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Paulo Victorino
1930-1945 - SEGUNDA REPÚBLICA
A REVOLUÇÃO TRAÍDA
GETÚLIO ASSUME E FICA
005 - A República Armada (1889-1930)
(Recapitulação)
A Proclamação da Independência (1822) - A Proclamação
da República (1889) - Deodoro e Floriano (1889-1993) -
Revolução Federalista (1893-1895) - Guerra de Canudos
(1895-1897) - Guerra da Vacina (1904) - A Revolta da
Chibata (1910) - A Guerra do Contestado (1912-1916) - A
Revolta dos Tenentes (1922) - A Revolução Gaúcha (1923)
- A Revolução Paulista (1924) - A Coluna Prestes (1924-
1927).
027 - O fim da Primeira República (1930)
(República Velha)
A marcha da Revolução - Imprevistos enfraquecem o
comando - O levante no Rio Grande do Sul - O Cavalo de
Troia - Relógios fora de sincronia - Do Sul, a marcha para o
Rio de Janeiro - Do Nordeste, a marcha para o Sudeste - A
Batalha de Itararé - Epílogo.
035 - O naufrágio do "Titanic" (1930)
(Um presidente é deposto)
A Junta Militar - A interferência do Cardeal - O
"Titanic"começa a afundar - O fim da Primeira República.
041 - A revolução traída (1930-1932)
(Getúlio assume e fica)
Instalação do novo governo (Junta Militar) - A participação
popular da Revolução - As preocupações dos
revolucionários - Faltava só um detalhe - A situação em São
Paulo - A posse de Getúlio e as interventorias - Quem era
Getúlio Vargas - Limpando a área (A Chefatura de Polícia) -
Primeiras medidas do Governo - Recomposição das forças
revolucionárias - O ataque ao "Diário Carioca" - O
"empastelamento" do jornal.
063 - Revolução Constitucionalista (1932)
(De São Paulo, para o Brasil)
São Paulo queria separa-se do Brasil. Verdade? - As
facções em confronto - Uma no cravo, outra na ferradura (a
política de Getúlio Vargas) - O novo Código Eleitoral -
Voltando ao caso de São Paulo (uma situação complicada)
- Pela Constituição (os comícios) - A conspiração - Como
tudo começou - O apoio esperado não vem - O fim da luta
armada - Precisava haver revolução?
083 - Um sopro de democracia (1934)
(A Constituição)
Querem Constituinte? Toma Constituinte - Os
representantes classistas - De volta ao passado - A eleição
do Presidente - A sucessão ao governador de Minas -
Solução à moda da casa - O caso do Estado do Rio de
Janeiro - As eleições nos demais Estados.
097 - A Intentona comunista (1935)
(O que é fato e o que é boato)
Um resumo dos acontecimentos - Os antecedentes - Ação
Integralista Brasileira (AIB) - Aliança Nacional Libertadora
(ANL) - A questão dos soldos militares - A questão dos cabos
e sargentos - Conspiração em marcha - Getúlio sabia de
tudo - Em Natal (Rio Grande do Norte), o movimento é
antecipado - Recife (Pernambuco) seguiu na esteira de Natal
- Tragédia na Praia Vermelha (Rio de Janeiro) - O outro lado
da história.
119 - Vira, Vira, Vira... Virou! (1937)
(A Constituição Descartável)
O tribunal revolucionário - A ação policial - A caça aos
"comunistas" - Prisão e julgamento de Prestes - Fechando o
processo - Um novo capítulo na vida do país - Retrato de
Góis Monteiro - A sucessão presidencial - O caso do Rio
Grande do Sul - O candidato José Américo - O candidato
Plínio Salgado - O candidato Armando de Sales - O Plano
Cohen - Tudo está consumado.
139 - O Levante (Putch) Integralista (1938)
(Ataque ao Palácio Guanabara)
Quem era Plínio Salgado - O golpe do Estado Novo - A
Constituição do Estado Novo (Polaca) - A decepção dos
Integralistas - Conspiração e Ação - Nem tudo deu certo - O
levante, visto por Góis Monteiro - Reação aos ataques -
Outra visão, de dentro do Palácio - Como se deu a invasão
- A defesa improvisada - A espera angustiante - O desfecho,
visto de dentro do Palácio - O destino dos revoltosos -
Tratamentos diferenciados.
161 - A Segunda Guerra Mundial (1939-1943)
(Posição do Brasil no conflito)
A guerra começou com o acordo de paz - Inglaterra e França
invadidas - Entre a cruz e a espada - O caso com a Inglaterra
- O Brasil no sistema panamericano - A Quinta Coluna no
Brasil - Nossos navios são bombardeados.
175 - Os "pracinhas" na guerra (1944-1945)
(A cobra fumou na Itália)
Treinamento de oficiais - Mãos à obra - Nova vida em terra
estranha - Prontos para a luta - A cobra está fumando - A
FEB conhece sua primeira derrota - Primeiro ataque a Monte
Castelo - Segundo ataque a Monte Castelo - Terceiro ataque
a Monte Castelo - Enfim, Monte Castelo é nosso - Conquista
de Castelnuovo - A tomada de Montese - Em Fornovo, a
consagração - O desfecho da guerra.
199 - Liberdade, ainda que tardia
(O fim do Estado Novo)
A trilha aberta pelos democratas - Manifesto dos Mineiros -
Vencida a força da inércia - A entrevista de José Américo -
Os movimentos conspiratórios - Simbiose entre Dutra e Góis
- A Sociedade dos Amigos da América - Góis Monteiro volta
ao Brasil - Góis e Dutra juntos outra vez - A outra face da
conspiração - Os avanços registrados - A volta dos partidos
políticos - A campanha eleitoral - O golpe que falhou - Os
acontecimentos se precipitam - O desfecho - Considerações
finais.
Paulo Victorino
CAPÍTULO UM
A REPÚBLICA ARMADA
RECAPITULAÇÃO - 1822-1930
Quase toda a História da Primeira República, abrangendo um período de 41
anos, é marcada pela presença de duas forças dominantes, quase sempre em
lados opostos. Uma delas controla o poder através da fraude e a outra tenta
obtê-lo pela pressão das armas.
A primeira é representada pelas oligarquias rurais, principalmente de São
Paulo e Minas Gerais, que fingem manter as regras do jogo democrático,
seguindo todos os trâmites, com partidos legais, candidaturas formais e eleições
aparentemente livres, porém, marcadas pela fraude e pela força de políticos
regionais, que dão sustentação ao poder central.
Simulando representar a vontade popular, ela possui uma máquina política
bem montada, cuja finalidade maior é a de preservar os interesses da classe
dominante, sem escrúpulos em usar o próprio dinheiro público para se socorrer
dos imprevistos.
A segunda é o poder armado, não necessariamente a contestação vinda dos
quartéis, mas aquela oriunda de vários setores descontentes, que tentam
quebrar a sequência dos governos constitucionais pelo uso da força.
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Nesta categoria, além de grupos militares descontentes, com ou sem
patentes, incluem-se também os agrupamentos paramilitares controlados por
coronéis do sertão.
Interferem na vida nacional, também, os chamados movimentos
messiânicos, surgidos da miséria, e nutridos pela ignorância e pela falta de
perspectiva das camadas mais simples da população.
Vale, pois, fazer uma recapitulação dos entrechoques resultantes do
encontro entre essas duas forças, pois seu conhecimento é importante para
entender os acontecimentos que marcaram a Segunda República, conhecida
também por República Nova, que vai de 1930 a 1945, período em que o ditador
Getúlio Vargas, ininterruptamente, ocupou o poder.
A Proclamação da
Independência –1822
O movimento pela Proclamação da Independência, essencialmente
aristocrático, foi uma reação contra as restrições que vinham sendo impostas ao
Brasil pelas Cortes de Lisboa.
Com a vinda da família real, em 1808, o Brasil conseguira o status de Reino
Unido (Portugal-Brasil-Algarves). Agora, se aceitas passivamente, as ordens
emanadas das Cortes, cada vez mais descabidas, nosso território iria retroagir à
condição de colônia, desdenhando o sacrifício de todos os movimentos nativistas
que, embora derrotados, formaram uma consciência da própria nacionalidade.
Todo processo em direção à Independência era fruto de um trabalho
inteligente, coordenado pelo patriarca José Bonifácio de Andrada e Silva, que,
com sua habilidade e ascendência natural, controlava o ânimo do temperamental
príncipe D. Pedro, pródigo em arroubos juvenis, mas sem visão política do
momento histórico em que vivia o país.
A Proclamação da Independência, ocorrida em 7 de setembro de 1822, foi
um gesto condicionado do Príncipe D. Pedro e nela não houve qualquer
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participação popular, como, também, os resultados somente beneficiaram às
classes abastadas, mais próximas do poder.
Aliás, o que muita gente nem sabe, porque não se conta na história oficial, é
que a independência não foi uma iniciativa de D. Pedro, mas uma simples
homologação da Decretação de Independência, assinada no dia 2 de setembro
de 1822, no Rio de Janeiro, pela princesa regente Maria Leopoldina, na presença
do Conselho Regencial presidido por José Bonifácio.
Isso ficou bem esclarecido na carta de Dona Leopoldina ao seu marido D.
Pedro, entregue pelos mensageiros juntamente com outra carta de José
Bonifácio e com a correspondência que acabara de chegar de Portugal,
ordenando que D. Pedro voltasse imediatamente à Europa.
Em 2 de setembro de 1822, a princesa regente, Maria Leopoldina, na presença do Conselho de
Estado, decreta a Independência do Brasil > Quadro pintado por Georgina de Albuquerque,
que se encontra no Museu Histórico Nacional
O ato da Proclamação da República, que foi uma homologação do decreto,
não aconteceu no riacho do Ipiranga, mas a cinco quilômetros de lá, no bairro do
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Moinho (hoje Moinho Velho do Ipiranga), e foi presenciado pelo padre Belchior,
alguns nobres, e um punhado de soldados que faziam a escolta de D. Pedro.
Horas depois, D. Pedro se repetiu o mesmo gesto nas margens do riacho,
diante das tropas que esperavam o príncipe para escolta-lo até o centro da
cidade. Este último momento é o que está reproduzido no famoso quadro de
Pedro Américo, pintado em 1888, que, por sinal, é um inequívoco plágio de outra
obra, feita pelo pintor francês Ernst Messonier, conforme imagens abaixo.
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À noite, em São Paulo, houve uma solenidade em recinto fechado, com uma
seleta plateia. Não havia povo, nem esse povo se beneficiou mais tarde com a
instalação do novo Império. Quem era pobre, continuou pobre; quem era
escravo, permaneceu escravo. O status não se modificou, a não ser com a
renovação da nobreza e a alteração das áreas de influência sobre o poder.
Todavia, houve um avanço que precisa ficar registrado. Transcorrido o
tumultuado período do Primeiro Reinado e das atribuladas Regências do
Segundo Reinado, cessaram por completo os movimentos de contestação ao
Regime.
As últimas revoluções ocorreram em 1840, com a participação de Teófilo
Otoni em Minas Gerais, bem como do padre Feijó e do brigadeiro Tobias de
Aguiar no Estado de São Paulo.
Nenhuma das duas teve sucesso e o governo imperial passou a controlar a
situação, cessando, assim, a contestação armada. A Guerra dos Farrapos, no
Rio Grande do Sul, também da mesma época, prolongou-se um pouco mais, até
1845, mas seu termino serviu para consolidar de vez o regime.
Guerra dos Farrapos
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A partir de então, D. Pedro II pôde governar em paz, tendo que administrar
apenas os naturais atritos com os Gabinetes, já que o regime era parlamentarista
e o poder tinha de ser compartilhado com o Congresso.
Nosso segundo Imperador governou durante meio século, trazendo
prosperidade ao país e resolvendo, paulatinamente, questões sociais, políticas,
econômicas e de segurança nacional.
O governo, ainda que compartilhado, tinha um caráter estritamente civilista,
e ninguém punha em dúvida essa primazia do poder civil sobre o poder armado.
A Proclamação da República – 1889
O surgimento do poder político-militar, que se iniciou com a criação do Clube
Militar em 1887, ampliou-se, no decorrer do império, com a politização cada vez
maior dos oficiais da ativa.
Sobretudo o Exército, saindo de uma guerra sangrenta, como foi a Guerra do
Paraguai, não se conformava em exercer funções alheias à sua missão, algumas
delas de caráter puramente policial, como, por exemplo, a caça a escravos
fugitivos.
A tensão chegou ao auge com a Questão Militar, quando o marechal Deodoro
se recusou a aplicar punição a dois de seus subordinados, por haverem eles feito
manifestações políticas.
O assunto teve repercussões no Senado, gerando uma polêmica violenta
entre dois generais-senadores; de um lado José Antônio Correia da Câmara,
Visconde de Pelotas, favorável à politização dos militares; do outro, o ex-ministro
da Guerra, Franco de Sá, que aplicara as punições.
O grave incidente, ocorrido em 1887, trouxe uma série de desdobramentos,
culminando com o golpe militar que derrubou a monarquia e proclamou a
República, em 1889, colocando no poder, como Presidente do Governo
Provisório, o marechal Deodoro da Fonseca.
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É bem verdade que o movimento republicano nascera entre os civis, quinze
anos antes, com a Convenção de Itu, gerando o Manifesto Republicano e com a
fundação do Partido Republicano, em pleno regime imperial.
Mas também é fato que a mudança de regime se deu numa operação
estritamente militar, com o marechal Deodoro comandando as tropas que
atacaram o Quartel General, e com o marechal Floriano, comandante da tropa
legalista, recusando-se a obedecer a ordens do Visconde de Ouro Preto, Chefe
do Gabinete, para efetivar o contra-ataque.
Também não havia povo na Proclamação da República, nem este se
beneficiou com o novo regime. Na prática, só se alteraram as áreas de influência,
reforçando a participação das oligarquias rurais e incluindo um novo fator
preponderante, que é o poder político-militar.
Deodoro e Floriano - 1889-1893
A escolha do primeiro presidente da República, feita pelo Congresso, foi o
resultado de um acordo de bastidores em que se convencionou manter na
presidência o marechal Deodoro (ele que já era presidente provisório), elegendo-
se para vice o candidato da oposição, marechal Floriano, em prejuízo dos demais
postulantes. Não foi uma eleição democrática, foi um conchavo de bastidores
para evitar o golpe por parte de Deodoro e o enfrentamento, pelas armas, por
parte da oposição.
Deodoro, meses depois, cometeu a imprudência de fechar o Congresso,
provocando uma crise que levou à revolta da Marinha, obrigando-o a renunciar.
Na sequência, Floriano assumiu e, usando de um artificio, permaneceu no poder
até o fim do mandato, ao invés de convocar novas eleições, como mandava a
Constituição.
Todavia, o feitiço vira-se contra o feiticeiro. O poder fardado volta-se agora
contra os próprios militares no poder. Assim como acontecera a Deodoro, o novo
presidente teve de encarar, logo de início, um ato de rebeldia, com o manifesto
de treze generais e almirantes, exigindo sua renúncia.
A repressão se fez com energia, com a transferência para a reserva de todos
os rebelados, bem como com a pena de desterro para a Amazônia de todos
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aqueles que contribuíram para o movimento, quer fossem eles militares ou civis.
No ano seguinte, ocorre nova sublevação na Armada, também sem sucesso.
Ainda que se mantendo no poder de forma ilegítima, Floriano consegue
completar o mandato. Em 1894 assume o primeiro presidente civil, Prudente de
Morais, eleito por via direta.
O marechal deixa o poder mas, atrás de si, fica o rastro do florianismo, uma
postura adotada pela jovem oficialidade, que lutava manutenção de um governo
forte e centralizado, capaz de resolver os problemas do país com mais ação e
menos discussão.
Revolução Federalista no Rio
Grande do Sul - 1891-1895
Em 14 de julho de 1891 (aniversário da Tomada da Bastilha na França), a
Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul promulgou a Constituição do
Estado, redigida pelas mãos do caudilho Júlio de Castilhos.
Inspirada no positivismo, a Constituição gaúcha dava especial destaque à
centralização e fortalecimento do poder do presidente do Estado (Governador),
que podia ser reeleito indefinidamente e tinha poderes até para nomear seu Vice.
Com ela, estava garantida a permanência no poder, para todo sempre, do
Partido Republicano (blancos) afastando completamente as chances dos
Federalistas (colorados).
Inicia-se, em consequência, um movimento de contestação ao governo local,
conhecido como Revolução Federalista, o qual durou cerca de quatro anos e foi
de uma violência sem limites por ambos os lados, não se poupando esforços
para aniquilar os adversários, e tratando com extrema dureza os inimigos que
lhes caiam às mãos.
O movimento atravessou os governos de Deodoro e Floriano e só veio a ter
uma solução com a posse de Prudente de Morais (1894-1898), quando foi
concedida anistia a todos os participantes da Revolução, sendo, então, feita a
deposição das armas.
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O ódio entre republicanos e federalistas resistiu ao tempo e só veio a ser
aplacado em 1923, com o Pacto de Pedras Altas, quando o governador Borges
de Medeiros concordou em alterar a Constituição do Estado, para adequá-la aos
usos e costumes vigentes nos demais Estados.
O conceito que levou ao acordo era de uma clareza meridiana. Assentada no
fato de que, unidos, os gaúchos conseguiriam galgar o plano nacional. Em briga
entre eles, sua força não conseguiria ultrapassar as fronteiras de seu Estado.
A Guerra de Canudos - 1895-1897
No governo de Prudente de Morais, o Exército é chamado outra vez para
resolver um problema social, transformado em caso de polícia e, finalmente,
considerado como um problema de segurança nacional.
Após a Proclamação da República, surge, entre o Sul de Pernambuco e o
norte da Bahia, um peregrino visionário, conhecido como Antônio Conselheiro
que, com sua pregação, consegue arrebanhar para si uma população composta
de indigentes e jagunços, os quais se instalam num extenso vale, por onde passa
o rio Vaza-Barris.
Sua profecia se concentrava na restauração da monarquia, com a volta de
D.Pedro II, que, a essa altura, já havia até morrido. E isso não se daria pela força
das palavras. Sua ordem era a resistência armada, para a derrubada do poder.
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A força imanente que movimentava aquela legião de fanáticos era a miséria,
unindo milhares de infelizes na visão messiânica de um novo e espetacular
acontecimento, capaz minorar as agruras dos desprovidos da sorte. Armas não
havia, era apenas a fé em busca de um milagre.
Sem dinheiro, nem articulação política que lhes permitisse adquirir material
bélico, a população estava armada de ronqueiras, que eram espingardas
rudimentares de fabricação artesanal. A pólvora também era por eles fabricada,
utilizando carvão, salitre e enxofre. Como embuchamento, usavam pedregulho,
cacos de vidro e tudo mais que houvesse ao redor.
A falta de habilidade do governo estadual deu origem a uma série de
confrontos armados, nos quais as forças legais levaram a pior. Agravada a
situação, foi enviado, então, um contingente do Exército, igualmente aniquilado.
A esta altura, a extinção de Canudos era, para o poder central, uma questão
de honra. Organizou-se, no Rio de Janeiro um contingente especial, com 6 mil
homens, que marcharam em direção à área de conflito.
Desta vez, sim, a resistência foi aniquilada e a população dizimada, ficando
vivos apenas uns poucos velhos, crianças e doentes. Antônio Conselheiro foi
morto e degolado, para servir de exemplo aos que pretendessem seguir-lhe os
passos.
A causa real e efetiva dos acontecimentos de Canudos, que era a miséria
indigente, esta não foi atacada. Com a extinção de Canudos, o governo federal
e o governo estadual consideraram o assunto encerrado, retornando às suas
atividades do dia-a-dia, mais ligadas à política do que à administração.
A guerra da vacina – 1904
Entendia o Presidente Rodrigues Alves (1902-1906), e também o sanitarista
Osvaldo Cruz, que o saneamento da cidade do Rio de Janeiro e da baía da
Guanabara só teria sucesso se a população fosse compelida a participar, mesmo
contra sua própria vontade, e até pelo uso da força, se necessário.
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Se assim pensou, assim o fez, o Presidente. No combate à febre amarela, a
vacina foi aplicada espontaneamente nos que aceitavam o processo, e
obrigatoriamente naqueles que se recusavam a tomá-la, provocando uma revolta
surda e mal contida. Quando localizado algum caso, as brigadas sanitárias
invadiam a casa do doente, faziam o isolamento, a limpeza e desinfeção, assim
como eliminavam focos de mosquitos, quase sempre à revelia dos moradores.
Foi assim que, em poucos anos, a mortalidade causada pela febre amarela
se reduziu a zero. Na contramão, criou-se, porém, um clima de insatisfação e
descontentamento em relação ao governo.
Tempos depois, ao iniciar o combate à varíola, o governo recorreu aos
mesmos meios coercitivos, só que, desta vez, encontrou a sociedade mais
organizada para reagir. Incitados pela imprensa e pela propaganda anti-
governista, surgiam grupos de protesto fazendo passeatas pelas ruas, as quais
descambavam logo para a depredação e eram reprimidas pelas forças policiais.
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Não tardou que o descontentamento pelo uso da força chegasse, também,
aos quartéis. Em 14 de novembro de 1904, o general Olímpio da Silveira teve
audiência com o Presidente, na qual apresentou um ultimato, com as exigências
dos militares, que incluíam até o afastamento do ministro da Justiça, J. J. Seabra.
Se não... Só Deus sabe o que poderia acontecer.
Chegada a noite, o general Travassos e o senador Sodré, também militar,
dirigiram-se à Escola Militar da Praia Vermelha, depuseram o comandante e, ao
raiar do dia seguinte, aniversário da Proclamação da República, levaram as
tropas às ruas para tomar o palácio e derrubar o presidente da República.
Os rebelados não tiveram sucesso. Travassos morreu e Sodré foi preso,
enquanto alunos da Escola Militar, assim como outros suspeitos de participação
na revolta foram presos. Apurou-se depois que o descontentamento popular em
torno da vacina obrigatória estava sendo usado como pretexto para um golpe,
com articulações em várias partes do país. Cortada a sublevação no Rio de
Janeiro, o movimento foi abortado.
A Revolta da Chibata – 1910
Os florianistas, que não conseguiram interferir nos primeiros governos civis,
acompanhavam com atenção os desentendimentos entre o presidente Afonso
Pena e os políticos governistas, em torno da sucessão. Ajudados pelo deputado
Pinheiro Machado, que também era militar, lançam o nome do marechal Hermes
da Fonseca como candidato à Presidência.
Na oposição ao militarismo, Rui Barbosa torna-se o candidato civilista,
fazendo uma pregação cívica por todo o país. Mesmo assim, Hermes ganhou a
eleição. Nos seus quatro anos de mandato, interferiu diretamente na política dos
Estados, derrubando governos que não lhe eram convenientes e substituindo-os
por outros que lhe eram mais fiéis.
Não escapou, porém, de contestações. A primeira delas, logo após a posse,
se deu na Marinha e ficou conhecida como a Revolta da Chibata. Marinheiros
desesperados com a violência dos castigos corporais a que eram submetidos
acharam que a posse do marechal era um momento oportuno para externar sua
revolta.
- 019 -
Comandados por João Cândido, um marinheiro de 1ª Classe, sublevaram
vários navios, chacinaram todos os seus oficiais e apontaram canhões para a
cidade do Rio de Janeiro, ameaçando arrasá-la, se não fossem atendidos em
suas reivindicações. O Presidente teve de ceder à pressão, anistiando, a
contragosto, os revoltosos.
Poucas semanas depois estoura outra revolta, mas, desta vez, amparado
pelo Estado de Sítio aprovado pelo Congresso, o governo a reprime com
violência, punindo os sublevados. Aproveitando o ensejo, mandou à prisão,
também, os marinheiros do levante anterior, ignorando o salvo-conduto da
anistia.
A todos foram aplicadas severas penas. Boa parte foi desterrada para a
Amazônia e muitos dos que ficaram nas prisões do Rio de Janeiro acabaram
morrendo, pela precariedade das condições a que foram submetidos.
A Guerra do Contestado - 1912-1916
Um novo movimento de conotação messiânica surge entre 1912 e 1916,
desta vez, na divisa entre Paraná e Santa Catarina, em área de litígio entre os
dois Estados.
O motivo é semelhante ao que deu a origem à Guerra de Canudos e, como
esta, envolve os excluídos da sociedade: posseiros expulsos das terras que
ocupavam, trabalhadores na construção da estrada de ferro, agora sem emprego
e sem futuro, e jagunços sedentos de aventuras. Todos eles, como sempre,
mergulhados na ignorância e presas fáceis do misticismo.
É um princípio de química segundo o qual, para haver combustão, é preciso
uma combinação ideal de comburente e combustível. Pois em 1912, eis que
surge o comburente para reagir com o combustível já presente. Era ele um
caboclo de longos cabelos e barba espessa, que se apresentava como religioso.
O monge José Maria, em breve, conseguiu reunir em torno de si uma
pequena multidão de desvalidos, aos quais pregava a queda do governo
republicano e a restauração da monarquia, tal como acontecera em Canudos.
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No primeiro encontro com as forças policiais, morre José Maria, o que, dentro
da lógica, deveria esfriar o movimento. Ao contrário, esse sacrifício instigou o
espírito de guerra dos rebelados, que passaram a lutar com mais ardor,
inspirados agora com a possibilidade de ressurreição do monge para restaurar
o poder monárquico.
A luta durou quatro longos anos, em que os fanáticos, abrindo mão da própria
vida, se colocavam em vantagem sobre as tropas policiais aliciadas para
combatê-los.
Por fim, o governo federal decidiu eliminar a todo o custo o foco da rebelião.
Formou-se um exército de 7 mil homens, comandados pelo general Setembrino
de Carvalho, que foi enviado para ataque aos rebeldes. Pela primeira vez em
nossa História, utilizou-se aviões para bombardear o local, abrindo espaço para
a invasão das forças de terra.
Decididos a lutar até a morte, os fanáticos do Contestado foram arrasados,
mas o pequeno grupo que ainda restou permaneceu na luta, disposto a vender
caro as suas próprias vidas. Vitorioso, afinal, o general Setembrino, ainda assim,
se mostrava preocupado com os focos de resistência, a ponto de sugerir ao
governo a mobilização do próprio Exército Nacional para sufocar o movimento.
- 021 -
Não foi preciso. Resolvido o litígio entre Paraná e Santa Catarina, os próprios
governos estaduais se encarregaram de cuidar da ordem pública, cada um em
seu território, eliminando os focos de rebelião ainda existentes.
As revoltas dos
"tenentes" (1922)
Durante a campanha eleitoral, ainda em 1921, surgiram duas cartas
apócrifas, atribuídas ao candidato Artur Bernardes, ofensivas ao Exército e
atingindo especialmente a honra do ex-Presidente, marechal Hermes da
Fonseca, então presidente do Clube Militar, nomeado em uma delas como
sargentão sem compostura.
Em consequência, houve também uma polarização da jovem oficialidade em
torno do marechal, a quem elegeram seu herói, capaz de resgatar a honra dos
militares, atingida pelas já citadas cartas.
No Nordeste, um desses jovens enviou ao ministro da Guerra um protesto
contra a utilização do Exército em Pernambuco na repressão política de
movimentos contrários ao candidato governista. Foi punido com prisão. Seus
colegas telegrafam a Hermes, recebendo pronto apoio do marechal. Em
represália, o governo federal manda prender Hermes da Fonseca e fechar o
Clube Militar.
Tudo isso acontece logo no início de julho e a revolta se propaga como fogo
em palha seca. Quatro dias depois, em 5 de julho de 1922, eclodem no Rio de
Janeiro revoltas coordenadas, comandadas pela jovem oficialidade, envolvendo
a Vila Militar, a Escola Militar, vários quartéis isolados e, como destaque, o Forte
de Copacabana, comandado pelo capitão Euclides Hermes, filho do marechal.
Paralelamente, há um levante frustrado no Paraná e outro em Mato Grosso,
prontamente dominados.
Embora o governo tenha controlado totalmente a situação, o desgaste político
foi terrível, ainda mais que estávamos nos preparativos finais para a
comemoração do 1º Centenário da Independência, cujas festividades foram
maculadas pelo fechamento da Escola Militar, a prisão dos revoltosos e a
instauração de processos contra todos eles.
- 022 -
O episódio dos “18 do Forte”
As revoltas de 1922 marcam o início do movimento tenentista, que passou
pela Coluna Prestes e teve seu ponto máximo com a queda da República Velha,
na Revolução de 1930.
A Revolução Gaúcha – 1923
A Constituição do Rio Grande do Sul, obra e arte do caudilho Júlio de
Castilhos e homologada pela Assembleia Legislativa, quase sem modificações,
garantiu a permanência do Partido Republicano no poder, primeiro com o próprio
Júlio de Castilhos e, depois, com Borges de Medeiros que, com sucessivas
reeleições, ficou governando, só ele, por 28 anos.
Todavia, a última reeleição de Borges de Medeiros, ocorrida em 25 de
novembro de 1922, não foi aceita pacificamente, fazendo eclodir uma nova
guerra civil, à semelhança da Revolução Federalista de 1893, tendo agora como
líder civil o candidato derrotado, Assis Brasil.
De um ponto a outro do Estado, levantam-se os velhos caudilhos contra o
governo estadual, encontrando-se entre eles, novamente, a figura legendária do
general Honório de Lemes, herói do primeiro levante.
O movimento, bem articulado, teve seu início em Passo Fundo, com um
telegrama enviado ao presidente Artur Bernardes pelo deputado federal Artur
Caetano, que informava estar se movimentando com um contingente de 4 mil
homens, dispostos a lutar até a retirada de Borges de Medeiros do poder.
- 023 -
Embora mais curto que a Revolução de 1893, nem por isso esse movimento
foi menos violento, ceifando um grande número de vidas de um e outro lado.
A diferença é que, desta vez, o governo agiu mais rápido. Depois de algumas
tentativas de conciliação mal-sucedidas, Artur Bernardes mandou para Bagé o
próprio ministro da Guerra, general Setembrino de Carvalho, que negociou
intensamente com os dois lados em conflito, chegando finalmente a um acordo,
assinado em 14 de dezembro de 1923, o qual ficou conhecido como Pacto de
Pedras Altas. Por ele, o governador ficaria até o fim o seu mandato, todavia, sem
mais direito à reeleição, e o vice, que até então era nomeado, teria de se
submeter também às eleições diretas.
A Revolução Paulista – 1924
Em 5 de julho de 1924, exatamente no segundo aniversário das revoltas
tenentistas, eclodia em São Paulo uma revolução, comandada pelo general
Isidoro Dias Lopes, tendo como seu lugar-tenente o major Miguel Costa,
comandante da Força Pública do Estado de São Paulo. Dela participaram quase
todos os quartéis militares, tanto do Exército quanto da polícia estadual.
