a
concentração de AH seja de 20 mg L-1 e o pH igual a 8 (Milori et al., 2002).
Foram obtidos os seguintes espectros:
• Emissão (intervalo de 300 a 650 nm; excitação a 240 nm);
• Emissão (intervalo de 480 a 650 nm; excitação a 465 nm);
• Síncrono (intervalo de excitação de 220 a 600 nm; ∆λ = 55 nm);
• Excitação (intervalo de 220 a 480 nm; emissão a 500 nm);
• Emissão-excitação (3D) (intervalo de emissão de 350 a 650 nm, de 0,5
em 0,5 nm; intervalo de excitação de 220 a 560 nm, de 10 em 10 nm).
Em todos os espectros, a velocidade de varredura foi de 200
nm min-1 e, com exceção dos espectros de emissão-excitação (3D), as
aquisições dos dados de fluorescência no intervalo de emissão ou excitação
selecionado foram de 0,5 em 0,5 nm.
O índice de humificação proposto por Zsolnay et al. (1999)
(A4/A1) foi calculado a partir do espectro de emissão (com excitação a 240
nm) dividindo-se a área sob o espectro entre 570 e 645 nm (A4) pela área
sob o espectro entre 356 e 432 nm (A1).
Os índices de humificação propostos por Kalbitz et al. (1999)
foram calculados a partir do espectro no modo síncrono, dividindo-se a
Caracterização dos Ácidos Húmicos 74
intensidade de fluorescência a 470 nm pela intensidade a 400 nm (I470/I400) e
pela intensidade a 360 nm (I470/I400).
Já o grau de humificação proposto pelo método de Milori et al.
(2002) (A465) corresponde à área total do espectro de emissão (com
excitação a 465 nm)
5.8.3 Resultados e Discussão
Os espectros de emissão (com excitação a 240 nm) das
amostras de AH estão mostrados na figura 28. Pode ser observado que, nas
amostras de AH de turfa, o máximo de intensidade ocorre próximo a 500 nm,
enquanto que, nas amostras de AH de vermicomposto, o máximo ocorre
entre 400 e 450 nm, com um ombro proeminente a 360 nm. Esses espectros
se assemelham aos encontrados em amostras de composto de resíduos
domésticos e industriais (Miikki et al., 1997). Os valores do índice A4/A1
(tabela 16) variaram de 0,053 a 0,475. Os mais baixos valores ocorreram
para as amostras de AH de vermicomposto (0,053 e 0,089) e os valores
mais altos (0,439 e 0,475) ocorreram para as amostras de AH de turfa.
300 350 400 450 500 550 600 650
0
5
10
15
20
25
30 turfa/NaOH turfa/Na4P2O7 vermicomposto/NaOH vermicomposto/Na4P2O7
Inte
nsid
ade
de fl
uore
scên
cia
(u.a
.)
λem (nm)FIGURA 28 - Espectro de emissão (com excitação a 240 nm) das amostras
de ácidos húmicos.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 75
Os espectros no modo síncrono (figura 29) das amostras de AH
de turfa mostram um pico intenso a 470 nm e dois ombros próximos a 400 e
a 370 nm, um comportamento inverso aos encontrados por Kalbitz et al.
(1999). Nos espectros das amostras de AH de vermicomposto (figuras 29 e
30), além de um sensível decréscimo da intensidade de fluorescência, pode
ser verificado um aparecimento de dois picos de intensidade semelhante, a
375 e a 455 nm, além de dois ombros a 300 e a 400 nm. No espectro de AH
de vermicomposto extraído com NaOH, aparece um ombro proeminente a
330 nm, que não aparece no espectro de AH extraído com Na4P2O7. Os
maiores valores encontrados para os índices I470/I400 e I470/I360, mostrados na
tabela 16, foram para as amostras de AH de turfa extraídos com Na4P2O7
(2,87 e 5,36) e os menores foram para as amostras de AH de
vermicomposto extraídos com NaOH (0,67 para os 2 índices).
250 300 350 400 450 500 550 600
0
20
40
60
80
100 turfa/NaOH turfa/Na4P2O7 vermicomposto/NaOH vermicomposto/Na4P2O7
Inte
nsid
ade
de fl
uore
scên
cia
(u.a
.)
λex (nm)
FIGURA 29 - Espectro síncrono (∆λ = 55 nm) das amostras de ácidos
húmicos.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 76
250 300 350 400 450 500 550 600-4
-2
0
2
4
6
8
10
12
14
16 vermicomposto/NaOH vermicomposto/Na4P2O7
Inte
nsid
ade
de fl
uore
scên
cia
(u.a
.)
λex (nm)
FIGURA 30 - Espectro síncrono (∆λ = 55 nm) de ácidos húmicos de
vermicomposto.
As figuras 31 e 32 mostram os espectros de excitação (com
emissão a 500 nm). O pico a 465 nm, associado a estruturas mais
humificadas, ocorre, em grande intensidade, nos espectros das amostras de
AH de turfa. Nos espectros de AH de vermicomposto, esse pico é deslocado
para 430 nm, e aparecem picos intensos em 260 e 400 nm. Assim, pode-se
utilizar, como medida de humificação, o comprimento de onda de 465 nm
como fonte de excitação para o espectro de emissão (figura 33). Os
espectros de emissão (com excitação a 465 nm) mostraram variação apenas
na intensidade (com máximo de intensidade a 520 nm). Esse
comportamento é concordante com o encontrado por Milori et al. (1999). O
valor total da área sob a curva (índice A465) variou de 803 a 7446.
Novamente, o menor valor foi encontrado para AH de vermicomposto
extraído com NaOH e o maior valor para AH de turfa extraído com Na4P2O7.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 77
250 300 350 400 4500
10
20
30
40
50
60
70
80
turfa/NaOH turfa/Na4P2O7 vermicomposto/NaOH vermicomposto/Na4P2O7
Inte
nsid
ade
de fl
uore
scên
cia
(u.a
.)
λex (nm)
FIGURA 31 - Espectro de excitação (com emissão a 500 nm) das amostras
de ácidos húmicos.
250 300 350 400 4504
6
8
10
12
14 vermicomposto/NaOH vermicomposto/Na4P2O7
Inte
nsid
ade
de fl
uore
scên
cia
(u.a
.)
λex (nm)
FIGURA 32 - Espectro de excitação (com emissão a 500 nm) de ácidos
húmicos de vermicomposto.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 78
480 500 520 540 560 580 600 620 640 660-10
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
turfa/NaOH turfa/Na4P2O7 vermicomposto/NaOH vermicomposto/Na4P2O7
Inte
nsid
ade
de fl
uore
scên
cia
(u.a
.)
λem (nm)
FIGURA 33 - Espectro de emissão (com excitação a 465 nm) das amostras
de ácidos húmicos.
Nos espectros em 3D (figuras 34 e 35), pode ser observado
que, enquanto nas amostras de AH de turfa o máximo ocorre com emissão a
500 nm e excitação a 465 nm, nas amostras de AH de vermicomposto o
máximo ocorre com emissão a 410 nm e excitação a 320 nm.
250 300 350 400 450 500 550250
300
350
400
450
500
550
600
650
0
10,20
20,40
30,60
40,80
51,00
61,20
71,40
81,60
λex (nm)
λ em (n
m)
FIGURA 34 - Projeção no plano do espectro de emissão-excitação em 3D de
ácidos húmicos de turfa.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 79
250 300 350 400 450 500 550250
300
350
400
450
500
550
600
650
0
2,2
4,4
6,6
8,8
11,0
13,2
15,4
17,6
λex (nm)
λ em (n
m)
FIGURA 35 - Projeção no plano do espectro de emissão-excitação em 3D de
ácidos húmicos de vermicomposto.
TABELA 16 - Índices de humificação determinados por fluorescência para as
amostras de ácidos húmicos (entre parênteses: desvio-padrão; n = 3
determinações).
Amostra A4/A1 I470/I400 I470/I360 A465
TN 0,439 (0,010) 2,74 (0,03) 5,00 (0,08) 6277 (30)
TP 0,475 (0,005) 2,87 (0,03) 5,36 (0,11) 7446 (192)
VN 0,053 (0,003) 0,67 (0,02) 0,67 (0,04) 803 (45)
VP 0,089 (0,008) 0,91 (0,03) 0,98 (0,05) 1030 (37)
5.9 Espectroscopia de Absorção no Infravermelho (FTIR)
5.9.1 Introdução
A espectroscopia de absorção no infravermelho tem sido
amplamente utilizada na caracterização de substâncias húmicas, existindo
na literatura uma quantidade razoável de informações e dados resultantes
dessa técnica (Barančíková et al., 1997; Filip e Kubát, 2001; Inbar et al.,
1989; Inbar et al., 1990; Lobartini et al., 1989; Miikki et al., 1997; Poppi e
Talamoni, 1992; Provenzano et al., 1998; Rosa et al., 1998; Shin et al., 1999;
Toledo et al., 1984; Wang et al., 1990; Watanabe et al., 1996).
