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A transformação espacial da Zona Portuária do Rio de Janeiro: o projeto Porto
Maravilha como instrumento de segregação espacial
Mayara Rangel Silva Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
mayara.mrangel@gmail.com
Maria Luíza Silva Universidade do Estado do Rio de Janeiro
marialuiza_geo@yahoo.com.br
INTRODUÇÃO
A Zona Portuária, compreendida pelos bairros da Gamboa, Saúde, Santo Cristo e Caju,
por muito tempo foi uma área de extrema importância para a cidade do Rio de Janeiro,
visto que foi palco para ação de importantes momentos históricos, especialmente
durante o período em que a cidade não ultrapassava os limites do chamado “Centro do
Rio” e sua zona periférica. Logo, as intervenções que ocorreram na Zona Portuária no
decorrer do processo de desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro foram decorrentes
de ações pontuais.
Ao longo da história, essa região não acompanhou o ritmo de transformação do restante
da cidade, ou seja, através do processo ininterrupto de construção, demolição e
reconstrução. Lá, não foram derrubadas casas para levantar arranha-céus; ao contrário,
uma vez estabelecidas, aquelas formas se cristalizavam, preservando através da sua
paisagem o passado da cidade. Nesse sentido, sendo a primeira centralidade da cidade e
local onde ainda hoje encontra-se o Porto do Rio de Janeiro, o quarto maior do Brasil, o
processo de degradação foi se constituindo através do tempo.
Apesar de seu estado de penúria, a Zona Portuária carioca não perdeu seu potencial
estratégico devido à facilidade de transportes e por situar-se próxima ao Centro da
Cidade. É a partir desse potencial econômico da Zona Portuária que o poder público
retoma seu olhar para a região, discursando sobre a necessidade de uma revitalização
urbana, incorporando-a a uma lógica empresarial que vem sendo aplicada ao espaço
urbano. A denominada revitalização, que hoje vem atraindo muitos olhares para essa
área, não é uma novidade e já vem sendo proposta por governos anteriores, porém
nunca houve uma situação que permitisse a concretização desse projeto tão grandioso.
Em 2009, configurou-se a situação favorável a esse tipo de intervenção, já que se
constituiu uma aliança inédita entre os governos Federal, Estadual e Municipal. Com
isso, cada ente federativo se comprometeu, dentro de suas competências, a dar
continuidade a esse projeto de revitalização. A escolha do Brasil como sede da Copa de
2014 e do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016 também foram
fundamentais para toda a transformação pela qual a Zona Portuária do Rio de Janeiro
está passando.
O Projeto “Porto Maravilha” já está avançado, e é gerido pela maior Parceria Público-
Privada do país, chamada “Operação Urbana Consorciada do Porto do Rio de Janeiro”.
As principais diretrizes, ações e métodos de intervenção do projeto foram determinados
pela Lei Complementar n° 101/09, uma lei municipal aprovada por iniciativa do
governo municipal.
OBJETIVOS
Tendo em vista a concretização do Projeto “Porto Maravilha” que já vem alterando
profundamente a paisagem da região portuária, este estudo pretende analisar as
transformações na zona portuária associadas a projetos de “revitalização”, baseados em
modelos de sucesso que têm sido reproduzidos em várias cidades do mundo, buscando
entender a produção e concepção deste espaço em contraposição com o que ele
representa na perspectiva do espaço vivido - visto que a região é ocupada
principalmente por moradores de baixa renda.
De forma geral, pretendemos analisar a Zona Portuária do Rio de Janeiro no contexto do
processo de metropolização do espaço e das transformações pelas quais vem passando
atualmente, devido à implementação das obras do Projeto “Porto Maravilha”.
METODOLOGIA
Para auxiliar nesse estudo, acreditamos que pensar as cidades e o urbano a partir do
debate marxista, obviamente não de forma dogmática, e de sua associação com o
reconhecimento dos interesses de classes, ainda contribui bastante para desvelar a
realidade. O pensamento dialético parte da compreensão dos processos, dos fluxos e das
inter-relações. Por isso, somente é possível entender os atributos, sejam eles qualitativos
ou quantitativos, daquilo que se almeja estudar através da compreensão dos processos e
relações que aquilo venha a internalizar. Portanto, é preciso esclarecer que estaremos
trabalhando, no que tange ao método, a partir do materialismo histórico dialético,
buscando as tensões, os conflitos; os momentos em que se encontram homogeneização,
fragmentação e hierarquização, aproximações e afastamentos, ordem e desordem,
conformação e inconformismos, imobilismos e (re)ação.
