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20 de novembro 1926.
Gabriela caminhava pela plantação de cacau, apesar de
que sua mãe a tinha proibido de ir aos campos. Gostava de
sentir seu aroma, a forma como o vento movia as folhas das
árvores e observar os trabalhadores recolher o produto.
Já era noite, e ninguém estava pelas plantações. Olhou
para o horizonte sentindo-se um pouco triste; Meche logo a
procuraria. No próximo ano acabaria sua liberdade, seus pais
queriam mandá-la a um internato na capital. Só em pensar
nisso, seu coração se oprimia. Amava o bosque e a
independência que tinha na fazenda.
Ouviu que alguém se aproximava à cavalo e se
escondeu. Era seu pai com outros dois cavaleiros. O primeiro
era Dom Octavio e o outro era um homem que nunca tinha
visto. Seu coração quase paralisou ao vê-lo; era um moço
loiro com uns formosos olhos verdes e embora fosse um
pouco baixo não lhe importou, ela também era pequena.
Correu a sua casa por um atalho, não se importava de se
despentear, mas seus óculos quase caíram.
Chegou somente uns minutos antes que seu pai, com
tão má sorte que quando ia ingressar na casa e se trocar não
pôde fazê-lo. Ela queria que a terra a tragasse. Esse menino
tão lindo, não podia vê-la assim. Seu cabelo negro estava
alvoroçado e seus cachos tinham escapado do rabo de cavalo
que fez pela manhã, estava parecendo um porco-espinho e
não uma moça de família. Pela primeira vez desejou ter o
cabelo loiro e não de cor negra tão comum em seu país. Não
quis ver sua roupa cheia de lodo e folhas. Nem seus pés sujos
de barro, já que costumava andar descalça.
Tentou novamente entrar na casa, esperando passar
despercebida. Entretanto, a voz de seu pai anunciou que não
tinha conseguido.
— Gabi, venha saudar.
Ela limpou a terra da cara e tentou se pentear com os
dedos, só conseguiu emaranhar mais seu cabelo. Sorriu
nervosa, sem lembrar, que só fazia dois dias tinha perdido o
dente dianteiro.
— Bom dia, Dom Octavio.
— Boa tarde, pequena.
— Ela é Gabriela, a menor de minhas filhas. Vai
ingressar no internato do Sagrado Coração em setembro,
espero que as freiras melhorem suas maneiras.
A moça se ruborizou e olhou o chão. Seu pai lhe deu um
empurrão e disse:
— Gabi, cumprimente Alberto Escalante, sobrinho de
Dom Octavio que vai passar um tempo por aqui.
O jovem sorriu-lhe e pegou sua mão. A menina pensava
que ia desabar nesse instante. Ele se inclinou e depositou um
suave beijo em sua mão como nos contos, enquanto lhe dizia:
— Encantado em conhecê-la senhorita.
Ela sorriu como uma tola ante a surpresa do toque e o
calor que lhe tinha causado.
— Meu sobrinho chegou recentemente de Londres.
Espero que logo se esqueça das maneiras de um jovem
cavalheiro.
O moço elevou os ombros com desdém e voltou a sorrir
para a menina. Gabriela se ruborizou e lançou sem querer
um grande suspiro. Sempre sonhou com essa cidade em
especial desde que sua mãe tinha lido "Oliver Twist" no verão
anterior. Ela ainda seguia parada sem poder se mover
quando a voz varonil do moço a tirou de seu transe.
— Será melhor que entremos senhorita.
Gabriela escreveu na farinha, o nome Alberto, enquanto
Meche e Milagres, a cozinheira, preparavam tudo para o
jantar. Nesse instante, sua irmã Orvalho entrou, à procura de
um pouco de limonada por causa do calor do dia, e com a
extremidade dos olhos viu um A na farinha, que sua irritante
irmã ainda não tinha apagado.
A menina se surpreendeu ao ver Rocio olhando o que
fazia, com urgência apagou toda prova de seu amor. Desde
que conheceu Alberto, tinha dado a escrever o seu nome em
qualquer lado ou desfolhar quantas flores encontrava na falta
de margaridas. Sua irmã mais velha sorriu de forma
maliciosa, o que lhe produziu um calafrio. Nunca tinha se
dado bem com ela, sempre fazia travessuras e quebrava seus
brinquedos ou rasgava seus livros.
— Percevejo, não deveria estar na cozinha, não é lugar
para uma senhorita refinada.
A menina simplesmente deu a língua em sinal de
resposta e seguiu ajudando com o jantar.
— É uma caipira, uma grande caipira.
Meche, sabia o que viria e com o cenho franzido se
dirigiu a Rocio.
— Menina Rocio, não fale dessa forma.
— Ela me deu a língua.
A faxineira grunhiu, olhou zangada para Gabriela e
disse sem deixar de picar cebolas. — Menina Gabi, será
melhor que vá se trocar para o jantar. Se quiser preparo a
água para seu banho.
— Não obrigado, Meche, faz calor prefiro me banhar no
rio. Ainda é cedo.
Rocio da porta a olhou como se fedesse e com desdém
exclamou:
— Uma senhorita educada, não se banha no rio. Duvido
que Alberto Escalante, goste desse tipo de moça.
Gabriela ficou gelada e temia mostrar alguma reação.
Sabia muito bem que seu amor era impossível. Alberto
Escalante tinha vinte e cinco anos e ela tão somente oito, mas
coisas mais impossíveis podiam acontecer. Alberto era um
homem excepcional em cada visita a tratava com ternura.
Deu uma pausa profunda antes de responder e por
medo de que alguma expressão de seu rosto a traísse, falou
enquanto olhava o chão da cozinha.
— Não me importa, não quero ser uma senhorita cabeça
oca como você.
— Não sou uma cabeça oca. Vai ver que a acuso à
mamãe.
Orvalho observou quando sua irmã se retirava rindo, ela
lhe pagaria, essa sabidinha fedorenta. Olhou à mesa em que
sua irmã estava ajudando a amassar o bolo de laranja que
Milagres fazia para a sobremesa dessa noite. Tinha a
vingança perfeita contra sua irmã. Sorriu enquanto com o
dedo pegava um pouco de geleia de laranja que estava
esfriando.
22 de dezembro 1926.
Gabriela estava nervosa, era a primeira vez que se
esforçava para estar linda. Logo seria Natal e já tinha pedido
ao menino Jesus que Alberto chegasse a amá-la, não
importava como irracional fosse. Olhou de novo seu vestido
branco e acomodou seus cachos. Tinha pedido a Meche que
lhe ajudasse a se pentear, por isso tinha passado quase duas
horas desenredando seu cabelo rebelde. Tinha que estar
perfeita para assistir ao circo, o qual se instalou no povoado
para a véspera do Natal. Todos em Chone e arredores iriam.
Ela voltou a se olhar no espelho tentando parecer mais
linda, mas só via uma garota gordinha, em um vestido rodado
de renda, que estava a ponto de se rasgar. Para piorar, picava
muito, sua mamãe tinha dito que as damas e as princesas
utilizavam renda.
Rocio, já estava pronta esperando aborrecida, nem bem
a viu chegar riu de sua aparência. A menina, quase volta
para seu quarto, mas olhou a expressão exasperada de seu
pai e não se atreveu a retornar. Quando chegaram, sua irmã
foi em busca de sua amiga Irma que estudava junto a ela e a
quem Gabriela odiava com toda a alma, porque sempre se
burlava dela.
Esperando não vê-las, foi junto a sua mãe para
cumprimentar Dom Octavio e sua esposa. Enquanto com o
olhar procurava Alberto, olhava as tendas desgastadas e as
pessoas pulando pelo lugar em busca de diversão. Mal
podiam caminhar e se sentia a ponto de explodir de tão
apertado que era o vestido. O pior é que não podia se coçar e
pinicava as costas terrivelmente.
Foi com sua mamãe e se sentou em um banco de
madeira, seu pai tinha ido falar com Dom Octavio e outros
fazendeiros. Gabriela olhava um pouco temerosa aos
palhaços na pista. Desejava sobre todas as coisas do mundo
ver Alberto. Logo depois de uns minutos, enquanto na pista
central anunciavam que iriam atuar os trapezistas, Irma e
sua irmã a chamaram e fizeram gestos para que saísse.
Sua mãe estava tão concentrada no espetáculo que nem
se deu conta que ela escapuliu para ir se juntar a elas.
Embora sua mãe a tivesse proibido se afastar. Fora lhes
pergunto:
— O que querem?
— Estava absorta com os palhaços, é um nenê. — Irma
gritou fazendo caretas.
Gabriela deu a volta para retornar a tenda.
— Não vá Gabi.
— O que querem?
— Não nos fale assim! — Rocio fez uma careta de dor,
enquanto dizia. — Que lhe estamos fazendo um favor.
— Sério?
— Sim.
— O que desejam?
— Vamos Rocio, sua irmã é uma grande caipira. É
melhor que digamos ao Alberto que não a vimos.
— Alberto?
Irma já estava caminhando e puxando Rocio que fazia
todo o esforço por não rir.
— Garotas esperem.
— Porque o faríamos.
— Por favor.
— Pede desculpas.
Gabriela teve que morder a língua, antes de dizer.
— Me perdoem.
—Não sei, não me convence. Vamos Irma, já estão nos
esperando.
— Não se vão, fui uma estúpida.
— Você é.
— Te perdoamos, se nos der o dinheiro que papai te deu
para as guloseimas.
Gabriela tirou algumas poucas moedas e antes que
pudesse contar quanto tinha, foi arrebatado por sua irmã.
— Com isto está perdoada.
— Por que me procuravam?
— Alberto, queria te ver. Vem?
Seu coração pulsava como um pião, ele a procurava.
Tratando de não rir como uma tola e de que sua voz não
soasse desesperada. Perguntou:
— Aonde?
— Vem e não faça tantas perguntas.
Gabriela foi com elas, tremia de emoção e mal podia
respirar. A cada passo que davam se afastavam do circo, até
que estiveram em um terreno baldio com um barracão
asqueroso.
— Entra?
— O que?
— Está aí te esperando. — Antes que Gabriela pudesse
protestar foi empurrada para o barracão.
Um homem se via nas sombras.
— Alberto?
Não respondeu.
— Alberto para que me procurava?
Em voz baixa quase em um sussurro. — Diga que me
ama?
— O que?
— Me diga o preciso saber.
— Te amo e você?
— Nunca o faria, é uma gorda asquerosa.
Nesse momento o barracão se iluminou e ela se viu
rodeada por sua irmã e suas amigas, que zombavam dela.
Pablo, o filho de Dom Octavio, tratou de segurá-la. Gabriela
lhe deu um golpe e pôde escapar do círculo. Enquanto
chorava e se insultava por quão tola tinha sido.
As amigas de sua irmã a perseguiam, devia chegar aos
seus pais o mais rápido possível. Sem se dar conta por onde
ia, se chocou com Alberto que segurava a mão de uma
mulher loira de formosos olhos azuis. O coração de Gabriela
se rompeu ao olhá-los, tentou parar. Mal tinha forças, ele a
ajudou e perguntou:
— Pequena você está bem?
— Sim, obrigado Alberto.
Ela olhou pela extremidade do olho, Rocio e suas amigas
tinham deixado de persegui-la ao vê-la chegar ao circo.
— Sim, estou bem.
— Me diga onde estão seus pais? Minha namorada e eu
a ajudaremos a encontrá-los.
Não podia ser pior, o dia piorava cada vez mais. Ele nem
sequer recordava delas.
— Eu posso procurá-los sozinha.
— Parece que está muito mal.
— Estou bem.