Caracterização dos Ácidos Húmicos 80
De acordo com Stevenson (1994), a espectroscopia no
infravermelho permite obter informações sobre a natureza, a reatividade e o
arranjo estrutural dos grupos funcionais (principalmente funções oxigenadas)
presentes nas substâncias húmicas, avaliar os efeitos provocados por
modificação química, tais como metilação e acetilação, estabelecer a
presença ou a ausência de impurezas inorgânicas (metais, argilo-minerais) e
analisar interações entre as SH e compostos orgânicos (como pesticidas) ou
metais.
A absorção da radiação na região do infravermelho pela
matéria corresponde à energia de vibração e rotação associada a uma
ligação. Existem 2 tipos de vibrações moleculares: os estiramentos ou
deformações axiais (ν) (simétricas e assimétricas), que correspondem ao
movimento rítmico de expansão e contração ao longo do eixo da ligação, e
as deformações angulares ou simplesmente deformações (δ), nos quais
ocorre uma variação no ângulo da ligação entre os átomos (Silverstein et al.,
1994). Em geral, o espectro é obtido em transmitância ou em absorbância
em função do número de ondas, que varia normalmente de 4000 a 400 cm-1
(2,8 a 50 µm). Atualmente, a maioria dos espectrômetros utiliza a
transformada de Fourier (FTIR) e são baseados no interferômetro de
Michelson.
Os espectros na região do infravermelho dos AH são
relativamente simples, possuindo poucas bandas de absorção e geralmente
alargadas. A complexidade do ambiente química que envolve os
grupamentos funcionais dos AH resulta em uma série de sobreposições de
bandas de absorção. A espectroscopia nessa região apresenta limitações
para caracterização estrutural, mas pode ser muito útil no indicativo da
presença e do comportamento dos grupamentos funcionais (Canella, 1999).
As possíveis atribuições das principais bandas de absorção
usualmente observadas nos espectros no infravermelho dos AH estão
mostradas a seguir (MacCarthy e Rice, 1985; Provenzano e Senesi, 1999;
Schnitzer e Khan, 1972; Stevenson, 1994):
Caracterização dos Ácidos Húmicos 81
• 3400 – 3300 cm-1: estiramento de O–H;
• 3077 – 3030 cm-1: estiramento de C–H de aromáticos e olefinas (pode
estar encoberto pela banda de estiramento de O–H);
• 2940 – 2840 cm-1: estiramento simétrico e assimétrico de C–H
alifático;
• 2750 – 2400 cm-1: estiramento de O–H de grupos carboxílicos;
• 1725 – 1720 cm-1: estiramento de C=O de ácidos carboxílicos;
• 1660 – 1630 cm-1: estiramento de C=O de amidas e quinonas e de
cetonas conjugadas com ligação de hidrogênio;
• 1650 – 1580 cm-1: estiramento simétrico de C=O de íons carboxilatos;
• 1630 – 1600 cm-1: estiramento de C=C aromático;
• 1590 – 1520 cm-1: deformação de N–H de amidas e estiramento C=N;
• 1500 – 1400 cm-1: estiramento de C=C aromático;
• 1400 – 1380 cm-1: estiramento de C–O fenólico, deformação de O–H
carboxílico, deformação de C–H alifático e estiramento assimétrico de
C=O de carboxilatos;
• 1280 – 1200 cm-1: estiramento de C–O de éteres, ésteres e fenóis e
deformação de O–H carboxílico;
• 1170 – 1000 cm-1: estiramento de C–O de estruturas polissacarídicas;
• 1050 – 950 cm-1: estiramento de C–O de estruturas polissacarídicas e
estiramento de Si–O (impurezas do tipo silicato);
• 950 – 670 cm-1: deformação no plano e fora do plano de C–H
aromático.
Bandas próximas de 1610 cm-1 são geralmente atribuídas a
estiramentos C=C de aromáticos; entretanto, ligações duplas não aromáticas
e quinonas podem absorver nessa região. A ligação C=O de ácidos
carboxílicos absorve em 1720 cm-1; a formação de ligações de hidrogênio
diminui, porém, o comprimento de onda, deslocando a absorbância para
região em torno de 1760 cm-1. Por sua vez, o íon carboxilato (COO–),
resultado da desprotonação de grupos carboxílicos, absorve na região entre
1690 e 1660 cm-1.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 82
Stevenson (1994) classificou os espectros de SH em 3 tipos.
Os espectros de tipo I são caracterizados por bandas de absorção fortes e
evidentes em 3400, 2900, 1720, 1600 e 1200 cm-1. A absorção na região de
1600 cm-1 possui intensidade semelhante à absorção em 1200 cm-1. Os
espectros do tipo III apresentam as mesmas absorções características dos
espectros do tipo I, com a diferença de uma absorção em 2900 cm-1 mais
intensa e com o aparecimento de uma absorção forte em 1540 cm-1. Os
espectros do tipo II são característicos de moléculas húmicas de menor
massa molecular (ácidos fúlvicos) e apresentam, além dessas absorções,
uma absorção muito intensa em 1720 cm-1.
A relação entre as absorbâncias de determinadas bandas tem
sido utilizada por alguns autores (Freixo et al., 2002). Dessa forma, a relação
entre as absorbâncias em 2927 e em 1050 cm-1 (relação entre grupos
apolares e polares) fornece o índice de hidrofobicidade (quanto maior esse
índice, maior resistência à degradação microbiana). A relação entre as
absorbâncias em 1660 e em 2929 cm-1 corresponde ao índice de
aromaticidade.
5.9.2 Materiais e Métodos
As amostras de ácido húmico foram analisadas em um
espectrofotômetro com transformada de Fourier da marca Bomem MB-102.
Pesou-se, em uma balança com precisão de 0,01 mg, aproximadamente
0,50 mg de amostra, e, após adicionar 150,0 mg de KBr, a mistura foi
pulverizada e prensada, formando uma pastilha, que foi então analisada no
espectrofotômetro. Efetuaram-se, para cada análise, 32 varreduras de 4000
a 300 cm-1, com resolução de 4 cm-1. Foi realizada 3 análises para cada
amostra, resultando 9 espectros para cada tipo de AH, uma vez que a
extração também foi em triplicata. Os espectros foram tratados pelo
programa Win-Bomem Easy 3.04, acertando-se a linha de base por múltiplos
pontos (Multiple point level) nos valores de número de onda iguais a 3680,
2680, 2220, 1810 e 860 cm-1, e atenuando-se o sinal (smoothing) pelo modo
Fourier a 60%.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 83
5.9.3 Resultados e Discussão
A figura 36 mostra os espectros no infravermelho (modo
transmitância) das amostras de AH de turfa e de vermicomposto extraídos
com NaOH e com pirofosfato de sódio.
4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 500-40
-20
0
20
40
60
80
d
c
b
aTr
ansm
itânc
ia
Número de onda (cm-1)
FIGURA 36 - Espectros de absorção no infravermelho das amostras de
ácidos húmicos de vermicomposto extraídos com Na4P2O7 (a) e NaOH (b), e
ácidos húmicos de turfa extraídos com Na4P2O7 (c) e NaOH (d).
Podem ser observados nesses espectros: uma larga banda em
3420 cm-1 associada ao estiramento OH de fenóis e álcoois, além de água,
presente como impureza; picos em 2940 e 2860 cm-1, devido a estiramentos
simétrico e assimétrico, respectivamente, de C–H alifático; picos em 1715 e
1630 cm-1, atribuídos a estiramento C=O de grupos carboxílicos (COOH) e
carboxilatos (COO–), respectivamente (ao pico em 1630 cm-1 está
sobreposto estiramento C=C de aromático); picos em 1515, 1460 e 1425 cm-
1 associados a estiramento C=C aromático; pico em 1250 cm-1, de
estiramento C–O e deformação O–H de grupos carboxílicos, e pico em 1308
cm-1, de estiramento C–O de polissacarídeos.
A figura 36 não revela nenhuma diferença significativa entre os
espectros de AH de vermicomposto extraídos com NaOH e extraídos com
Caracterização dos Ácidos Húmicos 84
pirofosfato de sódio, seja no deslocamento de bandas a comprimentos de
onda maiores ou menores, seja na intensidade das bandas. Da mesma
forma, não há nenhuma diferença entre os espectros de AH de turfa
extraídos com NaOH e extraídos com pirofosfato de sódio. Assim, não é
possível diferenciar, por FTIR, amostras de AH de mesma matriz extraídas
com essas duas substâncias.
Analisando os espectros, observam-se algumas importantes
diferenças entre os espectros de AH de turfa e de vermicomposto. Na região
compreendida entre 1500 e 1400 cm-1, as bandas, em geral atribuídas a
estiramento C=C aromático, estão mais bem resolvidas nas amostras de AH
de vermicomposto do que nas amostras de turfa, indicando nessas últimas
uma maior complexidade de grupos aromáticos. Além disso, nos espectros
dos AH de vermicomposto, as intensidades relativas das bandas atribuídas a
estiramento C–H alifático são maiores, assim como nessas amostras é bem
mais intenso o pico em 1030 cm-1, associado a estruturas do tipo
polissacarídeo.
