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3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA DA REGIÃO DO
VALE DO ITAJAÍ
Hoyêdo Nunes Lins∗
No diversificado mosaico sócio-produtivo que compõe o estado de Santa Catarina, a
produção têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí perfila-se entre os integrantes de maior
visibilidade. Isso reflete seja a importância regional, em termos socioeconômicos, das
atividades integrantes da cadeia têxtil-vestuarista, seja a projeção que as respectivas estruturas
locais lograram obter em escala de país. Com efeito, não há equívoco em afirmar, de um lado,
que os segmentos industriais em foco conformam o centro de gravidade da socioeconomia do
Vale do Itajaí e, de outro, que esta área desponta na produção brasileira de artigos têxteis e de
vestuário.
Modeladas ao longo de muitas décadas na forma de uma verdadeira aglomeração
produtiva, as estruturas locais não deixaram de ser afetadas pelas mudanças de marco
regulatório que marcaram o cenário brasileiro no ocaso do século XX. As novas condições de
concorrência, consubstanciadas na abertura comercial do país e, a partir de 1994, na política
de câmbio que escorou o Plano Real, impuseram uma marcada reestruturação produtiva na
área (e como de resto na indústria nacional como um todo), com resultados consideráveis.
Entre as conseqüências de maior relevo, cabe indicar a tendência de modernização do parque
instalado, principalmente no que diz respeito às empresas mais importantes, para o que se
revelaram cruciais não só as pressões competitivas de intensidade até então raramente vista,
mas também – e como uma espécie de contrapartida – as melhores condições para as compras
no exterior de máquinas e equipamentos, assim como de matérias-primas e insumos, nutrindo
o avanço da competitividade.
O presente estudo consiste em uma espécie de diagnóstico da situação da aglomeração
têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí no período atual. O objetivo mais amplo é inspirar
iniciativas de política que possam contribuir para o desenvolvimento do aglomerado. A
estrutura do texto, nos seus grandes traços, é a seguinte: na próxima seção localiza-se e
caracteriza-se o aglomerado em termos produtivos e institucionais; depois aborda-se o
problema da capacitação tecnológica e das condições que sustentam a inovação; em seguida,
focalizam-se questões ligadas à cooperação e à governança; por último, e em decorrência do
∗ Professor dos cursos de Graduação e Pós-graduação – Mestrado – da Universidade Federal de Santa Catarina.
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que foi tratado nas partes anteriores, assinalam-se as vantagens competitivas e as principais
carências e limitações das estruturas locais, com a indicação de áreas de incidência para
possíveis políticas de promoção do desenvolvimento.
3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional
3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição
O arranjo têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí abrange diversos municípios que se
localizam principalmente na porção média do vale, conforme Figura 3.7.1. Prolongamentos
do tecido produtivo são observados em direção tanto ao Alto Vale como para o Norte, e
também rumo ao Itajaí Mirim, um pouco ao Sul. Blumenau desponta como cidade mais
importante, devido ao seu tamanho e sobretudo pelo que representa em termos produtivos e
institucionais, na aglomeração em foco, mas outras áreas urbanas marcam presença
igualmente: é o caso de Brusque, às margens do Itajaí Mirim, de Jaraguá do Sul, ao norte, e de
Rio do Sul, que polariza o Alto Vale do Itajaí.
Jaragua do Sul
Rio do Sul
Apiuna
Luiz Alves
Brusque
Guariruba
Gaspar
Blumenau
Pomerode
AscurraRodeio
Benedito Novo
Doutor Pedrinho
Rio dos Cedros
BotuveraIndaial
Timbo
Fonte: Governo do Estado de Santa Catarina. Figura 3.7.1: Localização das áreas de produção têxtil-vestuário do estado de Santa Catarina – 2005
Essas cidades maiores formam os pilares de uma malha urbana que inclui diversas
pequenas aglomerações. Isso pode ser percebido na Tabela 3.7.1, que apresenta as populações
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dos municípios da Microrregião Blumenau – assim designada no Atlas de Desenvolvimento
Humano no Brasil (ATLAS..., 2003) –, acrescidas dos dados referentes aos municípios de Rio
do Sul e Jaraguá do Sul, que pertencem a outras microrregiões.
Tabela 3.7.1 - População dos municípios do APL têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí e no estado de Santa Catarina – 2000
POPULAÇÃO URBANA POPULAÇÃO RURAL MUNICÍPIOS POPULAÇÃO
TOTAL ABSOLUTO PARTICIPAÇÂO (1) ABSOLUTO PARTICIPAÇÃO (1)
Apiúna 8.520 3.606 42,3 4.914 57,7 Ascurra 6.934 6.119 88,2 815 11,8 Benedito Novo 9.071 4.901 54,0 4.170 46,0 Blumenau 261.808 241.943 90,8 19.865 9,2 Botuverá 3.756 803 21,4 2.953 78,6 Brusque 76.058 73.256 96,3 2.802 3,7 Doutor Pedrinho 3.082 1.669 54,2 1.413 45,8 Gaspar 46.414 29.601 63,8 16.813 36,2 Guabiruba 12.976 12.048 92,9 928 7,1 Indaial 40.194 38.382 95,5 1.812 4,5 Jaraguá do Sul 108.489 96.320 88,8 12.169 11,2 Luiz Alves 7.974 2.124 26,6 5.850 73,4 Pomerode 22.127 18.713 84,6 3.414 15,4 Rio do Sul 51.650 48.418 93,7 3.232 6,3 Rio dos Cedros 8.939 3.758 42,0 5.181 58,0 Rodeio 10.380 8.866 85,4 1.514 14,6 Timbó 29.358 26.783 91,2 2.575 8,8
TOTAL 707.730 617.310 87,2 90.420 12,8
SANTA CATARINA 5.356.360 4.217.931 78,7 1.138.429 21,3
Fonte: Atlas... (2003). (1) Valores em percentual.
Dos dezessete municípios que compõem a Tabela, nove tinham menos de treze mil
habitantes no período de realização do Censo de 2000 e somente dois apresentavam
população superior a cem mil. Sete ostentavam proporções elevadas de população rural,
algumas girando em torno de ¾, todos estes casos aparecendo acima da incidência média de
população rural em Santa Catarina como um todo, que é pouco maior do que 1/5 do total. Os
quatro municípios mais populosos são, em ordem decrescente, Blumenau, Jaraguá do Sul,
Brusque e Rio do Sul, a população do primeiro superando em cinco vezes a do último. A
população total desse conjunto de dezessete municípios – que representam 5,8% do total de
municípios do estado – correspondia, em 2000, a 13,2% da população catarinense.
Esses municípios concentravam 17,25% do Produto Interno Bruto (PIB) catarinense
em 2002, uma posição largamente caudatária do desempenho de Blumenau e Jaraguá do Sul,
que juntos respondiam por 10% do total estadual. A maior parte dos municípios exibia um
PIB per capita superior ao de Santa Catarina como um todo. Jaraguá do Sul, Timbó,
Pomerode, Brusque e Blumenau, nessa ordem, possuíam os maiores PIB per capita da área,
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superiores em todos os casos em pelo menos 25% à média catarinense, conforme Tabela
3.7.2.
Tabela 3.7.2 - Produto Interno Bruto e Produto Interno Bruto per capita dos municípios do APL têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí e no estado de Santa Catarina – 2002 (1)
PRODUTO INTERNO BRUTO (2) MUNICÍPIOS ABSOLUTO PERCENTUAL
PRODUTO INTERNO BRUTO PER CAPITA (3)
Apiúna 91.038 0,17 10.409 Ascurra 46.693 0,09 6.525 Benedito Novo 58.872 0,11 6.352 Blumenau 3.210.185 6,19 11.627 Botuverá 25.190 0,05 6.864 Brusque 981.239 1,89 12.087 Doutor Pedrinho 15.729 0,03 5.064 Gaspar 497.185 0,96 10.042 Guabiruba 95.319 0,18 6.879 Indaial 491.956 0,95 11.421 Jaraguá do Sul 1.976.032 3,81 16.813 Luiz Alves 96.026 0,18 11.413 Pomerode 297.029 0,57 12.864 Rio do Sul 500.463 0,96 9.378 Rio dos Cedros 79.538 0,15 8.814 Rodeio 64.098 0,12 6.007 Timbó 412.588 0,80 13.330 TOTAL 8.939.180 17,25 10.310(1) SANTA CATARINA 51.828.169 100,00 9.272 Fonte: IBGE (2005). (1) Média ponderada dos PIB per capita municipais. (2) Preços correntes em R$ 1.000. (3) Valores em R$ de 2002.
A história da indústria têxtil-vestuarista nessa área confunde-se com a dos fluxos
migratórios de origem germânica registrados em Santa Catarina no século XIX, especialmente
durante a sua segunda metade. Não parece equivocado associar o ponto de partida dessa
trajetória industrial ao ano de 1880, quando foi criada, em Blumenau, a Cia. Hering, fruto de
iniciativa de um imigrante alemão em cuja família todos os integrantes masculinos, em várias
gerações, possuíam formação profissional em tecelagem (HERING, 1987).
As décadas seguintes assistiriam a outras iniciativas do gênero na região, várias das
quais resultando em organismos que continuam a funcionar atualmente na condição de
grandes empresas. Os nomes são conhecidos: Karsten e Renaux, criadas no final do século
XIX, e, entre outras, Cremer, Teka e Artex, surgidas na primeira metade do século XX. Mais
recentemente, nas décadas de 1950 e 1960, novos atores – hoje na linha de frente da indústria
pelo porte dos empreendimentos e pelo papel desempenhado – adentraram o cenário têxtil-
vestuarista regional: Dudalina, Marisol e Malwee são os exemplos mais evidentes.
Assim, em movimento que Mamigonian (1986) identificou como um “transplante”
(desde uma Europa em convulsão política e econômica) de uma cultura fabril e
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empreendedora impregnada em diversos artesãos, operários e pequenos comerciantes, a
indústria têxtil-vestuarista enraizou-se e cresceu no Vale do Itajaí. As relações do tecido
empresarial com o país de origem dos principais fluxos migratórios que modelaram a
ocupação da área – a Alemanha – estiveram longe de se mostrar sem conseqüências nesse
processo, seja no tocante às compras de bens de capital, seja no que tange à atualização
tecnológica. O avanço testemunhado teve, no intervalo entre as duas guerras mundiais, um
importante período de consolidação, pois ocorreu aí o fortalecimento e a ampliação da
presença dos produtos regionais em nível de país (SINGER, 1977). Na segunda metade do
século passado, a progressão mudou de escala, pois algumas empresas passaram a exportar,
inclusive para mercados mais seletivos.
Na esteira desse desenvolvimento, e na medida em que o segmento do vestuário
ampliou a sua presença no parque fabril, proliferaram as unidades produtivas de menor
tamanho. A projeção das atividades da cadeia produtiva rumo ao segmento vestuarista pode
ser notada mediante comparação entre os Censos Industriais de 1960 e 1985: ao mesmo
tempo em que, para Santa Catarina como um todo, o gênero “têxtil” apresentou considerável
decréscimo de participação no conjunto da indústria de transformação – tanto no valor da
transformação industrial quanto no pessoal ocupado –, o gênero “vestuário, calçados e
artefatos de tecidos” revelou um notável incremento. Isso derivou, de um lado, da
incorporação de novas atividades por empresas que, ultrapassando a mera prestação de
serviços para empresas maiores, passaram a fabricar malhas e artigos de vestuário diversos.
De outro lado, refletiu dinâmica de spin-off pela qual antigos empregados instalaram negócios
próprios de produção de artigos de vestuário, logrando progredir sobretudo por conta da
abertura de lojas na região.
Mais recentemente, na década de 1990, a indústria têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí
protagonizou intensa reestruturação em resposta às novas condições de funcionamento
impostas pela liberalização comercial.
O aumento da concorrência nos mercados internos, devido à maior presença de
produtos oriundos do exterior, e as dificuldades para exportar, provocadas pela política de
câmbio que sustentou o Plano Real, resultaram em mudanças que foram documentadas em
diferentes estudos (entre outros, LINS, 2000a, b; CAMPOS, CÁRIO e NICOLAU, 2000). Até
meados dos anos 90, teriam prevalecido condutas de cunho mais defensivo entre as empresas.
Houve modernização das estruturas produtivas e organizacionais, com aquisição de máquinas
e equipamentos no exterior e intensificação no uso de insumos importados, mas a busca de
menores custos com base na redução dos contingentes assalariados parece ter sido a tendência
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mais forte. Não admira que, nesse processo, tenha crescido a terceirização produtiva, em
movimento que provocou intensificação no uso de formas de trabalho que caracterizaram
fortemente períodos anteriores da industrialização em diferentes latitudes, como o trabalho
domiciliar e as cooperativas de trabalhadores (LINS, 2001,2003).
Na segunda metade dos anos 90, as empresas – e em especial as de maior porte,
incluindo várias de tamanho médio – adotaram comportamentos mais ofensivos, mirando
mais intensamente em atualização tecnológica e alinhando-se com as tendências
internacionais da competitividade nas atividades correspondentes, onde os avanços em moda
e design constituem palavras de ordem. Assim procedendo, as principais empresas do Vale do
Itajaí não destoaram do comportamento geral da cadeia têxtil brasileira, que testemunhou
atualização tecnológica principalmente nos segmentos de fiação, tecelagem e
tinturaria/estamparia (GORINI, 2000).
A Tabela 3.7.3 sintetiza essas questões. Baseada em dados fornecidos pelo Sindicato
das Indústrias de Fiação, Tecelagem e do Vestuário de Blumenau (SINTEX) – que abrange,
além de Blumenau, outros municípios do Médio Vale do Itajaí –, a Tabela mostra, entre
outras coisas, um comportamento errático tanto da produção quanto do faturamento, uma
trajetória dos empregos que é dramaticamente declinante até 1997, mas com recuperação
posterior, uma grande expansão da produtividade e, no que diz respeito aos teares para
algodão utilizados – que podem, de algum modo, ser tomados como representativos dos bens
de capital em operação na área –, dois movimentos em sentido contrário: até onde as
informações disponibilizadas permitem acompanhar, nota-se que a quantidade de teares com
lançadeira teve trajetória francamente descendente, ao mesmo tempo em que a de teares sem
lançadeira só fez aumentar. Ora, estes últimos apresentam-se como modelos de teares mais
modernos, e portanto os números estariam a denotar uma tendência mais ou menos ampla de
atualização do parque instalado.
Tabela 3.7.3 - Indicadores de desempenho das indústrias têxteis e vestuaristas do Vale do Itajaí – 1990, 1993, 1995, 1997, 1999, 2001
INDICADORES 1990 1993 1995 1997 1999 2001 Produção (1) 102.000 96.000 120.000 107.000 245.280 275.000 Emprego 51.000 48.000 41.000 38.000 46.000 54.000 Toneladas/trabalhador 2 2 2,9 2,8 5,3 5,1 Faturamento (2) 1.733,9 1.287,3 1.760,0 1.917,0 1.950,0 2350,0 Investimento (2) 95,0 90,1 174,0 70,0 150,0 160,0 Teares para algodão c/ lançadeira 1.090 649 1.106 540 .. .. Teares para algodão s/ lançadeira 869 1.024 1.298 1.458 .. .. Fonte: SINTEX. (1) Valores em toneladas. (2) Valores em US$ milhões. Nota: Sinal convencional utilizado: .. Dado numérico não disponível.
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Por conseguinte, ao longo de uma trajetória mais que secular, o Vale do Itajaí
consolidou uma posição de indiscutível proeminência no universo têxtil-vestuarista
catarinense. Ainda que as atividades de produção de artigos de vestuário marquem presença
também em outras regiões do estado, conforme assinalado em Lins (2000a), dados recentes
mostram que mesmo nesse segmento existe uma elevada concentração na área em foco. Com
efeito, se na fabricação de produtos têxteis a Microrregião de Blumenau abriga 64,9% e
50,9%, respectivamente, dos empregos formais e dos estabelecimentos de Santa Catarina, nas
atividades de confecção de artigos de vestuário e acessórios as proporções aparecem
igualmente altas: 41,8% e 43,2%, na mesma ordem, de acordo com a Tabela 3.7.4.
Tabela 3.7.4 - A Microrregião de Blumenau na produção têxtil-vestuarista do estado de Santa Catarina – 2002
SANTA CATARINA MICRORREGIÃO DE BLUMENAU
ATIVIDADES EMPREGOS FORMAIS
(A)
ESTABELE-CIMENTOS
(B)
EMPREGOS FORMAIS
(C)
ESTABELE-CIMENTOS
(D)
C:A*100 D:B*100
Fabricação de produtos têxteis 49.654 1.197 32.241 609 64,9 50,9 Confecção de artigos de vestuário e acessórios 63.744 4.225 26.651 1.827 41,8 43,2
Fonte: Campos, Stallivieri e Alt (2004), a partir da RAIS.
3.7.1.2 Caracterização sócio-produtiva e perfil da comercialização
O arranjo têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí abriga atividades vinculadas aos
diferentes elos da cadeia têxtil. Realizam-se na área desde operações de beneficiamento de
insumos até as de produção de artigos confeccionados, podendo-se observar, portanto, a
presença das etapas de fiação (com fabricação de fios e linhas), tecelagem (de tecidos planos e
malhas) e confecção (com ampla gama de produtos, abrangendo artigos da linha cama-mesa-
banho e diversos artigos para vestuário).