Nesse preciso instante seu pai chegava junto a sua mãe
que tinham começado a procurá-la, por suas caras não
estavam nada contentes. Quando foi ao seu encontro sua
mãe gritou com ela na frente de todo o mundo, enquanto
Rocio ria, encantada.
No momento que chegaram à fazenda, sua mãe já tinha
batido nela e prometido que ficaria sem presentes de Natal.
Gabriela não disse nada. Foi a primeira vez que não lhe
importou que sua mãe a comparasse com sua perfeita irmã
que sempre sabia se comportar. Isso não lhe interessava, o
que desejava, nunca seria realidade. Nenhum príncipe azul a
procuraria.
Em seu quarto prometeu nunca mais voltar a se
apaixonar e se deu conta que odiava os Natais. Tinha deixado
de acreditar em sua magia.
24 de Dezembro 1926.
Gabriela estava aborrecida e embora não quisesse
reconhecer, um pouco faminta. Olhou o conto aberto dos
irmãos Grimm que havia tentando ler, sem vontade.
Observou ainda deitada através da janela aberta com desejo
de sair para correr e brincar.
Começou a cheirar o leitão assado que seria o jantar de
Natal e o estômago retumbou de protesto. Levantou da cama
e foi para a janela, tentando passar as longas horas de
castigo. Estava de castigo desde o dia do circo. Sua mãe não
quis ouvir uma palavra de como sua irmã a tinha enganado
para que desobedecesse.
Não lhe doía tanto a humilhação, como saber que nunca
importaria para Alberto. Com tristeza e frustração parou em
frente ao espelho para se olhar novamente e confirmar o que
já sabia, que nunca ninguém a amaria. Afetava-a, apesar de
que se prometeu nunca voltar a se apaixonar.
Ouviu um golpe na porta e sua mãe entrou seguida por
Meche, que carregava um vestido rosa rodado.
— Boa tarde, Maria Gabriela.
A menina se virou ao ouvir sua mãe chamá-la por seu
nome completo, não era um bom presságio e com resignação
olhando-a nos olhos disse:
— Boa tarde, mamãe.
— Parece que o castigo lhe fez bem.
Gabriela fez uma careta que felizmente sua mãe não
observou, já que estava concentrada observando a desordem
do quarto. Embora a incomodasse não disse nada a respeito,
e prosseguiu com o que tinha pensado em fazer. —Vou tira-la
do castigo, poderá celebrar a Véspera de Natal conosco e
receberá seus presentes. Só deverá prometer que se
comportará e nunca voltará a me desobedecer.
A menina ia discutir, mas Meche lhe deu uma palmada
nas costas e ficou calada.
— Melhor, vou deixa-la para que se banhe e troque. A
espero dentro de uma hora, não me decepcione Maria
Gabriela. — Acabou de pronunciar essas palavras e saiu do
quarto, felizmente para sua filha, já que começou a
resmungar.
— Será melhor que se apresse a se banhar.
Gabriela voltou para a cama e com decisão respondeu:
— Não descerei.
— Não tem fome?
— Não.
— Vai perder um grande jantar, há camarões
empanados e porco ao forno. Também pudim de coco com
molho de chocolate, seu favorito.
O estômago de Gabriela replicou indignado, enquanto
ela dizia. — Não quero ir ao jantar.
— Vai perder seus presentes.
— Não quero. Nunca terei meu único desejo.
— O que deseja?
Gabi, pegou o livro de contos e com um grande suspiro
respondeu:
— Encontrar um príncipe encantado, como nos contos
de fadas.
— Eu posso arrumar isso.
Os olhos da menina se arregalaram.
— Não acredito.
— Eu prometo.
— Isso é impossível.
— É possível, eu sei de um método infalível. Desça e
farei o possível para que encontre o seu príncipe encantado.
— Não o farei.
Meche moveu a cabeça em sinal de desaprovação. —
Parece que sua irmã tinha razão e é tão covarde que ficará
aqui. — Ia fechar a porta, quando Gabriela gritou.
— Ela lhe disse isso?
— Sim minha menina. Desejo-lhe um Feliz Natal, será
melhor que diga a sua mãe sua decisão.
Gabriela pensou por um segundo quando gritou
resignada. Era melhor dar a razão a sua mãe do que sua irmã
se saísse bem com a sua.
— Descerei para o jantar, irei me banhar.
— Vamos menina, já está tarde.
O jantar esteve como ela pressagiava, sua irmã fazia
caretas com frequência, sua mãe a tratava de forma distante
e seu pai a ignorava por completo. Por sorte na mesa tinham
deixado chocolates para se servir. Cada vez que tinha vontade
de golpear sua irmã ou chorar pegava um.
Quando o jantar terminou em vez de ir para seu quarto
com sua nova boneca se dirigiu ao jardim e olhou à lua com
um chocolate na mão e um desejo escondido em seu coração
de ter alguém com quem compartilhá-lo.
31 de dezembro de 1926.
Gabriela se apressava a chegar a sua casa, tinha saído
quase todo o dia ao campo para explorar. Sua mãe e sua irmã
estavam no Guayaquil desde 29 de dezembro e seu pai tinha
caído de farra com Dom Octavio desde ontem. Então se
encontrava sozinha aos cuidados de Meche.
Estava com um pouco de fome e o que mais desejava era
comer pastéis redondos e chocolate quente. Logo seria noite,
a maioria dos camponeses já estava celebrando a chegada do
ano novo e lhe dava medo se encontrar com algum bêbado.
No momento que entrou na cozinha, já lhe doíam os pés
e morria de fome. Sentou-se, enquanto limpava o suor de sua
testa, quando ouviu Meche abrir a porta.
— Já era hora que chegasse.
— Me distraí, Meche pode fazer pastéis redondos?
— Mais tarde, é hora de ir.
— Aonde?
— Para ver a negra Candelaria.
Gabriela teria caído se não estivesse sentada. Tinha
ouvido que Candelaria era uma grande bruxa, se dizia que
comia meninos, se convertia em lagarto e que podia invocar
os mortos. Sua mãe a tinha proibido de se aproximar de sua
casa.
— Ver a Candelaria?
Meche franziu o cenho antes de responder e a ponto de
perder a paciência.
— Sim.
— Ver a Candelaria?
— Está surda?
— Não, mas... — Gabriela procurou uma banana da
mesa e foi pega por Meche.
— Não deve comer nada antes do feitiço. Vamos que não
quero atravessar por esses lados na escuridão.
— Minha mãe não me deixa ir.
— Sua mãe não está e não tem porque saber.
— Não quero ir.
— Iremos, lhe prometi como presente de Natal, que lhe
traria seu príncipe encantado.
— Mas.
Meche a olhou determinada e com o cenho franzido.
— Confie em mim menina, sei o que faço.
Gabriela parou e suspirou, das pessoas que a rodeavam,
em quem mais confiava era nela.
— Venha, temos que nos apressar, é um longo caminho.
Já a caminho a menina perguntou:
— Por que confia nessa bruxa?
— Tem muitos poderes e nunca me falhou. Graças a ela
encontrei meu Anselmo e pari sem problemas dois meninos.
Vai ver como encontrará seu príncipe.
Gabriela duvidava que desse certo, mas ficou calada e
apressou o passo. Quando chegaram já eram dez da noite,
cansadas, suarentas e com muita sede. Elas mal podiam ver
através da vegetação. Uma anciã com a pele negra, sem
dentes e cabelo grisalho as recebeu. Estava fumando e
parecia muito cansada.
— Vejo que me trouxe a cria.
— Boa noite dona Candelaria. Já está tudo preparado?
— Sim, como se chama fedelha? — Disse, dirigindo-se a
Gabriela. A menina teve que se concentrar para poder
entendê-la e mal tinha coragem para dizer uma palavra. Foi o
golpe de Meche no ombro o que a fez reagir.
— Eu me chamo Gabriela Santos.
— O que diz? Fala em voz alta.
— Gabriela Santos.
— Encantada pequena. — A velha pegou o rosto de
Gabriela e o examinou, ela pôde perceber que até farejou-a
como se fosse um cão. — Terá que tirar o mal olhado.
— Vá se banhar, deixe uma túnica branca limpa e as
folhas com as quais tem que se esfregar para tirar os maus
espíritos. — Gabriela ficou parada sem saber o que fazer.
Meche pegou sua mão e a levou a um charco para que
se despisse e banhasse. A moça tremia de medo e frio. Já
lavada e quando era quase a meia noite foi a um círculo com
velas. A velha voltou a farejá-la e lhe cuspiu na cara. A
menina quis se limpar, mas Meche não deixou.
— Se concentre nas qualidades que quer para seu par.
A única coisa que Gabriela podia pensar era em um
chocolate quente e em lavar o rosto.
— Pensa no que você gostaria em um homem.
Gabriela fez uma careta e ficou a pensar. Queria alguém
alto, Alberto era baixinho e não desejava um homem que o
recordasse. Por isso desejava que tivesse o cabelo negro, e se
tinha que pedir, queria que tivesse os olhos cinzas como
ouvia que eram os dos protagonistas dos romances que sua
mãe lia.
— Pensa.
A moça de tanto pensar já lhe doía a cabeça.
— Pensa. — repetiu.
Devia ser calado, que não dê galanteio com facilidade,
inteligente e que seja trabalhador, que tenha se feito sozinho.
Não um menino rico como o filho de Dom Octavio, que só
bebia e jogava cartas.
De repente a velha começou com um cântico e ela sentiu
que suas pernas não a sustentavam e tudo se voltou negro.
Na manhã seguinte, Meche a despertou, já estava em sua
cama. Gabriela não sabia se era um sonho ou realidade.
Quando ia perguntar à criada ela partiu lhe deixando uma
bandeja de pastéis redondos recém feitos e chocolate quente.
Ela tinha sonhado com um homem moreno de olhos
cinzas, cujo nome era Alexander.
Boston EE. UU.
15 de Dezembro de 1926.
Só se ouvia o som dos passos do professor Merkin,
Alexander, já estava terminando de resolver o problema de
química e olhava a neve cair pela janela. Faltava muito pouco
para as férias de Natal e logo voltaria a ver sua irmã Sofía,
que era o que mais desejava no mundo. Não a via há dois
meses e sentia muita saudade.
As férias de inverno também trariam as grandes festas,
embora fosse um pouco tímido, sabia que assistiria ao Baile
dos Fletcher, o mais importante de toda Boston. O mais
provável é que lá visse Amy, pensar nela, fez com que
tremesse de desejo. Esperava que as férias fizessem algo por
sua relação, já que começava a aborrecer-se dela.
Ouviu um ruído de papel rasgando-se e olhou para Bem,
que jogava um papel para poder copiar e não reprovar nessa
matéria. Fez uma careta antes de voltar para o seu trabalho,
não é que fosse dissimulado, mas ultimamente se sentia
muito afastado de seu melhor amigo. Deixou de olhá-lo para
voltar para seu exame, minutos mais tarde terminou e saiu
da sala de aula. No corredor, Tony Mancuso estava sentado
no chão examinando um velho livro de química.
— Como foi?
Tony franziu o cenho, muito concentrado em uma das
páginas enquanto respondia. — Acredito que bem, espero
tirar uma boa nota, e você?
— Tinha dúvidas na quarta pergunta, pelo resto bem.
Tony sorriu para Alexander Trewell, que era um dos
poucos meninos de St. Augustine, que lhe falava e não o
olhava como um leproso ou um mendigo. A porta se abriu, e
saiu Benjamim Thompson, olhando-o como se fedesse.
— Não tem que ir se limpar?
Tony, nem deu atenção a Ben.
— Vemo-nos, Alex.
Ben olhou para ambos os lados antes de tirar um
cigarro.
— Não sei, como pode conversar com essa tralha.
— Tony é um bom menino.
