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Avaliao e desenvolvimento organizacional da escola*
Natrcio Afonso **
Resumo
A partir de uma abordagem tributria da anlise estratgica e da sociologia da aco, o
presente texto discute os conceitos de avaliao do desempenho, desenvolvimento
organizacional e qualidade da educao, sublinhando a natureza poltica da avaliao
externa das escolas, e a sua dependncia dos valores e das lgicas em aco dos actores
que a promovem e executam. De seguida mostram como as polticas de promoo da
avaliao externa esto em desenvolvimento nos diversos pases europeus e
correspondem a tendncias pesadas da evoluo das sociedades ocidentais. Finalmente
identificam-se aspectos desta reconfigurao avaliativa na revoluo recente das
polticas educativas em Portugal.
Palavras-chave: Avaliao educacional. Sociologia da ao. Sociologia organizacional.
Polticas educacionais. Formao de professores.
School evaluation and organizational development
Abstract
Based on a framework that derives from strategic analysis and action sociology, this
paper discusses the concepts of evaluation performance, organizational development
and quality of education. It highlights the political nature of the external evaluation of
schools and its dependence on the values and logic of the actions of actors responsible
for its promotion and execution. This paper also shows how policies for the promotion
of external evaluation are being developed in different European countries and how
meaningful they are in terms of the evolution of western societies. Furthermore, it
points out aspects of this evaluative reconfiguration in the recent development of
educational policies in Portugal.
Keywords: Educational evaluation. Action sociology. Organizational sociology.
Educational policies. Teacher education.
* Comunicao apresentada no II Simpsio sobre Organizao e Gesto Escolar, Universidade de Aveiro,
maio de 2002; Artigo publicado na Revista Brasileira de Poltica e Administrao da Educao- RBPAE vol. 20, n. 1, jan./ jun. 2004.
** Doutor em Educao, Universidade de Boston (EUA); Professor Auxiliar, Faculdade de Psicologia e
de Cincias da Educao, Universidade de Lisboa, Portugal. E-mail: natafonso@yahoo.com
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Meta: Avaliao | Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p.150-169, mai./ago. 2009
Evaluacin y desarrollo organizacional de la escuela
Resumem
Basado en la perspectiva derivada del anlisis estratgico y de la sociologa de la accin,
este trabajo discute los conceptos de evaluacin de rendimiento, desarrollo
organizacional y calidad de la educacin, destacando la natureza poltica de la evaluacin
externa de las escuelas, as como su dependencia em relacin a los valores y lgicas de
accin de los actores que la promoven y ejecutan. A continuacin, se presenta como las
polticas de promocin de la evaluacin externa se desarrollan em los distintos pases
europeos y corresponden a tendencias marcantes de la evolucin de las sociedades
occidentales. Por fin, este trabajo indentifica aspectos de esta reconfiguracin
evaluativa em la evolucin reciente de las polticas educativas em Portugal.
Palabras clave: Evaluacon educacional. Sociologa de la accin. Sociologia organizacional. Polticas educativas. Formacin de maestros y profesores.
A avaliao tem sempre um cliente e uma agenda
Qualquer que seja a metodologia adoptada, o processo de avaliao passa sempre
pela considerao de padres de referncia (explcitos ou implcitos, formais ou
informais, referenciveis nos discursos dos avaliadores ou apenas nas suas prticas de
avaliao). Os padres de referncias so definidos a partir de uma seleco e
hierarquizao de valores relevantes, e consistem na conceptualizao de factos e
situaes virtuais (por exemplo, o volume e a natureza dos recursos que devem ser
disponibilizados, as caractersticas desejveis da organizao e dos processos de
trabalho, a adequao dos produtos ou resultados obtidos em relao s finalidades
pretendidas).
A partir dos padres de referncia operacionalizam-se os indicadores que so
utilizados na anlise da situao ou contexto que se pretende avaliar. Assim, na sua
essncia, a avaliao consiste num exerccio de comparao entre duas situaes: a
situao real que objecto da avaliao, e uma situao virtual deduzida a partir dos
padres de referncia. A comparao concretiza-se atravs da identificao de
discrepncias nas dimenses analticas cobertas pelos indicadores seleccionados. Os
indicadores podem ser descritos no plano qualitativo (por exemplo, a relevncia dos
contedos curriculares, a adequao do equipamento e materiais pedaggicos, o
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alcance da viso estratgica dos dirigentes, a preparao cientfica e pedaggica dos
professores, a consistncia do enquadramento poltico da tutela, etc.), ou num plano
quantitativo (custo por aluno, nmero de alunos por professor, taxas de absentismo
docente ou discente, de abandono escolar ou de insucesso, mdias dos resultados
escolares, etc.)1.
As fontes para definio de padres e indicadores podem ser muito diversas: o
desempenho anterior da organizao, o desempenho de organizaes tidas como
referncia (benchmarking), os normativos legais, as normas tcnicas, as boas prticas
profissionais tal como so entendidas no know-how dos avaliadores, etc.
Os juzos de avaliao so, portanto, o produto de mltiplas escolhas do(s) cliente(s)
e do(s) avaliador(es), concretizando em cada momento uma agenda de questionamento
das situaes e dos contextos desenvolvida no mbito das lgicas de aco desses
actores. Tal como na pesquisa cientfica, as respostas que se obtm dependem das
questes que se colocam. Em avaliao, os juzos que se produzem dependem dos
padres de referncia que se adoptam e dos indicadores que os operacionalizam.