Diante disso, utilizamos Carlos (2005) para entender que toda essa dinâmica imposta à
Zona Portuária é fruto de uma nova concepção de cidade e de planejamento urbano,
onde novas formas de poder estão sendo redefinidas no Brasil e na América Latina pela
ação de diferentes grupos multilaterais e por consultores internacionais que submetem
as cidades às mesmas lógicas que as empresas. As cidades se expressam pelo fato de
ainda serem instrumentos de acumulação e lócus da reprodução do capital. É através
desse modelo empreendedor de cidade, no qual a produção e a gestão do espaço o
transformam em mercadoria a ser vendida no circuito mundial, que se revela o objetivo
mercadológico da cidade contemporânea.
Vainer (2000, 2011) também dá importante contribuição para a pesquisa. Sob a égide do
planejamento estratégico, gerido pelo Estado para criar tal cenário, que as cidades estão
sendo vistas e pensadas como empresas, através adoção, por parte do poder público, de
um “gerenciamento de cidade” que prioriza parcerias público-privadas e novas relações
entre o poder público, o capital financeiro e o imobiliário (VAINER, 2011). E também
como mercadorias a serem vendidas em um mercado extremamente competitivo, cujo
poder público, por meio dos planos estratégicos, devem promover a venda das cidades a
partir dos insumos valorizados pelo capital internacional e a abertura seletiva para
visitantes com alta capacidade de gastos (VAINER, 2000).
Entretanto, para que esta lógica seja efetivamente posta em prática é juntamente
necessário constituir um arcabouço ideológico de imagem da cidade, colocando as
chamadas “cidades-modelos” como verdadeiros símbolos de promoção e legitimação de
certos projetos de cidade. Esses projetos são difundidos como emblemas da época
presente. Segundo Sánchez (2001), a imagem publicitária desses modelos, e seus pontos
de irradiação são difundidos pelas instâncias políticas de produção de discursos:
governos locais em associação com as mídias e instituições supranacionais.
Uma das maneiras de difusão dessa lógica de cidade se deu através das intervenções
urbanas em áreas portuárias centrais, propondo investimentos para a ocupação dos
“vazios urbanos” e a requalificação dos espaços. Deste modo, as transformações
portuárias se tornaram uma nova forma de reprodução das ações capitalistas, agora
revestidas pelo discurso da “revitalização” e validadas por esses modelos que
influenciaram toda uma mudança nas políticas urbanas do Brasil e do mundo de uma
forma geral.
O sucateamento dos tradicionais portos e a queda das atividades industriais próximas às
áreas portuárias, em geral localizadas na área central das cidades, acabaram por deixar
ociosas grandes extensões de terra muito bem localizadas e bem servidas de
infraestrutura urbana (FERREIRA, 2011), que justificaram o discurso da requalificação
das áreas centrais. Dentre as cidades que passaram por esse tipo de revitalização e se
tornaram “modelos” desse tipo de intervenção, destacam-se as grandes obras na frente
marítima de Boston e no porto de Baltimore, onde Ferreira (2011) ressalta os grandes
investimentos no intuito de transformar essas áreas abandonadas em locais propícios
para alavancar o turismo, combinando atividades de cultura, lazer, shoppings e
habitações para população de alta renda.
O exemplo norte-americano motivou e inspirou a revitalização urbana da decadente
zona portuária britânica. Contando com a crucial ajuda do poder público, através do
governo Thatcher, as Docklands passaram por um profundo processo de requalificação
que impulsionou os preços fundiários e imobiliários e atraiu investimentos que
contribuíram para um contraste social e segregação espacial. Desta maneira, a
experiência das Docklands revela que esse modelo urbanístico, fundado na estratégia de
atrair investimentos públicos e privados, pode conduzir ao sucesso comercial e ao
fracasso social, criando verdadeiros enclaves territoriais de ricos.
Já a cidade de Barcelona, que sofreu sua reestruturação urbana por meio da realização
dos Jogos Olímpicos de 1992, contou com um slogan de “abertura da cidade para o
mar”, altamente propagandeado, com a construção do complexo Maremagnum, com
shopping e salas de cinema IMAX3D e um aquário, e intervenções que iam de
reestruturação do sistema viário e de redescobrimento da fachada marítima até a
construção de edifícios de escritórios e apartamentos e criação de áreas verdes
(COMPANS, 2004).