— É um lambe botas e um morto de fome. Não entendo
como o deixaram entrar, ele não é de nossa classe. Deveria
limpar pisos, esse é seu lugar.
Alexander conhecia de cor a antipatia de Ben a qualquer
um que não fosse de sua classe, calou-se para não discutir e
preferiu mudar de tema.
— Vai escapar está noite?
Ben aspirou forte a fumaça de seu cigarro para apagá-
lo, antes que algum professor o surpreendesse.
— Sim, é asfixiante estar nesta prisão. Como sinto falta
de Nova Iorque. Vai nos acompanhar?
— Acredito que sim, ainda não me decidi.
— Venha, será divertido. Não se aborrece de ser um bom
menino sempre?
Alexander só sorriu. — Nem sempre sou um bom
menino. — Se seu amigo soubesse que também escapava à
noite, a diferença era que adorava caminhar por diferentes
paisagens do colégio e cidade.
Horas mais tarde, estavam em um bar de duvidosa
reputação, Alexander bebeu como todos, mas não até perder
a consciência como faziam Ben e Kurt. Aborrecido terminou
levando-os ao colégio e então, ainda de madrugada, saiu a
caminhar como era seu costume, até que começou a nevar.
Já pela manhã, seu companheiro de quarto se queixava
de uma terrível dor de cabeça enquanto ele terminava de
vestir-se. Hoje seria o último dia de aula, e estaria livre por
algumas semanas. Com preguiça voltou a olhar para o estado
de seu amigo.
— Odeio que nunca possa se embebedar. Obrigado por
pagar as contas atrasadas. Não sabia que eram tantas.
Alexander elevou os ombros e tomou a jaqueta azul do
uniforme.
— Não é nada, quando puder me pague.
Ben arrotou ruidosamente, enquanto pensava que
pagaria quando os porcos voarem. Sempre havia sentido um
pouco de inveja de Alex, que era o menino perfeito a quem a
sorte lhe sorria, enquanto ele estava vivendo sob sua sombra.
Esperava que algum dia isso mudasse.
— Vou tomar o café da manhã, vem?
— Já sigo você, vou tomar um banho.
Logo depois de vinte minutos quando Alexander
terminava de tomar seu café, apareceu seu amigo. Como de
costume, quis torturar um dos meninos que possuíam bolsas
de estudo, lhes expulsando os pratos das mesas que
costumavam limpar, como pagamento de suas bolsas.
— Não faça isso, Ben.
— Não há ninguém me olhando, São Alexander.
— Não se cansa de ser tão idiota?
— Não, já você arruinou meu dia.
— Que pena!
— Compensará isso me deixando dançar com Amy na
festa dos Fletcher.
— Não sei, se ela quiser.
Seu amigo em voz baixa dizia, ao mesmo tempo em que
tomava um pouco de suco de laranja.
— Não sei o que vê em você, é um aborrecido.
— Prefiro ser aborrecido a ser um cabeça oca.
Alexander parou e foi à aula de história. Odiava sentir-
se como a ovelha negra em seu círculo, por ser inteligente,
por querer algo mais que apostar, ir a festas e beber até
entrar em coma.
Como não desejava falar com Ben, se sentou perto de
Tony. Estavam quase no final da aula, quando veio o vice-
diretor Doyle para buscá-lo. Estranhando um pouco, saiu,
quando quis perguntar o que acontecia, seu acompanhante
lhe deu um sorriso triste. Momentos mais tarde, estavam no
escritório do diretor do St. Augustine.
Como sempre acontecia quando entrava em seu grande
escritório, sentiu um arrepiou. Ia esfregar suas mãos, quando
ouviu uma tosse. Elevou a cabeça e junto ao reitor de seu
colégio estava o mordomo de sua casa.
Desde que sua mãe morrera há dois anos, seu pai
praticamente não saía de casa, e o ver seu mordomo não
parecia nada bom, teria acontecido algo? — perguntou-se. O
diretor se aproximou dele, com semblante resignado, movia
as mãos de um lado a outro e começava a suar. No final, após
alguns minutos de silêncio cortante, disse.
—Senhor Trewell, sente-se.
Alexander o fez, um pouco temeroso e espectador.
— Não há melhor forma, de dizer isto. Seu pai acaba de
se suicidar. Hopkins, seu mordomo o encontrou esta manhã,
depois de informar às autoridades, veio buscá-lo.
Alexander pensava que era um sonho, apesar de que
nunca ter sido próximo ao seu pai, doía o corpo e não podia
respirar. Sentia-se como em uma nuvem, via as coisas em
câmera lenta, logo não podia ouvir as palavras sem sentido
do diretor do colégio e muito menos seu abraço forçado pelos
pêsames que não sentia. O único em que podia pensar era
em sua irmã Sofía.
— Já avisaram à minha irmã?
— Ainda não senhor.
— Bem, eu avisarei.
Alexander sentia-se como lixo, mal podia permanecer de
pé. Seu mundo foi por água abaixo em questão de horas. Só
em pensar que agora era responsável por tudo, o fazia sentir-
se tonto. Tirou a jaqueta e entrou em seu quarto. Durante
toda a manhã, fora procurar sua irmã e esclarecer a morte de
seu pai junto às autoridades competentes.
Estava a ponto de tirar a gravata quando entrou sua
irmã mais nova, Sofía, tinha o cabelo loiro e os olhos
dourados de sua mãe. Apesar de ter somente quinze anos era
quase tão alta como ele e igualmente magra.
— Posso dormir com você esta noite?
— Sim.
Na manhã seguinte, ouviu um barulho, eram as vozes
de seus colegas. Sofía se esticou enquanto Hopkins, batia na
porta.
— Desculpe, senhor, o estão esperando na sala.
Sua irmã foi se trocar no seu quarto. E ele foi para baixo
com o mordomo para poder receber os seus amigos. Quando
desceu, o salão estava cheio de flores e notas de pêsames
pela morte de seu pai. Seus amigos estavam comodamente
instalados acabando com sua reserva de licor. Assim, quando
apareceu, nem bem pararam e o abraçaram. Com outros, mal
falara algo sobre as aulas.
Ben o cumprimentou com um pouco de apatia e logo
levou-o a um lugar afastado.
— Encontra-se bem?
— Sim.
— Imagino que logo herdará tudo e terá uma das
maiores fortunas da América do Norte.
— Vá lá... — Por sorte, sua irmã chegou, e não teve de
continuar falando.
Apesar de serem seus amigos, sentia-se como um
estranho, despediu-se rápido com a desculpa que precisava
cuidar de alguns assuntos. De tarde, quando chegou a casa,
descobriu uma das razões pelas quais seu pai se suicidou.
Sua imensa fortuna era só uma lembrança. Se quisesse um
pouco de segurança para ele e sua irmã devia agir logo e
vender suas propriedades o mais rápido possível.
Quando voltou a sair para passear com sua irmã,
contou-lhe como estavam, embora no momento pudessem
manter as aparências. No ano que vem, seria iminente cuidar
de seus apuros econômicos. Pensava que Sofía choraria e
amaldiçoaria sua sorte, mas só o abraçou e sorriu.
O funeral de seu pai se realizou em 20 de dezembro,
uma incontável quantidade de pessoas chorava e dizia que o
que precisasse poderia ir até eles. Amy e Ben passaram
praticamente todo o dia em sua casa, a primeira mandando
nas coisas, como se já fosse sua esposa, e o segundo
escapando das obrigações familiares.
Faltavam somente dois dias para o Natal, e Alexander já
quase havia terminado tudo o que estava pendente. Prometeu
que falaria com sua namorada sobre sua conduta, sem mais
demora.
Essa noite, Sofía e ele chegaram logo depois de alguns
trâmites para a reclamação do que restava da herança de sua
mãe. Ainda encontraram Amy discutindo com Hopkins, os
gritos de sua namorada podiam ser ouvidos do jardim.
— O que ocorre?
Amy se aproximou com lágrimas no rosto.
— Queria fazer uma festa surpresa, mas ele não me
deixou, e logo Ben trará para cá nossos amigos, e não há
nada organizado.
— Obrigado, Hopkins, pode retirar-se.
Sofía foi para seu quarto, mas Alexander ficou no
corredor olhando Amy a ponto de estalar.
— Amy, poderia me acompanhar lá fora.
— Esta a ponto de nevar.
— Só será por um momento.
— Não sei por que tem a mania de querer sempre estar
fora ou de olhar a lua. — Resmungou Amy se lembrando do
primeiro beijo que deram em um jardim em uma das
inumeráveis festas do ano anterior.
— Eu gosto, Amy, e não mudarei.
— Nem por mim?
— Nem por você.
— E ainda assim diz que me ama. Desautoriza-me em
frente ao mordomo e agora diz que não mudará nada por
mim.
Alexander esfregou a testa, tinha adiado esse momento
há dias, odiava brigar e ainda mais com uma mulher.
Esperava que não chorasse.
— Amy, não sei se a amo, mal a conheço. Sou sincero,
se me amasse, não faria uma festa um dia depois do enterro
de meu pai e não estaria tentado me mudar. Não sou um
homem que pensa em festas todo o tempo. Tampouco falo
muito e agora menos, se soubesse todos os problemas que
enfrento.
Amy não o ouvia, tinha-o deixado falando sozinho e foi
queixar-se com Ben que acabava de chegar junto a outros
rapazes para fazer uma festa.
— Ben, que bom que chegou, convença Alex sobre a
festa.
Alexander se aproximou dos carros de seus amigos.
— Alex o que houve?
— Se querem fazer uma festa minha casa não está
disponível, já disse para Amy.
— Não seja desmancha-prazeres, já estamos aqui, logo
chegará Kurt com um grupo musical, prometi um bom
pagamento.
— Então que seja em outro lugar, não tenho ânimo, nem
estou de humor. Assim é melhor vocês irem.
— Ou talvez o rumor seja certo, e está sem dinheiro.
— Pense o que quiser, mas vão embora ou chamarei à
polícia. Amy vai ou fica?
Amy ficou a pensar e correu aos braços de Ben sem
sequer vê-lo.
24 de Dezembro de 1926.
Alexander ouviu um ruído e foi à cozinha. Sua irmã
queimava algo no forno que certamente era seu jantar. Dias
antes, demitiram todos os empregados e no ano seguinte
venderiam a mansão. A maioria de cartas e convites cessara
ao descobrir que estavam na ruína. Devia sentir-se terrível,
mas não o sentia, nessa época se deu conta quão forte era.
Um bufo o trouxe para a realidade.
— Acredito que não vamos comer peru, embora haja pão
e um pouco de queijo.
— Não quero nada mais.
Sentaram-se na elegante mesa que estava quase vazia,
comeram pão com queijo e um pouco de vinho doce.
— Feliz Natal, irmãzinha.
Sofía com lágrimas no rosto o abraçou e respondeu
entre soluços. — Ia esperar a meia noite, falta pouco, assim
não violo nenhuma regra.
Deu-lhe uma caixa de chocolates, desde menino
Alexander era viciado nesses doces.
— Mas...
— Mas nada.
— Como combinamos que não haveria presentes de
Natal, não comprei nada.
— Você é meu presente, irmãozinho.
Alexander abriu a caixa, era muito pequena só continha
seis chocolates. E o logotipo era muito simples, nunca antes
tinha provado essa marca Pasionne, mas, quando os tomou,
foi como se algo se esquentasse em seu interior e soubesse
que seu destino estava a ponto de começar.
15 de dezembro de 1930.
Giacomo Mancuso revisava as contas em seu escritório,
como sempre à uma da tarde, chegava Matilda, sua esposa,
com uma bandeja de comida. Ao entrar perguntou.
— Come tu sei il mio amore?
— O dia foi lento. Mas o mês está melhorando, e espero
que o Natal nos ajude.