Ao contrrio da procura naif da objectividade prpria do positivismo ingnuo, uma
abordagem avaliao centrada na anlise estratgica das lgicas de aco dos actores
organizacionais sublinha justamente o seu carcter intrinsecamente pluralista e
subjectivo. A natureza eminentemente poltica da avaliao do desempenho
organizacional implica a considerao de que existe sempre um ponto de vista
especfico a partir do qual qualquer processo avaliativo conduzido. Tal ponto de vista
expressa os interesses e as estratgias de interveno dos actores que promovem ou
influenciam a avaliao. No contexto organizacional, a avaliao , portanto,uma
dmarche subjectiva, onde a aparncia da objectividade varia na razo direta da partilha
de subjetividades entre os actores decorrentes do exerccio do poder no jogo poltico
em curso. Se certo que a credibilidade do processo avaliativo no dispensa a qualidade
tcnica do dispositivo e dos instrumentos, assim como a solidez da lgica
argumentativa, no pode ignorar-se que a legitimao da avaliao decorre sobretudo
do exerccio do poder: avalia quem pode avaliar e avaliado quem deve ser avaliado.
E quanto mais poder tem quem pode, mais a avaliao (parece) objectiva.
1 Esta abordagem tributria da reflexo do Prof. Alain K. Gaynor (2001).
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Da centralidade dos padres de referncia, e da sua irredutvel diversidade
resultante da multiplicidade das agendas avaliativas, resulta a produo de juzos
diferenciados e mesmo contraditrios. Assim, com base em dados empricos
semelhantes possvel chegar a resultados totalmente divergentes, como tem sido o
caso das tentativas, alis pouco hbeis, para ordenar as escolas secundrias a partir das
classificaes obtidas pelos alunos nos exames finais do 12 ano.
Do ponto de vista positivista, a diversidade e a subjectividade so entendidas como
uma arbitrariedade inconcebvel. Na realidade, no h avaliao neutra e objectiva: tem
sempre um cliente e uma agenda.
Desenvolvimento organizacional, qualidade e conflito de valores
Os valores fundamentais das sociedades democrticas europias ou de tradio
europia so intrinsecamente contraditrios, no sentido em que s parcialmente podem
ser compatibilizados. Valores como a liberdade e a igualdade, a solidariedade e a
competitividade, a criatividade e a conformidade, a eficcia e a eficincia, quando
perseguidos de uma forma extremada entram necessariamente em contradio e
tendem a enfraquecer-se mutuamente. Situando-se no campo da reflexo filosfica e da
histria das idias, Isaiah Berlin (1998, p. 53). afirmava em 1988:
Tanto a liberdade como a igualdade contam-se entre os objectivos primordiais perseguidos pelos seres humanos ao longo de muitos sculos; contudo, a liberdade total dos lobos significa a morte para os carneiros, a liberdade total dos poderosos, dos dotados, no compatvel a uma existncia decente dos fracos e dos menos dotados. [...] A igualdade pode exigir a restrio da liberdade dos que desejam dominar; a liberdade sem uma pequena quantidade da qual no h qualquer opo, e, por conseguinte, nenhuma possibilidade de permanecemos humanos no sentido que damos palavra pode ter de ser restringida de modo a deixar espao ao bem-estar social, dar de comer aos que tm fome, vestir os nus, dar abrigo aos que no tm lar, acautelar a liberdade dos outros, permitir o exerccio da justia e da equidade. [...] Estas colises de valores so da essncia do que eles so e do que ns somos.
No mbito da poltica educativa e da administrao educacional, os autores de um conhecido manual de referncia sublinham que:
No centro do debate sobre poltica educativa esto quatro valores que so generalizadamente aceites embora sejam contraditrios entre si: equidade, excelncia, eficincia e liberdade [...]. Existem num constante estado de tenso, de tal modo que um excessivo nfase num deles prejudica a expresso de cada um dos outros trs (SERGIOVANNI et al., 1987, p. 7).
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Mais recentemente, numa tentativa para prevenir uma grelha de anlise de
polticas educativas, a propsito do debate sobre o pblico e o privado na prestao do
servio de educao, Henry Levin (2002) identifica quatro critrios de referncia
(liberdade de escolha, eficincia, equidade e coeso social), realando o facto de que
No existe nenhum sistema ptimo que garanta os mximos resultados dos quatro critrios. Em ltima anlise, a escolha depende das preferncias especficas e dos valores transmitidos por intermdio das instiruies democrticas.
Assim, considerando a coexistncia desses valores contraditrios na definio e conduo
das polticas educativas e na administrao da educao, a noo de desenvolvimento
organizacional ganha necessariamente uma dimenso pluralista e fluda. H vrios
desenvolvimentos organizacionais possveis, em funo dos valores que so mais destacados, em
cada momento, em cada instncia organizacional, e em funo das lgicas de aco dos actores.
No plano da avaliao, o desenvolvimento organizacional pode assim ser entendido como a
evoluo desejada do desempenho da escola, no sentido do (desequilbrio de valores
pretendido pelo cliente da dmarche avaliativa.