Todavia, o grande destaque em nível nacional reside no desempenho das empresas que
atuam nos segmentos de produtos para cama, mesa e banho. Dados apresentados por Ferreira
(2000) apontam que, em 1999, nada menos que 70% da receita líquida dos principais
fabricantes brasileiros com atuação nesses segmentos provinham de cinco empresas do Vale
do Itajaí: pela ordem, Teka, Karsten, Artex, Buettner e Altenburg, todas de grande porte.
Fortemente concentrado em Blumenau, esse subconjunto da cadeia têxtil oferece os seguintes
tipos de produtos: colchas, lençóis, edredons e fronhas, no segmento cama; toalhas de mesa,
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guardanapos e centros de mesa, no segmento mesa; toalhas de banho e de rosto, roupões e
tapetes, no segmento banho. Seus clientes correspondem a lojas de tamanhos variados (do
pequeno varejo às lojas de departamentos), supermercados, meios de hospedagem
(principalmente hotéis), restaurantes e hospitais e clínicas.
Tabela 3.7.5 - Atividades têxteis e vestuaristas na microrregião de Blumenau – 2002 NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS
ATIVIDADES POSTOS
FORMAIS DE TRABALHO MICRO PEQUENO MÉDIO GRANDE TOTAL
TOTAL DA INDÚSTRIA TÊXTIL 32.241 443 120 32 14 609
Fabr. outros artigos vest. e prod. malha 4.652 19 8 5 2 34 Fabr. De art. de tecido p/ uso doméstico 4.103 19 4 1 2 26 Fabr. De outros artigos têxteis 6.460 44 13 3 3 63 Fabr. De outros art. têxt.– exceto vestuário 2.277 31 9 2 2 44 Fabr. De tecidos de malha 2.015 105 17 4 0 126 Fabr. De art. têxt. c/ tec. – exceto vestuário 2.655 25 5 2 1 33 Acabamentos em fios 2.137 78 18 4 0 100 Tecelagem de algodão 3.750 59 22 4 3 88 Fiação de algodão 935 5 7 1 0 13 Tecelagem de fios de fibras têxteis 234 15 1 1 0 17 Fabr. De artefatos de tapeçaria 126 16 2 0 0 18 Confec. de art. do vestuário e acessórios 26.651 1.572 214 37 4 1.827 Conf. de peças do vestuár. – exceto roupões 25.160 1.464 195 36 4 1.699 Fabricação de acessórios do vestuário 556 16 8 0 0 24 Confecção de roupas íntimas 857 80 10 1 0 91 TOTAL DAS ATIVIDADES TÊXTEIS E VESTUARISTAS
58.892 2.015 334 69 18 2.436
Fonte: Campos, Stallivieri e Alt (2004), a partir da RAIS.
A estrutura empresarial do arranjo é heterogênea e composta de numerosos atores.
Dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), apresentados por Campos,
Stallivieri e Alt (2004), informam que, em 2002, a Microrregião de Blumenau registrava o
funcionamento de 2.435 estabelecimentos na produção têxtil e vestuarista, conjuntamente, ¾
dos quais nas atividades de confecção de artigos de vestuário e acessórios, conforme Tabela
3.7.5. As micro e pequenas empresas representam 96% de todos esses estabelecimentos, uma
proporção que sobe para quase 98% quando se consideram somente as atividades de
confecção de artigos de vestuário e acessórios. Observe-se que na produção têxtil três tipos de
atividades concentram mais da metade dos estabelecimentos: fabricação de tecidos de malha,
acabamentos em fios e tecelagem de algodão. Quanto à concentração dos postos formais de
trabalho, pouco menos de 60% do total encontra-se vinculado a somente quatro tipos de
atividades, identificadas segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas:
fabricação de outros artigos têxteis, fabricação de outros artigos de vestuário e produtos de
malha, fabricação de artigos de tecido para uso doméstico e tecelagem de algodão. Na
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indústria vestuarista, pouco menos de 95% tanto dos estabelecimentos quanto dos empregos
encontra-se relacionado à atividade de confecção de peças do vestuário.
Como constatado, esse tecido empresarial ocupa milhares de trabalhadores. Conforme
a Tabela 3.7.5, mostrada anteriormente, em 2001 o número atingia 54 mil nas empresas
associadas ao SINTEX, um volume que se apresentava em recuperação desde uma fase de
baixa (em termos de ocupação de mão-de-obra) que, apenas quatro anos antes, impusera um
patamar de emprego bem inferior a 40 mil. Em 2002, como pode ser vizualizado na Tabela
3.7.5, o contingente tangenciava 60 mil, sugerindo um prolongamento do período de
recomposição dos números empregados. A distribuição do emprego segundo os tamanhos das
empresas mostra que as de grande porte absorviam mais de 1/3 do total do emprego formal
em 2002; somadas às empresas de tamanho médio, estas firmas concentravam quase 6 de cada
10 empregados. Todavia, a variação entre 1994 e 2002 revela que os 5,6% de crescimento da
totalidade dos empregos das indústrias têxtil e vestuarista devem-se tão-somente às micro e
pequenas empresas, já que nas grandes o comportamento foi de redução dos efetivos, em
34,5%. A variação do número de estabelecimentos ocorreu na mesma direção: crescimento
entre as empresas de menor porte e encolhimento nas de grande porte, de acordo com a
Tabela 3.7.6.
Tabela 3.7.6 - Produção têxtil-vestuarista na microrregião de Blumenau de acordo o tamanho
das firmas, no emprego e nos estabelecimentos e comportamento - 1994-2002 PORTE
EMPRESARIAL EMPREGO FORMAL EM
2002 (1)
NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS
EM 2002 (1)
VARIAÇÃO NO EMPREGO
1994-2002 (1)
VARIAÇÃO NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS:
1994-2002 (1) Micro 18,30 82,72 159,57 139,31 Pequeno 22,71 13,71 121,13 138,57 Médio 24,45 2,83 -0,61 4,55 Grande 34,53 0,74 -34,52 -25,00
TOTAL 100,00 100,00 5,64 127,24
Fonte: Campos, Stallivieri e Alt (2004), a partir da RAIS. (1) Valores em percentual.
Cabe enfatizar ainda que as indústrias têxteis e vestuaristas representam, em conjunto,
a maior fonte de absorção de mão-de-obra no Vale do Itajaí. Dados da RAIS, trabalhados por
Mattei e Niederle (2004), são ilustrativos a esse respeito no que concerne a toda a
mesorregião do Vale do Itajaí, integrada, além da Microrregião de Blumenau (Microrregião
do Médio Vale do Itajaí), também pela Microrregião do Alto Vale do Itajaí e pela
Microrregião da Foz do Rio Itajaí. Os dados mostram que, em 2002, o subsetor “indústria
têxtil, do vestuário e artefatos de tecidos” empregava formalmente 68.390 pessoas. Isso era
equivalente a 22,5% de todos os postos de trabalho formais existentes na área,
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independentemente do tipo de atividade, e representava nada menos do que 53,4% da
totalidade dos empregos formais da indústria de transformação de todo o Vale do Itajaí,
conforme Tabela 3.7.7.
Tabela 3.7.7 - Postos de trabalho formal na mesorregião do Vale do Itajaí – 2002 SUBSETORES NÚMERO DE POSTOS DE
TRABALHO PARTICIPAÇÂO (1)
Extrativa mineral 829 0,3 Indústria de produtos minerais não metálicos 4.608 1,5 Indústria metalúrgica 6.927 2,3 Indústria mecânica 5.736 1,9 Indústria do material elétrico e de comunicações 2.583 0,8 Indústria do material de transporte 3.492 1,1 Indústria da madeira e do mobiliário 11.467 3,8 Indústria do papel, papelão, editorial e gráfica 4.749 1,6 Indústria da borracha, fumo, couros, peles e similares 1.561 0,5 Indústria química, de produtos farmacêuticos e veterinários 5.033 1,7 Indústria têxtil, do vestuário e artefatos de tecidos 68.390 22,5 Indústria de calçados 87 0,0 Indústria de produtos alimentícios, bebidas e álcool 10.892 3,6 Serviços industriais de utilidade pública 2.485 0,8 Construção civil 7.769 2,6 Comércio varejista 48.466 15,9 Comércio atacadista 9.913 3,3 Instituições de crédito, seguros e capitalização 3.964 1,3 Comércio e administração de imóveis, valores imobiliários 21.381 7,0 Transportes e comunicações 11.200 3,7 Serviços de alojamento, alimentação, reparação e manutenção 25.887 8,5 Serviços médicos, odontológicos e veterinários 7.165 2,4 Ensino 8.811 2,9 Administração pública direta e autárquica 26.166 8,6 Agricultura, silvicultura, criação de animais, extrativismo 4.271 1,4
TOTAL 303.884 100,0
Fonte: Mattei e Niederle (2004), com dados da RAIS. (1) Valores em percentual.
A mão-de-obra regional é consideravelmente alfabetizada, em termos comparativos, a
julgar pelo fato de que somente dois municípios apresentam taxas de alfabetização menores
do que a média catarinense. Contudo, esse dado deve ser colocado em perspectiva: quando se
observa a média de anos de estudo da população adulta (pessoas com 25 anos ou mais),
percebe-se que a maioria dos municípios do arranjo apresenta resultados inferiores à média
estadual. De fato, dos dezessete municípios, somente Blumenau, Brusque, Jaraguá do Sul, Rio
do Sul e Timbó ostentam médias acima de 6,2 anos de estudo, número que corresponde a
Santa Catarina como um todo, de acordo com a Tabela 3.7.8. No que se refere
especificamente à mão-de-obra vinculada às atividades têxteis e vestuaristas, o estudo de
Campos, Stallivieri e Alt (2004) revela que, conforme captado pela RAIS de 2002, somente
16,5% dos trabalhadores em empregos formais apresentam formação em nível de ensino
médio completo ou superior a este; a maioria possui no máximo ensino médio incompleto.
350
Esse quadro representa uma situação inferior do arranjo têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí,
comparativamente a outros arranjos produtivos existentes em Santa Catarina.
Tabela 3.7.8 - Nível educacional no APL têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí e no estado de Santa Catarina - 2000
MUNICÍPIO TAXA DE ALFABETIZAÇÃO (1) MÉDIA DE ANOS DE ESTUDO DAS PESSOAS DE 25 ANOS OU MAIS
Apiúna 88,68 4,60 Ascurra 95,35 5,31 Benedito Novo 94,83 4,88 Blumenau 97,21 7,13 Botuverá 92,56 4,47 Brusque 96,07 6,58 Doutor Pedrinho 94,87 5,06 Gaspar 96,14 6,02 Guabiruba 95,34 5,37 Indaial 96,52 5,76 Jaraguá do Sul 97,35 6,89 Luiz Alves 94,48 4,99 Pomerode 98,13 5,84 Rio do Sul 94,98 6,35 Rio dos Cedros 96,07 5,11 Rodeio 95,26 5,57 Timbó 97,40 6,34 SANTA CATARINA 93,68 6,20 Fonte: Atlas... (2003). (1) Valores em percentual.
Sobre os níveis de remuneração, deve-se destacar que a esmagadora maioria dos
postos de trabalho formal – 83% – encontrava-se no intervalo entre 1,01 salário mínimo (SM)
e 4 SM em 2002. Nesse intervalo, a faixa que concentrava o maior número de postos de
trabalho era a de 2,01 a 4 SM, conforme Tabela 3.7.9. Isso contrasta com a situação
encontrada por Campos, Stallivieri e Alt (2004) em outros arranjos produtivos catarinenses,
como o de metal-mecânica, na área de Joinville, e o de cerâmica de revestimentos, na área de
Criciúma: no primeiro, quase metade dos trabalhadores em postos formais de trabalho
percebia mais de 4 SM; no segundo, pouco menos de 1/3 do contingente formalmente
empregado situava-se nesse patamar de remuneração.
Tabela 3.7.9 – Níveis de remuneração da produção têxtil e vestuarista na microrregião de
Blumenau - 2002 FAIXAS DE SALÁRIOS
MÍNIMOS ATÉ 1 SM DE 1,01 A 2
SM DE 2,01 A 4
SM DE 4,01 A 7
SM DE 7,01 A
14 SM MAIS DE 15,01 SM
% dos empregos formais 0,68 35,86 47,12 12,10 3,41 0,84 Fonte: Campos, Stallivieri e Alt (2004), a partir da RAIS. (1) Valores em % da quantidade de Salários Mínimos (SM).
351
Conforme assinalado a respeito da Tabela 3.7.3, o faturamento das empresas
associadas ao SINTEX mostrou-se oscilante ao longo dos anos 90. Houve tendência de
redução na primeira metade da década e, posteriormente, observou-se trajetória de uma certa
recuperação. Esse quadro revela-se corroborado pelos dados apresentados por Rocca (2003),
correspondentes a algumas das principais empresas. De fato, Hering, Teka, Marisol, Artex
(adquirida pela Coteminas em 2001) e Sulfabril amargaram queda nos respectivos
faturamentos líquidos durante a década, dando sinais de recuperação somente nos últimos
anos, embora essa reversão fosse acompanhada por elevados níveis de endividamento.
Cenário igualmente pouco expressivo, em termos de faturamento, foi detectado também por
Campos, Cario e Nicolau (2000), em pesquisa que envolveu três dezenas de empresas da área.
Tal comportamento revela sintonia com o movimento da produção física na cadeia têxtil em
todo o Estado de Santa Catarina: um percurso marcado pela oscilação, com sucessão de
movimentos anuais positivos e negativos (ROCCA, 2003).
O faturamento provém de vendas em mercados internos, essencialmente. Como de
resto na indústria têxtil-vestuarista operando em escala de Brasil, em que a produção para
consumo doméstico é amplamente predominante (cf., por exemplo, Monteiro Filha e Santos,
2002), no arranjo do Vale do Itajaí, a orientação nacional é a prevalecente. Apesar de as
exportações catarinenses de têxteis representarem cerca de ¼ das exportações brasileiras
correspondentes – evidenciando o papel exportador do parque catarinense –, só algumas
poucas empresas possuem nas exportações a fonte de uma importante parcela do faturamento.
Karsten e Buettner são destaques incontestáveis de acordo com a Tabela 3.7.10, ambas com
presença no segmento de confeccionados referentes às linhas cama-mesa-banho. Mas a Cia.
Hering quase dobrou a participação das exportações entre 1997 e 2001, num comportamento
francamente ascendente que foi observado também na Teka.
Tabela 3.7.10 - Participação das exportações nas vendas totais das principais empresas têxteis-vestuaristas do Vale do Itajaí - 1997-2001
PERCENTUAL DAS EXPORTAÇÕES NO TOTAL DAS VENDAS EMPRESAS 1997 1998 1999 2000 2001
Hering 10 7 12 19 18 Teka 19 20 30 29 32 Marisol 2 3 4 2 4 Karsten 49 44 49 48 52 Buettner 27 30 40 39 40 Fonte: Rocca (2003).
O segmento de confeccionados voltados às linhas cama-mesa-banho é o que ostenta o
melhor desempenho exportador do arranjo e, por conseqüência, da indústria têxtil-vestuarista
352
catarinense como um todo. Dados apresentados por Rocca (2003) mostram que, em 2000, o
item “outros artigos têxteis confeccionados” – referentes às linhas de produto em questão –
concentrou 54% das vendas externas de têxteis do estado, conforme Tabela 3.7.11. Merecem
realce particular os produtos da linha banho, que penetram não só em mercados latino-
americanos, mas também na Europa e nos Estados Unidos. Aliás, em 2000, Estados Unidos,
União Européia e MERCOSUL canalizaram, pela ordem, 34%, 20% e 29,5% das exportações
totais de têxteis catarinenses e 39%, 27% e 23% das exportações de “outros artigos têxteis
confeccionados”. Em 2004, as roupas de toucador/cozinha, cama, banho figuraram entre os
grupos de produtos mais exportados por Santa Catarina, em sétimo lugar, atrás somente de
carne de frango e suína, de móveis de madeira, de motocompressores, de motores e geradores
elétricos e de produtos cerâmicos. Esse desempenho há de ser considerado em associação com
o 2º lugar de Santa Catarina entre os estados que exportam produtos têxteis e do vestuário: em
2004, as vendas externas catarinenses somaram US$ 354,1milhões, sendo superadas apenas
pelas vendas de São Paulo, que atingiram US$ 531,4 milhões (PÉ..., 2005).
Tabela 3.7.11 – Destino das exportações de produtos têxteis do estado de Santa Catarina – 2000
PRODUTOS ARGEN- TINA
PARA- GUAI
URU- GUAI
MER- COSUL
UNIÃO EUROP.