Ela se aproximou e pôs a comida em uma mesinha.
Quando terminou seu trabalho lhe deu um beijo na testa. Ele
a sustentou e a sentou em seu colo.
— Giacomo, já não somos jovens.
— Isso não a impediu, ontem à noite, de ser travessa.
Ela se ruborizou, enquanto seu marido colocava a mão
sob a saia.
— Vai esfriar a comida.
Giacomo a silenciou com um beijo.
Uma meia hora depois, o casal ainda estava se
acariciando, e ela perguntou ao seu marido, enquanto
brincava com sua camisa.
— Então já decidiu?
— Sim, Passione está cada vez melhor, apesar da crise
econômica. E o rapaz o merece.
—Viu, eu disse.
— Sei, querida, sempre tem razão. — Respondeu
revirando os olhos.
— Deveria lembrar, quando vierem as contas deste mês.
Dom Giacomo lançou um suspiro, abraçou-a forte,
enquanto beijava seu pescoço. Matilda afundava suas mãos
no peito de seu marido quando escapou seu relógio da camisa
e pôde ver que eram quase duas.
—Ai! Olhe a hora que é.
Ele voltou a beijá-la com paixão e sussurrou em seu
ouvido.
-Faccio io, poveiro caro, non hai maispento. Ti amo.1
Quando sua esposa partiu. Giacomo saiu de seu
escritório para a adega, viu dois rapazes descarregarem uma
encomenda. Recordou como conhecera Alexander Trewell e se
encheu de nostalgia.
Há três anos, seu filho havia contando a ele e a sua
esposa, que um colega estava na ruína financeira e ficou
órfão. Apesar de não precisar de pessoal, decidiu contratá-lo,
por insistência de Matilda, que se proclamara como sua
protetora.
Esperava que um mês de duro trabalho dissuadisse o
rapaz de conseguir algo mais. O primeiro dia que o viu, sua
aparência confirmou. Era um menino muito alto quase dois
metros de altura, magro, presunçoso, muito calado e com
olhar receoso. Notava-se em suas mãos que nunca tinha feito
trabalho algum.
1 Me fará falta querida minha, nunca me sacio de ti. Amo-te.
A primeira coisa que fez foi colocá-lo para trabalhar em
um dos procedimentos que nenhum empregado gostava.
Alexander Trewel não se queixou nem por um momento, em
pouco tempo descobriu que gostava do chocolate e que estava
interessado em sua produção. Depois de um mês, era um de
seus empregados mais queridos e, em seis meses, era quase
da família.
Quando a Grande Depressão explodiu há um ano, seu
filho foi o suporte para que não fossem à ruína. Olhou seu
sobrinho Vito, que vadiava junto às caixas de encomenda.
— Vito!
— Tio, não é o que está achando.
Tragando o desejo de insultar seu sobrinho, gritou. —
Procure Tony, preciso falar com ele!
— Tio, está com Alex carregando o pedido do Senhor
Brown.
— Vá substituí-lo.
— Minhas costas.
Giacomo ficou vermelho e parecia que sua veia ia
explodir.
Vito já não tentou dissuadi-lo e a contra gosto foi
procurar Tony.
Estavam a ponto de acabar de carregar o caminhão
quando chegou Vito bufando e se dirigiu a Tony.
— Seu pai, deseja ver você, e vá rápido porque está de
mau humor.
Tony foi à busca de seu pai, e Vito carregou as caixas
que sobravam entre protestos.
Giacomo havia voltado para as contas, quando ouviu a
porta.
— Entra, figlio.
— Papai, chamou-me?
— Queria consultá-lo sobre algo. Sente-se.
Tony se preocupou.
— Não sei como dizer isto. Pensei muito. — Limpou a
garganta para dar um momento. — Quero dar a Alex parte
das ações de nossa fábrica. O moço seria um sócio genial. Só
será 15 por cento, quando eu morrer a fábrica passará às
suas mãos. Acredito que precisa de alguém ao seu lado como
Alex, que ama a fábrica e fazer chocolates, está em seu
sangue.
A notícia surpreendeu agradavelmente Tony, que parou
para abraçar seu pai.
— Obrigado, velho, amo Alex como a um irmão e sei
quanto o aprecia.
— Direi isto na Véspera de Natal.
Alexander enviou junto a Vito o pedido e, em vez de ir
para casa, começou a procurar os presentes de Natal nas
lojas de North End.2 Terminou de sair de uma pequena
joalheria com uma corrente para sua irmã Sofía, quando
2 North End – habitado em princípio pelas pessoas mais ricas dos Estados Unidos,
North End foi o lugar onde muitos imigrantes italianos, durante o século XIX,
instalaram-se para construir o que hoje se conhece como Little Italy ou a Pequena
Itália.
literalmente chocou-se com Amy Woodhouse. Embora
desejasse, não pôde esconder-se.
— Alex?
Ele ficou calado, esperando dizer algo. Amy estava mais
linda do que recordava, mas a única coisa que desejava era
afastar-se dela o mais rápido possível.
— Amy como está?
— Bem, é um prazer ver você.
— Obrigado, Amy tenho que ir.
— Espere.
Alexander se aborreceu, e as pessoas que passavam
para comprar seus presentes de Natal quase os atiravam ao
chão.
— Para que?
— Quero falar com você. Vamos e tomaremos um café.
— Amy, estou ocupado.
— Por favor, só será um instante.
Alexander amaldiçoou sua boa educação e foi com ela a
um pequeno bistrô, que começava a encher-se de fregueses.
Sentaram-se em uma mesa junto ao corredor e pediram dois
cafés.
— Bom, já que me convenceu, do que queria falar?
— Eu queria me desculpar, sobre meu comportamento
da última vez que nos vimos. Fui uma tola.
— Foi uma simples menina, além disso, já passou.
— Estava obcecada em me converter numa mulher rica
e em encaixar na alta sociedade de Boston. O único que
consegui foi que me tratassem como uma prostituta.
Alexander sentiu dor por ela e tocou suas mãos.
— Sinto muito.
— Isso passou faz muito tempo. Além disso, o principal
culpado já morreu.
— Soube do destino de Ben pelos jornais.
— Comportou-se como sempre, foi um covarde, ao
perder a fortuna de seus pais na bolsa de valores, se
suicidou, foi um entre tantos.
Ela ficou perdida olhando pela janela.
— Parece como se tivesse passado um século, as coisas
são tão diferentes.
— Está bem?
— Sim, só um pouco inquieta. Pensei muito em você.
Alexander se moveu incômodo em sua cadeira.
— Obrigado, mas está tarde e me esperam em casa.
— Oh! Está comprometido? Casou-se?
Alexander esteve a ponto de mentir.
— Não, neste momento, estou sem namorada. E não
acredito que a encontre.
— Eu também estou sozinha. — Ela tomou sua mão que
brincava com o açucareiro.
Alexander ficou pálido, o que menos queria era voltar
com Amy. Só pensar nisso lhe deu um arrepiou sua nuca.
Amy sorriu enquanto seguia acariciando sua mão, ele a
retirou brandamente da mesa enquanto em tom rude dizia.
— Amy, não continue. As coisas não mudaram tanto.
Ela só sorriu.
— Não diga mais. Só quero sua amizade no momento.
Despediram-se com a promessa de se encontrarem.
Alexander duvidava que a cumprisse. Ele era um solitário,
odiava os compromissos, ninguém ia prender seu coração. O
chocolate se converteu em sua vida, adorava fabricá-lo,
algum dia teria seu próprio negócio.
Muito em breve, nesse Natal, seu desejo se cumpriria.
Nesse mesmo Natal.
24 de dezembro de 1930.
Alexander como sempre se dirigia para o jantar de Natal,
ele sempre havia se sentido um pouco incomodado, mas não
havia forma de dissuadir dona Matilda.
Enquanto isso, Vito e Tony, falavam baixo,
possivelmente de beisebol ou futebol. Dom Giacomo ainda
seguia em seu gabinete, sua irmã como sempre ajudava a
Dona Matilda com o jantar. Ia reunir-se com seu melhor
amigo, quando seu patrão o chamou para sua pequena
biblioteca, esta era uma pequena sala, o refúgio de Giacomo,
Alexander olhou os velhos livros, muitos dos quais já lera,
graças à benevolência de seu anfitrião.
— Quero falar um momento com você, rapaz, antes de ir
à igreja e jantar. Sabe que Passione ainda está se
sobressaindo apesar da crise financeira e além de que gosto
muito de você. — Giacomo limpou a garganta enquanto
Alexander ficava pálido. Precisava deste trabalho, além disso,
amava fazê-lo, amava a Passione como se fosse sua própria
fábrica de chocolates.
— Senhor, eu...
— Espere, Alex, o que quero dizer é que Matilda e eu, o
consideramos como parte de nossa família, incluindo sua
irmã. Minha esposa e eu decidimos fazer você parte da
empresa familiar. Cedo-lhe 15 ou 20 por cento, com estes
valores estará mais seguro, e sei que, com o tempo, sua
participação poderá ser maior.
Alexander estava impressionado e duvidava do que
acabava de escutar, tinha de ser um sonho. A mão grande e
amistosa de Dom Giacomo em seu ombro indicou que isto era
real.
— É uma honra, senhor. — Respondeu aturdido.
Escutaram um golpe na porta.
— Já logo é hora de ir à igreja, o padre Antonio odeia
que cheguemos tarde.
— Bem vindo à Passione, Alexander.
Horas mais tarde, depois de que todos celebraram o
acontecimento e o Natal, Alexander foi a sua fábrica com o
coração acelerado pela emoção, algum dia faria com que
Passione se convertesse na melhor fábrica de chocolates do
mundo. Olhou à lua, dando-se conta que seu futuro sempre
estaria ligado ao chocolate.
Só esperava que algum dia uma mulher o entendesse.
25 de novembro de 1939.
A casa estava uma bagunça, Gabriela, viu sua mãe ir da
cozinha à sala de jantar e ao quarto, ao mesmo tempo em que
gritava com Meche, a empregada. Escondeu-se dela, para não
ter que polir os talheres de prata. Não podia ir para seu
quarto já que sua irmã estava provando vestidos. Deixando-a
louca, com seu bate-papo incessante.
Esperou escondida atrás da porta da sala de jantar que
sua mãe saísse reclamando de novo. Conhecia de cor a
ladainha que havia dito todo o dia. Quando seu pai lhe
contou que ia ter convidados ilustres: um ministro recém-
nomeado e dois empresários gringos que estavam
interessados em comprar cacau.
O pai de Gabriela estava interessado em adquirir novos
contratos para as exportações desse produto. Precisava
investir em sua pequena plantação, se concretizasse o
negócio. Tinha resistido muito as grandes pragas, até à beira
da falência.
Sua mãe não era de grande ajuda. Reclamava do frio de
Quito, de fazer um jantar tão inesperado, de suas costas, de
suas duas filhas e até do gato. Enquanto sua irmã revisava
todo seu guarda-roupa com ilusão, Pablo o menino que
gostava estaria no jantar. Para ela, ao contrário, era igual a
qualquer jantar. Tinha coisas mais importantes a pensar,
como que, no ano que vem queria entrar na universidade e
estudar medicina. Não sabia ainda como expor o tema aos
seus pais, só de pensar em suas reações tremia.
Olhou com receio para a cozinha, não havia ninguém.
Com um suspiro de alívio foi à despensa, pegou uma barra de
chocolate e um pouco de leite. Acendeu o fogão e foi à
prateleira para pegar uma panela com cuidado e começou a
derreter o chocolate. Aspirou seu aroma, sempre a
tranquilizava, fazendo esquecer seus medos ou sua solidão.
Quando sua bebida já estava pronta correu ao jardim.