Em conformidade, o conceito de qualidade do desempenho da escola, e do servio de
educao que ela assegura pode ser entendido como em planos distintos. tradicional
dimenso tcnica e instrumental da qualidade, entendida como a adequao de recursos e
procedimentos em relao s finalidades enunciadas, junta-se agora uma dimenso poltica
onde se realam os valores que so dominantes nas polticas e prticas organizacionais.
Assim, por exemplo, provvel que o desempenho organizacional e a qualidade de uma
escola onde predominam preocupaes com a equidade e a coeso social no sejam
adequadamente reconhecidos por um programa de avaliao que privilegia, ao nvel da
definio dos padres de referncia, liberdade de escolha, a eficincia e a produtividade.
Pode-se, portanto concluir-se que as noes de desenvolvimento organizacional (ou de
qualidade) ultrapassam em muito as dimenses meramente tcnicas, remetendo para valores
intrinsecamente contraditrios ou de difcil conciliao.
A centralidade da avaliao nas polticas pblicas: tendncia pesada da evoluo social no mundo ocidental2
A evoluo histrica da gesto pblica nas democracias polticas ocidentais
produziu estruturas diversificadas de coordenao da aco colectiva e de atribuio
2 Esta parte do texto retoma alguns aspectos da sntese elaborada por uma equipe em que participou o autor, no
mbito de um projecto de investigao em curso, Projecto REGULEDUCNETWORK, centrado na anlise dos modos de regulao das polticas educativas em vrios pases europeus (BARROSO, 2002b).
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de valores que a teoria poltica e a anlise organizacional tm formalizado em dois
modelos antagnicos e complementares. Por um lado, indentifica-se um modo
vertical caracterizado pela regulao voluntria dos comportamentos atravs da
regra e da lei (FRIEDBERG, 1995, p. 9) conceptualizada na teoria weberiana da
burocracia, entendida como expresso natural de uma administrao democrtica
baseada na impessoalidade e no formalismo da igualdade entre os cidados. Por outro
lado, realado um modo mais horizontal e difuso constitudo pela regulao baseada
no mecanismo do ajustamento mtuo *resultante+ de exerccios multilaterais de
influncia e poder, inclundo mas no se restringindo negociao (LINDBLOM, 1990,
p. 240-241), sendo o mercado o exemplo mais elaborado desse dispositivo, pelo volume
de actores e de interaes que envolve.
Na lgica da regulao burocrtica, a avaliao conceptualizada como
instrumento de planejamento e gesto da proviso dos servios pblicos levada a cabo
pelos aparelhos da administrao do Estado. Assegurada a sua legitimao no mbito do
exerccio do poder resultante do mandato democrtico dos cidados, a avaliao
burocrtica assume um teor eminentemente tcnico e despolitizado, tornando-se
muitas vezes um instrumento de poder ao servio das elites profissionais e tecnocratas
nos diversos sectores da prestao de servios pblicos.
Na lgica da regulao mercantil, a avaliao entendida como um conjunto difuso
de dispositivos e instrumentos atravs dos quais se concretiza o controle social sobre as
instituies de servio pblico. A legitimao assegurada numa perspectiva de
prestao de contas e de escrutnio pblico sobre a proviso dos servios a cargo do
Estado. Sublinhando-se a sua natureza eminentemente poltica, esta abordagem
mercantil avaliao, transforma-a muitas vezes num instrumento de influncia e de
controle sobre os servios pblicos por parte de grupos de presso ou lobbies, na
prossecuo dos seus interesses e estratgias.
Regulao burocrtica e regulao mercantil sempre tm coexistindo, em
permanente tenso mais ou menos agudizada, e com expresso diversificada e varivel
nas diversas reas das polticas pblicas, e nos contextos histricos concretos. As lgicas
de aco e as ordens locais que elas produzem e reproduzem exprimem, com nfase
diferente e varivel, tanto a influncia da mo invisvel de Adam Smith, como a
autoridade formal bem visvel da soberania popular expressa na lei.
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Nas ltimas duas dcadas da evoluo da gesto pblica nas democracias polticas
europias tm vindo a verificar-se alteraes significativas no equilbrio destes dois modos
dominantes e complementares de regulao da aco colectiva. Constata-se um claro
recuo da regulao burocrtica que vem resultando da progressiva descredibilizao do
intervencionismo estatal na proviso directa de servios pblicos. Tal descrdito parece
ser conseqncia das dificuldades do Estado em assegurar a sua funo reguladora
perante a crescente complexidade social (PAPADOPOULOS, 1995), ou sua prpria crise
de legitimidade (HABERMAS, 1976) alimentada pela incapacidade em gerar os recursos
adicionais necessrios ao permanente crescimento das tarefas que vem assumindo.
No setor da educao, a crise de credibilidade do Estado-Providncia e a rutura do
consenso social democrata keynesiano em que se basearam as polticas pblicas
ocidentais desde meados do sculo XX (TOMLINSON, 2001), assim como a imploso da
URSS, do socialismo real e das respectivas economias planificadas (FRIEDBERG, 1995
p. 9) tm gerado processos mais ou menos radicais de restruturao dos modos de
interveno estatal. Em conseqncia, tm sido postas em causa, na Amrica e na
Europa, as polticas tradicionais baseadas no envolvimento directo do Estado na
proviso do servio pblico de educao atravs de abundante produo normativa
centrada na proviso e controlo de recursos e procedimentos.