EUA CHILE OUTROS PAÍSES
TOTAL
Algodão 1.526,9 1.026,6 448,3 3.001,9 1.536,7 2.344,4 634,0 4.401,7 11.918,8 Outras fibras têxt. 0 0 0,02 0,02 0 0 0 7,3 7,3 Filamentos sintét. 334,1 26,6 21,5 392,1 5,7 25,1 33,3 80,1 536,4 Fibr. sint. ou artif. 14,8 15,6 7,5 38,0 98,4 0 9,2 37,5 183,3 Pastas, feltr., cord. 5,0 858,4 18,7 882,1 32,8 0 306,7 49,5 1.271,1 Tap./rev. piso têxt. 21,7 9,7 0,8 32,1 0,3 3,8 0 20,0 56,3 Renda, bordados 422,3 213,8 22,5 658,7 1.191,6 358,5 167,6 2.399,6 4.776,1 Rev. p/ uso térmic. 440,0 3,8 147,1 590,9 59,6 156,6 42,5 964,6 1.814,2 Tecidos de malha 232,5 28,1 48,9 309,6 4,2 0 4,8 58,9 377,5 Vestuário e aces. 21.001,4 7.082,2 9.146,8 37.230,5 9.415,6 20.280,3 6.937,9 8.221,4 82.085,7 Ves./aces. ex. mal. 6.452,8 948,4 1.278,2 8.679,4 4.287,3 17.280,4 1.173,7 4.086,8 35.507,6 Outr. art. têx. conf. 31.940,5 1.724,7 3.443,2 37.098,3 43.502,1 63.060,1 4.202,4 14.695,8 162.558,7
TOTAL 62.940,5 11.938,2 14.573,5 88.913,8 60.134,5 103.509,2 13.512,2 35.023,4 301.093,4
Fonte: Rocca (2003) com base em dados da SERPRO/SECEX. Valores em US$ mil FOB.
A Karsten apareceu entre as quinze maiores exportadoras do estado, enviando ao
exterior, em 2004, produtos no valor de US$ 49,6 milhões. A Coteminas, presente em Santa
Catarina por conta de uma recente associação com a Artex, exportou US$ 39,1 milhões,
situando-se em 18º lugar no ranking (SALVO..., 2005); cabe mencionar que, na esteira dessa
associação, a planta localizada em Blumenau passou a concentrar as suas atividades na
fabricação voltada às exportações, implicando produtos de maior valor agregado
(FERREIRA, 2000). A Karsten teve nos Estados Unidos o principal destino das suas vendas
353
externas em 2004, representando 56% do total exportado; depois aparecem países europeus e,
por último, países latino-americanos (PÉ..., 2005). Entretanto, na relação das 300 maiores
exportadoras da região Sul do Brasil, a Karsten mostra-se em 79º lugar e a Coteminas, em
104º. Buettner, Cia. Hering e Teka encontram-se distanciadas: a primeira no 129º posto, com
US$ 31,8 milhões, a segunda no 140º, com US$ 26,9 milhões, e a terceira no 147º, com US$
25,4 milhões. Quase todas essas empresas – a Cia. Hering é a única exceção – apresentaram
variação positiva das suas exportações entre 2003 e 2004 (CONCENTRAÇÃO..., 2005).
Todavia, as exportações não se limitam a essas grandes empresas. Embora o destaque
na matéria pertença indiscutivelmente a esse estrato empresarial, há exportadores situados
fora desse círculo restrito. Campos, Cario e Nicolau (2000) detectaram desempenho
exportador na amostra de 36 empresas por eles estudadas, transcendendo amplamente aquele
pequeno grupo. E Lins (2000a) verificou a existência de prática exportadora mesmo entre
pequenas e médias empresas da área, embora fossem minoritárias as firmas que assim
procediam; neste caso, apareciam como exportadoras principalmente empresas de porte
médio, as quais, de todo modo, vendiam por meio de representantes comerciais até para
clientes nos Estados Unidos.
Esse último comentário oportuniza a abordagem dos canais de comercialização no
arranjo. Redes de estabelecimentos comerciais localizados em diferentes estados e regiões
constituem as estruturas de vendas predominantes. São lojas tanto próprias quanto
pertencentes a terceiros (maior parte das situações) – grandes redes de lojas, como Riachuelo,
Pernambucanas, Renner –, abastecidas, neste segundo caso, a partir de encomendas, com forte
atuação de representantes comerciais e vendedores em geral, mas sem exclusão das vendas
diretas dos fabricantes às estruturas de varejo. Vendas em lojas próprias estão longe de
constituírem exceção. O Vale do Itajaí apresenta várias estruturas criadas especificamente
para isso, ao estilo dos centros comerciais, outlet centers e calçadões de negócios, os quais,
pontilhados de lojas pertencentes a fabricantes, têm cumprido um importante papel na
canalização das vendas. Os surtos de instalação dessas estruturas de vendas acabaram
resultando numa irrecusável proeminência do município de Brusque, embora outros locais do
Vale se revelem igualmente dotados desse tipo de estrutura. O cruzamento do “turismo
histórico-cultural” (escorado nas festas típicas promovidas no âmbito dos grupos sociais cujos
antepassados colonizaram o Vale do Itajaí) com os interesses das indústrias têxteis e
vestuaristas é evidente nesses exemplos.
Na contramão dos movimentos de produtos têxteis e vestuaristas aparecem os relativos
aos insumos e bens de capital utilizados pelos fabricantes.
354
Sobre os insumos, cabe ressaltar desde logo que, não obstante o fato de estar quase
toda a cadeia produtiva têxtil presente no Vale do Itajaí, as fontes de abastecimento
encontram-se, no essencial, fora do arranjo. O algodão – matéria-prima principal, item que
aparece em terceiro lugar (com 259 toneladas) entre as importações catarinenses que entraram
pelo Porto de Itajaí em 2003 (SÍNTESE..., 2004)1 – é o caso mais eloqüente, mas o mesmo se
aplica aos demais tipos de insumos, em particular às fibras sintéticas, que permitem uma
maior agregação de valor aos produtos fabricados localmente: é sugestivo que, em 2003, os
fios texturizados de poliéster tenham figurado em 7º lugar entre as importações catarinenses
(SÍNTESE..., 2004). Numerosas empresas, mesmo entre as de menor porte – representando a
maioria, segundo vários estudos (LINS, 2000a; CAMPOS, CARIO E NICOLAU, 2000;
LOMBARDI, 2001) –, abastecem-se desses insumos em outros estados, São Paulo à frente,
onde se encontram em operação filiais ou subsidiárias de empresas internacionais com
atividades situadas a montante na cadeia têxtil. Compram mais insumos no interior do arranjo,
proporcionalmente falando, as empresas menores, especialmente as pequenas confecções que
fabricam artigos de vestuário. Tendo como fornecedores vários fabricantes locais, essas
pequenas unidades produtivas adquirem artigos como tecidos planos, malhas, fios e
aviamentos, por exemplo.
O cenário é o mesmo no tocante às máquinas e aos equipamentos. Aqui, porém, as
origens são não apenas extra-regionais, mas sobretudo estrangeiras. Com efeito, equipamentos
essenciais ou auxiliares para fiação, tecelagem, beneficiamento e confecção provêm de
diferentes países, tendo a maior presença desse maquinário sido estimulada pela conjuntura de
liberalização comercial que prevaleceu na década de 90, ensejando uma considerável
reestruturação do parque têxtil catarinense, como já mencionado.
As relações de que participam os atores do aglomerado, seja no escoamento dos
produtos locais, seja no abastecimento em insumos, matérias-primas e bens de capital,
possuem na logística de transportes e comunicações existente no Nordeste de Santa Catarina
um importante sustentáculo. A área é servida nos sentidos norte-sul e leste-oeste por duas
importantes rodovias, a BR-101 e a BR-470, respectivamente, a primeira apresentando-se
duplicada, no seu segmento catarinense, em todo o trecho entre a Grande Florianópolis e a
fronteira com o Paraná. Além disso, a área também conta, nas suas proximidades, com dois
aeroportos (Navegantes e Joinville) e com dois importantes portos que possibilitam
1 Claro que não é somente através dos portos que Santa Catarina mantém relações comerciais com o exterior. O estado apresenta armazéns alfandegados em três aeroportos: Navegantes (próximo à foz do Rio Itajaí, portanto,
355
embarques para navegação tanto de cabotagem quanto de longo curso, um em Itajaí e o outro
em São Francisco do Sul.
3.7.1.3 Caracterização do arcabouço institucional público e privado
O arranjo possui, articulado ao tecido empresarial, também um importante tecido
institucional. Os integrantes pertencem tanto à esfera privada quanto à pública e atuam em
coordenação, em educação e em apoio tecnológico.
O SINTEX, já referido, e a Associação Comercial e Industrial de Blumenau (ACIB)
despontam entre as instituições de coordenação, o primeiro, totalmente voltado para as
indústrias têxteis e vestuaristas, e a segunda, não obstante uma atuação mais diversificada,
com foco prioritário nessas indústrias, como seria de esperar em face do perfil produtivo
regional. Ambos representam importantes espaços de articulação do empresariado e, embora
sejam formalmente independentes, operam em sintonia na defesa dos interesses da indústria
têxtil-vestuarista. Outros municípios possuem as suas próprias organizações/associações
empresariais, como Brusque (Associação Comercial e Industrial de Brusque; Associação de
Médias e Pequenas Empresas de Brusque) e Jaraguá do Sul (Associação Comercial de Jaraguá
do Sul, por exemplo).
Sindicatos de trabalhadores marcam igualmente o cenário institucional do arranjo,
apresentando-se “especializados” conforme os segmentos produtivos (têxtil, vestuário) e com
incidência municipal. Assim, por exemplo, há um Sindicato da Fiação e Tecelagem e um
Sindicato do Vestuário em Blumenau; um Sindicato do Vestuário em Brusque; um Sindicato
dos Trabalhadores nas Indústrias do Vestuário, Fiação, Tecelagem e Artefatos de Couro de
Jaraguá do Sul.
No âmbito educacional, o grande destaque fica por conta da Universidade Regional de
Blumenau (FURB), com considerável inserção no meio empresarial e com desempenho que
transcende o ensino e alcança a pesquisa, em boa parte orientada aos interesses das empresas
da região. De fato, a FURB possui desde 1972 o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de
Blumenau (IPTB). Municípios vizinhos possuem igualmente estruturas de ensino superior que
“dialogam” com a indústria têxtil-vestuarista: em Jaraguá do Sul existe a Fundação
quase adjacente ao arranjo têxtil-vestuarista em foco), Florianópolis e Joinville. Os três são servidos regularmente por vôos cargueiros.
356
Educacional Regional Jaraguense (FERJ), que oferece cursos nas áreas de moda e tecnologia
têxtil (SILVA, 2002), e em Brusque há a Fundação Educacional de Brusque (FEBE).
Ainda na esfera educacional, porém sem o perfil de instituição de ensino superior
propriamente dita, observa-se a atuação do SENAI, notável tanto em Blumenau quanto em
Brusque, mas com centros educacionais também em municípios como Jaraguá do Sul, Rio do
Sul e Timbó. A referência ao SENAI remete de imediato às atividades de apoio tecnológico,
pois nas instalações dessa instituição são encontrados centros tecnológicos e infra-estrutura
laboratorial de grande importância na área. O SENAI de Blumenau, que há décadas abriga a
Fundação Blumenauense de Estudos Têxteis (FBET) – operando com o Centro de Pesquisas e
Desenvolvimento de Estudos Têxteis (CEPETEX) –, criou, em 1999, um Centro de
Tecnologia do Vestuário (CTV). O SENAI de Brusque mantém o Laboratório de Ensaios
Físicos e Químicos Têxteis (LEFQT), anteriormente conhecido como Laboratório de Fiação e
Tecelagem (LAFITE).
Aspectos da atuação dessas instituições serão abordados posteriormente, quando se
falará sobre a capacitação tecnológica e as condições para inovação e, de outra parte, sobre
cooperação e governança.
3.7.1.4 Nível tecnológico
O parque fabril apresenta, de uma forma geral, um nível tecnológico alinhado com o
padrão internacional, principalmente no que concerne às atividades enfeixadas na cadeia do
algodão, que são as predominantes. Esse alinhamento com o padrão internacional é verificado
sobretudo nas empresas mais importantes, que puderam usufruir mais ampla e intensamente
das condições favoráveis às compras de máquinas e equipamentos originários do exterior, no
âmbito da abertura comercial implementada durante a última década no Brasil. Assim
procedendo, esses fabricantes prolongaram, no decorrer dos anos 1990, um tipo de conduta –
aprofundando uma tendência já esboçada anteriormente – que na virada da década anterior
caracterizava firmas como Malwee, em Jaraguá do Sul (GÖRGEN, 1992), e Hering, em
Blumenau (DECKER, 1991). A redução da idade média das máquinas e equipamentos em uso
e o aumento da proporção dos bens de capital com dispositivos eletrônicos perfilam-se entre
os indicadores da atualização tecnológica protagonizada.
No entanto, esse esforço modernizador não se restringiu às grandes empresas.
Também no âmbito das PMEs do arranjo observaram-se investimentos que resultaram na
357
incorporação de, por exemplo, teares computadorizados, máquinas com dispositivos
microeletrônicos para tinturaria, ramas automatizadas, máquinas de costura, para bordar e
para efetuar operações de acabamento, eletrônicas e inclusive programáveis, oriundos de
países como Itália e Alemanha, entre outros. Entre as PMEs, tais compras tiveram lugar
especialmente no segmento de empresas médias, embora caracterizassem da mesma forma
algumas firmas de menor porte. Na base disso, encontravam-se as facilidades derivadas não
só da conjugação entre redução de alíquotas de importação e política de câmbio, mas
igualmente as condições de pagamento oferecidas pelos fabricantes (LINS, 2000c).
A incorporação de bens de capital modernos e em linha com o padrão tecnológico
internacional representou a principal forma de acesso das empresas às inovações da indústria
têxtil-vestuarista. A importância disso é adequadamente aquilatada quando se leva em conta
que na cadeia têxtil a tecnologia de processo é madura e encontra-se largamente incorporada
nas máquinas e equipamentos. De fato, as atividades produtivas em questão são
eminentemente absorvedoras de inovações determinadas em outros setores industriais e objeto
de disseminação pelos fornecedores de maquinário e de matérias-primas e insumos (PAVITT,
1984).
Deve-se assinalar que o que foi dito sobre a modernização do parque instalado no Vale
do Itajaí não significa a constituição de um quadro tecnológico homogêneo, implicando da
mesma forma e com a mesma intensidade o conjunto das empresas. Um traço importante da
indústria têxtil-vestuarista, de uma forma geral, é a descontinuidade das operações ao longo
da cadeia, e isso permite a convivência de unidades fabris não só com diferentes escalas
produtivas, mas também com diversos níveis de atualização tecnológica. Daí não surpreender
que o tecido empresarial do Vale do Itajaí ostente uma marcada heterogeneidade interfirma no
tocante à capacitação tecnológica, uma estrutura que repete característica observada em escala
de país (HAGUENAUER et al., 2001). Há diversidade de situações tecnológicas mesmo no
interior das plantas, pois até em nível de empresa ocorre a operação simultânea e articulada de
aparatos produtivos de diferentes padrões tecnológicos.
Mas as tentativas de alinhamento com a best practice internacional não se limitaram às
compras de maquinário. Inovações organizacionais foram igualmente implementadas (e não
só nas grandes empresas), com a introdução de técnicas modernas de gestão que
possibilitaram um melhor controle sobre os processos produtivos, envolvendo iniciativas
formais voltadas ao aumento de qualidade e produtividade e a intensificação das interações
em diferentes níveis: com fornecedores de insumos e equipamentos – implicando
essencialmente vínculos extra-regionais –; com capacidades produtivas externas, para fins de
358
transferência de etapas dos processos produtivos; com integrantes da infra-estrutura
tecnológica.
As empresas do Vale do Itajaí protagonizaram movimentos também pautados na
observação do que se pode designar como um novo padrão de concorrência na indústria têxtil-
vestuarista em nível mundial, em que sobressaem grandes avanços em design e estilo,
enfeixados no crescente papel desempenhado pela moda na determinação do desempenho da
indústria. Tais avanços são favorecidos pelo uso de novos insumos e pelas tecnologias do tipo
CAD/CAM, que permitem melhorias em termos de qualidade, aumento na flexibilidade
produtiva e uma maior diferenciação no leque de oferta.
Entre as grandes empresas da área, o fortalecimento das atividades de P&D e a
ampliação das infra-estruturas laboratoriais, mirando mais intensamente o design e o estilo –
numa palavra, a criação, representando aumento do valor agregado aos produtos –, foi uma
tendência coerente com a intenção de operar segundo o conceito de “moda como negócio”
(VIANA, 2001a). A “personalização” dos produtos é prática que se insere nessa tendência.
Entre as PMEs, as próprias condições de concorrência da década de 90 – quando a
avassaladora presença de produtos asiáticos muito baratos estimulou várias empresas locais a
diferenciar os seus produtos para evitar a concorrência externa e ingressar em faixas de
mercado freqüentadas por consumidores de maior poder aquisitivo – funcionaram como
lubrificantes do processo de enriquecimento das atividades de criação, mesmo que sob o signo
da heterogeneidade nesse segmento de fabricantes. Assim, por exemplo, cresceu o uso de
sistemas CAD também nesse estrato empresarial (LINS, 2000b), um movimento no curso do
qual multiplicaram-se no Vale do Itajaí as griffes vinculadas às empresas de menor porte, as
quais, não obstante o seu tamanho, mantêm equipes de criação que costumam cultivar e
mobilizar contatos inclusive internacionais (VIANA, 2001b). No mesmo diapasão, as
empresas ampliaram os seus staffs nas atividades correspondentes.