Esse modelo urbanístico, fundado através da parceria público-privada, foi alimentado
pela especulação imobiliária, no qual os preços fundiários atingiram níveis absurdos que
levaram a uma migração das classes menos favorecidas para a periferia. A dinâmica
extraordinária da renovação urbana de Barcelona tomou grande repercussão, um
exemplo disso foi a reprodução dessa lógica em Lisboa, com a Expo’98.
Tais projetos foram copiados para as regiões portuárias na América do Sul. Erguendo-se
no cenário mundial, a cidade do Rio de Janeiro vem articulando o público e o privado,
mergulhando a mesma em uma lógica empresarial, tratando-a como mercadoria. Atuam,
nesse sentido, projetos como o “Porto Maravilha”.
Seguindo, percebemos a necessidade de mostrar a linha tênue entre apropriação e
dominação presente na Zona Portuária e no “Porto Maravilha”.
A área que compreende a Zona Portuária do Rio de Janeiro ocupa 850,84 ha, e abriga
uma população de 39.973 habitantes, de acordo com o censo de 2000 realizado pelo
IBGE. O abandono por parte do poder público devido à perda de seu valor especulativo
em tempos pretéritos permitiu um uso predominantemente residencial, visto que a
proporção para este uso, segundo o Instituto Pereira Passos (2009), corresponde a
51,28% e, para fins não-residenciais, corresponde a 48,72%. As moradias, em geral
populares, abrangem um número considerável de cortiços e ocupações de grupos sem-
teto. Além do uso residencial, o espaço da região portuária abriga um conjunto de
atividades econômicas que dinamizam o espaço e a circulação local. Dentre as
atividades desenvolvidas, é possível perceber certa homogeneidade em sua distribuição,
tratando-se de pequenas oficinas e lojas, e uma grande quantidade de estabelecimentos
informais (camelôs), revelando a predominância de uma população de baixa renda e sua
função para o desenvolvimento de pequenas atividades comerciais.
Os bairros da Zona Portuária guardam muitas marcas do início do século XX. Podem-se
encontrar sobrados, galpões e vilas operárias remanescentes do período industrial,
edificações art déco e modernistas, que se misturam com os conjuntos habitacionais
populares e às favelas, dando um aspecto de diversidade à área. Entretanto, também se
predomina a obsolescência e o abandono causados pela perda da importância do Porto
do Rio de Janeiro e da perda de valorização dessa localidade.
Através de um discurso de revitalização de áreas degradadas e de fortalecimento da
identidade carioca, o Projeto “Porto Maravilha” surge como possível solução para os
problemas de degradação da área, atraindo investidores e, ao mesmo tempo,
promovendo a cidade para seus próprios habitantes, conferindo um discurso
empreendedor que dá novas funções para as cidades, onde a produção e gestão do
espaço contemporâneo parecem estar transformando a cidade cada vez mais em
mercadoria a ser vendida através de políticas de marketing dignas de uma grande
empresa (SÁNCHEZ, 2003).
Tratando-se de uma operação urbana realizada pela parceria público-privada,
envolvendo articulações de diversos grupos econômicos (setores imobiliários, de
transportes, de turismo, de construtoras e de prestadoras de serviços junto com as
diferentes instâncias de governo), o Porto Maravilha propõe um rearranjo espacial para
a área, através da criação de um grande polo turístico, comercial e residencial, e um
plano imobiliário do que prevê a instalação de grandes torres corporativas, hotéis e
residências de luxo.
Para tanto, a prefeitura promoveu a venda dos “Certificados de Potencial Adicional de
Construção” (CEPACs), títulos que dão aos empreendedores direitos construtivos acima
dos parâmetros de gabarito previstos em lei (coeficiente de aproveitamento básico),
atingindo então o coeficiente de aproveitamento máximo dos terrenos da Zona
Portuária. Esses CEPACs foram arrematados em leilão pela CAIXA pelo valor de R$
3,5 bilhões e já foram, em maioria, colocadas no mercado. Com isso, o valor angariado
está sendo utilizado nas obras de infraestrutura necessárias para a consolidação geral do
projeto.
Ao mesmo tempo, a prefeitura também promoveu por meio de lei já aprovada e
sancionada a mudança de todo o gabarito imobiliário da região através da qual passa a
autorizar a construção por parte da iniciativa privada de prédios de até 50 andares na
região, incluindo trechos dos bairros de São Cristóvão, Cidade Nova, Saúde Gamboa,
Caju e Santo Cristo, mostrando como é proveitoso o projeto para o setor privado.