5.10 Espectroscopia de Reflectância Difusa no Infravermelho (DRIFT)
5.10.1 Introdução
A espectroscopia tradicional no infravermelho (FTIR) é
extensamente utilizada para AH, especialmente usando-se pastilha de KBr.
Entretanto, há alguns problemas associados ao método de pastilha. O KBr é
higroscópico e é difícil conseguir uma pastilha totalmente livre de
contaminação. Além disso, as altas pressão e temperatura alcançadas no
processo de prensagem das pastilhas podem alterar a natureza física e
química de substâncias húmicas, pela decomposição parcial e ionização de
grupos carboxílicos e fenólicos (Baes e Bloom, 1989). A técnica de
espectroscopia por reflectância difusa (DRIFT) elimina esses problemas,
além de requerer uma preparação mínima da amostra e de ser um método
mais confiável para avaliação semiquantitativa de grupos funcionais. As
medidas de reflectância difusa envolvem a coleta de radiação refletida pela
Caracterização dos Ácidos Húmicos 85
amostra. Os espectros obtidos por DRIFT são registrados em reflectância
relativa (r) ou em unidade Kubelka-Munk (KM), que é função do coeficiente
de absorção (K) e do coeficiente de espalhamento (S). Um espectro em
unidades KM é análogo a um espectro de absorbância, por isso espectros
de DRIFT são tipicamente utilizados com unidades KM. As atribuições de
picos em DRIFT são as mesmas para FTIR de transmissão.
A função Kubelka-Munk (K/S) pode ser dada pelas equações:
( )Sc
rrSK .
21 2 ε
≅−
= (42)
( ) CcSK logloglog += (43)
em que: K = coeficiente de absorção;
S = coeficiente de espalhamento da amostra;
r = S/R = reflectância relativa (R = coeficiente de espalhamento da
referência);
ε = absortividade molar;
c = concentração do agente de diluição (em mol g-1);
C = constante.
Espectros de diversas amostras de AH foram obtidos
comparativamente por FTIR de transmissão e DRIFT, e verificou-se, nesse
último, uma diminuição da banda relacionada a H2O (Baes e Bloom, 1989;
Niemeyer et al., 1992). Baes e Bloom também compararam DRIFT usando
unidades de reflectância e unidades KM, e observaram que os dois
espectros são bastante similares. Entretanto, observaram que a função KM
tende a amplificar absorções fortes e reduzir absorções fracas, dificultando
uma análise quantitativa acurada.
5.10.2 Materiais e Métodos
As amostras de ácido húmico foram analisadas em um
espectrofotômetro Bomem MB-102, adaptado com uma unidade de
reflectância difusa da marca Spectra - Tech Inc. Foram utilizadas
aproximadamente 250 mg de amostra, que foram acondicionadas em uma
célula de 1,2 cm de diâmetro interno. Testou-se, também, uma mistura da
Caracterização dos Ácidos Húmicos 86
amostra com KBr, mas os resultados obtidos ficaram aquém dos obtidos
com somente a amostra. Efetuaram-se, para cada análise (realizada em
triplicata), 32 varreduras de 4000 a 300 cm-1, com resolução de 4 cm-1. Os
espectros foram tratados de forma similar aos espectros obtidos por
espectroscopia de absorção no infravermelho.
5.10.3 Resultados e Discussão
Os espectros de reflectância no infravermelho das amostras de
AH de turfa e vermicomposto (ambos extraídos com NaOH) estão mostrados
na figura 37. Os espectros das amostras de AH extraídos com Na4P2O7
foram similares aos espectros das amostras de AH extraídos com NaOH, e
não estão apresentados neste trabalho.
4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 500
0.0
0.5
1.0
1.5
2.0
2.5
3.0
3.5
4.0
4.5
b
a
Ref
lect
ânci
a re
lativ
a
Número de onda (cm-1)FIGURA 37 - Espectros de reflectância difusa no infravermelho das amostras
de ácidos húmicos extraídos de turfa (a) e de vermicomposto (b).
Pode ser observado na figura 8 que a resolução e a
sensibilidade ficaram bem pobres quando comparadas com as dos
espectros de absorção. Tal fato deve-se, provavelmente, à utilização de um
espectrofotômetro típico de absorção adaptado ao modo de reflectância.
Dessa forma, não foi possível fazer uma análise criteriosa dos
espectros das amostras de ácidos húmicos, mas pôde ser verificada uma
Caracterização dos Ácidos Húmicos 87
semelhança com os espectros de absorção, especialmente os espectros das
amostras de AH extraídos de vermicomposto.
5.11 Espectroscopia Raman
5.11.1 Introdução
Apesar das inúmeras técnicas e métodos analíticos aplicados
às substâncias húmicas para elucidar sua estrutura, sua natureza ainda é
motivo de debate, em grande parte devido à inacessibilidade de se separar e
identificar os seus componentes individuais. Nesse aspecto, a
espectroscopia Raman pode ser considerada uma promissora técnica para
caracterizar os “building blocks” das substâncias húmicas (Yang e Wang,
1997).
Os espectros Raman são obtidos irradiando-se uma amostra
com uma fonte laser potente de radiação monocromática no visível ou no
infravermelho, e a radiação espalhada em um certo ângulo é então
detectada. A radiação espalhada é dividida em 3 tipos: espalhamento
Stokes, espalhamento anti-Stokes e espalhamento Rayleigh. O último, cujo
comprimento de onda é exatamente o da fonte de excitação, é bem mais
intenso que os outros tipos. Devido às mudanças de estado vibracional das
moléculas da amostra, a radiação pode ser espalhada também com energias
diferentes da fonte original, podendo ser maiores (espalhamento anti-Stokes)
ou menores (espalhamento Stokes). Pelo fato das linhas Stokes serem mais
intensas que as linhas anti-Stokes, essas últimas praticamente não são
utilizadas. Nota-se que o deslocamento de energia (ou de número de onda)
no espalhamento Stokes (ou no anti-Stokes) corresponde às freqüências de
absorção no infravermelho. Entretanto, os espectros Raman podem dar
informações sobre algumas vibrações (por exemplo, de estiramento de
ligação dupla de olefinas), enquanto que, nos espectros de FTIR, esses
sinais seriam muito fracos ou não detectáveis (Skoog et al., 2002).
O uso da espectroscopia Raman em amostras húmicas,
entretanto, enfrenta alguns problemas. Devido à inerente fluorescência das
Caracterização dos Ácidos Húmicos 88
amostras, os espectros não podem ser obtidos por técnicas convencionais
de Raman. Em princípio, o uso de Raman com transformada de Fourier (FT-
Raman) e fontes de excitação no infravermelho próximo poderia minimizar
esse efeito, devido à seu pequeno efeito de fluorescência e ressonância.
Contudo, sinais de FT-Raman são freqüentemente encobertos por uma
radiação térmica de fundo (radiação do corpo negro), devido à cor escura
das amostras. Yang e Wang (1997) utilizaram, para minimizar esse efeito,
um tubo de diâmetro grande com uma pequena quantidade de amostra
adsorvida em sua parede. Assim, a energia térmica seria rapidamente
emitida ao ar, permitindo o aparecimento dos sinais de Raman.
5.11.2 Materiais e Métodos
Os experimentos forma realizados a temperatura ambiente em
um espectrômetro Bruker RFS 100/S, com detector de germânio refrigerado
com N2 líquido. Foi utilizada uma radiação de 1064 nm (9394,7 cm-1), com
potência na saida de 50 mW, de uma fonte laser Nd/YAG, e geometria de
retroespalhamento. Os espectros foram obtidos com 2500 varreduras (35
varreduras por minuto), com resolução de 4 cm-1 e ganho de 8.
Para minimizar o efeito da radiação de corpo negro, às
amostras foi adicionado alumínio em pó, que permitiu a rápida absorção da
energia térmica (também foi testado o uso de cobre eletrolítico, que, porém
saturava o sinal).
5.11.3 Resultados e Discussão
Os espectros das amostras apresentaram apenas duas bandas
de deslocamento Raman. A figura 38 mostra uma parte do espectro Raman
(espalhamento Stokes) entre 1000 e 1800 cm-1. Podem ser observados um
pico mais intenso em 1320 cm-1 e outro, de menor intensidade, em cerca de
1590 cm-1, definidos como banda D e banda G, respectivamente. Esses
mesmos picos foram observados em amostras de ácidos húmicos e fúlvicos
de solo e em amostras de carvão cromatográfico e ativado (Yang e Wang,
Caracterização dos Ácidos Húmicos 89
1997). As amostras de AH de vermicomposto apresentaram bandas bem
menos intensas: na figura 38, esses sinais foram maximizados, mas pode
ser observada a pior relação sinal-ruído. Esses resultados revelam, então,
uma natureza grafítica das amostras, com carbonos estruturalmente
desordenados, principalmente nas amostras de AH de turfa. Devido ao
fenômeno de radiação de corpo negro, que não foi totalmente eliminado, não
foi possível verificar as bandas de estiramento C–H e de grupos funcionais
como carboxilas e hidroxilas.