3.7.1.5 Impactos ambientais
O Vale do Itajaí apresenta diversos problemas ambientais. Os principais “são,
reconhecidamente, os impactos negativos provocados pelas enchentes nas áreas urbanas.”
(MATTEDI, 2000, p. 224), ocorrências naturais que em certos momentos – como no início da
década de 1980 – tornaram a área objeto de consternação em nível de país. Não admira, desse
359
modo, que nas abordagens sobre o gerenciamento ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio
Itajaí seja dada grande ênfase à questão das cheias (FRANK, 1995).
Entretanto, a problemática ambiental transcende o aspecto específico das enchentes,
embora os diferentes focos de agressão guardem relação, em vários sentidos, com esta questão
específica. A vulnerabilidade regional do ponto de vista do meio-ambiente tem, de fato, várias
faces. Cabe mencionar,
...processos como a ausência de matas ciliares ao longo dos rios; a ocupação indevida das encostas; a descaracterização da paisagem natural do relevo por aterros; a intensificação do desmatamento; a ocupação dos fundos de vales; práticas agrícolas inadequadas; ausência de arborização nas áreas urbanas; a poluição das águas por dejetos industriais, agrícolas e domésticos; ocupação das faixas de proteção dos rios; padrões de utilização do solo inadequados, etc. (MATTEDI, op cit., p. 225).
Como se observa, as atividades industriais integram a relação das fontes poluidoras no
Vale do Itajaí. Entre tais atividades, a produção têxtil-vestuarista aparece com destaque, seja
porque se trata de setor com grande realce na estrutura produtiva da área, seja porque a
natureza de várias de suas operações apresenta um elevado potencial poluidor. Daí que no
Programa de Recuperação Ambiental da Bacia do Rio Itajaí-Açu, criado pela Fundação do
Meio Ambiente (FATMA) de Santa Catarina já no final dos anos 1980, a redução da emissão
dos efluentes do setor industrial – com atenção particular para o setor têxtil – tenha sido
privilegiada entre as primeiras providências vislumbradas (ADAMI, 1994).
Esse programa foi implementado progressivamente, no que se refere à incorporação
das empresas nos procedimentos de prevenção. Isso resultou em numerosos sistemas de
tratamento de efluentes implantados e até em casos de desativação dos setores poluentes em
nível de planta, permitindo a redução da carga poluidora lançada pelas empresas. Contudo, o
envolvimento nesse tipo de iniciativa é desigual no seio do tecido empresarial. Dados
apresentados por Campos, Cario e Nicolau (2000), referentes a uma amostra de 36 empresas,
mostram que, em 2000, o controle ambiental – com vistas a atender à legislação – figurava
como um objetivo importante ou muito importante para 85% das grandes empresas
pesquisadas, mas para as empresas médias e pequenas essa percentagem caía para 29% e
40%, respectivamente.
É sintomático que entre as empresas agraciadas com o Prêmio Fritz Muller – criado
em 1982 pela Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina para homenagear anualmente
empresas sediadas no estado com destaque no controle da poluição – apareçam com certa
freqüência fabricantes têxteis-vestuaristas de grande porte instalados no Vale do Itajaí. Assim,
nas edições dos últimos anos, empresas como Karsten, Hering, Malwee e Teka figuraram
360
entre os ganhadores da premiação ou tiveram o reconhecimento oficial por meio de menções
honrosas e indicação como “personalidades do ano” (cf. pode ser observado em
www.fatma.sc.gov.br). As justificativas envolvem referências a medidas de aprimoramento
nos sistemas de tratamento de efluentes líquidos, de redução nas quantidades de efluentes
gasosos e de reutilização dos resíduos sólidos.
De todo modo, a problemática ambiental ligada aos efluentes industriais permanece
como assunto merecedor de um adequado equacionamento no Vale do Itajaí. Não permitem
pensar diferentemente as várias iniciativas, protagonizadas no âmbito do arcabouço
institucional local, voltadas à gestão do uso dos recursos hídricos, como se indicará
posteriormente. Aponta na mesma direção a aparente prioridade localmente atribuída à
construção de um aterro sanitário industrial que contribua para amenizar as agressões
ambientais (LOMBARDI, 2001).
3.7.1.6 Incentivos públicos incidentes no arranjo
Em que pese a importância socioeconômica das atividades têxteis e vestuaristas
desenvolvidas no Vale do Itajaí, não se pode referir a um processo de envolvimento
conseqüente das administrações públicas locais nas questões que interessam a essas
indústrias, apesar de a situação não ser uniforme com relação a tal assunto. Entrevistas
realizadas junto a PMEs da área mostraram que os fabricantes, na sua esmagadora maioria,
não consideram relevante o papel desempenhado pelas prefeituras municipais (LINS, 2000a).
Todavia, pesquisas recentes registram o envolvimento da Secretaria de
Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de Blumenau em iniciativas de certo destaque,
abrangendo esquemas de cooperação de natureza multilateral com outras instituições, como se
falará na seqüência. Em Jaraguá do Sul, especificamente, detectaram-se avaliações
francamente negativas, já que o tipo de comportamento adotado pelo poder executivo, num
certo período da década de 1990, havia até provocado a perda pelo município de um
importante aparato de comercialização de artigos de vestuário, cujos investidores acabaram
preferindo uma localização alternativa (LINS, 2000a). Em Brusque, diferentemente, Henschel
(2002) verificou a reiterada ocorrência de uma atuação multidirecionada no âmbito da
prefeitura municipal, ainda que não se possa dizer que o envolvimento do poder executivo
tenha sido determinante na trajetória da indústria. Por exemplo, iniciativas públicas para
desenvolver um turismo que combinasse atrativos histórico-culturais (com base em festas
361
típicas) e o interesse pelas compras em estruturas de vendas ao estilo da “pronta-entrega”
foram desencadeadas em sistema de parceria, a partir de demandas sociais (no caso, de
associações empresariais).
A presença do poder público no arranjo por meio de mecanismos de financiamento
não é negligenciável. Campos, Cário e Nicolau (2000) indicam que as empresas de maior
porte utilizam com uma freqüência relativamente maior as fontes públicas de financiamento,
mesmo que o uso de recursos próprios – na opção por um autofinanciamento cujo estímulo
maior parece vincular-se ao quadro de elevadas taxas de juros – seja referido muitas vezes
pelas primeiras, quase tanto quanto pelas empresas menores. A Tabela 3.7.12 informa sobre
as fontes de financiamento principais de que se valem as empresas, diferenciando-as por
tamanho.
Tabela 3.7.12 - Principais fontes de financiamento utilizadas pelas empresas têxteis e vestuaristas do Vale do Itajaí - 2000
FONTES DE FINANCIAMENTO RECURSOS PRÓPRIOS
BANCOS COMERCIAIS
OFICIAIS
BANCOS DE DESENVOLVI-
MENTO
BANCOS PRIVADOS
RECURSOS EXTERNOS
Sem importância 7,7 53,8 23,1 53,8 15,4 Pouco importante 0 23,1 0 7,7 23,1 Importante 53,8 23,1 46,1 30,8 23,1
Grandes empresas
Muito importante 38,5 0 30,8 7,7 38,4 Sem importância 14,3 57,1 42,8 42,8 57,1 Pouco importante 42,8 0 0 0 14,3 Importante 14,3 42,9 14,3 42,9 0
Médias empresas
Muito importante 28,6 0 42,9 14,3 28,6 Sem importância 0 0 61,5 61,5 84,6 Pouco importante 0 61,5 7,7 7,7 0 Importante 35,7 30,7 7,7 7,7 0
Pequenas empresas
Muito importante 64,3 7,8 23,1 23,1 15,4 Fonte: Campos, Cario e Nicolau (2000). Amostra de 36 empresas. Valores em percentual.
Bancos e instituições financeiras públicos, como o Banco do Brasil S.A. (BB), e
instituições financeiras de fomento e desenvolvimento, como o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Agência Catarinense de Fomento S.A.
(BADESC), despontam nas indicações das empresas. Isso demonstra a atuação desses órgãos
na distribuição de recursos dos programas de financiamento, como o Programa de
Investimentos do BNDES e o Programa de Financiamento às Exportações (PROEX), do
Governo Federal, e o Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense (PRODEC), do
governo de Santa Catarina. Este último, frise-se, constitui o mais importante mecanismo
estadual de estímulo aos investimentos. Criado na década de 1980, o PRODEC funciona
através de incentivo fiscal, possibilitando às empresas a utilização de parte do ICMS devido
362
em medidas de implantação, aumento e modernização de atividades produtivas, com prazos
de fruição, carência e amortização definidos nos seus termos. Na década de 1990, o PRODEC
foi setorializado, surgindo nesse processo o Programa de Desenvolvimento Têxtil Catarinense
(PRODEC Têxtil). A Tabela 3.7.13 informa sobre as principais empresas têxteis-vestuaristas
da área beneficiadas por esse programa no período 1998-2004, indicando, para cada caso, os
municípios de localização, a quantidade de empregos a serem gerados e o montante do
financiamento.
Tabela 3.7.13 - Principais empresas do arranjo produtivo têxtil-vestuário beneficiadas pelo financiamento PRODEC no estado de Santa Catarina – 1998-2004
RAMO DE ATIVIDADE NOME MUNICÍPIO EMPREGOS A
SEREM GERADOS
MONTANTE DO FINANCIAMENTO
(1) Inds. Têxteis Renaux S/A Brusque 125 38.895.987,00 Marisol S/A Blumenau 350 14.600.176,00 Marisol S/A Jaraguá do Sul 920 67.161.000,00 Pati Nicki Confecções Ltda. Joinville 204 2.916.000,00 Altenburg Ind. Têxtil Ltda. Blumenau 54 5.927.588,00 Franlui Têxtil Ltda. Itajaí 56 1.570.400,00 Elástico Blufitex Ltda Blumenau 14 539.320,00 Marcatto Ind. de Chapéus Ltda. Jaraguá do Sul 80 5.540.246,26 Ind.de Linhas Leopoldo Schmalz S/A Gaspar 993 14.761.095,00 A.M.C. Têxtil Ltda. Jaraguá do Sul 102 3.406.910,00 Têxtil H.J. Hering Ltda. Indaial 36 1.072.259,00 Fábrica de Tecidos Carlos Renaux S/A Brusque 37 8.184.308,00 Textilfio Malhas Ltda. Jaraguá do Sul 11 905.640,00 Hering Têxtil S/A ( Cia Hering ) Blumenau 3050 67.883.000,00 A.M.C. Têxtil Ltda. Brusque 197 9.698.520,00 Franke Douat Ltda. Joinville 72 16.720.878,76 Diklatex Industrial Têxtil S/A Joinville 360 7.827.500,00 Tecelagem Confec. Cofran Ltda. Camboriú 150 1.963.000,00 Malharia LC Ltda. Brusque 14 2.786.890,00 Dudalina S.A. Blumenau 82 3.372.965,00 H.I. Indústria de Etiquetas Ltda. Pomerode 62 2.713.000,00 Fiobras Ltda. Indaial 52 2.068.280,00 Sancris Linhas e Fios Ltda. Brusque 50 2.433.773,00
Têxtil
Malwee Malhas Ltda. Jaraguá do Sul 197 21.645.548,00
Cativa Têxtil Indústria e Comércio Ltda. Pomerode 215 3.257.034,05 Vestuário e Artefatos Intimamente - Indústria e Comércio Ltda. Brusque 41 2.184.273,33
Fonte: Secretaria de Planejamento do Estado de Santa Catarina / PRODEC. (1) Valores em R$ de 2004.
3.7.2 Capacitação tecnológica e para a inovação
As fontes e formas de capacitação tecnológica e para a inovação de que se valem as
empresas têxteis e vestuaristas do Vale do Itajaí apresentam duas dimensões: são internas e
também externas ao arranjo.
363
3.7.2.1 Fontes e formas de capacitação interna
Entre as fontes e formas internas figuram os esforços protagonizados ao nível das
estruturas empresariais. Tais movimentos traduziram-se na criação e/ou ampliação de
departamentos de P&D, sobretudo nas empresas de maior porte, onde se perscrutam, nos
laboratórios e/ou estações de design, novas possibilidades de modelos e/ou combinações de
cores e padronagens. A tendência de elevação dos gastos em P&D entre as empresas é
ilustrativa dessa ocorrência, conforme Tabela 3.7.14. As tarefas correspondentes ocorrem em
sintonia, o tanto quanto possível, com as tendências emanadas dos grandes centros da moda,
como o eixo Rio-São Paulo, numa primeira aproximação, ou o eixo Paris-Milão-Londres-
Nova York, num arco mais amplo e, certamente, de maior influência. De todo modo, cabe
assinalar que essas unidades de P&D, por se dedicarem principalmente ao desenvolvimento
de produtos (enfatizando a criação e a moda), utilizam com alguma freqüência os serviços
tecnológicos disponíveis no tecido institucional.
Tabela 3.7.14 - Situação dos gastos em P&D das grandes e médias empresas têxteis e vestuaristas do Vale do Itajaí, conforme percentual captado - 2000
INDICADORES VARIAÇÃO DO INDICADOR P&D/FATURAMENTO ENTRE 1990 E 1999
PARTICIPAÇÂO DAS EMPRESAS (1)
- aumento significativo 47,05 - pequeno aumento 29,41 - sem aumento 17,64 - redução 5,88
% DO GASTO EM P&D EM RELAÇÃO AO FATURAMENTO BRUTO DE 1999 1,8 Fonte: Campos, Cario e Nicolau (2000). Amostra de 19 empresas. (1) Valores em percentual.
Com efeito, também internas ao arranjo, e portanto objeto de combinação com os
impulsos para capacitação incrustados nas compras de máquinas e equipamentos, mostram-se
as fontes relativas aos laboratórios, centros tecnológicos e instituições de ensino e pesquisa
que formam a trama de instituições locais. O SENAI aparece com destaque entre essas fontes
internas (porém externas às empresas). Conforme já salientado, trata-se de instituição com
presença em vários municípios do Vale do Itajaí, oferecendo cursos (de ensino técnico, de
ensino superior de tecnologia e de educação profissional) e disponibilizando serviços técnicos
e tecnológicos.
Merece especial realce, na estrutura do SENAI presente no Vale do Itajaí, o Centro de
Tecnologia do Vestuário (CTV), criado em 1999 como uma forma de desenvolvimento do já
364
existente Centro de Educação e Tecnologia no intuito de fornecer suporte à indústria têxtil-
vestuarista da área, auxiliando-a na superação do quadro de crise instalado. Afinado, ao
menos na sua filosofia de atuação, com as mudanças no paradigma têxtil-vestuarista em curso
na esfera internacional – no bojo das quais a moda e as atividades que gravitam em torno das
funções de criação assumiram um caráter absolutamente estratégico –, o CTV atua
principalmente em educação profissional, segundo enfatizado por Rocca (2003). Com tal
orientação, oferece cursos em nível de graduação (Bacharelado em Moda) e de pós-graduação
(em Processos Têxteis, por exemplo), cursos superiores de tecnologia (Tecnologia em
Vestuário, entre outros) e vários outros cursos técnicos, de aprendizagem industrial e de
qualificação.
Mas o funcionamento do CTV é multidirecionado. De um lado, presta assessoria
técnica (como no desenvolvimento de modelagem e de encaixe com uso de CAD na produção
vestuarista) e assessoria tecnológica (por exemplo, para a implantação das normas ISO 9001 e
14001). De outro lado, dá os primeiros passos em pesquisa aplicada, como em design para
coleções de moda. Além disso, atua na difusão de informações tecnológicas, franqueando o
acesso à sua biblioteca/videoteca, e presta serviços laboratoriais. Entre os usuários das
diversas atividades desenvolvidas pelo CTV figuram empresas importantes do arranjo, como
Karsten, Hering e Marisol, embora a associada concepção institucional contemple um arco de
atuação com alcance inclusive nacional. Pode-se considerar que esse organismo representa
um importante impulso local no campo do desenvolvimento de produto, justamente na direção
em que as empresas do arranjo canalizam o principal dos seus esforços inovativos, escoradas
em maiores investimentos em criação e estilo.
Cabe indicar que, em 2002, foi inaugurado, na esteira do funcionamento do CTV, um
Centro de Tecnologia Têxtil (CETTEX) nas dependências no SENAI. O objetivo mais geral
dessa iniciativa envolve instalar um foco de disseminação de conhecimento tecnológico para a
produção têxtil, com as metas específicas de incrementar a qualidade e o valor agregado dos
produtos da região. Encontram-se no CETTEX o Laboratório de Ensaios Tecnológicos e o
Laboratório de Ensaios Químicos, integrantes de uma estrutura laboratorial em nível de
SENAI regional que inclui também o Laboratório de Análise de Água e Efluentes Industriais
(LANAE). Marcam presença, da mesma forma, dois outros aparatos básicos ao apoio técnico
e tecnológico às empresas, prestando serviços há algum tempo no arranjo: o Centro de
Pesquisas e Desenvolvimento de Estudos Têxteis (CEPETEX), operando com a Fundação
Blumenauense de Estudos Têxteis (FBET), e o Laboratório de Ensaios Físicos e Químicos
Têxteis (LEFQT), localizado em Brusque.
