Post on 16-Jul-2020
1. Reflexões didáticas sobre adição e subtração nos anos iniciais
1.1 A visão do professor e a visão do aluno
Os conhecimentos a respeito das operações no conjunto N dos Números
Naturais são construídos num processo em que eles aparecem com um instrumento
útil para resolver determinados problemas e como um objeto que pode ser estudado
por si mesmo. Règine Douady (1994) descreve a dialética da matemática como
ferramenta-objeto no que se refere ao saber matemático. Como ferramenta, as
noções matemáticas funcionam como instrumento útil de resolução de problemas em
um contexto, em um dado momento e sob a ação e controle de alguém. É como objeto
de estudo que o sentido das noções matemáticas se amplia.
A utilidade da matemática é percebida pelas crianças antes mesmo de
chegarem à escola, mas o estudo das operações como objeto matemático, a partir de
contextos significativos para os alunos, os ajuda na compreensão das ideias envolvidas
nos processos operatórios.
É importante que o professor dê a seus alunos a oportunidade de expor suas
hipóteses sobre as operações em N, pois essas hipóteses constituem subsídios para a
organização das atividades. Verificar como os alunos fazem os cálculos operatórios,
sua compreensão das ideias, a efetivação dos algoritmos e que hipóteses possuem
acerca dos procedimentos elementares de cálculos, contribuem para o
desenvolvimento das operações em N.
Explorar as escritas pessoais elaboradas pelos alunos não exclui outro aspecto
fundamental que é o de caminhar em direção às escritas convencionais, sem as quais
não terão referência para se apropriarem do conhecimento socialmente estabelecido.
É no trabalho com números variados que as crianças exploram os procedimentos de
cálculos e de leitura, associando-os à representação escrita.
1.2 As orientações curriculares
As orientações curriculares nacionais presentes nos Parâmetros Curriculares
Nacionais – PCN (BRASIL, 1997), atualmente reformuladas e incorporadas na Base
Curricular Nacional Comum - BCN (BRASIL, 2017) e na cidade do Rio de Janeiro por
meio das Orientações Curriculares da Secretaria Municipal de Educação (SMERJ, 2016)
indicam que se explore alguns dos significados das operações, colocando-se em
destaque, inicialmente, a adição e a subtração, em função das características da
situação. Os alunos constroem os fatos básicos das operações (as conhecidas tabuadas
- cálculos com dois termos, ambos menores do que dez), constituindo um repertório
que dá suporte ao cálculo mental e escrito. O uso de materiais concretos e livros
paradidáticos podem ser muito úteis. Da mesma forma, a calculadora usada como
mais um recurso e não para substituir a construção de procedimentos de cálculo pelo
aluno, pode ajudá-lo na significação das ideias matemáticas.
O trabalho com um bom repertório de problemas e com atividades que
aproximem o aluno das operações, dos números, das medidas, das formas, do espaço
e da organização de informações, pelo estabelecimento de vínculos com os
conhecimentos com que ele chega à escola, é fundamental para o aluno adquirir
confiança em sua própria capacidade para aprender Matemática e avançar no
processo de formação de conceitos.
Normalmente as pessoas acabam memorizando as técnicas dos cálculos das
operações sem entender muito bem o que aqueles algoritmos significam. O bom de
aprender o algoritmo acompanhado de significação das ideias que ele representa é o
prazer de aprender entendendo os porquês das escolhas das estratégias utilizadas.
Antes de analisarmos os algoritmos, vamos refletir sobre alguns significados das
operações básicas em N.
O desenvolvimento da investigação na área da Didática da Matemática (PAIS,
2001) traz novas referências para o tratamento das operações. Entre elas encontram-
se as que apontam os problemas aditivos e subtrativos como aspecto inicial a ser
trabalhado na escola, concomitantemente ao trabalho de construção do significado
dos números naturais. A justificativa para o trabalho com o conjunto dos problemas
aditivos e subtrativos baseia-se no fato de que eles compõem uma mesma família, ou
seja, há estreitas conexões entre situações aditivas e subtrativas.
A construção dos diferentes significados leva tempo e ocorre pela descoberta de
diferentes procedimentos de solução. Assim, o estudo da adição e da subtração deve
ser proposto ao longo da alfabetização, juntamente com o estudo dos números e com
o desenvolvimento dos procedimentos de cálculo, em função das dificuldades lógicas,
específicas a cada tipo de problema, e dos procedimentos de solução de que os alunos
dispõem.