Desde que chegaram, era seu refúgio. Não importava que logo
tivesse chovido e que sua mãe sempre lhe dissesse que era
perigoso e inapropriado sair a essas horas. Sentou-se em um
pequeno banco para olhar as estrelas. Feliz de estar em
silêncio e, sobretudo, de ter tempo de pensar enquanto
desfrutava do sabor doce de seu chocolate.
Alexander caminhava como era seu costume. Fazia dois
dias tinha chegado ao Equador e as ruas de Quito eram tão
diferentes de sua terra natal, Boston. Havia algo místico e
encantador nessa cidade. Observou uma de suas igrejas, e
pensou com dor em Giácomo Mancuso que estava muito
doente. Doía tanto como se fosse seu pai, deveria entrar e ir
rezar um momento, embora não fosse católico e fazia muito
tempo não acreditava em Deus.
Andava cansado no último ano, havia assumido a
direção de produção e seu amigo Tony, a de vendas. Seu
negócio se expandiu e agora tinham seu primeiro grande
contrato. Enquanto a Europa estava em guerra e ainda que
seu país não estivesse unido, era só uma questão de tempo.
Passione como outras empresas, estavam encarregadas de
fornecer suplementos alimentares para os soldados.
Tinha viajado a alguns países da América Central e
México. Logo iria à Colômbia, Peru e Bolívia, se fosse
necessário. O mais importante era terminar os acordos no
Equador, já que seu cacau era considerado um dos melhores
do mundo.
Releu a agenda, amanhã deveria ir a um jantar de
negócios. Odiava ir a esses eventos. Só em pensá-lo começou
a doer sua cabeça. Vito, não estava no hotel, o que lhe fez
dar um suspiro de alívio. Partiu antes que chegasse e
começasse a falar de suas novas conquistas. Saiu a
caminhar como quase todas as noites por um momento só
estavam ele e a lua.
Não acreditava no amor ou pelo menos, não em um para
ele. Tinha tido duas relações sérias que resultou um desastre.
Diferente de todos seus amigos, não estava casado, nem
comprometido, nem desejava estar. Não importava que
tivesse quase 32 anos, sua irmã e dona Matilda quase o
apressavam para casar. Era feliz dessa forma, refugiava-se
em seu trabalho e em seus livros. Quase todos seus
conhecidos, cedo ou tarde preparavam encontros às cegas
desesperados por casá-lo. Era um ermitão e não tinha
remédio. Observou o céu em busca da lua e só encontrou
umas gotas de chuva em seu rosto. Sorriu, gostava de
caminhar sob a chuva, colocou sua mão em sua jaqueta e
sacou um tablete de chocolate sempre que se sentia triste
necessitava de seu sabor.
Na noite seguinte.
Alexander estava entediado. Já tinha fechado o contrato
havia uma hora e a sua noite virou um completo evento
social. Sua cabeça doía de escutar o que Vito falava com sua
companheira de jantar. Se ouvisse algo mais sobre estrelas de
Hollywood, da última moda em Nova Iorque ou de fofocas,
usaria uma faca para acabar com seu sofrimento. Olhou em
torno da mesa, a maioria falava, uns com os outros, com
exceção de uma moça volumosa, com grandes óculos e
cachos ridículos que via com resignação seu prato.
Gabriela estava morta de fome, apesar de estar
envolvida nessa faixa que apenas a permitia se mover e
respirar um pouco. Os convidados de seu pai resultaram
serem insípidos e teria preferido passar a noite lendo. Com
tristeza elevou o olhar de seu prato por um momento e foi
observada por um dos estrangeiros que fizeram negócios com
seu pai. Ele enrolou os lábios carnudos em sinal de
desagrado, ela nem sequer o achava bonito. Talvez o
americano alto, carrancudo que mais parecia uma versão
séria e sem graça do Drácula. Minutos mais tarde ambos
deixaram de se encarar e voltaram a comer em silêncio.
Alexander tirou a gravata e a jaqueta feliz de chegar ao
hotel e dormir. Amanhã partia para a costa, para verificar a
qualidade de cacau e o transporte. Quando Vito ia falar não
lhe deu oportunidade e fingiu dormir, cansado de ser
sociável, só desejando um pouco de descanso.
Vito estava examinando uns documentos. Quando seu
amigo chegou de improviso, esperava-o dois dias mais tarde.
Deixou uma mala no chão e a jaqueta em uma cadeira perto
de uma pequena mesa. Alexander estava cansado e cheio de
poeira. A única coisa que queria era tomar banho e logo ir
dormir.
Apertou a mão de Vito. Ele se surpreendeu ao ver na
pequena mesa, umas cartas para ele. Pensou que algo de mal
tinha acontecido com sua irmã Sofia ou com Dom Giacomo,
com medo pegou a carta até que viu o remetente, senhorita
Orvalho Santos, fitou com curiosidade. Abriu a carta, sem
deixar de ver seu amigo que o observava. Quase caiu para
trás quando terminou de ler o texto.
Quito, 2 de Dezembro de 1939
Querido, Senhor Trewelll, muito obrigado por seus
chocolates. Sinto-me muito alegre de ter causado tão grande
impressão, apesar de que quase não falei com você. Todavia os
chocolates foram uma má escolha, devo-lhe confessar que não
me agrada os doces e se deseja me cortejar, joias e flores são mais
apropriadas.
Esperando sua resposta
Rocio Santos.
— Merda, o que ela acredita ser? Cleópatra? Essa
mulher é uma idiota. — Furioso, dirigiu um olhar a seu
amigo. — Por que ela acredita que lhe mandei chocolates?
Quase não lembro seu rosto.
— Como pode dizer isso? Essa mulher é muito bela e
pensei que seria a perfeita esposa para você.
Alexander bufou e moveu as mãos com fúria. Outra
carta caiu ao chão.
— Não é meu tipo e você não tem que me conseguir uma
esposa. Já disse isso um monte de vezes.
— Talvez uma mulher melhore seu humor.
Alexander grunhiu.
— Então por que não procura uma?
— Sou uma alma livre. O matrimônio não é para mim.
— Respondeu Vito benzendo-se.
Não fez caso ao seu amigo e olhou uma carta que estava
no chão, esperando que não fosse da tal Orvalho. Pegou-a e
observou o remetente, era de uma Gabriela Santos.
— Mandou chocolates também para a outra irmã?
— Para a feia não. Por quê?
Alexander não respondeu e se começou a abrir a carta.
Quito, 2 de dezembro 1939
Querido Senhor Trewell,
Espero que não acredite que sou uma atrevida para lhe
escrever. Entretanto, queria pedir desculpas pela atitude presunçosa
de minha irmã. Agradeço-lhe os chocolates, estavam deliciosos.
Não há nada mais tentador que um chocolate, nem nada mais doce
que senti-los quando derretem na boca. Mando-lhe minhas saudações
e embora seja redundante, agradeço-lhe de novo.
Gabriela Santos.
Alexander sorriu e apesar de estar cansado foi ao
escritório e ficou a escrever. Sem saber o motivo disto.
Quito, 17 de Dezembro 1939
Querida senhorita Santos,
Não sei como começar esta carta. Não estou acostumado a ser
muito bom para me expressar, nem eu mesmo me entendo pelo fato
de escrever a você. Somente me ocorre que também sou um
apaixonado pelos chocolates. Não há nada mais tentador que sentir
seu aroma e a espera que alguém tem ao abrir uma caixa. Talvez por
isso lhe escreva, conheço muito poucas pessoas tão aficionadas a ele
como eu. Mando-lhe uma caixa de meus chocolates favoritos.
Seu Amigo
Alexander Trewelll.
Um dia mais tarde.
Gabriela acendia uma vela logo chegaria sua mãe para
rezar a novena. Estava a ponto de bocejar, quando chegou
Meche toda apressada olhando às escadas e à cozinha.
— Senhorita, mandaram-lhe isto.
Ela ficou surpreendida, nunca haviam escrito uma carta
antes e menos ainda a enviado. Com curiosidade leu o
remetente, primeiramente não reconheceu quem era ou por
que lhe mandava a carta. Nesse instante chegou sua irmã e
sua mãe. Com rapidez colocou o pacote debaixo da mesa de
orações que possuía uma toalha verde que cobria tudo.
Distraída ficou pensando em todos os homens, que
conhecia até que lembrou quem era. Quase gritou com a
compreensão, enquanto sua mãe e sua irmã rezavam, ela
olhou para baixo tentando passar despercebida.
Quando por fim teve um momento livre, foi ler a carta
em seu quarto, já sentada e saboreando um dos chocolates
com cerejas que lhe deram de presente só podia sorrir,
enquanto relia a carta.
Ninguém nunca tinha dado algo agradável como doces, e
ela se sentia eufórica, não sabia se era pelo açúcar ou por
algo mais. Era a primeira vez que se sentia especial em anos.
Essa noite passou um pouco intranquila, assim desceu
para beber um pouco de água. No final o frio da noite fez com
que esquentasse um pouco de chocolate e fosse olhar as
estrelas. Já eram onze horas da noite e a cidade estava quase
em calmaria e todo mundo dormia. Olhou à lua e perguntou
se algum dia poderia se apaixonar, ou se isso não era para
ela. Já mais tranquila foi à cama sem sonhos românticos.
A manhã se desenvolveu em total normalidade, sua mãe
e sua irmã foram às compras. Ela ficou em seu quarto
procurando coisas não usadas para dar às freiras até às
quatro horas da tarde. Já tinha um pouco de fome e Meche
preparava o café das cinco da tarde.
Sua irmã olhava o correio e ficou um pouco em pânico
embora ainda não fosse o Dia de Todos os Santos. Sempre
fazia brincadeiras pesadas desde pequena e se a carta e os
chocolates também fossem?
— Procura algo?
— Não e você, o que faz aqui?
— Estava ajudando Meche a fazer prístinos. Quer nos
ajudar?
— Não tenho alma de empregada, melhor ir me banhar.
Gabriela estava nervosa então seguiu a sua irmã e logo
voltou para seu quarto a fim de reler a carta. Era uma
brincadeira, não parecia, ele tinha se comportado
corretamente. Devia averiguá-lo, nisso ouviu Meche chamá-
la.
Era culpa sua porque havia escrito antes. Odiava
injustiças e pessoas ingratas. Tinha tentado ser educada e
caiu em uma nova armadilha de sua irmã.
Não podia fazer nada parada ali como uma estátua. Foi
fazer os prístinos, pensando em seu problema. Enquanto fazia
a massa lhe ocorreu mandar alguns deles em sinal de
agradecimento pelos chocolates. Se lhe escrevesse de novo ou
reclamava de algo se daria conta que foi brincadeira de sua
irmã.
Vito punha em ordem os documentos que ia examinar
com Alexander enquanto respirava forte. A única coisa que
desejava era se afastar de seu colega de quarto, trabalhar
com ele era pior que com seu tio.
Duas horas mais tarde.
Bateram na porta de seu quarto e pensou que havia
chegado seu colega de quarto. Tinha estado em uma reunião
com vários produtores de cacau e alguns políticos. O país era
um fervedouro de intrigas e trocavam de presidente mais
rápido do que Vito trocava de meias. Necessitavam garantias
para assinar o contrato e que a política não interferisse com
seu negócio.
Vito vestiu somente uma calça de gabardine foi abrir a
porta. Uma empregada olhava escandalizada com um pacote
nas mãos, enquanto isso chegou Alexander que lhe deu
algumas moedas e entrou com o pacote.
— Poderia abrir a porta vestido de forma decente.
Vito levantou os ombros sem dar importância.
— O que é isso?
— Não tenho ideia.
— Quem o enviou?
— Gabriela Santos.
Alexander teve que fazer trazer a memória para quem
havia mandado uma caixa de chocolates só porque gostou de
sua atitude.