365
O LANAE dedica-se à realização de análises físicas e químicas em águas e efluentes,
um tipo de atividade que cobre cerca de 80% das suas receitas. Entre os projetos mais
importantes em desenvolvimento neste laboratório constam os de Emissões Atmosféricas e o
Água-Tex. Com desempenho que parece estar estimulando a idéia de estender as instalações e
os serviços associados para outros municípios do Vale do Itajaí, o LANAE avança no projeto
de criação de um Núcleo de Tecnologia em Água, com foco na redução do consumo de água
pela indústria, ampliando a sua reciclagem e reutilização. No bojo das atividades relacionadas,
foi aprovado o Projeto de Racionalização do Uso de Água na Indústria Têxtil, numa parceria
que abrange a Universidade Federal de Santa Catarina e também empresas como Karsten,
Coteminas e Menegotti (ROCCA, 2003).
O CEPETEX representa estrutura laboratorial que realiza, essencialmente, testes de
resistência, alongamento e imperfeições em fios e fibras, além de classificar o algodão, com
resultados garantidos por análises interlaboratoriais feitas na Testex (na Suíça, para fios) e na
USDA (para algodão, nos Estados Unidos). Seus clientes não se restringem ao Vale do Itajaí,
distribuindo-se em diferentes estados brasileiros. Trata-se de estrutura formada
institucionalmente no âmbito de uma parceria entre o SENAI, a FURB e a FBET, esta última
representando, ela própria, uma importante estrutura de prestação de serviços técnicos –
criada, registre-se, por um grupo de grandes empresas têxteis-vestuaristas locais – onde
fazem-se análises de fibras, elaboram-se laudos, realizam-se estudos e pesquisas de cunho
científico e tecnológico e também desenvolvem-se experiências técnicas com produtos e
processos. Ambos, o CEPETEX e a FBET, encontram-se instalados nas dependências do
SENAI de Blumenau.
O LEFQT, de sua parte, presta serviços na forma de análises em fibras, fios e tecidos.
Credenciado pelo Instituto Nacional de Metrologia (INMETRO), realiza ensaios de gramatura
de tecidos, determina o título de fios e efetua análises qualitativas e quantitativas de fibras e
tecidos. Esse laboratório integra estrutura do SENAI no município de Brusque que também
oferece vários cursos em nível técnico, devendo-se ressaltar os de Técnico Têxtil e de Técnico
em Vestuário, com demanda crescente (ROCCA, 2003). A rigor, o papel do SENAI de
Brusque parece ter sido básico na trajetória lograda pelas atividades de produção de vestuário
locais. Ostentando iniciativas como a aquisição de sistema CAD/CAM, em meados da década
de 1990, e o favorecimento do acesso das empresas interessadas nessa tecnologia – com
repercussões sobretudo entre as de menor porte –, a agência teria favorecido a “proliferação
de profissionais voltados à produção de malhas, à talhação, à modelagem, à costura, à
implementação de sistemas computadorizados de aproveitamento de tecido ou malha (...).”
366
(HENSCHEL, 2002, p. 55). A proliferação de empresas de menor tamanho, a reboque da
formação técnica proporcionada localmente e favorecida pela existência de um mercado de
maquinário de segunda mão, parece uma trajetória indissociável da atuação do SENAI em
Brusque.
A FURB, como instituição universitária, combina atividades de natureza educacional e
atividades nos campos da pesquisa tecnológica e da prestação de serviços. Essa instituição
oferece, de interesse para a indústria têxtil-vestuarista, formações em Química Têxtil, Moda,
Estilismo e em Engenharia Química. No terreno da pesquisa e dos serviços às empresas, o seu
desempenho tem a ver com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de Blumenau (IPTB),
criado em 1972 e que desenvolve, em meio a fortes interações com os departamentos de
engenharia da universidade, projetos de pesquisa direcionados à inovação de produtos e
processos. Embora o principal dessas atividades de investigação científica relacione-se a áreas
como o refino de petróleo, vários desses projetos mostram-se de interesse direto para a
indústria têxtil-vestuarista. Vale destacar que a atuação do IPTB escora-se em infra-estrutura
que dispõe de modernas condições laboratoriais, com equipamentos de última geração.
As fontes e formas de capacitação que se referem à atuação de instituições locais
aparecem indicadas de forma esquemática no Quadro 3.7.1, que lista a maioria dos integrantes
mais importantes da base institucional do arranjo (incluindo os que operam em coordenação e
“auto-ajuda”), assinalando os respectivos campos de atuação com maior destaque.
ÁREAS DE ATUAÇÃO INSTITUIÇÕES Coordenação e/ou
“auto-ajuda” Ensino (de vários tipos
e em vários níveis) Ensino e pesquisa
Serviços tecnológicos e laboratoriais
ACIB X SINTEX X Outras associações empresariais
X
Sindicatos de trabalhadores X
SENAI (geral) X FURB X X FEBE X FERJ X CTV/SENAI X X X CETTEX/SENAI X X FBET X CEPETEX X LEFQT/SENAI X IPTB/FURB X LANAE/SENAI X Fonte: Campos, Cário e Nicolau (2000); Henschel (2002); Lins (2000a); Lombardi (2001); Rocca (2003). Quadro 3.7.1 - Integrantes selecionados do tecido institucional e áreas de atuação respectivas
367
3.7.2.2 Fontes e formas de capacitação externas ao arranjo
Conforme sublinhado anteriormente, a incorporação de máquinas e equipamentos
novos ao parque têxtil configura uma importante forma de capacitação tecnológica no arranjo
do Vale do Itajaí. Trata-se, ao que tudo indica, da forma mais importante de absorção de
inovações para os fabricantes locais. Isso tem a ver com a própria condição de absorvedora de
inovações provenientes de outros setores industriais que a indústria têxtil-vestuarista ostenta,
de uma forma ampla. Assim, a renovação dos bens de capital, traduzida, por exemplo, no
aumento da proporção do maquinário com dispositivos de base microeletrônica, tem se
revelado um instrumento privilegiado de capacitação tecnológica na área (RODRIGUES et
al., 1996), ainda que tal processo não tenha realmente se disseminado entre os diferentes tipos
de empresas. Este tipo de limitação é observado, assinale-se, na cadeia têxtil em escala
nacional (GARCIA, 2000).
A atualização no maquinário, articulada às possibilidades representadas pelo uso mais
intenso de insumos modernos – tais como fibras, fios e tecidos sintéticos –, e acompanhada
tanto pela progressão no uso de tecnologias CAD quanto pela decorrente multiplicação (e/ou
pelo fortalecimento) dos laboratórios pertencentes às empresas – favorecendo e sustentando
desenvolvimentos no terreno da criação –, constitui um aspecto maior da capacitação em nível
de arranjo. Não é desprovido de significado o fato de tal processo ter reverberado na esfera da
mão-de-obra, provocando uma aparente maior freqüência a cursos para formação e/ou
aperfeiçoamento/qualificação, oferecidos no âmbito do arcabouço institucional, pelo SENAI
em primeiro lugar.
Nessas circunstâncias, não admira que os vínculos com fornecedores figurem entre as
principais fontes de informações para a realização de inovações, um vetor quase tão decisivo
quanto as relações com clientes, segundo captado por Campos, Cário e Nicolau (2000). No
que tange às relações com fornecedores, cabe mencionar a importância das interações com os
de insumos químicos, que representam fluxos de informações tecnológicas relevantes para as
operações de acabamento, estamparia e tingimento. Tais fluxos ombreiam-se em importância,
na verdade complementado-os, com os que envolvem os fornecedores de máquinas e
equipamentos. Essas fontes e formas de capacitação mostram-se externas ao arranjo, pois,
como destacado anteriormente, os fornecedores situam-se, no essencial, em outras regiões do
Brasil e (particularmente no que diz respeito ao maquinário) em outros países. Tais fontes
externas englobam, igualmente, centros tecnológicos situados no exterior do arranjo, em
certos casos situados no exterior do país, conectados por meio de acordos com instituições
368
locais. O mesmo pode ser dito, no que concerne ao peso das fontes externas ao Vale do Itajaí,
sobre os clientes, de um modo geral: conforme assinalado anteriormente, os destinos das
vendas apresentam localizações amplamente diversificadas.
A Tabela 3.7.15 reúne informações sobre as interações protagonizadas por uma
amostra de empresas na segunda metade dos anos 90, diferenciando segundo a localização (se
interna ou externa ao arranjo) dos interlocutores. Aparece com destaque o crescimento das
interações com fornecedores de insumos, bens de capital e com clientes, situados fora do
arranjo.
Tabela 3.7.15 - Interações de grandes e médias empresas têxteis-vestuaristas do Vale do Itajaí
na segunda metade dos anos 1990 EMPRESAS E INSTITUIÇÕES
PARTICIPAÇÂO DAS EMPRESAS (1) Clientes Concor-
rentes Fornec. Insumos
Fornec. Máq. e equip.
Centros tecnológicos
Univer- sidades
Sindicatos e associações
Órgãos públicos
Forte dimin. 0 30,8 0 8,3 6,2 7,7 12,5 21,4
Diminuição 6,2 15,4 0 0 0 7,7 0 0 Estável 31,3 38,5 20,0 50,0 56,3 46,1 56,3 42,9 Aumento 50,0 7,7 60,0 41,7 31,2 38,5 18,7 28,6
Relações no Arranjo
Forte aum. 12,5 7,7 20,0 0 6,3 0 12,5 7,1 Forte dimin. 0 15,4 0 0 18,2 40,0 37,5 20,0
Diminuição 0 23,1 0 0 0 0 0 10,0 Estável 0 53,8 31,3 25,0 36,4 40,0 37,5 30,0 Aumento 73,7 7,7 43,7 56,3 36,3 20,0 12,5 40,0
Relações extra-arranjo
Forte aum. 26,3 0 25,0 18,7 9,1 0 12,5 0
Fonte: Campos, Cario e Nicolau (2000). Dados referem-se a uma amostra de 19 empresas. (1) Valores de participação em percentual.
Outras fontes de capacitação-informação também merecem ser referidas, embora
apareçam em posições claramente secundárias para as empresas. Para os produtores de maior
porte, cujas estruturas favorecem uma certa assiduidade na freqüência aos grandes eventos –
oportunidades em que são apresentadas as tendências do mercado –, as feiras e outros
acontecimentos do gênero possuem alguma importância, seja no Brasil, seja (talvez
principalmente) no exterior. Para as empresas menores, este é mais raramente o caso,
inclusive porque os avanços nas tecnologias de comunicação possibilitam, de uma forma ou
de outra, o acompanhamento dos processos em curso em diferentes latitudes. Já os veículos de
informação na forma de publicações especializadas não gozam de realce particular, como
mecanismos de difusão de informações e de fontes de capacitação, nas opiniões das empresas.
369
3.7.3 Cooperação e governança
No debate sobre as aglomerações produtivas, o termo governança tem sido geralmente
utilizado para referir ao conjunto de atores e aos arcabouços institucionais presentes no
território, assim como às regras que interferem nas interações internas – de certo modo
“coordenando” tais vínculos – e afetam as relações com outros atores e territórios (cf., por
exemplo, BENKO e LIPIETZ, 1995, e STORPER e HARRISON, 1991). O tema da
cooperação situa-se de corpo inteiro nos campos da reflexão e da propositura de iniciativas
com respeito à governança: de acordo com Gilly e Pecqueur (1995), a “proximidade
institucional, (...) que assegura a coesão social dos sistemas produtivos locais, repousa em
lógicas de ações coletivas baseadas em convenções e instituições locais criadas, adaptadas
e/ou compartilhadas pelos atores.” (p. 307).
Esse preâmbulo é suficiente para ressaltar que, na abordagem do binômio governança-
cooperação a respeito do arranjo têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí, diferentes tipos de atores
locais fazem notar o seu envolvimento, fato que, não obstante, está longe de significar um
quadro de homogeneidade no que se refere a tal assunto.
3.7.3.1 Principais atores participantes em atividades de coordenação e mobilização coletiva
Não parece equivocado considerar que o perfil da governança no arranjo, favorecendo
a configuração de alguns espaços para cooperação – seja interfirma, seja entre os tecidos
empresarial e institucional –, é determinado predominantemente pelos organismos de
representação e defesa dos interesses dos produtores. Trata-se, em primeiro lugar, do SINTEX
e da ACIB, em Blumenau, e também da Associação de Médias e Pequenas Empresas de
Brusque (AMPEbr), mesmo que outras estruturas de natureza semelhante operem em
municípios vizinhos.
O SINTEX, já mencionado anteriormente, congrega empresas distribuídas em quase
duas dezenas de municípios do Vale do Itajaí e prioriza, no seu modo de funcionamento, a
distribuição de informações relevantes para os associados, a manutenção e a
operacionalização de comissões técnicas sobre questões específicas de interesse dos
fabricantes, o acompanhamento da normatização técnica nos diferentes segmentos da cadeia
produtiva e o apoio aos interesses patronais baseado no funcionamento de comissões de
370
arbitragem voltadas para conflitos trabalhistas e comerciais. A ACIB, também já aludida,
mantém diversos tipos de serviços para seus associados, promove vários tipos de atividades
consideradas de utilidade para seus integrantes e defende os interesses das empresas em várias
esferas, incluindo os diferentes níveis de governo. Mas esta instituição mostra-se igualmente
“consolidada como entidade consultiva da administração pública, participante de várias
comissões deliberativas do Executivo Municipal, principalmente no que toca às ações
comunitárias e de incentivo ao desenvolvimento econômico do município”. (LOMBARDI,
2001, p. 136). A AMPEbr, de sua parte, tem operado como organismo de coordenação e
defesa dos interesses do pequeno e médio empresariado brusquense, cumprindo um papel
decisivo na promoção do segmento de vestuário municipal, como se sublinhará
posteriormente.
Atribui-se destaque a esses organismos porque, ao que tudo parece indicar, derivou de
suas manifestações, pressões e iniciativas muito do que foi realizado no arranjo sob o signo da
ação coletiva, pedra angular da governança. Embora não se possa descartar a presença de um
certo voluntarismo específico em outras esferas – poder público local, instituições de ensino e
pesquisa e centros tecnológicos –, em algumas iniciativas próprias que certamente se fizeram
notar em diferentes circunstâncias, as evidências disponíveis sugerem que o papel dos
organismos de representação e defesa dos empresários, concentrando funções de coordenação
e a prática da “auto-ajuda”, tem sido decisivo na trajetória do arranjo. Essa indicação não deve
fazer pensar, é importante advertir, que aquelas entidades têm atuado de forma amplamente
satisfatória. Significa tão-somente que estariam a pertencer ao seu leque de ações algumas das
principais iniciativas protagonizadas na área.
De fato, as empresas pouco cooperam por sua própria conta. Isso é devido, por um
lado, à própria configuração dos setores em questão, em que a diferenciação de produtos é
elemento básico da concorrência, pouco estimulando, em virtude disso, vínculos cooperativos
horizontais, por exemplo. Mas esse traço é ainda potencializado por um individualismo
exacerbado e pela predominância de espírito de rivalidade que dificulta interações mais
conseqüentes, conforme detectado em vários estudos (FERREIRA, 2000; LINS, 2000b;
LOMBARDI, 2001; MEYER-STAMER, 1999). Por outro lado, o fato de a maior parte dos
fornecedores e clientes estar localizada no exterior do arranjo significa que as relações de
cooperação de cunho vertical – que se intensificaram nos anos 1990 – representam o
adensamento de vínculos sobretudo extra-locais, em vez de se materializarem numa maior
cooperação local realmente “espessa”. Houve crescimento nas interações entre fabricantes e
fornecedores de bens de capital e de insumos no interior do arranjo, mas, como já enfatizado
371
na Tabela 3.7.14, a intensificação dos vínculos com fornecedores extra-regionais foi muito
mais forte.
Contribui igualmente para esse cenário de relações interfirmas majoritariamente
rarefeitas uma considerável resistência das maiores empresas à desverticalização produtiva.
Ferreira (2000) notou, estudando as principais empresas do segmento cama-mesa-banho, que
isso decorre principalmente de problemas ligados ao controle de qualidade, já que em
diferentes casos estaria a preponderar um sentimento de desconfiança acerca da eficácia das
firmas subcontratadas em relação a esse controle. A isso adiciona-se o desestímulo alimentado
pela frustração de tentativas no passado, como nas ocasiões em que se tentou – sem sucesso –
instalar uma central de compras de algodão que operasse a contento e criar uma empresa que
fornecesse fios de algodão aos produtores (FERREIRA, op. cit.) Não se pode também afastar
a possibilidade de que um certo espírito de auto-suficiência, ao que parece típico do
empresariado de origem germânica que atua no Vale do Itajaí, tenha influência. Ferreira (op
cit.) e Lombardi (2001) chamam a atenção para esse aspecto, e impressões captadas mediante
entrevistas com empresários estariam a indicar que tal fator não deveria ser desconsiderado:
perguntado sobre as razões pelas quais o empresariado do Vale do Itajaí mostra-se tão
refratário às ações conjuntas, um destacado fabricante sublinhou que os empresários locais de
origem alemã fazem questão de mostrar para seus pares que são capazes de vencer sozinhos
(LINS, 2000a).