1800 1700 1600 1500 1400 1300 1200 1100 1000
0.10
0.11
0.12
0.13
0.14
0.15
0.16
0.17
0.18
d
c
b
a
Inte
nsid
ade
Número de onda (cm-1)
FIGURA 38 - Espectros de FT-Raman (entre 1800 e 1000 cm-1) de ácidos
húmicos de turfa extraídos com NaOH (a) e Na4P2O7 (b), e de ácidos
húmicos de vermicomposto extraídos com NaOH (c) e Na4P2O7 (d).
5.12 Ressonância Magnética Nuclear de Hidrogênio (1H-NMR)
5.12.1 Introdução
A espectroscopia de ressonância magnética nuclear (NMR) é
uma potente técnica para estimar a quantidade relativa de grupos orgânicos
funcionais, como estruturas alifáticas, aromáticas, fenólicas e carboxílicas.
Nos ácidos húmicos, a ressonância magnética nuclear de
hidrogênio (1H-NMR) é pouco utilizada, devido à enorme quantidade de
Caracterização dos Ácidos Húmicos 90
hidrogênios magneticamente diferentes, com conseqüente alargamento das
bandas, além do pico devido a H2O e HOD residuais (mesmo em solução de
D2O), mas ainda assim é utilizada por alguns autores (Gessa et al., 1983;
Preston, 1996; Ricca et al., 2000; Wang et al., 1990) e pode ser uma técnica
complementar a outras, como a 13C-NMR. Os espectros podem ser divididos
em regiões características de H magneticamente diferentes. Entretanto, ao
contrário da ressonância magnética nuclear de carbono 13 (13C-NMR), não
há um consenso entre os autores nessa divisão. Kawahigashi et al. (1996),
estudando frações de AH separados por cromatografia de permeação em
gel, dividiram o espectro de 1H-NMR em 5 regiões: 0,0 – 0,9 ppm (prótons
de grupos metila terminais próximos a prótons alifáticos saturados); 0,9 – 1,6
ppm (prótons de metileno próximos a olefinas ou anéis aromáticos); 1,6 – 3,0
ppm (prótons de metila e metileno próximos a carbonos aromáticos, olefinas
e grupos carbonila e éster); 3,0 – 4,3 ppm (prótons em carbonos próximos a
carboidratos, olefinas e grupos metoxil) e 6,0 – 9,0 ppm (prótons próximos a
carbonos de anéis aromáticos e heteroaromáticos, e a grupos carbonila
ligados a átomos eletronegativos). Watanabe et al. (1996), estudando
frações verdes de AH do tipo Pg, também dividiram o espectro em 5 regiões
(0,5 – 2,8 ppm; 2,8 – 6,5 ppm; 6,5 – 9,5 ppm; 9,5 – 14,5 ppm; 14,5 – 16,8
ppm). Dick et al. (1999), Peuravuori e Pihlaja (1998) e Ricca et al. (1993),
por sua vez, dividiram o espectro em 4 regiões, enquanto Tao et al. (1999)
dividiram-no em apenas 3 regiões: 0,8 – 1,8 ppm (prótons em grupos metila
e metileno); 3,0 – 6,5 ppm (prótons em carbonos próximos a heteroátomos O
ou N) e 6,5 – 10 ppm (prótons aromáticos).
5.12.2 Materiais e Métodos
As amostras de AH foram dissolvidas em uma solução de
NaOH em D2O na seguinte proporção: 66,7 mg de AH em 2 mL de solução
de NaOH 0,5 mol L-1 (40 mg de NaOH em 2 mL de D2O). Como se utiliza
aproximadamente 0,6 mL para a análise, a quantidade de AH analisada é de
aproximadamente 20 mg. Foram realizados experimentos com soluções de
Caracterização dos Ácidos Húmicos 91
AH em solução de Na4P2O7 em D2O, mas houve uma piora na sensibilidade
da análise.
Utilizou-se um espectrômetro Bruker AC 200, nas seguintes
condições: freqüência: 200,13 MHz; largura espectral: 2604,167 Hz; RD
(relaxation delay): 6 s; número de pulsos: 800 a 1000. Como aparece um
pico intenso em 4,6 ppm correspondente a H2O (impureza do D2O), em
alguns espectros, esse pico foi suprimido (ou minimizado) através de uma
pré-saturação. Tetrametilsilano (TMS) foi utilizado com referência interna.
O espectro foi dividido em 4 regiões: 0,0 – 1,5 ppm (prótons de
grupos metila e metileno de carbonos diretamente ligados a outros
carbonos); 1,5 – 2,3 ppm (prótons de grupos metileno e metino ligados a
anéis aromáticos e grupos carboxila e carbonila); 2,6 – 4,1 ppm (prótons
próximos a carbonos ligados a heteroátomos, como O) e 5,5 – 8,0 ppm
(prótons de anéis aromáticos).
5.12.3 Resultados e Discussão
Os espectros de ressonância magnética nuclear de hidrogênio
das amostras estão mostrados nas figuras 39 e 40. Na figura 40, o sinal
correspondente a H2O foi minimizado por pré-saturação.
10 8 6 4 2 0 -2
0
2000
4000
6000
8000 turfa/NaOH turfa/Na4P2O7 vermicomposto/NaOH vermicomposto/Na4P2O7
Inte
nsid
ade
do s
inal
δ (ppm)
FIGURA 39 - Espectro de 1H-NMR das amostras de ácidos húmicos.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 92
10 8 6 4 2 0 -2
0
3000
6000
9000
12000
15000 turfa/NaOH turfa/Na4P2O7 vermicomposto/NaOH vermicomposto/Na4P2O7
Inte
nsid
ade
do s
inal
δ (ppm)
FIGURA 40 - Espectro de 1H-NMR de ácidos húmicos, com saturação do
sinal correspondente a H2O.
As figuras 39 e 40 mostram que as amostras de AH de turfa
apresentaram pior razão sinal/ruído e um alargamento (e deslocamento para
regiões menos blindadas – maiores valores de δ) do pico entre 9,0 e 5,5
ppm. Mas a principal diferença verificada foi na intensidade relativa das
bandas. Não se observou, a priori, diferenças significativas entre amostras
extraídas com NaOH e amostras extraídas com pirofosfato. Os espectros
obtidos, especialmente os de AH de turfa, são bastante similares aos obtidos
por Dick et al. (1999) para AH de solo.
A tabela 17 mostra os valores das intensidades relativas das
regiões do espectro caracterizados por H com diferentes vizinhanças. Pode
ser observado na tabela que as amostras de AH de turfa apresentaram
maior porcentagem de prótons aromáticos (5,5 – 8,0 ppm) que as amostras
de AH de vermicomposto, especialmente as amostras extraídas com
pirofosfato de sódio. À primeira vista, as amostras de AH de turfa também
apresentaram maior quantidade relativa de prótons alifáticos (0,0 – 2,3 ppm);
isso se deve, porém, ao fato de que as amostras de AH de vermicomposto
apresentaram uma grande quantidade de prótons ligados a carbonos
oxigenados (2,6 – 4,1 ppm), como éteres e cetonas.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 93
TABELA 17 - Intensidade relativa de grupos funcionais obtidos pelos
espectros de 1H-NMR.
Amostra R1 (%) R2 (%) R3 (%) R4 (%)
TN 35,1 8,8 28,1 28,1
TN* 32,6 11,2 29,2 27,0
TP 22,4 11,8 29,4 36,5
TP* 25,3 12,0 28,9 33,7
VN 18,3 10,8 52,7 18,3
VN* 18,2 9,1 51,8 20,9
VP 17,6 11,0 53,8 17,6
VP* 17,9 12,8 51,3 17,9R1: 0,0 – 1,5 ppm; R2: 1,5 – 2,3 ppm; R3: 2,6 – 4,1 ppm; R4: 5,5 – 8,0 ppm.* Espectros com pré-saturação de H2O.
5.13 Ressonância Magnética Nuclear de Carbono 13 (13C-NMR)
5.13.1 Introdução
O primeiro estudo envolvendo espectroscopia de ressonância
magnética nuclear (NMR) aplicado a substâncias húmicas foi realizado por
Barton e Schnitzer (1963), na avaliação de um AH metilado. Entretanto,
somente nos últimos 15 anos o aprimoramento da tecnologia de NMR tornou
possível sua aplicação rotineira em SH (Preston, 1996). O desenvolvimento
de magnetos supercondutores com altos campos, a técnica da transformada
de Fourier para aquisição e manipulação dos dados, a polarização cruzada e
a rotação no ângulo mágico foram fundamentais para a obtenção de
espectros bem resolvidos (Preston, 1996).