— Quem é ela?
— Não lhe importa.
— O que lhe enviou?
— Vá se banhar.
Alexander esperou que Vito entrasse no banho para
abrir o pacote. Eram uns pãezinhos com aspecto estranho
que cheiravam muito bem. Tomando um abriu a carta que
lhe escreveu.
Quito, 18 de dezembro de 1939
Querido Senhor Trewell,
De novo lhe agradeço o presente. Nunca antes tinha provado
chocolates cheios de cereja, estavam deliciosos. Na verdade tem que
pensar mal de mim. Sou uma gulosa e provo qualquer doce.
Tomei o atrevimento de lhe mandar uns prístinos com recheio de
mel. Eu mesma os fiz, não há nada mais delicioso que comê-los
bebendo uma xícara de chocolate.
Sei por meu pai que partirá antes do Natal. Espero que o passe com
seus entes queridos e lhe desejo desde já Boas Festas.
Sua amiga
Gabriela Santos.
Alexander estava um pouco confuso, não queria que ela
pensasse que ele desejava algo mais que amizade. A moça
parecia inteligente e tinha negócios com seu pai.
Meditava sobre o assunto comendo um dos doces que
lhe mandou, quando Vito saiu seminu da ducha.
— E o que lhe mandou? Quem é a conheço? Disse que
não tratássemos de ter romances e...
— Fique quieto Vito, simplesmente me enviaram uns
doces e não há nenhum romance à vista.
— Se você diz. — Logo depois de dizer isso caminhou
com vontade de prová-los, mas Alexander não deixou.
— São meus. Logo desceremos para jantar.
— E o que vai fazer com ela?
— De quem você fala?
— Parece que a flechou.
— Não seja bobo, vá se vestir, que essa mulher não é
como aquelas tolas que costuma sair.
— Como sabe?
— Eu sei.
Alexander não comeu muito no jantar. Faltavam dois
dias para partir desse país e não sabia o que fazer. Por que
enviou chocolates à garota? Terminaram de jantar. Vito foi
falar com uma moça colombiana que estava hospedada no
hotel. Enquanto saia para uma caminhada, olhar a lua, por
vezes, desejou que esta fosse doce como chocolate e o
seduziria. Nunca havia sentido essa magia de estar
apaixonado. A mesma coisa aconteceu com o Natal, era
apenas uma data.
E agora o que fazia? Era melhor agradecer o gesto e
esclarecer de uma vez que só desejava a amizade da moça.
Um pouco receoso começou a escrever.
19 de dezembro de 1939
Gabriela olhava ansiosamente a rua antes de descer do
carro, se pudesse teria se lançado, não importava que até
estivesse em marcha. Não sabia o que doía mais os pés, os
ouvidos ou a enxaqueca que estava a ponto de começar. Sua
mãe e sua irmã discutiam aos gritos. Quase quis morrer
quando começaram a brigar no meio da praça de São
Francisco.
Rocio estava apaixonada por Pablo, o filho mais novo de
Dom Octavio. Seus pais o consideravam uma perspectiva
intolerável como futuro genro, e desejavam que sua filha se
casasse com Santiago Olivares, um coronel que sua irmã
detestava.
A briga começara quando sua mãe procurava um
vestido para sua irmã. Sua família havia sido convidada a
uma festa de Fim de Ano, mas Rocio não queria ir para não
encontrar-se com o militar.
Por fim, quando chegaram, Gabriela abriu a porta do
carro e saiu correndo para casa. Entrou pela porta da
cozinha, tirou os sapatos e ia beber um pouco de água.
Quando os gritos de sua irmã quase fizeram com que jogasse
o copo no chão.
— Prefiro ser uma solteirona a me casar com esse gorila.
Deve ser primo do King Kong.
Logo se ouviu uma porta bater, e sua mãe chorava e
gritava.
Gabriela preferia esconder-se no jardim antes que a
vissem e tivesse de ouvir as qualidades do Coronel Olivares.
Mas não foi suficientemente rápido, e sua mãe a encontrou,
ela teve que passar quase toda a tarde ouvindo os lamentos.
Por fim, sua mãe disse que iria descansar, Gabriela
aliviada e um pouco enjoada pela dor de cabeça foi de novo à
cozinha. Meche sorriu ao vê-la.
— Isto, senhorita, chegou faz um tempo, mas esperei
que sua mãe fosse para seu quarto. — A empregada Meche
lhe entregou uma carta, era do homem dos chocolates.
Não tinha vontade de lê-la, assim pegou uma xícara de
chocolate e bolachas. Foi para seu quarto ver se podia
encontrar um pouco de paz. Quando, por fim, estava em sua
cama, pegou um dos seus livros favoritos esperando que o
senhor Darcy levantasse seus ânimos.
Uma hora mais tarde e um pouco mais tranquila foi
jantar. A atmosfera na mesa era tensa. Sua irmã chorava
enquanto seu pai resmungava e sua mãe se queixava.
Gabriela mal se atrevia a olhar para fora de seu prato.
Quando o jantar terminou, foi ao seu quarto quase correndo
enquanto seus pais voltavam a brigar com sua irmã. Estava
pegando outra vez seu livro quando encontrou a carta, ela a
esquecera totalmente. Foi abrir a janela e começou a ler a
carta.
19 de dezembro de 1939
Querida Senhorita Santos.
Muito obrigado pelos prístinos, nunca antes os tinha provado,
estavam deliciosos. Tive de lutar para que meu companheiro não os
tirasse de mim. Estavam tão bons como o panedoro3 que a senhora
Mancuso faz no Natal. Por um momento senti como se estivesse em
meu lar.
Desejo-lhe muitas felicidades e espero que seu Natal seja muito
feliz.
Gabriela bufou, duvidava muito, não tinha nenhuma
lembrança de um feliz e mágico Natal. Olhou à janela
sentindo como o vento movia seu cabelo e seguiu lendo.
Antes de me despedir lhe ofereço minha amizade sincera. Não
sei como escrever isto, sem soar presunçoso ou idiota. Mas só desejo
uma amizade com você ou com qualquer mulher.
— Arrogante e cretino. Acredita que porque me deu
chocolates eu estou planejando o casamento.
A moça amassou a carta e admirou as estrelas
pensando que pelo menos sua irmã não fizera uma
brincadeira pesada. Sem muita vontade voltou para a carta.
3 O panedoro é um doce originário da cidade de Verona. É como o panettone, um dos
doces natalinos mais típicos da Itália.
Os chocolates que enviaram para sua irmã foi obra de meu
amigo Vito que brincava de ser Cupido. Naquele jantar, quase não
prestei atenção a minha volta. Pareceu estranho para mim, a
primeira vez que a vi foi na carta que me mandou. Não estou
acostumado a ser espontâneo, mas lhe escrevi sem sequer pensar.
Não minto o desejo conhecê-la, há algo mágico em sua forma de
comportar-se, talvez seja porque ama chocolate. O que espero é que
sigamos em contato. Mando-lhe um abraço e lhe desejo Boas Festas.
Gabriela deixou a carta na cômoda com um sorriso
estranho. Esse homem, Alexander ou como chamava, era o
primeiro que via a ela e não a sua irmã. Tentou recordar seu
rosto sem muita sorte, logo com um bocejo foi para cama.
EE. UU.
25 de Dezembro de 1939
Todos estavam celebrando o Natal apesar da guerra.
Alexander fingia tomar um pouco de ponche enquanto via
sua irmã dançar com Vito. Tony se aproximou com uma
bebida mais forte e se sentou a seu lado.
— Não me contou sobre sua viagem.
— Disse tudo, fiz alguns acordos no México e no
Equador.
— Não falo disso.
Alexander grunhiu porque todo mundo queria se meter
em sua vida particular.
— Quem é esta que lhe mandou os doces?
— Uma amiga.
— Uma amiga?
— Só isso.
— Você precisa uma mulher em sua vida.
Alexander bufou e quase deixou cair a taça que
sustentava em suas mãos.
— Olha quem fala? Desde que rompeu com Mary não o
vejo muito dado a ter uma nova namorada.
— É diferente.
— Por quê?
— Eu não fujo de meus sentimentos.
Alexander viu sua irmã deixar de dançar e vir em sua
direção, Tony ligeiramente mudou de expressão e a admirou
como um bobo.
— Está mesmo seguro?
Seu amigo não pôde responder já que sua irmã chegou.
— Podemos ir estou muito cansada.
Quando chegaram à casa, ela o beijou na bochecha
enquanto dizia.
— Obrigada por fazer do meu desejo realidade. Não
podia pensar em ter um Natal sem você.
Ela se afastou para seu quarto enquanto por um
momento Alexander se sentia muito sozinho. Algumas vezes
realmente deixaria de se sentir um estranho perto de todos.
Suspirou e foi dormir esperando que o ano que chegava fosse
melhor.
Janeiro 1940
Alexander caminhava aborrecido esfregando as mãos
para ter mais um pouco de calor. Logo iriam a um
restaurante, se morresse de fome e se comesse, não teria de
conversar.
Tony e sua irmã discutiam sobre o filme que foram ver,
ignorando a todos por um momento. Ele os invejava. A moça
que era sua companhia, estava tão calada como ele.
Sentindo-se incomodada e um pouco tímida olhava para a
rua. Logo em voz baixa perguntou.
— Você gostou do filme?
Alexander assentiu, sem muita vontade de falar. Odiava
todas as tentativas de sua irmã em casá-lo. Observou a jovem
em questão, era uma garota ruiva muito bonita que parecia
com vontade de sair correndo de tão nervosa estava.
Estiveram um momento em silêncio até que ele teve pena
dela e perguntou.
— E você?
— Foi genial, embora prefira quando Ginger Rogers atua
com Fred Astaire. Eles são tão bons juntos. Viu seu último
filme?
Alexander se livrou de responder por que chegaram a
um restaurante. Mal falou durante todo o jantar e estava
agradecido que Tony fosse tão falador e que odiasse as
comédias musicais.
Logo depois de deixar seu encontro, a qual duvidada que
voltaria a ver, dirigiu-se ao seu escritório. Não se
surpreendeu ao ver sua irmã carrancuda no sofá esperando-
o, se desesperou enquanto dizia.
— Como foi? Laverne é uma garota muito doce.
— Sim, ela é.
— Então? Vai sair com ela de novo?
— Não acredito.
— Por quê?
Alexander não sabia por onde começar. Odiava quando
era intimidado por uma mulher. Parecia que muitas poucas
não tinham medo ou receio dele. Logo depois do que pareceu
um silêncio interminável e que sua irmã ia pular em cima
dele, disse.
— Não tínhamos muito em comum.
— Pelo menos, tentou falar com ela.
Alexander sorriu culpado, e Sofia resignada, parou para
beijá-lo e ir dormir. Ele duvidava que encontraria uma
mulher que o enfeitiçasse e que fizesse pulsar seu coração.
Foi revisar uns documentos e olhou uma pilha de
papéis. Entre eles havia cartas que estavam lá desde o ano
passado. Apesar de ser meia noite e estar um pouco cansado,
ficou a revisá-las.
Logo depois de uns minutos estava sorrindo. Tinha
duvidado que Gabriela Santos fosse escrever e muito menos
que fosse tão divertida e cativante. Já sem sono se dispôs a
responder.
10 meses depois
Gabriela lia às escondidas uma carta de Alexander. Era
a única coisa boa que acontecera nesta semana. Sempre
gostava de ir a sua fazenda em Chone, mas não nestes dias.
Desde que sua irmã tentou escapar, era seu dever fazer papel
de carcereira e suportar seus chiliques.