Com efeito, o compromisso keynesiano sintetizara num projecto poltico coerente a
resposta democrtica ascenso e consolidao do Estado Sovitico. O Estado
Providncia surgiu assim como uma verso soft e democrtica do intervencionismo
estatal sovitico, e pode ser mesmo entendido historicamente como um instrumento de
confronto geo-estratgico no contexto da guerra fria.
Contudo, o impacto simblico resultante do desmoronamento do Estado Sovitico
constituiu apenas mais um elemento da crise interna do Estado Providncia,
desqualificando e descredibilizando o princpio da interveno estatal na gesto directa
dos servios pblicos nomeadamente da educao, criando assim um contexto social,
poltico e ideolgico favorvel ao regresso do pensamento liberal tradicional, agora
travestido de neo-liberal. Derrubado o mito do Estado Educador, est de regresso o
mito da Hidden Hand de Adam Smith. Pretende-se agora recentrar a interveno estatal
numa lgica de controlo social da escola, com a promoo da avaliao externa e da
responsabilizao directa pelos resultados dos alunos, privilegiando dispositivos de
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regulao centrados no ajustamento mtuo resultante da contraposio e
complementaridade das lgicas de aco, e que so tpicos da regulao mercantil.
Assim, o neo-liberalismo e as polticas caracterizadas como neo-liberais, em curso na
maioria dos pases europeus e protagonizadas por governos de diferentes tradies
ideolgicas, traduzem estas tendncias pesadas da evoluo societal, e no devem ser
entendidas num plano meramente partidrio no quadro do debate poltico tradicional
entre os defensores do Mercado e do Estado. O neo-liberalismo tem razes slidas nas
transformaes em curso nas sociedades europias, e no apenas um regresso a
ideologias conservadoras que muitos consideram ultrapassadas.
Em sntese, o reforo da avaliao dos servios pblicos reflete presses no sentido
da reconfigurao da regulao estatal, numa lgica que valoriza a dimenso poltica da
avaliao, a prestao de contas, a divulgao e discusso pblica de resultados, mais do
que a sua dimenso tcnica tradicionalmente remetida para os gabinetes de
planejamento, e para os discursos profissionais.
Mudanas nos modos de regulao: o Estado na Educao
Um estudo recente ainda em desenvolvimento, centrado na anlise das polticas de
regulao da educao na Europa, permitiu identificar j alguns aspectos que constituem
tendncias relevantes nos pases onde a pesquisa tem sido conduzida. Tais tendncias
apontam claramente para um reforo no controlo social da escola numa lgica de
regulao mercantil, salientando-se a crescente diversidade dos dispositivos e dos nveis
de controlo *...+, a intensificao da avaliao externa institucional *...+, e a promoo da
participao social no governo da escola pblica) (BARROSO et al., 2002b, p. 26).
No plano especfico da avaliao externa, a tendncia tem-se caracterizado pelo
reforo dos dispositivos de avaliao externa das escolas numa lgica de promoo da
regulao mercantil, atravs da activao da procura por parte das famlias, e do reforo
de mecanismos formais e informais de controlo social sobre a escola, verificando-se o
declnio do controlo burocrtico centrado na verificao dos meios e dos procedimentos.
A evoluo verificada na Inglaterra e no Pas de Gales constitui neste aspecto um
caso exemplar. A importncia relativa das trs instncias da regulao da oferta
(governo central, autoridades locais e mercado local) tm-se modificado
significativamente nas ltimas duas dcadas, atravs do reforo do controlo central e
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mercantil, em prejuzo da capacidade de interveno das autoridades locais. At os anos
80, o dispositivo tradicional de regulao da oferta educativa centrava-se no controlo
das escolas pelas autoridades locais de educao (LEAs), atravs da definio de
normativos, do financiamento directo de carcter incrementalista, e da superviso a
cargo de inspectores locais que assumiam fundamentalmente uma funo de
aconselhamento e apoio pedaggico. O papel do governo central assumia
principalmente uma carcter iniciativo e de enquadramento poltico global,
influenciando e definindo linhas orientadoras para as decises tomadas pelas LEAs, e
pelas prprias escolas. As polticas nacionais de fomento do ensino secundrio unificado
(comprehensivism), durante os anos 60 e 70, exemplificam este dispositivo de soft, na
medida que a efectiva definio de polticas concretas de unificao foi deixada ao
critrio local, dando origem a mltiplas estratgias e dispositivos expressivos dos
diferentes posicionamentos perante a proposta poltica governamental, desde o
entusiasmo militante at a oposio radical, das transformaes profundas s alteraes
meramente formais. Neste contexto, o papel dos servios de inspeco (HMI), revestia-
se de um carcter complementar, face interveno das LEAs, numa abordagem
friendly em relao s escolas, s LEAs e ao mundo profissional da educao. A partir do
incio dos anos 80, por iniciativas de governos conservadores posteriormente adoptada
por governos trabalhistas que se seguiram, o poder central tem vindo a desenvolver
uma poltica consistente de crescente intervencionismo e activismo no domnio das
polticas educativas, definindo um novo status quo em termos do equilbrio do poder. O
intervencionismo governamental tem sido conduzido no sentido de reforar lgicas de
regulao mercantil, ao nvel local, fomentado a competio entre as escolas e a livre
escolha dos pais, atravs da amplificao de dispositivos de avaliao externa das
escolas. Neste mbito, a medida com maior impacto foi tomada na dcada de 90 e
consistiu na reorganizao do HMI, com a criao de um departamento governamental
centrado na avaliao das escolas (OfSTED), e de um dispositivo muito incisivo de
inspeco sistemtica das escolas, implicando a avaliao detalhada do desempenho, a
exigncia da definio de planos de melhoria em relao a pontos fracos identificados,
com a possibilidade de encerramento compulsivo das escolas identificadas em situao
de fracasso (failling schools). Juntamente com a publicao dos resultados escolares
obtidos nas provas de avaliao externa realizadas ao longo do percurso escolar dos
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alunos (league tables), este dispositivo de avaliao inspectiva constitui a pedra angular
da poltica educativa oficial, com o objectivo explcito de produzir informao relevante
para os actores locais, numa lgica de regulao mercantil. Deste modo, pode dizer-se
que a evoluo verificada se caracteriza pelo desenvolvimento da regulao mercantil,
mais em resultado de um activismo governamental persistente do que em funo da
evoluo da procura da educao pelas famlias, embora tal activismo acabe por expressar
interesses estratgicos de sectores sociais importantes, nomeadamente da classe mdia.