O 13C tem sido o núcleo mais utilizado no estudo das SH,
seguido dos núcleos 1H, 31P e 15N, sendo que apenas 13C e 15N-NMR tem
sido utilizado com mais freqüência para amostras no estado sólido (Hatcher
et al., 2001; Kögel-Knabner, 1997). A técnica de 13C-NMR tem sido utilizada
principalmente na avaliação qualitativa e semiquantitativa das substâncias
Caracterização dos Ácidos Húmicos 94
húmicas. As frações de AF e AH são analisadas em solução ou no estado
sólido. A grande maioria dos trabalhos envolvendo SH tem sido
desenvolvida com amostras no estado sólido (utilizando-se polarização
cruzada e rotação no ângulo mágico: CP/MAS 13C-NMR), devido ao menor
tempo requerido para a obtenção dos espectros. Entretanto, muitos
trabalhos foram desenvolvidos utilizando-se a ressonância magnética com
amostras no estado líquido (LS 13C-NMR) (Dick et al., 1999; Lobartini et al.,
1989; Mikita et al., 1981; Nardi et al., 2000; Peuravuori e Pihlaja, 1998;
Piccolo et al., 1990; Stearman et al., 1989; Veeken et al., 2000; Wershaw et
al., 1990). Dai et al. (2001) utilizaram a LS 13C-NMR na análise de frações
extraíveis do solo (AH e AF) e a CP/MAS 13C-NMR para a humina e para o
solo in natura. Conte et al. (1997b) compararam as duas técnicas na análise
de AH e AF e verificaram que os espectros de CP/MAS apresentaram maior
intensidade relativa na região de carbonos alquila e menor intensidade na
região de carbonos aromáticos. Canellas et al. (2001) verificaram um
aumento na resolução de espectros de LS 13C-NMR quando os AH eram
previamente tratados com solução de KCl.
A técnica de CP/MAS 13C-NMR pode ser aplicada ao solo sem
a necessidade de extrair a matéria orgânica. Porém, espectros desse tipo
apresentam alargamento das linhas e grande redução da relação sinal/ruído,
devido à presença de grande quantidade de íons paramagnéticos
(especialmente Fe3+ e Mn2+) nas amostras intactas (Hemminga e Buurman,
1997).
Os espectros de 13C-NMR das SH apresentam regiões bem
definidas, que são agrupadas normalmente da seguinte maneira:
• 0 – 45 ppm: referente a C de alquilas;
• 45 – 70 ppm: referente a C–N e C de metoxilas;
• 70 – 110 ppm: referente a C–O em carboidratos;
• 110 – 140 ppm: referente a C aromáticos não oxigenados;
• 140 – 160 ppm: referente a C fenólicos;
• 160 – 190 ppm: referente a C carboxílicos;
• 190 – 200 ppm: referenta a C carbonílicos de aldeídos e cetonas.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 95
As estimativas das porcentagens dos diferentes tipos de
carbono são obtidas a partir da integração dos picos nas regiões específicas
dos espectros (Conte et al., 2003; Giovanela, 2003; Inbar et al., 1990; Kögel-
Knabner et al., 1991; Laird et al., 2001; Lu et al., 2000; Maie et al., 2002;
Marshall et al., 1998; Rasyid et al., 1992; Sardessai e Wahidullah, 1997;
Smeulders et al., 2000; Wattel-Koekkoek et al., 2001).
O teor de aromaticidade é, em geral, determinado através da
razão entre a porcentagem de C a 110 – 160 ppm e a porcentagem de C a 0
– 160 ppm (Ayuso et al., 1997; Inbar et al., 1989; Pérez et al., 2004; Shin et
al., 1999; Tao et al., 1999). A relação entre teor de aromaticidade e grau de
humificação nem sempre é tão direta, uma vez que materiais não
decompostos, como lignina e tanino, também apresentam grupos
aromáticos.
De maneira geral, a região alifática oxigenada (50 – 110 ppm)
da matéria orgânica do solo diminui com a humificação, pois nessa região há
importantes contribuições de compostos de fácil degradação microbiana,
como aminoácidos (53 ppm), metoxila da lignina (58 ppm) e carboidratos de
celulose e hemicelulose (64, 74, 85 e 105 ppm). Por sua vez, a degradação
microbiana leva ao acúmulo de estruturas parafínicas (0 – 50 ppm) e um
alargamento dos picos com perda de resolução devido à alta complexidade
estrutural (Preston et al., 1994) e um específico alargamento na região de
carbonos aromáticos (entre 124 e 145 ppm) devido à diminuição de grupos
aromáticos oxigenados.
A técnica de CP/MAS apresenta, porém, limitações na análise
quantitativa dos espectros (Mao et al., 2000; Preston, 1996), em parte devido
à redução na eficiência da polarização cruzada (CP) para carbonos não
protonados ou regiões com menores tempos de relaxação spin-rede dos
prótons (T1ρ (1H)). O ideal é que o tempo da polarização cruzada (tc) seja
maior que a constante de polarização cruzada (TCH), mas menor que T1ρ
(1H). Espécies paramagnéticas (como Fe3+) pode reduzir o T1ρ (1H),
causando perda de magnetização do hidrogênio antes de transferi-la aos
átomos de carbono (Smernik e Oades, 2000; Pfeffer et al., 1984). Além
disso, se a rotação no ângulo mágico (MAS) não for suficientemente rápida,
Caracterização dos Ácidos Húmicos 96
pode ocorrer a formação de bandas laterais, reduzindo a intensidade da
banda central (Monteil-Rivera et al., 2000).
Uma alternativa para minimizar o problema das bandas laterais
é o uso da seqüência TOSS (supressão total das bandas laterais) (Mao et
al., 2000); entretanto seu uso pode trazer problemas na quantificação
(Novotny, 2002).
Por sua vez, o problema da polarização cruzada pode ser
minimizado pelo uso da polarização direta (DP/MAS), mas o alto tempo de
relaxação spin-rede do carbono (T1 (13C)) torna a análise extremamente
longa. Mao et al. (2000) demonstrou que a DP/MAS combinada com a
correção do T1 (13C) por CP/T1-TOSS é viável na análise de SH. Hu et al.
(2000) usaram a CP/MAS e a DP/MAS para detectar estruturas cristalinas
nas SH. Outra alternativa é o uso da polarização cruzada com amplitude
variável (VACP), em que a amplitude do campo magnético varia linearmente
durante o tempo de contato (Hatcher et al., 2001; Novotny, 2002).
Variações na técnica de polarização cruzada podem fornecer
informações adicionais. Experimentos com desacoplamento defasado (DD),
por exemplo, que acrescenta um período (de 20 a 120 µs) entre a
polarização cruzada e a aquisição dos dados, durante o qual o desacoplador
fica desligado, podem suprimir seletivamente sinais de C diretamente ligados
a H em estruturas rígidas (Novotny, 2002; Preston, 1996; Kögel-Knabner et
al., 1992). Experimentos com tempo de contato variável (VCT) podem
fornecer o tempo ótimo de contato para cada sinal, com o qual a intensidade
desse sinal é máxima (Conte et al., 1997a, Monteil-Rivera et al., 2000).
5.13.2 Materiais e Métodos
Os espectros de 13C-NMR no estado sólido das amostras de
AH foram obtidos em um espectrômetro Varian Unity Inova 400, operando
em uma freqüência de 100,6 MHz para o 13C, acoplado a uma sonda com
MAS da Doty Scientific. Foram utilizadas as técnicas de polarização cruzada
com amplitude variável (VACP) e rotação no ângulo mágico (MAS), com taxa
de rotação de 7 kHz. O tempo de contato foi de 1 ms, o tempo de espera
Caracterização dos Ácidos Húmicos 97
para relaxação foi de 500 ms (mais de 5 vezes o tempo de relaxação spin-
rede (70 ms)) e a rampa de amplitude variável foi de 110 a 60%, no canal do13C. Esses parâmetros foram baseados em estudos realizados por Novotny
(2002), que otimizaram os melhores valores utilizando o mesmo
equipamento e amostras similares. Outros parâmetros utilizados foram:
largura de pulso de 4 µs, tempo de aquisição dos dados de 12,8 ms e
largura espectral de 50 kHz. Cada espectro contém cerca de 20000
transientes e foi utilizado hexametilbenzeno (HMB) com referência externa.
Utilizaram-se rotores cilíndricos (com diâmetro de 5 mm) de zircônia com
“end-caps” de Kel-F carregados com aproximadamente 50 mg de amostra.
Os espectros foram divididos em 7 regiões: 0 – 45 ppm (C de
alquilas), 45 – 60 ppm (C de O-alquilas), 60 – 110 ppm (C–O em
carboidratos), 110 – 140 ppm (C de aromáticos), 140 – 160 ppm (C de O-
aromáticos), 160 – 185 ppm (C carboxílicos) e 185 – 200 ppm (C de aldeídos
e cetonas), integrando-se as áreas e calculando-se a intensidade de cada
região em relação à área total do espectro. Todas as integrais foram
corrigidas pelas áreas das bandas laterais: cada banda lateral foi subtraída
da região em que ela aparece e somada à área da banda central (Conte et
al., 2003).