Contudo, a prática da subcontratação cresceu no Vale do Itajaí. Diante das novas
condições de concorrência impostas pela liberalização comercial dos anos 90, reduzir custos
tornou-se providência irrecusável para muitas empresas, e a transferência de etapas dos
processos produtivos para capacidades externas foi considerada medida capaz de gerar
resultados nessa direção. Isso foi observado entre as pequenas e médias empresas: de 33
PMEs pesquisadas por meio de entrevistas nos municípios de Blumenau, Brusque e Jaraguá
do Sul, nada menos que 21 (64%, portanto) terceirizavam processos produtivos, e 13
apareciam como tomadoras de encomendas, sendo que algumas operavam simultaneamente
como subcontratantes e subcontratadas, conforme Tabela 3.7.16. Mas esse mecanismo de
redução de custo foi utilizado também por grandes empresas: a Cia. Hering, fiel ao anunciado
propósito de concentrar as suas atividades em funções “nobres” da cadeia produtiva (criação,
marketing) e de distribuir a produção entre faccionistas capazes de fabricar com qualidade e
no marco da flexibilidade2, “criou” um espaço de subcontratação que em alguns períodos se
2 Segundo assinalado em palestra proferida por um diretor da empresa na 5ª Reunião Especial da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, ocorrida em Blumenau em setembro de 1997.
372
desdobrou entre o Vale do Itajaí e municípios do sul de Santa Catarina, envolvendo unidades
produtivas também na região da Grande Florianópolis (LINS, 2002).
Tabela 3.7.16 - Subcontratação envolvendo PMEs têxteis-vestuaristas de Blumenau, Brusque e Jaraguá do Sul na segunda metade dos anos 1990
INDICADORES NÚMERO DE EMPRESAS TOTAL DE EMPRESAS ENTREVISTADAS 33
Número de empresas subcontratantes Atividades transferidas em subcontratação - Costura - Tingimento - Bordado - Acabamento - Corte - Estamparia - Fiação - Fabricação de acessórios - Flanelagem - Engomagem Vantagens da transferência de atividades em subcontratação - Economia com salários e encargos sociais - Menores gastos com maquinário e instalações - Flexibilidade no uso da mão-de-obra e na produção - Possibilidades de aumentar a produção sem maiores custos
21
19 5 4 4 3 3 2 1 1 1
15 6 4 3
Número de empresas subcontratadas Atividades realizadas como subcontratada - Costura - Tingimento/estamparia - Lavação/passadoria - Tecelagem - Corte - Acabamento - Fiação - Flanelagem Principais vantagens da tomada de encomendas - Amplo uso da capacidade instalada - Garantia de negócios - Maior faturamento - Produção sem interrupção
13
6 4 3 1 1 1 1 1
7 4 1 1
Fonte: Pesquisa direta nas empresas.
Note-se que essa iniciativa da Hering deve ser vista em relação com a sua estratégia –
que estaria a caracterizar igualmente outras grandes empresas da região, como a Marisol – de
valorização de marcas baseada no lançamento de artigos que acompanham as tendências da
moda no plano mundial (CARDOSO, 2002). Trata-se de encaminhamento de ações a partir
das quais essas empresas, conhecidas no país inteiro muito mais como grandes fabricantes de
artigos de vestuário com base em malha, possam vir a conquistar posições também como
fazedoras de moda, ao invés de principalmente como fabricantes com grandes escalas de
produção. Pode-se dizer que o caminho percorrido nessa direção por algumas empresas de
maior porte, e também por certas empresas menores, parece promissor, a ponto de autorizar
manchetes como “moda ganha status profissional em SC” (VIANA, 2001c). Cabe salientar
que esse tipo de “movimento das grandes empresas é fundamental para a manutenção da
373
governance da cadeia, na relação com os outros participantes. Neste sentido, está associado à
formação de mercado através de marcas. (...) A necessidade de grandes empresas nacionais na
ponta do mercado é absolutamente fundamental para o desenvolvimento sustentado da
indústria têxtil-confecções local” (FLEURY et al., 2001, p. 57).
De toda maneira, não se pode dizer que o aumento da subcontratação representou um
maior grau de cooperação no Vale do Itajaí. As atividades subcontratadas dizem respeito,
antes de tudo, à costura (Tabela 3.7.16, já apresentada), quer dizer, tanto à montagem de
artigos de vestuário – com peças já cortadas nas empresas que transferem a produção – quanto
ao acabamento de outros artigos têxteis confeccionados (toalhas, por exemplo). Assim, na
maior parte dos esquemas de subcontratação, trata-se de vínculos pautados muito mais no
interesse em descarregar em capacidades produtivas externas as vicissitudes representadas
pela pressão da concorrência e pelas oscilações do mercado, sem representar formação de teia
de relações efetivamente densas e, por assim dizer, estruturais.
Portanto, é na esfera de ação do SINTEX e da ACIB, muito mais do que na das
relações individuais entre firmas, que aparecem situadas algumas das iniciativas de maior
visibilidade no arranjo, no tocante à questão da governança. Campos, Cario e Nicolau (2000)
identificaram o envolvimento de ambas as instituições em diferentes tipos de ações. São
medidas, por exemplo, de cunho infra-estrutural, como a referente à construção de um aterro
sanitário destinado a mitigar as agressões ambientais – particularmente preocupantes em
virtude da configuração física regional, em que sobressai a “forma bacia hidrográfica” –
provocadas pelos dejetos/efluentes das empresas (envolvendo substâncias como solventes e
tintas em geral). São também ações de defesa dos interesses dos produtores junto ao poder
executivo estadual que concerne à criação e regulamentação do já mencionado PRODEC
Têxtil, um importante instrumento de incentivo fiscal especialmente para investimentos em
modernização produtiva. Cabe assinalar ainda ações direcionadas às duas principais
instituições de ensino superior e técnico-tecnológico da área – a FURB e o SENAI –
objetivando a criação, pela ordem, de curso superior de moda e de curso técnico em vestuário.
E deve-se mencionar igualmente a iniciativa para a criação de um Centro Internacional de
Negócios, uma estrutura de promoção das exportações têxteis e vestuaristas com alvo
privilegiado nas empresas de menor porte.
Além desses movimentos, o SINTEX e a ACIB têm participado na promoção de
eventos de interesse da indústria têxtil-vestuarista, tais como feiras e seminários, e têm
igualmente apoiado e estimulado ações dirigidas ao aumento da cooperação interfirma em
nível local. Integram as ações com esse perfil o estabelecimento de contatos e, mais do que
374
isso, a contratação de instituições até de alcance internacional, como foi o caso do Instituto
Alemão de Desenvolvimento (IAD) e, conforme destaca Lombardi (2001), da Câmara de
Artes e Ofícios de Munique e Alta Baviera.
O fortalecimento das atividades de ensino universitário e de natureza técnica e
tecnológica que se revelam de interesse da indústria têxtil-vestuarista, envolvendo sobretudo a
FURB e o SENAI, há de ser amplamente considerado em relação às demandas do tecido
empresarial. Falar sobre o SENAI nessa ótica chega a ser ocioso, pois a própria instalação
dessa entidade na região é indissociável da capacidade de organização demonstrada décadas
atrás por um punhado de grandes empresas, mas vale ressaltar que, no que diz respeito a
cursos de formação técnica, Blumenau e Brusque têm abrigado os de técnico têxtil, e
Blumenau, Jaraguá do Sul e Rio do Sul, os de técnico em vestuário, todos com duração de
dois anos e incluindo um semestre de estágio supervisionado, com matrículas que tendem à
expansão (Campos, Cario e Nicolau, 2000).
No que se refere à FURB, Lombardi (2001) não deixa margem para dúvidas sobre a
articulação entre as atividades desta e as necessidades e demandas do empresariado local: “em
estreita correlação com a demanda de profissionais para o setor têxtil, a Universidade sustenta
cursos de graduação específicos como Química Industrial, Moda e Engenharia Elétrica. As
grades curriculares dos demais cursos, sem exceção, baseiam-se em disciplinas de interesse da
economia local.” (p. 141). Essa mesma relação estreita transparece nas atividades de pesquisa
dessa universidade. A estrutura existente faz sobressaírem o Instituto de Pesquisas
Ambientais, cujo foco privilegiado é a questão das cheias no Vale do Itajaí; o Instituto de
Pesquisa Social, instância de desenvolvimento de diagnósticos e análises sobre a economia
local, com monitoramento dos movimentos em escalas mais amplas, de utilidade (ao que
parece) para o tecido político-empresarial da região; e o Instituto de Pesquisa Tecnológica de
Blumenau, já mencionado. As outras instituições de ensino universitário do Vale – a FEBE e
a FERJ, referidas anteriormente – não apresentam formas de atuação, e muito menos graus de
desempenho, comparáveis à FURB, embora ofereçam formações (em graduação e pós-
graduação) relacionadas a temas de interesse da indústria têxtil-vestuarista.
As atividades de pesquisa e de apoio técnico e tecnológico são igualmente caudatárias,
no que apresentam de mais importante, da ação empresarial. Sobre a já aludida FBET,
instalada na agência do SENAI de Blumenau e que abriga o CEPETEX, Lombardi (2001)
escreve que as respectivas “atividades iniciaram em 1970, como iniciativa de cinco grandes
grupos (...)” (p. 141), a saber, Karsten, Artex, Hering, Teka e Cremer. Em Brusque, o quadro
não é diferente. Foi o engajamento do presidente da Fábrica de Tecidos Carlos Renaux – uma
375
grande e tradicional empresa têxtil desse município –, à frente da Federação das Indústrias de
Santa Catarina na década de 1950, que resultou na instalação de uma agência do SENAI em
Brusque (agência que, sintomaticamente, funcionou durante muito tempo na própria sede do
Sindicato Patronal das Indústrias de Fiação e Tecelagem de Brusque e Itajaí). Mais tarde, essa
mesma liderança empresarial logrou criar o Laboratório de Fiação e Tecelagem (LAFITE),
posteriormente transformado no já indicado LEFQT (HENSCHEL, 2002).
Em Blumenau, o passo institucional talvez mais estratégico rumo ao alinhamento do
arranjo com as novas tendências internacionais na produção têxtil-vestuarista – o relativo à
instalação, no âmbito do SENAI, do já assinalado Centro de Tecnologia do Vestuário (CTV),
idealizado para imprimir dinamismo nas atividades de criação (design, moda) –, beneficiou-se
amplamente do envolvimento das empresas: as dificuldades enfrentadas pelo SENAI para
montar uma estrutura fabril adequada à formação de mão-de-obra têxtil foram contornadas
mediante parceria com cerca de dez empresas, em cujas instalações passou a ocorrer a
formação prática que complementa a formação teórica ministrada nas dependências daquela
instituição (ROCCA, 2003).
Claro que as instituições tecnológicas têm, elas próprias, um importante papel na
governança. Conforme registrado por Rocca (2003), o CTV, após obter o seu credenciamento
junto ao MEC em 2001, pode operar como centro de ensino tecnológico, função que cumpre
paralelamente à de coordenação da Câmara da Moda, criada no âmbito da Secretaria de
Desenvolvimento Econômico da Prefeitura Municipal de Blumenau e que engloba várias
outras instituições, como o SEBRAE, a ACIB, a FURB e a Associação das Micro e Pequenas
Empresas (AMPE). As parcerias de que participa o CTV têm alcance inclusive internacional,
como a que envolve o Instituto Europeu de Design, instalado na Itália, um atributo que
contribui para que se possa considerar aquele centro tecnológico como um ator local de
relevo, com tendência a ter essa condição ampliada e fortalecida.
Entretanto, isso não deve ofuscar o fato de que as relações das empresas com as
instituições que prestam serviços tecnológicos, incluindo os laboratórios e centros
tecnológicos e a própria universidade, carecem de uma maior intensidade. Campos, Cario e
Nicolau (2000) descobriram, para uma amostra de fabricantes, que as relações das grandes e
médias empresas com esse aparato tecnológico local apresentam uma freqüência apenas
regular, concentrando-se na demanda por testes e por procedimentos de certificação e,
secundariamente, no desenvolvimento de novos produtos. Entre as empresas de menor porte,
o recurso aos serviços prestados pelas instituições locais é bem menos freqüente. A maioria
sequer recorre a tais serviços, seja para o que for, e as poucas que o fazem buscam somente
376
informações. As instituições são procuradas, acima de tudo, pelo que proporcionam no campo
do ensino, já que essas entidades tecnológicas também atuam na formação de mão-de-obra e
em educação (FURB, SENAI).
É importante ressaltar que a escassa demanda das empresas maiores pelos serviços
tecnológicos e por parcerias com vistas à inovação, no âmbito do arranjo, prende-se à maior
importância por elas atribuída a outras fontes de informações e ao papel de atores situados
extra- regionalmente. Os fornecedores de bens de capital e de insumos despontam nesse
conjunto, conforme já enfatizado. Tampouco é desprezível, na configuração desse quadro, a
capacidade demonstrada pelas principais empresas em buscar apoio na forma de consultorias,
por exemplo, em outros estados ou mesmo no exterior. Adicione-se ainda o fato de que as
empresas maiores parecem considerar insuficientes, para atender a algumas demandas
específicas, as condições oferecidas pelas instituições locais, ao que se agrega, para explicar a
pouca procura pelos serviços, a própria auto-suficiência de alguns produtores (op cit.).
Não obstante o que parece ser um papel preponderante das instituições na canalização
das interações e no “exercício” da governança, a trajetória local registra iniciativas
interessantes de relações cooperativas interfirmas em áreas que se pode designar “não
competitivas”. Vale destacar principalmente as medidas que resultaram no Centro Eletrônico
Têxtil de Blumenau (CETIL), criado no começo dos anos 1970 para desenvolver softwares
destinados à gestão empresarial na indústria têxtil-vestuarista (programas para gerar folhas de
pagamento e planilhas de custos, por exemplo). A idéia inicial era canalizar etapas das
atividades administrativas das empresas para o referido centro de processamento, uma
proposta que nos seus primeiros passos despertou considerável ceticismo em diversos
empresários, mas acabou bem sucedida. Realmente, dezenas de empresas encontram-se hoje
vinculadas à instituição, várias delas com reconhecimento no campo dos programas para a
produção industrial. O CETIL também foi importante fonte de spillovers locais, pois houve
casos de funcionários que depois criaram as suas próprias empresas de softwares, em especial
a partir do final da década de 1980. Empresas incubadas no sistema CETIL conseguiram
granjear reputação nacional na produção de softwares aplicativos, o que contribuiu para
projetar a região de Blumenau na esfera do gerenciamento informatizado com utilização em
diferentes segmentos da cadeia têxtil (LOMBARDI, 2001).
377
3.7.3.2 Caracterização das ações coletivas protagonizadas
A conjuntura de crise para a indústria têxtil-vestuarista nos anos 1990 suscitou
iniciativas interessantes no arranjo, promovidas sobretudo pelas instituições de coordenação.
Como essas instituições representam e defendem os interesses das empresas, tendo em vista
que as congregam e canalizam as suas demandas e necessidades, as iniciativas referidas
aparecem como importantes ilustrações de ação coletiva no seio do empresariado. Dessa
maneira, tais instituições podem ser vistas como espaços por excelência de colaboração inter-
empresarial, a qual, no plano das relações diretas entre as empresas, sem mediação
institucional, tende a se revelar pobre, como já exposto. Entretanto, não se deve depreender
disso que a década de 1990 assistiu ao pleno florescimento do sentido de cooperação
interfirma por meio do papel cumprido pelas instituições. Indica simplesmente que a
percepção sobre a magnitude dos desafios frutificou de forma até certo ponto promissora.
As iniciativas apresentam-se variadas, envolvendo desde a busca coletiva de
informações sobre experiências internacionais com vistas a nutrir medidas de promoção local,
até a criação de infra-estrutura tecnológica e de formação de recursos humanos capaz de
favorecer um melhor alinhamento do tecido produtivo com as tendências da indústria têxtil-
vestuarista no plano mundial. Tudo converge para o interesse em promover a evolução do
arranjo rumo a um patamar de competitividade mais elevado.
Em Blumenau, uma importante iniciativa, que transcendeu consideravelmente a escala
individual no enfrentamento das dificuldades, foi registrada em 1996 (no auge da crise
associada à concorrência dos produtos importados), com o envolvimento decisivo de uma
expressiva liderança empresarial no meio têxtil-vestuarista regional. Descrito por Meyer-
Stamer (1999), o movimento em questão consistiu primeiramente na organização de uma
viagem de empresários locais à Itália para observar e obter informações sobre best practice na
cadeia têxtil, “particularmente em termos de relações interfirmas e de um ambiente meso de
suporte altamente desenvolvido” (p. 460). A partir desse contato com uma realidade setorial
externa em que se observa atenção especial para os aspectos de competitividade que se
impõem internacionalmente, firmas médias e grandes do Vale do Itajaí deram início a um
processo de diálogo e interações com o objetivo de pavimentar o caminho em direção à
“eficiência coletiva”, quer dizer, a uma situação na qual as economias externas (vistas como
resultado incidental da proximidade entre os agentes) mostram-se acompanhadas, nas
aglomerações produtivas, por ação conjunta, de natureza cooperativa (vista como um
resultado não incidental, e sim como expressão de voluntarismo) (SCHMITZ, 1995). A
378
identificação dos pontos fracos das empresas, a melhoria dos fluxos de informações entre
fabricantes, a promoção de cursos de formação/aperfeiçoamento e o estímulo à cooperação
entre as firmas, de uma parte, e a FURB, de outra, figuraram entre os primeiros passos
ensaiados naquele sentido.