O Campo Aditivo não quer dizer que as ações desse campo são somente de adição. As
estruturas cognitivas desse campo envolvem ações de adição e de subtração.
2. Teoria dos campos conceituais – O Campo Aditivo
Tradicionalmente temos observado e até mesmo vivenciado um ensino de
Matemática baseado no conhecimento teórico que envolve conceitos, propriedades,
regras, leis e princípios que obedecem uma estrutura hierárquica dos conteúdos
curriculares. Em geral, a atividade prática é baseada em resolução de exercícios e
resolução de problemas para aplicar os conteúdos teóricos estudados. Temos
defendido a articulação dos conteúdos curriculares conceituais, didáticos e
metodológicos, buscando, com base na análise curricular e nas produções textuais
didáticas o equilíbrio no processo de formação de professores e da constituição do
conhecimento científico e docente. Alguns teóricos têm nos ajudado nessa
articulação.
Gérard Vergnaud é um deles. Matemático, filósofo e psicólogo francês, formado
em Genebra, discípulo de Jean Piaget, professor emérito do Centro Nacional de
Pesquisa Científica (CNRS), em Paris, Vergnaud é pesquisador em didática da
matemática, tendo elaborado a “Teoria dos campos conceituais”.
Segundo Vergnaud (2009, p.86) “o significado de um conceito não vem de uma
única situação, mas de uma variedade de situações e, reciprocamente, uma situação
não pode ser analisada com um conceito sozinho, mas com vários conceitos, formando
sistemas”. De acordo com Vergnaud o campo conceitual das estruturas aditivas refere-
se ao conjunto de problemas cuja solucao implica exploracao de adicao e subtracao
com diferentes graus de complexidade.
Nessa perspectiva, a construção de um conceito envolve uma terna de
conjuntos que, segundo a teoria dos campos conceituais de Vergnaud, é
chamada simbolicamente de (S, I e R); onde S é um conjunto de situações
que torna o conceito significativo, I é um conjunto de invariantes (objetos,
propriedades e relações) e R é um conjunto de representações simbólicas
que podem ser usadas para pontuar e representar os invariantes. No
sentido de estabelecer relação entre conceito e situação, Vergnaud apoia-
se nas ideias de Piaget, relacionando a terna (S, I, R) aos elementos básicos
da função simbólica, onde S refere-se à realidade ou referente, e I e R
referindo-se à representação. Representação essa vista como a interação
entre dois aspectos do pensamento: o significado I e o significante R. O caso
da adição e subtração são exemplos de conceitos onde não faz sentido
estudá-los isoladamente, mas sim dentro de um campo conceitual, o das
Estruturas Aditivas. (MENDONÇA et all, 2007, p. 225).
S – REFERENTE: conjunto das situações ou referências que dá sentido, que traz o
contexto do conceito, o objeto de estudo.
I – SIGNIFICADO: conjunto das invariantes, propriedades e procedimentos em que se
baseia a operacionalidade dos esquemas para definir o objeto de estudo.
R – REPRESENTAÇÃO OU SIGNIFICANTE: conjunto das representações simbólicas, das
formas de linguagem (ou não) que permitem representar simbolicamente o conceito,
suas propriedades, suas características, as situações, as operações e os procedimentos
de tratamento.
Vergnaud (2009, p.197) entende por “problemas de tipo aditivo”, “todos aqueles
cuja solucao exige tao somente adicões ou subtracões”. Da mesma forma entende por
“estruturas aditivas” “as estruturas em que as relacões em jogo sao formadas
exclusivamente por adicões ou subtracões”. Seus estudos mostram que as diferentes
relações aditivas não são habitualmente feitas no ensino básico, mas elas são
importantes porque o trabalho cognitivo de cada ideia aditiva varia de caso a caso. A
seguir apresentaremos alguns esquemas fundamentais acompanhados de exemplos
práticos.
Transformação – Alteração do estado inicial por meio de uma situação positiva
ou negativa que interfere no resultado final. As ideias de acrescentar, retirar e
completar fazem parte dessa categoria.