O reforo da avaliao externa institucional e do controlo da escola pela via da
presso da procura parental pode ser detectado tambm na Frana e em Portugal,
porm em termos mais discretos e com menor impacto no quotidiano escolar.
A reconfigurao avaliativa do Estado Educador em Portugal3
A administrao da educao em Portugal reflecte a lgica centralista e hiper-
regulamentadora de toda a administrao estatal, cujas razes se confundem com a
prpria construo histrica do Estado. Contudo, nas ltimas dcadas do sculo XX, este
centralismo administrativista tem vindo a ser progressivamente posto em causa pela
expanso da escola em massas. A partir dos anos sessenta, assistiu-se em Portugal a
uma acelerao do processo de massificao da escola, para alm do patamar tradicional
da escolaridade elementar, de tal modo que, at aos anos noventa, o fenmeno da
exploso escolar tornou-se um factor central de todas as polticas educativas.
Esta expanso e diversificao da oferta educativa veio a produzir um processo de
gigantismo acelerado da burocracia da administrao educativa assegurada pelos
servios do Ministrio da Educao. Daqui tm resultado crescentes problemas de
governabilidade, conduzindo, de facto, a uma efectiva reduo da capacidade do Estado
para gerir o sistema pblico de educao.
Em conseqncia, a partir dos anos noventa, tm vindo a ser esboados novos
repertrios de aco baseados numa progressiva utilizao de dispositivos de
negociao, descentralizao, contractualizao, diversificao e avaliao, no contexto
3 Esta parte do texto recupera alguns elementos de uma sntese elaborada pelo autor no mbito do Projecto
REGULEDUCNETWORK. (BARROSO et al., 2002a).
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de uma tentativa de redefinio dos vrios nveis de interveno do Estado, e de reforo
de dispositivos de regulao horizontal4
A promoo da avaliao externa dos resultados escolares, o desenvolvimento
intervenes inspectivas centradas na avaliao integrada das escolas, e os mecanismo
de acreditao da formao inicial e contnua de professores constituem exemplos do
processo em curso de re-regulao das polticas educativas, no mbito de um amplo
movimento de restruturao do Estado que se alarga a outras reas da proviso
estatal como a sade e a segurana social.
A avaliao externa dos resultados escolares
No incio da dcada de noventa esta poltica esta poltica concretizou-se atravs da
restaurao dos exames nacionais para concluso do ensino secundrio, os quais tinham sido
extintos no incio da dcada de oitenta. Nestes exames os objectivos principais centram-se nos
dispositivos de certificao da concluso do ensino secundrio e de seriao dos candidatos ao
acesso ao ensino superior. A divulgao pblica dos resultados nacionais e dos resultados de
cada escola constitui informao relevante para a formulao de juzos de avaliao sobre o
desempenho das escolas, nomeadamente no que se refere diferena entre os resultados dos
exames e a avaliao interna das aprendizagens dos alunos.
Posteriormente surgiram as provas aferidas nacionais aplicadas totalidade dos alunos
matriculados, no final de cada ciclo do ensino bsico (4, 6 e 9). Estas provas:
Tm como principal objectivo fornecer a comunidade e em especial s escolas e aos professores informao sobre aspectos mais ou menos conseguidos das aprendizagens dos alunos, com o propsito de contribuir para uma melhoria dessas aprendizagens (PORTUGAL, 2000, p. 1).
Mais recentemente, j com o atual governo, anuncia-se um reforo desta linha de
poltica com a criao de exames nacionais em algumas disciplinas consideradas mais
importantes no final de cada ciclo de escolaridade bsica.
Na estrutura da administrao central da educao, a crescente importncia destas
polticas de avaliao externa dos resultados escolares deu origem criao, no final
dos anos noventa, do Gabinete de Avaliao Educacional (GAVE), um servio do
Ministrio da Educao, ao nvel de direco geral, expressamente vocacionado para a
4 Esta parte do texto recupera alguns elementos de uma sntese elaborada pelo autor no mbito do Projecto
REGULEDUCNETWORK. (BARROSO, 2002a).
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avaliao externa dos resultados escolares, dotado de meios financeiros e know-how
especializado, e da apropriada capacidade de interveno.