A própria transformação do Centro de Educação e Tecnologia do SENAI de Blumenau
em Centro de Tecnologia do Vestuário, já mencionada, merece ser registrada entre as
iniciativas de cunho institucional implementadas para fortalecer o arranjo têxtil-vestuarista no
tocante à capacitação tecnológica e à capacitação de recursos humanos, mirando nas
inovações e na melhoria da competitividade. Diversas medidas, protagonizadas no âmbito do
SENAI de Blumenau, permeiam essa iniciativa: o aprimoramento da formação em estilismo,
criação e desenvolvimento de moda; o convênio com o Instituto Europeu de Design,
localizado na Itália; o avanço na criação de uma Modateca (acervo sobre moda) e da já
assinalada Câmara da Moda, entre outras providências (VIANA, 2001c). Outros contatos com
o exterior não devem ser desconsiderados. Lombardi (2001) registra que, em 1998, a abertura
do 6º Congresso Nacional de Tecnologia da Confecção (CONTEC), realizado em Blumenau,
contou com palestra de um especialista italiano – diretor da Associazione Impresariale di
Milano – sobre o modelo de organização industrial que caracteriza a produção têxtil-
vestuarista em áreas como Milão e Prato, onde as empresas, entre elas numerosas PMEs,
fabricam artigos de alto valor agregado, com elevado conteúdo em moda e estilo.
Essa última iniciativa insere-se no rol de medidas protagonizadas por entidades como
o SINTEX e a ACIB, objetivando intensificar o contato do tecido produtivo do arranjo com
especialistas e, de um modo geral, com competências externas. É ação com natureza
semelhante à das parcerias com o italiano Instituto Europeu de Design, com o Instituto
Alemão de Desenvolvimento e com a Câmara de Artes e Ofícios de Munique e Alta Baviera,
salientadas anteriormente.
Ainda em Blumenau, iniciativas promovidas pelas estruturas institucionais, ou
provocadas e encaminhadas no âmbito destas, materializaram-se, por exemplo, na criação da
Expotêxtil (atualmente Textfair), uma importante feira que representa oportunidades de
negócios principalmente para as PMEs. A criação de alguns espaços de vendas (outlet centers,
centros industriais e comerciais, “calçadões” de negócios) que se prestam às necessidades das
PMEs, absorvendo igualmente artigos de empresas maiores que aproveitam o “turismo de
compras”, também merece registro no conjunto de procedimentos realizados com vistas a
promover a comercialização. Embora boa parte desses espaços tenha deixado de existir em
Blumenau, esse tipo de iniciativa deve ser mencionado até para estabelecer um contraponto
379
(devido aos seus alicerces, ao que tudo indica, comparativamente mais frágeis) com o que se
observou no vizinho município de Brusque).
Com efeito, foi em Brusque que a conjugação de esforços para a criação de um aparato
adequado à comercialização ganhou dimensões realmente amplas, muito mais conseqüentes
do que na área de Jaraguá do Sul, outro município do arranjo onde outlet centers e outras
facilidades do gênero foram instalados. Portanto, é principalmente em Brusque que podem ser
identificadas iniciativas de base institucional que se enfeixam na problemática da ação
conjunta voltada à promoção das vendas, com reflexos na produção.
Remonta aos anos 1980 o destaque de Brusque no comércio de pronta entrega de
artigos de vestuário, despontando no Vale de Itajaí e em Santa Catarina. Esse comércio era
caracterizado por numerosos pontos de venda, pertencentes a fabricantes, instalados ao longo
da Rua Azambuja. Com pouco menos de dois quilômetros de extensão, essa rua liga a área
central de Brusque ao Santuário de Azambuja, que forma parte de um complexo religioso –
desdobrado também em outros municípios próximos, como Nova Trento, onde o processo de
santificação de Madre Paulina consolidou o caráter de foco de peregrinação – que atrai fiéis
em quantidades consideráveis. Os primeiros passos do comércio de pronta-entrega deveram-
se às iniciativas de algumas poucas empresas locais para explorar o potencial comprador do
“turismo religioso”, movimentos que se traduziram na construção de um primeiro centro
comercial já em 1980. A “explosão” desse comércio só ocorreria, contudo, no começo dos
anos 1990: Henschel (2002) informa que entre 1989 e 1994 o número de pontos de venda
passou de cerca de 100 para 1.500, na forma de lojas seja isoladas, seja no interior de centros
comerciais. Na base dessa evolução, figurou amplamente o “turismo de compras”
protagonizado por “sacoleiros” que adquiriam em grandes quantidades para posterior revenda
em suas áreas de origem, dentro e fora de Santa Catarina. A movimentação apresentava
grandes números: algo como 2.500 pessoas todos os dias, com ônibus que se contavam às
dezenas. É sugestivo que rapidamente tenha sido criada uma Associação Industrial e
Comercial da Rua Azambuja (AICA).
A situação mudou completamente a partir da implementação do Plano Real, com a sua
política de câmbio valorizado. Os “sacoleiros” passaram a enfrentar a concorrência de
produtos importados de baixo preço nas suas próprias áreas de revenda e/ou passaram a poder
comprar, eles mesmos, tais produtos estrangeiros, e reduziram paulatinamente a sua presença
no comércio de pronta-entrega brusquense. Como a estrutura de comercialização montada na
Rua Azambuja carecia de um melhor preparo e de infra-estrutura – pois a escalada das vendas
permitira o funcionamento de várias lojas desprovidas de uma melhor profissionalização e
380
sustentação, e também não representou barreiras para deficiências como falta de
estacionamento e precariedade de diversos serviços – o setor de comércio não conseguiu
reagir. Enquanto as vendas se multiplicavam, os problemas eram praticamente imperceptíveis
(ou não se lhes prestava atenção), mas, quando a conjuntura foi revertida, tornou-se evidente
que os alicerces das atividades comerciais na Rua Azambuja eram bastante frágeis.
O quadro tornou-se crítico quando um novo espaço de comercialização passou a
ganhar vulto na área: o da Rodovia Antônio Heil, um pouco distante do centro da cidade,
cujos primeiros passos no comércio de pronta-entrega haviam sido dados em 1991 por conta
da instalação da Feira Industrial Permanente (FIP). Esse outro espaço já mostrava vitalidade
mesmo durante o período de auge das atividades na Rua Azambuja. Foi a débâcle destas,
entretanto – cujas condições contrastavam inapelavelmente com o que a primeira oferecia em
infra-estrutura, espaço, facilidades sanitárias e para alimentação, além de melhor segurança –,
que abriu caminho para que a área à margem da rodovia se erigisse e consolidasse como o
principal reduto do comércio de pronta-entrega de artigos têxteis e de vestuário não só em
Brusque, mas em todo o Vale do Itajaí.
O papel das instituições de coordenação locais nesse processo merece realce, como
documentado por Henschel (2002). Em 1995, quando o declínio das atividades da Rua
Azambuja já se mostrava claro, a AICA programou uma convenção de guias de excursões
(responsáveis pela organização de viagens de “sacoleiros” para a cidade) visando
reconquistar-lhes a confiança e tentar encontrar coletivamente possibilidades de saída para a
crise. A reconquista da confiança fazia-se necessária porque vários comerciantes, ao se verem
duramente afetados pela retração das vendas, simplesmente deixaram de pagar as combinadas
comissões aos guias. Isso ocorreu ao mesmo tempo em que os comerciantes instalados no
novo espaço comercial, na Rodovia Antônio Heil, encontravam-se pagando comissões que em
alguns casos alcançavam 12% do valor das vendas. Além desse problema, e não obstante as
criticadas deficiências no atendimento aos clientes, as empresas da Rua Azambuja não
vinham mostrando interesse pelos cursos de aperfeiçoamento de mão-de-obra oferecidos pela
AICA. Como fator agravante, as empresas demonstravam falta de união na divulgação do
comércio local como um todo e na adoção de preços diferenciados para vendas a atacadistas.
Ao que tudo indica, a convenção realizada pela AICA não frutificou: de um lado, os clientes
eram poucos e cada empresa só olhava os seus próprios interesses, disputando compradores
cada vez mais raros; de outro lado, crescia a rivalidade entre os comerciantes da Rua
Azambuja e os da Rodovia Antônio Heil. O pano de fundo tampouco ajudava: como aspecto
dos desdobramentos da política macroeconômica vigente no período, crescia a inadimplência,
381
um processo especialmente desestabilizador pelo fato de que a grande maioria dos
pagamentos realizados no comércio de pronta-entrega brusquense envolvia cheques pré-
datados.
A rivalidade crescente e o agravamento da situação de crise culminaram, praticamente,
na extinção do comércio na Rua Azambuja. Uma conseqüência disso foi a transformação da
AICA em Associação de Médias e Pequenas Empresas de Brusque (AMPEbr), muito mais
abrangente no seu funcionamento. Com a entronização do novo espaço de comercialização
em situação de quase exclusividade, as rivalidades parecem ter regredido, e algumas ações de
perfil coletivo mais conseqüentes puderam ser observadas.
Deve-se assinalar, entre essas ações, sobretudo o Pronegócio, iniciado em 1997 e
realizado em duas edições anuais, cada uma voltada para uma coleção específica de artigos de
vestuário, outono-inverno e primavera-verão. Essa iniciativa ficou também conhecida como
Rodada de Negócios, e o modus operandi tem sido o seguinte: compradores potenciais para
produtos de Brusque são selecionados e convidados pela AMPEbr; os produtos expostos são
fabricados por empresas escolhidas por equipe da Associação com base em participações
anteriores no evento e também na situação ostentada pelos candidatos; os produtos são
expostos no hotel reservado para o Pronegócio, o mesmo em que os compradores potenciais
são hospedados. As compras ocorrem diretamente, sem intermediação, mas os fabricantes que
conseguem vender pagam comissão à AMPEbr. Desde a primeira versão, o número de
compradores e de firmas expositoras tem sido crescente, e o volume de negócios tem se
expandido. Conforme contabilizado por Henschel (2002), do primeiro Pronegócio, em agosto
de 1997, ao décimo, em fevereiro de 2002, o número de compradores passou de 32 para 150,
o de fabricantes expositores/vendedores cresceu – embora em trajetória errática – de 83 para
97 e o de peças negociadas expandiu-se de 50 mil para 800 mil, em progressão, além de
rápida, contínua.
Portanto, a consolidação das instalações na Rodovia Antônio Heil como epicentro do
comércio de pronta-entrega no município e na região, com as implicações decorrentes, parece
ter impulsionado, de alguma forma, a colaboração entre empresas em Brusque, mediada por
vínculos institucionais em que se destaca o papel da AMPEbr. Embora seja difícil argumentar
sobre os nexos causais, vale assinalar, por exemplo, que em 1999 foi inaugurado um
consórcio de exportação local que aglutinava 17 fabricantes de artigos de vestuário, com a
meta, naquele momento, de vender para países como Bolívia e Chile. No ano seguinte, foi
encaminhada a realização de convênio entre o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
(SENAC) e a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) para criar em Brusque uma
382
turma do curso de pós-graduação em moda que essa universidade oferece, uma iniciativa que
denota o entendimento, também nesse município (assim como em Blumenau) de que as
atividades de criação – envolvendo avanços em moda e estilismo – são nada menos que
estratégicas para o desenvolvimento industrial local. Também em 2000, no bojo de uma
parceria entre a Associação Comercial e Industrial de Brusque, a Câmara de Dirigentes
Lojistas e a Prefeitura Municipal, concebeu-se projeto intitulado “Criar uma Vantagem
Competitiva em Brusque”, coordenado pela Fundação Empreender, entre cujas tarefas básicas
figurava a realização de um diagnóstico sobre as vantagens e deficiências do setor de pronta-
entrega local.
Como se observa, o arranjo do Vale do Itajaí tem assistido a algumas iniciativas de
perfil coletivo capitaneadas principalmente por integrantes do arcabouço institucional. Além
do que se destacou nos parágrafos anteriores, caberia também referir aos esboços de ação
conjunta voltada à criação de infra-estrutura, como a relativa os aterro sanitário para o
tratamento de efluentes industriais e também aquelas referentes a projetos para racionalizar o
uso de água pela indústria, já mencionados. Cabe enfatizar igualmente, reiterando posições
manifestadas anteriormente, que os avanços nos centros tecnológicos e estruturas laboratoriais
da área representam, de uma forma ou de outra, ações eivadas de um certo sentido
cooperativo, visto que se destinam a suprir necessidades do coletivo de fabricantes e a
contribuir para uma melhoria nas condições locais de funcionamento. Se a situação alcançada
não autoriza um maior entusiasmo a respeito da qualidade e da abrangência das interações em
nível de arranjo, inclusive porque o grau de cooperação entre as empresas é tão baixo que, por
exemplo, a instalação de uma central de compras de insumos nunca pode ser concretizada
(ROCCA, 2003), não há porque desconsiderar que o plano institucional tem constituído um
espaço estratégico na região para canalizar as ações e promover as atividades locais.
3.7.4 Principais vantagens competitivas e entraves ao desenvolvimento
O arranjo têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí reúne várias condições favoráveis ao
desempenho competitivo. Isso se depreende da destacada performance de algumas de suas
principais empresas em mercados nacionais e internacionais. Entretanto, o cenário produtivo
local é igualmente marcado por carências e limitações, representando problemas cujo
equacionamento há de ser privilegiado em medidas de promoção industrial concebidas e
implementadas tanto em escala de Santa Catarina quanto em nível regional.
383
3.7.4.1 Vantagens competitivas
As principais vantagens competitivas derivam da própria configuração sócio-produtiva
observada, em que, na esteira de uma trajetória setorial mais que secular, uma constelação de
empresas de tamanhos, características produtivas e níveis de capacitação diferentes aparece
imbricada com um tecido institucional relativamente “espesso” e ativo, num quadro de grande
proximidade geográfica. Como atributos locais, pode-se verificar, por exemplo, um mercado
de trabalho que oferece diversos tipos de habilidades; vários serviços de apoio aos fabricantes;
dinamismo institucional manifestado em inegáveis aprimoramentos e em avanço das
atividades rumo a funções de sofisticação crescente; e possibilidades de complementaridade
produtiva incrustadas na própria presença de numerosas firmas, cujas interações no interior do
arranjo ostentam graus variados e são geralmente mediadas pelos integrantes do arcabouço
institucional.
O arcabouço institucional vinculado às atividades de ensino e pesquisa constitui, ele
próprio, um atributo de considerável importância. A estrutura do SENAI, notadamente, com
os progressos materializados não só no Centro de Tecnologia do Vestuário, mas também em
outras iniciativas, merece ser assinalada como uma vantagem competitiva importante do
aglomerado. O mesmo pode ser dito sobre o funcionamento da FURB, haja vista a inserção no
tecido produtivo têxtil-vestuarista local que essa universidade registra ao longo da sua
trajetória. O potencial existente em matéria de ensino e pesquisa autoriza considerar que um
estreitamento cada vez maior dessa base institucional com a esfera produtiva há de figurar
como um importante objetivo estratégico na área.
Esse conjunto representa “estoque” de externalidades cujo papel tem sido fundamental
no desenvolvimento do aglomerado: trata-se não somente de economias externas “estáticas” –
ligadas, entre outras coisas, à redução de custos proporcionada pela proximidade –, mas
também de economias externas “dinâmicas” – envolvendo processos de aprendizagem
coletiva mais ou menos espontâneos e socialmente difundidos. Pode-se referir à existência,
assim, de uma espécie de “atmosfera setorial”, impregnada de uma “cultura têxtil-vestuarista”
cuja fermentação ocorreu ao longo de décadas.
Um outro atributo local é o prestígio angariado pelos produtos têxteis-vestuaristas do
Vale do Itajaí em diferentes mercados, o que é fato principalmente para os diversos artigos
dos segmentos cama-mesa-banho. Para esses produtos, a expressão “Vale do Itajaí”
simboliza, praticamente, uma certificação de qualidade.
384
No plano da logística envolvendo transportes e comunicações, o arranjo encontra-se
em posição de contigüidade, ou pelo menos de proximidade, com importantes infra-estruturas.
Em termos rodoviários, cabe referir sobretudo a BR 101 e a BR 470, a primeira apresentando-
se duplicada em toda sua metade norte, desde a capital do estado até o limite com o Estado do
Paraná. No que concerne ao transporte marítimo, de cabotagem ou de longo curso
(transoceânico e/ou intercontinental), as respectivas funções são cumpridas por dois portos
caracterizados pela grande movimentação de embarque e desembarque: o Porto de Itajaí,
muito próximo a Blumenau, e o Porto de São Francisco, localizado mais ao norte, porém em
sítio praticamente adjacente à área têxtil-vestuarista. Para transporte aéreo, de passageiros ou
de carga, a referência é o Aeroporto de Navegantes, também próximo de Blumenau, assim
como o Aeroporto de Joinville.
No seu todo, essa estrutura parece justificar a conclusão de que o arranjo encontra-se
bem posicionado no tocante às infra-estruturas de transportes e comunicações, mesmo que as
condições dos diferentes representantes dessas infra-estruturas sejam heterogêneas, existindo
a necessidade de investimentos para melhoria e ampliação. Os portos e seus acessos
(especialmente em São Francisco do Sul) fornecem, talvez, os melhores exemplos desse tipo
de necessidade.