Estava farta das contínuas brigas em sua casa, desde
que Rocio se negou a casar com o Coronel Olivares. Sua mãe
e sua irmã continuamente discutiam. O pior chegou quando
a deixaram no cargo para que seus pais pudessem viajar à
capital.
Essa era a primeira noite da semana que podia ler sem
tapar as orelhas para não ouvir os gritos e o pranto de sua
irmã.
Voltou a ler a carta.
Boston, 29 de outubro de 1940.
Querida Gabriela,
Espero que esteja bem, continua tendo problemas com sua
irmã? Eu gostei muito do livro que me recomendou, embora não seja
meu tipo de literatura. Voltará para Quito logo? Sabe, minha irmã
adotou um novo cão, agora quase não posso transitar em minha casa
cheia de animais. Quase vivo na fábrica, um dia destes encontrarei
cães em meu quarto, às vezes penso que ela os ama mais que a mim.
Sei que neste momento está franzindo o cenho, prometi a você não
trabalhar tanto.
Gabriela sorriu e voltou para sua leitura.
Só que...
Nesse momento, Meche apareceu na porta, e ela teve
que deixar de ler.
— Acontece algo?
— Fui ver sua irmã e não encontrei ninguém em seu
quarto.
Gabriela ficou pálida enquanto disse:
— Merda.
Mandou um dos peões procurá-la pelos campos e foi
revistar a casa.
Três dias mais tarde, ela tinha vontade de fugir, todos a
culpavam pelo ocorrido. Seus pais não falavam com ela e até
Meche a olhava de esguelha. Estava farta de se sentir um
inseto. Essa noite, nem chorar, olhar a lua ou comer um
pouco de chocolate, fizeram efeito. Quando ia para a terceira
parte do doce, se lembrou de Alexander e releu sua última
carta que havia chegado dois dias antes que tudo se fosse ao
diabo.
Boston, 29 de outubro de 1940.
Querida Gabriela,
Espero que esteja bem, continua tendo problemas com sua
irmã? Eu gostei muito do livro que me recomendou, embora não seja
meu tipo de literatura. Voltará para Quito logo? Sabe, minha irmã
adotou um novo cão, agora quase não posso transitar em minha casa
cheia de animais. Quase vivo na fábrica, um dia destes encontrarei
cães em meu quarto, às vezes penso que ela os ama mais que a mim.
Sei que neste momento está franzindo o cenho, prometi a você não
trabalhar tanto. Só que às vezes não posso evitar; sou um viciado
nisso.
Mudando de tema, na última carta, senti você triste e abatida.
Às vezes escrever parece tão pouco. Queria estar ao seu lado, e que
por um momento, não tivesse que pensar nos outros. Iria protegê-la
em meus braços e faria com que se esquecesse de tudo. Mas isso é
impossível. Estamos a um mundo de distância, só posso dizer que
confio em você e mesmo soe como um tolo penso muito em sua
amizade. Em meus momentos mais escuros, é você a pessoa em que
mais penso.
Soltou a carta e se deu conta que o mesmo acontecia a
ela. Alexander Trewell passou de ser um tipo estranho, a ser
um amigo e o único que a compreendia apesar da distância
que os separava.
Em Boston, Alexander gritava pela milésima vez essa
semana com Vito. Estava de muito mau humor e preocupado
com Gabriela.
Não tinha recebido notícias em dias e sabia que as
coisas estavam mal em sua casa. Ela, em questão de meses,
o conhecia melhor que sua irmã ou qualquer outra pessoa.
Nem sabia quando isso ocorreu. Somente que seu coração
parava e logo voltava a pulsar sem saber dela.
Três semanas depois
Alexander bocejou porque não podia dormir. Nunca
antes tinha sofrido de insônia. Não entendia o que acontecia,
viu uma pilha de papéis e algumas cartas que tinha escrito.
Sentia-se sozinho desde que Gabriela parou de lhe escrever,
ainda tinha problemas familiares quando sua irmã tinha
ficado muito doente. Sua última carta sabia de cor. Desde
que começou a lhe escrever algo tinha mudado nele, sentia-se
menos solitário. Talvez fosse por que não conhecia alguém
que adorasse os chocolates, ao Whitman e caminhar sob a
chuva.
Parou de rolar na cama e se vestiu já eram seis horas da
manhã e cidade começava a se levantar. Caminhou pela rua e
viu as pessoas com suas famílias e pela primeira vez em
muito tempo sentiu um desejo que não podia compreender.
Nem se deu conta que recitava um poema que mandou para
ela fazia alguns meses, da escritora equatoriana Dolores
Veintemilla.
E lhe amar pude! Ao sol da existência,
Abria-se apenas sonhadora a alma...
Perdeu meu pobre coração sua calma,
Do fatal instante em que lhe achei...
Sentia-se tão sozinho que às vezes doía respirar. Sacou
de sua jaqueta uma barra de chocolate amargo e
repentinamente a solidão se esfumaçou de seu coração e não
era pelo doce. Se não pela lembrança da pessoa que o deu de
presente. O que Gabriela estará fazendo neste exato
momento? Perguntou-se, antes de se perder na multidão.
Tinha acabado de tomar uma decisão.
Gabriela tinha passado uma semana quase isolada em
seu quarto, quando sua irmã chegou à casa em Guayaquil
estava machucada e parecia doente. Não tinha desejado falar
com ninguém.
Sua mãe voltou a recorrer a ela, agora como enfermeira
e deixou as duas na fazenda em Chone. Sua irmã não queria
comer e chorava todo o tempo. Ela quase não podia fazer
outra coisa que estar em seu quarto, nem sequer pôde
escrever para Alexander e dizer o que acontecia a sua alma.
Sua irmã estava como sempre chorando e jogada no
chão, tentava convencê-la que tomasse um pouco de caldo.
— Não quero nada me deixe. Você soube alguma coisa
sobre Pablo?
— Não, mas o Coronel Olivares mandou umas coisas
para você e estão lá embaixo.
Gabriela estava farta de ver sua irmã nesse estado.
Nunca tinham se dado bem, mas sempre pensou que ela era
mais forte.
Sua irmã lhe gritou. — Você ouviu, não me ouviu?
Gabriela ficou olhando-a antes de responder.
— Sabe nunca me dei bem com você e sempre pensei
que era uma idiota. Se quer morrer, então que faça isso. Não
sei o que Pablo lhe fez para lhe deixar neste estado, mas
ninguém vai lhe ajudar se continuar assim.
— Não quero a ajuda de ninguém e menos ainda de
você, gorda estúpida.
Gabriela fechou a porta e foi escrever para Alexander,
logo ordenou que ninguém desse de comer a sua irmã se
queria algo devia ir procurar por isso.
Dois dias mais tarde enquanto estava lendo no jardim
viu Rocio caminhar enjoada à cozinha e procurar algo de
comer.
— Pensei que não desceria mais.
— Tenho fome. Você ouviu algo sobre Pablo?
Gabriela quase o tinha esquecido.
— Veio um recado dele ontem. Olha-o está na mesa
junto com os presentes que Coronel Olivares lhe mandou.
Rocio chorou enquanto rasgava o bilhete de seu ex-
amante, logo viu o monte de presentes que o militar tinha
deixado.
— Por favor, Gabi diga a Meche que me prepare um
banho, a Sarita que limpe meu quarto e a Irma que me dê
algo de comer.
Uma semana mais tarde elas viajavam para Quito e
Rocio aceitou se comprometer com o Coronel Olivares como
marido.
Tinha escrito para Alexander, mas não tinha recebido
nenhuma carta. Estava muito triste assim decidiu ir ao
jardim. Não suportava encontrar-se com a grande quantidade
de pessoas que se achavam para o compromisso de sua irmã.
Farta de ouvir "I Got Rhythm", o sexteto de Benny
Goodman. Foi ao pátio esperando não escutar outro brinde,
como um bom chocolate fazia falta. Admirou a lua sabendo
que o que mais lhe faltava era saber dele. Ouviu uns passos,
pensou que era Meche.
Sem vontade de que sua mãe a repreendesse por não
estar na festa disse.
— Meche, diga à mamãe que não me encontrou. Deixe-
me ficar um pouco mais escondida.
— Está me confundindo.
Ela se aproximou para ver quem era o intruso. Era um
homem alto com barba e formosos olhos cinza, parecia
estrangeiro. O que mais lhe impressionou era seu olhar triste
e sua boca carnuda. Desprezando os maus pensamentos se
dirigiu à luz para vê-lo melhor.
— Deseja ver alguém? Quer que lhe indique o caminho
para a sala?
— Vim para busca-la, Gabi.
A moça quase caiu com a impressão. A única pessoa
que a chamava assim era Alexander. Esse homem era muito
diferente da pessoa que recordava do jantar do ano passado.
Sentia que seu coração ia sair, tremia como um pudim e
nem sequer o tinha visto com boa luz. Com a boca seca e ao
ponto de morder o lábio. Perguntou:
— Alexander?
Ele assentiu, contente de que lhe reconhecesse, suava
tanto que a caixa de chocolates escorregava de seus dedos.
Por fim podia vê-la melhor. Ficou gelado, ela era muito
formosa. Recordava-a como uma moça gordinha e não tão
graciosa. Embora seu aspecto deixasse de lhe importar no
mesmo dia que começou a escrever. Agora, vê-la de perto
fazia palpitar seu coração, sentia-se como um adolescente e
não sabia que dizer. Ela voltou a perguntar:
— Alexander?
— Sim, como você está Gabi. — Disse roucamente,
embora não fosse seu desejo.
Ela sentiu que estava em um sonho. Não sabia o que
fazer assim começou a afastar-se.
— Vim por você.
— Por mim?
— Senti saudades de você.
Ela tentou pentear-se, com os dedos. Odiando o
penteado que sua mãe fez.
— É tão estranho te ver frente a frente. — Ela teve que
aproximar-se para poder ouvi-lo.
— Por que veio?
— Sentia saudades.
— Então porque deixou de me responder.
Com o coração apertado perguntou.
— Quer que eu vá? Está aborrecida?
— Somente nervosa, sentia tanta saudade. Quando
deixou de me escrever, pensei que algo urgente tinha
acontecido.
Alexander aproximou-se dela e respondeu:
— Nestas semanas sem você, me dei conta de que não
posso viver sem vê-la. Dei-me conta que não me conformo
com suas cartas. Quero vê-la todo o tempo, toca-la, b...
— B...? O que?
Ele pigarreou e houve um silêncio incômodo. Alexander
se sentia examinado pelos grandes olhos negros de Gabriela,
quando não pôde suportar sentir que brocavam sua alma,
disse:
— Trouxe estes chocolates.
Ela aproximou-se e voltou a olhá-lo.
— Dizia?
Alexander nervoso derrubou a caixa de chocolates.
Rapidamente se ajoelhou para recolhê-los no instante em que
ela também o fazia. Olharam-se nos olhos e se tocaram
levemente os dedos, um do outro. Nenhum dos dois soube
quem deu o primeiro passo e quem beijou primeiro. O
primeiro beijo só foi um toque de lábios tão ligeiro como uma
pluma.
Alexander desejava mais, tinha atravessado meio mundo
por ela, queria tudo. Em especial inundar-se em seus olhos
negros como a noite e em seu coração. Beijou-a com mais
intensidade, surpreendendo-se da reação apaixonada dela.
Nenhum dos dois soube como chegaram a um banco no
jardim. Quando se viam bem, ficaram ruborizados e tremiam
com nervosismo. Entretanto, nunca antes estiveram tão
felizes. Gabriela abriu a caixa de chocolates que lhe trouxe.
Comeram em silêncio e algo mágico surgiu entre os dois.
Sorriram já sem acanhamento e começaram a contar
segredos e fazer planos para o futuro juntos.
Sabiam que nunca mais se separariam.