De acordo com sua lei orgnica, o GAVE (PORTUGAL, 1999b)
um servio central do Ministrio da Educao dotado de autonomia administrativa, com funes de planejamento, coordenao, elaborao e controlo de instrumentos de avaliao externa de aprendizagem.
A mesma lei orgnica (artigo 2) estabelece que compete ao GAVE (PORTUGAL, 1999b)
planear o processo de elaborao e validao dos instrumentos de avaliao externa das aprendizagens [...], produzir os instrumentos referidos [...] recorrendo colaborao de especialistas, [...], colaborar com o Departamento de Educao Bsica e o Departamento do Ensino Secundrio no processo de realizao das provas de avaliao externa, e supervisionar a correco das provas.
A avaliao do desempenho das organizaes escolares
Outro indicador da crescente importncia da avaliao do desempenho
organizacional das escolas tem sido a reorientao da actividade da Inspeco-Geral da
Educao (IGE), servio central do Ministrio da Educao, tradicionalmente
vocacionado para a verificao da conformidade normativa e para a execuo da
activdade disciplinar. Nos ltimos seis anos, a actuao da IGE tem vindo a ser
progressivamente focalizada em programas de auditoria e de avaliao externa, numa
lgica de monitorizao e pilotagem centrada na produo de informao relevante
sobre a qualidade dos desempenhos (AFONSO, 1999).
Um exemplo concreto da reorientao da actividade inspectiva para avaliao
externa do desempenho organizacional foi o programa plurianual de avaliao
integrada das escolas lanado em 1999, de que foram publicados dois relatrios
nacionais em 2001 e 2002. A publicao destes relatrios, nomeadamente do primeiro,
deu origem a intensa controvrsia nos meios da comunicao social, nomeadamente no
que se refere a exigncias polticas e tentativas de formulao de listas ordenadas de
escolas, de acordo com o respectivo desempenho, objectivo de avaliao por parte da IGE.
Este Programa da Avaliao Integrada das Escolas (PORTUGAL, 1999c) foi
desenvolvido ao longo dos anos lectivos (de Setembro a Maio) numa amostra de escolas
das redes pblica e privada, sendo conduzido no terreno por equipa de pelo menos trs
inspectores durante 5 a 7 dias.
Avaliao e desenvolvimento organizacional da escola 162
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Teve como objectivos
Avaliar de forma integrada o desempenho das escolas, identificando os pontos fortes e fracos, induzir processos de auto-avaliao [...], valorizar a qualidade dos desempenhos e das aprendizagens, caracterizar o desempenho do sistema escolar, disponibilizar e divulgar informao (e) contribuir para a regulao do funcionamento do sistema educativo (PORTUGAL, 1999c, p. 63).
Os resultados esperados eram a
Melhoria da qualidade do ensino atravs da induo de prticas de auto-avaliao centradas na anlise dos resultados educativos dos alunos e do desempenho das escolas, (e) a prestao de contas do desempenho do sistema escolar no que se refere sua eficincia e eficcia (PORTUGAL, 1999c, p. 63).
De acordo com os relatrios nacionais publicados (ver referncias bibliogrficas)
esta modalidade de interveno ter abrangido cerca de 800 unidades de gesto.
Considerando as intervenes realizadas durante o ano lectivo de 2001/2002, de que se
no dispe ainda de relatrio nacional, devem ter sido j mais de um milhar as escolas
abrangidas por este programa.
Os parmetros e padres de referncia dos critrios de avaliao foram definidos
pela direco Inspeco-Geral da Educao, atravs de um documento especfico
utilizado pelos inspectores no terreno, e que do domnio pblico.
A avaliao integrada de cada escola ou agrupamentos de escolas era concretizada
em funo de quatro dimenses de anlises ou critrios globais de avaliao: (1)
organizao e gesto; (2) resultados das aprendizagens; (3) educao, ensino e
aprendizagem; e (4) clima e ambiente educativo (PORTUGAL, 1995, p. 20).
A avaliao da organizao e gesto organizava-se em funo de quatro
vertentes: (1) estrutura organizativa; (2) servio administrativo; (3) gesto de
recursos; e (4) pano de aco educativa. Em cada uma destas quatro vertentes, foram
definidas reas-chave para a avaliao, cada uma acompanhada dos respectivos campos
de observao e critrios de apreciao.
No que diz respeito aos procedimentos de concretizao deste programa, em cada
ano, as escolas foram seleccionadas de modo a constituirem uma amostra
representativa do universo de todos os estabelecimentos de educao e ensino,
pblicos e privados, situados no territrio continental, sujeitos tutela do Ministrio da
Educao, excluindo as instituies do ensino superior.
163 Natrcio Afonso
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A avaliao de cada escola conclui-se com a elaborao de um relatrio de
avaliao da responsabilidade da equipa de inspectores que executou o trabalho no
terreno. O teor do relatrio devia ser organizado de forma a veicular a informao
relevante sobre os juzos de avaliao formulados, e a poder constituir-se num ponto de
apoio para o desenvolvimento organizacional da escola a partir de um esforo reflexivo
sobre as prticas exigentes.
A IGE devia enviar a cada escola trs exemplares do relatrio, respectivamente para
o presidente da assemblia, o presidente da direco executiva e o presidente da
Associao de Pais. Durantes os dez dias seguintes a escola deveria apresentar a sua
reaco e comentrios, aps o que era elaborada a verso definitiva do relatrio
novamente enviado aos mesmos destinatrios assim como Direco Regional de
Educao da regio em que se situa a escola.