A tática das tropas legalistas enviadas à capital paulista para combater a
rebelião consistiu em bombardear a população civil e o parque fabril, criando
pânico e uma situação de terra arrasada.
Para evitar a destruição da cidade e de seu patrimônio industrial, fonte de
trabalho e riqueza, os revolucionários não tiveram outra alternativa senão retirar-
se para o interior, até o rio Paraná, onde se estabeleceram, na região entre Sete
Quedas e Foz do Iguaçu.
- 024 -
Nesse local permaneceram, aguardando os resultados de outro movimento
que se iniciava no Sul do país, o qual também não teve sucesso. Então, o capitão
Luís Carlos Prestes assume o comando dos remanescentes gaúchos e forma
uma coluna, que parte de São Borja e se dirige a Foz do Iguaçu, para reunir-se
às tropas que vieram de São Paulo.
A Coluna Prestes - 1924-1927
Reunidos todos os revoltosos, é traçado um novo plano de ação, baseado em
um movimento de guerrilhas. O general Isidoro Dias Lopes continua sendo o
comandante geral, mas, devido a sua idade avançada, interna-se em Paso de
los Libres, Paraguai. Assim, o comando efetivo passa para as mãos de Miguel
Costa, que forma seu Estado Maior e divide os guerrilheiros em quatro
destacamentos.
- 025 -
Embora sob o comando de Miguel Costa, o movimento é conhecido como
Coluna Prestes, dada à habilidade e experiência tática demonstradas pelo
capitão Luís Carlos Prestes durante a ação.
O itinerário da Coluna Prestes é contado desde a saída de São Borja, no Rio
Grande do Sul, em 29 de outubro de 1924, passando pela Foz do Iguaçu, onde
se juntou aos paulistas. Daí, segue para o Centro e Nordeste do Brasil, voltando
para o Centro-Oeste. Foram mais de dois anos percorrendo o país, fazendo um
trajeto de pelo menos 10 mil quilômetros (os números variam bastante, chegando
alguns a considerar até 26 mil quilômetros).
O grande feito da Coluna Prestes foi o de despistar as forças legalistas
durante todo esse tempo, trazendo um desgaste político ao governo e
levantando a opinião pública em todo o país em favor dos guerrilheiros. Serviu,
também, para um trabalho de proselitismo, levando a mensagem revolucionária
aos mais distantes rincões do país. Estavam abalados os alicerces da República
Velha e sua queda seria apenas uma questão de tempo.
Paulo Victorino
CAPÍTULO DOIS
O FIM DA PRIMEIRA REPÚBLICA
A REVOLUÇÃO DE 1930
O ataque estava programado para as 12 horas do dia 25 de
outubro. Porém, logo ao raiar desse dia, soa o toque de um clarim
e um mensageiro atravessa a linha de combate, com uma bandeira
branca nas mãos levando mensagem para ser entregue ao general
Paes de Andrade. Mas não era rendição dos revolucionários, pelo
contrário, estes é que ordenavam a rendição incondicional das
tropas legalistas. O mensageiro era o deputado federal Glicério
Alves e a mensagem, logo a seguir confirmada, dava conta de que
Washington Luís renunciara à presidência da República na noite do
dia 24. Estava terminada assim, de forma decepcionante, a Batalha
de Itararé, o grande embate que não chegou a acontecer.
No dia 3 de outubro de 1930, data fatal para o levante, um acontecimento
inesperado facilitou os preparativos finais. No dia anterior, falecera o grande
herói das revoluções de 1893 e 1923, o general Honório de Lemes. Como era
de se esperar, os jornais deram destaque e repercussão a esse fato, desviando,
assim, a atenção da população e das autoridades.
Não houve sequer desconfianças quando os alunos das escolas de Porto
Alegre foram dispensados das aulas mais cedo que de costume.
- 028 -
No palácio, Getúlio despachava como se fosse mais um dia de trabalho. Nos
bastidores, tudo estava preparado para o levante. A não ser que surgisse algum
outro fato novo e inesperado, a articulação, muito bem cuidada, oferecia todas
as condições de sucesso.
O Cavalo de Tróia
Já há algum tempo, para iludir a vigilância militar, a Guarda Civil do Estado,
todas as tardes, ao encerrar seu expediente, entrava em forma, desfilando em
frente ao Quartel General e prestando continência ao comandante da 3ª Região
Militar, general Gil de Almeida.
Diariamente, repetia-se a mesma rotina. Por volta das cinco horas, encerrava-
se o expediente. Às cinco e quinze, pontualmente, o general, de sua janela,
acompanhava a passagem do desfile e se tranquilizava. Se algum movimento
estivesse sendo articulado em Porto Alegre, por certo que não teria a
colaboração do governo estadual.
Naquele dia 3 de outubro de 1930, no mesmo horário de sempre, as tropas
passaram em frente ao QG, só que, enquanto o primeiro grupo continuava o
desfile, o segundo saiu de forma, tomou de assalto a portaria e invadiu o quartel,
aprisionando o General-Comandante.
Em seguida, ao sinal dado por um foguete, ocorreu o levante nos demais
quartéis, que foram tomados sem maiores dificuldades. Por todo o Rio Grande
do Sul, assim como em Santa Catarina e no Paraná, a revolução obedeceu ao
horário determinado. Isso só não aconteceu no Nordeste, onde o comando
estava nas mãos de Juarez Távora.
Relógios fora de sincronia
Como no Sul, a articulação também seguia seu curso no Norte e Nordeste.
Ao aproximar-se a data fatal, já havia um comprometimento, maior ou menor, de
quartéis na Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do
Norte, Ceará, Piauí, Maranhão, Pará e Amazonas. Toda a região estava, pois,
fechada, e parecia não haver maiores problemas.
- 029 -
Em 25 de setembro de 1930, Juarez Távora recebeu um telegrama cifrado de
Osvaldo Aranha (Rio Grande do Sul), informando que o início do levante estava
marcado para 3 de outubro, às 5h30 da tarde.
A data era ótima, pois nesse dia estavam escalados para o serviço em suas
unidades militares os tenentes Agildo Barata e Juraci Magalhães, ambos
comprometidos, assim como elementos importantes do esquema na Paraíba,
onde se achavam Juarez Távora e o comando revolucionário.
No Nordeste, o problema estava no horário, pois dificilmente se conseguiria
sublevar os quartéis em plena luz do dia, sendo conveniente que o início
acontecesse na calada da noite.
Juarez pretendia iniciar o levante na madrugada do dia 4 e propôs que a data
fosse mudada também no Sul, todavia foi infeliz na redação do telegrama, que
saiu nos seguintes termos: "ciente pt peço licença iniciar marcha dia 4".
Aí estava o erro. Iniciar levante é uma coisa, iniciar marcha é outra
totalmente diferente. A autorização do Sul veio, mas referindo-se à alteração do
horário para a movimentação das tropas, que já deveriam estar sublevadas no
final da tarde!
Ao fim do dia 3, havendo chegado ao Recife, onde pretendia acompanhar o
início das operações, Juarez Távora foi surpreendido com a notícia de que o
levante já se iniciara no Sul e que o governo federal expediu um alerta a todos
os Estados para se prevenirem contra qualquer alteração de ordem, colocando
as tropas em prontidão.
Daí por diante, tudo correu mais por conta da capacidade de avaliação e
iniciativa de cada comandante. Por sorte, as reações se fizeram atropeladas,
mas a tempo certo.
Em Recife, foi destruída a Central Telefônica, cortando as comunicações.
Depois, retornando a Paraíba, Juarez encontrou as tropas rebeladas e o povo
às ruas. Dos outros Estados, foram chegando, aos poucos, notícias animadoras
sobre o resultado das operações. A primeira batalha estava vencida.
- 030 -
Do Sul, a marcha para
o Rio de Janeiro
No Sul, como vimos, tudo caminhou dentro do previsto e as praças foram
tomadas sem resistência. Em seguida, formaram-se comboios ferroviários, que
subiriam em direção a São Paulo (Capital) e, depois, seguiriam ao Rio de Janeiro
(Distrito Federal), para a tomada do poder.
De Porto Alegre, as tropas saíram com o tenente-coronel Góis Monteiro, o
governador Getúlio Vargas e João Neves da Fontoura. Somente Osvaldo Aranha
teve de ficar, assumindo o Governo estadual no lugar de Getúlio.
De outro flanco, da cidade de Uruguaiana, divisa com a Argentina, parte o
Destacamento Batista Luzardo. Como a cidade fica a sudoeste do Rio Grande
do Sul, o comboio seguiu um itinerário diverso, sem passar em Porto Alegre,
ficando de encontrar-se com os demais num entroncamento ferroviário, já no
Estado de São Paulo.
- 031 -
Este comboio seguiu, pois, por Alegrete, São Gabriel, Santa Maria,
Tupanciretã, Júlio de Castilhos, e Cruz Alta, até atravessar a fronteira com o
Paraná, por Iraí.
Parando na estação em Santa Maria, segundo conta Luzardo, houve uma
invasão ao trem pela entusiasta garotada do Colégio Santa Maria, que queria
participar da guerra. Foi um custo para retirar os alunos e convencê-los de que
sua missão, naquele momento era estudar. Ainda assim, reiniciado o trajeto,
descobriu-se mais alguns clandestinos, que foram deixados na próxima estação,
para repatriamento. O trajeto das duas caravanas, tanto a de Getúlio quanto a
de Luzardo, era interrompido, em cada parada, por multidões que se postavam
nas estações, de lenço vermelho ao pescoço, saudando os revolucionários.
Em Santa Catarina, no próprio dia 3 de outubro, o general Felipe Portinho
havia dominado a situação a favor dos rebeldes. Blumenau foi instituída capital
provisória do Estado, assumindo, como interventor, o tenente-coronel Arnoldo
Mancebo.
No Paraná, a luta foi vencida sob o comando do major (neste momento
comissionado como general) Plínio Tourinho, que há meses vinha cuidando da
articulação e, em 3 de outubro, colocou-se à frente dos revoltosos. Assumiu o
governo o seu irmão, general (da reserva) Mário Alves Monteiro Tourinho.
Restava, pois, a grande batalha que deveria ocorrer em São Paulo, no
entroncamento de Itararé, onde o governo federal concentrara a maior parte de
suas tropas, para barrar o avanço da frente revolucionária. A Batalha de Itararé,
todos já imaginavam, seria a mais dura e sangrenta dentre todas aquelas de que
já participaram os tenentistas, e já diremos por quê.
Do Nordeste, a marcha
para o Sudeste
Voltemos ao Nordeste, onde a situação já era de quase completo domínio,
após a perigosa oscilação causada pela confusão quanto aos horários de início
do levante. A esta altura, as notícias que chegavam ao comando indicavam que
os revolucionários dominavam a maior parte da região, devendo-se partir, assim,
para o trabalho de consolidação.
- 032 -
Juarez Távora, no comando geral do Nordeste, nomeia o dr. José Américo de
Almeida como interventor da Paraíba e Chefe do Governo Provisório no Norte e
Nordeste, estabelecendo, assim, as bases civis do movimento.
Isto posto, passaram a ser nomeados os interventores nos Estados onde a
luta estava encerrada, quais sejam: Alagoas, Ceará, Maranhão, Paraíba,
Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe.
Os interventores, à falta de normas definidas em lei, passaram a governar
discricionariamente. A única orientação, de caráter geral, estava no telegrama
enviado pelo comandante militar, Juarez Távora, ao comandante civil, José
Américo, nestes termos:
"(...) Desaconselho dissolução imediata do poder judiciário que,
nesta fase transitória, deverá continuar funcionando normalmente,
apenas se reservando o Executivo Revolucionário o direito de
discutir suas decisões contrárias ao espírito da revolução. Todo
Poder Legislativo deve ser considerado inexistente, desde a data
do início da Revolução, como dupla medida, de moralização e
economia. Saudações. General Távora."
- 033 -
Mais coerente, o interventor do Maranhão, de uma vez, extinguiu o Poder
Judiciário, já que, na prática, ele deixa de existir se as suas decisões tiverem de
ser submetidas à aprovação ou não do interventor.
A Batalha de Itararé
No Sul, os comboios prosseguiam em direção ao Estado de São Paulo, com
encontro previsto no entroncamento de Itararé, divisa entre São Paulo e Paraná,
onde a paisagem muda bruscamente, e a terra fértil cede lugar a um grande
penhasco, às margens do rio, formando uma fortaleza natural, de onde um
exército dificilmente seria desalojado.
Era ali, em Itararé, que o governo federal mandara concentrar o maior peso
de suas tropas, esperando a chegada dos rebelados para o ataque fatal.
Já no dia 3 de outubro de 1930, na hora marcada para o início do levante, a
vanguarda revolucionária, estacionada naquelas imediações, iniciara o ataque,
obrigando o delegado de polícia a pedir reforços nas cidades vizinhas, tanto de
São Paulo como do Paraná.
A luta se desenvolveu na forma de guerrilha, enquanto, do lado inimigo,
tropas legalistas iam chegando e tomando posição na fortaleza, sob o comando
do general Pais de Andrade. Ao final, juntaram-se cerca de 2.400 soldados
legalistas, bem armados e municiados.
A ação revolucionária tinha de ser muito bem planejada. Os revolucionários
possuíam um efetivo de 4.200 homens, mas faltava armamento leve (armas
automáticas), necessário para uma operação de deslocamento ligeiro. Havia
apenas uma arma para cada quinze homens, o que diminuía consideravelmente
seu poder de ataque.
Formaram-se, então, quatro destacamentos, sob o comando geral do general
Miguel Costa, com missões bem definidas. O coronel Silva Junior, bem como
Batista Lusardo (1º e 2º Destacamentos) fariam o ataque pela vanguarda; Flores
da Cunha e Alexandrino Bitencourt (2º e 3º Destacamentos) dariam a cobertura
de retaguarda.
- 034 –
O ataque estava programado para as 12 horas do dia 25 de outubro. Porém,
logo ao raiar desse dia, soa o toque de um clarim e um mensageiro atravessa a
linha de combate, com uma bandeira branca nas mãos levando mensagem para
ser entregue ao general Paes de Andrade. Não era rendição dos revolucionários,
pelo contrário, estes é que ordenavam a rendição incondicional das tropas
legalistas.
O mensageiro era o deputado federal Glicério Alves e a mensagem, logo a
seguir confirmada, dava conta de que Washington Luís renunciara à presidência
da República na noite do dia 24. Estava terminada assim, de forma
decepcionante, a Batalha de Itararé, o grande embate que não chegou a
acontecer.
Epílogo
No Nordeste, um teco-teco revolucionário, comandado pelo aviador naval
Djalma Petit, desde o início do levante, vinha sendo usado para jogar folhetos
sobre as capitais, anunciando a tomada da praça e pedindo ao governador que
entregasse o cargo. Foi este o único avião da frota revolucionária.
O mesmo teco-teco levantou voo, em 27 de outubro de 1930, partindo de
Salvador, e levando Djalma Petit, Juarez Távora, seu secretário, tenente
Mirocem Navarro, e o comandante da Vanguarda Revolucionária, tenente Agildo
Barata Ribeiro (que, mais tarde, a exemplo de Prestes, bandeou-se para o
comunismo). Chegaram estes ao Rio de Janeiro no meio de aplausos de
populares.
No dia 30, desembarcam no Rio, também, os revolucionários vindos do Sul,
tendo à frente seu líder, Getúlio Dorneles Vargas, que seria empossado como
Chefe do Governo Provisório. Isto já é assunto para um próximo capítulo.
Paulo Victorino
CAPÍTULO TRÊS
O NAUFRÁGIO DO "TITANIC"
UM PRESIDENTE É DEPOSTO
Crucificado em seu Governo, Washington Luiz, que não era melhor
nem pior que os outros que o precederam, carregou sobre suas
costas todos os pecados da República Velha, mal começada com
um golpe de Estado, mal continuada com um desrespeito
sistemático à ordem constitucional, e mal terminada com um novo
golpe, que viria implantar, na prática, 15 anos de ditadura civil, nas
mãos de um só homem. A História que o julgue.
"O pensamento até parece coisa à-toa, mas como é que a gente voa, quando
começa a pensar..." Este trecho de música popular, bastante conhecida, destaca
o poder da imaginação para nos transportar, numa fração de segundos, para os
lugares mais distantes, no tempo e no espaço, colocando-nos, com absoluta
segurança, dentro dos recintos mais bem policiados, onde ninguém mais entraria
impunemente.
Valendo-nos desse veículo, seguro e rápido, vamos, com o leitor, fazer uma
viagem para o Rio de Janeiro, capital federal, na madrugada de 24 de outubro
de 1930, uma sexta-feira. Nas ruas, via-se um movimento desusado de tropas e
viaturas militares, bem diferente do dia anterior, quando havia apenas uma
calmaria tensa, sinal das grandes tempestades.
- 036 -
Estamos agora em frente ao Palácio Guanabara, onde é total o bloqueio, com
soldados fortemente armados, que não permitem a ninguém entrar ou sair do
prédio. Usando de nossa faculdade, proporcionada pela imaginação, entramos
sem ser vistos ou barrados, subimos ao primeiro andar e passamos à sala de
reuniões da presidência da República.
Ao extremo da longa mesa retangular, com toda sua majestade, se acha,
sentado, o presidente Washington Luís. Nos demais assentos, à sua esquerda
e à sua direita, o pequeno ministério (eram apenas sete ministros), mais os
chefes do gabinete civil e do gabinete militar, o prefeito do Rio e algumas outras
personalidades..
A Junta Militar
A porta da sala se abre e, sem audiência marcada, entram, eretos e com porte
marcial, os generais Tasso Fragoso e Mena Barreto, juntamente com o almirante
Isaias de Noronha.
O Presidente se levanta e encara os três visitantes. Todos os ministros, ficam,
também, em pé, e voltam-se para o centro da cena, onde se inicia um
embaraçoso diálogo entre o general Fragoso e o Presidente:
"O senhor deve compreender", começa o General, "a imensa mágoa com que
viemos aqui: o patriotismo nos ditou a atitude que assumimos. Aqui estamos,
porém, para fornecer-lhe todas as garantias..."
O Presidente rebate: "Não as preciso. Dispenso-as."
E o General prossegue, ignorando a interrupção: "...porque sua vida esta
correndo perigo, e queremos preservá-la."
"Nunca fiz caso da vida e, neste momento, desprezo-a, mais do que nunca",
replica o Presidente.
"Neste caso, o senhor responderá por todas as consequências", ameaça o
General.
- 037 -
"Por todas", conclui o Presidente, com firmeza.
O Presidente trazia ao coldre uma pistola. Os militares, como é natural,
também estavam armados. O Presidente, aparentemente sereno, encara com
firmeza seus interlocutores que, surpresos, ficam sem saber o que fazer. Por fim,
dão meia-volta e se retiram da sala.
Todos, então, voltam a sentar-se e a reunião prossegue do ponto em que
havia sido interrompida. Na parede, o relógio de pêndulo, marca, segundo a
segundo, o tempo que falta para o desfecho do drama.
Este diálogo, e as cenas que se seguem, foram emprestados de uma
testemunha viva dos fatos, o então ministro de Relações Exteriores, Otávio
Mangabeira.
A interferência
do Cardeal
Mangabeira, sentindo inútil a resistência, pede licença, se retira da sala e vai
tomar providências que permitam uma saída honrosa a Washington Luís. Tenta
ligar para o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, D. Sebastião Leme, mas as
linhas telefônicas estão cortadas. Aceita, então, o oferecimento de Tasso
Fragoso, que manda um oficial buscar o Cardeal, mas quem vem em seu lugar
é o vigário geral Monsenhor Costa Rego, para inteirar-se do que está
acontecendo.
Foi uma inútil perda de tempo. O carro volta ao Palácio São Joaquim, sede
da Diocese, enquanto, no Palácio Guanabara, sede do governo, chega o 3º
Regimento, comandado pelo coronel José Pessoa, que toma todos os
corredores e salas, tornando prisioneiros os ocupantes do prédio. Antes não se
podia entrar ou sair; agora, não era nem possível circular de uma sala a outra.
Melhor para nós, que, estando invisíveis, não somos molestados por
ninguém. Assim, depois de longo e sofrido tempo, podemos ver o carro militar
chegando de volta e trazendo, desta vez, o próprio Cardeal, acompanhado do
Monsenhor, já nosso conhecido, e também de D. Benedito, Arcebispo de Vitória
e amigo particular de Washington Luís.
- 038 -
Não subiu direto, o Cardeal. Ficou no saguão, reunido com o Comando Maior,
procurando assimilar os fatos e encontrar uma resposta à ansiedade de todos,
inclusive a dele mesmo.
Os três generais, que procuravam uma solução mais branda para o
Presidente, com uma prisão domiciliar na casa de D. Sebastião, foram
contrariados pelos demais oficiais, que desejavam prisão em quartel. Por fim,
chegaram a uma fórmula, ruim, mas a única admitida pelos militares.
O "Titanic" começa
a afundar
D. Sebastião, então, subiu à sala de reuniões e comunicou o resultado das
conversações. Washington Luís ficaria preso no Forte de Copacabana; o
ministro da Guerra, no Forte São João; e o ministro da Justiça, no Quartel do 1º
Regimento da Cavalaria, em São Cristóvão.
"O Presidente abraçou, um por um, os seus ministros, o prefeito,
os membros de sua casa civil e militar, os seus filhos, em suma, os
que lhe foram companheiros naquela triste jornada. Tinha, no
rosto, o costumado sorriso. Não manifestava emoção. Houve,
entretanto, mais de um grupo que não conteve as lágrimas. (...) O
palácio, iluminado, era um grande navio soçobrando. Aqueles
automóveis que partiam, eram como embarcações que
conduzissem náufragos à terra."
- 039 -
Uma esponja foi passada sobre o quadro negro, apagando toda a Primeira
República e deixando-o pronto para receber uma nova História, a História de
uma Revolução Traída.
O fim da Primeira República
Eis como terminou o episódio:
Formou-se uma comitiva de dois carros. No primeiro ia o Presidente deposto,
mais o Cardeal Arcebispo, D. Sebastião Leme, o general Tasso Fragoso e o
Arcebispo de Vitória, D. Benedito. No segundo, partiam o monsenhor Costa
Rego e alguns militares de proa.
Como, a despeito do forte policiamento, ainda assim, se ajuntasse uma
pequena massa popular em frente ao palácio, as viaturas saíram pelo portão dos
fundos, seguindo pelo túnel velho até o Forte de Copacabana.
Aquele mesmo local que viu nascer a revolução tenentista, em 1922, com o
episódio dos Dezoito do Forte, agora assistia o epílogo, com a prisão do
Presidente deposto.
Washington Luís, pouco tempo depois, foi deportado para a Europa,
amargando 17 anos de exílio. Só voltou ao Brasil em 1947, quando a Segunda
República também já era morta.
Ficou residindo em São Paulo, sua terra por adoção, e passou o resto da vida
dedicando-se a estudos históricos, havendo publicado um livro e vários trabalhos
de pesquisa. Faleceu dez anos depois, com 87 anos de idade.
Crucificado em seu Governo, Washington Luiz, que não era melhor nem pior
que os outros que o precederam, carregou sobre suas costas todos os pecados
da República Velha, mal começada com um golpe de Estado, mal continuada
com um desrespeito sistemático à ordem constitucional, e mal terminada com
um novo golpe, que viria implantar 15 anos de ditadura civil. A História que o
julgue.
Paulo Victorino
CAPÍTULO QUATRO
A REVOLUÇÃO TRAÍDA
GETÚLIO ASSUME E FICA
Ao contrário da Proclamação da República, em 1889, quando o
povo acompanhou indiferente ao desfile das tropas, desta vez, em
1930, houve intensa participação popular. Este é o detalhe que
diferencia uma revolução de um golpe. Em 1930, tanto as tropas
que desciam do Nordeste, quanto as que subiam do Sul eram
aclamadas em todos os lugares por onde passavam.
A conspiração contra o governo de Washington Luís era um segredo de
polichinelo. Não se articula um movimento de tamanha amplitude, envolvendo
todos os Estados, e com infiltração nos quartéis, sem deixar no ar a fumaça
denunciadora de um pavio aceso, marcando o tempo para que o explosivo seja
detonado.
Armava-se, no grande palco, uma farsa, em que cada um representava seu
papel. De um lado, uns fingiam não saber de nada; de outro, os demais fingiam
que nada estava acontecendo. Enquanto isso, prosseguiam os preparativos para
a revolução, e contatos se faziam até no Rio de Janeiro, e nos sítios mais
próximos ao poder central.
- 042 –
Com efeito, já a algumas semanas da data marcada para eclosão do
movimento, o deputado Lindolfo Collor percorria a Capital Federal, sondando o
ânimo de oficiais graduados para sentir a reação destes em face de um levante.
Nessa missão, chegou ele a conversar com o próprio general Tasso Fragoso,
que, mais tarde, seria o chefe da Junta Militar Governativa. Ouviu deste uma
negativa, mas colocada no condicional. Não participaria de nenhum movimento,
era frontalmente contrário à subversão da ordem, todavia, diante de um fato
consumado, não se omitiria, tomando, de sua parte, as medidas que julgasse
convenientes para o país.
- 043 -
A alto comando não só tinha ciência dos acontecimentos, como se sentia
preocupado com o entusiasmo que uma revolução dessa natureza poderia
despertar na jovem oficialidade, com sérios prejuízos à disciplina militar.
Estavam vivas, na memória, as revoltas de julho 1922, com uma inversão
total da hierarquia, que é um elemento essencial à vida militar. Naquela ocasião,
embora derrotados, os sublevados organizaram os levantes de 1924, em São
Paulo e no Rio Grande do Sul.
Mais tarde, os mesmos tenentes formaram a Coluna Prestes, que durante
mais de dois anos percorreu o país, usando, com sucesso, a tática de guerrilhas;
e, ainda agora, tinha-se notícia da participação dos mesmos tenentes,
associados ao poder civil, no movimento que se organizava.
Desta maneira, entendiam os chefes que, se a tomada do poder fosse
inevitável, a iniciativa deveria partir do alto escalão, antes que a situação se
degenerasse, contaminando os jovens oficiais.
Isso explica, de certa maneira, a ação militar paralela desenvolvida na cidade
do Rio de Janeiro, sem qualquer ligação com o movimento revolucionário, o qual,
ao fim de outubro de 1930, já havia se disseminado por quase todo o país.
Instalação do novo governo
Ainda que operando em campos opostos, os revolucionários e os
legalistas, mesmo sem dar-se à conta, operavam de forma sincronizada, como
se houvessem concertado entre si todos os movimentos da operação.
Itararé foi o momento para a ação final. A alta concentração de tropas
governistas, de um lado, e o ânimo dos revoltosos para o ataque, do outro,
faziam prever que uma batalha sangrenta se travaria, com grandes perdas de
vidas humanas e sem proveito nenhum para o país.
Foi assim que, no dia 24 de outubro de 1930, véspera do grande confronto, o
general Tasso Fragoso, o general Mena Barreto e o almirante Isaias de Noronha,
procederam a deposição do presidente Washington Luís, formando os três uma
Junta Governativa, ou Junta Pacificadora, como eles próprios preferiram chamar.
- 044 -
Com isso, cessaram as hostilidades nas duas as frentes, a legalista e a
revolucionária, mas, na contrapartida, a iniciativa da alta oficialidade,
adiantando-se aos revolucionários, despertou nos militares o sentimento
florianista, latente na caserna, e houve uma relutância dos militares em entregar
o poder de volta aos civis.
Como providência imediata à queda de Washington Luís, visando
restabelecer a ordem, foram nomeados os ministros da Guerra, da Marinha e de
Relações Exteriores, respectivamente, general José Fernandes Leite de Castro,
almirante Isaias de Noronha (componente da Junta) e Afrânio de Melo Franco.
Nas demais pastas foram colocados Ministros interinos, apenas para responder
pelo expediente, até que um governo efetivo tomasse posse.
A nomeação de um titular para a pasta de Relações Exteriores atendeu a uma
necessidade premente, pelos desdobramentos diplomáticos causados pela
alteração da ordem constitucional. Tinha ele a missão de estabelecer contato
com as embaixadas, desfazendo as preocupações de outros governos e
administrando eventuais problemas decorrentes do asilo político oferecido por
estas.
Um primeiro incidente já havia ocorrido, quando um navio de bandeira alemã
tentou sair da baía da Guanabara, sem autorização, e foi atingido por nossa
Marinha de Guerra, originando protestos da Embaixada alemã. Já se vê por aí
que a presença de um chanceler na diplomacia, naquele momento, era tão
importante quanto a dos ministros militares.
A participação popular
Ao contrário da Proclamação da República, em 1889, quando o povo
acompanhou indiferente ao desfile das tropas, desta vez, houve intensa
participação popular. Este é o detalhe que diferencia uma revolução de um golpe.
Tanto as tropas que desciam do Nordeste, quanto as que subiam do Sul eram
aclamadas em todos os lugares por onde passavam.
No Rio de Janeiro, naquele dia 24 de outubro, antes que os três oficiais
generais chegassem ao Palácio Guanabara, uma multidão já se acotovelava na
frente dos portões, muitos trazendo lenços vermelhos amarrados ao pescoço.
- 045 -
À frente destes manifestantes, se encontrava o líder socialista e deputado
Maurício de Lacerda (pai de Carlos Lacerda, que então era um simples
estudante).
Maurício de Lacerda era incontestavelmente um líder popular, com uma folha
de trabalhos apreciável na área trabalhista, artífice de estudos e projetos, alguns
dos quais influíram decisivamente nas conquistas operárias da década de vinte.
O próprio general Tasso Fragoso, ao vê-lo em frente ao palácio, pediu-lhe
prudência, aconselhando-o a conter o povo, para evitar que este tentasse
arrombar os portões e invadir o prédio, o que traria consequências imprevisíveis.
Do outro lado, os vitoriosos revolucionários, após a frustrada Batalha de
Itararé, dirigiram-se à cidade de São Paulo (Capital), ponto de baldeação para o
trem que os levaria ao Rio de Janeiro.
Quando Getúlio e sua comitiva desembarcaram na Estação da Sorocabana
(hoje Estação Júlio Prestes), em fins de outubro, uma multidão o esperava, a
maioria com lenços vermelhos ao pescoço. O trajeto até o Palácio dos Campos
Elíseos, a cerca de quatro quarteirões, se fez no meio de aclamações. Conta
Hélio Silva:
"Bandeiras pelas ruas, colchas e tapetes nas janelas, em todo o
trajeto, até o Palácio dos Campos Elísios, cujos portões Aureliano
Leite [delegado auxiliar] mandou fechar. Vargas determinou que
fossem abertos. O povo invadiu os jardins e exigiu que Getúlio
falasse. E ele falou comovidamente."