Gabriela nem sequer se deu conta que alguém chegava
ao jardim, Alexander sentiu uns passos e se separou dela.
Alguns minutos mais tarde estavam frente a eles, Rocio que
os olhava curiosa.
— O que fazem aqui? Quem é este tipo?
— Alexander Trewel e já o conhecíamos comprou cacau
de nosso pai.
Rocio escondeu um bocejo não havia nada que lhe
aborrecesse mais que os negócios de seu pai. Alexander
ajudou Gabriela a se levantar sem deixar de devorá-la com o
olhar o que causou ciúmes em sua irmã.
— Ainda não responderam a minha pergunta. O que
faziam no jardim?
Gabriela o acompanhou ao salão enquanto respondia.
— Olhávamos a lua.
Antes que Rocio pudesse dizer algo mais estavam
dançando.
Gabriela pisou no pé de seu par e o olhou com
vergonha. Alexander levantou seu queixo e sorriu. Ela disse
em voz baixa:
— Odeio dançar.
— Tem suas vantagens. — Estreitou-a entre seus braços
sem deixar de olhá-la. Seus corações pulsavam fortemente e
parecia que todas as pessoas do salão tinham desaparecido.
Tiveram que esbarrar em Alexander para que deixassem
de dançar. O casal um pouco envergonhado foi ao final do
salão sem deixar de ser vigiados por Rocio.
Na manhã seguinte Alexander falou com o pai de
Gabriela sobre seu desejo de cortejá-la e casar-se com ela o
mais rápido possível. Gabriela estava lendo no salão, quando
seu pai furioso a pediu para ir ao seu escritório. Não havia
gostado de inteirar-se que um de seus sócios comerciais
pretendesse a sua filha mais nova. A mãe de Gabriela gritou
aos céus, sua filha casando-se com um gringo herege.
As coisas tampouco foram muito melhores para
Alexander, o senhor Santos foi um pouco grosseiro e o
telegrama que sua irmã enviou era um frágil apoio.
Uma semana depois
Gabriela quando não podia ver Alexander, enviavam
cartas fazendo planos para o futuro, sem importar o que
pensassem os outros.
Após várias negociações e jurar por escrito que não teria
acesso ao que Gabriela herdasse quando seu pai estivesse
morto, Alexander tinha conseguido à mão de Gabriela ou pelo
menos ter a aprovação de seu pai. Sua mãe insistia em que
deveria viver no Equador, incitada principalmente por sua
filha Rocio.
Alexander chegou ao hotel cansado desejando
desesperadamente ver Gabriela, foi à recepção perguntando
se havia alguma mensagem e lhe deram duas cartas. Uma
era de sua irmã e a outra de Gabriela. Acomodado em seu
quarto abriu a carta de seu amor.
1 de Dezembro de 1940.
Querido Alex, cada dia me custa não te ver, não sentir seus
beijos. É tão estranho que sinto um vazio em meu coração quando
não está perto.
Uma batida na porta interrompeu sua leitura, um
mensageiro entregou-lhe um telegrama.
Alex ficou pálido Dom Giacomo estava outra vez mal e
desejava vê-lo. Devia voltar para Boston, olhou a carta que
estava em uma mesinha. Colocou a jaqueta e foi se despedir
de Gabriela.
Quando bateu na porta foi recebido, como sempre, por
uma Rocio amargurada, teve que esperar vários minutos para
ver Gabriela. Ela nervosa, foi recebê-lo, ao ver sua cara
angustiada e o olhar entristecido dele, fez que lhe partisse o
coração.
Nem bem entrou na sala Gabriela foi aos braços dele,
embora sua irmã grunhisse. Várias vezes havia tido que
recordar que Gabriela e ele estavam no século 20 e não em
1800.
Alexander aborrecido e sem perder muito tempo disse:
— Poderia nos deixar a sós? Só será por um momento.
Rocio foi à cozinha.
Já sozinhos na sala, Alexander apertou a mão de
Gabriela.
— Gabriela, Dom Giacomo está mal, devo ir. Assim que
chegar lhe mandarei um telegrama e a chamarei.
Não lhe deixou continuar e chorou em seu peito. Tinha
muito medo que as palavras de sua irmã na noite anterior
fossem certas.
— Se me deixar, eles acreditarão que você viu que não
poderá tirar uma fatia de minha fortuna e foi embora o mais
rápido possível. Digo-lhe isso por experiência.
— Gabi não tenha medo voltarei para você.
Ela não disse nada só ficou olhando.
— Tenho que ir, para organizar a viagem o quanto antes
possível.
— Sim, vá.
— Voltarei e nos casaremos no ano que vem, como
planejamos, na catedral.
Gabriela o viu sair, sabia que retornaria para ela. Mas
quem estaria com ele se Dom Giacomo morresse. Ela não
desejava um casamento grande, essa foi uma ideia de sua
mãe, o que ela queria era estar com Alexander e estudar
medicina. Tinha prometido que lhe ajudaria a inscrever-se em
uma das universidades de lá.
Rocio entrou na sala e lhe deu chocolate quente.
— Acredito que precisa disto, não quero parecer
grosseira, mas lhe disse isso. Eu lhe...
Gabriela deixou sua irmã com as palavras na boca e
correu ao escritório de seu pai.
Alexander não soube quanto tempo esteve caminhando,
sem lhe importar que chovesse. Não sabia o que lhe doía
mais separar-se de Gabriela ou que Dom Giacomo morresse.
Logo depois de uns minutos pensou que deixá-la faria deixar
de pulsar seu coração.
Talvez pudesse convencê-la a ir com ele e casar-se em
Boston, viu seu relógio era quase meia-noite devia dormir um
pouco, iria à primeira hora da manhã vê-la e logo partiria
para seu país.
Chegou ao hotel e não esperou encontrá-la lhe
aguardando na recepção. Gabriela estava semiadormecida em
uma poltrona. Sendo mal vista pela recepcionista e os
seguranças. Com ternura e preocupação seu prometido se
aproximou.
— O que aconteceu Gabi?
Ela olhou-o meio sonolenta, e o abraçou. Com voz baixa
e preocupada respondeu.
— Está molhado?
— Gabi, o que aconteceu?
— Nada, mas não quero que vá.
Alexander ia falar, mas ela pôs seu dedo e o sossegou.
— Irei contigo, não porque tenha medo de lhe perder. É
que não posso viver sem você, não quero que se ocorrer algo a
Dom Giacomo esteja sozinho. Não é...
Acalmou-a beijando-a e dando um forte abraço.
— Sei. E seus pais?
— Estão chateados, mas meu lar é onde você esteja.
A recepcionista ficou prestando a atenção em sua
conversa. Para nenhum deles importou o que pensava, sem
deixar de abraçá-la Alexander lhe disse.
— Sou um egoísta, deveria deixar que parta, mas não
tenho forças. Amo-a tanto que não consigo pensar em uma
vida sem você.
Ela o abraçou, sem dizer nada. A recepcionista tossiu
lhes fazendo notar sua presença.
— Faz frio, será melhor que subamos para seu quarto.
Alexander tragou a saliva, estava um pouco nervoso,
sentia-se como um menino de quinze anos. Até que viu seu
olhar, ela estava igual de intranquila, mas cheia de paixão e
sobre tudo de amor.
Entraram no frio quarto e dele se via a lua pela janela.
Alexander fechou a porta depois que pôde respirar, queria lhe
dizer tantas coisas, mas as palavras ficaram em sua garganta
ao olhar para seus olhos negros.
Gabriela sentia como se a cada passo se afastava de sua
antiga vida, desejava por um momento retroceder e voltar a
ser a menina gordinha e sabichona da qual se burlava sua
irmã. Fechou os olhos e sua mente foi para as plantações de
cacau de seu pai.
Uma singela carícia lhe fez abrir os olhos e pôde ver
Alexander com seus olhos cinza cheios de paixão e suas mãos
grandes tocando brandamente sua bochecha. Ela temerosa
se aproximou, sabendo que seu destino era estar com ele e
não havia nada a temer.
— Está molhado, será melhor que tire a roupa.
Gabriela lhe tirou a jaqueta. Alexander a beijou de novo
com urgência tremendo de desejo, suas mãos acariciavam
seu pescoço desciam pela blusa branca de Gabriela.
Deixou-a nua lentamente e por um momento olhou a
lua. Muitas vezes em sua vida pensou que nunca se
apaixonaria até que conheceu Gabriela, era mais sedutora
que qualquer pessoa e com uma alma pura. Sabia que não a
merecia, mas mesmo assim ficaria com ela para sempre.
Gabriela se sentia envergonhada ninguém a tinha visto
nua antes, queria cobrir-se, mas não lhe disse.
— É bela deixe-me olhar.
Gabriela gemeu ante seu escrutínio.
24 de Dezembro de 1940
Gabriela olhava a árvore de Natal e se sentia tão
estranha celebrando o Natal em outra parte. Sentia frio,
sentia saudades de sua mãe reclamando de tudo, rezar a
novena, até Rocio fazia falta.
Ouviu alguns passos, o mais provável é que fosse a irmã
de Alexander que se esqueceu de algo. Quanto ao seu marido,
o veria no jantar desta noite. Ainda não se acostumava a
estar casada, só tinham passado algumas semanas, às vezes
pensava que tudo era um sonho.
Era feliz apesar do frio e do idioma, mas um dia como
hoje, fazia falta tudo o que tinha deixado. Fortes braços lhe
abraçaram e sentiu eletricidade correr por seu corpo, era seu
marido sabia por seu contato e aroma.
— Sentiu saudades?
— Sim, pensei que o veria no jantar. Iremos à casa da
senhora Mancotti?
— Sim, mas primeiro queria lhe dar o seu presente de
Natal, eu me esforcei muito especialmente quando entramos
na guerra e o país está revolucionado.
— O que vai me dar?
— Feche os olhos.
— Se me beijar primeiro. — Alexander se inclinou e a
beijou com suavidade, até tremia cada vez que o fazia, cada
contato com ela era algo mágico, erótico e único.
Teve que lutar para não alongar o beijo e levá-la ao
escuro do jardim e amá-la como a noite anterior. Gabriela
gemeu com decepção no momento em que seu marido se
afastou. Ele a devorou enquanto dizia.
— Vem, não me tente.
Levou-lhe a sala e disse:
— Abra os olhos.
Na sala, estava sua família, até Meche se encontrava lá.
Gabriela beijou seu marido novamente.
— Pensei que não desejavam vir.
Seu pai se aproximou dela, enquanto dizia:
— Seu marido é muito insistente.
— Papi quanto senti saudades.
Logo beijou sua mãe, irmã e Meche, até seu cunhado se
encontrava, foram à festa da família Mancotti e estiveram
celebrando seu reencontro.
Era a primeira vez que para Gabriela sentia a mágica do
Natal, porque estava com alguém que a amava tal como era.
Quando todos estavam no meio da festa, Alexander partiu
como sempre, para o jardim, para olhar a lua e não esperava
que alguém estivesse sentada em seu lugar.
— Não pensei que você demoraria tanto.
— Desde quando está aqui?
— Desde sempre, acredito. Há tanta gente e tanto
barulho que me senti perdida.
— O mesmo acontece comigo.
Ele se sentou junto a ela e lhe abraçou, enquanto
beijava seu pescoço.
— Tem frio?
— Não mais.
— E fome?
— Quero chocolate.
— Sabia.
Pegou um tablete do bolso e deu para ela, enquanto a
beijava no pescoço e suas mãos baixavam aos seus seios,
para Alexander a pele de sua esposa era o mais fino
chocolate.
Gabriela gemia de prazer enquanto olhava a lua e
recordava que uma vez, quando era menina. Nessa mesma
data pediu um grande amor, só podia agradecer a Deus havê-
lo encontrado.