Vergnaud (2009) defende que o significado de transformação envolve uma ação
ocorrida a partir da situação, de forma direta ou indireta, causando aumento ou
diminuição. O estado inicial da situação sofre uma transformação aditiva (ou
subtrativa) para obter o resultado. Essa transformação pode ser uma ação decorrente
de verbos que fazem a transformação ser acrescida ou reduzida. O autor afirma que as
crianças, mesmo antes da educação formal, já constroem um pensamento intuitivo de
adição e subtração, relacionando espontaneamente o “ganho” e a “perda” vivenciadas
em sua rotina diária. São desse tipo de operação a Transformação Positiva (Ideia A), a
Transformação Negativa (Ideia B) e o estado de Completar (Ideia C).
Combinação de medidas – Junção de conjuntos de quantidades pré-
estabelecidas.
Nessa ideia não há alteração de um estado inicial, não há transformação. O que há
é uma junção de quantidades, junção de medidas, composição de estados para
resultar em um terceiro estado. (Ideia D)
Comparação - Confronto de duas quantidades para achar a diferença
Nesse caso, as quantidades são comparadas entre duas partes, no sentido de
relacionar essas partes. Nesse tipo de raciocínio, os valores não se transformam,
apenas se estabelece a ideia de uma comparação entre dois estados. Segundo
Vergnaud (2009), é difícil a criança discernir as relações existentes entre dois grupos e
todas as combinações possíveis de se obter com o significado de comparação. A
comparação será exemplificada na Ideia E.
Composição de transformações – Alterações sucessivas do estado inicial.
Vergnaud (2009) afirma que existem situações em que pode ocorrer mais de uma
transformação sucessiva, gerando uma composição de transformações. Configura
quatro ideias possíveis:
a) Transformação positiva e positiva, quando a situacao gera “acrescentar” e
“acrescentar” (Ideia F1).
b) Transformação positiva e negativa, quando ocorre a situação “acrescentar”, seguida
de “retirar” (Ideia F2)
c) Transformação negativa e positiva, quando a proposta é de “retirar” e a seguir de
“acrescentar” (Ideia F3)
d) Transformação negativa e negativa, quando a situacao é de “retirar” e “retirar”
(Ideia F4)
Estados relativos – Transformação de um estado relativo em outro estado relativo e é
estudada no segundo segmento do Ensino Fundamental por envolver o conjunto dos
números negativos.
As transformações de estados relativos envolvem operações com números negativos que somente são estudados no programa curricular do 6º. Ano. Isso não quer dizer que não possa ocorrer em situações esporádicas de sala de aula, mas não há necessidade curricular de se aprofundar essa ideia nos anos iniciais.
3. Exemplos práticos das ideias do Campo Aditivo
Vejamos então os exemplos das ideias do campo aditivo acima comentadas.
Ideia A- Transformação positiva: Acrescentar
a)
FONTE: BONJORNO, José Roberto. Matemática pode contar comigo: Alfabetização Matemática, 3º ano. 1ª edição. São Paulo: FTD,
2011, p. 82
b)
FONTE: PASSOS, Marinez Meneghello. De olho no futuro: Alfabetização Matemática, 2º ano. 1ª edição. São Paulo: Quinteto
Editorial, 2011, p.37
Ideia B- Transformação negativa: Retirar
Vamos nos deter com mais cuidado na subtração analisando estes problemas:
a)
FONTE: BONJORNO, José Roberto. Matemática pode contar comigo: Alfabetização Matemática, 3º ano. 1ª edição. São Paulo: FTD,
2011, p.90
b)
FONTE: PASSOS, Marinez Meneghello. De olho no futuro: Alfabetização Matemática, 2º ano. 1ª edição. São Paulo: Quinteto
Editorial, 2011, p. 141
Ideia C- Transformação com ação de Completar
a)
FONTE: BONJORNO, José Roberto. Matemática pode contar comigo: Alfabetização Matemática, 3º ano. 1ª edição. São Paulo: FTD,
2011, p 91
b)
FONTE: BONJORNO, José Roberto. Matemática pode contar comigo: Alfabetização Matemática, 3º ano. 1ª edição. São Paulo: FTD,
2011, p 92
Ideia D- Combinação de medidas: Juntar, Reunir
Vamos observar esses problemas:
a)
FONTE: BONJORNO, José Roberto. Matemática pode contar comigo: Alfabetização Matemática, 3º ano. 1ª edição. São Paulo: FTD,
2011, p. 80
b)
FONTE: SOUZA, Maria Helena. Asas para voar: Alfabetização matemática, 3º ano. São Paulo: Ática, 2011, p. 62
Ideia E- Comparar
a)
FONTE: BONJORNO, José Roberto. Matemática pode contar comigo: Alfabetização Matemática, 3º ano. 1ª edição. São Paulo: FTD,
2011, p. 93
b)
FONTE: SOUZA, Maria Helena. Asas para voar: Alfabetização matemática, 3º ano. São Paulo: Ática, 2011, p. 87
Ideia F- Composição de transformações
Citaremos apenas quatro exemplos de possibilidades, mas essa ideia primária
pode ter vários outros desdobramentos que envolvem diferentes combinações das
ideias de acrescentar e retirar.