Esse entusiasmo popular vinha desde a guerrilha da Coluna Prestes (1924-
1927), cuja movimentação foi acompanhada com o maior interesse pelas
massas.
Neste momento, ele foi decisivo, pois, firmado no respaldo popular, Getúlio
Vargas ganhou autoridade moral para exigir sua posse em substituição à Junta
Militar que se formou e que não tinha nenhuma disposição em devolver o poder
aos civis.
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As preocupações dos
revolucionários
A deposição de Washington Luís veio encontrar a Revolução no seguinte
ponto:
No Nordeste, a situação estava sob total controle revolucionário, com
interventores, quase todos tenentes, nomeados na maioria dos Estados.
No Rio Grande do Sul, permaneceu, no governo estadual, o Secretário do
Interior, Oswaldo Aranha, que já havia assumido interinamente o governo
estadual, já que o governador e o vice estavam engajados no movimento
revolucionário.
No Paraná e em Santa Catarina, dois interventores foram nomeados pelo
comando revolucionário, ambos identificados com o movimento e também com
boa aceitação popular.
Em Minas Gerais, continuava no poder o governador Olegário Maciel, fiel à
Revolução, enquanto que os mineiros prosseguiam a luta no Espírito Santo e no
Estado do Rio de Janeiro, para eliminar focos de resistência. A grande tragédia
entre eles atingiu o líder revolucionário Djalma Dutra, morto, por engano, por sua
própria sentinela.
Era mais complicada a situação do Estado de São Paulo, onde estava no
poder o vice-Governador, Heitor Penteado, mas cujo governo era realmente
controlado pelo ex-Governador Júlio Prestes, pivô da insurreição. Como se
lembra, Júlio Prestes é que fora eleito presidente da República. Ganhou, mas
não levou.
A súbita queda do presidente Washington Luís, seguida da posse do governo
pela Junta Militar, causou natural preocupação no comando revolucionário, tanto
mais que o novo governo, que deveria ser de transição, passou a editar uma
série de medidas, como se houvessem assumido o poder em caráter definitivo.
- 047 –
Faltava só um detalhe
A presença da Junta Militar, naquela conjuntura, tinha um significado
importante, pois apresentava a transição como um imperativo de segurança
nacional e não como o resultado de um conflito armado.
Não era a vitória dos revolucionários contra as tropas legalistas que estava
agora em discussão, mas a posse de um governo provisório, que iria pôr em
ordem o processo, restaurando a normalidade constitucional. Aí estava o ponto
de discordância entre a Junta Militar e o Comando Revolucionário.
Getúlio Vargas perdera para Júlio Prestes as eleições de 1º de março de
1930, dentro de um processo fraudulento, como, aliás acontecera com todas as
eleições durante a Primeira República. Desta maneira, ele queria assumir o
poder como Presidente legítimo, consagrado nas eleições, mas esbulhado
durante a realização do pleito e a apuração dos votos.
Já, os militares, até aceitavam a posse de Getúlio, como fruto da vontade
popular, porém, somente na condição de Chefe de Governo Provisório, com o
que não concordavam, nem Getúlio, nem Góis Monteiro, nem os demais líderes
do movimento.
Osvaldo Aranha, interventor no Rio Grande do Sul, seguiu, de avião, para o
Rio de Janeiro e, servindo de almofada entre os cristais, funcionou como
intermediário entre as duas frentes, conseguindo, finalmente, o assentimento
dos revolucionários às exigências dos militares.
Prevaleceu, assim, o bom senso, e ficou acertado que a posse do chefe
máximo da Revolução se daria logo após sua chegada ao Rio de Janeiro, o que
demoraria alguns dias, já que ele passaria primeiro pela capital paulista, antes
de tomar o trem da Central do Brasil em direção ao Rio.
A situação em São Paulo
Além do tradicional Partido Republicano, que elegeu Júlio Prestes como
presidente da República e se pôs junto aos legalistas, contra o levante, São
Paulo contava agora, também, com o Partido Democrático, formado
principalmente por jovens idealistas da classe média, que apoiaram francamente
- 048 -
a Revolução e se achavam, assim, com direito de assumir a Interventoria
naquele Estado.
Prudentemente, a Junta Militar determinou que o poder fosse entregue,
provisoriamente, ao comandante da 2ª Região Militar, general Hastínfilo de
Moura, incumbido, também, de nomear um secretariado composto somente de
civis, escolhidos dentro do Partido Democrático.
Em seguida, coerentemente, a Junta sondou Francisco Morato, do mesmo
partido, sobre seu interesse em assumir a Interventoria. Num ato falho, Morato,
embora manifestando interesse no assunto, respondeu que só aceitaria o cargo
se contasse com a aprovação de Getúlio Vargas. Este, por sua vez, quando
consultado, usou de tática protelatória, respondendo que o assunto seria tratado
quando de sua chegada a São Paulo.
Tivesse aceitado imediatamente o oferecimento, Francisco Morato talvez
evitasse uma sucessão de acontecimentos desastrosos. Ao protelar a decisão,
permitiu que uma agitação desordenada se fizesse em torno do assunto, pondo
em choque interesses dos mais variados.
O tenente João Alberto tinha notório interesse em assumir o cargo; por sua
vez, o caudilho gaúcho Batista Luzardo interferiu junto a Getúlio, propondo o
nome de Miguel Costa, que fora comandante, primeiro da Revolução de 1924,
depois da Coluna Prestes, e por fim, da vanguarda das tropas que se achavam,
agora, estacionadas em Itararé.
Eram, em efetivo, três postulantes, além de outros nomes que circulavam nos
bastidores. Destarte, a solução final foi protelada, mais uma vez, para após a
sua posse no Governo Provisório.
A posse e as interventorias
No dia 3 de novembro, exatamente um mês após a eclosão do movimento,
Getúlio Vargas tomava posse como Chefe do Governo Provisório, recebendo o
poder da Junta Governativa.
- 049 -
Entre as inúmeras providencias a serem tomadas, urgia referendar a
nomeação dos interventores, feita durante a marcha da Revolução. O governo
mineiro, como vimos anteriormente, ficou ao lado da revolução e, em
homenagem a essa fidelidade, Olegário Maciel foi o único que, não sendo
substituído, permaneceu com o título de Governador (ou Presidente do Estado,
que é como se designava na época).
São Paulo, sem definição, estava sendo governado pelo secretariado, civil e
paulista, como queriam os democráticos. Getúlio, contemporizando, enviou para
lá o tenente João Alberto (militar e pernambucano) como seu preposto.
João Alberto, se não era interventor, agia como se assim o fosse. Em 7 de
novembro, autorizou o Partido Comunista (esquerda) a instalar sua sede em
São Paulo, já que não havia disposição legal em contrário.
Dias depois, fundou uma Legião Revolucionária (direita) para defender os
objetivos da Revolução, lançando um manifesto popular, assinado por ele, por
Miguel Costa e por Mendonça Lima. Era uma no cravo e outra na ferradura.
Essas Legiões começavam a ser organizadas em alguns pontos do país, e
outro motivo não tinham senão o de conservar o poder dos tenentes nos
Estados, em detrimento do poder civil, intenção que não faziam por esconder.
Em São Paulo, os Democráticos estavam irritados com tamanha
interferência, enquanto que, de sua parte, João Alberto insistia com Getúlio para
que apressasse sua nomeação.
Do Rio Grande do Sul, Oswaldo Aranha manda ao Rio de Janeiro o caudilho
João Batista Luzardo para conversar com Getúlio e arrancar deste a nomeação
de João Alberto.
Por seu lado, os Democráticos também não perdiam tempo. Como se sabe,
o Governo Provisório em São Paulo estava nas mãos de um secretariado cujo
Presidente era José Maria Witaker, que foi, depois, convidado por Getúlio para
assumir o Ministério da Fazenda.
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Com isso, a chefia do governo estadual passou para as mãos de Plínio
Barreto, redator-chefe do jornal O Estado de São Paulo, o qual começou a
reclamar da interferência indevida de João Alberto nos assuntos de governo.
Getúlio, então, desejando liquidar de uma vez o assunto, nomeou João
Alberto, em definitivo, como Interventor no Estado de São Paulo.
As consequências de tal ato serão narradas no capítulo relativo à Revolução
Constitucionalista de 1932. Por ora, basta adiantar que, em pouco mais de dois
anos, São Paulo teve oito interventores: O general Hastínfilo de Moura (ad hoc),
João Alberto (agora nomeado), Laudo de Camargo, general Manoel Rabelo,
Pedro de Toledo, depois, o general Valdomiro Lima, o general Manoel Cerqueira
daltro Filho e, por fim, Armando de Sales Oliveira (este último aparece na foto
abaixo, à direita de Getúlio Vargas)
.
Quem era Getúlio Vargas
Getúlio Dorneles Vargas nasceu em 1883 em São Borja, na divisa entre o Rio
Grande do Sul e a província de Corrientes, ao Norte da Argentina. Seu pai,
Manuel Vargas, lutou na Guerra do Paraguai e depois na Revolução Federalista
de 1893, tomando o partido de Júlio de Castilhos. Portanto, Getúlio tinha origem
em família tradicional republicana (blancos).
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Em 1900, foi estudar em Ouro Preto, Estado de Minas, onde se achavam,
também, seus dois irmãos mais velhos, Viriato e Protásio.
Um dia, os três e mais outros se envolveram num sério conflito entre
estudantes, tendo como resultado a morte de um dos colegas, provocada não
se sabe por quem. Em consequência, foram todos expulsos da escola,
retornando ao Rio Grande do Sul.
Entrou, então, para a Escola de Cadetes de Rio Pardo, mas, em 1902,
solidarizou-se com um grupo de colegas que haviam se rebelado contra seu
superior. Os colegas foram expulsos e ele, achando injusta a pena, pediu
demissão da Escola, voltando ao Exército, desta vez, como simples soldado.
Nesse mesmo ano, surgiu a Questão do Acre, envolvendo o Brasil, a Bolívia
e uma companha americana (Bolivian Syndicate) já contada em capítulo anterior.
Tropas foram mobilizadas, e o 25º Batalhão de Infantaria, de que Getúlio fazia
parte, seguiu para Corumbá, com o fim de defender nossas divisas.
Resolvido o conflito, voltou ele para o Rio Grande do Sul, matriculando-se na
Faculdade de Direito de Porto Alegre, onde concluiu o curso e foi orador oficial
dos bacharelandos.
Durante esse período acadêmico, fez suas experiências como jornalista,
fundando um periódico. com alguns de seus colegas. Foi também aí que iniciou
sua carreira política, atuando em movimentos do Partido Republicano.
Getúlio Vargas, até 1930, sempre foi um político regional, sem maior projeção
no cenário federal. Foi deputado estadual e, como presidente da Assembleia
Legislativa, referendou o nome de Borges de Medeiros para mais um mandato
como Governador, originando, com isso, a Revolução de 1923, também já
contada aqui.
Aceitando o convite de Washington Luís para assumir o Ministério da
Fazenda, logo demitiu-se para candidatar-se a Presidente de seu Estado,
ganhando as eleições.
- 052 -
Nesse cargo é que fomos encontrá-lo no momento em que candidatou-se a
presidente da República (sem se desincompatibilizar do mandato de
Governador, o que era permitido naquela época).
Foi ainda como governador do Rio Grande do Sul que Getúlio saiu para a
marcha revolucionária, em 3 de outubro de 1930 e, um mês depois, tomava
posse como Chefe do Governo Provisório, com o Congresso extinto e sem
Constituição, o que o tornava um ditador plenipotenciário.
Seu Ministério ficou assim constituído:
Relações Exteriores, Afrânio de Melo Franco, mineiro; Justiça,
Osvaldo Aranha, gaúcho e blanco; Agricultura, Joaquim Francisco
de Assis Brasil, gaúcho e colorado; Fazenda, José Maria Witaker,
paulista; Educação e Saúde (desmembrado da Justiça), Francisco
Luís da Silva Campos, mineiro; Guerra, general José Fernandes
Leite de Castro; Marinha, almirante José Isaias de Noronha,
fluminense. Foi criado ainda o Ministério do Trabalho, entregue a
Lindolfo Color, gaúcho.
Limpando a área
O primeiro problema a resolver era dar um destino à grande quantidade de
prisioneiros feitos nesses dez dias que se seguiram à deposição de Washington
Luís, até a posse de Getúlio Vargas.
Nesses temerosos dias, prendiam-se pessoas por qualquer motivo ou por
motivo nenhum e, vivendo-se em regime de exceção, a decisão sobre o destino
de cada um era sobretudo política, dependendo das boas graças do chefe de
Polícia ou da influência de pessoas ligadas ao novo governo.
Nesse clima, o caudilho João Batista Luzardo foi chamado ao Rio de Janeiro,
sendo empossado no cargo de chefe de Polícia.
Velha raposa política, conhecedor de todos e conhecido por todos, bem
relacionado com políticos e outras personalidades, era a pessoa ideal para fazer
a seleção dos atingidos pela Revolução, dando a cada um o destino que julgasse
conveniente.
- 053 -
A seu favor, Luzardo tinha o reconhecimento geral de seu bom senso. Não
era vingativo nem pretendia cometer injustiças, mas, ainda assim, o estado
emocional do momento impedia qualquer julgamento dentro da absoluta
neutralidade.
Foi assim, por exemplo, que concedeu liberdade ao escritor Gilberto Amado,
que acabara de chegar da Europa e fora preso, com sua mulher, logo ao descer
do navio. Não só o libertou, como fez questão de levá-lo pessoalmente à casa,
tecendo-lhe os maiores elogios e assegurando-o de que era desse tipo de
homens que a Revolução estava precisando.
Nada a contrariar sobre o reparo à injustiça cometida contra o escritor
sergipano. Mas o mesmo Luzardo, poucos dias depois, manda prender o ex-
ministro de Relações Exteriores, Otávio Mangabeira, conduzindo-o para o
quartel do 1º Regimento de Cavalaria do Exército.
Como se lembra, fora ele que, nos momentos dramáticos da deposição,
cuidou de todas as negociações com a Junta Militar, conseguindo a vinda do
Cardeal Arcebispo ao Palácio, o qual convenceu Washington Luís a renunciar.
Não fora a ação equilibrada de Mangabeira naquele momento difícil, e as
coisas, talvez, não terminassem de maneira tão pacífica. Pois agora, ao invés do
reconhecimento pelos bons serviços prestados, o ex-Ministro estava preso e
tinha como destino final a deportação para a Europa, de onde só voltaria em
1934, com a anistia que acompanhou a Constituição então promulgada. A
propósito, se expressa Mangabeira:
"Acabo de ser intimado para retirar-me do Brasil. Que tristeza! Não
se me perguntou quais os recursos de que para tal dispunha. Como
se a deportação, ela própria, não tivesse suas regras. Como se os
países estrangeiros fossem postos de degredo! Como se a eles
não assistisse o direito de não receber tais imigrantes. Quão
excessivo o desconhecimento de coisas tão comezinhas! Falou-se
em um tribunal que vai julgar as autoridades depostas. Que
retrocesso! Que abismo! Quanto trabalho perdido para aumentar,
no estrangeiro, nosso conceito internacional!"
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Como acontece em tais momentos, muitas outras injustiças foram cometidas,
muitos foram presos e fichados, sem ter como reclamar, pois o próprio judiciário
estava manietado.
O novo ministro da Justiça, Osvaldo Aranha, em entrevista à imprensa, diz:
"Estamos diante de uma situação de fato e não de direito. Estamos,
enfim, numa situação revolucionária plenamente vitoriosa."
A mesma frase viria a ser, acidentalmente, usada por Juarez Távora, 34 anos
depois, para justificar o golpe militar de 1964. Plus ça change, plus c’est la même
chose. Quanto mais muda, mais igual fica...
Primeiras medidas de governo
Num momento crítico como esse, não pode haver um instante de imobilidade.
O governo tem que agir rápida e eficientemente para que os problemas não se
acumulem ao ponto de causar uma paralisação total do país.
A primeira medida saneadora foi despachar para o exterior os homens do
antigo regime, que lotavam as prisões e as embaixadas, na maioria políticos e
homens de confiança do governo anterior.
Numa primeira leva, seguiram figuras bastante conhecidas, como o senador
Irineu Machado, do Rio de Janeiro; o deputado e historiador José Maria Belo, de
Pernambuco; o deputado Paim Filho, do Rio Grande do Sul; e o deputado Miguel
Calmon, da Bahia.
Ao mesmo tempo em que o governo ia se desvencilhando dessa carga
incômoda de adversários, um decreto era assinado, beneficiando os novos
donos do poder com uma anistia ampla e irrestrita, determinando silêncio
perpétuo sobre todos os crimes cometidos desde a revolta de 1922 e fazendo
retornar para a ativa das Forças Armadas, em seus antigos postos, todos
aqueles que se rebelaram contra os governos de Epitácio Pessoa, Artur
Bernardes e Washington Luís. É assim que o mundo gira...
- 055 -
Com esses ajustes, voltavam, pois, à legalidade, os tenentes e os demais que
participaram das revoluções de 1922, 1923 e 1924, da Coluna Prestes e da
Revolução de 1930 agora vitoriosa.
Voltavam à legalidade, também, o general Isidoro Dias Lopes e seu lugar-
tenente, o major Miguel Costa, este último reassumindo, o comando da Força
Pública do Estado de São Paulo.
Foram dissolvidos o Senado Federal, a Câmara Federal, todas as
Assembleias Legislativas e os Senados Estaduais, bem como as Câmaras
Municipais, passando o país a ser governado por decretos, assinados pelo
Presidente, ou pelos interventores, nomeados ou confirmados pelo poder
central.
O princípio federativo, consagrado pela Constituição de 1891 estava, de vez,
extinto, passando o país a conviver com um governo unitário e sem os
contrapesos proporcionados pelos Três Poderes.
Os governadores de estado foram substituídos por Interventores, nomeados
pelo presidente Getúlio Vargas e, por sua vez, eram estes interventores que
nomeavam os prefeitos, subordinados ao seu comando.
Alterou-se a estrutura do Supremo Tribunal Federal, diminuindo de treze para
onze o número de Ministros que compunham esse órgão máximo da Justiça.
Aliás, o Supremo, guardião da Carta Magna, nem tinha mais o que fazer, pois o
Governo Provisório revogou a Constituição de 1891 e nenhuma outra foi
outorgada (menos ainda promulgada) em seu lugar.
À falta de uma Constituição, o governo, em todos os níveis, passou a atuar
discricionariamente, ao sabor dos acontecimentos e do humor dos governantes.
Estava criada a máquina que entregava o poder absoluto a Getúlio Vargas e que,
bem azeitada, iria funcionar, com alguns ajustes, por 15 anos.
Mais um detalhe: como a situação do Brasil setentrional era complicada e
Getúlio não tinha familiaridade política com os núcleos do poder naquela parte
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do país, nem conhecia os interventores nomeados por Juarez Távora, este foi
designado coordenador político e administrativo da região, desde a Bahia até o
Pará e Amazonas.
Por isso, ironicamente, a opinião pública passou a considerá-lo como o Vice-
Rei do Norte, numa alusão à divisão administrativa das antigas colônias
espanholas.
A expressão Norte designava todos os Estados acima do Brasil Central,
desde a Bahia até o Amazonas. Aliás, até os anos 50, os nordestinos eram
chamados simplesmente de nortistas.
Recomposição das
forças revolucionárias
A composição de forças que se uniram para fazer a Revolução de 1930 era
por demais heterogênea para que pudesse se manter coesa depois de
alcançados os objetivos.
Nesse emaranhado estavam aglutinados os tenentes de 1922, que lutaram
contra Epitácio Pessoa e Artur Bernardes; lá estava também o reverso da
moeda, com Epitácio Pessoa e Artur Bernardes, justamente os que derrotaram
os tenentes e jogaram-nos à clandestinidade.
Encontravam-se no movimento os homens que lutavam contra as oligarquias
e pela renovação dos costumes políticos; juntas se achavam outras oligarquias,
sedentas de substituir as oligarquias anteriores e se beneficiar das vantagens
oferecidas pelo poder.
É natural e compreensível que todos esses elementos discrepantes venham
agora a se reorganizar, retomando seus próprios objetivos e tentando, cada um,
influir no poder, seja imponto a própria opinião, seja passando para a oposição,
se alijados do poder. É a reorganização de forças que ocorre em qualquer
revolução vitoriosa, uma regra que não comporta exceções.
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Os grupos de apoio influentes no Governo Provisório de Getúlio Vargas logo
lhe dão uma face própria, com traços facilmente identificáveis.
Uma dessas características é a influência militar, com destaque para os
tenentes, agora de volta à legalidade, uns com influência nos quartéis, e outros
ocupando interventorias ou postos importantes no governo.
Outra característica, igualmente importante, é a consolidação de forças civis
de extrema direita, com tendências nazifascistas, sofrendo influência sobretudo
dos movimentos italianos.
Foi assim que começaram a se formar as Legiões Revolucionárias, em alguns
pontos do país. Além disso, para aglutinar as lideranças, fundou-se o Clube 3 de
Outubro, reunindo a fina-flor do tenentismo, com participação do próprio coronel
Góis Monteiro, líder militar da Revolução, e com um apoio ostensivo de Getúlio
Vargas, que lhe fez várias visitas e pronunciou discursos de preocupante teor
totalitário.
Essa viria, aliás, a ser uma característica predominante de Getúlio durante os
15 anos que permaneceu no poder, qual seja, a de usar as forças
ocasionalmente predominantes, colocando-as a seu serviço, mas sempre
deixando rotas de fuga para livrar-se desses aliados no momento em que eles
se fizessem inconvenientes aos seus próprios objetivos.
A corrente civil logo passou à organização de milícias, usando uniformes
especiais, à semelhança dos camisas negras de Mussolini e os camisas-pardas
de Hitler.
Uma dessas milícias era a dos camisas-cáqui, fundada em Minas Gerais pelo
Ministro da Educação e Saúde, Francisco Campos, conhecida como Legião
Mineira.
Outra, que permaneceu por anos e influiu pesadamente na Segunda
República foi a dos camisas verdes do escritor Plínio Salgado, reunida em torno
da Ação Integralista Brasileira.
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A existência dessas forças em recinto fechado já era um elemento
conspiratório preocupante à sociedade; já a presença delas nas ruas levava
inevitavelmente à pressão psicológica e física, limitando ou inibindo a liberdade
de pensamento e circulação.
Todavia, não se pode atribuir o surgimento dessas agremiações apenas à
revolução vitoriosa. Havia por toda parte uma descrença pelas ideias liberais e,
desde o surgimento da União Soviética, o mundo começou a se radicalizar em
dois blocos distintos, de esquerda e de direita, ambos buscando o confronto e
abominando o diálogo.
A década de 1930, em todo o mundo, estavam mais para a radicalização do
que para o diálogo e as posições extremas eram uma característica
predominante em qualquer lugar.
O ataque ao "Diário Carioca"
Já dissemos que a personalidade de Getúlio Vargas o conduzia a incentivar
sorrateiramente as forças que, de alguma forma, pudessem ajudá-lo na
realização de seus planos, para depois, no momento próprio, anular essas forças
colocando-as, se preciso, fora da lei.
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Não inibindo os movimentos radicais de direita, permitia implicitamente os
abusos sem que, entretanto, tivesse de se responsabilizar pessoalmente pelas
arbitrariedades cometidas.
Com frequência desusada e preocupante, ocorriam atentados à ordem
pública, sem que os responsáveis fossem punidos, ou sequer identificados
oficialmente, muito embora fossem de todos conhecidos.
O mais grave desses incidentes foi o empastelamento do jornal Diário
Carioca, ocorrido em 24 de fevereiro de 1932. Naquela época, a rotina de
produção de um jornal era, mais ou menos, a seguinte: a matéria, chegada da
redação ia para a composição nas linotipos, onde se fundiam as linhas do texto.
Os títulos eram compostos à mão, letra a letra, usando-se fontes metálicas. As
manchetes igualmente montadas à mão, se faziam com tipos de madeira (letras
garrafais).
Na bancada, todo esse material era reunido, de forma artesanal, formando as
páginas que, depois, eram colocadas em uma prensa (calandra), produzindo-se
um molde em relevo sobre uma folha de papelão (flan). Esse molde era, então,
vergado em semi-circulo, fundindo-se então uma placa de chumbo (telha), que
se tornava em matriz definitiva, depois fixada na impressora para a impressão.
Facilmente se percebe que o calcanhar-de-Aquiles, em toda essa operação,
era a fase de paginação, ou seja, a formação das páginas dentro das ramas,
reunindo-se as linhas da linotipo com os títulos, clichês, enfim o que se referia à
composição do jornal, numa massa mole que, jogada ao chão, em uma fração
de segundo se decompunha, inutilizando o trabalho de um dia inteiro.
Era o conhecido pastel, que inibia os demais processos de feitura do jornal
e, por consequência, impedia a impressão e subsequente circulação.
Já após a deposição de Washington Luís, grupos enfurecidos, em várias
partes do país, percorreram jornais simpáticos ao governo deposto, provocando
seu empastelamento.
- 060 –
Tal atitude, anti-social, anti-democrática e criminosa, continuou se
verificando, de quando em quando, e recrudesceu com o surgimento de milícias
e grupos políticos radicais. A impunidade gerava novos atos de intimidação
criando uma escalada da violência.
O "empastelamento" do jornal
Quem melhor pode testemunhar sobre o empastelamento do Diário Carioca,
ocorrido a 25 de fevereiro de 1932, é João Batista Luzardo, então Chefe de
Polícia do governo Vargas e ele o fez, três anos depois, em discurso na Câmara
Federal:
"Estava em minha residência quando, por volta das 23 horas,
recebi um comunicado, pelo telefone especial, de que algo de
anormal se passava na praça Tiradentes, porque se ouviam
descargas sobre descargas. Telefonei, como era de meu hábito,
para a 4ª Delegacia Auxiliar, à frente da qual se encontrava o Sr.
Salgado Filho, perguntando o que ocorria. Sua excelência não se
achava na Repartição.
Tomei, então, providências imediatas para que o delegado de
serviço corresse à praça Tiradentes, enquanto eu mesmo me
movia, de casa, diretamente ao local do crime. Quando cheguei à
praça Tiradentes, encontrei três caminhões, todos cheios de praças
do Exército, que debandavam. (...)
Dez minutos depois, chegavam também o Sr. Flores da Cunha
e o Sr. José Américo, ministro da Viação. Ainda encontramos cinco
homens, empregados da redação, caídos, dois gravemente e três
levemente feridos por armas de guerra, os quais enunciavam os
nomes das pessoas que haviam comandado a escolta ou força
atacante das oficinas do matutino carioca."
Luzardo não tem dúvidas de que o chefe do Governo Provisório tinha
conhecimento prévio do atentado. Informado da ocorrência, no próprio gabinete
presidencial, Getulio teria respondido ao Ministro da Justiça:
"Mas o que queres que eu faça? Pois os rapazes fizeram isso
porque o ‘Diário Carioca’ estava me atacando? Não posso ser
contra eles!"
- 061 -
E prossegue Luzardo:
"O senhor Getúlio Vargas, forçosamente, deveria ter sido
previamente informado desse assalto, se é que não foi ele o seu
próprio idealizador. As precauções e cautelas tomadas pelo sr.
Osvaldo Aranha, ao informá-lo do ocorrido, bem demonstram que
sua missão foi a de comunicar-lhe, não uma novidade ou surpresa,
mas sim a maneira pela qual suas ordens haviam sido cumpridas."
Ficou patenteado que o grupo atacante do jornal era constituído por oficiais
do 1º Regimento de Cavalaria Divisionária, sediado na avenida Pedro Ivo, com
o concurso de outras unidades e departamentos.
A reação ao atentado foi tamanha que, em alguns Estados, todos os jornais
decidiram fazer um ato de protesto, suspendendo sua circulação por um dia.
O episódio, sem maiores desdobramentos, é registrado para dar ideia do
clima existente na época quando, após quase dois anos de Governo Provisório,
tudo se fazia para protelar a convocação de uma Assembleia Constituinte,
permitindo a radicalização cada vez maior do regime.
Foi nesse ambiente tenso que se desenrolaram os acontecimentos que
levaram à Revolução Constitucionalista de 1932, cuja trama envolvia
inicialmente os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, mas
que, ao fim, eclodiu apenas em São Paulo, ganhando na contra-informação do
Governo Provisório a classificação de movimento separatista.
Paulo Victorino
CAPÍTULO CINCO
A REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA
O FIM DO PODER DISCRICIONÁRIO
Os tenentes passaram oito anos no exílio ou no anonimato,
expulsos do Exército, afastados da família, banidos da sociedade,
comendo o pão que o diabo amassou e se esqueceu de assar, e
não pretendiam entregar o poder a revolucionários de última hora
nem era sua intenção a redemocratização do país para entregá-lo
às mesmas forças que haviam combatido. Para eles, melhor do que
movimentar as peças no xadrez, seria virar de uma vez o tabuleiro.
Costuma-se dizer que, em uma guerra, a primeira vítima é a verdade. Uma
das mais poderosas armas de combate é a contra-informação, isto é, a
propagação de informações distorcidas ou inverídicas, que lancem dúvidas ou
falseiem a verdade, criando clima psicológico para justificar a ação.
Esse recurso é muito usado em qualquer embate, seja no terreno das ideias,
na atuação política, ou na operação armada. Conquistar a opinião pública para
seus objetivos, causando a confusão mental, é meio caminho andado para a
vitória.
Não por acaso que os governos e as forças militares ou revolucionárias de
todo o mundo têm setores especializados nos serviços inteligência, munindo-se
- 064 –
da informação necessária mas, ao mesmo tempo divulgando a informação
mentirosa ou distorcida, manipulando dados com a mesma eficiência com que
manejam as armas. E a contra-informação é uma arma poderosa!
Ao eclodir o movimento constitucionalista de 1932, o Governo Provisório fez
espalhar a versão oficial de que o verdadeiro objetivo de luta no Estado de São
Paulo era o de separar-se do Brasil.
Paralelamente, boatos davam conta de que o ex-presidente do Estado, Altino
Arantes, reunia forças para dar um golpe de Estado, derrubando o Governo
Provisório e transferindo a capital da República para São Paulo.
O ano de 1932 já vai longe. Documentos que antes eram secretos ou
pertenciam a arquivos particulares, inclusive os arquivos do próprio Sr. Getúlio
Vargas, vieram à tona e foram analisados minuciosamente pelos estudiosos da
História do Brasil.