5.13.3 Resultados e Discussão
Os espectros de 13C-NMR das amostras de AH são
apresentados na figura 41.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 98
350 300 250 200 150 100 50 0 -50 -100 -150 -200
0.0000
0.0004
0.0008
0.0012
0.0016
0.0020
0.0024
0.0028
0.0032
Inte
nsid
ade
do s
inal
turfa/NaOH turfa/Na4P2O7 vermicomposto/NaOH vermicomposto/Na4P2O7
δ (ppm)
FIGURA 41 - Espectro de VACP/MAS 13C-NMR das amostras de ácido
húmico.
De um modo geral, os AH apresentam características bastante
similares. A intensidade relativa desses picos, entretanto, varia
consideravelmente entre as amostras extraídas de turfa e as amostras
extraídas de vermicomposto.
Na primeira região dos espectros (0 – 45 ppm), as amostras de
AH de vermicomposto apresentam 2 picos em 23 e 32 ppm, característicos
de CH2 e CH de cadeias alquila, respectivamente (Giovanela, 2002),
enquanto nas amostras de AH de turfa, o pico em 23 ppm aparece na forma
de um ombro.
A segunda região dos espectros é caracterizada por um pico
bem definido a 55 ppm, típico de C de ésteres e éteres alifáticos (metóxi e
etóxi) de lignina. Esse pico é bem mais pronunciado nas amostras de AH de
vermicomposto. Esse resultado é consistente com os resultados obtidos pela
análise elementar e da espectroscopia de ressonância magnética nuclear de
hidrogênio.
A terceira região dos espectros (60 – 110 ppm) apresenta um
pico em 71 ppm, característico de C de éteres e de anéis de polissacarídeos,
e um pico em 104 ppm, atribuído a C ligado a dois átomos de oxigênio e a C
anomérico em polissacarídeos (Giovanela, 2002). Esses picos são
Caracterização dos Ácidos Húmicos 99
apresentados por todas as amostras, mas com maior intensidade nos AH de
vermicomposto, concordando com seu caráter menos humificado.
Na região característica de C aromáticos (110 – 140 ppm), as
amostras apresentam um pico em 128 ppm, atribuído a C aromáticos não
substituídos ou alquil-substituídos. Nas amostras de AH de vermicomposto,
esse pico é menos intenso e aparece um outro pico em 115 ppm. Esse
resultado, consistente com os espectros no infravermelho, indicam nessas
amostras a presença de grupos aromáticos específicos.
Os espectros das amostras de AH de vermicomposto
apresentam um pico duplo em 147 e 152 ppm. Esse pico, ausente nos
espectros de AH de turfa, refere-se a C aromáticos substituídos por O e N,
como éteres aromáticos, fenóis e aminas aromáticas.
Na região compreendida entre 160 e 185 ppm, é possível
observar um pico centrado em 172 ppm, normalmente associado a C
carboxílico, C de éster e de amida. Esse pico está presente, com
intensidades similares, em todos os espectros.
Por fim, aparece um pico de baixa intensidade em 196 ppm,
associado a C carbonílico de aldeídos e cetonas.
Em todos os espectros, observa-se a presença de bandas
laterais em 215 e 240 ppm.
As áreas relativas das regiões dos espectros e o grau de
aromaticidade (Ar) são mostrados na tabela 18.
TABELA 18 - Intensidade relativa de grupos funcionais e grau de
aromaticidade (Ar) obtidos pelos espectros de 13C-NMR de ácidos húmicos.
Amostras R1 (%) R2 (%) R3 (%) R4 (%) R5 (%) R6 (%) R7 (%) Ar (%)
TN 25,5 10,6 26,2 19,7 5,2 9,5 4,0 28,6
TP 21,9 10,3 25,4 22,7 5,8 10,4 4,6 33,1
VN 23,2 16,2 28,5 15,4 7,2 6,8 1,9 25,0
VP 21,9 14,2 29,2 16,2 8,0 8,0 2,6 27,0R1: 0 – 45 ppm; R2: 45 – 60 ppm; R3: 60 – 110 ppm; R4: 110 – 140 ppm; R5: 140 – 160 ppm;R6: 160 – 185 ppm; R7: 185 – 200 ppm.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 100
Pode ser observado, na tabela 18, que as amostras de AH de
vermicomposto apresentam maiores valores das áreas das regiões
compreendidas entre 45 e 110 ppm, atribuídas a C–O de metoxila e de
carboidratos, e entre 140 e 160 ppm, atribuídas a grupos O-aromáticos;
essas amostras apresentam, porém, menores valores das áreas das regiões
características de C aromáticos não oxigenados (110 – 140 ppm) e de
carboxilas (160 – 185 ppm). Sabe-se que, com o avanço da humificação, o
conteúdo de grupos carboxílicos e aromáticos aumenta, enquanto que o de
O-aromáticos e metoxilas diminuem (Kögel-Knabner et al., 1991; Preston et
al., 1994).
O grau de aromaticidade (Ar) foi maior nas amostras de AH de
turfa, mas a diferença com os valores obtidos para as amostras de AH de
vermicomposto foi menor que o esperado, apesar desses valores serem
condizentes com os obtidos por Inbar et al. (1989). Observa-se também uma
ligeira diferença entre o grau de aromaticidade de amostras extraídas com
NaOH e de amostras extraídas com Na4P2O7, tendo essas últimas
apresentado maiores valores.
5.14 Ressonância Paramagnética Eletrônica (EPR)
5.14.1 Introdução
As espécies paramagnéticas freqüentemente detectadas por
EPR em substâncias húmicas são radicais livres orgânicos, especialmente
semiquinonas, e alguns íons inorgânicos, como Fe3+, Mn2+, Cu2+ e VO2+. Os
íons Fe2+, embora paramagnéticos, não são detectados por EPR, pois,
especialmente em temperatura ambiente, o tempo de relaxação spin-spin
(T2) é extremamente curto, alargando a linha espectral, perdendo-se
resolução e até impossibilitando o registro do espectro.
Os radicais livres, formados no processo de transformação da
matéria orgânica, podem ser estabilizados em estruturas do tipo “spins
traps”, como polifenóis, melaninas e melanoidinas (Jezierski et al., 1998).
Esses radicais, detectados por EPR (no estado sólido ou em solução) como
Caracterização dos Ácidos Húmicos 101
um sinal estreito e intenso com valor de g entre 2,0030 e 2,0043, são, em
geral, identificados como semiquinonas conjugadas a anéis aromáticos.
Geralmente os radicais livres orgânicos de substâncias
húmicas não apresentam estrutura hiperfina, principalmente em amostras
sólidas. Cheshire e McPhail (1996), entretanto, verificaram sinais com
estrutura hiperfina resolvida, especialmente variando-se alguns parâmetros
experimentais, como amplitude de modulação, potência de microondas e
utilização de segunda derivada nos espectros.
A largura da linha, medida pico a pico no sinal de primeira
derivada, dos radicais orgânicos detectados em substâncias húmicas
geralmente é de 0,2 a 1 mT, sendo menores em solução do que no estado
sólido (Novotny, 2002).
A concentração de radicais orgânicos em substâncias húmicas,
medida na forma de concentração de spins por grama, é um importante
parâmetro que pode ser usado na estimativa do grau de humificação
(Barančíková et al., 1997; Jezierski et al., 1998; Martin-Neto et al., 1998).
A concentração de spins depende de diversos fatores
experimentais, como pH, intensidade iônica, hidrólise ácida, alquilação,
condições redox, irradiação e interação com compostos orgânicos e íons
metálicos (Lu e Johnson, 1997; Senesi, 1990a; Sposito et al., 1996).
Jezierski et al. (2000) investigaram os efeitos de agentes gasosos e
solventes orgânicos e da complexação com íons Cu2+ na concentração de
radicais orgânicos em ácidos húmicos de composto, solo, turfa e carvão.
Pandey et al. (1999) verificaram a formação de uma estrutura
hiperfina de radicais livres de AH complexado com Mn2+. Busnot et al. (1995)
verificaram o sinal de radical livre também em amostras de AH de
sedimentos. Contrariando outros estudos, Miikki et al. (1997) verificaram um
ligeiro decréscimo na concentração de radicais livres com o aumento do
tempo de compostagem de rejeitos domésticos e industriais, provavelmente
devido à polimerização homolítica. Ferreira et al. (2001) estudaram possíveis
sítios hidrofóbicos em ácidos húmicos ao estudar sua interação com spin-
label (sonda para EPR sensível ao ambiente em que está exposta).