Ao nvel nacional, os relatrios de avaliao das escolas serviram de base
elaborao, pela IGE, dos relatrios nacionais divulgado publicamente. Assim, a
avaliao foi utilizada pela prpria IGE, dos restantes servios do Ministrio da
Educao, e pelos rgos de comunicao social. Para alm do relatrio nacional, todos
os relatrios de avaliao das escolas estiveram disponveis para consulta pblica no site
da Inspeco Geral da Educao.
O uso da avaliao para efeitos de monitorizao executou-se atravs da
elaborao do relatrio nacional, publicado anualmente pela IGE. No foram definidas
conseqncias formais da avaliao, tanto para as escolas como para os professores. A
avaliao no implicou conseqncias formais em termos da carreira e dos salrios dos
professores, e em relao s escolas, no implicou quaisquer decises em matria de
atribuio de recursos. A nica conseqncia expressamente prevista referiu-se a
escolas com uma avaliao insatisfatria, as quais seriam sujeitas a aces de
acompanhamento mais intensivas.
Quanto ao uso da avaliao por diversas instncias da sociedade civil, ao nvel local
ou nacional (autoridades locais, encarregados de educao, rgo de comunicao
social) os relatrios podiam ser divulgados pela prpria escola. Alguns rgos de
comunicao social procederam a uma anlise dos relatrios de avaliao, isolaram
alguns critrios de avaliao e publicaram listas ordenadas de escolas, com a inteno
de estabelecer um ranking.
Avaliao e desenvolvimento organizacional da escola 164
Meta: Avaliao | Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p.150-169, mai./ago. 2009
Neste domnio, as polticas esboadas pelo novo governo sado das eleies
legislativas de 2002 parecem apontar para um reforo da presso da avaliao externa
institucional, embora com modificaes morfolgicas em relao aos dispositivos
implantados no terreno. Anuncia-se uma lei-quadro da avaliao do ensino no
superior, reforando-se assim o enquadramento poltico e estratgico da avaliao do
desempenho das escolas. Por outro lado, a anunciada reorganizao funcional do
Ministrio da Educao parece apontar para um reforo da interveno avaliativa
atravs da prevista criao de um departamento, especialmente vocacionado, para a
gesto da informao e para a avaliao externa das escolas.
A acreditao da formao de professores
Durante dcadas, e at meados dos anos 80 do sculo XX, na tradio da
administrao centralizada da educao nacional, a formao inicial e contnua da
maioria dos professores do ensino secundrio (e tambm dos 2 e 3 ciclos do ensino
bsico) concretizava-se atravs de estgios pedaggicos de natureza profissionalizante
realizados em algumas escolas pblicas seleccionadas pelos servios da administrao
educativa, sob a superviso de docentes dessas escolas (tambm escolhidos pelas
autoridades do Ministrio da Educao). Os candidatos ao estgio eram diplomados por
uma das poucas instituies de ensino superior existentes, numa rea acadmica
especfica (Matemtica, Biologia, Histria, Ingls, etc.) considerada habilitao prpria
para a docncia na respectiva rea do currculo do ensino secundrio, conforme
estabelecido em normativo especfico do Ministrio da Educao, periodicamente
actualizado, onde se procedia ao inventrio dos cursos superiores abrangidos pela
classificao em causa.
Com este dispositivo, a funo reguladora do Estado concretizava-se atravs da
interveno regulamentadora ao nvel da definio dos cursos com habilitao
prpria, e atravs do controlo directo dos estgios profissionais em escolas
previamente seleccionadas, com orientadores nomeados, e sob a superviso directa dos
servios inspectivos do Ministrio da Educao. Porm a partir do final dos anos 70, a
expanso dos efectivos escolares ps em causa este dispositivo concebido para a
produo de um nmero restrito de diplomados, gerando-se uma situao em que a
actividade lectiva era maioritariamente assegurada por decentes sem habilitao
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Meta: Avaliao | Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p.150-169, mai./ago. 2009
profissional, contratados em situao precria. Por outro lado, a expanso e
diversificao do ensino superior, pblico e privado, politcnico e universitrio,
desencadeou uma enorme expanso da oferta de formao, tanto no plano institucional
(criao de novas instituies de formao e sua diversificao resultante do
reconhecimento da sua autonomia cientfica e pedaggica) como no plano acadmico
(multiplicao e diversificao dos cursos superiores). Assim, o mecanismo de regulao
institucional centrado na (re)definio peridica das habilitaes prprias para a
docncia foi perdendo eficcia perante a multiplicidade e mudana frequente dos
cursos potencialmente abrangidos pelo processo de regulamentao. A publicao
peridica do respectivo normativo transformou-se num processo complexo da gesto da
informao e de conflitos gerados pela presso das instituies formadoras e dos seus
diplomados, tornando-se cada vez mais morosa e sujeita a erros e omisses.
Deste modo, o sistema tradicional de regulao entrou em colapso, no s porque
no assegurava a profissionalizao de docentes ao ritmo que a evoluo da procura
exigia, mas tambm porque se tornou impraticvel definir com rigor, segurana e
estabilidade um quadro prvio de habilitaes acadmicas prprias para docncia em
cada rea do currculo do ensino secundrio (AFONSO, 1994).