Nada, nada mesmo, foi encontrado nestas oito décadas de pesquisa, que
possa levantar a mínima suspeita quanto a pretensões separatistas, menos
ainda, que, em algum momento, se tenha pretendido transformar São Paulo na
capital do país.
Mas a mentira, repetida várias vezes, adquire sabor de verdade. Tal foi, por
exemplo, o boato propalado em 1989, de que Deodoro estava preso e que tropas
seriam removidas do Rio de Janeiro para pontos distantes do país. Descoberta
a mentira, mais tarde, tudo estava consumado, o imperador Pedro II já havia sido
derrubado e exilado.
Tal foi também o episódio das cartas apócrifas de Artur Bernardes, pretexto
para a subversão dos quartéis em 1922. E, percorrendo a História,
encontraremos, a todo o momento episódios em que a contra-informação cria
justificativa para uma ação, nem sempre bem-intencionada, de quem a divulga.
Antes de se fazer juízo sobre os pontos positivos e negativos da Revolução
de 1932, vale à pena dar uma vista aos acontecimentos, à luz da documentação
existente sobre o assunto.
- 065 -
Até porque, numa guerra, não existem santos. A guerra é a negativa da
lógica, ou a lógica do absurdo, que pretende substituir a força da verdade pela
verdade da força.
As facções em confronto
O Governo Provisório, instalado em 3 de novembro de 1930, era um mar de
contradições. Seu chefe supremo, Getúlio Vargas, positivista dos velhos tempos
de República, sonhava com um governo forte e, se possível, permanente.
Hábil estrategista, com personalidade serena e equilibrada, movimentava,
uma a uma, pacientemente, as pedras desse complicado tabuleiro de xadrez,
que é a vida pública.
Não descartava a violência, mas preferia o caminho da paz para atingir seus
objetivos. Se possível, cedia, caso contrário investia ousadamente, usando todos
os recursos à sua disposição.
- 066 -
Paralelamente, para o bem ou para o mal, os tenentes de 1922 assumiram o
poder com Getúlio, e até antes dele, já que os interventores militares iam sendo
nomeados assim que cada governador era deposto, criando uma rede poderosa
a se contrapor com o governo central, antes mesmo que este o Governo
Provisório fosse, de fato, instalado.
Por outro lado, os tenentes passaram oito anos no exílio ou no anonimato,
expulsos do Exército, afastados da família, banidos da sociedade, comendo o
pão que o diabo amassou e se esqueceu de assar, e não pretendiam entregar o
poder a revolucionários de última hora, nem era sua intenção a
redemocratização do país para entregá-lo às mesmas forças que haviam
combatido. Para eles, melhor do que movimentar as peças no xadrez, seria virar
de uma vez o tabuleiro.
Por outro lado, no Brasil inteiro, as oligarquias reinantes foram derrubadas e
alijadas do governo. O impacto era sentido especialmente em São Paulo, onde
os ruralistas, reunidos em torno do Partido Republicano (PRP) perderam a chance de prosseguir com a política de sustentação do café à custa do dinheiro
público.
Em São Paulo, havia, também, desde alguns anos, o Partido Democrático
(PD), que participara da Revolução de 1930 ao lado dos revoltosos, ora no
governo, e esperava receber sua fatia de bolo na distribuição do poder.
Por fim, em São Paulo, como no restante do país, os tenentes tratavam de
instalar suas bases permanentes no Estado valendo-se do tenente João Alberto
e do major Miguel Costa.
Assim é que, seguindo a orientação do vice-rei do Norte, Juarez Távora,
promoveram a fundação da Legião Revolucionária, de tendências totalitárias,
como o eram também o Clube dos Tenentes e outras associações paramilitares,
proliferando por esse Brasil afora.
Outra força emergente e de peso era a da classe operária. A Abolição da
Escravatura, em 1888, arrasou com a economia dos Estados brasileiros, menos
com a de São Paulo, que já vinha se utilizando do braço imigrante e adaptou-se
facilmente à nova situação.
- 067 -
As novas imigrações ocorridas na virada de século puseram no Estado uma
mão de obra diversificada, da qual, parte seguia para a lavoura, outra se fixava
nas cidades, especialmente na capital, incrementando a indústria e formando
uma classe operária consciente de seus direitos.
Muitos desses trabalhadores, como os italianos, traziam de sua terra natal
uma experiência de lutas, criando base para formação de movimentos
reivindicatórios, trabalhistas e/ou políticos.
Todos esses blocos compactos atuavam na condição franco-atiradores, cada
um defendendo seus interesses específicos, mas reunindo ocasionalmente suas
forças, quando o objetivo era impossível de se conquistar pela luta
individualizada.
Uma no cravo, a outra
na ferradura
O centro do poder legal era o Governo Provisório, cuja política Getúlio
administrava com rara habilidade. Não pretendia abandoná-lo tão cedo, mas
também não comprava problemas além daqueles que tinha condições de
administrar.
Getúlio não via com bons olhos o poder paralelo dos tenentes, menos ainda
a concentração destes em associações, como o Clube 3 de Outubro (data de
início da Revolução de 1930), ou as Legiões Revolucionárias, estas inspiradas
por Juarez Távora.
De bom grado, Getúlio substituiria os militares incrustados nas interventorias.
Legalmente, podia fazê-lo, mas, para evitar as repercussões de tal ato,
contemporizava, usando em seu favor a força dos tenentes.
Do Clube 3 de Outubro, conhecido como Clube dos Tenentes, fazia parte até
o tenente-coronel Góis Monteiro, chefe militar da Revolução e homem forte do
poder. Como escreveu Alzira Vargas em seu livro Getúlio, meu Pai, "ser tenente
era mais importante que ser general."
- 068 -
Getúlio reconhecia esse poder paralelo e várias vezes visitou o clube, com
discursos transmitindo as mensagens que eles queriam ouvir. Dentre elas, a de
que não era conveniente reconstitucionalizar o país enquanto não se eliminasse
as ervas daninhas do regime anterior.
Incomodavam ao Chefe do Governo Provisório os movimentos pela nova
Constituição, mas tinha em sua maleta um jogo de ferramentas de que faria uso,
cada uma a seu momento próprio.
Assim, no dia 24 de fevereiro de 1932, quando estavam programados
comícios pró-constituinte em São Paulo e Rio de Janeiro, não titubeou em usar
uma delas, assinando um Decreto, já prontinho, que estabelecia o novo Código
Eleitoral, com regras para uma futura e incerta convocação de Assembleia
Constituinte. Em consequência, os comícios foram parcialmente neutralizados
em seu conteúdo.
Todavia, no dia seguinte, com a mesma rapidez e eficiência, forças
paramilitares atacavam as oficinas do Diário Carioca, que, entre outras coisas,
vinha cobrando do Governo a convocação da Constituinte.
O jornal foi empastelado e vários funcionários ficaram feridos, dois em estado
grave. O incidente nunca chegou a ser apurado convenientemente, mas ficou
patente que homens-chave do governo, senão o próprio Chefe, tinham
envolvimento no atentado, praticado por soldados do Exército, por ordem do
comando.
- 069 –
O novo código eleitoral
O novo código eleitoral não foi um trabalho de improvisação. Guardado para
uso no momento apropriado, que ora chegou, era um estudo muito bem feito,
que modernizava o sistema eleitoral vigente na Primeira República, dando-lhe
maior representatividade e expurgando os vícios que vinham transformando as
eleições em uma farsa para referendar os candidatos previamente escolhidos
pelos donos do poder.
Uma das modificações introduzidas foi o voto secreto. Com o sistema vigente,
de voto a descoberto, ou a bico-de-pena, o eleitor era policiado e estava mais
sujeito às pressões dos candidatos, não podendo manifestar livremente sua
opinião.
O limite de idade, anteriormente de 21 anos, baixou para 18 anos, ampliando
apreciavelmente o contingente eleitoral. O jovem, por natureza, é mais
interessado na renovação política e, se o deixam, comparece mais facilmente às
urnas, sempre motivado em reformar o mundo.
Sem conhecer os meandros do poder, o jovem calcula as distâncias em linha
reta, ignorando que os volteios tornam o caminho mais longo e demorado, porém
mais seguro. De qualquer forma, ele comparece às urnas, e a ampliação da faixa
etária foi, pois, um elemento altamente positivo para a autenticidade da consulta
popular.
Dava-se, também, o direito de voto à mulher. Com a Proclamação da
República, o voto censitário (segundo a renda) foi transformado em voto
universal (cada eleitor, um voto).
Depois disso, em quatro décadas de República, nenhuma outra alteração
significativa aconteceu, até porque faltava povo, ou seja, uma pressão da opinião
pública para que as coisas acontecessem. A conquista do voto, pela mulher, veio
corrigir, e não sem tempo, essa injustiça.
Por fim, como medida mais eficaz, foi criada a Justiça Eleitoral, para organizar
o processo, fixando as juntas, fornecendo os títulos, organizando as votações,
etc.
- 070 –
Por incrível que pareça, a maioria dessas providências era tomada até então
pelos próprios partidos políticos, que faziam a inscrição dos eleitores e
participavam (os partidos) da criação das seções eleitorais. Com isso,
controlavam o processo eleitoral.
Getúlio Vargas, quando candidato à Presidência, em 1930, estando no Rio
de Janeiro, passou o dia à procura de uma seção aberta, onde pudesse votar, e
só ao fim do dia pôde fazê-lo. Umas seções abriam, outras não e, nas que
estavam abertas, imagine-se as pressões a que o eleitor comum era submetido.
Quase tudo estava organizado para trazer o país de volta à normalidade. Uma
das primeiras providências do Governo Provisório foi revogar a Constituição de
1891 e, depois disso, e nenhuma outra foi colocada em sua substituição para
delimitar os poderes da República. Era, pois, de extrema urgência, a eleição de
uma Assembleia Constituinte para fazer a nova Carta Magna e recolocar o Brasil
entre os países civilizados do mundo.
Mas as providências do Governo Provisório pararam por aí. Nem por um
momento se pensou em assinar outro Decreto, marcando data para a realização
da Assembleia Nacional Constituinte.
Assim, o Código Eleitoral não passou de um código de boas (ou más)
intenções. Neutralizou a campanha pró-constituinte, mas não deu a menor
garantia de que, em tempo razoável, as eleições à constituinte seriam realizadas.
Voltando ao caso
de São Paulo
Dentre os 20 Estados brasileiros, nenhum apresentou tantos problemas como
São Paulo, na criação da interventoria. A Revolução, descendo do Norte ou
subindo do Sul, foi deixando em seus lugares os interventores nomeados,
geralmente militares comprometidos com o movimento, mas sempre enraizados
no Estado em que assumiam.
No Rio Grande do Sul, assumiu o gaúcho Flores da Cunha; em Santa
Catarina, o tenente-coronel Arnoldo Mancebo, ali radicado; no Paraná, o general
- 071 -
da reserva Mário Alves Monteiro Tourinho, que era o pai do chefe da Revolução
naquele Estado, major Plínio Tourinho.
Nos Estados do Norte e Nordeste, seguiu-se a mesma regra e, em Minas
Gerais, permaneceu Olegário Maciel, com a prerrogativa de usar o título de
Governador.
Assumindo, provisoriamente o poder após a queda de Washington Luís, a
Junta Militar Governativa ordenou ao comandante da 2ª Região Militar que
ocupasse o Governo de São Paulo até a nomeação de um interventor.
O poder cabia ao Partido Democrático, que já tinha indicado para o cargo o
nome de Francisco Morato. Este só não foi nomeado imediatamente porque
preferia esperar pela chegada de Getúlio a São Paulo.
Foi o seu erro fatal, pois deu tempo a toda sorte de manobras, envolvendo os
nomes dos tenentes João Alberto e Miguel Costa, ambos com forte
apadrinhamento junto ao Governo Provisório que se formava.
Miguel Costa era um argentino radicado em São Paulo e já habituado aos
usos e costumes locais. João Alberto, porém, caiu de paraquedas e nenhuma
afinidade tinha com o Estado, o povo e a política local. Era, pois, um estranho no
ninho.
Pois aconteceu que, surpreendendo os democráticos, Getúlio, em 25 de
novembro de 1930, optou por nomear João Alberto como interventor. Este, sem
lastro político, não conseguiu governar e renunciou, entregando o poder a Laudo
de Camargo, probo Juiz de Direito, bom administrador, mas de pouca
maleabilidade política.
Laudo não aceitou interferências na nomeação de seu secretariado e em
seguida extinguiu a Secretaria da Segurança Pública, cujo titular era o major
Miguel Costa, um dos pilares da Revolução.
- 072 -
Miguel Costa foi convidado para assumir o comando da Força Pública, porém,
com a condição de se desligar imediatamente da Legião Revolucionária, a outra
facção que almejava controlar o poder.
A polêmica teve seus desdobramentos, com o envolvimento de outras forças
estranhas a São Paulo: o tenente-coronel Góis Monteiro, alagoano, homem forte
do Governo Provisório; o interventor do Rio Grande do Sul, Osvaldo Aranha,
gaúcho, mas cuja descendência materna era paulista; e o ex-interventor João
Alberto, pernambucano, que, mesmo afastado do governo, exercia suas
pressões através da Legião Revolucionária.
- 073 -
Assim, sem condições de governar, Laudo de Camargo renunciou,
transferindo suas atribuições, em caráter provisório, ao novo comandante da 2ª
Região Militar, general Manuel Rabelo.
O problema ficou, aparentemente, solucionado com a posse de Pedro de
Toledo, em 25 de fevereiro de 1932. A essa altura, já havia um clamor nas ruas
pela convocação da Assembleia Nacional Constituinte, atingindo sobretudo as
cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, fortemente politizadas.
No dia anterior, ocorreram os comícios pró-constituinte a que nos referimos
há pouco e o dia da posse coincidiu com empastelamento do Diário Carioca, no
Rio de Janeiro, também narrado.
Esse era o ambiente político-militar em que se dava a posse do general
Manuel Rabelo..
Pela Constituição
Já no mês de janeiro, a pretexto de se comemorar o 378º aniversário da
fundação da cidade de São Paulo, tinha havido uma grande concentração, na
praça da Sé, usando como mote a reconstitucionalização do país. Depois, a
multidão se dispersou em várias passeatas dirigidas a pontos diferentes da
cidade, mobilizando a população.
Os comícios passaram a ser frequentes, promovidos sobretudo por jovens
acadêmicos, da classe média e mais politizados, que procuravam passar a
mensagem da Constituinte ao cidadão comum.
Esse clima de efervescência nas ruas se juntava à agitação tumultuosa dos
gabinetes, em busca da autonomia do Estado, dentro do princípio federativo que
deixara de ser praticado pelo Governo Provisório.
E, a toda essa instabilidade, se acrescentava outro fator, igualmente
preocupante, que era a insatisfação nos quartéis da polícia estadual, a Força
Pública.
- 074 -
A decretação do Código Eleitoral, em 24 de fevereiro, não diminuiu a
ansiedade, já que, como não se marcou a data efetiva para as eleições, ele se
tornou apenas uma peça de retórica, sem maiores resultados práticos.
A convocação da Assembleia Constituinte era o objetivo central dos
manifestantes em São Paulo e de outros Estados e, pela inércia do poder central,
começou a surgir movimento de articulação pela volta às armas, liderado por
São Paulo, mas com ramificações em Minas Gerais e, principalmente, no Rio
Grande do Sul.
Em São Paulo, o Partido Democrático, no poder, aliou-se ao Partido
Republicano, até então seu adversário, passando ambos a conspirar de forma
coordenada.
A conspiração
Na articulação revolucionária, fazia falta e muito, a experiência dos tenentes
que ajudaram a preparar o movimento de 1930. Mas, como bem observa Alzira
Vargas, agora, os rebeldes de 1930 combatiam os rebeldes de 1932. Os
primeiros transformaram-se em heróis, os segundos eram subversivos.
A total falta de experiência dos novos revolucionários levou-os, algumas
vezes à imprecaução, outras à confiança ingênua em juras de políticos matreiros.
Feitos contatos com o governador mineiro, Olegário Maciel, este garantiu
que, havendo revolução, não usaria as tropas de Minas no combate aos
revolucionários. Talvez, até ajudasse o movimento.
Não se levou em conta que Olegário Maciel, o único governador entre 19
interventores, conservara esse título pela fidelidade à revolução que colocou
Getúlio no poder e jamais assumiria, seriamente, um compromisso dessa
natureza.
Mais adiante, estabeleceu-se uma ligação com o coronel Eurico Gaspar
Dutra, comandante do 4º Regimento de Cavalaria no Sul de Minas, que,
honestamente, recusou aderir, justificando sua atitude legalista por formação.
- 075 -
No Rio Grande do Sul, foi estabelecido um contato com o comandante da 3ª
Região Militar, general Eurico de Andrade Neves, que foi convidando a participar
do levante.
O resultado foi uma recusa do comandante, que, além do mais, ficou alertado
para o movimento que se preparava. O interventor Flores da Cunha, aceitou
participar, sendo demovido pelo ministro da Justiça, Osvaldo Aranha, que o
aconselhou a não fazer burrada.
Mais curioso ainda era o caso de São Paulo, cujo interventor, Pedro de
Toledo, foi o último a saber. Até foi ele que indicou o nome do general Pereira
de Vasconcelos para o comando da 2ª Região Militar, em substituição ao general
Manuel Rabelo. Getúlio concordou e procedeu a nomeação.
No dia 9 de julho, data marcada para o levante, Pedro de Toledo acompanhou
o ministro Salgado Filho até a estação da Central, para embarcá-lo de volta ao
Rio, depois de uma visita à capital bandeirante.
No ensejo, pediu ao ministro que levasse a Getúlio a certeza de que manteria
a ordem em São Paulo, eliminando os focos de intranquilidade. Estava sendo
sincero em tudo o que dizia.
Ao chegar ao Palácio dos Campos Elíseos, encontrou o secretariado reunido
e, ao perguntar do que se tratava, foi informado de que a revolução se iniciara.
A luta verbal que se seguiu foi intensa, como conta Hélio Silva:
"Pedro de Toledo não queria ouvir. E, para não ouvir, afastou-se.
Penetrou em uma das salas, onde se fechou a chave, enquanto
outros prosseguiam o apelo, agora ouvido através da porta. A cena
demorou bastante. A insistência do secretariado foi mais duradoura
do que a resistência do interventor sexagenário. A porta abriu-se e,
horas depois, Pedro de Toledo enviava um telegrama a Getúlio,
demitindo-se da Interventoria para ser o governador de Estado
insurreto."
- 076 -
Como tudo começou
O comandante honorário da revolução é, uma vez mais, o general Isidoro
Dias Lopes a quem o leitor já conhece da Revolução de 1924, e que vamos
encontrar, novamente, organizando a Coluna Prestes em 1927.
Anos depois, na Revolução de 1930, o Destacamento Batista Luzardo
prestou uma significativa homenagem ao general, antes de partir de Uruguaiana
para se encontrar, mais acima, com o outro flanco que partira de Porto Alegre.
Agora, em 1932, o velho general vem a ser o fiador de outro movimento, este
pela convocação da Assembleia Nacional Constituinte.
O comando efetivo está entregue ao General Bertoldo Klinger, ora servindo
em Mato Grosso. A divisão paulista fica a cargo do coronel Euclides Figueiredo.
O comandante da Força Pública, Júlio Marcondes Salgado Filho, permanece no
cargo.
Em 28 de junho de 1930, o ministro da Guerra, general José Fernandes Leite
de Castro, por razões outras, demite-se, e é substituído pelo general Augusto
Inácio do Espírito Santo Cardoso, simpático ao tenentismo, o que poderia trazer
a leitura significativa de que o Governo Provisório estava congelando a ideia
propalada de se convocar uma Assembleia Constituinte para a
redemocratização do País.
No dia 8 de julho, em Mato Grosso, o general Bertold Klinger (comandante da
revolução agora planejada) deu o sinal para a deflagração do movimento, ao
enviar um ofício ao ministério da Guerra, recusando subordinação ao novo
Ministro, com o que recebeu ordem para passar o comando, imediatamente ao
seu substituto legal.
O que se dá a seguir é de causar estranheza, em se tratando do chefe de um
levante. Klinger cumpre docilmente a ordem, transmitindo o comando e
despedindo-se de seus comandados, recomendando-lhes disciplina e união. Em
seguida, retira-se para casa.
- 077 -
Em São Paulo, o coronel Euclides Figueiredo já tinha tudo sob controle:
"Senti-me senhor da situação. São Paulo inteiro estava em nossas
mãos. Estradas de ferro, entroncamentos rodoviários, estações de
rádio e estações telegráficas e telefônicas, a Guarda Cívica
Paulista, a Inspetoria de Veículos, toda a Força Pública, com seu
comandante à frente, coronel Marcondes Salgado, grande parte
das unidades do Exército (...)."
No dia 9 de julho de 1932, dando início à revolução, o coronel Euclides toma
o Quartel General do Exército, na rua Conselheiro Crispiniano e passa expedir
telegramas aos demais quartéis, comunicando o início do movimento.
O apoio esperado não vem
Figueiredo estava certo: ao sinal enviado pelo telégrafo, o Estado de São
Paulo inteiro mobilizou-se, com adesão maciça, como também não lhe faltou
apoio da população.
Desde a capital, até os pontos mais distantes do Estado, os homens válidos
abandonavam suas ocupações habituais para alistar-se como soldados
constitucionalistas. Mas se havia um bom contingente, por outro lado, faltavam
as armas, o que inutilizava a boa vontade desses cidadãos.
- 078 -
De Mato Grosso, chega o general Klinger, comandante da Revolução, com
as mãos vazias, sem os soldados prometidos, nem as armas de que tanto se
necessitava. Era um comandante sem comandados. Como conta Hernani
Donato:
"Ao deixar Campo Grande, o general Bertoldo Klinger traria
claramente descortinado o quadro da situação. Nem mesmo as
guarnições todas de sua circunscrição dispõe-se a acompanhá-lo.
Terá por si algumas unidades federais, outras policiais e o
entusiasmo civil dos sul-matogrossenses, que esperam alcançar,
por prêmio da vitória, a realização do projeto secularmente
acarinhado: a criação do Estado do Mato Grosso do Sul."
O mesmo não aconteceu com os outros Estados comprometidos. Em Minas,
Olegário Maciel permaneceu fiel ao governo central e, vencidas as resistências,
ofereceu forças estaduais para o combate aos rebeldes.
No Rio Grande do Sul, Flores da Cunha desapareceu no dia do levante, para
voltar uma semana após como legalista, passando a combater os velhos
companheiros da revolução anterior, entre eles João Batista Luzardo e o já
septuagenário Borges de Medeiros, líder incontestável dos gaúchos, que
governou o Rio Grande do Sul por 28 anos.
Por outro lado, a reação se fez sentir imediatamente. Getúlio Vargas, com a
coordenação do coronel Góis Monteiro, mobilizou tropas de outros Estados, que
se juntaram aos contingentes do Sudeste, para debelar, o mais rápido possível,
o movimento.
Esperava-se a vinda de armas do Exterior, o que não aconteceu, pois não
tendo sido reconhecido o estado de beligerância, o armamento não poderia ser
comprado legalmente, tornando-se quase impossível fazê-lo pelo mercado
paralelo.
O parque manufatureiro paulistano transformou-se, pois, repentinamente, em
produtor de armamentos, indústria com a qual não tinha nenhuma afinidade, e
os projetos de engenharia, feitos à última hora, nem sempre funcionaram a
contento. Num dos testes realizados com lançamento de bombas, uma delas
explodiu dentro do canhão, matando, quase que instantaneamente, o
comandante da Força Pública, Salgado Filho. Foi um desastre!
- 079 -
A concentração de tropas se fez, sobretudo, do Vale do Paraíba até a divisa
com o Rio de Janeiro. Havia tropas, também, ao Norte de São Paulo, invadindo
o Sul de Minas Gerais, até Passa Quatro, onde o comando legalista estava nas
mãos do coronel Dutra.
Dava-se cobertura também ao litoral norte de São Paulo, do alto da serra do
mar, seguindo pela borda da praia até Parati, já no Estado do Rio de Janeiro.
"Frente Única" negou fogo
Com o recuo do governador mineiro, Olegário Maciel, e do interventor
gaúcho, Flores da Cunha, os poucos revolucionários que se dispuseram ir a
campo, entraram em uma guerra perdida, apenas para atender um compromisso
de honra junto à frente única que se formara entre São Paulo e os dois Estados.
Cabe destaque ao ex-presidente do Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros,
homem de gabinete, que nunca participara de uma guerrilha, mas agora, pela
primeira vez em setenta anos, experimentava a rispidez do campo de combate.
E mais, se achava junto de seu arqui-inimigo, João Batista Luzardo, a quem
jurara de morte há tempos. Eram um blanco e um colorado, lutando ambos pelo
ideal comum.
Após atravessarem de barco o rio Guaíba, escondidos sob uma tarimba, em
cima da qual havia latões de leite, fardos de alfafa e sortimentos diversos, Borges
chegou ao abrigo passando muito mal. Como reanimante, lhe ofereceram um
rabo de galo, coquetel à base de cachaça, incrementado com outros recursos
mais explosivos da adega da fazenda onde se achavam.
De início, o velho caudilho resistiu em tomar aquela mistura. Depois de muita
insistência, arriscou um trago. Fez uma pausa para sentir os efeitos, analisou e
foi para a segunda e a terceira talagadas, até esvaziar o copo, que foi enchido
novamente e, desta vez, Borges o virou de uma vez só.
Refeitas as forças e já a caminho, em busca das tropas que lhes foram
prometidas, Borges de Medeiros parecia preocupado com alguma coisa, e não
tardou em desabafar com Luzardo: "Ó homem, tu não esquecestes de trazer
aquele ‘lambe-sola’ que eu tomei lá na fazenda?"
- 080 –
O fim da luta armada
Foge aos limites deste trabalho descrever as minúcias da revolução, nos seus
quase três meses, já que o nosso objetivo é fixá-la dentro do panorama nacional
naquele ano de 1932.
Por parte do comando e dos comandados houve entusiasmo, dedicação, um
sentimento de dever e honra, a certeza de que a causa era justa, quase tudo o
que se precisa para dar sucesso ao levante. Faltava, porém, experiência para
organizar e levar adiante uma empreitada dessa monta.
Comparando com os jovens tenentes de 1922, quando se rebelaram, aqueles
também careciam dessa experiência e foram facilmente derrotados, nos
primeiros momentos de luta. Passaram-se oito anos de tentativas e de
frustrações, até que eles chegassem à Revolução de 1930, quando, finalmente,
conseguiram seu objetivo.
A Revolução Constitucionalista, no Estado de São Paulo, terminou em 2 de
outubro de 1932, com derrota total no campo de batalha, e tremendos prejuízos
àqueles que foram atingidos pela força da lei, após a deposição das armas.
Todavia, os objetivos da Revolução foram plenamente atingidos. Não dava
mais para o Governo Provisório ignorar os anseios da população brasileira de
retornar ao Estado de Direito. Era impossível esconder mais lixo embaixo do
tapete.
E, finalmente, foi organizado o calendário para a redemocratização do país:
em maio de 1933, realizavam-se as eleições; em 16 de julho de 1934, era
promulgada a nova Constituição do Brasil.
Outra vitória da Revolução, esta não esperada, mas que aconteceu, foi o
declínio do poder dos tenentes que, até então, vinham atuando como um quarto
poder dentro da República brasileira.
- 081 -
Os que continuaram atuando politicamente ou participando do governo,
passaram a fazê-lo de forma menos acintosa. Os “tenentes” voltaram a ser
simplesmente tenentes, sem aspas. Ou então passaram a usar suas patentes
reais, promovidos que foram a capitães, majores ou coronéis, restabelecendo-
se a disciplina hierárquica, tão importante na vida militar.
Será que valeu a Revolução de 1932, auto-intitulada de Constitucionalista?
Que cada um responda por si. Alzira Vargas defende o pai, manifestando sua
convicção de que a constituinte viria, com ou sem revolução. Nos vários Estados
brasileiros, permanece a convicção de que foi um movimento regional,
defendendo interesses localizados.
Para os paulistas, onde o Nove de Julho é feriado estadual, o movimento foi
uma manifestação de cidadania que permitiu, ainda por um curto período de três
anos, o restabelecimento de um regime democrático. Os quatro primeiros anos
do Governo Provisório foram o único período da História do Brasil em que o país
viveu sem constituição alguma, a mercê do poder discricionário de um ditador.
Precisava ter havido
revolução?
Getúlio Vargas, como bom xadrezista político, não era homem de desperdiçar
pedras. Tudo fazia calculadamente, estudando o conjunto do tabuleiro, antes de
dar um lance.
No primeiro momento, agiu duro com os líderes da Revolução de 1932. Foi
poupado apenas o velho caudilho Borges de Medeiros, no Rio Grande do Sul,
por interferência do interventor Flores da Cunha. Conversando com Getúlio,
Flores argumentou que o ex-governador, com mais de setenta anos e saúde
precária não resistiria o exílio e o afastamento da família. Além do mais, mesmo
havendo governado o Estado por 28 anos, não fez fortuna e ainda perdeu o que
tinha, sendo um homem sem recursos para se sustentar no exterior.
- 082 -
Também não foi embarcado o general Ataliba Leonel, que se achava
adoentado. Embora listado para o exílio, acabou sendo riscado e ficou no Rio de
Janeiro.
Os demais não tiveram perdão. Assim que detidos, foram aprisionados no
navio-presídio Pedro 1º e transferidos, em seguida, para o navio Siqueira
Campos que, em 18 de novembro de 1932, chegava a Portugal,
desembarcando, entre outros, os generais Bertoldo Klinger, Isidoro Dias Lopes
(nos seus quase setenta anos), coronel Euclides Figueiredo, major Mena
Barreto, o tenente Agildo Barata Ribeiro; os civis Álvaro de Carvalho, Altino
Arantes, Austragésilo de Ataíde, Carlos de Souza Nazaré, Francisco de
Mesquita, Guilherme de Almeida, Ibrahim Nobre, Júlio de Mesquita Filho, Luís
de Toledo Pisa Sobrinho, Oswaldo Chateaubriand, Prudente de Morais Neto e
Paulo Duarte, entre dezenas de outros mais. Eram ao todo 73 brasileiros banidos
de sua pátria, que iam se juntar aos exilados de 1930.
"O Siqueira Campos entrou na barra, de manhãzinha, na esteira de
um imponente transatlântico inglês. Quando o barco atracou à
muralha de Alcântara, encontravam-se no cais, esperando os
exilados, entre outras, as seguintes personalidades: Dr. Júlio
Prestes, presidente eleito da República do Brasil; general
Sezefredo Passos e Dr. Victor Konder, respectivamente ministro da
Guerra e da Viação do governo do Sr. Dr. Washington Luís; antigo
deputado federal Machado Coelho; Sr. Batista Luzardo [que viajara
antes como clandestino no navio "Atlantic"]; coronel Pedro Campos
e ainda o jornalista Casper Líbero..."