3.7.4.2 Carências e limitações
Não obstante a trajetória percorrida, o arranjo apresenta fragilidades. Estas revelam
magnitude principalmente quando se considera a evolução dos modelos organizacionais e das
estruturas de governança que têm marcado a cadeia têxtil-vestuário global nas últimas
décadas. Esses modelos vêm sendo estudados por autores como Gereffi (1994; 1995) e
Kaplinsky (2000), no marco de pesquisas sobre cadeias mercantis globais e cadeias de valor, e
a utilização dos correspondentes termos de análise na abordagem de setores industriais
brasileiros aparece em pesquisas como a realizada sob os auspícios da Fundação Vanzolini
sobre as cadeias produtivas da indústria têxtil baseadas em fibras químicas (FLEURY et al.,
2001).
Fleury et al. (2001) ressaltam que a indústria têxtil-vestuarista brasileira vem se
transformando profundamente num sentido já adotado por outros países, com as grandes
empresas procurando se situar na ponta do mercado e reforçando a sua posição estratégica na
cadeia produtiva. Nesse movimento, tornam-se mais nítidas as funções desempenhadas por
385
“produtores com marca”, por “comercializadores com marca” e por “grandes varejistas”. Os
primeiros referem-se a grandes e médias empresas que tradicionalmente fabricam produtos
completos, com sistemas produtivos integrados e estruturas verticalizadas que abrangem
desde a compra de tecidos até a comercialização dos artigos (de vestuário, por exemplo). Os
segundos são empresas donas de marcas reconhecidas, tradicionalmente concentradas em
atividades de design e marketing e fortemente voltadas à moda – “formando” gostos nos
consumidores –, mas sem envolvimento com a produção. Os terceiros referem-se a redes de
varejo em que a comercialização de produtos têxteis-vestuaristas tem lugar, com
hipermercados e supermercados participando crescentemente e, por via de conseqüência,
apresentando envolvimento, eles próprios, nas cadeias têxteis.
Os “produtores com marca” têm concentrado os seus esforços diretos em atividades
como design, marketing e comercialização, com forte tendência a transferir a produção para
capacidades externas. Para esses atores, a “questão estratégica é entender o cliente em todas
as suas dimensões para poder avaliar gostos e tendências que permitam o design adequado e a
disponibilização do produto no ponto de venda mais apropriado.” (FLEURY et al., op cit., p.
53). Avançar nessa direção reflete a tentativa de assumir papel de liderança na cadeia, criando
possibilidades de governança com base no domínio e na utilização de informações essenciais
à performance em tal escala. Todavia, isso depende de capacitação das empresas em termos
de gerenciamento quer de marcas, quer dos canais de distribuição, assim como no tocante à
operação de pontos de venda. No que respeita à órbita produtiva, implica capacitação em
termos de gestão da cadeia de suprimentos, o que requer, além de densas interações
multidirecionadas, um desenvolvimento de P&D que permita um adequado relacionamento
com fornecedores. E é justamente nesse aspecto que parece residir o principal problema dos
“produtores com marca” no Brasil: segundo Monteiro Filha e Santos (2002), o seu “desenho
organizacional (...) difere do modelo internacional, apresentando ligações tênues e menos
definidas.” (p. 127). Daí ser necessário incentivá-los a “desenvolver um modelo
organizacional produtivo ‘puxado pelo mercado’ com possibilidade de contínuas mudanças
em linhas de produto, marcas globais e regionais e exigindo gerenciamento em escala
condizente, produção ágil, flexível e confiável em termos de entrega.” (op cit., p. 135).
Os termos desse debate parecem úteis para balizar uma apreciação sobre o arranjo
têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí, onde empresas como Hering e Marisol apresentam-se
como grandes “produtores com marca”. Empresas como essas, segundo sugerido por Fleury et
al. (op cit.), estariam aderindo a um modelo de organização próximo aos moldes tratados
anteriormente: no que tange à Hering, tal condição foi de alguma forma assinalada no corpo
386
deste texto (seção 5.1). Utilizar esse referencial é importante porque, na produção têxtil-
vestuarista, a competitividade internacional parece estar cada vez mais condicionada pelo
nível de incorporação, pelas empresas, de padrões de funcionamento em que o comando da
cadeia situa-se nas atividades de design, marketing e vendas, com a produção ocorrendo em
sistemas flexíveis e de repostas rápidas. Nessa perspectiva, uma questão básica é inquirir
sobre o quanto as condições presentes no arranjo têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí
favorecem a constituição de estruturas como as referidas – e, no mesmo diapasão, o quanto a
área pode se beneficiar disso –, dando margem a formas de governança que possibilitam
melhores condições competitivas para as grandes empresas e, a reboque destas, para os
demais integrantes do tecido empresarial, acenando com geração de empregos, dinamizando a
economia e contribuindo para o desenvolvimento local-regional.
Ora, parece contribuir escassamente para a consolidação de uma estrutura de
governança como a que tipifica o modelo organizacional indicado a limitada incidência de
vínculos cooperativos no interior do arranjo. Como se notou, embora algumas interações
sejam observadas, pouco se coopera localmente, praticamente inexistindo parcerias ou
alianças estratégicas voltadas à produção, à comercialização e às relações com fornecedores.
Assim, avançar rumo à constituição de redes integradas de empresas, à colaboração em áreas
pré-competitivas que envolvam a exposição de produtos e a comercialização e ainda às
compras conjuntas de insumos e matérias-primas, por exemplo, é orientação prioritária. Isso
incluiria iniciativas coletivas voltadas à capacitação profissional e ao treinamento da mão-de-
obra, terreno em que os desenvolvimentos recentes nas instituições correspondentes (o
SENAI em primeiro lugar) revelam-se promissores, necessitando, contudo a ampliação e o
aprofundamento.
A capacitação das empresas de menor porte, atores importantes nos modelos
organizacionais em que a governança das grandes empresas se manifesta, entre outras coisas,
pela terceirização produtiva, revela-se essencial no caminho apontado pelas mudanças
recentes. Sobretudo no segmento de confecção, os investimentos em modernização
tecnológica tendem a ser baixos nesse subgrupo empresarial, assim como é geralmente
elevada a informalidade, que reduz a capacidade de investimentos e compromete a eficiência
produtiva. Como o segmento de confecções é o que mais cresce em termos de comércio
internacional, mostrando uma importância cada vez maior na cadeia têxtil-vestuarista
(PROCHNIK, 2002), promover a sua atualização tecnológica e sua modernização
organizacional é nada menos que estratégico. De fato, se para as grandes empresas é
necessário desenvolver a gestão da cadeia de fornecimento (com técnicas de supply chain
387
management) e avançar na desverticalização dos processos de fabricação, para as de menor
porte é fundamental um aprimoramento produtivo que possibilite participação em tais cadeias
com respostas rápidas (técnicas de quick response) e de modo flexível. A grande maioria das
PMEs do Vale do Itajaí certamente não logrou progressos suficientes em tais aspectos.
Diante disso, no Vale do Itajaí mostra-se necessário fazer frente – para além das
dificuldades vinculadas a níveis mais gerais de determinação, envolvendo, por exemplo, taxas
de juro, câmbio, tributos e linhas de financiamento – a problemas como:
a) escassa difusão, principalmente entre as empresas de menor tamanho, de
conceitos modernos envolvendo produção e comercialização, sobretudo na
perspectiva dos novos modelos de organização observados na cadeia têxtil-
vestuário, que implicam o envolvimento de PMEs em esquemas de supply chain
com repostas ágeis e níveis de qualidade elevados;
b) limitada disseminação, no coletivo de fabricantes de menor tamanho, do uso de
máquinas e equipamentos tecnologicamente atualizados, um problema que estaria
a requerer programas de apoio à modernização produtiva que inclusive
contemplem o necessário financiamento;
c) limitada presença de iniciativas de cooperação internas ao arranjo, com diferentes
sentidos e objetivos, o que certamente dificulta a formação de estruturas de
fornecimento lideradas pelas grandes empresas, com a participação de PMEs;
d) tendência à verticalização produtiva nas maiores empresas, a despeito do
crescimento da terceirização nos anos 1990, uma característica que não contribui
para a formação de redes de empresas integradas; e
e) aparente carência de programas locais para promover a competitividade com base
na agregação de valor aos produtos, especialmente no segmento de confecções,
para o qual o apoio ao incremento da qualidade e da produtividade e o estímulo à
capacidade de inovar – redundando no lançamento freqüente de novos produtos –
configuram procedimentos estratégicos no atual padrão de competitividade.
Os integrantes do arcabouço institucional cujas estruturas foram objeto de ampliação e
de fortalecimento no período recente – em particular no que se refere ao SENAI, com a
criação do CTV – e também as entidades de coordenação e “auto-ajuda”, como o SINTEX e a
ACIB, podem ter papéis estratégicos no trato com esses problemas e no seu equacionamento.
Todavia, é essencial incutir-lhes o entendimento, se necessário for, de que podem e devem
atuar com esse tipo de orientação, tendo claro o significado das tendências que estão a nortear
o funcionamento da cadeia têxtil-vestuário no plano internacional.
388
3.7.4.3 Políticas de desenvolvimento
Promover o desenvolvimento da aglomeração têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí,
objetivando principalmente uma maior e melhor inserção dos produtos locais em mercados
nacionais e internacionais, implica a formulação de políticas voltadas aos diferentes tipos de
empresas que formam o tecido produtivo local e ao problema das interações entre os tecidos
empresarial e institucional.
As grandes empresas que já ostentam desempenho exportador e penetram amplamente
em mercados internos deveriam ser estimuladas a diversificar as suas pautas de vendas tanto
externas quanto domésticas. Isso proporcionaria uma presença externa mais ampla do que a
vinculada fundamentalmente aos produtos das linhas cama-mesa-banho, como tem sido o
caso. Também no tocante aos mercados domésticos, essa diversificação precisa estar
sintonizada com o aprofundamento das atividades de criação, em que moda e design
aparecem como aspectos centrais. Só assim grandes empresas do Vale do Itajaí deixariam de
ser efetivamente reconhecidas em escala de país, no que concerne ao segmento de artigos de
vestuário, quase que tão-somente como grandes fabricantes de roupas de malha. Tal
orientação significa, ao mesmo tempo, a busca de maior valor agregado para os produtos
locais.
Embora as grandes empresas tenham se modernizado nas últimas décadas, em termos
tanto de máquinas e equipamentos – representando, portanto, capacitação tecnológica – como
de organização administrativa e ao nível da produção, e tenham igualmente ampliado e
fortalecido as suas atividades de criação, o papel a ser desempenhado pelas instituições locais
na referida orientação há de ser essencial. Isso parece tanto mais verdadeiro tendo em vista os
avanços registrados recentemente no tecido institucional presente no aglomerado. Desse
modo, as iniciativas de promoção do desenvolvimento no Vale do Itajaí necessitam
contemplar igualmente uma adequada aproximação, permeada de interações férteis e
conseqüentes, entre a esfera empresarial e a esfera institucional dedicada sobretudo à pesquisa
e ao ensino.
Se uma tal aproximação revela-se importante no que toca às empresas de maior porte e
de desempenho mais destacado, é nada menos que crucial para a capacitação das empresas
menores, cuja atuação é decisiva nos modelos organizacionais e nas estruturas de governança
que marcam atualmente a cadeia têxtil-vestuarista em escala internacional. De fato, a
participação dessas empresas nos esquemas de fornecimento rápido e flexível ao longo da
cadeia depende da sua capacitação em diferentes sentidos, e o papel das instituições no
389
sentido de favorecer-lhes as condições necessárias para tanto há de ter grande relevância. A
capacitação necessita ser particularmente ampla e intensa, sobretudo, quando se trata de
empresas de menor porte que almejam a inserção em mercados externos ou um melhor
posicionamento em mercados domésticos: a diferenciação de produtos, com crescimento do
valor agregado, é um requisito para tanto, o que depende de qualificação das atividades
criadoras e de capacidade tecnológica.
A ação pública, protagonizada em diversos níveis, deve ser necessariamente vista
como um coadjuvante destacado nas iniciativas de promoção. Seu papel é imprescindível no
estímulo e no financiamento da atualização tecnológica e organizacional das empresas
menores geralmente pouco (ou quase nada) capazes de garantir por conta própria os meios
para a sua modernização. Seu papel é igualmente essencial na formulação e implementação de
programas – em parceria com atores não estatais (associações, sindicatos etc.) – de apoio à
cooperação entre empresas e à aproximação entre o tecido empresarial e o tecido institucional
voltado ao ensino e pesquisa. Com efeito, tendo em vista o grau de sensibilidade das
estruturas locais às vicissitudes da macroeconomia – a valorização da moeda brasileira frente
ao dólar no período atual representa mais uma evidência dessa sensibilidade e sobre seus
efeitos –, não há como tergiversar frente à necessidade de um certo voluntarismo do setor
público, em parceria com o setor privado, que se exprima na formulação de políticas de
desenvolvimento para a área.
Portanto, as políticas visando à promoção do desenvolvimento da aglomeração têxtil-
vestuarista do Vale do Itajaí devem ser desenhadas de modo a:
a) estimular as grandes empresas a diversificar os seus leques de oferta, dando
ênfase às atividades de criação (moda e design), contemplando a ampliação do
valor agregado;
b) estimular as empresas de maior porte a envolver nos seus espaços de
organização produtiva empresas locais menores aptas a participarem
eficientemente da cadeia de fornecimento;
c) promover uma efetiva aproximação, mirando no florescimento de interações
férteis e conseqüentes, entre a esfera empresarial e a esfera institucional,
dedicada sobretudo à pesquisa e ao ensino;
d) promover a capacitação das empresas de menor porte para participar de
esquemas de fornecimento rápido e flexível na cadeia produtiva e
ampliar/fortalecer a sua presença em diferentes mercados com base na
diferenciação de produto e na maior agregação de valor;
390
e) buscar e disponibilizar meios, sobretudo financeiros, que contribuam para a
atualização tecnológica e organizacional das empresas menores; e
f) conceber e implementar programas de apoio e encorajamento à cooperação
entre empresas (que resultem, por exemplo, em centrais de compras e – para as
PMEs – em participações conjuntas em feiras importantes) e à aproximação
entre o tecido empresarial e o tecido institucional ligado ao ensino e pesquisa
(em especial o CTV/SENAI).
Tendo em vista o papel exportador de diversas empresas do aglomerado, iniciativas
enfeixadas no aprimoramento da logística de transporte também se afiguram como de
promoção do desenvolvimento na área. A presença de duas importantes estruturas portuárias
nas proximidades do arranjo há de influenciar as decisões sobre esse assunto: melhorar tanto
as estruturas em si quanto as condições de acesso a elas deve ser considerada medida
prioritária na matéria. As indicações a seguir são permeadas desse entendimento.
As melhorias nas condições de operação do Porto de Itajaí devem implicar:
a) o término das obras, com o início da utilização, do novo berço em construção
pelo Terminal de Contêineres do Vale do Itajaí (TECONVI), representando
significativo aumento da área para as operações de contêineres;
b) intervenções de adequação do porto às novas necessidades de modo a
aperfeiçoar a logística interna e melhorar as condições de operação, o que inclui
investimentos em equipamentos para aumentar a capacidade de funcionamento
e a eficiência; e
c) providências para melhorar as conexões diretas do porto com os Terminais
Retroportuários Alfandegados e a Estação Aduaneira de Interior, almejando
uma maior eficácia das operações de carregamento; avenidas portuárias podem
cumprir esse papel.
O acesso ao Porto de Itajaí para agentes distribuídos no seu hinterland mais ou menos
imediato será significativamente favorecido caso as condições de tráfego da BR 470 sejam
melhoradas. A duplicação dessa rodovia há de figurar no topo da lista de prioridades das
iniciativas vinculadas à logística de transporte em Santa Catarina. A melhoria da situação
dessa rodovia também é condição para que o projetado terminal portuário de Navegantes
possa servir adequadamente à macrorregião em que se inserirá. Essa nova estrutura, cujo
processo de criação já foi iniciado institucionalmente, vincula-se à PORTONAVE S.A. –
Terminais Portuários de Navegantes. Sua implantação representará a ampliação e melhoria da
391
logística de transporte no espaço adjacente ao aglomerado têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí.
Trata-se, assim, de iniciativa a ser estimulada e impulsionada.
Igualmente importante para a aglomeração têxtil-vestuarista é o Porto de São
Francisco do Sul, pois sua relativa proximidade pode lhe atribuir o caráter de opção para as
empresas. Desse modo, são igualmente estratégicas as medidas que contemplam o aumento e
a melhoria das possibilidades de operação desse terminal portuário. Particularmente gritante é
a necessidade de solucionar o gargalo rodoviário pelo menos no trecho entre a BR 101 e o
porto, o que confere enorme urgência à duplicação da Rodovia BR 280. Mas isso está longe
de esgotar as limitações observadas. Ampliar e construir novos berços nesse porto, tanto
quanto aparelhar os berços já existentes, e avançar na dragagem e no derrocamento da bacia
de evolução, entre outras medidas, mostram-se iniciativas básicas.