Caracterização dos Ácidos Húmicos 102
A amplitude do sinal de EPR, desde que não haja saturação do
sinal, é proporcional a P1/2, onde P é a potência das microondas. Assim,
para se otimizar a aquisição, deve-se utilizar a maior potência das
microondas abaixo da saturação. Para se obter a potência de saturação,
adquirem-se vários espectros, variando-se P. Em seguida, faz-se um gráfico
de intensidade do sinal (I) versus P1/2 e escolhe-se o valor de P quando a
curva começar a perder a linearidade (Novotny, 2002). Outra forma de se
obter a potência de saturação é construir um gráfico de I/P1/2 versus P1/2.
Nesse caso, escolhe-se o sinal de P quando a curva deixar de permanecer
constante.
5.14.2 Materiais e Métodos
As análises de EPR foram realizadas em um espectrofotômetro
Bruker EMX, com cavidade ressonante retangular, operando em Banda X
(cerca de 9 GHz), a temperatura ambiente. Os espectros foram obtidos em
primeira derivada.
Os parâmetros experimentais utilizados foram: potência de
microondas de 0,13 mW (atenuação de 32 dB), determinada através de
experimentos de saturação de potência (figura 42), ganho de 1 x 104 (para a
amostra e o pitch) e 7,93 x 103 (para o rubi), amplitude de modulação de 1 G
(para a amostra e o pitch) e 5 G (para o rubi), tempo de conversão de 10,24
ms. O número de varreduras foi de 2 (para as amostras de AH extraídas de
turfa) e 16 (para as amostras de AH extraídas de vermicomposto). Foram
utilizados entre 5 e 20 mg de amostra. Para verificação do sinal do íon
vanadilo nas amostras de AH de turfa, foi utilizado uma potência de
microondas de 20 mW.
Para o cálculo da concentração de radicais livres, utilizou-se o
método do padrão secundário de Singer, que consiste na utilização de um
cristal de rubi sintético contendo 0,5% de Cr3+. A concentração de spins da
amostra foi calculada conforme a equação 44:
Caracterização dos Ácidos Húmicos 103
( )
∆=
AAAR
RARA
nGMIGHMI
KN...
....
2
(44)
em que: N = concentração de spins da amostra;
IA e IR = intensidades dos sinais;
MA e MR = amplitudes de modulação;
GA e GR = ganhos;
∆HA = largura de linha do espectro da amostra tomada pico a pico;
n = número de varreduras;
K = constante.
Os subíndices A e R referem-se à amostra e ao rubi,
respectivamente.
O sinal do rubi foi obtido sempre nas mesmas condições e
juntamente com as amostras. Para isso, ele foi mantido permanentemente
dentro da cavidade, com o objetivo de detectar e normalizar quaisquer
alterações na razão entre a energia absorvida e a energia incidente (fator Q).
O valor de K foi determinado, utilizando-se um strong pitch de
KCl (padrão da Varian) contendo 3 x 1015 spins por centímetro. Mede-se
quantos centímetros do pitch foram introduzidos na cavidade ressonante e,
conseqüentemente, o número total de spins (NP). A equação 45 mostra a
expressão para determinação do númeo de spins do pitch.
( )
∆=
PPR
RPRpP GMI
GHMIKN
.....
.2
(45)
em que o subíndice P refere-se ao pitch.
Combinando-se as equações 44 e 45, tem-se:
( )( )
∆
∆=
AAA
AA
PP
PPPP nGM
HIHInGM
NN..
..
...
.2
2 (46)
Caracterização dos Ácidos Húmicos 104
1E-3 0.01 0.1 1 10 10010
100
1000
10000
potência de saturação escolhida
I/P1/
2
P1/2
FIGURA 42 - Curvas de saturação de potência para as amostras de AH
extraídas de turfa (vermelho) e vermicomposto (preto).
5.14.3 Resultados e Discussão
Os espectros de EPR das amostras de AH (figuras 43 e 44)
mostraram dois sinais bem proeminentes: um a aproximadamente 1950 G e
outro a aproximadamente 3390 G (g = 2,003), relativos ao padrão de rubi e
ao radical livre orgânico, respectivamente. Pode-se notar, nas amostras de
AH de turfa, que o pico relativo ao radical livre possui uma intensidade
relativa bem maior do que verificado no espectro do AH de vermicomposto.
As amostras apresentaram também um sinal a 1600 G (g = 4,3)
(figura 45) correspondente a Fe3+ com simetria rômbica, e um conjunto de
sinais (devido a acoplamento hiperfino) (figura 46) correspondente a íons
vanadilo (VO2+) e Cu2+ complexados a ligantes oxigênio e nitrogênio.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 105
0 1000 2000 3000 4000 5000
-80000
-60000
-40000
-20000
0
20000
40000
60000
80000 radical orgânico
rubi
Campo magnético (gauss)
FIGURA 43 - Espectro de EPR de ácidos húmicos de turfa extraídos com
NaOH.
0 1000 2000 3000 4000 5000
-80000
-60000
-40000
-20000
0
20000
40000
60000
80000
radical orgânico
rubi
Campo magnético (gauss)
FIGURA 44 - Espectro de EPR de ácidos húmicos de vermicomposto
extraídos com NaOH
Caracterização dos Ácidos Húmicos 106
1300 1400 1500 1600 1700 1800 1900
-800
-400
0
400
800
1200
1600
2000
2400 turfa/NaOH turfa/Na4P2O7 vermicomposto/NaOH vermicomposto/Na4P2O7
Campo magnético (gauss)
FIGURA 45 - Espectro de EPR (entre 1300 e 1900 G, correspondente ao
sinal do íon Fe3+) das amostras de ácidos húmicos.
3200 3250 3300 3350 3400 3450 3500 3550 3600-6000
-4000
-2000
0
2000
4000
Campo magnético (gauss)
FIGURA 46 - Espectro de EPR (entre 3200 e 3600 G, correspondente aos
sinais dos íons VO2+ e Cu2+) das amostras de ácidos húmicos.
A tabela 19 apresenta os valores de quantidade de spins
(relativos ao radical orgânico) por grama de amostra.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 107
TABELA 19 - Concentração de spins por grama de ácido húmico (N) e
largura de linha (∆H) do sinal do radical orgânico (n = 6 determinações).
Amostra N (spins/g, x 1016) ∆H (gauss)
TN 38,7 ± 9,8 3,76 ± 0,00
TP 36,9 ± 5,4 3,71 ± 0,06
VN 4,34 ± 0,77 5,43 ± 0,25
VP 4,04 ± 0,79 5,25 ± 0,24
A tabela 19 revela que a concentração de radicais livres nas
amostras de AH de turfa é cerca de 9 vezes maior que nas amostras de AH
de vermicomposto. Esse é, talvez, o maior indicativo da maior humificação
das amostras de AH de turfa. Além disso, as amostras de AH de
vermicomposto apresentaram maior largura de linha do sinal do radical
orgânico, também característico de materiais menos humificados. Por sua
vez, não foi verificada diferença significativa entre as amostras de AH
extraídas com NaOH e as extraídas com Na4P2O7. Os valores de
concentração de spins e largura de linha encontrados nas amostras de AH
de vermicomposto foram próximos a valores encontrados na literatura para
amostras de AH de resíduos urbanos compostados, mas abaixo de valores
encontrados para solos (Martin-Neto et al., 1998; Sposito et al., 1996;
Barančiková et al., 1997; Pérez et al., 2004). Os valores encontrados para
AH de turfa foram ligeiramente maiores que os encontrados na literatura
para o mesmo tipo de material (Jezierski et al., 2000).
5.15 Análises por Eletroforese Capilar de Zona (CZE)
5.15.1 Introdução
Recentemente, tem-se aumentado o interesse na aplicação de
métodos eletroforéticos na separação e caracterização das substâncias
húmicas, especialmente devido à natureza iônica dessas moléculas (De
Nobili et al., 1990; Dunkelog et al., 1997; Janoš, 2003; Pokorná et al., 2000;
Caracterização dos Ácidos Húmicos 108
Trubetskoj et al., 1997). Rigol et al. (1994) esturdaram a influência dos
tampões na separação de ácidos húmicos. Landgraf et al. (1998a)
estudaram o perfil eletroforético de amostras de AH de solo, turfa e
vermicomposto, e uma amostra de AH comercial. Ácidos húmicos de
vermicomposto foram também o objeto de estudo de Petrussi et al. (1988). A
eletroforese capilar também foi utilizada para se estudar interações de
ácidos húmicos com metais (Keuth et al., 1998; Nordén e Dabek-
Zlotorzynska, 1996; Schmitt et al., 1996). Como os ácidos húmicos são uma
matriz complexa, apresentando alta massa molecular e estrutura
dependente de sua origem, a eletroforese pode ser uma técnica muito útil na
sua separação e caracterização, porque amostras de diferentes origens
podem ser rapidamente analisadas (Fetsch e Havel, 1998; Fetsch et al.,
1998).