Na contrapartida, em 16 de agosto de 1933, o mesmo Getúlio nomeava,
como interventor em São Paulo, Armando de Sales Oliveira, civil e paulista, como
queriam os democráticos ao início desta aventura. E o fez transmitindo ao novo
governante a seguinte mensagem:
"Quero que compreenda, em toda a sua amplitude o significado de
meu ato: com este decreto, entrego o governo de São Paulo aos
revolucionários de 1932."
Só ficou no ar uma pergunta, que jamais será respondida: se tivesse feito
isso já no princípio, com a nomeação de Francisco Morato, como queriam os
democráticos, teria havido revolução?
Paulo Victorino
CAPÍTULO SEIS
UM SOPRO DE DEMOCRACIA
A CONSTITUIÇÃO DE 1934
Votada a Constituição, a Assembleia cuidou de eleger o presidente
da República. Foram 175 votos para Getúlio Vargas (chefe do
Governo Provisório), 59 para Borges de Medeiros, 4 para Góis
Monteiro, 2 para Protógenes Guimarães e 8 votos isolados,
provavelmente de candidatos que votaram neles mesmos. Três
dias depois, em 20 de julho de 1934, Getúlio Dorneles Vargas era
empossado presidente da República, para um mandato de quatro
anos. Mas ninguém, em sã consciência, apostaria um réis na
durabilidade da nova Constituição e, menos ainda, acreditaria que
Getúlio, findo o mandato, passaria a faixa presidencial ao seu
sucessor. Era esperar para ver.
Uma das explicações possíveis para a permanência de Getúlio Vargas no
governo, por tanto tempo, com um mínimo de desgaste e com uma aceitação
popular raramente encontrada na vida pública, pode estar situada no profundo
senso de realidade dessa velha raposa política.
Getúlio não era um idealista, disposto a reformar o mundo com o poder de
sua presença, ou com a determinação de seus atos. Conhecia as limitações à
sua volta e evitava o confronto além de suas forças, cedendo quando necessário,
e agindo com rigor implacável quando os ventos lhe eram favoráveis.
- 084 -
Tinha uma forte intuição para identificar os componentes envolvidos em cada
acontecimento e aplicar o golpe certo no momento exato, como um malabarista
que vai dar seu salto mortal sobre a corda bamba, sabendo que qualquer erro
lhe pode ser fatal.
Ao meio de manobras e volteios, o chefe do Governo Provisório fazia de tudo
para que esse provisório durasse para sempre. O recuo, algumas vezes
necessário, não era mais que uma tática para contornar as dificuldades do
momento, permitindo um novo avanço, melhor estruturado.
Foi assim que, de um simples líder regional, em 1926, conseguiu destacar-se
no cenário político nacional, ocupando o proscênio por quase três décadas, até
que, por decisão própria, e de forma trágica, renunciou à própria vida, pondo fim
ao espetáculo do qual sempre foi o protagonista.
Parecia um ser robotizado, destituído de sentimentos. Com certeza os tinha,
mas suas mágoas e ansiedades, guardava-as para si, revelando apenas seu
lado racional e calculista.
No meio de tantos amigos e servidores, alguns não muito fiéis, era apenas
um solitário, incapaz de confiar a alguém o que lhe ia na alma. O certo é que,
durante todo o tempo em que se destacou na política, sua história se confunde
indelevelmente com a História do Brasil.
Querem Constituinte?
Toma Constituinte!
Assumindo o poder em 3 de novembro de 1930, exatamente um mês após o
início da Revolução, Getúlio criou uma estrutura permanente para seu Governo
Provisório.
Em 24 de fevereiro de 1932, objetivando pôr fim a uma série de
manifestações pró-constituinte, acedeu em editar um decreto, estabelecendo o
Código Eleitoral, bem avançado para a época, e criando uma Junta Eleitoral que
cuidaria dos procedimentos para uma eleição cuja data não fora determinada.
- 085 -
Osvaldo Aranha, visitando São Paulo, na tentativa de solucionar o difícil
problema da interventoria no Estado, mandou um curioso bilhete para Getúlio
Vargas: "Acautela-te, porque há mouros na costa!"
E continua, narrando-lhe o clima de tensão que se escondia por trás de uma
incômoda calmaria, como acontece nos momentos que antecedem ao estouro
de uma boiada, episódio tão bem narrado em Os Sertões de Euclides da Cunha.
Em seu bilhete, Osvaldo Aranha ressalta a significativa paralisação das
atividades econômicas, fazendo notar que o empresário é dotado de um sexto
sentido, Seu objetivo é o lucro e, sempre que se retrai, fugindo do mercado e
deixando de ganhar, é porque teme pelo pior.
Em 14 de maio de 1932, dentro desse ambiente conturbado, Getúlio decide
assinar mais um decreto, desta vez, marcando data definitiva para a eleição da
Assembleia Nacional Constituinte: 3 de maio de 1933.
Um pouco tardia, é verdade, essa medida não evitou a deflagração da
Revolução Constitucionalista, em 9 de julho de 1932, mas tirou-lhe o efeito,
rachando a Frente Única formada pelos governos de São Paulo, Minas Gerais e
Rio Grande do Sul.
Nestes dois últimos Estados, o governador Olegário Maciel e o interventor
Flores da Cunha, respectivamente, mudaram de posição, assumindo uma
atitude anti-revolucionária, que facilitou às forças legalistas o rápido domínio da
situação.
Os representantes classistas
O pleito foi realizado na data prevista, elegendo-se 203 deputados
constituintes, que representavam, proporcionalmente as populações dos vários
Estados brasileiros.
Não deixou o governo de tomar uma série de providências para garantir-lhe
a presença em plenário, evitando surpresas. Uma delas foi encaminhar um
anteprojeto de Constituição como base para as discussões, sobre o qual seriam
feitas as emendas julgadas necessárias.
- 086 -
Foi instituída, também, uma representação classista, com 50 deputados,
eleitos pelos sindicatos ou associações profissionais, classificados em quatro
categorias: empregadores, empregados, profissionais liberais e funcionários
públicos. O sindicalismo, atrelado ao governo central, garantia uma segurança a
mais no controle dos parlamentares.
Ao todo, pois, eram 203 deputados constituintes, que tomaram posse no ato
de instalação da Assembleia, no Palácio Tiradentes, em 15 de novembro de
1933.
Pela primeira vez na História do Brasil, a mulher podia votar e ser votada e, entre
os Constituintes, elegeu-se Carlota Pereira de Queirós (São Paulo, 13 de fevereiro
de 1892 — São Paulo, 14 de abril de 1982) médica, escritora, pedagoga e política
brasileira. Ela participou dos trabalhos na Assembleia Nacional Constituinte,
entre 1934 e 1935
Outro detalhe curioso é que, dentro das normas estabelecidas, os ministros
do Governo Provisório também podiam comparecer à Assembleia Constituinte,
tomando parte das discussões, embora sem direito a voto. Um desses
frequentadores habituais era o ministro do Trabalho, Agamenon Magalhães.
Mas quem se destacou, mesmo, foi o ministro Osvaldo Aranha, que, embora
não sendo constituinte, tornou-se o líder da maioria, orientando a discussão e
votação das emendas, fato que originou fortes protestos da oposição. Como
lugar-tenente de Getúlio, Aranha era a presença ostensiva do executivo nos
trabalhos do legislativo, sem voto, mas com voz ativa e poder decisório através
da bancada que comandava.
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De volta ao passado
Todas as precauções não foram suficientes para evitar o revés. Ainda que
trazendo algumas inovações, a quantidade de emendas feitas ao documento
original era tão grande que acabou por adulterar sua forma e conteúdo, limitando,
e muito, a ação do executivo.
Uma das inovações foi a extinção do cargo de vice-presidente da República
que, no passado, tantos males trouxe à governabilidade. Na linha de sucessão
ficavam, pela ordem, os presidentes da Câmara Federal, do Senado e do
Supremo Tribunal Federal (Corte Suprema).
O Senado foi reduzido a dois representantes por Estado, não podendo
interferir na discussão e votação da lei orçamentária. O Supremo Tribunal
Federal teve seu corpo reduzido de 13 para 11 Ministros. Criou-se a Justiça do
Trabalho e a Justiça Eleitoral. O habeas-corpus ficou restrito à garantia da
pessoa e nada mais. Anteriormente usava-se esse instrumento para garantir
cargos, bens e tudo mais que dizia respeito ao cidadão. Para cobrir a lacuna,
instituiu-se agora o mandado de segurança, que até então inexistia nas leis
brasileiras.
Por fim, lamentavelmente, as disposições transitórias estabeleciam que a
redação da Carta Magna seria feita pelas regras ortográficas de 1891, que
voltaria a ser oficial, revogando-se o acordo ortográfico de 1931, de tão curta
duração.
O escritor Humberto de Campos, um dos imortais que assinaram o Acordo
Ortográfico de 1931, morreu logo em seguida à promulgação da nova Carta mas
deixou consignado que toda sua obra deveria continuar sendo publicada dentro
das regras ortográficas deste acordo.
Concluídos todos os trabalhos de redação, a nova Constituição foi votada em
30 de junho de 1934 e promulgada em 16 de julho. No dia seguinte, procedeu-
se à eleição do presidente da República, excepcionalmente, por via indireta, tal
como acontecera com a primeira eleição presidencial, em 1891, quando o
Congresso Constituinte elegera Deodoro e Floriano.
- 088 -
A eleição do Presidente
Como se sabe, por acordo com a Junta Militar que assumiu o governo com a
deposição de Washington Luís, Getúlio Vargas só pôde tomar posse depois de
aceitar a condição que lhe foi imposta, de se tornar apenas o chefe do Governo
Provisório.
Agora, promulgada a Constituição, era necessário confirmá-lo como
presidente da República. Tratava-se, evidentemente de um jogo de cartas
marcadas, não havendo qualquer possibilidade de substituí-lo por outro nome,
sob o risco de surgir nova crise institucional com o inevitável golpe de estado.
Criou-se, entretanto, todo um clima formal para dar às eleições um caráter de
plena legalidade, abrindo-se inscrição para os postulantes à candidatura.
Surgiram vários nomes, destacando-se o do velho caudilho Borges de
Medeiros, do almirante Protógenes Guimarães, ministro da Marinha, e até do
ministro da Guerra, general Góis Monteiro.
Claro está que Protógenes e Góis somente eram candidatos por
consentimento, senão por determinação, de seu chefe supremo. Como os
demais, estavam lá para concorrer, não para ganhar.
Ao final da apuração, registraram-se 175 votos para Getúlio Vargas, 59 para
Borges de Medeiros, 4 para Góis Monteiro, 2 para Protógenes Guimarães e 8
votos isolados, provavelmente de candidatos que votaram neles mesmos.
Três dias depois, em 20 de julho de 1934, Getúlio Dorneles Vargas era
empossado presidente da República, para um mandato de quatro anos.
Ninguém, em sã consciência, apostaria um réis na durabilidade da nova
Constituição e, menos ainda, acreditaria que Getúlio, findo o mandato, passaria
a faixa presidencial ao seu sucessor. Era esperar para ver.
Dentro do calendário estabelecido, restava realizarem-se eleições para a
formação das assembleias constituintes estaduais, bem como para a nova
Câmara Federal e Senado. Os governadores de Estado seriam eleitos, em
tempo oportuno e por via indireta, pelas próprias Assembleias Legislativas.
- 089 -
A sucessão ao governo
de Minas Gerais
Mais fácil é mudar as leis do que os costumes. Bem cedo se percebeu que o
simples processo constitucional para a eleição dos governadores não era
suficiente para conter as ambições e acabar com o velho hábito de considerar a
função pública, não como um bem comum a ser zelado, mas como um direito
pessoal adquirido.
Um exemplo do que estaria para acontecer foi o caso de Minas Gerais,
ocorrido quando os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte ainda
estavam em andamento.
Em agosto de 1933, morreu o presidente do Estado de Minas, Olegário Maciel
(o único que conservou o título de governador), abrindo-se as discussões para a
nomeação de um interventor. Vários nomes circulavam, com credenciais as mais
diversas mas, dentre eles, se destacavam dois jovens políticos, com bons
serviços prestados à revolução e ambos bem apadrinhados.
Um deles era Gustavo Capanema que, na qualidade de secretário do Interior,
assumiu o governo provisoriamente, alimentando fortes esperanças de ser
efetivado.
Já no início do Governo Provisório, em 1930, vamos encontrá-lo na
companhia de seu conterrâneo Francisco Campos, fundando a Legião Mineira,
uma associação paramilitar, dentre outras tantas que surgiram do Brasil daquela
época, para dar sustentação ao novo regime. Eram os camisas-cáqui a que nos
referimos em outro capítulo.
Agora, esperava que sua fidelidade ao governo revolucionário fosse
compensada com a eleição para governador e, para isso, contava com o apoio
do interventor gaúcho, Flores da Cunha.
É bom lembrar que, com a volta de um sistema amparado pela constituição,
deixariam de existir os interventores e os Estados voltariam a ser administrados
por governadores eleitos.
- 090 -
O outro nome cotado em Minas era o de Virgílio de Melo Franco, filho do
ministro das Relações Exteriores, Afrânio de Melo Franco.
Nos preparativos para a revolução, em 1930, Virgílio deslocou-se para o Rio
Grande do Sul, onde permaneceu em atividade até a eclosão do movimento,
quando se engajou às tropas que subiriam em direção a São Paulo e Rio de
Janeiro, para a deposição de Washington Luís.
Além do prestígio do pai, contava também com o apoio do ministro da
Fazenda, Osvaldo Aranha, homem forte do governo e, neste momento, em
velada oposição ao interventor gaúcho, Flores da Cunha, que apoiava a outra
candidatura Gustavo Capanema.
Solução à moda
da casa
Como se vê, tratava-se de um problema de difícil solução, a desafiar a
sagacidade do chefe do Governo. Getúlio nutria preferências pelo segundo
nome, pois além de seus patronos serem ministros de Estado, tinha uma
amizade pessoal muito forte tanto com a família Melo Franco como com a família
Aranha. Chegou até a comunicar-lhes sua tendência favorável à nomeação de
Virgílio, pedindo, entretanto, segredo, até que o nome fosse publicado no Diário
Oficial.
Mais fácil é guardar um tesouro do que guardar um segredo. Em um ou dois
dias, o nome escolhido já tinha sido divulgado, talvez na intenção de criar uma
situação irreversível que favorecesse o candidato.
O efeito foi oposto ao pretendido. Como secretário do governador falecido,
Capanema já vinha governando o Estado, interinamente, e não se conformou,
viajando para o Rio de Janeiro, onde veio a se encontrar com Flores da Cunha,
recém-chegado de Porto Alegre, ambos com a mesma finalidade de barrar a
nomeação de Virgílio.
- 091 -
As partes em conflito não contavam com o jogo duplo, tão comum na
estratégia de Getúlio e usado durante toda sua trajetória política. Negando que
a nomeação estivesse decidida, alegou Getúlio que aguardava uma lista múltipla
a ser entregue por Antônio Carlos, ex-governador mineiro e presidente da
Assembleia Nacional Constituinte ora em curso.
A esta altura, interessava a Getúlio muito mais nomear um político capaz,
mas desconhecido, o suficiente para que pudesse ser assimilado pelos dois
lados em litígio. De outro lado, precisava trazer garantias de fidelidade para não
prejudicar, com sua eventual independência, a interferência do poder federal
sobre o Estado.
A nomeação saiu, finalmente, publicada no Diário Oficial, e caiu como uma
bomba sobre a cabeça, tanto dos pretendentes e seus padrinhos, como da
comunidade política mineira.
O novo Interventor em Minas Gerais passava a ser o deputado Benedito
Valadares Ribeiro, um político de segunda linha dentro do Estado e quase que
completamente desconhecido no restante do país. No momento certo, já
promulgada a Constituição do Estado, Valadares se elege Governador e passa
a ser um valioso auxiliar do presidente da República.
Para Getúlio, a solução encontrada teve seus custos. Afrânio de Melo Franco,
pai de Virgílio, entregou o ministério de Relações Exteriores, afastando-se do
palácio e da vida pública.
Também Osvaldo Aranha demitiu-se do Ministério da Fazenda, deixando por
consequência, de articular os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte,
onde era o líder da maioria.
Gustavo Capanema conformou-se com a situação, mas seu padrinho, Flores
da Cunha, esperava uma oportunidade para a revanche, o que veio a acontecer
algum tempo depois, quando, nas eleições estaduais, surgiu o caso do Estado
do Rio de Janeiro.
- 092 -
Benedito Valadares, governador de Minas Gerais
O caso do Estado do
Rio de Janeiro
O Interventor em exercício no Estado do Rio era Ary Parreras, expoente do
tenentismo e de família bem situada no Rio de Janeiro. Fiel à revolução de 1930,
aceitara a Interventoria provisoriamente, mas, ao contrário dos demais
interventores, não tinha qualquer interesse em permanecer no cargo, após a
promulgação da Constituinte.
Sua ambição era retornar à bem-sucedida carreira na Marinha, tanto mais
que, durante a permanência no Governo, desiludiu-se quanto à possibilidade de
renovação dos costumes, objetivo principal da revolução. O caminho estava
aberto para duas correntes predominantes na política fluminense.
- 093 -
O ex-governador do Rio de Janeiro e ex-presidente da República, Nilo
Peçanha, falecera em 1924, mas deixara atrás de si uma poderosa força política,
conhecida como nilismo representada por nomes de peso, como Raul
Fernandes, relator da Constituinte e José Eduardo de Macedo Soares, diretor do
Diário Carioca. Este grupo, denominado de coligados, lançou a candidatura do
almirante Protógenes Pereira Guimarães, ministro da Marinha do governo
Vargas.
O outro ajuntamento, que lhe fazia oposição, era liderado pelo general
Cristóvão Barcelos, neste momento respondendo por uma posição de comando
em Minas Gerais.
Seguindo-lhe os passos, está a família Prado Kelly, e, dentro dela, o deputado
José Eduardo, que era o representante do movimento tenentista junto à
Assembleia Nacional Constituinte.
Esta corrente se autodenominava progressista. O candidato ao governo era
o próprio general, que passou a receber o apoio ostensivo do Interventor no Rio
Grande do Sul, Flores da Cunha.
Como se isso não bastasse, o equilíbrio de forças entre coligados e
progressistas era quase perfeito, havendo apenas um deputado a mais ao lado
dos coligados. Isso acirrou a pressão das armas, com grupos de jagunços se
confrontando nas ruas, resultando em tentativa frustrada de assassinato do
deputado Arnaldo Tavares (coligado).
Foi nesse ambiente conturbado que se iniciaram os trabalhos da Assembleia
fluminense que iria eleger o governador para o Estado do Rio.
A votação ainda nem havia se iniciado quando um deputado coligado foi
atingido por um tiro certeiro e conduzido ao Hospital. Com isso, os coligados
perderam sua vantagem de um voto em relação aos progressistas. Não obstante,
realizada a votação, venceu o almirante Protógenes (coligado), com certeza,
pela deserção de algum deputado progressista, que lhe emprestou,
afortunadamente, o voto vencedor.
- 094 -
A partir daí, nos dias que se seguiram, o Estado do Rio entra em total
anarquia. O interventor gaúcho manda um telegrama ao general Barcelos
(progressista), solidarizando-se com ele. O interventor mineiro, Benedito
Valadares faz uso de sua amizade com o general Barcelos tentando uma
conciliação que se afigurava impossível.
As notícias davam conta de que verdadeiros arsenais se achavam
espalhados por todo Estado do Rio, suficientes para a eclosão de uma guerra
civil. Falava-se em se realizar novo pleito com um nome de consenso, o do
deputado César Marcondes Tinoco.
Prevaleceu o bom senso. Os ânimos se acalmaram, tanto quanto possível e,
não sem ressentimentos, os progressistas acabaram por aceitar um acordo, com
o que foi possível a posse do governador eleito, Almirante Protógenes
Guimarães (coligado).
As eleições nos
demais Estados
A crítica situação política no Estado do Rio dá bem ideia das tensões havidas
no restante do país, onde os Interventores, quase todos tenentes, procuravam
se manter no poder, enquanto que as oligarquias, vindas da Primeira República,
tentavam reassumir o controle em seus Estados.
A situação só não foi pior porque, felizmente, havia consenso nos três
Estados mais importantes da Federação, onde os interventores foram eleitos
governadores, permanecendo no poder e garantindo a continuidade do governo.
Em São Paulo, foi confirmado o nome de Armando de Sales Oliveira, cuja
presença na Interventoria garantiu a pacificação do Estado, após a Revolução
Constitucionalista.
No Rio Grande do Sul, Flores da Cunha, embora ensaiando rebeldia com
relação ao governo central, ainda era o elemento de ligação entre blancos e
colorados e, na falta de outro, constituía-se numa garantia de estabilidade.
- 095 -
Por fim, em Minas Gerais, permanecia o escolhido de Getúlio, Benedito
Valadares, que, a esta altura, já se firmara no conceito de todos pela sua
disposição e habilidade em favor da conciliação.
Depois do Rio de Janeiro, os Estados que deram mais trabalho foram Santa
Catarina, Espírito Santo, Ceará e Sergipe. Nada que não pudesse ser
controlado, com a intervenção eficaz do presidente da República.
Com a Constituição Federal e as Constituições Estaduais em plena vigência,
com o presidente da República e os governadores de Estado empossados,
parecia que tudo estava nos eixos e o país poderia buscar o caminho da
normalidade, conquistando sua maioridade política e seu lugar de respeito entre
as nações democráticas do mundo.
Tudo iria bem, muito bem, mesmo, não fosse aquela sinistra e fatídica
madrugada de 27 de novembro de 1935, que iria mudar os destinos da nação,
colocando sobre a cabeça de todos os brasileiros, a sombra ameaçadora do
comunismo, cujo episódio foi pretexto mais que suficiente para garantir a
presença do poder político-militar no Brasil por meio século.
- 096 –
Benedito Valadares, governador de Minas Gerais, entre Getúlio Vargas,
presidente da República, e o então prefeito de Belo Horizonte, Juscelino
Kubitschek, na inauguração da Avenida do Contorno (Belo Horizonte), em
12 de maio de 1940.
Paulo Victorino
CAPÍTULO SETE
A INTENTONA COMUNISTA
O QUE É FATO E O QUE É BOATO
A ANL (Aliança Nacional Libertadora) era uma frente ampla, com
várias tendências políticas, mas os comunistas agiram rapidamente
no sentido de se destacar entre os demais, dominando a
agremiação e, para isso, usaram de ações práticas, neutralizando
o idealismo romântico dos outros participantes, não comunistas. No
dia da fundação da ANL, Carlos Lacerda foi escalado para
discursar em nome dos estudantes e, induzido por radicais, caiu
em uma armadilha, lançando o nome de Luís Carlos Prestes, o
“Cavaleiro da Esperança”, como presidente de honra da ANL. Foi
assim que Prestes passou a figurar como Presidente de Honra da
associação, embora não tenha participado do movimento que levou
à “ Intentona”.
O comunismo jamais, em qualquer momento, teve alguma chance de ser
implantado no Brasil como um movimento popular, tal como aconteceu na Rússia
de 1917.
A população brasileira, da cidade ou do campo, sempre foi conservadora e,
além do mais, faltava-lhe qualquer formação política, vivendo o dia-a-dia do
trabalho e da vida familiar, sem se deixar envolver pela propaganda
revolucionária, seja da esquerda ou da direita. Mais importante que o idealismo
era a garantia do pão nosso de cada dia.
- 098 -
Certo é que, na década de 1930, o Sudeste e o Sul do Brasil já contavam
com uma população imigrante mais esclarecida e capaz de responder a
estímulos das lideranças, sobretudo italianos e alemães, todavia, uns e outros
vieram ao Brasil para vencer pelo trabalho, não lhes interessando, de forma
alguma o envolvimento em questões políticas ou militares.
Assim, tentativas de levante, em nosso país, sempre foram obra de uma
classe média restrita, sem maior participação da base popular.
Na madrugada de 27 de novembro de 1935 – é o que conta a história oficial
– um grupo de militares rebeldes assassinou covardemente, pelas costas, seus
companheiros de farda que se achavam dormindo, sublevando o 3º Regimento
de Infantaria da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro e espalhando a revolta pelos
quartéis vizinhos, chegando até o Campo dos Afonsos, onde se achava instalada
a Escola de Aviação.
É isso, talvez, mas é também muito mais que isso. Vários, entre os que
participaram da Intentona silenciaram durante toda a vida e morreram sem deixar
um depoimento para a História. Mas, passadas oito décadas, é possível traçar,
com alguma segurança, a trilha que levou aos Levantes de 1935 em Natal, em
Recife e no Rio de Janeiro.
Nesse propósito, a longa e paciente pesquisa realizada pelo historiador Hélio
Silva, falecido em 1998, é um importante referencial, representando o que de
melhor temos para entender o que se passou naquele tumultuado período da
vida brasileira.
Se, de um lado, o Levante de 1935 representou uma lamentável perda de
vidas, no cumprimento do dever, não é menos certo que o episódio foi usado
como uma espada de Dâmocles pendente sobre a nação, transformando em
subversivos todos aqueles que, em algum momento, ousassem ter opiniões
divergentes da opinião daqueles que detinham o poder e a força.
A história pasteurizada da Intentona serviu, assim, para garantir a
consolidação do poder político-militar, que interferiu abusadamente na vida
nacional, algumas vezes se tornando uma sombra do poder constituído, mas em
outras, agindo ostensivamente contra esse mesmo poder.
- 099 -
Como escreveu Otto Lara Resende (Folha de São Paulo, 27.11.91):
"Hoje é de lastimar o vigoroso investimento político e emocional
que foi feito nessa tal Intentona. > 1935, quantos crimes foram
cometidos em teu nome!"
Este trabalho não pretende influir no julgamento do leitor. Ao contrário,
procura colocar fatos relacionados com o Levante, permitindo que cada um tire,
por si mesmo, as conclusões.
Um resumo dos
acontecimentos
Intentona é uma palavra que veio do castelhano, significando intento louco,
ou plano insensato. Foi o nome usado para designar o Levante deflagrado pelo
Partido Comunista Brasileiro em 1935, tendo como objetivo a tomada do poder.
O movimento previa, em sua primeira etapa, a instalação de um governo
nacional revolucionário sob a chefia de Luís Carlos Prestes.
A eclosão do levante se deu no Rio Grande do Norte e depois em
Pernambuco, mas a etapa mais importante era a sublevação da Vila Militar no
Rio de Janeiro, um complexo de quartéis que representavam o centro nervoso
das forças incumbidas de garantir a segurança nacional.
Em Natal (Rio Grande do Norte), o movimento iniciou-se antecipadamente,
em 23 de novembro de 1935, quando sargentos, cabos e soldados tomaram o
21º Batalhão de Caçadores e instalaram nele um Comitê Popular Revolucionário.
Quatro dias depois, as tropas do Exército e polícias dos Estados vizinhos
tomaram o quartel das mãos dos revoltosos, restabelecendo a ordem.
Em Recife (Pernambuco), a revolta eclodiu no dia seguinte. Se é bem verdade
que este levante foi dominado em apenas um dia, também é fato que a repressão
deixou um saldo de 100 mortos entre os sublevados.
- 100 -
Na Praia Vermelha, próximo aos bairros da Urca e Botafogo, Zona Sul do Rio
de Janeiro, no 3º Regimento de Infantaria, o levante se deu na madrugada do
dia 27, sendo completamente dominado em menos de dez horas, com um total
de 20 mortos entre os insurretos.
Dentro do Exército, no balanço geral em todo o país, os acontecimentos de
Natal, Recife e Rio de Janeiro, somados, custaram a vida de um tenente-coronel,
dois majores, quatro capitães, um tenente, quatro sargentos, quatorze cabos e
dois soldados, totalizando 28 militares legalistas mortos.
Os antecedentes
No dia 23 de fevereiro de 1917, na distante cidade de São Petersburgo,
Rússia, um punhado de operárias, descontente com as condições de trabalho,
recusou-se a entrar em serviço. A decisão dessas mulheres encontrou eco em
outras fábricas e em outras cidades e, no final do dia, já eram 90 mil operários
(homens e mulheres) em greve. Três dias depois, perdendo por completo o
controle do país, caia a dinastia dos Romanov, no poder há mais de 300 anos.
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Conquanto o movimento comunista se achasse bem organizado na Rússia,
seus principais líderes, naquele momento, estavam no exílio e os que se
achavam no país, menos expressivos, rechaçavam qualquer ideia de ação
revolucionária, temendo pela tragédia inútil que um levante poderia proporcionar.
Assim, a queda do czarismo foi resultado de um movimento imanente, partindo
exclusivamente das massas, sem participação direta dos líderes e até contra a
vontade das lideranças.
Isso deu aos líderes comunistas em outros países a falsa impressão de que
o mundo estava maduro para o comunismo e que, a qualquer revolta, os
governos então dominantes iriam caindo, um a um.
Por consequência, o ano seguinte (1918), chamado de o Ano Vermelho, foi
pródigo em movimentos sediciosos por diversos países do mundo, todos eles
fracassados e reprimidos com violência.
O Brasil, como não poderia deixar de ser, viveu a mesma febre dos levantes
operários de 1918. No Rio de Janeiro, as comemorações do 1º de maio
lembraram o triunfo, pelo menos aparente, dos trabalhadores na Rússia. Embora
com o Brasil em estado de sítio, os operários cariocas acorreram à praça
Tiradentes, onde aconteceu ruidosa manifestação. As greves e tumultos,
principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, se prolongaram por todo o
ano.
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Em 1922, fundou-se o Partido Comunista Brasileiro, que viveu a maior parte
da década na ilegalidade, impedido de fazer proselitismo, em face do esquema
repressivo montado pelo governo contra lideranças operárias e sindicatos.
Assim, em 1927, os líderes comunistas mudaram sua estratégia, fundando
uma frente única, conhecida como Bloco Operário, ao qual, mais tarde, se
acrescentou um movimento rural, passando a chamar-se Bloco Operário e
Camponês (BOC).
As células do BOC, espalhadas pelo país, tiveram a mesma sorte do Partido
Comunista. Não existia no Brasil campo para o desenvolvimento de ideias
políticas ou reivindicatórias, e as manifestações, esporádicas e barulhentas,
jamais representavam as massas.
Nas cidades, já o dissemos, o trabalhador estava mais interessado em
garantir seu emprego e o sustento da família. Assim, frustrou-se o esforço para
a arregimentação política desses operários.