Ideia F1- Acrescentar e acrescentar
FONTE: BONJORNO, José Roberto. Matemática pode contar comigo: Alfabetização Matemática, 2º ano. 1ª edição. São Paulo: FTD,
2011, p. 142
Ideia F2- Acrescentar e Retirar
FONTE: BONJORNO, José Roberto. Matemática pode contar comigo: Alfabetização Matemática, 3º ano. 1ª edição. São Paulo: FTD,
2011, p. 96
Ideia F3- Retirar e Acrescentar
FONTE: DANTE, Luiz Roberto. Ápis: Matemática, 4º. Ano, 1ª. edição, Sâo Paulo: Ática, 2011, p.139
Ideia F4- Retirar e Retirar
FONTE: BONJORNO, José Roberto. Matemática pode contar comigo: Alfabetização Matemática, 2º ano. 1ª edição. São Paulo: FTD,
2011, p. 80
4. Considerações finais
Como cita Abrahão (2017, p.110),
mesmo com o avanço em estudos sobre teorias didáticas e currículo
interdisciplinar e sobre a necessidade de construir conceitos matemáticos
desde a infância, as pesquisas revelam que ainda são pouco conhecidas
possibilidades para desenvolver efetivamente uma formação matemática
dos Pemie [professores que ensinam Matemática no início da
escolarização]. Os resultados dos estudos implicam que é preciso ter mais
pesquisadores nos programas de pós-graduação envolvidos em linhas de
pesquisa voltadas para a formação inicial do Pemie.
Nossos estudos reforçaram a importância de se trabalhar o Sistema de
Numeração Decimal e as ideias do campo aditivo desde os anos iniciais reforçando o
valor inestimável da formação de professores para a docência matemática no princípio
da escolarização. Sugerimos, portanto, que sejam repensados e incentivados projetos
de pesquisas, de ensino e de extensão que possam contribuir para a formação para a
docência dos Pemie.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAHÃO, Ana M. C. e SILVA, Sandra A. F. Pesquisas sobre a formação inicial do
professor que ensina matemática no princípio da escolarização. Zetetiké, Campinas, SP,
v.25, n1, jan./abr.2017, p.94-116
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
Matemática / Ensino de primeira à quarta séries. Secretaria de Educação Fundamental.
Brasília: MEC / SEF, 1997. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro03.pdf
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Base Curricular Nacional Comum:
Matemática. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC / SEF, 2017.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/pdf/4.2_BNCC-Final_MA.pdf Consulta
em setembro de 2017
BONJORNO, José Roberto. Matemática pode contar comigo: Alfabetização
Matemática, 2º ano. 1ª edição. São Paulo: FTD, 2011.
BONJORNO, José Roberto. Matemática pode contar comigo: Alfabetização
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DANTE, Luiz Roberto. Ápis: Matemática, 4º. Ano, 1ª. edição, Sâo Paulo: Ática, 2011.
DOUADY, Régine. Evolução da relação com o saber em matemática na escola primária:
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MENDONÇA, Tania M., PINTO, Sandra M., CAZORLA, Irene M. y RIBEIRO, Eurivalda. As
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PAIS, Luiz C. Didática da Matemática. Uma análise da influência francesa. Coleção
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SOUZA, Maria Helena. Asas para voar: Alfabetização matemática, 3º ano. São Paulo:
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