A separação em capilares de sílica fundida é o resultado do
fluxo eletroosmótico e o fracionamento das diferentes razões carga/massa
da substância. Se duas amostras de ácidos húmicos exibem o mesmo
comportamento sob um determinado campo elétrico, então elas teriam
similares razões carga/massa (Pompe et al., 1996). A quantidade de grupos
ionizados dessas macromoléculas é basicamente devida à quantidade de
grupos carboxílicos e fenólicos e é dependente do pH da solução (Schmitt-
Kopplin et al., 1998). Os valores de pKa dos grupos carboxílicos nas
substâncias húmicas estão na faixa de 3,5 a 5. Em pHs elevados, os ácidos
húmicos estão mais negativamente carregados, devido à ionização dos
grupos carboxílicos e fenólicos. Assim, uma maior mobilidade eletroforética
dos AH na sua forma aniônica corresponderia a uma maior razão
carga/massa e, conseqüentemente, maior quantidade de grupos carboxílicos
e fenólicos (ou seja, maior acidez) (Pompe et al., 1996; Schmitt-Kopplin et
al., 1998). Entretanto, o uso de CZE fornece apenas resultados qualitativos,
com o objetivo de comparar a acidez de diversas amostras, mas não fornece
um valor absoluto de acidez.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 109
5.15.2 Materiais e Métodos
Nos experimentos em eletroforese capilar (CE), utilizou-se um
sistema HP 3DCE (Hewlett Packard) com um capilar de 64,5 cm de
comprimento total, 56 cm de comprimento efetivo e 50 µm de diâmetro
interno. A detecção foi feita "on column" pelo sistema de UV-DAD, para um
comprimento de onda de 214 nm. A injeção utilizada foi do tipo
hidrodinâmica por 5 segundos e a voltagem aplicada foi de 25 kV. A
temperatura permaneceu constante a 25°C.
O condicionamento do capilar foi realizado antes das corridas
eletroforéticas, por lavagem do capilar com as seguintes soluções: 5 minutos
com solução de NaOH 1 mol L-1, 10 minutos com água desionizada e 15
minutos com o tampão de corrida. Entre cada corrida o capilar foi lavado
com solução de NaOH 1 mol L-1 durante 2 minutos, água desionizada por 1
minuto e com 3 minutos com solução tampão. As soluções tampão
utilizadas foram: tampão tetraborato (solução de bórax 0,020 mol L-1, pH 9,2)
e tampão carbonato (solução de NaHCO3 0,020 mol L-1, pH 9,7). Foi usada
uma solução de NaOH 0,05 mol L-1 para alcançar o pH desejado.
As amostras de HA foram dissolvidas em uma solução de
NaOH 0,05 mol L-1 e igual volume de metanol (marcador neutro), de forma
que a concentração final de AH ficasse igual a 0,5 mg mL-1.
O tempo de migração ajustado das amostras foi calculado em
relação ao tempo de migração do marcador do fluxo eletrosmótico (metanol):
maa ttt −=' . (47)
em que: ta’ = tempo de migração da amostra ajustado;
ta = tempo de migração da amostra;
tm = tempo de migração do marcador neutro.
A mobilidade eletroforética das amostras foi determinada
através das equações 48 e 49:
( ) VLvvVLvEv EOFOBSEFEFEF .. −===µ (48)
( )( )VLtltl maEF .−=µ (49)
Caracterização dos Ácidos Húmicos 110
em que: µEF = mobilidade eletroforética;
vEF = velocidade eletroforética;
vOBS = velocidade eletroforética observada;
vEOF = velocidade do fluxo eletrosmótico;
E = campo elétrico;
L = comprimento total do capilar;
l = comprimento efetivo (até o detector) do capilar;
V = voltagem aplicada.
5.15.3 Resultados e Discussão
As figuras 47 e 48 mostram os eletroferogramas das amostras
de AH em tampão tetraborato e carbonato, respectivamente. Os
eletroferogramas foram corrigidos em relação ao tempo de migração do
marcador neutro (metanol) para que o deslocamento das bandas das
amostras fosse mais bem visualizado.
-2 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20
-2
0
2
4
6
8
10
12
14 turfa/NaOH turfa/Na4P2O7 vermicomposto/NaOH vermicomposto/Na4P2O7
Abso
rbân
cia
(U.A
.)
Tempo de migração (min)
FIGURA 47 - Eletroferogramas das amostras de ácidos húmicos, utilizando-
se tampão tetraborato.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 111
-2 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20-4
-2
0
2
4
6
8
10
12 turfa/NaOH turfa/Na4P2O7 vermicomposto/NaOH vermicomposto/Na4P2O7
Abso
rbân
cia
(U.A
.)
Tempo de migração (min)
FIGURA 48 - Eletroferogramas das amostras de ácidos húmicos, utilizando-
se tampão carbonato.
A tabela 20 mostra os valores de tempo de migração ajustado
(ta’ = ta – tm) e de mobilidade eletroforética das amostras de AH.
TABELA 20 - Valores de tempo de migração ajustado (ta’) e mobilidade
eletroforética (µEF) das amostras de ácidos húmicos (entre parênteses:
desvio-padrão; n = 3 determinações).
Amostra Tampão ta' (min) µEF (cm2 min-1 kV-1)
TN tetraborato 5,24 (0,09) -22,77 (0,21)
TP tetraborato 5,32 (0,06) -23,00 (0,29)
VN tetraborato 4,89 (0,19) -21,81 (0,26)
VP tetraborato 5,37 (0,12) -22,71 (0,23)
TN carbonato 3,82 (0,26) -24,07 (0,10)
TP carbonato 3,79 (0,14) -24,22 (0,04)
VN carbonato 3,42 (0,01) -22,97 (0,28)
VP carbonato 3,71 (0,05) -24,16 (0,19)
Caracterização dos Ácidos Húmicos 112
Observando as figuras 47 e 48 e a tabela 20, verifica-se um
tempo de migração menor para o AH de vermicomposto extraído com
NaOH. Como se trata de um ânion, um tempo de migração menor reflete
uma mobilidade eletroforética menor (em módulo). Essa menor mobilidade
para a amostra de AH de vermicomposto é verificada, seja usando tampão
tetraborato, seja usando tampão carbonato. O sinal negativo dos valores de
mobilidade é devido ao sentido dessa mobilidade, que é contra o fluxo
eletrosmótico. Partindo-se do pressuposto que os grupos aniônicos das
amostras são, basicamente, grupos carboxílicos e fenólicos, e sabendo-se
que a mobilidade de um íon é função da relação carga/massa desse íon,
pode-se inferir uma menor acidez do AH de vermicomposto extraído com
NaOH. Essa observação coincide com os experimentos de acidez por
titulação potenciométrica. Entretanto, para as outras amostras, não foi
observada nenhuma diferença significativa.
5.16 Microscopia Eletrônica de Varredura (SEM)
5.16.1 Introdução
Nas últimas duas décadas, tem-se visto um grande número de
livros e artigos de revisão na área de microcaracterização de solos e de
substâncias húmicas. Dentre as técnicas de imagens mais estudadas,
podem ser citadas a microscopia eletrônica de varredura (SEM), a
microscopia de transmissão eletrônica (TEM), a microscopia de força
atômica (AFM) e a microscopia por tunelamento (STM). Devido à maior
profundidade de foco alcançada, a SEM é mais adequada para a análise de
solos do que a TEM (Chen, 1998). As outras técnicas ainda são
relativamente caras, apesar do crescente uso, principalmente da AFM, no
estudo de compostos húmicos, devido à grande resolução obtida por essas
técnicas (Ferreira, 2002; Ferreira et al., 2001).
Estudos de SEM aplicados a ácidos húmicos e fúlvicos
mostraram que o pH, a concentração da solução do material húmico, o meio
Caracterização dos Ácidos Húmicos 113
iônico e até o método utilizado para secar e preparar a amostra podem
interferir na forma e no arranjo das partículas (Chen, 1998).
5.16.2 Materiais e Métodos
As suspensões dos AH foram preparadas em uma pequena
quantidade de água, colocadas sobre um suporte de alumínio e secas em
estufa a 50 °C.
As micrografias foram obtidas em um microscópio eletrônico de
varredura LEO-440, operando com um feixe de elétrons de 20 keV. As
amostras foram previamente recobertas com uma camada de ouro d 30 nm
de espessura em uma metalizadora Bal-Tec MCS 010.
5.16.3 Resultados e Discussão
As micrografias eletrônicas de varredura das amostras de
ácidos húmicos de turfa e vermicomposto são apresentadas na figura 49.
As amostras de AH apresentaram uma morfologia bastante
heterogênea, mas pode-se perceber que as amostras de AH de
vermicomposto (VN e VP) apresentaram partículas com tamanhos menores
que os AH de turfa (TN e TP). De um modo geral, as micrografias
evidenciam que as partículas os AH tendem a se aglomerar em
microporções compactas, com formas e tamanhos variados, destacando-se
a presença de estruturas lamelares e reticulares.
Caracterização dos Ácidos Húmicos 114
TN TP
VN VPFIGURA 49 - Micrografias de varredura das amostras de ácidos húmicos.
Aumento de 1000 vezes.