- 103 -
Além do mais, assumindo o poder em 1930, o presidente Getúlio Vargas, de
inequívoca ideologia fascista, deu como prioritária a criação de uma legislação
trabalhista que dava ao trabalhador urbano garantias com as quais ele nunca
sonhara anteriormente, o que transformava Getúlio em um genuíno líder
trabalhista, não deixando espaço para ideologias de esquerda.
No campo, ainda reinava o sistema feudal, onde o camponês (vassalo) tinha
uma relação de total dependência com o fazendeiro (suserano), que lhe dava
casa, comida, meia-dúzia de trocados e adiantamentos em dinheiro, para
atender imprevistos, criando uma dívida impagável, que sujeitava o colono à
propriedade, em regime de absoluta servidão. Ainda assim, o colono não se
sentia escravo e a dependência ao patrão representava a ele uma garantia de
segurança que não lhe interessava perder.
Ação Integralista
Brasileira (AIB)
Como já tivemos oportunidade de ver, o sucesso da revolução de 1930, com
a posse de Getúlio Dorneles Vargas, coincidiu com a busca mundial por regimes
políticos radicais, de esquerda e de direita, retirando o espaço para o
desenvolvimento de doutrinas liberais.
Seguindo essa tendência, dentro do tenentismo e fora dele, surgiram Legiões
inspiradas nos agrupamentos paramilitares europeus, como os camisas negras
do fascismo italiano ou os camisas pardas do nazismo alemão.
Ressalvadas as cores diferentes, as legiões eram semelhantes nos uniformes
nos símbolos, nos slogans e até na saudação com o braço erguido.
No Brasil, a maioria dessas entidades teve curta duração, mas uma delas, a
Ação Integralista Brasileira (AIB), conseguiu estabelecer bases sólidas e
duradouras, aliando sentimentos comuns à população brasileira, quais sejam, a
religião, a nacionalidade e a estrutura familiar.
A Ação Integralista Brasileira, com tendências fascistas, foi idealizada pelo
escritor Plínio Salgado em 1932. Usava camisas verdes, tinha como símbolo o
sigma (Σ) e, como lema, a trilogia Deus Pátria e Família. Dela participavam os
elementos mais reacionários da classe média, sobretudo estudantes
universitários, juntamente com militares.
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O integralismo pregava um Estado Integral sem explicar exatamente o que
vinha a ser isso. Basicamente defendia a criação de um regime forte,
substituindo a representação popular por corporações sindicais, estudantis e
militares.
Tinha um caráter profundamente nacionalista, defendendo fortemente a
estatização das riquezas nacionais e, nos demais casos, assumindo a defesa
intransigente da propriedade privada.
Era elitista e limitativo, pregando a ideia que o governo deveria ser entregue
às elites esclarecidas, vale dizer aos que comungavam com suas opiniões.
Não descartava o uso da força, em substituição ao convencimento, e, tal qual
o comunismo, considerava a delação como uma virtude a ser cultivada pelos
seus membros.
Como se costuma dizer a ultra direita e a extrema esquerda são irmãs
gêmeas, pontas comuns de uma mesma circunferência e, em algum extremo,
acabam se encontrando.
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Aliança Nacional
Libertadora (ANL)
Em contraposição ao integralismo, não tardou em surgir uma frente ampla,
igualmente radical, reunindo os mais variados setores da esquerda: sindicalistas,
liberais a procura do espaço perdido, setores da classe média preocupados com
o recrudescimento do fascismo no mundo e, é claro, os comunistas, frustrados
em tentativas anteriores, que encontravam agora um caldo de cultura apropriado
para o desenvolvimento de seus projetos.
Foi assim que surgiu a Aliança Nacional Libertadora (ANL), firmada na trilogia
Terra, Pão e Liberdade, em contraposição à trilogia integralista Deus, Pátria e
Família.
Da Aliança Nacional Libertadora faziam parte vários tenentes, entre eles,
Agildo Barata Ribeiro, um dos heróis da Revolução de 1930 na ala Norte do país;
Benjamim Soares Cabelho, que viria a se tornar uma figura importante da
Terceira República; operários e jovens acadêmicos, entre estes o estudante
Carlos Lacerda (mais tarde jornalista e político de destaque), cujo pai, Maurício
Lacerda, socialista, foi um dos precursores da legislação trabalhista no Brasil.
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Ao contrário do que muitos pensam, o movimento não tinha a participação
física de Luís Carlos Prestes que, nesse momento, se encontrava em Barcelona
(Espanha) sob o nome falso de Antônio Vilar, em companhia de Maria Bergner
Vilar, que outra não era senão sua mulher, Olga Benário.
A direção da ANL estava entregue a Hercolino Cascardo, o mesmo que, na
revolução de 1924, tentou, sem sucesso, sublevar a Marinha.
Embora a frente ampla não fosse comunista, estes agiram rapidamente no
sentido de se destacar entre as demais correntes, dominando a agremiação,
aproveitando-se do idealismo dos outros participantes.
No dia da fundação da ANL, Carlos Lacerda foi escalado para discursar em
nome dos estudantes e, induzido por radicais, caiu em uma armadilha, lançando
Luís Carlos Prestes como presidente de honra do movimento. Foi assim que o
nome do Cavaleiro da Esperança passou a figurar com destaque sobre os
demais líderes.
Para o Brasil, o Comitê Internacional Socialista (Comintern) enviou o agitador
alemão Ernst Ewert, com o nome falso de Harry Berger. Passo a passo, um
movimento sério de combate ao fascismo, ia sendo usado como plataforma para
os planos sinistros (e mal calculados) visando a implantação do regime
comunista no Brasil.
A questão dos
soldos militares
Paralelamente, reinava insatisfação nos quartéis pela deterioração salarial,
um clima perigoso, na medida em que a impaciência da jovem oficialidade
encontrava eco entre alguns oficiais superiores. Qualquer aumento, dependia do
sinal verde do ministro da Fazenda, o qual declarara, com firmeza, não haver
dinheiro para cobrir as despesas com qualquer reajuste. Um projeto transitava
na Câmara Federal a passo de tartaruga, enquanto a crise se agravava.
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Não tardou em surgir uma rebelião na guarnição de Cachoeira, no Rio Grande
do Sul, contando com apoio ostensivo do governador Flores da Cunha, a essa
altura, já de olho na sucessão presidencial. Getúlio repreende-o em telegrama:
"Apelo para teu sentimento brasileiro evitar caia sobre ti a
responsabilidade moral de uma guerra civil."
Nesse meio tempo, Getúlio Vargas, aconselhado pelo comandante da 1ª
Região Militar, general João Gomes, decide demitir o comandante da Vila Militar,
general João Guedes da Fontoura, sobre o qual recaiam suspeitas de
infidelidade ao governo.
Acontece que o general Fontoura era amigo particular do ministro da Guerra,
Góis Monteiro. A crise chega, pois, ao ministério da Guerra, onde o general Góis
Monteiro se demite, sendo substituído pelo general João Gomes Ribeiro Filho,
até então comandante da 1ª Região Militar.
O general Eurico Gaspar Dutra, que era comandante da Aviação (ainda não
tinha sido criada a Força Aérea Brasileira), ocupa a vaga deixada na 1ª RM.
Essas trocas de comando, anunciadas pela imprensa, aumentam a tensão
reinante.
Tais problemas, cozinhados em banho-maria, minaram a disciplina militar,
facilitando a ação dos conspiradores, sobretudo no Rio de Janeiro.
A questão dos cabos
e sargentos
Modificações no regulamento militar reintroduziram um dispositivo que existia
na Primeira República, pelo qual, completados dez anos na ativa, os militares
que não tivessem atingido o oficialato seriam automaticamente jubilados, com o
afastamento definitivo da vida militar.
Nas grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, onde as
possibilidades de acesso são maiores, essa alteração não trazia maiores
problemas. Quem em dez anos não houvesse chegado a tenente, pelo menos,
já teria desistido da carreira militar.
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O mesmo não acontecia em cidades menores, sobretudo do Nordeste, onde
muitos permaneciam estacionários na função de praça, por vezes até o limite de
idade para a reforma.
O retorno do jubilamento de praças, agora fortalecido pela nova ordem
constitucional, era outra fonte de atritos, criando ambiente propício para
aliciamento dos prejudicados, que lutavam pela revogação da medida. Aliás,
foram eles, no Nordeste, os grandes responsáveis pelas sublevações.
Conspiração em marcha
Foi dentro desse clima que se desenvolveu a conspiração comunista que
culminaria com os levantes de novembro de 1935. No momento oportuno,
Prestes transferiu-se da Espanha para o Brasil, permanecendo em lugar
ignorado, mas enviando ordens e manifestos, enfim, controlando, passo a passo,
o desenrolar dos trabalhos.
No dia 28 de abril, realizou-se em Madureira (subúrbio carioca) um comício
da Aliança Nacional Libertadora, em afronta aos integralistas, do qual
participaram oficiais, sargentos e cabos. Os identificados foram expulsos das
fileiras do Exército e seus superiores, capitães Carlos da Costa e Trifino Correia
sofreram punições. O assunto repercute na Câmara Federal.
No dia 9 de junho, a ANL realiza outro comício, desta vez em Petrópolis,
quase em frente à sede da Ação Integralista Brasileira, resultando em confronto
entre as duas facções, com um morto e vários feridos. O morto era aliancista e
o tiro partiu da sede dos integralistas.
Sem o saber (ou sabendo muito bem) o comando militar contribuía para o
desenvolvimento da ação aliancista. Assim é que o capitão Agildo Barata Ribeiro,
conhecido como um dos conspiradores, foi transferido para uma unidade militar
no Rio Grande do Sul, a pretexto de afastá-lo do Rio de Janeiro.
Com isto, ele aproveitou a oportunidade para fundar em Porto Alegre um
núcleo da Aliança Nacional Libertadora, realizando um comício no dia 5 de julho
de 1930, data comemorativa das revoluções de 1922 e 1924.
- 109 -
Por pura sorte, a manifestação transcorreu em paz, pois o interventor Flores
da Cunha já avisara que, ao menor sinal de desordem, a polícia tinha ordem de
descarregar sobre os manifestantes.
Na mesma data, outro comício se realizou, este clandestinamente, no Rio de
Janeiro, ocasião em que o acadêmico Carlos Lacerda leu um manifesto de Luís
Carlos Prestes.
A reação não tardou. Em 11 de julho, um decreto do governo federal colocou
a Aliança Nacional Libertadora fora da lei e, dois dias depois, sua sede era
fechada. Paralelamente, procedeu-se o fechamento da União Feminina
Brasileira, outro braço dos aliancistas.
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O presidente da ANL, Hercolino Cascardo, oficial marinheiro, foi removido
para Santa Catarina, onde lhe deram o comando de uma base naval. Outra
remoção igualmente inexplicável, pois se introduzia um elemento revolucionário,
em posição de comando, num local até então desligado do movimento aliancista.
Getúlio sabia de tudo
Se havia alguém bem informado de tudo o que se passava e dos planos em
andamento, esse alguém era o presidente da República, Getúlio Dorneles
Vargas. Seu serviço de inteligência mantinha-o a par dos mínimos detalhes,
enquanto que agentes infiltrados no movimento colhiam dados significativos,
possibilitando até uma ação preventiva.
Como linha auxiliar, o Presidente recebia também ajuda internacional, por
intermédio do Inteligence Service, infiltrado no Partido Comunista Brasileiro, ora
na ilegalidade.
Em certo momento, já se sabia no palácio até a data e hora do levante: 27 de
novembro de 1935, às 2h30 da madrugada, tendo como centro de operações a
Praia Vermelha, mais precisamente, o 3º Regimento de Infantaria.
O governo não só deixou de cortar o movimento em marcha como algumas
medidas tomadas sugerem o raciocínio de que o próprio sistema ajudou para
que as coisas acontecessem, dando justificativa, mais tarde, para o fechamento
do regime.
Assim, por exemplo, na madrugada do levante na Praia Vermelha, as tropas
de reforço do Exército levaram duas horas para chegar ao local de conflito,
porque não havia sido tomada a mais elementar das providências, qual seja, a
requisição dos caminhões para o transporte dos soldados.
É impensável um descuido desses logo do comando da 1ª Região Militar, e
isso num momento em que os quartéis do Rio de Janeiro se achavam em regime
de prontidão.
- 111 -
Como se disse acima, o Capitão Agildo Ribeiro, bem quieto no Rio de Janeiro,
foi transferido para Porto Alegre, onde aproveitou o ensejo para organizar um
núcleo aliancista naquela cidade.
Já no mês de novembro, o mesmo Agildo foi punido com 25 dias de detenção.
Transferido de volta para o Rio de Janeiro, ficou preso, adivinhe onde?
Justamente no 3º Regimento de Infantaria, de onde deveria partir o movimento
sedicioso.
Juntou-se a fome com a vontade de comer. Estando bem próximo dos demais
conspiradores, pode agir com o maior desembaraço. Sua pena deveria extinguir-
se em 3 de dezembro. Foi reduzida de 25 para 20 dias, devendo terminar, então,
em 28 de novembro. O levante estava marcado para 27 de novembro. Tudo
cronometrado direitinho pelas próprias autoridades, com uma série de
coincidências que não podem ser consideradas como aleatórias!
Em Natal, o movimento
é antecipado
Pelos planos, o levante deveria ocorrer na madrugada de 27 de novembro.
Então, os responsáveis pela conspiração em Natal receberam um telegrama
apócrifo, enviado talvez pelo serviço de contra-informação do governo, mas
com a identificação da chefia do movimento. Esse telegrama informava que o
início havia sido antecipado para 23 de novembro. Inexperientes, os líderes
acreditaram na veracidade do telegrama.
Foi assim que, na noite de 23 de novembro, um sábado, dois sargentos, dois
cabos e dois soldados sublevaram o 21º Batalhão de Caçadores. Beneficiados
pelo elemento surpresa, conseguiram pôr em fuga o governador do Estado, que
se refugiou em um navio de bandeira francesa.
Rapidamente, o movimento se alastrou por outras cidades do Rio Grande do
Norte. Colunas rebeldes ocuparam Ceará-Mirim, Baixa Verde, São José do
Mipibu, Santa Cruz e Canguaratema.
Totalmente ingênuos em movimentos sediciosos, os sublevados acreditavam
ter dominado a situação.
- 112 -
Enebriados pelo sucesso, tomaram o palácio do Governo e instalaram um
Comitê Popular Revolucionário com o Ministério assim constituído:
Lauro Cortês Lago (funcionário público), Ministro do Interior;
Quintino Clementino de Barros (sargento), Ministro da Defesa;
José Praxedes de Andrade (sapateiro), Ministro do
Abastecimento; José Macedo (carteiro), Ministro das Finanças;
João Batista Galvão (estudante), Ministro da Viação.
O cabo Estevão assumiu o comando do 21º Batalhão de Caçadores,
enquanto o sargento Eliziel Diniz Henriques passou a comandar a Guarnição
Federal.
E depois? Depois, mais nada. Ninguém sabia o que fazer (se alguma coisa
pudesse ser feita) para consolidar o movimento supostamente vitorioso.
- 113 -
Nas ruas de Natal, a população exultava com aquele breve momento de
anarquia. Durante alguns dias, a capital virou terra de ninguém, com saques,
roubos, invasões de domicílio, requisição de veículos particulares e tudo mais
que passasse pela imaginação popular.
Passados os acontecimentos, bem mais tarde, o ex-Ministro da Viação, o
estudante João Batista Galvão, desbafa:
"Naquele tempo, todo mundo fez o diabo e depois botou a culpa
em cima de nós. O povo topou a revolução por pura farra.
Saquearam o depósito de material do 21º BC e todos passaram a
andar fantasiados de soldado. Minha primeira providência como
ministro foi decretar que o transporte público seria gratuito. O povo
se esbaldou de andar de bonde sem pagar."
Quatro dias depois de iniciado, o movimento foi contido por tropas do Exército
e polícias de outros Estados, que invadiram o Rio Grande do Norte e
restabeleceram a ordem.
Recife seguiu na
esteira de Natal
Em Recife, o levante ocorreu um dia após, quando chegaram notícias da
rebelião em Natal. Tinha tudo para dar certo. O governador, Carlos Lima
Cavalcanti se achava na Alemanha, passeando de Zepelin (uma espécie de
navio voador que pretendia substituir o avião).
O general Manuel Rabelo (o mesmo que fora interventor em São Paulo em
1932) estava no Rio de Janeiro, cuidando de assuntos militares relativos ao seu
comando.
O comandante da Brigada Militar, capitão Jurandir Bizarria Mamede (que
trinta anos depois seria o pivô de uma séria crise militar) estava no Rio Grande
do Sul, comemorando o centenário da Revolução Farroupilha
- 114 -
Lembremos, entre parêntesis, que tanto o presidente da República quanto as
autoridades militares tinham conhecimento do ambiente de agitação nos quartéis
do Nordeste e prova disso é que os quartéis do Rio de Janeiro se achavam de
prontidão. Assim, é surpreendente essa ausência, a um só tempo, das principais
autoridades de Pernambuco
Aparentemente, a cidade estava sem comando. Mas era apenas aparência e
os que tramavam o golpe se acharam seguros de que a ação tinha todas as
condições de dar certo, sem atentar para o velho ditado de que, quando a esmola
e muita, até o santo desconfia...
Na manhã do domingo, dia 24, um sargento, chefiando um grupo de civis,
atacou a cadeia pública de Olinda. Logo depois, o sargento Gregório Bezerra
tentava apoderar-se do Quartel General da 7ª Região Militar, matando o tenente
José Sampaio e ferindo o tenente Agnaldo Oliveira de Almeida, antes de ser
subjugado e preso.
Na Vila Militar, o capitão Otacílio Alves de Lima, o tenente Lamartine Coutinho
e o tenente Roberto Besouchet sublevaram o 29º Batalhão de Caçadores e se
apossaram de todo armamento. Encontraram, porém, uma reação imediata do
tenente-coronel Afonso de Albuquerque Lima, sub-comandante da brigada
policial, com a ajuda, também, da Guarda Civil.
- 115 -
No dia seguinte, chegou o reforço da Artilharia e o único quartel realmente
sublevado, o 29º BC sofreu intenso bombardeio, resultando em uma centena de
mortos.
Os que conseguiram fugir pelas estradas, deram de frente com tropas da
polícia estadual, que se achavam em batida, à procura do cangaceiro Lampião.
Em dois dias, pois, o movimento estava totalmente dominado.
Tragédia na Praia
Vermelha
Se o telegrama apócrifo chegou rapidamente a Natal, o inverso não é
verdadeiro. Os conspiradores no Rio de Janeiro não sabiam nada sobre o que
estava acontecendo no Nordeste e entraram em armas na data originalmente
marcada, desconhecendo que os movimentos em Natal e Recife haviam se
iniciado fora de tempo e já estavam debelados.
Funcionou mais uma vez o serviço de contra-informação, desta vez
bloqueando a comunicação entre os revolucionários, tão fundamental em
operações de guerra.
Vamos, aqui, seguir a narrativa do general Ferdinando de Carvalho, em seu
livro Lembrai-vos de 35!, (ano 1981, da série “Biblioteca do Exército”):
"Na Escola de Aviação, em Marechal Hermes, os capitães
Agliberto Vieira de Azevedo e Sócrates Gonçalves da Silva,
juntamente com os tenentes Ivan Ramos Ribeiro e Benedito de
Carvalho assaltaram o quartel de madrugada e dominaram a
unidade. Vários oficiais foram assassinados ainda dormindo. O
capitão Agliberto matou friamente o seu amigo capitão Benedito
Lópes Bragança, que se achava desarmado e indefeso. Em
seguida, os rebeldes passaram a atacar o 1º Regimento de
Aviação, sob o comando do coronel Eduardo Gomes que, apesar
de ferido ligeiramente, iniciou a reação. (...)
- 116 -
Prossegue a narrativa:
"No 3º Regimento de Infantaria, na Praia Vermelha,
acontecimentos mais graves ocorreram. Os rebeldes, chefiados
pelos capitães Agildo Barata, Álvaro Francisco de Sousa e José
Leite Brasil conseguiram, na mesma madrugada, após violenta e
mortífera refrega no interior do quartel, dominar quase totalmente
a unidade. Ao amanhecer, restava apenas um núcleo de
resistência legalista, situado no Pavilhão do Comando, onde se
encontrava o coronel Afonso Ferreira, comandante do Regimento.
(...)
Nas últimas horas da madrugada, acionados diretamente pelo
comandante da 1ª Região, general Eurico Gaspar Dutra, o
Batalhão de Guardas e o 1º Grupo de Obuses tomaram posição
nas proximidades do aquartelamento rebelado e iniciaram o
bombardeio. (...)
- 117 -
"Finalmente, às 13h30, bandeiras brancas improvisadas foram
agitadas nas janelas do edifício, parcialmente destruído. Era a
rendição. Presos, os insurretos apresentaram-se na praça em um
compacto grupo. Muitos rebeldes adotaram uma atitude de
zombaria, sorrindo cinicamente, em franco desrespeito àqueles
que, naquele mesmo local, pouco tempo antes, haviam tombado
em luta inglória."
O outro lado da história
Essa narrativa, apresentando a versão oficial, não encontra consenso entre
os estudiosos da História do Brasil. Sobre o assunto, por exemplo, o professor
Marco Aurélio Garcia, da Unicamp, em artigo publicado pela Folha de São Paulo
em 18 de novembro de 1983, escreve:
"Para as Forças Armadas, segundo reiteram as ordens do dia a
cada ano, a Intentona apenas comprova o que de há muito se
deveria saber: o caráter ‘apátrida e traiçoeiro do comunismo
internacional’. Como prova, são exibidos cadáveres de oficiais e
soldados ‘mortos enquanto dormiam’. A reiteração monótona desta
versão não resiste aos fatos. Todas as pesquisas históricas sérias
realizadas sobre o episódio, sobre as quais será difícil levantar
suspeição, como é o caso do trabalho de Hélio Silva, desmontam,
com o apoio dos laudos dos médicos legistas da época, a tese de
‘assassinato pelas costas’.
- 118 –
Em suma: não houve mortos enquanto ‘dormiam’, sem falar no
absurdo que representaria soldados dormindo em quartéis
submetidos a regime de prontidão, como era o caso da madrugada
do levante. Mortos houve, e dos dois lados, como nos levantes de
22 e 24, na Coluna Prestes ou em 30, para não falar em 1932. (...)
As Forças Armadas, elas próprias, se viam afetadas pela
polarização política que sacudia o país. Trinta e cinco, nesse
sentido, pode ser visualizado, também, como mais um (e quem
sabe o último) episódio tenentista, a despeito do revestimento
ideológico mais preciso. (...)
Somente através destas e de outras pistas – afastando-se da
propaganda anticomunista, ou da auto complacência de certos
setores à esquerda – é que o episódio de 1935 poderá ser restituído
em toda sua integridade à História do Brasil."
Aí estão, pois, duas versões distintas de um mesmo acontecimento. Escolha
a que melhor lhe convier ou tire, por si mesmo, as conclusões que julgar
apropriadas.
Paulo Victorino
CAPÍTULO OITO
VIRA, VIRA, VIRA... VIROU!
A CONSTITUIÇÃO DESCARTÁVEL
O “estado de sítio”, que vigorava já antes da rebelião, foi prorrogado
por mais 90 dias, transformando-se depois em “estado de guerra”.
Criou-se, à margem da Constituição, um tribunal revolucionário,
com o nome de Tribunal de Segurança Nacional (TSN), cuja
isenção era posta em dúvida pelo próprio caráter excepcional
desse órgão. Nessa altura dos acontecimentos, uma estrela brilha
na escuridão. É o Dr. Heráclito Fontoura de Sobral Pinto,
constituído advogado dativo dos rebeldes. Católico, conservador,
de formação jesuítica, parecia o oposto daquilo que os réus
estavam precisando. Não obstante, logo se mostrou um fiel
defensor da lei, interpondo-se aos abusos por vezes cometidos
contra os réus e lutando com denodo para evitar que estes
sofressem penas além dos crimes realmente cometidos.
Toda ação gera uma reação de igual intensidade. Os que se atiraram à
aventura da Intentona Comunista, sabiam dos riscos que estavam correndo e da
revanche a que seriam submetidos se, por alguma razão, o levante viesse a
fracassar, o que, por fim, acabou acontecendo.
E, como ocorre frequentemente, quando a razão e a emoção se misturam, a
reação acaba indo muito além do razoável, gerando excessos difíceis de se
evitar.
- 120 -
Assim é que, reprimido o golpe e presos os principais líderes da insurreição
(contados como 36), iniciou-se uma temporada de caça em que qualquer
suspeita era suficiente para colocar pessoas atrás das grades. Como na
revolução de 1930, também agora, em 1935, as cadeias estavam atulhadas de
presos, cujos destinos seriam decididos quando surgisse uma oportunidade.
Pelas contas do chefe de Polícia, Filinto Müller, 7.056 suspeitos passaram
pelos cárceres da repressão, entre eles, escritores como Graciliano Ramos,
vários deputados que tiveram sua imunidade parlamentar violada, e o prefeito do
Distrito Federal, Pedro Ernesto, médico e militar supostamente alheio à
conspiração.
Também o governador de Pernambuco, Carlos Lima Cavalcanti, que se
achava na Alemanha, passeando de Zepellin, quando ocorreu o levante naquele
Estado, foi indiciado por facilitação.
Vários professores, acusados de instilar ideias comunistas em seus alunos,
foram parar na prisão. Também os militares que se achavam aquartelados, mas
que não participaram do combate, nem de um lado nem de outro, foram
considerados réus da não resistência. “Preso por ter cão, preso por não ter
cão...”
Alzira Vargas, filha do Presidente e, naquela época uma estudante, foi
incumbida por seus colegas de Faculdade para interferir junto a seu pai em favor
dos professores presos que, sabidamente, não tinham participado diretamente
da conspiração. Não teve sucesso, conforme conta em seu livro Getúlio Vargas,
meu Pai:
"Papai meditou, relutante em me contar o resto. Levantou-se,
acendeu um charuto, deu alguns passos em torno da mesa e
depois me disse: ‘Foi uma exigência dos chefes militares.
Consideraram uma injustiça serem punidos os oficiais presos de
armas na mão, enquanto os instigadores de tudo, os intelectuais
que pregavam as ideias subversivas, continuavam em liberdade.
Foi alegado em favor da prisão imediata o fato de se utilizarem da
cátedra, da pena e da imprensa para instilarem o comunismo na
cabeça não suficientemente amadurecida dos jovens."
- 121 -
O estado de sítio, que vigorava já antes da rebelião, foi prorrogado por mais
90 dias, transformando-se depois em estado de guerra. Criou-se, à margem da
Constituição, um tribunal revolucionário, com o nome de Tribunal de Segurança
Nacional (TSN), cuja isenção era posta em dúvida pelo próprio caráter
excepcional desse órgão. E como ninguém quer ser advogado de traidor, o
defensor acabava sendo nomeado pelo juiz.
O presidente Getúlio Vargas, militares e autoridades,
após o enterro das vítimas da Intentona Comunista de 1935
Recursos poderiam ser interpostos a uma instância superior, justamente o
Superior Tribunal Militar (STM), onde a comoção, como era de se esperar, tolhia
a isenção necessária aos juízes, abalados que estavam seus membros com a
Intentona de 27 de novembro.
- 122 -
Nessa altura dos acontecimentos, uma estrela brilha na escuridão. É o Dr.
Heráclito Fontoura de Sobral Pinto, constituído advogado dativo dos rebeldes.
Católico, conservador, de formação jesuítica, parecia o oposto daquilo que os
réus estavam precisando.
Não obstante, logo se mostrou um fiel defensor da lei, interpondo-se aos
abusos por vezes cometidos contra os réus e lutando com denodo para evitar
que, pelo menos na esfera judicial, estes sofressem penas além dos crimes
realmente cometidos.
A ação policial
Já na esfera policial, não se poderia dizer o mesmo. O chefe de polícia no Rio
de Janeiro era Filinto Müller, mas o nome não faz diferença: quem quer que
estivesse em seu lugar, lançaria mão dos mesmos meios excepcionais que ele
autorizou seus agentes usarem para se alcançar mais rapidamente os resultados
pretendidos.
Métodos conhecidos, mas pouco recomendáveis foram aplicados para
arrancar confissões, promover delações, localizar fugitivos e outras operações
atribuídas à polícia. Alguns presos morreram nas dependências policiais, não
tendo sequer a oportunidade de um julgamento, enquanto a maioria ficou
mofando nas prisões até que uma autoridade dispusesse de tempo para
examinar cada caso.
Um dos acontecimentos que chamou atenção, por repercutir no exterior, foi o
do americano Victor Allan Barron, cujo único crime foi o de dar esconderijo a Luís
Carlos Prestes. Pela versão oficial, Barron teria se atirado do segundo andar da
sede da Polícia Central, vindo a morrer na ambulância em que foi transportado.
O atestado, assinado pelo médico legista, confirmava a morte após a queda.
Todavia, o advogado Joseph Brodsky, que veio de Nova York para fazer
investigações, concluiu que o prisioneiro morreu vítima de torturas, simulando-
se em seguida o suicídio para encerrar o processo.
Outro caso menor, mas que chamou a atenção pública, foi o de "Miranda"
cognome de Adalberto Andrade Fernandes (ou Antônio Maciel Bonfim)
secretário do Partido Comunista, que foi preso com sua companheira Elza
Fernandes, cujo nome verdadeiro era Elvira Cupello Calonio, uma adolescente
de 16 anos.
- 123 -
Mantido preso, Miranda foi submetido a torturas e obrigado a denunciar vários
de seus companheiros. Quanto a Elza Fernandes, foi solta e, pouco tempo
depois, apareceu morta por estrangulamento. A versão oficial, de que ela teria
sido assassinada por ordem de Luís Carlos Prestes, não encontrou muita
credibilidade. Mário Cupello Calônio, irmão da vítima, comentou, tempos depois:
"Ela foi usada como chamariz para que a polícia chegasse a outros militantes
comunistas." A verdadeira história, nunca se saberá.
A caça aos "comunistas"
As autoridades policiais, por si sós, não tinham condições de se infiltrar em
tantos ambientes diferentes à procura de suspeitos de adesão ou simpatia aos
comunistas. Assim, o ministério da Justiça, dirigido então, por Vicente Rao criou
um órgão com o nome de Comissão Nacional de Repressão ao Comunismo,
outro aparelho de exceção, entregando-o aos cuidados de Adalberto Correa, que
pesquisava, verificava fichas, levantava o passado de homens públicos e sugeria
prisões.