Fazendo análise do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) do projeto, é possível
observar alguns equívocos. O Estudo ignora o fato de que a valorização imobiliária
prevista pelo projeto gerará movimentos especulativos e acabará por expulsar
(indiretamente) em curto prazo os moradores residentes de aluguel e, em longo prazo,
os que possuem pequenas propriedades, pela elevação dos valores dos imóveis e dos
impostos, ainda que neste último caso haja uma capitalização dos proprietários.
A não participação efetiva da população do lugar, tanto na elaboração do EIV quanto na
elaboração do próprio Projeto “Porto Maravilha”, nos mostra também como esse último
é imposto para os moradores que, em sua maioria, desconhecem o projeto. Durante
participações em reuniões do Fórum Comunitário do Porto e trabalhos de campo na
região, no qual foi possível estabelecer um diálogo com moradores, membros de
associações e pesquisadores, observamos a angústia de muitos moradores em relação ao
futuro da Zona Portuária. Paralelamente, a falta de informações de muitos outros sobre
os objetivos do projeto, e até mesmo das reuniões realizadas pelos moradores
juntamente com pesquisadores para debater as intervenções, os impactos já sofridos e
possíveis formas de mobilização.
As promessas publicadas no site oficial do projeto “Porto Maravilha”1, somadas às
palavras do próprio prefeito Eduardo Paes (declarou que todas as intervenções
urbanísticas visam atender “a população que ali vive”) nos parecem um tanto irônicas,
visto que as ações não demostram atender uma população de baixa renda em detrimento
de interesses especulativos e imobiliários que cresceram na região a partir do momento
em que o projeto foi lançado.
Segundo dados da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do
Rio de Janeiro (ADEMI – RJ), antes mesmo das intervenções começarem, apenas as
notícias veiculadas provocaram no período de um ano, entre 2008 e 2010, uma
valorização de 300% do metro quadrado dos imóveis da região. Em 2012, em seus
relatórios, a associação apresenta uma projeção do aluguel na Zona Portuária após o
Porto Maravilha que varia entre 14 mil a 20 mil reais para os novos empreendimentos.
Um exemplo prático dessa especulação imobiliária é a venda de 1.300 unidades
residenciais do Porto Vida, empreendimento presente no plano imobiliário do projeto,
no qual o preço mínimo é de um pouco mais que 400 mil reais.
Em relatos de um dossiê organizado pelo Fórum Comunitário do Porto2 entregue ao
ministério Público Federal em 2012, são destacadas cenas de violência contra os
moradores e denúncias sobre violações de direitos, em especial à moradia, que mostram
como os moradores estão sendo obrigados a deixar suas casas. De maneira
desrespeitosa, pois não há nenhuma comunicação prévia ou explicações por parte do
Estado, habitantes do Morro da Conceição e da Providência tiveram suas casas
pichadas, ato considerado vandalismo pelo poder público, com as letras SMH como
forma de cadastramento da Secretaria Municipal de Habitação das casas que foram
demolidas para a realização de alguma obra prevista no Projeto Porto Maravilha.
1 www.portomaravilha.com.br
2 Desde janeiro de 2011 moradores da região portuária do Rio de Janeiro tem se organizado para discutir as possibilidades de mobilização e resistência ao projeto. Aos moradores foram somando-se outros atores como ONGs, universidades e mandatos parlamentares e formou-se assim o Fórum Comunitário do Porto. Desde então, o Fórum se constitui como um espaço público onde são vocalizadas denúncias de violações de direitos e articulados apoios institucionais necessários à ação política de defesa destes direitos.
As famílias que foram ou que ainda serão removidas recebem um aluguel social de 400
reais para se realocarem. Porém, a quantia não é suficiente para um aluguel na cidade do
Rio de Janeiro e muitas famílias queixam-se de não receber essa “ajuda”. A solução
encontrada pelos moradores tem sido permanecer em casa de familiares ou, como
relatou uma moradora do Morro da Conceição, “dar um jeito para não acabar dormindo
na rua”. O reassentamento desses moradores será através de construções de casas na
Zona Oeste da cidade financiadas pelo programa do governo federal Minha Casa Minha
Vida, ignorando a lei orgânica do município que garante a todos a realocação em local
próximo ao de origem e as relações afetivas e vínculos que as famílias criaram no
espaço onde vivem.