A verificao do impasse deu origem a um novo dispositivo de regulao centrado
na avaliao externa de cursos de ensino superior vocacionados para formao de
professores, a cargo de uma entidade acreditadora especialmente criada para efeito no
mbito do Ministrio da Educao: o Instituto Nacional de Acreditao da Formao de
Professores (INAFOP), estabelecido atravs do Decreto-Lei n. 290/98, de 17 de
setembro (PORTUGAL, 1998). Parece significativo que, para alm do processo de
acreditao dos cursos de formao inicial de educadores de infncia e de professores
dos ensinos bsico e secundrio, as atribuies formalmente cometidas ao INAFOP
incluam fazer recomendaes s instituies de formao *e+ promover, a nvel
nacional, a reflexo, a informao e o debate sobre a qualidade da formao inicial de
professores (PORTUGAL, 1998).
Na sequncia da criao do INAFOP, o Decreto-Lei n194 (PORTUGAL, 1999a), de 7
de junho de 1999, estabeleu formalmente o Sistema de Acreditao da Formao Inicial
de Professores, com objectivos expressos de contribuir para a regulao externa da
formao inicial de educadores de infncia e de professores dos ensinos bsico e
Avaliao e desenvolvimento organizacional da escola 166
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secundrio, [e de] contribuir para a regulao do acesso ao exerccio da profisso
docente (PORTUGAL, 1999a).
A criao do novo Ministrio da Cincia e do Ensino Superior e a reorganizao do
Ministrio da Educao anunciada pelo seu novo governo, que tomou posse em 2002,
prev a extino do INAFOP, e a integrao das suas valncias noutros servios dos dois
novos ministrios. At o momento no claro se essa integrao se vai concretizar e de
que modo ser operacionalizado o sistema de acreditao que os responsveis
ministeriais anunciaram pretenderem manter.
Um processo paralelo ocorreu no mbito da formao contnua de professores.
Tradicionalmente, a proviso da oferta de formao contnua para os professores era
assegurada directamente pelos diversos servios do Ministrio da Educao, conforme o
nvel ou grau de ensino e a natureza da formao, envolvendo a definio de contedos
e modalidades de formao, a nomeao dos formadores e a seleco dos docentes
abrangidos, de acordo com critrios previamente definidos (delegados de disciplina,
directores de turma, professores envolvidos em experincias pedaggicas ou na
leccionao de novos programas, etc.). Ao longo dos anos 80, a expanso do sistema,
em nmeros de escolas e de docentes foi tornando a gesto deste dispositivo cada vez
mais incongruente com as necessidades de formao expressas pelos seus destinatrios,
criando-se um contexto favorvel ao estabelecimento de um novo dispositivo de regulao.
Tal dispositivo foi criado a partir a partir do inicio da dcada de 90 e constituiu na
organizao de uma rede de centros de formao de associaes de escolas de base
territorial, de associaes cientficas, sindicais ou profissionais, e de instituies de
formao de professores, constitudos como entidades responsveis pela organizao e
gesto da formao, com financiamento pblico do Ministrio da Educao com base
nos fundos comunitrios. Os servios administrao da educao deixaram assim de
assegurar directamente a maior parte das aces da formao contnua, passando a
interveno reguladora a centrar-se na acreditao dos centros de formao, dos
formadores e das aces de formao.
Para o efeito foi instituda no Ministrio da Educao uma entidade prpria, o
Concelho Cientfico-Pedaggico da Formao Contnua de Professores, constitudo por
individualidades, nomeadas pelo Ministro da Educao (PORTUGAL, 1999a).
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Concluso
As polticas de avaliao do desenvolvimento organizacional das escolas
desenvolvem-se num quadro de pluraridade de valores e de padres de referncia que
reala a sua natureza eminentemente poltica e subjectiva (o que no significa
necessariamente ausncia de rigor, de transparncia e de credibilidade tcnica). Neste
contexto, os conceitos de desenvolvimento organizacional e de qualidade da educao
s ganham sentido se (e quando) forem referenciados ao quadro dos valores de
referencia mobilizados pelos clientes da dmarche avaliativa e operacionalizados
tecnicamente nos dispositivos e instrumentos de avaliao.
A centralidade da avaliao nas polticas pblicas da educao da generalidade dos
pases europeus tem ajudado a reforar uma perspectiva poltica da avaliao, associada
ao reforo do controlo social sobre a escola e regulao mercantil em geral. Ao mesmo
tempo, tem perdido terreno a perspectiva tradicional da avaliao como instrumento
tcnico de planejamento e gesto dos sistemas educativos, numa lgica de
monitorizao prpria do centralismo iluminista e tecnocrtico.
A metamorfose em curso do Estado Educador para o Estado Avaliador constitui
uma tendncia pesada da evoluo dos sistemas educativos em toda a Europa. Em
Portugal, tal tendncia tem-se expressado no reforo da avaliao externa dos
resultados escolares (exames, provas aferidas, etc), na reconverso da interveno
inspectiva atravs da avaliao integrada das escolas, e na redefinio do controlo da
formao inicial e contnua de docentes numa lgica de acreditao.
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Artigo publicado na Revista Brasileira de Poltica e Administrao da Educao- RBPAE vol. 20, n. 1, jan./ jun. 2004.