No listão figuravam nomes conhecidos, como de Maurício de Lacerda,
deputado socialista; Pedro Ernesto, prefeito nomeado do Distrito Federal (Rio de
Janeiro); ou Virgílio de Melo Franco, jovem político mineiro.
Nenhum deles, que se saiba, tinha qualquer envolvimento com o comunismo,
apresentando, entretanto, o grande defeito de combater o fascismo, o que os
classificava automaticamente no lado oposto.
Nesses órgãos, criados às pressas e com finalidade específica, o melhor
método de trabalho era não ter método nenhum. O importante era mostrar
serviço, apresentando relatórios conclusivos que justificavam o ato seguinte, ou
seja, a prisão dos denunciados.
Prisão e julgamento
de Prestes
O ponto de honra era chegar à captura de Luís Carlos Prestes, o mentor
intelectual da Intentona. Foi ele que, da Espanha, mandou as primeiras
instruções para o levante. Depois, já no Brasil, sob nome falso, preparou e
rubricou todos os planos que serviram de base para o ataque aos quartéis do
Rio de Janeiro.
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Victor Allan Barron, um americano falastrão, após várias doses de uísque,
acabou revelando a agentes secretos o local aproximado onde se achavam
escondidos Prestes e sua mulher, Olga Benário, os quais foram presos,
apresentados à imprensa e, depois, submetidos a interrogatório.
Não foi tão simples como o narrado acima. No dia 5 de março de 1936, com
as garantias constitucionais suspensas, foram cercados vários quarteirões no
bairro do Meier, no Rio de Janeiro, e a polícia invadiu casa por casa, vasculhou
o interior de cada uma, identificou todos seus moradores, até chegar à rua
Honório, nº 279, onde, finalmente, os dois foram encontrados.
Em 13 de agosto, Prestes respondeu por crime de deserção, que realmente
ocorrera durante a revolução de 1924, portanto, há doze anos. Absolvido em
primeira instância, foi apresentado recurso ao Supremo Tribunal Militar que, em
1931, confirmou a sentença. Este assunto já era, pois, transitado em julgado e
letra morta.
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Já pela participação na Intentona, Luiz Carlos Prestes e seu companheiro
Harry Berger foram condenados a 16 anos. Berger, cujo verdadeiro nome era
Artur Ernst Ewert, viera da Alemanha, a mando do Comintern para assessorar
os comunistas brasileiros na preparação do levante.
Quanto a Olga Benário, mulher de Prestes, seu destino é conhecido de todos.
Deportada para a Alemanha, caiu nas mãos dos nazistas que, mais tarde, a
executaram em um campo de concentração. Não imediatamente, porque estava
grávida. Então, deram um tempo para o nascimento e, humanitariamente, deu-
se mais 14 meses de tolerância, para amamentação da criança, Só depois é que
se procedeu a execução. Anita Leocádia Benário Prestes, a filha de Olga Benário
e Luís Carlos Prestes foi, em seguida, entregue aos cuidados da avó paterna,
Leocádia Prestes.
Fechando o processo
Não obstante as limitações de um tribunal revolucionário, é preciso
reconhecer que, na maioria dos casos, as penas aplicadas foram brandas, sendo
que muitas das sentenças não ultrapassaram a um ano de prisão, o que dava
aos condenados o direito de, cumprida a pena, serem reintegrados às Forças
Armadas, sem perda de patente.
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A denúncia contra o governador de Pernambuco, Carlos de Lima Cavalcanti,
embora implicando em sua prisão, não surtiu maior efeito, sendo ele absolvido
na primeira instância.
Dos parlamentares presos, foram absolvidos os deputados Abel Chermont e
Domingos Velasco, decidindo-se pela condenação dos deputados Otávio
Silveira, Abguar Bastos e João Mangabeira. Apresentado recurso ao Superior
Tribunal Militar, Mangabeira foi absolvido e os outros tiveram suas penas
reduzidas.
Em 7 de setembro de 1937, quase dois anos depois, os recursos foram
julgados pelo Superior Tribunal Militar, sendo confirmadas as penas dos
principais envolvidos e reduzidas as dos demais, em sua maioria.
O ex-prefeito do Distrito Federal, Pedro Ernesto, sem culpa formada, foi
absolvido, mas a um custo muito alto: teve de assumir um compromisso, por
escrito, perante o presidente da República, de que abandonaria, em definitivo a
vida pública.
Obtendo a liberdade, foi direto ao hospital que dirigia, como médico e
proprietário. Atrás de si formou-se um cortejo de populares, que vieram à rua
para prestar-lhe solidariedade. Nunca ninguém conseguiu explicar direito a razão
de sua prisão.
Um novo capítulo
na vida do país
Com o julgamento dos recursos, em segunda instância, encerrou-se esse
conturbado período da vida nacional e a paz voltou a reinar nos círculos políticos
e militares. Ou, pelo menos, é o que se pensava.
A Intentota limitou o campo de ação dos comunistas, mas, na contrapartida,
trouxe maior liberdade de movimento aos fascistas, concentrados em torno da
Ação Integralista Brasileira, dirigida por Plínio Salgado, cujos métodos eram
semelhantes, mas simétricos aos da extrema esquerda.
- 127 -
Na prática, os integralistas da AIB também almejavam chegar ao poder a
qualquer custo, usando os métodos de intimidação e, quando necessário,
dispostos a fazer o uso da força.
Quanto ao presidente da República, fascista por convicção e oportunista por
temperamento, deixava correr as ações da direita, usando essa força em seu
favor, mas sem se comprometer com os movimentos reacionários à sua volta,
que pretendia, a seu tempo, reprimir, para reinar só e absoluto. E como bom
estrategista que era, tinha a noção do timer, sabendo o momento certo de recuar,
avançar e estabelecer posições conquistadas.
Fique claro que Getúlio Vargas não tinha intenções de deixar o governo e,
porque se sentia tolhido em seus movimentos, pela constituição vigente,
cuidava, secretamente, da preparação de uma nova Constituição, à sua imagem
e semelhança.
A redação da nova Carta foi entregue ao jurista Francisco Campos, cuja
ideologia à direita já havia ficado patente já em 1932, quando fundara, com
Gustavo Capanema, a Legião Mineira.
Estranhamente, contava ele com a colaboração do general Góis Monteiro,
pouco afeito às leis, mas figura de projeção junto ao Clube dos Tenentes,
partidário também de um regime fechado, com o fortalecimento do poder
executivo.
A nova Carta
Getúlio tinha por hábito dar o expediente de rotina, pela manhã, no Palácio
do Catete, transferindo-se, à tarde, para o Palácio da Guanabara (misto de
residência e gabinete presidencial), onde despachava reservadamente com os
ministros de Estado ou tratava de assuntos que recomendavam menor
exposição pública.
Se, no Catete, seus atos eram acompanhados de perto pelos burocratas e
pela imprensa, já no Guanabara, sua residência oficial, entravam só os auxiliares
diretos e de confiança, preservando-se o sigilo e a privacidade com que certos
assuntos precisam ser tratados.
- 128 -
Pois foi o Palácio da Guanabara que passou a receber, semanalmente, a
visita de Francisco Campos e Góis Monteiro, como conta Alzira Vargas:
"Vinha sempre com uma misteriosa pasta preta debaixo do braço.
Nessa época, sempre que ele entrava na Secretaria, eu me retirava
silenciosamente para não ter o desprazer de cumprimentá-lo. Em
1932, eu ainda era suficientemente jovem para ter ilusões e fé, por
isso não havia entendido nem perdoado aqueles que não haviam
tido fé e não haviam confiado em meu Pai. Francisco Campos fazia
parte desse grupo."
Alzira nunca escondeu sua aversão ao general Góis Monteiro e, ao descrevê-
lo, usa de um sarcasmo incomum em seu livro de memórias:
"Vinha sempre à paisana: terno de linho branco bem amassado,
gravata sempre rebelde, uma grossa bengala, cor de canela, e um
chapéu panamá que parecia ter sido usado antes como almofada
ou travesseiro. Quando a conferência se prolongava demais e
nossos estômagos reclamavam, em revide, jogávamos peteca com
seu chapéu, de uma mesa para a outra, seguros de que nunca
poderia ficar em pior estado do que já estava. Recompúnhamos a
cena rapidamente, o chapéu sobre a bengala, assim que ouvíamos
suas passadas inconfundíveis no corredor e, em silêncio, o
esperávamos. Detinha-se alguns minutos a conversar com os
ajudantes-de-ordens e auxiliares de gabinete.
"Homem altamente inteligente, de prosa agradável e simples,
quando o queria ser, fazia-nos prontamente esquecer a fome. Com
remorsos, nos propúnhamos a organizar ‘uma ação entre amigos’
para comprar-lhe um chapéu novo. Deixava escapar meia
gargalhada, sacudida, intermitente, e perguntava: ‘Este está muito
ruim?’ Caso afirmássemos unanimemente que sim, ele alisava o
desbeiçado panamá, punha-o à cabeça, de lado, em minha opinião,
absolutamente de modo inapropriado, e se despedia oferecendo
apenas metade da mão direita escorregadia e hesitante. Tenho a
impressão que jamais conseguiu fazer alguma coisa por inteiro,
nem mesmo um aperto de mão. Ficava na metade, como se lhe
faltasse sempre a coragem de ir até o fim."
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A sucessão presidencial
Paralelamente, confiantes de que as regras constitucionais seriam
respeitadas, começavam a surgir os primeiros candidatos à sucessão
presidencial, cujas eleições deveriam ocorrer a 3 de janeiro de 1938. Estávamos
no final de 1936 e o prazo para desincompatibilização encerrava-se no último dia
do ano.
A primeira candidatura com alguma consistência era a do ex-interventor e ex-
governador de São Paulo, Armando de Sales Oliveira, que, em seu Estado,
contava com forte apoio dos democráticos, mas era alvo de restrições por parte
dos republicanos.
Insistindo em manter-se candidato, ele desagradou aos republicanos,
levando-os a uma reaproximação com Getúlio Vargas, no interesse comum de
liquidar as pretensões presidenciais do candidato paulista.
- 130 -
Outro nome de projeção era o do governador do Rio Grande do Sul, Flores
da Cunha, que vivia naquele momento seu inferno astral. Perdera os apoios de
São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro e, ainda por cima, entrara em rota de
colisão com o presidente da República. Preferiu, pois, seguir o caminho da
conspiração, que lhe arruinou a vida pública.
Um terceiro nome entra em cena: José Américo de Almeida. Líder civil da Ala
Nortista na revolução de 1930, contava com o apoio do vice-rei do Norte, Juarez
Távora.
Em seu tempo, surgiu, também, o candidato dos integralistas, Plínio Salgado.
Derrotado o comunismo, o integralismo surgia como uma solução para os
problemas brasileiros, pelo menos é o que pensavam seus filiados. E estavam
certos de contar com a simpatia, senão com o apoio de Getúlio Vargas.
Getúlio deixou a campanha seguir o seu ritmo, aceitando aparentemente o
jogo democrático, mas servindo-se das circunstâncias para armar o novo
cenário, mais favorável a ele, dentro do qual se desenrolaria o último ato da
grande tragicomédia.
O caso do Rio Grande do Sul
No Rio Grande do Sul, o governador Flores da Cunha, de há muito, vinha se
indispondo com o governo central e procurava criar suas próprias bases nos
Estados, com vistas a ganhar uma projeção que lhe permitisse lançar sua
candidatura à presidência da República.
Tinha como exemplo negativo o ex-Governador Borges de Medeiros, que se
preocupou apenas com o governo local, entregando ao deputado Pinheiro
Machado a formação de bases políticas no restante do território. Morto Pinheiro
Machado, Borges descobriu-se só, dentro dos limites de seu Estado, o que lhe
podou as asas, impedindo-o de sonhar com voos mais altos.
Evitando repetir o erro, Flores cometeu o erro oposto, ou seja, interferiu
ilimitadamente na política além-fronteiras, entrando em rota de colisão com o
presidente da República e brincando com fogo em torno de um barril de pólvora,
como foi o caso da sucessão no Rio de Janeiro, cuja inoportuna ação quase faz
desencadear uma guerra civil naquele Estado.
- 131 -
No Rio Grande do Sul, chegara a ser a ponte de união entre blancos e
colorados; agora, criava uma perigosa dissidência, formada por ex-aliados, que
fazia aumentar a temperatura política regional.
Entre outros, foram para a oposição Maurício Cardoso, ex-Ministro da Justiça
do Governo Provisório, em 1930; Raul Pila, uma das mais fortes lideranças
progressistas e Benjamim Vargas, irmão do presidente da República.
Corriam também notícias de sua união com notórios comunistas, para
sublevar o Rio Grande do Sul. Dizia-se que, usando de um caixa dois, estaria
ele procurando contrabandear armamentos para dentro do Estado.
Também havia outras denúncias que, mesmo não confirmadas, inspiravam
preocupação. Com efeito, Trifino Correia que, no Rio de Janeiro, fugira da prisão
após a Intentona, foi preso em Porto Alegre em 3 de outubro de 1937 atuando
novamente em ação pré-revolucionária.
Repentinamente, em meados de outubro, perdendo o controle da situação,
Flores da Cunha, abruptamente, abandona o Governo, fugindo para o Uruguai.
Em seu lugar, assumiu, como interventor, o General Manuel de Cerqueira Daltro
Filho, comandante da 3ª Região Militar, promovendo a pacificação política na
região. Flores da Cunha era agora mais uma pedra fora do tabuleiro.
O candidato José Américo
Por sua ativa participação na revolução de 1930, José Américo de Almeida
sempre esteve em alto conceito junto ao governo central. Naquela época, foi
nomeado interventor da Paraíba e coordenador civil do Norte e Nordeste.
Formado o ministério do Governo Provisório, coube a ele o Ministério da Viação.
Deixando a vida política em 1934, Getúlio nomeou-o membro do Tribunal de
Contas, cargo vitalício onde ele pretendia aposentar-se.
Aberto o processo sucessório, o governador mineiro, Benedito Valadares
retira José Américo do ostracismo e convence-o a lançar-se candidato à
presidência da República.
- 132 -
Para uma campanha ganhar as ruas, ou alguém se fazia candidato oficial, ou
partia para a oposição ao governo central. Como Getúlio deixou claro que não
apoiaria ninguém, José Américo seguiu o segundo caminho. E o fez com
tamanha sofreguidão, que acabou alarmando os próprios políticos mineiros que
lançaram e apoiavam sua candidatura.
Sem apoio de Minas Gerais, e sem conseguir alçar voo em outros Estados,
mesmo no seu sofrido Nordeste, José Américo viu sua candidatura minguar até
o desaparecimento total.
O candidato Plínio Salgado
Dentre todos, Plínio Salgado era o que mais esperava obter o apoio final de
Getúlio Vargas, acreditando piamente que as ideias integralistas tinham boa
acolhida dentro do Palácio.
Perdido no tempo, como se fora um legionário da Idade Média, percorria o
país com sua cruzada mística, com o simbolismo de suas frases, e com seus
agrupamentos paramilitares. Era um cavaleiro andante, mas sem cavalo.
Sem apoiá-lo, Getúlio lhe dava corda, até onde os atos deste novo Dom
Quixote não viessem atrapalhar os planos do Presidente, que tinham motivação
própria e uma cronologia que, de forma determinada, encaminhava-se para o
desfecho planejado.
Foi assim que, devidamente autorizados, os integralistas resolveram fazer
uma manifestação de apoio ao governo, em frente ao Palácio da Guanabara, na
noite de 1º de novembro de 1937. Horas antes, as autoridades policiais haviam
sido encarregadas de interditar todas as ruas à volta do prédio, permitindo que
os integralistas organizassem suas tropas paramilitares.
Da janela do palácio, Getúlio Vargas, Francisco Campos e todos os auxiliares
diretos do Presidente assistiram à demonstração integralista, como conta Alzira
Vargas:
- 133 -
"Durante uma hora, desfilaram, ao som dos ‘tambores silenciosos’,
perfiladas e tesas, como se fossem militares treinados, pessoas
que eu conhecia de longa data, sem suspeitar que fossem
apreciadoras desse tipo de atividade. O movimento havia ficado
maior, muito maior do que eu supunha, e atingira as mais variadas
categorias sociais. Havia marinheiros, oficiais de Marinha, soldados
e oficiais do Exército, comerciários e comerciantes, industriários e
industriais, pequenos funcionários e chefes de repartição,
mocinhas da classe média e senhoras da alta sociedade. Camisas
verdes, anuês, três para o Chefe do Governo, braços levantados
em continência, ritmados, enfrentando uma hostilidade latente,
continuavam marchando através da rua Pinheiro Machado.
Cheguei a temer que, intempestivamente, começassem a fazer o
‘passo de ganso’, tal a disciplina contida e a determinação que
emanavam deles."
O candidato Armando Sales
Se os casos Flores da Cunha, José Américo e Plínio Salgado se achavam já
sob controle do Presidente, o mesmo não acontecia com Armando de Sales
Oliveira.
No início, o postulante, como os seus mais fortes concorrentes, tentara obter
a concordância de Getúlio à sua candidatura. Não o conseguindo, prosseguiu,
mesmo com a oposição que vinha enfrentando em seu próprio Estado.
- 134 -
Menos ingênuo que os demais, começou a notar a presença de mouros na
costa, expressão cunhada por Osvaldo Aranha. Havia no ar um cheiro de golpe,
e tão forte, que a explosão poderia se dar a qualquer momento. Urgia fazer
alguma coisa, e já.
Em 8 de novembro de 1937, Armando de Sales lançou um longo manifesto,
em que alerta os militares para um golpe de estado em marcha, concitando-os a
sair na defesa da nação:
"Generaliza-se a convicção de que não haverá eleições a 3 de
janeiro. Multiplicam-se, com engenho fértil, os pretextos para não
cumprir a obrigação constitucional (...) Está em marcha a execução
de um plano, longamente preparado, que um pequeno grupo de
homens, tão pequeno que se pode contar nos dedos de uma só
mão, urdiu para escravizar o Brasil. (...) A despeito dos atos
notórios que se precipitam para o desfecho fatal, eu ainda confio.
Confio na palavra dos chefes militares que assumiram
compromissos de honra com a Nação. Ao Exército e à Marinha
cumprirá montar guarda às urnas e velar por que o país obtenha,
nelas, um governo de autoridade – de irrecusável autoridade moral,
ao qual darão depois o seu firme apoio, não só para a luta contra o
comunismo, como para a obra de organização do Brasil. A Nação
está voltada para os seus chefes militares: suspensa, espera o
gesto que mata ou a palavra que salva."
Esse manifesto foi lido na tribuna da Câmara pelo líder João Carlos Machado
e, no Senado, pelo líder Moraes Barros. Não teve maior divulgação pela
imprensa, temerosa de desafiar o poder central em momento político tão
delicado.
O Plano Cohen
No arremate para seus planos, o governo precisava de um motivo para
justificar o golpe e este surgiu com um pretenso plano comunista para a tomada
do poder. Anos mais tarde, o próprio ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra,
reconheceu que o plano era apócrifo. Reconhecimento tardio, já que não era
possível voltar ao ponto em que o processo democrático foi interrompido.
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O plano surgiu das mãos do capitão Mourão Filho, integralista, e o nome
Cohen foi dado ao acaso, lembrando um antigo líder comunista húngaro,
chamado Bella Kuhn.
Segundo Góis Monteiro, na época chefe do Estado Maior das Forças
Armadas, passava o coronel Caiado de Castro pela mesa do capitão Olímpio
Mourão Filho, colhendo-o no serviço de datilografia de um plano terrorista.
Interpelando o capitão, este lhe declarou, confidencialmente, que tratava-se
de um plano terrorista para uma próxima subversão da ordem. Levado o fato ao
conhecimento de Góis, este chamou o capitão à sua presença, obtendo
informações detalhadas, que passou, imediatamente, ao ministro da Guerra,
general Eurico Gaspar Dutra.
Quando, em 1956, o general Góis publicou esta versão em livro, Mourão
Filho, já coronel, pediu às autoridades militares um Conselho de Justificação, ao
qual foram convocados os envolvidos. Góis não compareceu para depor, mas
Caiado de Castro sim. A farsa foi desmontada, Mourão foi absolvido e, pouco
tempo depois, saiu sua promoção para o generalato.
Segundo Mourão Filho, que era militar, mas que, como tantos outros militares,
fazia parte do movimento integralista, esse trabalho foi desenvolvido como tese
para estudos, dentro da Ação Integralista Brasileira, sobre métodos de ação
adotados pelos comunistas. Foi redigido na sede da Ação Integralista e não no
Estado Maior das Forças Armadas.
Aliás, o então capitão Mourão Filho nem sabia escrever à máquina. Hoje,
conhecer datilografia, ou digitação, é uma necessidade imperiosa mas, naquela
época, era uma especialidade. Ser datilógrafo era ter uma profissão, como outra
qualquer, com direito a um diploma, escrito em letras góticas e pendurado à
parede.
E Mourão Filho não escrevia à máquina. O serviço de cópia foi entregue a
vários datilógrafos, por ser um trabalho muito extenso. E, repetindo, foi
preparado fora dos quartéis, invalidando, assim, a versão de Góis Monteiro sobre
o episódio.
- 136 -
Ao final, o chefe integralista, Plínio Salgado, não aprovou o plano como
apostila para estudos. Como esse documento chegou, então, às mãos dos
conspiradores?
Foi o capitão Mourão Filho quem deu uma cópia, de presente, ao seu ex-
comandante e padrinho de casamento, general Álvaro Mariante, na época
Ministro do Supremo Tribunal Militar. E o fez em caráter particular, baseado na
amizade entre os dois. O general Mariante, sem comunicar ao autor, passou o
plano para o general Góis Monteiro. Estavam, juntas, então, a fome e a vontade
de comer.
Tudo está consumado
O Plano Cohen era o detalhe procurado para arrematar o golpe e caiu como
uma luva nas mãos dos conspiradores. Baseado nesse documento, o governo
pediu ao Congresso e obteve a aprovação do estado de guerra, restringindo as
garantias constitucionais.
Sem o saber, os parlamentares deram ao Governo os elementos necessários
para virar a mesa. Não imaginavam os congressistas que, ao aprovar o estado
de guerra, estavam decretando a própria falência das instituições, incluindo no
processo o fechamento das casas legislativas.
Os acontecimentos se precipitaram. Em 1º de outubro de 1937, é declarado
o estado de guerra. Dia 13, são presos o ex-prefeito do Distrito Federal, Pedro
Ernesto, e seu filho. Dia 18, o governador do Rio Grande do Sul, Flores da Cunha
é levado à renúncia, retirando-se para o Uruguai. Dia 23, são fechadas todas as
associações de caráter secreto, políticas ou não.
Dia 28, a escritora Raquel de Queirós é presa, acusada de ser comunista. Dia
1º de novembro, os integralistas marcham diante do Palácio da Guanabara, na
presença de Getúlio Vargas. A partir de 5 de novembro, a censura à imprensa,
indústrias gráficas e rádio passa a ser feita pela polícia.
- 137 -
Dia 8, Armando de Sales faz seu manifesto aos militares. Dia 9 o jurista
Francisco Campos, que vinha redigindo, secretamente, a nova Constituição,
toma posse como ministro da Justiça.
No dia seguinte, 10 de novembro de 1937, a cidade do Rio de Janeiro
amanhece sitiada e cavalarianos cercam os prédios da Câmara Federal e do
Senado, para impedir a entrada dos parlamentares. O presidente da Câmara,
deputado Pedro Aleixo, tenta enviar telegrama de protesto ao presidente Getúlio
Vargas, mas o correio recusa-se a transmiti-lo.
Às 10 horas da manhã, nesse mesmo dia, é outorgada pelo presidente da
República a Constituição do Estado Novo, que ficou conhecida como Polaca,
dada sua semelhança, em muitos pontos, com a constituição fascista adotada
pela Polônia.
Ao fim do dia, Getúlio Vargas, falando à nação em rede nacional, termina seu
discurso com esta frase:
"Restauremos a Nação, deixando-a construir livremente a sua
história e o seu destino."
O Novo Regime, enfim, coloca o Brasil entre os países mais adiantados na
prática totalitária, com a supressão dos direitos individuais, com a supremacia
do Estado sobre a Nação, que não mais é soberana, e com a submissão da
sociedade a um poder legal, mas ilegítimo, o qual constituiu-se a si mesmo,
usando a esperteza como método de ação e a força como seu mais refinado
argumento.
Paulo Victorino
CAPÍTULO NOVE
O LEVANTE INTEGRALISTA
ATAQUE AO PALÁCIO GUANABARA
A Intentona Comunista passou a figurar no index das Forças
Armadas, relembrada por décadas a fio e usada como “bicho-
papão” para sugerir a ameaça comunista, latente na vida das
instituições democráticas. Já o Levante Integralista, igualmente
radical, mas em posição simétrica ao comunismo, foi rapidamente
absorvido e esquecido, tanto mais que as ideias propaladas por
Plínio Salgado em muito coincidiam não só com o esquema
montado pelo trio Getúlio-Dutra-Góis para se garantirem no poder,
como representavam, em linhas gerais o pensamento da caserna.
Enquanto que o comunismo era internacional e recebia ordens de
fora, o integralismo era nacionalista e “tupiniquim” e esse enfoque
é que fez toda a diferença.
Putsch é uma palavra da língua alemã, usada para designar golpe de estado.
Foi com esse termo que ficou conhecido o Levante Integralista de 11 de maio de
1938, que tinha como objetivo matar o presidente da República, seus ministros
e auxiliares diretos, implantando no Brasil uma ditadura elitista e corporativista,
à sombra de Deus, mas guardada pela força das armas.
O putsch de 11 de maio não foi o início de uma nova era, mas o epílogo de
um mal-sucedido namoro entre o chefe dos integralistas, Plínio Salgado e o
presidente da República, com falsas juras de uma união que Getúlio Vargas
jamais pretendia realizar.
- 140 -
Em realidade, o movimento conspiratório que culminou com o ataque ao
Palácio Guanabara não se cingia ao integralismo mas, ao contrário, era uma
frente ampla reunindo várias forças contrárias a Getúlio e que, após o golpe do
Estado Novo, pretendiam vê-lo fora do poder.
Entre os descontentes estavam Otávio Mangabeira, ex-Ministro de
Washington Luís e Euclides Figueiredo, um dos comandantes da Revolução
Constitucionalista de 1932, ambos na prisão.
Insatisfeitos estavam também os candidatos frustrados de uma eleição que
não se realizou. Eram eles Armando de Sales de Oliveira, José Américo de
Almeida e o próprio Plínio Salgado, sem falar no ex-governador gaúcho Flores
da Cunha, que, forçado à renúncia ao governo gaúcho, asilou-se no Uruguai,
esperando uma oportunidade para a refrega.
Adversários eram também o ex-governador de Pernambuco, Carlos de Lima
Cavalcanti, envolvido talvez injustamente no processo da Intentona Comunista
de 1935, e o ex-governador da Bahia, Juraci Magalhães, às turras com o ditador,
assim como o ex-prefeito do Distrito Federal, Pedro Ernesto, também
transformado em réu da Intentona.
Havia, enfim, muita gente que, pelos mais variados motivos, desejava ver
Getúlio longe do governo. Mas, sem sombra de dúvidas, eram os integralistas
que possuíam a estrutura adequada, com uma vasta ramificação dentro das
Forças Armadas e se apresentavam com uma milícia paramilitar supostamente
bem treinada e em condições de realizar o golpe, com pleno sucesso.
Vale, pois, fazer um retrospecto da Ação Integralista Brasileira (AIB), da vida
de seu chefe, Plínio Salgado, e dos acontecimentos que levaram à decisão de
enfrentar o governo constituído, num ato de força em que todas as cartas eram
jogadas de uma só vez.
Quem era Plínio Salgado
Plínio Salgado nasceu em São Bento do Sapucaí, Estado de São Paulo, em
1895 e, dentro da escola modernista, desenvolveu sua carreira de escritor,
publicando, entre outros livros, o romance "O Estrangeiro" e "Literatura e
- 141 -
Política", este último, um ensaio contra as ideias liberais. Tinha uma concepção
espiritualista conservadora, deixando-se influir pelo pensamento de escritores
como Farias Brito (1862-1917), Jackson de Figueiredo (1891-1928) e Alberto
Torres (1865-1917) e seus livros eram leitura quase que obrigatória nas aulas
colegiais de literatura.
Conforme já tivemos oportunidade de comentar, a partir de 1930 começam a
surgir no Brasil legiões de extrema direita, baseadas no fascismo italiano e no
nazismo, como um fator de polarização ao comunismo, bem-sucedido na
Rússia a partir de 1917 e ameaçando o resto do mundo com seu proselitismo e
ação revolucionária.
É então que Plínio Salgado, conhecido nos meios acadêmicos, mas até
então desconhecido do grande público e ainda novato na política (foi deputado
estadual em 1928, cassado em 1930), começa a organizar seu movimento, tendo
como inspiração, nem Hitler nem Mussolini, mas o ditador português Antônio de
Oliveira Salazar, criador do Estado Novo em Portugal.
Com sua pregação, Plínio consegue reunir em torno de si as correntes mais
conservadoras na política, na religião e nas Forças Armadas.
Em 1931, Plínio Salgado publica o Manifesto da Legião Revolucionária e cria
o jornal A Razão. No ano seguinte, funda a Ação Integralista Brasileira (AIB),
ainda sem grandes adesões. Em sua primeira marcha na cidade de São Paulo,
já no ano de 1933, a AIB não consegue juntar mais que quarenta pessoas, as
quais se achavam já devidamente uniformizadas com a camisa verde, cor que
passou a distinguir a agremiação.
Plínio Salgado era o cérebro e a alma do movimento integralista. Líder
carismático, passou a atrair para si católicos praticantes preocupados com o
desenvolvimento de seitas espúrias, militares saudosos do florianismo e,
sobretudo, estudantes, entusiasmados com as novas ideias, os quais
encontravam, afinal, um elemento de polarização à direita, para combater o
comunismo. Havia espaço no espectro político e o integralismo veio trazer
substância a esse vácuo.
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Encontrando caldo de cultura apropriado, o integralismo se desenvolveu
rápida e espantosamente. Em 1935, ofereceu a Getúlio 100 mil milicianos para
ajudar no combate ao comunismo. No ano seguinte, o movimento integralista já
contava com 600 mil simpatizantes, num Brasil em que a população não chegava
a 40 milhões de almas.
Unindo-se à religião, defendendo ardorosamente o nacionalismo e a
integridade familiar, representados pelo lema Deus, Pátria e Família, estendeu
seus tentáculos por todos setores da atividade brasileira, representando um
poder paralelo que o governo não podia mais ignorar.