Deste modo, a conjuntura formada pelas remoções forçadas e pelo interesse do Estado e
de seus financiadores (construtoras e incorporadores imobiliários) produz novas
seletividades e afastamentos sociais por meio da produção de espaços especulativos
para interesses privados, nos quais os espaços públicos tornam-se meros resquícios na
cidade ao mesmo tempo em que tudo se mercadifica.
RESULTADOS PRELIMINARES
A pesquisa encontra-se em seu estágio intermediário. O projeto “Porto Maravilha” se
encontra em execução e suas obras se apresentam em curso e em fase bastante
avançada, nos permitindo um olhar mais completo das intervenções. Acreditamos que
os resultados desse estudo nos permitiram ter um rico panorama sobre o processo de
metropolização da cidade do Rio de Janeiro e mais especificamente em relação ao
Projeto Revitalização do Porto do Rio, que trará mudanças não só para a região
diretamente afetada e seus atuais habitantes como para toda a cidade do Rio de Janeiro.
Realizamos o levantamento do perfil social da Zona Portuária do Rio, utilizamos dados
fornecidos pela Prefeitura e grupos imobiliários, além de pesquisas bibliográficas que
nos proporcionaram um entendimento teórico sobre o processo que envolve todo o
projeto de revitalização. Além do acompanhamento dos desdobramentos na elaboração
e execução do projeto, realizamos a constante observação empírica através de trabalhos
de campo e da presença em reuniões realizadas por diferentes setores da sociedade,
procurando averiguar o nível de participação da população da cidade como um todo, e
principalmente da população residente nos bairros afetados. Tal encaminhamento
proporcionou resultados e apontamentos que mostram a vulnerabilidade da população
residente na Zona Portuária.
Devido aos baixos índices de escolaridade e poder aquisitivo da região portuária e ao
caráter turístico e comercial das obras do projeto, que beneficia e atrai uma população
de classe média e alta não característica da região, observa-se o caráter
monodimensional do projeto que fragmenta e redefine o lugar. Acreditamos, portanto,
que o “Porto Maravilha” se trata de um modelo urbanístico fruto de um ideal de
mercadificação da cidade que reforça a ideologia e o discurso de progresso, ou seja, do
imaginário de desenvolvimento estritamente econômico, e visivelmente para apenas
parte da cidade, homogeneizada, fragmentada e hierarquizada.
Com relação à especulação imobiliária que vem sendo projetada na Zona Portuária
aponta-nos a impossibilidade dos moradores atuais se manterem na região e sua
consequente expulsão, visto que o espaço produzido em condição de valor de troca,
enquanto mercadoria única e rara, o mesmo se coloca passível de ser apropriado pelo
mercado imobiliário (CARLOS, 2013).
Deste modo, o espaço é fragmentado, privatizado; a segregação é imposta. As cidades
passam a ser planejadas visando seu valor de troca (buscando sua mercadificação total)
e os lugares são homogeneizados pelo processo de metropolização do espaço. O Estado
perde sua capacidade reguladora em defesa do interesse público e os cidadãos são
considerados apenas consumidores. Dentro de toda esta lógica, encontramos o projeto
Porto Maravilha sendo pensado e utilizado para ludibriar a população que vive na região
portuária e no território carioca como um todo.
Além da crescente especulação imobiliária, os moradores atuais do porto ainda precisam
conviver com as remoções forçadas que ferem o direito à moradia e ao habitar e
mostram que o interesse do Estado e de seus financiadores (construtoras e
incorporadores imobiliários) podem produzir novas seletividades e afastamentos sociais
por meio da produção de espaços especulativos para interesses privados, nos quais os
espaços públicos tornam-se meros resquícios na cidade.
Portanto, os resultados até aqui obtidos, no qual vale destacar que se trata de conclusões
parciais, visto o caráter recente das intervenções urbanísticas, nos revelam a banalização
do espaço e a transformação da Zona Portuária em mercadoria para a atração de novos
empreendimentos econômicos e de turismo. Assim, podemos apontar que o projeto
“Porto Maravilha” produzirá uma seletividade social para a criação de um novo espaço
de segregação espacial na cidade do Rio de Janeiro, trazendo como consequência o
empobrecimento da vida urbana e a privação/privatização da vida social e tornando os
espaços cada vez mais impessoais.
BIBLIOGRAFIA
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