Aos que desejavam a moralidade pública, se oferecia a integralidade; aos
militares, o amor incondicional à Pátria; aos religiosos, a presença de Deus em
todos os atos da vida pública; aos empresários, a estabilidade e a garantia à livre
empresa.
O golpe do Estado Novo
Rememoremos como se deu o golpe que implantou o Estado Novo no Brasil,
em 10 de novembro de 1937. Vários meses antes, o jurista Francisco Campos e
o general Góis Monteiro passaram a frequentar com assiduidade o Palácio
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Guanabara, acertando com Getúlio Vargas um novo texto de Constituição para
a implantação de um regime forte, como o eram os regimes de vários países
europeus: Itália, Alemanha, Polônia, Portugal, Espanha e outros.
Para tomar pulso da situação, Vargas entrega ao jovem deputado Negrão de
Lima a missão de percorrer o país e parlamentar com os governadores dos
Estados – menos Bahia e Pernambuco, que lhe eram adversos – sondando-os
sobre a possibilidade de apoio ao golpe palaciano, em troca da garantia de
permanência em seus cargos.
A missão deu bom resultado. Negrão voltou ao Rio no dia 3 de novembro com
apoio maciço dos governadores. Dois dias depois, o Diário Carioca, furando o
sigilo, publicou uma reportagem divulgando a Missão Negrão de Lima, o que
obrigou o governo a um desmentido: Havia, sim, consultas, mas para uma
reforma constitucional, na forma da lei.
Dois meses antes, Plínio Salgado havia sido informado da reforma
constitucional e prometeu seu apoio, em troca de garantias formais de que a
Ação Integralista Brasileira, atuando como partido político, teria posição
destacada no novo governo.
De dentro da AIB surgiu, como se fora de encomenda, o Plano Cohen, um
virtual plano comunista para tomada do poder e, com base nele, o governo
obteve do Congresso autorização para decretar o estado de guerra.
Com o Presidente de mãos estendidas, Plínio julgava encontrar a grande
oportunidade de se tornar um super-ministro, aplicando em efetivo as ideias
difundidas pelo integralismo.
Resultou daí o apoio que emprestou ao governo com a grande demonstração
de 1º de novembro, em frente ao Palácio Guanabara, perante Getúlio e seu staff,
quando 100 mil integralistas, ladeados por duas colunas de fuzileiros navais,
desfilaram, de forma ordeira e disciplinada, como uma bem treinada corporação
militar.
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Esses desfiles continuaram nos dias seguintes pelas ruas do Rio de Janeiro,
com a complacência das autoridades. E note-se que, há um mês, estava em
vigor o estado de guerra, suspendendo, entre outras coisas, o direito de
manifestação. Não valia para os integralistas, é claro.
No dia 8, Armando de Sales Oliveira envia um manifesto aos militares,
alertando para a proximidade de um golpe e concitando-os a defender a ordem.
Em 10 de novembro de 1937, com antecipação de cinco dias, as casas do
Congresso amanhecem cercadas pela polícia. E às 10 horas da manhã é
outorgada a Constituição que implanta no país o novo regime.
A Constituição do Estado
Novo ("Polaca")
A Constituição outorgada por Getúlio Vargas ficou conhecida como Polaca,
por sua inspiração na Constituição da Polônia. Era, todavia, mais que isso, uma
colcha de retalhos, emendando trechos de Constituições totalitárias vigentes em
outros países.
De comum, suprimiam-se as liberdades individuais, colocando o Estado
como poder supremo a dirigir os destinos do povo, com a Nação subjugada a
ele.. A Nação não era mais soberana, mas estava subordinada aos interesses
maiores do Estado.
Não ficou pedra sobre pedra. O novo regime acaba com os partidos políticos,
transformados em sociedades culturais ou beneficentes; fecha a Câmara
Federal, o Senado, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais.
Nomeia interventores nos Estados, subordinados diretamente ao presidente da
República
Os governadores que lhe foram fiéis permanecem nos cargos, agora
renomeados com interventores. O do Rio Grande do Sul já fora obrigado à
renúncia. Foram afastados os de Pernambuco e Bahia.
Cardoso de Melo, em São Paulo, era substituído por Ademar Pereira de
Barros, um jovem e desconhecido político cujo maior feito, até aquele momento,
foi se eleger deputado estadual. Foi o início de uma carreira política bem-
sucedida, cujo alvo supremo, afinal não alcançado, era a presidência da
República.
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Outra medida do Estado Novo recém-criado foi a criação da pena de morte
para os crimes contra o Estado e a ordem pública, vale dizer, para os chamados
crimes políticos.
Os sindicatos são considerados livres, desde que reconhecidos pelo Estado,
e com a sua diretoria aprovada pelo Ministério do Trabalho. Era uma liberdade
de canga, com o surgimento do peleguismo, com uma falsa liderança trabalhista,
na verdade atrelada ao poder central.
Outra arma poderosa apareceu com a criação do DIP-Departamento de
Imprensa e Propaganda, encarregado da censura à imprensa, bem como
responsável, doravante, pela divulgação do noticiário oficial, cultural ou de
notícias que o governo julgasse conveniente publicar.
O DIP organizou um corpo de redação de primeira linha, com jornalistas
altamente treinados, que entregavam aos jornais matéria pronta para publicação.
Ou por comodidade, ou por falta de opção, essa matéria chegou a ocupar mais
da metade do espaço que a imprensa usava para o noticiário.
A decepção dos
integralistas
A notícia da implantação do Estado Novo, nos moldes anunciados, caiu sobre
a cabeça dos integralistas como um balde de água fria. A Ação Integralista
Brasileira, a exemplo dos demais partidos, passava a ser uma simples
associação. Nem Plínio Salgado, nem seus diretos colaboradores participaram
da composição do ministério. Foram usados pelo governo para a consecução de
seus próprios objetivos e depois jogados ao lixo, como peça descartável.
O Estado Novo criou suas próprias bases de sustentação, que dispensavam,
a partir de agora, a ajuda dos camisas verdes. E o fez com militares fiéis ao
regime, reunidos em torno do Chefe do Estado Maior das Forças Armadas,
general Góis Monteiro; com setores rurais dedicados à exportação; com parte
da classe média, simpática a regimes de natureza fascista; com empresários,
aos quais se acenou com créditos subsidiados e outras vantagens; e,
principalmente, montou um aparelho de estado muito bem estruturado, que
desestimulava qualquer reação.
Os integralistas não conseguiram assimilar a derrota. Tão certos estavam de
sua participação destacada no novo regime, que eles haviam até organizado seu
ministério, em torno de Plínio Salgado. O integralismo tinha um governo pronto
e acabado, esperando somente o apelo de Getúlio Vargas para se encaixar no
poder e iniciar o trabalho.
Não bastassem todas essas contrariedades, o governo acrescentou mais
uma, que foi a gota a entornar a água do copo. No dia 3 de dezembro de 1937,
um decreto de Vargas dissolve e coloca fora da lei a Ação Integralista Brasileira,
que passa a viver na clandestinidade, sujeita às sanções da nova legislação, se
insistir em sua atividade política.
Conspiração e ação
Jogados ao ostracismo, os integralistas se unem a outros grupos
descontentes com o governo e passam a conspirar pela queda do novo regime.
Plínio Salgado, em sua residência, em São Paulo, mantém reuniões com civis e
militares fiéis a suas ideias, ou com descontentes com as novas regras do jogo,
prontos a virar a mesa.
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Os meses que se seguem são de confrontos e escaramuças entre
integralistas e forças policiais, mas um plano de maior consistência vinha sendo
traçado por Plinio Salgado, com seus auxiliares diretos e as outras forças fora
do movimento integralista, porém, igualmente em confronto com o poder.
O putsch se daria na madrugada de 11 de maio de 1938. Ficou entendido que
o Chefe (título atribuído a Plínio Salgado) seria preservado, ficando afastado da
rebelião planejada. O comandante geral seria, então, o general João Cândido
Pereira de Castro Junior, tendo como imediato o médico Belmiro Valverde. O
tenente Severo Fournier faria o ataque ao Palácio Guanabara, com um grupo
paramilitar, vestindo a farda dos fuzileiros navais.
O tenente Júlio Nascimento, da Marinha, em plantão no Palácio Guanabara,
segundo a escala nessa data, abriria os portões para a entrada dos rebeldes. Do
alto de uma árvore, um atirador procuraria atingir o Presidente em seus
aposentos.
Outros grupos foram designados para, na mesma hora, prender o ministro da
Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, e o chefe do EMFA, general Góis Monteiro
e outras autoridades militares em suas respectivas residências.
Dois oficiais se apresentariam na prisão onde estavam Otávio Mangabeira e
Euclides Figueiredo, levando ordem de soltura, após o que estes também
assumiriam posições de comando.
Por fim, seriam executados sumariamente ministros e membros destacados
do governo, eliminando a possibilidade de qualquer reação posterior ao golpe
planejado.
É preciso observar que, se de um lado o plano contava com a colaboração
de outros setores descontentes com o governo, por outro, ele causou uma cisão
dentro do próprio integralismo, afastando uma grande parte de adeptos que era
contrária à ação violenta, o que diminuiu o poder de Plínio Salgado.
Em suma, nem todos os que participaram do Levante eram integralistas, mas
nem todos integralistas participaram do Levante. Houve, sim, uma recomposição
de forças em função dos interesses comuns naquele momento específico.
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Nem tudo deu certo
Na teoria é uma coisa, na prática é outra. Na noite de 10 de maio, quase na
virada para o dia 11, a ronda policial estranhou a intensa movimentação nas ruas
e tentou parar um caminhão repleto de fuzileiros, o qual saiu em desabalada
carreira. Foi dado o alarme geral e aconteceram as primeiras prisões de
revoltosos. Falhou, por consequência a tomada da Chefatura de Polícia e a
prisão do Chefe de Polícia, capitão Filinto Müller.
O outro caminhão conseguiu ingressar no Palácio Guanabara, dentro do
planejado, mas um tiro disparado acidentalmente alertou os que se achavam no
prédio, que se prepararam logo para a reação.
Além disso, o plano continha uma omissão que lhes foi fatal. Conforme
previsto, os telefones regulares foram todos cortados, mas os integralistas se
esqueceram de que o governo contava com uma rede telefônica oficial, baseada
no PBX instalado no Palácio do Catete, o qual, pelo trabalho de um telefonista
(era um homem que manejava o PBX) fazia a interligação dos palácios, dos
quartéis, da Chefatura de Polícia e das casas dos ministros.
Em suma, para cessar de todo a comunicação, era preciso tomar de assalto
do Palácio do Catete e dominar o PBX, colocando-o a serviço da rebelião,
detalhe não considerado nas planilhas de ataque. E essa rede telefônica de
segurança, continuou funcionando...
Foi, então, pelo telefone oficial, que o general Góis Monteiro deu alarme à
Chefatura de Polícia e ao forte de Copacabana, quando revoltosos tentaram
arrombar as duas portas de seu apartamento.
Foi por esse telefone, também, que Alzira Vargas conseguiu se comunicar
com o mundo externo, dando conta dos apuros por que passava o palácio
residencial da Guanabara.
A Chefatura de Polícia, pelo mesmo telefone oficial, alertou o ministro da
Guerra, Eurico Gaspar Dutra, que conseguiu sair de casa sem ser visto pelos
homens encarregados de prendê-lo.
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Dutra reuniu, então, doze soldados, colocou-os num caminhão e furou o cerco
ao Guanabara, debaixo de uma saraivada de balas. Dois de seus homens
morreram, Dutra saiu levemente ferido, mas conseguiram entrar no edifício,
enquanto que os rebeldes estavam sendo contidos nos jardins do palácio.
O levante, visto por
Góis Monteiro
Eis a versão dada pelo general Góis Monteiro, então Chefe do Estado Maior
das Forças Armadas, sobre os acontecimentos da madrugada de 11 de maio:
"Cerca da meia-noite, dirigi-me ao meu apartamento, naquele
tempo à rua Júlio de Castilhos, também em Copacabana. Aí
chegando, entrei, por sorte minha, não pelo portão principal do
edifício, mas por uma porta lateral de serviço. Creio que, assim,
não pude ser visto pelos homens que então se encontravam nas
imediações para me espreitarem. Precisamente à uma hora da
madrugada, quando todos já adormecidos em meu apartamento,
inclusive eu, fomos despertados por violentas pancadas nas portas,
tanto na social como na de serviço. (...) Levantei-me sobressaltado
e corri à porta social, mas fui detido por minha mulher que, não só
apagou a luz, como pediu-me para que não a abrisse, pois as
pancadas continuavam cada vez mais fortes.
Fui ao telefone. Estava cortada a linha. Corri à varanda que dava
para a rua e pude ver automóveis e caminhões, com gente armada,
tendo um dos carros, sobre o estribo, granadas de mão, que pude
reconhecer, do alto para baixo, devido à luz clara da lua. Entretanto,
os assaltantes não se lembraram de que eu possuía um telefone
oficial, com o qual pude comunicar-me com a Fortaleza de
Copacabana, o Forte Duque de Caxias e a Polícia, solicitando o
envio urgente de tropas de choque para acudir ao edifício onde me
encontrava bloqueado.
Depois disso, telefonei ao Palácio do Catete, Palácio
Guanabara e Ministério da Guerra, avisando da ocorrência. Vim a
saber, então, que rompera um movimento integralista no Ministério
da Marinha e em outros pontos da cidade, mas meus informantes
não me deram pormenores. Do Palácio Guanabara, a Sra. Alzira
Vargas comunicou-se comigo, dizendo que o palácio estava sendo
- 150 -
atacado e que ela me falava debaixo de balas. Pedia-me para
acudir, pois a guarda, ou tinha sido dominada, ou se acumpliciara,
estando o Presidente, com sua família, em situação de perigo. Fiz-
lhe ver que o mesmo estava acontecendo comigo, mas que eu já
havia tomado providências para salvar-me e, logo que eu pudesse,
tomaria as demais providências que o caso exigia."
Reação aos ataques
Ainda, segundo a narrativa de Góis Monteiro, as patrulhas do Forte de
Copacabana chegaram e dispersaram os rebelados, liberando o apartamento.
Então ele, já uniformizado, acompanhado de Virgílio de Melo Franco e Adalberto
Aranha, dirigiu-se ao Ministério da Guerra, onde encontrou o general Eurico
Gaspar Dutra e outros comandantes na tarefa de acabar com a rebelião, que
contaminara inclusive uma parte da Marinha.
Góis permaneceu no Ministério, enquanto Dutra seguiu para o campo do
Fluminense F.C., nos fundos do Palácio Guanabara, onde se achavam tropas
legais, aguardando a oportunidade de adentrar no edifício e expulsar os
assaltantes.
Foi nessa ocasião que, como vimos, Dutra e mais doze soldados penetraram
pela portaria dos fundos, e conseguiram chegar ao edifício onde se encontravam
sitiados os demais.
O dia já clareava, cinco horas depois, quando, enfim, as tropas enviadas pela
Chefatura de Polícia conseguiram penetrar no palácio, pondo em fuga o
comandante revoltoso, Severo Fournier, que se homiziou nas montanhas e, mais
tarde, pediu asilo à Embaixada da Itália. Não se sabe por que os dois
contingentes, enviados pelo chefe da Polícia à uma hora da madrugada, levaram
tanto tempo para entrar em ação.
Nesse ponto, a milícia integralista, pelo lado de dentro dos portões do Palácio
Guanabara, já ficara sem comando e sem ação. Os jovens idealistas,
completamente dominados, foram acuados pelas tropas legais até os fundos do
terreno e ali procedeu-se à execução sumária de todos eles, segundo a versão
de Góis. Entre a ética e a força, prevaleceu a última.
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Outra visão do “putch”, de
dentro do Palácio
Os mesmos acontecimentos dessa tormentosa madrugada são narrados por
Alzira Vargas, então com 22 anos, que morava no Guanabara, com seu pai, sua
mãe. sua irmã Jandira e alguns hóspedes ocasionais.
"No silêncio da noite, ecoou um tiro. Nem me mexi. Minha
cabeça estava começando a entrar em contato com o travesseiro
para despedir a ameaça de enxaqueca. Além do mais, não era a
primeira vez que isso acontecia. Um soldado sonolento apoiar-se à
arma e, inadvertidamente, puxar o gatilho, era tão comum. Um
segundo tiro me fez considerar que era muita coincidência: duas
sentinelas distraídas, quase ao mesmo tempo. No entanto, só
decidi renunciar ao meu repouso quando Jandira gritou assustada,
abrindo a janela do quarto. Dois projéteis mais se alojaram, desta
vez na parede, a poucos centímetros do batente de sua janela, em
resposta imediata à sua imprudência.
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(...) No jardim, às escuras, uma porção de homens a paisana
corriam, dando tiros contra as paredes do palácio e jogando ao
chão qualquer coisa explosiva que eu supus serem bombas de
alarme, pois nenhum dano faziam. Creio que a janela de Jandira
foi visada logo porque, mal informados, julgaram ficar nesse ponto
o quarto de Papai.
(...) Com a mais absoluta inconsciência, saí feita uma flecha em
direção à Secretaria. Por ser o caminho mais curto, desprezei o
corredor e passei por dentro dos quartos, que se comunicavam
todos. Papai estava colocando o revolver à cintura, por cima do
pijama e perguntou onde eu ia. Eu também não sabia.
(...) O investigador de plantão, Manuel Pinto da Silva, estava em
baixo, tentando fechar a grade de ferro. Também tinha sido
despertado de surpresa e, de pijama, ainda, empunhava uma
metralhadora. Disse-me: ‘Parece que estão atacando o palácio.
(...)"
Como se deu a invasão
Alzira apresenta sua versão dos acontecimentos, em alguns pontos diferente
da narrativa do general Góis Monteiro:
"A invasão se processara da seguinte maneira: pouco depois da
meia-noite, dois enormes caminhões, cheios de homens
disfarçados com o uniforme de fuzileiros navais, encostaram junto
ao portão principal externo, entrada para a parte residencial. Estava
fechado, como em todas as noites, pois o oficial-de-dia já dera
ordem de recolher.
Dentro da Dondoca, nome pelo qual era conhecido o pequeno
abrigo que serve de primeira portaria, ficava sempre de plantão um
soldado da Guarda Civil para atender ao telefone, abrir o portão
aos moradores noctívagos ou receber alguma mensagem urgente.
Estava no seu posto o perspicaz Josafá, que se tornou conhecido
e popular nessa noite por seu destemor e sagacidade. Desconfiado
daquela chegada extemporânea e da inusitada ordem para abrir o
portão, fechara-o a chave.
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Os dois caminhões deram marcha-à-ré apressadamente e
foram despejar sua carga em frente ao outro portão, igualmente de
ferro, entrada da Casa da Guarda, onde foram fraternalmente
recebidos por seu companheiro de traição, tenente Júlio
Nascimento. Invadiram o jardim com toda tranquilidade, cercaram
o palácio e ocuparam as posições estratégicas.
Dentro da Casa da Guarda, entretanto, uma desagradável
surpresa os esperava. Alguns fiéis, conservadores da tradição de
lealdade do Corpo de Fuzileiros, ofereceram resistência e se
recusaram a acatar as ordens de seu comandante. Travou-se uma
pequena luta, de curta duração, em face da superioridade de
número dos invasores. Foram fuzilados, mortalmente feridos ou
maltratados e aprisionados, aqueles poucos que puderam reagir."
A defesa improvisada
O investigador de plantão a que nos referimos acima foi à procura de um
soldado, amigo seu, para obter detalhes e recebeu voz de prisão. O amigo (muy
amigo) também fazia parte do putsch.
Todos os moradores do palácio, presentes naquele instante, procuraram se
proteger ou organizar a defesa: Getulio, Manuel Antônio (Maneco), Sarmanho,
comandante Isac Cunha e outros atiradores disponíveis.
Alzira pegou também uma arma, que não chegou a usar. Lutero Vargas e
Benjamin Vargas estavam fora do palácio. Os empregados que dormiam no
palácio também receberam armas para a defesa.
Alzira seguiu, rastejando, até o telefone convencional. Estava mudo. Tentou,
em seguida a linha oficial e conseguiu contato com o PBX do Palácio do Catete,
onde se achava de plantão o telefonista Floriano. Por meio dele, falou com o
Chefe de Polícia, Filinto Müller que disse já ter mandado um contingente,
comandado por Cordeiro de Farias, para cuidar do contra-ataque.
Uma hora depois um carro entra sob rajadas de metralhadora. O ocupante
era Benjamim Vargas, irmão de Getúlio, com dois amigos que trocaram
informações sobre a situação. Benja ficou, enquanto os outros dois saíram, sob
uma chuva de balas, em busca de ajuda, pois o reforço anunciado pela Chefatura
não dera, até então, sinal de vida.
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Alzira continuou mantendo contatos pelo telefone oficial. Falou novamente
com a Chefatura, que prometeu mandar mais um contingente. Falou com o
general Góis Monteiro, que se declarou sitiado em seu apartamento, nada
podendo fazer. Falou com o ministro da Justiça, Francisco Campos, que se
declarou solidário com o Presidente, e só.
Localizou, então, Lutero Vargas, que disse estar à busca de reforços para
invadir o palácio. Falou com o Posto da Polícia Militar, no alto do morro, o qual
informou que cruzadores da Marinha estavam participando do levante e
enviando sinais para os revoltosos em terra.
Novas rajadas de metralhadora e outro personagem irrompe das salas do
palácio. Era Júlio Santiago, um amigo da casa, para informar que o ministro da
Guerra, general Dutra, havia conseguido entrar pelo portão dos fundos e
aguardava instruções.
Todos os que tentavam, conseguiam entrar e sair, menos as tropas enviadas
pela Chefatura de Polícia, das quais não se tinha notícias.
A espera angustiante
A madrugada já ia avançada quando o Chefe de Polícia telefona a Alzira
informando que Cordeiro de Farias, com seus homens, se achava acantonado
no campo do Fluminense F.C., atrás do Palácio, aguardando o momento de
entrar.
Travou-se um diálogo exasperante entre os dois: "Que estão esperando? –
protestou Alzira – que subam para nos prender? A maioria já fugiu, o número de
sitiantes no jardim é reduzido. Somente a Casa da Guarda continua em poder
dos atacantes, e nós não dispomos de armas."
À resposta de que as tropas não conseguem sair do Fluminense F.C., ela
replica: "O general Dutra atravessou só. Não é possível que com a tropa não
possam entrar."
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Alzira informou ao Chefe da Polícia o lugar onde se encontravam os
moradores do palácio e combinou de colocá-los todos atrás de uma parede mais
grossa e resistente, para não serem atingidos pelos tiros.
Disse que o palácio tinha uma entrada alternativa entre o campo de futebol e
o jardim do palácio. Minutos depois, Filinto volta a telefonar para dizer que o
portão dessa entrada estava fechado e não havia chave para abri-lo... Alzira
explode: "Pois então, que arrebentem a porta a bala? Não estão armados?"
Finalmente, esse detalhe foi superado. O investigador Aldo Cruschen, que se
achava dentro do palácio, se ofereceu para abrir a porta de comunicação e o fez,
sem ser visto nem molestado.
Cinco horas depois de acionadas, somente cinco horas depois, as tropas
enviadas pela Chefatura de Polícia entravam, triunfalmente, nos jardins do
palácio, quando já grande parte dos revoltosos já havia fugido, inclusive o
tenente Fournier, que comandou o ataque, e o tenente Nascimento, que abrira
os portões, no início do putch, para a entrada dos revoltosos.
Há uma contradição neste ponto. Enquanto Góis afirma que os rebeldes
remanescentes foram sumariamente fuzilados, Alzira descreve sua prisão:
"A resistência foi pequena, os que haviam aguentado
entregaram-se quase que sem combate. Eram, em sua maioria,
jovens quase imberbes e inexperientes, os que não haviam fugido.
Os moços não fogem. A mocidade é que foge deles quando a voz
da experiência começa a se fazer ouvir. Já tinham despido o
simulado fardamento de Fuzileiro Naval e estavam à paisana.
Traziam ao pescoço, como distintivo, um lenço branco, onde estava
escrita a palavra anauê ou avante, não lembro bem."
O desfecho, visto de
dentro do palácio
Testemunha viva da invasão, Alzira conclui a narrativa com sua visão dos
acontecimentos:
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"Não fiquei sabendo nem como nem por que o general Eurico
Gaspar Dutra foi o único membro do governo que conseguiu
atravessar a trincheira integralista. (...) Não entendi, até hoje,
embora os acontecimentos me tenham sido relatados por ele
próprio, como conseguiu se libertar sozinho de seus atacantes, o
general Góis Monteiro. Não sei como, nem por que, o general
Canrobert Pereira da Costa foi raptado em trajes caseiros e
apareceu prisioneiro na Esplanada do Castelo. Ignoro os motivos
que obrigaram as tropas enviadas em nosso socorro gastar mais
de cinco horas para percorrer menos de cem metros.
Gostaria de saber as verdadeiras razões que impediram o
coronel Osvaldo Cordeiro de Farias de abrir uma porta. Muita coisa
ainda está envolta em mistério e não me atrevo a tentar desvendá-
lo. Mesmo dentro do Palácio Guanabara devem ter ocorrido outras
cenas que não presenciei, outros sentimentos que não pressenti,
outros conflitos íntimos que não percebi.
Acompanhei, sim, a luta surda que se processava em meu Pai,
traduzida pelo ritmo inquieto de seus passos, marcando as
perguntas sem resposta, que formulava sozinho. (...) Teria confiado
demais? Valeriam a pena todos os sacrifícios que já havia feito?
Sacrificara sua liberdade de pensar, seus sentimentos pessoais,
suas convicções, para manter unido um país que teimava em se
desunir. Valeria a pena?"
Durante o dia, contrariando a todas as recomendações e desprezando o bom
senso, o presidente Getúlio Vargas sai para dar o habitual expediente no Palácio
do Catete. E o faz a pé, sem seguranças, caminhando entre as pessoas para
mostrar que não temia povo. Ao saber disso, Alzira corre e vai alcançá-lo, alguns
quarteirões adiante:
"Alcancei-o quase na metade da rua Paissandu. Lentamente,
em uma atitude mais do que de coragem, quase que de desafio,
avançava em direção ao Catete. As janelas se encheram de
fisionomias curiosas. Ninguém havia dormido nos arredores do
Guanabara com o ruído das metralhadoras, à espera do
inesperado. Das ruas laterais acorriam pessoas de todas as idades,
que o seguiam. Durante todo o trajeto era saudado com palmas e
- 157 -
exclamações de júbilo. Imperturbável, retribuía um aceno ou um
sorriso, como se fora um fato comum o Chefe da Nação ficar
cercado, prisioneiro, sem defesa, durante toda a noite, e ainda
estar vivo e de bom humor."
Era o carisma que sustentou Getúlio por tanto tempo no poder, à revelia de
todas as forças que queriam derrubá-lo. Desde a Revolução de 1930 até o
trágico desfecho com o suicídio em 1954, podem ter-lhe faltado, seguidas vezes,
o apoio de políticos e de falsos amigos. O que nunca lhe faltou, durante sua
trajetória, foi o apoio popular.
O destino dos revoltosos
O tenente Severo Fournier, que comandou o ataque ao palácio, conseguiu
escapar e asilou-se na Embaixada da Itália. Após demorados entendimentos, o
governo brasileiro conseguiu a desqualificação de crime político e ele foi
entregue às nossas autoridades para julgamento.
O tenente Nascimento, que abriu os portões do palácio à invasão, não foi
expulso da Marinha. Prosseguiu sua carreira com sucesso e, após o golpe de
1964, ainda conseguiu a patente de Almirante.
O médico Belmiro Valverde, assessor do Chefe, assumiu sozinho toda a
responsabilidade, foi preso, julgado e condenado.
Quanto ao Chefe, Plínio Salgado, este foi preso em 26 de janeiro de 1939 e
enviado ao exílio, em Portugal. Em 1945, voltou ao Brasil, fundou o PRP-Partido
de Representação Popular, mas foi punido pelo eleitorado, pois não conseguiu
eleger nenhum representante à Assembleia Constituinte. Ainda em 1955
concorre à eleição para a presidência da República, ficando entre os últimos
colocados.
A sorte lhe sorriu, finalmente, em 1958, quando se elege deputado federal,
conseguindo reeleger-se depois em 1962, 1966 e 1970.
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Fiel às suas ideias, apoiou o golpe de 1964 e, durante o governo Médici, foi
relator do projeto que reformulava a censura aos meios de comunicação.
Morreu em 7 de dezembro de 1975, num momento em que o Brasil enfrentava
os dias mais negros do autoritarismo, sob a égide do Ato Institucional nº 5. Se
era o que queria, morreu vendo, sob a ditadura militar, a realização de parte de
seus sonhos.
Tratamentos diferenciados
Tanto a intentona comunista de 1935, quanto o putch integralista de 1937,
foram golpes armados, intentados contra as instituições, e executados de forma
traiçoeira e covarde, à revelia da população brasileira, mas um e outro
receberam tratamento diferenciado pelo poder.
A Intentona passou a figurar no index das Forças Armadas, relembrada
durante meio século, e usada para apontar o perigo comunista a ameaçar
permanentemente a vida das instituições democráticas.
Já o Levante integralista, igualmente radical, mas em posição simétrica ao
comunismo, foi rapidamente absorvido e esquecido, tanto mais que as ideias
propaladas por Plínio Salgado, em muito coincidiam, não só com o esquema
montado pelo trio Getúlio-Dutra-Góis para se garantirem no poder, como
representavam, em linhas gerais o pensamento da caserna.
Essa atitude de misericórdia, arbitrária e temerária, possibilitou, ao longo de
nossa história, a tentativa seguida de golpes de direita, culminando com o
atentado ao Riocentro, em 1981, até hoje não explicado suficientemente. Mas
isso é outro assunto, para ser abordado em época oportuna.
Como tentativa de explicação para a tolerância oficial ao integralismo,
podemos admitir o fato de que ele era nacionalista, não se filiando a qualquer
corrente internacional. Ao contrário, o comunismo, tinha sua sede em Moscou, e
de lá foram emanadas as ordens a Luís Carlos Prestes e irradiadas aos
militantes, resultando no plano que levou ao levante frustrado de 1935.
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Foi, também, o comunismo internacional que enviou para o Brasil agentes
estrangeiros, da Alemanha e da Argentina para subverterem a ordem em nosso
território.
Em resumo, o Levante Integralista de 1938, embora subversivo, ficou no
mesmo plano das revoltas de 1922, 1924, da Coluna Prestes, da revolução de
1930 e do Estado Novo em 1938, todas de cunho nacionalista e abominando a
interferência estrangeira em negócios que só diziam respeito ao Brasil.